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BRASILEIRA
E-book 1
Neste E-Book:
INTRODUÇÃO����������������������������������������������������������� 3
HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA������������������������� 4
História, Historiografia e memória�������������������������������������������6
O motivo edênico e o pecado: construções de narrativa�����11
Fontes documentais: as crônicas coloniais e como
podemos analisá-las���������������������������������������������������������������19
CONSIDERAÇÕES FINAIS����������������������������������� 33
SÍNTESE�������������������������������������������������������������������� 35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS &
CONSULTADAS�������������������������������������������������������36
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INTRODUÇÃO
A História da Historiografia é a investigação e re-
flexão sobre a produção histórica a partir de uma
metodologia específica. Neste e-book, estudaremos
como se faz a análise da História do Brasil Colonial a
partir da leitura de três crônicas: Tratado Descritivo
do Brasil, ou Notícias do Brasil (1587), de Gabriel
Soares de Sousa (1540-1591); Historia do Brazil,
de Frei Vicente do Salvador (1564-1636), e Cultura
e opulência do Brasil (1711), de André João Antonil
(1649-1716). A temática abordada será a do Brasil
edênico e pecador, narrativas que tinham um propó-
sito. Cada uma dessas crônicas expressa um ponto
de vista e você que o estuda o faz por meio de di-
mensões políticas, culturais e sociais específicas. Por
isso que ao longo da disciplina aprenderemos como
o Brasil foi retratado por pensadores, intelectuais e
historiadores. Neste momento do estudo, a docu-
mentação é composta por, basicamente, relatos de
experiências e ideias que foram fundamentais para
que descobríssemos as características do nosso
país segundo aqueles que as narraram.
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HISTÓRIA DA
HISTORIOGRAFIA
Antes de adentrarmos os conceitos e temas deste
e-book em específico, é importante que você saiba
que a História do Brasil foi construída em momentos
diferentes do tempo. Cada época tinha um ponto
de vista, uma ideia, uma necessidade, e é isso que
o professor e o historiador devem ter em mente. A
historicidade, ou seja, a realidade histórica, é funda-
mental para que possamos entender a importância
da História da Historiografia. Os conceitos que você
aprenderá aqui são parte de toda uma estrutura da
escrita da História, que é muito mais complexa do
que ler documentos e interpretá-los. Precisamos de
base epistemológica, de conhecimento, para que os
registros do passado sejam inteligíveis para nós no
presente. No momento em que entendemos o que
é História e memória, a forma como abordamos o
documento muda e, também, a maneira de dar aula.
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de opções para a sala de aula, assim como para as
avaliações. Você verá algumas possibilidades de
se utilizar fontes documentais com os estudantes
e, contando com o apoio do livro didático, eles cada
vez mais entenderão as áreas cinzas da vida, que
não é feita apenas de extremos.
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também, aos nativos americanos. Analisaremos es-
sas questões e, para reforçar o conhecimento histo-
riográfico, três importantes crônicas coloniais serão
analisadas parcialmente.
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riam anteriormente, mas foi nesse momento em que
se profissionalizou o ofício. Seu nascimento está
conectado à necessidade de se categorizar o tempo.
Se o passado é modelado no presente, ele está à
mercê da moral e dos preceitos do agora, que elabora
os métodos, classificações e definições. Por isso, é
imprescindível estudar a História da Historiografia,
quando podemos observar como o passado foi for-
mulado em cada momento.
FIQUE ATENTO
É importante destacar-se que não existe um con-
senso em relação à História da Historiografia ou
às teorias da História. Aqui, entraremos no âmbito
da História Cultural, que analisa os conceitos de
História e memória, e do processo de apropriação
e ressignificação do passado a partir do ponto de
vista cultural. Outras “escolas”, como a História
Social, a História Econômica etc., apenas possuem
um viés diferente, mas todas são igualmente ne-
cessárias e fazem parte da análise do nosso ofício.
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pressupõe uma escolha. Ela é uma construção, tem
questões políticas atreladas e pode ser feita a partir
de imagens e de textos, dentre outras mídias. Por
exemplo, tornou-se memória coletiva a importância
de Tiradentes no advento da Inconfidência Mineira. A
consequência da desobediência foi o aprisionamento
de vários participantes e a condenação à morte de
tantos outros. Porém, Tiradentes se tornou o per-
sonagem símbolo da opressão colonial, narrativa
construída, sobretudo, pelos republicanos. Veja a
obra abaixo:
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Pedro Américo (1843-1905) foi um artista paraibano
que frequentou a Academia Imperial de Belas Artes
no Rio de Janeiro e se tornou um dos principais pinto-
res associados ao Império Brasileiro. Pintou quadros
célebres como o Independência ou Morte, em 1888,
no qual retrata um Dom Pedro I heroico e salvador da
pátria. Porém, como dito anteriormente, esse quadro
do Tiradentes ajudou a consolidar a memória nacio-
nal republicana, que queria ressignificar a História
contada até então. Logo após a Proclamação da
República, em 1889, Américo foi afastado das esco-
las artísticas por sua ligação com a monarquia, mas,
mesmo assim, sua obra fez parte da construção de
um dos mitos da origem brasileira: o herói que lutou
contra o domínio colonial.
