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O CREDO VERMELHO

Marianna Ferrodri
O CREDO VERMELHO
Marianna Ferrodri
2022 Marianna Ferrodri

CAPA
Manoela Menna Barreto

PROJETO GRÁFICO
Marianna Ferrodri

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.


Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida
sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos
autores e editores.

Esta é uma obra independente.

@mariannaferrodri
“sim

as horas de trégua

Quando se afiam
as facas”

(Eunice Arruda)
O CREDO VERMELHO

Salvador,
novembro de 37.
Que espetáculo.
À base de fogo, a faxina da subversão.
Palavras-Bala tornando-se fuligem em praça pública.

Não há o que temer:


o credo vermelho tem do fogo seu combustível.
A POESIA EXISTE NOS FATOS

Oswald de Andrade. Jorge Amado. Solano Trindade. Rubem


Braga. Beatriz Bandeira. Mauro Iasi. Cyro Martins. Paulo
Leminski. Dyonélio Machado. Edith Hervé. Bandeira Tribuzi.
Bernardo Élis. Graciliano Ramos. Dalcídio Jurandir. Raquel de
Queiroz. Eduardo Alves da Costa. Manoel de Barros. Pagu.
Orígenes Lessa. Dias Gomes. Laci Osório. Lila Ripoll. Aníbal
Machado. Carlos Drummond de Andrade. Ana Montenegro.
Carlos Marighella. E muitas outras.
GENEALOGIA

A coragem
a mobília da casa.
O ímpeto, a vontade, o desejo
três irmãos crescidos.
A ação coletiva
uma anciã.

O medo
um primo distante.
“É preciso enquanto é tempo
não morrer na via pública”
Torquato Neto

MOTIM

É preciso parar de pensar.


É preciso cessar o movimento.
É preciso calar-se. É preciso que
o tempo não passe. Que se institua
o vazio. É preciso que não seja preciso
dizer nada e tudo continue no devido
lugar.
Tempos que nos parece uma grande dificuldade
ceder a um amor
não correligionário.
POEMA PARA FAZER SOL

Abaixo de seus nortes


esperavam encontrar um só sul?
Esperavam as mesmas línguas
uma só corporação?
Não esperavam dos rios os afluentes
os sedimentos, a intermitência?
Não esperavam a variedade das colheitas?
Esperavam especificidade
um símbolo, um aguião?
Esperavam o mesmo regime de chuvas
as mesmas aves, o mesmo pôr do sol?
Não bastassem tantas ingenuidades
acreditariam ainda que a submissão seria encontrada
como grama
em todas as esquinas?
Nunca houve democracia para quem sempre teve a vida
a como sorte. Nunca houve democracia para quem sempr
re teve a vida como sorte. Nunca houve democracia para
a quem sempre teve a vida como sorte. Nunca houve dem
FIM DA HISTÓRIA

Agora supostamente já passou


já foi aterrada toda a crueldade.
E quando por acaso - acidentalmente- eles dizem
escapar um fio de crueldade
dirão ser apenas uma falha no concreto
algo que se conserte
de novo e de novo
será só uma questão de recalcular o plano.
E se você por acaso for
uma mulher
ou homem que questiona.
Tratará de ser uma questão de não ser
uma mulher ou homem que questiona.
NESSE ANO VERMELHO

Nesse ano vermelho


todos os dias são grandes estrondos
falamos de f u t e b o l
política
batuque
tomamos c e r v e j a
ódio
conhaque
não temos d i n h e i r o
pudor
saúde
temos coragem
pressa
classe

Nesse ano vermelho (mais do que nunca)


não há espaço para conciliação.
I

Não há trégua.
Quem pensa que um dia
a verdade definitivamente se estampará
em uma folha ou
em pixels
Ou mesmo que haverá um grande dia que chegará
como um julgamento final – céu ou inferno
desconhece a construção cotidiana
de mais de mil ombros ao lado de seus ombros
de mais de mil dedos em suas próprias mãos.
E a partir desse ano
há de correr mais de mil anos
em que continuaremos todos os dias a reformular a rota
mesmo que todos os dias almejemos o mesmo destino.

II

Não há trégua.
Passaremos
[isso quantas vezes for preciso
pelos momentos em que se conforma
qual é e qual não é nosso caminho
quem são e quem não são nossos aliados
pela aspereza da escuta e o cuidado do olhar
a velocidade e o momento da ação.
III

Não há trégua.

E a gente não cede.


Não cede nunca.

Poema escrito em ocasião dos cem anos do Partido Comunista


Brasileiro (PCB).
PARA MELHORES SAFRAS

Maus tempos esses na américa:


as sementes começaram a germinar.

Os maus tempos se repetem sucessivamente.


Não foram eles mais ou menos maus
cada um nos esmagou como melhor pôde;
cada um com suas sementes.

Quando elas germinam,


quer dizer que suas raízes encontraram onde se estabelecer
sabem exatamente como se alimentarão
e como se expandirão;
elas têm um projeto.

Será mais difícil dessa vez expurgar as pragas;


é preciso antes entender onde e como agem
elas estão cada vez mais complexas.
É preciso aprender o caminho das minhocas.

Então nos dediquemos à entender as minhocas:


minhocas podem ter até quinze pares de coração,
e com eles trabalham incessantemente para nutrir o solo.
É preciso seguir o caminho das minhocas.

Maus tempos esses na américa:


as sementes começaram a germinar.
Marianna Ferrodri é carioca e
nascida em maio de 2001. É
autora de as formas de gelo
estão vazias (2020) e Quem
odeia despedidas (2020).

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