“O ideal da felicidade terrestre?... Ter uma bela fórmula.”58
Saíamos da Galeria das Máquinas, do Salão. Tínhamos ido rever o Balzac de
Rodin.59 Cézanne comprara uma fotografia para me dar de presente... Eram onze horas, almoçamos rapidamente e fomos ao Louvre, pela imperial de Passy-Hôtel- de-Ville, ao longo dos cais. Era um dia claro de primavera cerebral, uma tarde parisiense. Verdes suaves despontavam nas árvores. O Sena se ensolarava. Toda a velha história, para além das pontes, reluzia em direção à Cité. As moças flanavam. Nós as víamos, nos bancos das Tulherias, terminar suas batatas fritas. Crianças corriam ao lado dos carros para oferecer aos jovens casais braçadas de violetas. Os passantes apressavam-se em direção ao rumor dos bulevares. Mas, ao longo das margens, tudo era delicado, primaveril e calmo. O Instituto, o Louvre, Notre-Dame envolviam- se de uma glória sutil. Depois de um bom café, Cézanne, expansivo, sorria. CÉZANNE — Hein?... Nossa velha França se aquece ao sol e põe a cara na janela. Veja... A tradição! Sou mais tradicional do que se pensa. É como Rodin. No fundo, não entendemos em absoluto o que o caracteriza. É um homem da Idade Média que faz peças admiráveis, mas que não vê o conjunto. Seria preciso enquadrá-lo, como as velhas imagens de santos, no pórtico de uma catedral. Rodin é um prodigioso entalhador de pedras, com todos os tremeliques modernos, que terá êxito em todas as estátuas que quiserem, mas que não tem uma ideia. Falta-lhe um culto, um sistema, uma fé. Sua porta do inferno, seu monumento ao trabalho, foram-lhe soprados por alguém, e o senhor verá que ele jamais os construirá. Mirbeau, acredito, está por trás de seu Balzac. Por exemplo, ele o capturou, escorou, com uma inteligência prodigiosa, com seus olhos que absorvem o mundo e se fecham apaixonadamente sobre ele, olhos que parecem ter enegrecido em todo o café de que se fartava continuamente Balzac. E as mãos, que sob a capa dominam toda a vida desse casto. É espantoso!... E esse bloco, o senhor sabe, foi feito para ser visto à noite, iluminado por baixo, violentamente, na saída do Français* ou da Opéra, nessa febre noturna de Paris em que imaginamos o romancista e seus romances, hein!.... Escute, eu não queria diminuir Rodin dizendo o disse antes. Gosto dele, admiro-o muito, mas ele pertence a seu tempo, como todos nós. Nós fazemos a peça. Não sabemos mais compor.60 EU — Mas o senhor não acha que em um retrato como o da mãe de Rembrandt, em uma natureza-morta como a Arraia de Chardin, em suas maçãs, se me permite dizê-lo, existe frequentemente tanta arte e tanto pensamento quanto em uma cena histórica, uma alegoria pagã ou católica? CÉZANNE — Depende, depende... O senhor entende, se compararmos um Chardin a um Lesueur, um retrato de Velázquez ou de Rembrandt a um festim de Jordaens, minhas maçãs a uma paisagem de Troyon, é incontestável. Mas espere. Prefiro chegar ao Louvre antes de lhe responder. Só se fala bem de pintura diante da pintura. Nada é mais perigoso para um pintor, o senhor sabe, do que se entregar à literatura. Se ele cair nessa esparrela, está lascado. Eu bem sei. O mal que Proudhon fez a Courbet, Zola teria feito a mim. Baudelaire foi o único a falar apropriadamente de Delacroix e de Constantin Guys.61 Gosto muito do fato de que Flaubert, o senhor sabe, em suas cartas, proíbe-se rigorosamente de falar de uma arte cuja técnica ignora. Ele é assim... Não é que eu deseje que um pintor seja ignorante. Ao contrário. Nas grandes épocas eles sabiam tudo. Os artistas, nos velhos tempos, eram os mestres do ensino do povo. Olhe, o senhor está vendo Notre-Dame lá adiante. A criação e a história do mundo, os dogmas, as virtudes, a vida dos santos, as artes e os ofícios, tudo o que se sabia então era ensinado em seu pórtico e seus vitrais. Como aliás em todas as catedrais da França. A Idade Média ensinava a sua fé pelos olhos, como a mãe de Villon… — “O paraíso onde estão harpas e alaúdes...” — Era a verdadeira ciência, e é toda a arte religiosa. Aquilo que o abade Tardif, seu amigo, diz que encontramos em São Tomás, o povo o buscava nas estátuas do portal de sua igreja. Essa ordem, essa hierarquia, essa filosofia, digamos, valia bem a Suma, e para nós isso é mais verdadeiro, porque é mais belo a compreendemos sem esforços. Todo esse simbolismo de que se fala, pois pretende-se que até mesmo a cabala tenha