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pactante ver a cabeça ensanguentada sobre um pano
branco, que evidencia a cor vermelha.
SAIBA MAIS
José Murilo de Carvalho publicou umas das mais
importantes obras sobre a construção do imagi-
nário republicano brasileiro chamada A Formação
das almas: o imaginário da República no Brasil.
Essa é uma dica especial pois, como professor de
História, você pode entender o processo de produ-
ção de uma memória imagética e retirar do texto
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os diversos exemplos dados pelo autor, que aborda
a escolha da bandeira nacional, do hino e até da
representação da República. Imperdível!
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O Éden não era apenas uma metáfora na Europa, era
tão real quanto possível, fazendo parte da narrativa
que foi a régua para que os viajantes e cronistas
imaginassem as terras inóspitas à oeste do Atlântico,
que, inclusive, foram retratadas em mapas e cartas.
Nesse período, a concepção de tempo era linear, com
um fim determinado: o Juízo Final. A Igreja determi-
nava o imaginário, sendo que a providência divina era
inexorável. A Bíblia era o livro de regras a ser seguido,
pautando a moral e a ética social.
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a Revolução Científica ocorrida no Renascimento,
respostas assertivas surgissem.
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nativos que, dessa maneira, possuiriam um ancestral
cristão. Para além da discussão sobre as especifici-
dades do santo em cada região, o mais interessante
é ver como os indígenas eram diminuídos mais uma
vez na narrativa europeia. Esse ponto de vista nos
atinge até hoje no Brasil, já que a população indígena
e seus costumes ainda são muito questionados. No
século 19 essa perspectiva não mudou e ganhou um
peso científico com o desenvolvimento do darwinis-
mo social, por exemplo.
SAIBA MAIS
Para entender o “choque cultural” entre portugue-
ses e indígenas e as consequências desse momen-
to, confira a série documental chamada Guerras
do Brasil.doc (2018), especificamente o primeiro
episódio, “As Guerras da Conquista”, disponível na
plataforma de streaming Netflix.
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Ibérica, ou seja, acontecimentos que mexiam com a
estrutura do país, sobretudo da população. Ao anali-
sarmos um documento de cada década, por exemplo,
mesmo que pertença ao contexto do ciclo do açúcar,
teremos perspectivas, visões e desenvolvimentos di-
ferentes. Porém, a visão edênica do país se manteve
por anos. Por quê?
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tugueses tinham de base epistemológica sobre o
desconhecido, que, no início da colonização, era a
América. Cristóvão Colombo escreveu que encontrou
o “Paraíso na Terra” ao chegar no “Novo Mundo”. Seus
diários deixaram marcas na sociedade da época, que
repercutiam o que seria esse local descoberto.
Podcast 1
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cana-de-açúcar se adaptara muito bem ao solo brasi-
leiro. Os lucros cresciam, as metrópoles enriqueciam:
encontraram o Paraíso. Os verdes das matas, o azul
do céu, as águas abundantes e límpidas e a terra
fértil foram características comuns nos textos dos
viajantes. Porém, conforme a colonização avançava,
os problemas surgiam.
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A representação dos indígenas e das terras brasilei-
ras pelos viajantes diferiam entre si, mas todas abor-
davam com interesse e curiosidade os hábitos dos
nativos. Jean de Léry (1536 – 1613), por exemplo,
abordou diversos aspectos da sua relação com os
tupinambás, desde as alianças com os franceses, na
época da França Antártica (1555 a 1570), até tradi-
ções como o canibalismo, que causava repulsa nos
europeus. O ritual de comer seus inimigos era sím-
bolo de coragem e uma das celebrações das vitórias.
Outros grupos, como os aimorés, alimentavam-se de
carne humana, era prática comum, não apenas em
ocasiões especiais.
