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História do Brasil Contemporâneo

3º RELATÓRIO DE INVESTIGAÇÃO
ANÁLISE DAS CARICATURAS DE BELMONTE

Docente: Paulo Jorge Fernandes


Discente: Carolina Gonçalves nº 58364

Ano letivo 2021/22


Célebre cartunista, ilustrador, caricaturista, cronista e romancista, Benedito
Bastos Barreto, conhecido pelo pseudónimo Belmonte iniciou a publicação da sua arte
em S. Paulo no ano de 1925 no periódico “Folha da Noite”, hoje designado por “Folha de
S. Paulo.” É aí que nasce a figura mais afamada da caricatura Brasileira: Juca Pato, a
personagem careca por “tanto levar na cabeça” onde consigo levava o lema “podia ser
pior”, retratava, em tom descomedido e humorístico, a realidade Paulista, e tipificou o
brasileiro da classe média nos anos 30 e 40.1 Para o autor, a arte e o humor eram
catalisadores de uma literacia social, de um reconhecimento popular dos problemas
políticos, económicos e sociais“ (…) e registando os disparates que passavam ao alcance
da minha pena. Que esses disparates eram – e continuam sendo, incontáveis”2

De facto, o Brasil dos anos 20 é tido como um país de uma modernidade periférica
herdada e ainda em desenvolvimento, proveniente de uma antiga ordem rural patriarcal,
a elite carioca, que se via agora a experienciar o mundo urbano, dotados de um modus
vivendi novo, onde as modas, os modos, os costumes e hábitos metamorfosearam-se no
reforço da ideia de classe e pertença social. Sob um olhar geograficamente micro, o rio
de Janeiro, na periferia de um sistema económico ocidental, dispôs-se a reforçar os laços
neocoloniais, com as nações centrais do Hemisfério Norte. Esta matriz europeia assim
acumulada nas primeiras décadas do século XX, criou a necessidade de uma aproximação
à influência americana, em sequência do pós- primeira Guerra Mundial. Paralelamente a
este fenómeno, as elites intelectuais e a bibliografia a si correspondente denotam a
emergência de uma consciência nacional, que apesar de não ser exclusiva ao Brasil, era
sinal da necessidade de identificação e identidade nacional sob então a paulatina
sobreposição da influência cultural norte Americana. Para as elites3, o fim da primeira
Guerra significou a abertura a novas possibilidades e margens de lucro, aqui,
acompanhadas do processo de urbanização e industrialização, dos incentivos à imigração
estrangeira, do fim definitivo da escravatura, e o investimento da economia do café. À
margem deste paradigma aparentemente otimista, estavam problemas que se assentavam

1
Como é passível de se observar na charge em anexo (imagem 1)
2
BELMONTE, Assim falou Juca Pato, Aspectos divertidos de uma confusão dramática, Companhia
editora Nacional (ed.), S. Paulo, 1933, pp.6
3
Como negociantes, políticos, financistas, burocratas,.que na maioria seriam descendentes de famílias
proprietárias rurais.
na preocupante crise inflacionária, no agravar do custo de vida4, e a própria estrutura
politica Republicana que se via corrompida pelo compadrio, pela corrupção eleitoral5,
troca de favores, e abusos de poder que ampliou, inconscientemente, novas matizes
politicas ideológicas e aversão ao sistema instituído, que é aliás exemplificado pelo
surgimento do Partido comunista Brasileiro em 1922, pelo movimento feminista de
Bertha Lutz, pelas rebeliões tenentistas que marcaram a revolta dos 18 do Forte de
Copacabana em Janeiro de 1922 e a Revolta de 1924 em S. Paulo. Como nos elucida
GORBERG “(…) em meio a crises políticas e econômicas, essas revistas cariocas mantinham
o foco sobre a “vida social”: eventos festivos, competições esportivas, chás dançantes,
bailes comemorativos e soirées teatrais pareciam ter maior influência e importância para
os leitores do que qualquer outro assunto”6.

As caricaturas surgem neste plano como recriações da época em que se inseriam,


como testemunhas do quotidiano, das emoções humanas e as suas relações sociais,
recorrendo à expressão artística e ao humor não só para entreter, no olhar dos mais
distraídos, mas também para reforçar ou contestar comportamentos e papeis sociais nos
domínios da vida publica e privada no imaginário urbano como nos explica Sigmund
Freud na obra Os chistes e sua relação com o inconsciente em 1905:

“(…) a piada pode compartilhar a crítica social e a denúncia das


hipocrisias que sobrevivem em qualquer grupamento, bem como a evidência
da farsa embutida na tentativa de se eternizar toda e qualquer idealização,
favorecendo, ainda que pontualmente, uma libertação temporária das
imposições sociais anacrónicas (…)

Ilustradas nas caricaturas de Belmonte temas como a androgenia, o preconceito


racial7, as desigualdades sociais, o desejo da influência e reconhecimento social
descomedidos, a obsessão pelas aparências, as relações de género, a materialidade