seu lugar entre as rosáceas, todo o misticismo intelectual adormeceu sob a ferrugem gótica das pedras: não sei nada a respeito disso, nem quero saber. Mas a vida continua ali… O que o senhor queria? Quando as formas da Renascença sobreviveram com o paganismo dos tempos inflamados,62 o povo tentou desviar os olhos do realismo descarnado de suas capelas, mas continuou a lembrar-se dele. Isso trouxe um amargor tônico a sua vida. A retórica das grandes máquinas jamais poderá se instaurar inteiramente. Não mais que eu, ele, o povo, não gosta da pintura oratória. Claro que temos a galeria das batalhas em Versalhes, mas não é pintura o que ele vê ali. Ele lê uma espécie de jornal mural, imagens de Épinal, como no Panteão a Sainte Geneviève.63 Mas no castelo, no parque em Versalhes, ele jamais se comove como numa igreja ou numa arena. Ele tem o senso de grandeza cavilhado no corpo. Em nossa terra, na Provença, isso vem dos Romanos; aqui, no Norte, das catedrais... É espantoso, não obstante. Escute só, pronto, eu sou clássico; digo a mim mesmo, eu gostaria de ser clássico, mas isso me entedia. Versalhes me aborrece, o pátio quadrado me aborrece.64 Só existe a Place de la Concorde, aquilo é belo. A vida!... A vida!... Entretanto, veja como isso tudo é complicado, a vida, o realismo, estão bem mais nos séculos XV e XVI do que nos alongamentos dos primitivos. Não gosto dos primitivos. Conheço mal Giotto. Precisaria vê-lo. Só gosto de Rubens, Poussin e os venezianos... É mais fácil escute-me bem, significar Deus por uma cruz do que pela expressão de um rosto. Tínhamos chegado; descemos do bonde. EU — Se o senhor visse os Duccio de Siena... Há de tudo naquelas cenazinhas. Algumas são dramáticas como um Tintoretto, com verdes, vermelhos lívidos, as outras, como Jesus diante de Pilatos, têm o trágico simples, são compostas com a pureza de um ato de Racine; e as mulheres na tumba, diante do grande Anjo, nenhum baixo-relevo antigo tem a mesma nobreza e o mesmo desespero triunfante. É belo como a Vitória amarrando sua sandália. Se o senhor visse!... CÉZANNE — Agora estou velho demais para correr a Itália. E depois, parece-me que há tudo no Louvre, que podemos amar e compreender tudo através dele. EU — Tudo... Salvo talvez os afrescos, o movimento franciscano da pintura da Úmbria, e aquilo que dele nasceu, Masaccio, Gozzoli... Mas o que a Itália e essa arte poderiam acrescentar-lhe? Seria possível dizer que o senhor saiu dela e que meditou a respeito a vida inteira.65 CÉZANNE — Eu talvez o surpreenda. Não entro quase nunca na salinha dos primitivos. Não é pintura para mim. Estou errado, talvez esteja errado, admito; mas o que o senhor esperava, quando fiquei uma hora em contemplação diante do Concerto campestre ou do Júpiter e Antíope de Ticiano , quando tenho nos olhos toda a multidão movimentada das Bodas de Canaã, o que o senhor quer que eu pense das imperícias de Cimabue, das ingenuidades do Angelico e mesmo das perspectivas de Uccello... Não há carne nessas ideias. Deixo isso para Puvis. Aprecio os músculos, os belos tons, o sangue. Sou como Taine, e além disso sou Sou um sensual. Subíamos a grande escadaria Daru. – Veja. Olhe aquilo... a Vitória de Samotrácia. É uma ideia é todo um povo, um momento heroico na vida de um povo, mas os tecidos colam, as asas batem, os seios se entumescem. Não preciso ver a cabeça para imaginar o olhar, porque todo o sangue que se agita, circula, canta nas pernas, nas ancas, em todo o corpo, passou em torrente pelo cérebro, subiu ao coração. Ele está em movimento, ele é o movimento da mulher inteira, da estátua inteira, da Grécia inteira. Quando a cabeça se desprendeu, vamos dizer, o mármore sangrou... Enquanto lá em cima, nós podemos, com o sabre do carrasco, cortar o pescoço de todos os martirezinhos. Um pouco de vermelhão, gotas de sangue, tudo isso... eles já se dissiparam em Deus, exangues. Não se pintam almas. E olhe, as asas da Vitória, nós não as vemos, eu não as vejo mais. Não pensamos mais nelas, de tanto que parecem naturais. O corpo não precisa delas para alçar voo ao triunfar.66 Ele tem seu elã... Ao passo que as auréolas, em torno do Cristo, das Virgens e dos Santos, são a única coisa que percebemos. Elas se impõem. Elas me incomodam. O que o senhor queria? Não se pintam almas. Pintam-se corpos; e quando os corpos são bem pintados, ora, a alma, se eles tinham uma, a alma