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Fontes documentais: as
crônicas coloniais e como
podemos analisá-las
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Os viajantes eram testemunhas oculares que esco-
lheram um ponto de vista para descrever o Brasil. A
objetividade e a subjetividade do discurso histórico
são aspectos que devem ser lembrados quando es-
tudamos as fontes. Mesmo que exista a verdade
histórica, as experiências do autor e o contexto em
que se sucederam devem ser levados em considera-
ção. A imparcialidade não tem espaço no processo
de análise documental, assim como em várias outras
áreas. Quando nós, professores, escolhemos determi-
nado livro para utilizarmos em sala de aula, estamos
tomando uma decisão que é parcial. Mesmo que haja
recomendação da escola ou do Estado, esses bole-
tins também estão permeados de escolhas. Isso não
é ruim, muito pelo contrário. E se você tiver sempre
essa premissa em seus pensamentos ao abordar um
documento, sua análise será mais proveitosa. Assim,
ao se trabalhar a fonte na sala de aula, convém ao
professor de História aliá-la à biografia do autor, fazer
um pequeno contexto da produção da fonte e de sua
publicação, e aí sim discutir o conteúdo.
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Não se tem certeza de quando começou a escrever
sua obra mais conhecida – Historia do Brazil –, po-
rém acredita-se que foi publicada por volta de 1620.
Composta por cinco livros, sua narrativa é linear e
aborda desde a chegada de Cabral até a formação
dos Governos-Gerais, com destaque aos governantes.
O primeiro livro, além da cronologia política, retrata o
“descobrimento” da natureza, do clima, da vegetação
e dos animais, assim como os hábitos dos indígenas.
O segundo e terceiro livros começam a destacar o
estabelecimento das Capitanias Hereditárias e das
atividades exploratórias.
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No primeiro capítulo encontra-se uma informação
importante acerca da chegada dos portugueses. O
autor afirma que o Brasil foi descoberto por acaso,
não de propósito, o que já foi debatido vastamente
pela historiografia. Confira o trecho:
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morou, além dos direitos e deveres dos donatários.
Logo no início da obra, quando descreve a paisagem
da Bahia, o estilo narrativo é mais figurativo, poético
inclusive. Contudo, ele equilibra sua escrita entre
metáforas e dados. Por exemplo, é considerado um
dos primeiros cronistas a explicar o significado do
nome Brasil, que foi atribuído por causa da árvore
com tronco vermelho – o pau-brasil – e que tinha
muito valor na Europa, por ser um corante natural.
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e necessitava de um largo aparato militar para ser
guardado. Veja o que ele diz sobre o episódio:
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o caminho pelo qual deveriam passar, sobretudo os
indígenas, para se purificarem. Como afirmamos
anteriormente, a Igreja tinha um projeto de conversão
universal na tentativa de preparar a humanidade para
o Juízo Final. Além disso, o “Novo Continente” era
considerado o Éden para alguns religiosos. Salvador,
por sua vez, acreditava que a colônia não seguira os
preceitos de Deus, uma vez que a parte “Brasil” se
tornou mais forte que a “Terra de Santa Cruz”.
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A historiografia já analisou que muitos colonos des-
bravaram as terras a oeste no intuito de enriquecerem
com os dotes naturais. Porém, no caso de Sousa,
ele decidiu pedir permissão, seguir as regras. Foi
nessa estadia em Portugal que escreveu seu Tratado
Descritivo do Brasil (também conhecido como
Notícias do Brasil), na provável busca por títulos e
posses, algo comum entre cronistas e viajantes, além
de ressaltar as diferenças de narrativas entre autores,
inclusive entre os que estamos analisando aqui.
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Os indígenas também aparecem nas páginas como
partes importantes do processo de colonização, in-
clusive na questão das invasões. Os franceses, que
tomaram a costa sudeste, instauraram o processo de
exploração da mata adjacente e tal prática era refuta-
da pela Coroa. Sousa alertou sobre a irregularidade
e que os portugueses deveriam averiguar melhor a
situação. Após a expulsão, eles adotaram a venda de
produtos como o pau-brasil antes do estabelecimen-
to dos engenhos para a produção de cana-de-açúcar.
Agora, os indígenas nem sempre eram retratados de
forma amena e essa descrição pode ser feita em sala
de aula. Veja o exemplo abaixo:
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autores para mostrar ao estudante as narrativas e,
dessa forma, apontar como a historiografia brasileira
se desenvolveu. Já vimos neste e-book as divergên-
cias entre o texto de Frei Vicente do Salvador e o de
Gabriel Soares de Sousa, tanto na intenção quanto
no estilo de escrita.
