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Profundezas.

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Universidade Federal de Minas Gerais
Escola de Belas Artes
Curso de Artes Visuais, habilitação em Pintura

Clara Camerano Barbosa

P rofundezas

Belo Horizonte
2020

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Palavras chaves

Profundezas
Bosque

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O bosque.
De natureza um pouco soturna, eu
caminho por entre as árvores.
São como gigantes deformados que se
reclinam sobre mim, e seus galhos são
obstáculos. Como espinhos de extensas
roseiras.
Não ouço nada além dos meus passos,
que vez ou outra trituram um ramo, e
da minha respiração acelerada.
Qualquer um poderia achar que a
floresta estava adormecida, mas eu
sabia que na infinitude da noite é
que se despertam as criaturas mais
sombrias e maliciosas, inclusive as
que vivem dentro de nós mesmos.
A noite observa o dia às espreitas,
enquanto aguarda, com os modos
mais serenos possíveis, como é de sua
natureza, os segundos voarem e os
relógios badalarem, para libertar todos 7
os fantasmas que nos assombram.
Não subestime, nunca, as criaturas
que habitam nas profundezas da noite.

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Descalça, sinto as solas dos meus pés
sendo espetadas e machucadas. Farpas.
Procuro mais uma vez pela luz da lua,
mas sei que ela não está ali. E, mesmo
que estivesse, seria impossível identificá-
la. Os galhos das árvores se cruzam, se
adentram e se entrelaçam sobre mim,
como enormes arcos trançados por
mãos humanas.
Não consigo ver nada para além do
caos em sua forma mais poética - e de
uma densa escuridão.
Agora, mais ainda, sinto sobre meu
corpo frágil o peso da grandeza da
natureza, e também o terrível peso da
minha insignificância.
8 E sigo, colecionando fardos.

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Algumas vezes, eu me perco nesses
caminhos cobertos de folhas e ramos
e pintados pelas liláses sombras das
árvores. E é quando mais me encontro.
Me perco nesse bosque infinito e
me encontro em lugares estranhos e
intocados, onde a natureza desconhece
modos menos selvagens.
São florestas primitivas, adormecidas,
que escondem preciosos frutos e segredos.
Assim, entendo que as espécies que
compõem a flora da minha natureza
são incontáveis e inimagináveis, e que
é no ser muitas coisas que vive a mais
genuína beleza.
Quando me perco, sou presenteada
com o prazer das descobertas, com tinta
e pincél e com a liberdade da arte para
que eu possa explorar cada centímetro
dessa natureza intacta que
existe nas profundezas do 9
bosque - e nas profundezas
de mim mesma.

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Outras vezes, reencontro lugares em
que já estive.
São imagens, cores e formas que pularam
das páginas dos livros ilustrados e das
fantasias da infância para viverem
para sempre dentro de mim.
São espaços escondidos no bosque,
onde os raios de luz penetram a parede
de árvores e onde o ar é lúdico.
São clareiras, onde eu sento, com o
mais belo vestido, na relva regada de
orvalho sob o silêncio do primeiro brilho
da manhã, e as lágrimas da madrugada
são como minúsculas pedras de gelo
que tocam o meu corpo.
E quando o vento úmido sopra
e agita o delicado tule, tenho
10 a sensação de que vou me
desfazer em milhares de
folhas de relva,
e revoar.

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Já vi imensas montanhas
se estenderem ao meu redor,
como muros de neve que
quase tocam o céu.
Onde pedras de gelo são
como diamantes e nuvens corpulentas,
à medida que se tornam esparsas,
revelam o topo de ouro de um castelo.
Onde meu vestido é feito de galáxias,
e farfalha enquanto percorro o infinito
campo.
Onde a grama coberta por uma fina
camada de neve gela meus pés e
minhas pernas, e o tilintar das jóias
ressoa no vento, como uma mística
canção de inverno.
E quando o vento gelado e estrondoso
sopra e agita meus cachos, eu me
desfaço em estrelas.
E revoo pelo infinito bosque.

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Nessa eterna caminhada, atravesei
grandes e velhos portões de ferro
entrelaçados por longos ramos de hera
- devorados pelas garras da natureza.
Atrá deles, mansões silênciosas
rodeadas por espinheiros desfrutavam
do harmonioso canto dos pássaros e
do melodioso canto das águas de um
riacho próximo.
Caminhei por seus intactos jardins de
ervas sorridentes, regadas por espíritos de
feiticeiras, e alimentei amigáveis aves.

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Mas também atravesei longas
e horripilantes catacumbas, que
pareciam nunca ter fim.
Em suas paredes, fileiras de ossos
desfrutavam do triste canto dos
mortos e do sombrio canto da minha
respiração, aflita.
Caminhei enxergando até onde as
luzes do castiçal permitiam e, regada
de medo, alimentei os mais obscuros
monstros que me assombram, filhos da
noite e da escuridão. 13

Mas segui em frente, sempre em


direção às profundezas.

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Nessa longa caminhada,
colecionando farpas e flores, conheci
mágicas criaturas que habitam
nas profundezas do bosque - e nas
profundezas de mim mesma.
São espécies únicas da minha natureza,
que me guiam, que me curam, que me
ensinam e que me acompanham por
essas trilhas cobertas de folhas secas e
estalos sombrios.
São amigos e amores,
São meus sonhos, minha paixões,
minhas lembranças,
São manchas, linhas, cores e detalhes,
São a tinta e o lápis, a tela e o papel,
São os livros,
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São a Pintura.

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Na infinitude das noites e na
eternidade do dia, eu coleciono
atalhos e desvios, mas me mantenho,
sempre, em direção às profundezas
desse bosque infinito -

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- e de mim mesma.

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Sobre Profundezas,

Nos últimos anos, um turbilhão de imagens, sensações e


memórias que dizem sobre a minha infância, se desprenderam
das profundezas do oceano (de mim mesma) e iniciaram um
lento retorno à superfície. Se a razão seria uma queda súbita
de densidade, ou se elas finalmente conseguiram se desatar de
algum coral, eu não sei dizer. Mas sei agora que estou fadada
a aceitar e conviver com a minha própria natureza. Somos
inseparáveis.
A arte, então, adquiriu novos significado.
Ela á o ontem. É o instrumento através do qual eu posso ta-
tear, reviver e solucionar essa coleção de lembranças imagéticas
que, vez ou outra se desenterram, do fundo do (meu) oceano.
Ela é o hoje, é a extensão de cada momento e do que eu sou
agora, para além dos limites impostos pela realidade.
Ela é o amanhã, é o que eu quero ver, ser e sentir.
É uma necessidade de tirar o sono e um desejo exaustivo. A
arte, para mim, é um eterno despertar.
O projeto Profundezas é um mergulho nas minhas próprias
águas, desde a fonte até os pontos mais profundos. A partir da
Pintura e do Desenho, eu me confronto, me descubro e redes-
cubro.
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Gold Moon Queen, 2019

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