por todos os lados irradia e transparece. Entrávamos no pequeno salão da Fonte. — Ingres também, ora, também não tem sangue. Ele desenha. Os primitivos desenhavam. Eles coloriam, eles faziam, em tamanho grande, colorações de missal. A pintura, aquilo que se chama pintura, só nasceu com os venezianos. Em Florença, Taine conta que todos os pintores haviam sido primeiro ourives. Eles desenhavam. Como Ingres... Oh! É muito bonito, Ingres, Rafael e toda essa gente. Não sou nenhum bronco. Tenho o prazer da linha, quando quero. Mas aqui há um escolho. Holbein, Clouet ou Ingres não têm mais que a linha. Pois bem, isso não basta.67 É muito bonito, mas não basta. Observe esta Fonte... É pura, é comovente, mas é platônica. E uma imagem, ela não gira no ar. O rochedo de papelão não permuta nada de sua umidade pedregosa com o mármore desta carne molhada... ou que deveria ser. Onde existe interpenetração ambiente? E se é a fonte, ela deveria sair da água do rochedo, das folhas; ela está colada neles. À força de querer pintar a virgem ideal, ele deixou de pintar um corpo. E não que isso lhe fosse impossível. Lembre-se de seus retratos e da Idade de Ouro, que eu amo. É por espírito de sistema. Sistema e espírito falsos. David matou a pintura.68 Eles introduziram o banal. Quiseram pintar o pé ideal, a mão ideal, o rosto, o ventre perfeitos, o ser supremo. Baniram o caráter. O que faz o grande pintor é o caráter que ele empresta a tudo o que toca, o ressalto, o movimento, a paixão, pois existem serenidades apaixonadas. Eles têm medo dela, ou antes nem chegaram a pensar nisso. Por reação, talvez, contra toda a paixão, as tempestades, a brutalidade social de sua época. EU — Mas David estava mergulhado nelas até o pescoço CÉZANNE — Sim, mas não conheço nada de mais frio que seu Marat! Que herói estreito! Um homem que fora seu amigo, que acabara de ser assassinado, que ele deveria glorificar aos olhos de Paris, da França inteira, de toda a posteridade. Ele não se cansou de remendá-lo com seu lençol e de embebê-lo em sua banheira? Ele pensava no que diriam sobre o pintor e não no que pensariam de Marat. Mau pintor. E teve o cadáver diante dos olhos... Ainda assim, gosto de alguns pedaços da Coroação (de Napoleão), o coroinha, a cabeça entre os candelabros, diríamos um Renoir... Ele ficava mais à vontade entre esses arrivistas do que com o sagrado coração do outro arrastado pelas ruas de Paris. Por exemplo, uma coisa bem imunda são suas caricaturas. Elas me revelaram, num instante, toda a mecânica rangente desse espírito. Mas isto aqui é pintura. Entrávamos no salão quadrado. Ele se plantou diante das Bodas de Canaã. O chapéu-coco na nuca, o sobretudo, desleixadamente sob o braço, se arrastava no chão. Parecia estar em êxtase. — Isso é pintura. Os pormenores, o conjunto, os volumes, os valores, a composição, a palpitação, tudo está presente... Escute só, é espantoso!... O que nós somos?... Feche os olhos, espere, não pense em mais nada. Abra-os... Não é mesmo?... Não percebemos mais que uma grande ondulação colorida, hein? Uma irisação, muitas cores, uma profusão de cores. É isso que deve nos dar de imediato o quadro, um calor harmonioso, um abismo em que o olho afunda, uma surda germinação. Um estado de graça colorida. Todos esses tons são infundidos em nosso sangue, não é mesmo? Nos sentimos revigorados. Nascemos para o mundo verdadeiro. Tornamo-nos nós mesmos, tornamo-nos pintura... Para amar um quadro, é preciso antes tê-lo bebido desta forma, a longos goles. Perder a consciência. Descer com o pintor às raízes sombrias, emaranhadas, das coisas, subir de lá com as cores, desabrochar à luz junto com elas. Saber ver. Sentir... sobretudo diante de uma grande máquina como as que construía Veronese. Esse sim era feliz. E todos que o compreendem, ele os torna felizes. Ele é um fonômeno único. Pintava como nós olhamos. Sem mais esforços. Dançando. Essas torrentes de nuances lhe escorriam do cérebro, como o que estou dizendo me escorre da boca. Ele falava em cores. É espantoso, não conheço quase nada sobre sua vida! Parece-me tê-lo sempre conhecido. Eu o vejo caminhar, ir, voltar, amar em Veneza, diante de suas telas, com seus amigos. Um belo sorriso. Um olhar cálido. Um corpo franco. As coisas, os seres entravam-lhe na alma com o sol, sem nada que os separasse da luz, sem desenho, sem abstrações, tudo em cores. De lá, eles saíam