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acompanhado do Padre Antônio Vieira (1608-1697)
e aqui permaneceu. Fez carreira como professor de
retórica, assumiu a reitoria do Colégio da Bahia e,
também, realizou excursões no país. Diferentemente
dos autores anteriores, sua obra foi sequestrada no
século 18, logo após sua publicação. A perseguição
aos livros foi uma prática comum naquela época, por
diversos motivos, por questão religiosa e/ou política,
sempre com a outorga da Coroa. No caso de Cultura
e opulência do Brasil por suas drogas e minas, havia
o temor de que outros países se interessassem em
invadir o Brasil devido às suas riquezas. Devido ao
confisco, o livro foi quase destruído e apenas recu-
perado no século 19.
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O trabalho de Antonil foi uma das fontes documentais
que embasaram o conhecimento moderno sobre a
decadência do ciclo do açúcar no final do século 17,
momento que o próprio autor vivenciou. Se crônicas
como as de Frei Vicente do Salvador e de Sousa ti-
nham um estilo narrativo mais próximo do relato, o
italiano buscava ser mais técnico, com informações
colhidas especificamente para isso. Veja só como
ele descreve suas intenções:
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locais. Nos Estados Unidos, por exemplo, foram colo-
cados nas plantações de tabaco e algodão, enquanto
no Brasil a maioria se encontrava nas lavouras de
cana. Nas Antilhas e em outras regiões da América,
espanhóis e holandeses levaram algumas mudas e
iniciaram os plantios, aumentando a concorrência
para o açúcar brasileiro. Os preços internos subiram,
já que a inflação em Portugal era alta, atingindo ou-
tros produtos também. Antonil, além de fazer essas
análises, propunha soluções.
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O descobrimento de ouro e pedras preciosas no in-
terior foi muito comemorado pela metrópole e pelos
colonos, o que reacendeu o imaginário em volta do
el dorado na América Portuguesa. Porém, a extra-
ção deveria ser organizada, já que muitos homens
se deslocaram para lá na ânsia de enriquecerem e
não necessariamente pensavam na atividade como
prática econômica substancial para todos. Como re-
ligiosos, ele compreendia o problema que a ambição
poderia fazer ao povo.
Podcast 2
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste e-book você aprendeu que a História é a ci-
ência que utiliza o passado como matéria-prima e
a sua escrita é a receita produzida pelo historiador.
Para isso, ele segue alguns passos, que seria a me-
todologia. A História é diversa, o que faz a análise
historiográfica muito interessante. A História da
Historiografia é a disciplina que estuda os próprios
historiadores e, também, a historicidade da História,
isto é, como essa ciência era vista e produzida em
cada época. A História do Brasil Colonial feita pelos
viajantes que vivenciaram diferentes experiências
aqui mostra a maneira como a colônia era entendida.
Conseguimos, assim, aliar os conhecimentos factuais
acerca desse período (como os ciclos econômicos,
as revoltas, as mudanças políticas, a administração,
os rituais e costumes etc.) com as teorias históricas
comuns à época.
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nizadores. Essa era a forma de se escrever a História
no período colonial, mas, para exemplificar, temos
três representantes de viajantes e cronistas da época
que foram bastante debatidos desde o século 19,
que são: Tratado Descritivo do Brasil, ou Notícias
do Brasil (1587), de Gabriel Soares de Sousa (1540-
1591); Historia do Brazil, de Frei Vicente do Salvador
(1564-1636), e Cultura e opulência do Brasil (1711),
de André João Antonil (1649-1716).
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SÍNTESE
HISTORIOGRAFIA
BRASILEIRA
O REGISTRO DO BRASIL PELOS CRONISTAS E
VIAJANTES NO PERÍODO COLONIAL:
CONHECIMENTOS E DOCUMENTOS HISTÓRICOS
Memória: uma construção feita a partir de questões múltiplas, como a política, economia,
cultura� Ela é individual e coletiva e é parte da matéria-prima da História�
Mito edênico: remete ao Jardim do Éden, ao Paraíso na Terra� Ele pode ser imaginário ou
real, depende do ponto de vista do interlocutor� Diz mais respeito aos europeus do que aos
indígenas, assim como a demonização�
Sobre as crônicas: essas obras têm suas especificidades apesar de tratarem de assuntos
parecidos� Todos discutem sobre os indígenas, sobre os ciclos econômicos, sobre o relevo,
a flora e a fauna, sobre a administração colonial� Porém, eles têm diferenças profundas na
linguagem e na intencionalidade�
Frei Vicente do Salvador (1564-1636): Historia do Brazil (? - 1620) – trazia sua visão
religiosa sobre a terra; a obra se tornou um manual sobre a História do Brasil