4
Estas noções da realidade política brasileira não foram esquecidas por Belmonte, pelo que a seguinte
charge (ver Anexo figura 3) não deixa duvida da critica subjacente à imagem irrealista do Brasil pintado
aos olhos de Getúlio Vargas como que “em progresso” quando na realidade a fome e desnutrição eram
vivencias naturais para a maioria dos brasileiros.
5
Percetível aliás na satírica ilustrada por Belmonte (ver anexo, imagem 5)
6
GORBERG, Marissa, Um Olhar Sobre As Caricaturas De Belmonte (1923-1927), Rio de Janeiro, Janeiro
de 2018 Pp.33
7
Alvo de evidente critica por Belmonte na seguinte charge (ver anexo, imagem 4)
social e a disseminação do consumo individual8 como reflexo da esfera social,
codificam simbolicamente o paradigma do mundo urbano em S. Paulo, onde aliás
o artista se identificava como sujeito-autor-narrador e etnógrafo da cidade como
nos explica Marissa Gorberg “(…) testemunhavam os contrassensos de uma época
percebida pelos encantados como tempos eufóricos, oferecendo a eles,
ironicamente, contra-narrativas disfóricas”9 A sua capacidade de mobilização e
intervenção social a si aleadas, também pelo aflorar da cultura de massas tornaram
a caricatura um meio de expressar o presente de outrora, assim como fez a cronica.
Estas duas expressões artísticas coincidem na ideia de que ambas são criações
subjetivas quanto narrativas do seu tempo, que alheadas ao desenvolvimento e a
expansão da imprensa conseguiram evoluir e tornarem-se representações mais
objetivas, concretas, mais leves e simples no seu método e linguagem visual.

Contornos nítidos, apenas os traços mais característicos das situações ou dos


personagens enfocados, condensação no espaço caricatural apenas das
informações que o tornem cômico: é pela síntese rápida e de fácil
decodificação que trabalham os chargistas. E é, em parte, como eles que
trabalham os romancistas-cronistas do período. (SÜSSEKIND, 1987, p. 107-
108)

De facto, a distribuição em massa de revistas para usufruto da arte, simbolizou para


estas a sua própria independência artística, quebrando-se, paulatinamente, os
antigos vínculos com o mecenato. A procura crescente de tendências culturais
nacionais ia ao encontro da necessidade de renovação da modernidade, diferente do
modernismo estrangeiro empregue no Brasil entre 1917 a 1923.

Sob esta perspetiva, e deste modo concluir esta prevê redação, as charges
apresentam-se para os historiadores como espectadores e atores das mutações
sociais e aquilo que elas acarretavam de positivo e negativo “não são, pois,
documentos os objetos de pesquisa, mas instrumentos dela: o objeto é sempre a
sociedade. Por isso, não há como dispensar aqui, também, a formulação de
problemas históricos, para serem encaminhados por intermédio de fontes visuais,

8
Como é passível de se observar na charge em anexo (imagem 2)
9
GORBERG, Marissa, Um Olhar Sobre As Caricaturas De Belmonte (1923-1927), Rio de Janeiro,
Janeiro de 2018, Pp.13
associadas a quaisquer outras fontes pertinentes.” (MENESES, 2003, p. 28) Para
Belmonte “a questão está em tomar um assunto complicado e difícil, digeri-lo,
simplificá-lo e torná-lo acessível ao grande público. Resumir numa charge, por
exemplo, um problema econômico ou financeiro, eis o ideal(...) fazer arte para ser
entendido por algumas pessoas é criar uma aristocracia artística." Sendo esta
expressão artística corrente na atualidade por ilustrar em moldes humorísticos
problemas enraizados nas sociedades em que se integra, foi com naturalidade
promovida pela História Cultural e integrada na investigação para a produção de
conhecimento histórico.

históricos, para serem encaminhados por intermédio de fontes visuais,


associadas a
quaisquer outras fontes pertinentes. (MENESES, 2003, p. 28)
ANEXOS

1. Juca Pato, célebre personagem de Belmonte.

2. Juca Pato surpreende-se com as mudanças urbanas provocadas


pelo aumento da frota de automóveis.
3. Belmonte denunciou a política populista de Getulio Vargas que
escondia a real situação do país.

4. Monteiro Lobato e seus personagens infantis no traço de


Belmonte. Sítio do Pica-pau Amarelo.
5. “Bombeiro Getúlio” mostra Vargas como um manipulador político
que cria situações de ameaça para se manter no poder.

Bibliografia:

BELMONTE, Assim falou Juca Pato, Aspectos divertidos de uma confusão dramática,
Companhia editora Nacional (ed.), S. Paulo, 1933
GORBERG, Marissa, Um Olhar Sobre As Caricaturas De Belmonte (1923-1927), Rio de
Janeiro, Janeiro de 2018

Imagem de Capa https://vejasp.abril.com.br/blog/memoria/belmonte-cartunista-livro/

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