um dia, os mesmos, mas, não se sabe por quê, revestidos de uma doce glória. Radiantes, como se houvessem respirado uma música misteriosa. Aquela que, veja, se irradia deste grupo ao centro, que as mulheres e os cães escutam, que os homens sustentam com suas mãos fortes. A plenitude do pensamento no prazer e do prazer na saúde, escute só, acredito que aconteça com Veronese, a plenitude da ideia nas cores. Ele cobria suas telas com uma vasta grisalha, sim, como todos faziam naquela época, e era sua primeira possessão, como um pedaço da terra antes que o dia, o espírito, despontem… EU — Como o senhor, quando medita sobre a geologia de suas paisagens, quando as esboça em si… CÉZANNE — Oh! Eu, eu... Diante disto, fique sabendo, eu sou uma criancinha... O que eu vejo, o senhor entende, é este ofício formidável, e tão natural, tão desenvolto para eles. Eles tinham isso na mão e nos olhos, de ateliê em ateliê. A base, as bases. É o que eu dizia. Ele preparava, com uma vasta grisalha...69 A ideia descarnada, anatômica, esquelética de seu universo, o delicado vigamento que o amalgamava e que ele revestiria de nuances, com suas cores e esmaltes, amontoando as sombras. Um grande mundo pálido, esboçado, ainda nos limbos. Parece-me vê-lo, agora, entre o tecido da tela e o calor prismático do sol... Hoje em dia já saímos empastando, iniciamos grosseiramente como um pedreiro, e acreditamos ser muito bons, muito sinceros... Vá se danar. Perdemos essa ciência das preparações, esse vigor fluido que dão as bases. Modelar, não, modular. É preciso modular...70 Hoje em dia! Voltamos atrás, raspamos, raspamos de novo, espessamos. É um almofariz. Ou ainda, os mais sumários, os japoneses, o senhor sabe, eles limitam brutalmente seus homenzinhos, seus objetos, com um traço bruto, esquemático, calcado, e com tons uniformes os preenchem até as bordas. É chamativo como um cartaz, pintado como estêncil, sem nuance.71 Nada vive. Ao passo que o senhor vê este vestido, esta mulher, esta criatura, diante desta toalha, onde em seu sorriso começa a sombra, onde a luz acaricia, bebe, embebe esta sombra, não sabemos. Todos os tons se penetram, todos os volumes giram e se encaixam. Há uma continuidade... Não nego que às vezes, na natureza, existam efeitos bruscos de sombra e de luz, em faixas violentas, mas isso não é interessante. Principalmente se isso se torna um procedimento. O magnífico está em banhar toda uma composição infinita como esta aqui, imensa, com a mesma claridade atenuada e quente, e em dar ao olho a impressão viva de que todos estes peitos respiram verdadeiramente, como o senhor e eu, o ar dourado que os inunda. No fundo, tenho certeza, são as bases, a alma secreta das bases, que, mantendo o todo coeso, dão essa força e essa leveza ao conjunto. É preciso começar neutro.72 Depois, ele podia se entregar totalmente, compreende? Caramba! O chique perfeito, o chique apurado, o audacioso de todas as ramagens, dos estofos que se respondem, dos arabescos que se entrelaçam, dos gestos que se continuam. Isso basta? Não, será que isso basta? Podemos entrar em mais detalhes Todo o resto do quadro sempre nos seguirá, sempre estará presente. Sentiremos seu rumor rondar a nossa cabeça, o pormenor que estivermos estudando. Não podemos arrancar nada do conjunto… não eram pintores de pormenores, estes aqui, como nós... O senhor sempre me pergunta o que nos impede, afinal, de gostar até mesmo de um Courbet ou de um Manet como de um Rubens ou um Rembrandt, o que há de mais na velha pintura... é preciso dissipar essas dúvidas, e encontrar uma resposta hoje. Evidentemente, Um funeral em Ornans é uma senhora página, assim como a Entrada dos cruzados e o Teto de Apolo,* mas diante disso ou diante do Paraíso de Tintoretto, há algo de manquitola nos modernos. O quê?... Me diga, o quê?... Vamos ver. Vamos ver... Olhe só, comece naquela coluna, ela é de mármore, não é, Deus do céu! E lentamente, com os olhos, vá dando a volta na mesa... Não é belo? Não é vivo?... E ao mesmo tempo, não é transfigurado, triunfante, miraculoso, em um mundo à parte e todavia inteiramente real? O milagre está aí, a água transformada em vinho, o mundo transformado em pintura. Nadamos na verdade da pintura.73 Nos embriagamos. Ficamos felizes. Para mim, é como um vento de cores que me carrega, uma música que recebo no rosto, todo meu ofício que me corre no sangue… Ah! Eles tinham um ofício e tanto, esses sujeitos. Nós não somos nada, escute bem, umas bestas velhas, nada. Não somos mesmo mais capazes de compreender... E dizer que eu queria queimar essas coisas, noutros tempos. Por mania de originalidade, de inventar... Quando não sabemos, acreditamos que são os que sabem que nos obstruem... enquanto, ao contrário, se os frequentamos, em vez de nos atrapalhar, eles nos tomam pela mão e nos fazem gentilmente, a seu lado, balbuciar nossa pequena história. Ah! Fazer estudos a partir dos grandes mestres decorativos Veronese e Rubens, mas como os faríamos diante da natureza...74 A pintura, o senhor sabe, perdeu-se quando quis ser comportada, muito acabadinha, com David. É o meu grande horror. Ele talvez seja o último a ter conhecido seu ofício, mas o que fez dele, bom Deus? Os botões dos calções na sua Distribuição das águias, quando, com grande pompa, ele deveria ter nos dado, como Ticiano, a psicologia de todos aqueles palafreneiros e todos os ordenanças em torno de seu crápula coroado. Imundo jacobino, imundo clássico... O senhor sabe, nas Origines,* o que diz Taine sobre o espírito clássico! Ah! David é mesmo o terrível exemplo desse espírito. Esse virtuoso!... Ele conseguiu castrar, em sua arte, até mesmo o libertino do Ingres, que entretanto adorava a mulher... É preciso aprender nosso ofício. Porém, temos de aprendê-lo aqui, sozinhos, na frequentação dos mestres. Não falo das receitas, do aprendizado infelizmente perdido, de tudo o que é material e que nada tem a ver aqui, a boa camaradagem morta por esse revolucionário e que ajudava a ganhar tanto tempo. Isso, os bons ateliês ofereciam. É preciso voltar a fazê-lo... Mas estou falando dos mestres. Qualquer que seja aquele que você prefere, ele não deve ser mais do que orientação. Sem isso, você não seria mais que um imitador. Com um sentimento da natureza, qualquer que seja ele, e alguns dons afortunados, você deve conseguir se distinguir; o método de um outro não devem fazê-lo mudar sua maneira de sentir. Mesmo que você sinta momentaneamente a influência de um outros mais antigo, acredite que, a partir do momento em que você sente, sua própria emoção acabará sempre por emergir e conquistar seu lugar ao sol, tomando a dianteira. Confiança. É um bom método de construção que é preciso lograr. O desenho não é mais do que a configuração daquilo que você vê. Michelangelo é um construtor e Rafael um artista que, por maior que seja, é sempre refreado pelo modelo. Quando deseja refletir fielmente, ele se coloca abaixo de seu grande rival.75 É este que é preciso ser, à sua maneira, e é dele que nos afastam os professores. Nada é pior que o arbítrio dos professores que nos enfiam à força na cachola sua ignorância, sua própria visão. Ah, é preciso escolher muito bem seus mestres, ou antes não escolhê-los, tê-los todos, compará-los! Como o homem de um só livro, eu temeria o aluno de um só pintor. Jean-Dominique é hábil, muito hábil! 76 Pois bem! Ele é perigosíssimo. Veja Flandrin, veja todos eles, até Degas… EU — Degas? CÉZANNE — Degas não é pintor o bastante, ele não tem muito disso!...77 Com um parco temperamento é possível ser muito pintor. Basta ter um sentido de arte, e, sem dúvida, esse sentido e o horror pelo burguês. Eis por que os institutos, as pensões, as honras só podem ser feitos para os cretinos, os farsantes e os galhofeiros.78 Mas não é dessa gente que eu falo. Eles que vão à Escola, que tenham professores aos borbotões. Não me importo. que deploro é que todos esses jovens em que o senhor acredita, de que me fala, não percorrem a Itália, não passam seus dias aqui ainda que depois se lancem em plena natureza. Tudo é, sobretudo em arte, teoria desenvolvida e aplicada ao contato da natureza. 79 Não gostaria que lhes acontecesse o que aconteceu a mim. Eu sei, eu sei, se os salões oficiais continuam a ser tão inferiores, a razão é clara, eles só lançam mão de procedimentos mais ou menos abrangentes. A sensação está na base de tudo, para um pintor. Vou repeti-lo sem cessar. Não são os procedimentos que eu preconizo. Mais vale insuflar emoção pessoal, observação e caráter.81 Mas eis o busílis! As teorias são sempre fáceis. A demonstração daquilo que pensamos é que apresenta sérios obstáculos.81 Aqui, no fundo, acredito que o pintor aprenda a pensar. Na natureza, ele aprende a ver. É grotesco imaginar que crescemos como cogumelos quando temos todas as gerações por trás de nós. Por que não aproveitar todo esse trabalho, desprezar esta contribuição formidável? Sim, o Louvre é o livro em que aprendemos a ler. Não devemos, entretanto, nos contentar em conservar as belas fórmulas de nossos ilustres predecessores. Vimos um dicionário, como dizia Delacroix, no qual encontraremos todas as nossas palavras. Saiamos. Estudemos a bela natureza, empenhemo-nos em resgatar seu espírito, busquemos nos expressar segundo nosso temperamento pessoal. O tempo e a reflexão, aliás, modificam pouco a pouco a visão, e, enfim, a compreensão nos vem.82 Nós seremos, se Deus quiser, seus amigos serão capazes de pôr em pé uma máquina como esta aqui... e a este arco-íris contrapor a harmonia prateada daquela lá. Diante das Bodas de Canaã, ele me mostrava o Jesus em casa do fariseu. - Esta, na verdade, talvez seja ainda mais espantosa... esta gama de prateados... Todo o prisma que se funde neste branco... e o que eu gosto, o senhor sabe, em todos esses quadros de Veronese, é que não é preciso tagarelar a respeito. Gostamos deles, se gostamos de pintura. Não gostamos se procuramos a literatura ao lado, se nos empolgamos com a historinha, o tema... Um quadro não representa nada, não tem de representar nada de início, além das cores…83 Eu detesto isso, todas essas histórias, essa essa psicologia, essa “péladaneria” em torno. É evidente, tudo está na tela, os pintores não são imbecis, mas é preciso vê- lo com os olhos, estou deixando bem claro. O pintor não quis outra coisa. Sua psicologia é o encontro de seus dois tons. Sua emoção está aqui. Essa é a história, a verdade, a profundidade dele. Porque ele é pintor, puxa vida! E não poeta, nem filósofo. Michelangelo não punha seus sonetos na Sistina nem Giotto suas canzoni na Vida de São Francisco. Dá para ver daqui a cara dos monges. E quando Delacroix quis à força enfiar seu Shakespeare nas telas, ele estava errado e quebrou a cara. E é por isso que eu opus, na vinda, toda a arte, por mais comovente que ela seja, da Idade Média, à minha arte, à arte da Renascença. O senhor entende, essa espécie de simbolismo litúrgico da Idade Média é totalmente abstrato. É preciso pensar naquilo. O simbolismo pagão da Renascença é todo natural. O primeiro desvia a natureza de seu sentido para significar sabe-se lá qual verdade teológica, o outro, pode-se bem sentir, traz a abstração de volta à realidade, e a realidade sempre é natural, tem uma significação sensorial, universal, ouso dizer... Adoro o fato de que a maçã, simbólica nas mãos da Virgem dos primitivos, se torna um brinquedo para o menino na Virgem da Renascença. O senhor, que escreveu Dionysos, deve se lembrar daquilo que conta Jacques de Voragine (Jacopo de Varazze) — de que na noite do nascimento do Salvador as vinhas floriram em toda a Palestina. Ah, isso já é a Renascença! Nós, pintores, devemos antes pintar a floração dessas vinhas que os turbilhões de anjos que trombeteavam Messias. Pintemos somente aquilo que vimos, ou o que poderíamos ver... Como Giorgione, por exemplo… Estávamos diante do Concerto campestre. — Embelezemos, enobreçamos com um grande sonho carnal as nossas imaginações... mas banhemo-las na natureza. Não retiremos a natureza delas. Paciência, se não pudermos. O senhor entende, teria sido preciso que, no Almoço na relva, Manet acrescentasse, sei lá eu, uma emoção dessa nobreza, esse não sei quê que, aqui, transporta ao paraíso todos os nossos sentidos. Observe a cabeleira de ouro da mulher, as costas da outra... Elas são vivas e elas são divinas. Toda a paisagem em seu rubor é como uma écloga sobrenatural, um momento equilibrado do universo em sua eternidade percebida, em sua alegria mais humana. E nós participamos dela, não desprezamos nada de sua vida. É como ali, siga-me, vou lhe mostrar a Cozinha dos anjos... ali há uma natureza-morta prodigiosa. Chegamos diante do quadro. — Murillo teve de pintar anjos, mas que efebos, veja como os pés vigorosos se apoiam sobre a laje. De fato, estes belos legumes, estas cenouras e repolhos são dignos de descascar, de mirar-se nestes caldeirões... O quadro fora-lhe encomendado, não é mesmo?... Ele se soltou, desta vez. Ele viu a cena... Viu seres radiantes entrarem nesta cozinha de convento, jovens carreteiros celestes, a beleza da juventude, a saúde resplandecente, entre todos estes místicos exauridos, estes atormentados. Veja como ele opõe a magreza amarelenta, o êxtase histérico do santo em oração aos gestos calmos, à certeza radiante destes belos trabalhadores. E o monte de legumes! Podemos passar dos nabos e pratos às asas sem mudar de ar. Tudo é real… E em frente, este esboço do Paraíso… Ele me arrasta para lá. — Eu não vi o grande Paraíso de Veneza. Vi muito pouco de Tintoretto mas, como El Greco, inclusive mais poderosamente por ser mais são —, ele me atrai. Esse El Greco, sempre me falam dele, e não o conheço.84 Gostaria de vê-lo... Sim. Tintoretto, Rubens, eis o pintor. Como Beethoven é o músico, como Platão é o filósofo. EU — O senhor sabe o que disse Ruskin, que, do ponto de vista da pintura, o Adão e Eva desse pintor é a primeira obra do mundo? CÉZANNE — Só a vi em fotografia... Consultei tudo o que pude encontrar sobre sua obra.85 Ela é gigantesca. Tudo está ali, da natureza-morta a Deus. É o arco imenso. Todas as formas de existência, e com um patético, uma paixão, uma invenção inacreditáveis. Se eu tivesse ido a Veneza, teria sido por causa dele. Ao que parece, só é possível conhecê-lo ali... Lembro-me, em uma Tentação de Cristo, que está em San Rocco, acredito, de um anjo com seios túrgidos, braceletes, um demônio pederasta que, com uma concupiscência lésbica, isso mesmo, oferece pedras a Jesus; nunca se pintou nada mais perverso. Eu não sei, mas em sua casa, quando o senhor me passou a foto, ela me produziu o efeito de um Verlaine gigantesco, de um Aretino que tivesse tido o gênio de Rabelais. Casto e sensual, brutal e cerebral, tão voluntário quanto inspirado, tirante o sentimentalismo, acredito que esse Tintoretto tenha conhecido tudo o que constitui a alegria e o tormento dos homens... Escute só, não consigo falar disso sem estremecer... Seus retratos, terríveis, tornaram-no familiar a mim... Aquele que Manet copiou nos Uffizi e que está no museu de Dijon... 86 EU — Diríamos um Cézanne. CÉZANNE — Ah! Bem que eu gostaria... O senhor sabe, parece-me tê-lo conhecido. Eu o vejo, alquebrado de trabalho, extenuado de cores, naquele cômodo forrado em púrpura de seu palacete, como eu no meu reduto do Jas de Bouffan, mas ele, sempre, mesmo em pleno dia, iluminado por uma lâmpada fumarenta, espécie de teatro de marionetes em que preparava suas grandes composições... Hein... aquele teatrinho de fantoches épico!... Quando se afastava de seus cavaletes, ao que parece, ele ia até lá, caía esgotado, sempre ferino, era um ranzinza, devorado por desejos sacrílegos... sim, sim... existe um drama terrível em sua vida... Não ouso dizê-lo... Suando em grossas gotas, ele se deixava adormecer por sua filha, fazia com que ela tocasse violoncelo para ele durante horas. Sozinho com ela, entre todos esses reflexos rubros... Ele se enterrava nesse mundo inflamado, no qual desvanece a fumaça do nosso... Eu o vejo... Eu o vejo... A luz se despojava do mal... E no final da vida, ele, cuja paleta rivalizava com o arco-íris, dizia não apreciar nada além do preto e do branco... Sua filha estava morta... O preto e o branco!... Porque as cores são más, torturam, o senhor entende... Conheço essa nostalgia... Será que sabemos? Buscamos uma paz definitiva... Este paraíso. Veja, para pintar esta rosa de alegria, turbilhonante, é preciso ter sofrido muito... Sofrido muito, aposto o que o senhor quiser. Estamos no outro polo, aqui. Ali, o belo príncipe Veronese. Aqui, o grilheta Tintoretto. Esta espécie de miserável que amou tudo, mas cujos desejos eram consumidos por um fogo, uma febre, assim que nasciam. Observe seu céu... Seus bons deuses giram, giram. O paraíso deles não é calmo. É uma tempestade, esse repouso. Eles continuam o impulso que, como a ele, os devorou, por toda a sua vida. Regozijam-se nele agora depois de tanto ter sofrido. Eu adoro isso... Ele se aproxima da tela. — E veja o pé branco, aqui à esquerda. Ainda as bases... ele preparava as carnações em branco. Daí, com um esmalte vermelho, bum, veja aqui do lado, ele lhes dava vida. Branco e preto, só quero pintar em branco e preto, gritava ele no fim. Como faria? Como se absteria de seu suplício? Podemos esperar tudo de um indivíduo assim. Na juventude, ele tivera o topete de afirmar: a cor do Ticiano no desenho de Michelangelo. E ele conseguiu. Ticiano o enxotara… EU — Ele é maior que Ticiano. CÉZANNE — Sim, aprovo sua admiração pelo mais valente dos venezianos. Celebremos Tintoretto. Traga seus amigos para esta pintura. A necessidade de encontrar um ponto de apoio moral, intelectual, em obras que com certeza não serão superadas, vai deixá-los num perpétuo estado de alerta, numa busca incessante pelos meios de interpretação. Diga isso a eles. Esses meios de interpretação os conduzirão certamente a sentir na natureza seus meios de expressão e, no dia em que eles os obtiverem, podem estar convencidos de que encontrarão sem esforço e na natureza os meios empregados pelos quatro ou cinco grandes de Veneza...87 Dá alguns passos, sem nada ver. — Ah! Ter alunos! Transmitir toda a minha experiência a alguém. Eu não sou nada; nada fiz, mas aprendi. Transmitir isso a alguém. Reatar com todos esses grandes sujeitos sem passar pelos dois últimos séculos. Em meio aos solavancos modernos, o ponto fixo reencontrado... Em vão. Em vão, talvez. Cerra os punhos. Lança olhares furiosos a seu redor. — E todos esses cretinos!... Uma tradição. Uma tradição poderia recomeçar comigo, que não sou nada. Trabalhar com alunos, mas alunos que nós ensinamos, entenda bem, que não pretendem nos ensinar. Eu conheci isso… Ele se volta. Leva-me, penso, em direção à sala dos Estados que chama de salão quadrado dos modernos. — Não quero ter razão teoricamente, mas diante da natureza malgrado seu estyle, como dizemos em Aix, e seus admiradores, não passam de um pintor minúsculo. Os maiores, o senhor os conhece: os venezianos e os espanhóis. 88 Vai até uma janela, observa a cidade ensolarada. — Isso não é uma má ideia... No fundo, aquele que reprentasse isto, simplesmente, o Sena, Paris, um dia de Paris, poderia entrar aqui com a cabeça erguida… É preciso ser um bom trabalhador. Não ser nada mais que um pintor. Ter uma fórmula. Realizar. Olha para mim, triste e sublime. — O ideal da felicidade terrestre... ter uma bela fórmula.89 E. brusco, leva-me a passos largos para o salão quadrado dos modernos. Para diante do Triunfo de Homero.* Faz um muxoxo. — Sim... O alaranjado para indicar a cólera de Aquiles e as chamas de Tróia, o verde para indicar as viagens de Ulisses e os turbilhões do Oceano... Mas não é nada disso, a fórmula!... Sim, sim, a fórmula que restringe... ao passo que eu! Mesmo assim, ele tenta nos nausear com sua pintura viscosa, Jean-Dominique! Eu dizia isso a Vollard para deixá-lo pasmo, ele é muito hábil! É um sujeito e tanto... É o mais moderno dos modernos. O senhor sabe por que eu lhe tiro o chapéu? É porque ele fez engolir à força seu desenho dos diabos aos idiotas que hoje creem compreendê-lo. Mas aqui, eles são só dois: Delacroix e Courbet. O resto é uma gentalha... E falta alguém... Manet. Ele virá, com Monet e Renoir. EU — E o senhor. CÉZANNE — Oh! eu... Eu talvez seja um mau exemplo, sabe? Nossas contribuições, quando temos a glória de contribuir com algo, deformam o que aprendemos. E é terrível. Ainda não fiz nada que se sustente ao lado dos outros ali, pode acreditar… EU — Mas a Velha com rosário, as grandes Sainte-Victoire… CÉZANNE — Tá, tá, tá... Restará talvez a lembrança de um homenzinho que libertou a pintura de uma falsa tradição, tanto independente quanto acadêmica, e que teve o vago sonho de uma renascença de sua arte... E olhe lá!... Aproxima-se das Mulheres de Argel. — Estamos todos neste Delacroix. Quando lhe falo da alegria das cores pelas cores, veja, é isso o que quero dizer... Estes rosas pálidos, estas almofadas ásperas, esta babucha, toda essa limpidez não sei, entra em nosso olho como um copo de vinho e na goela na hora ficamos inebriados. Não sabemos como, mas nos sentimos mais leves. Estas nuances aliviam e purificam. Se eu tivesse cometido uma má ação, penso que viria para diante deste quadro para me endireitar... E é estofado. Os tons entram uns nos outros, como sedas.90 Tudo é costurado, trabalhado em conjunto. E é por isso que há movimento. É a primeira vez que se pintou um volume, desde os grandes. E em Delacroix, não há como negar, existe alguma coisa, uma febre, que não existe nos antigos. É a febre bem-aventurada da convalescência, creio eu. Com ele, a pintura sai do marasmo, da enfermidade dos bolonheses. Ele sacode David. Pinta por irisação. Basta-lhe ver um Constable para adivinhar tudo o que é possível extrair da paisagem, e ele também vai plantar seu cavalete diante do mar. Suas aquarelas são maravilhas do trágico ou do encantamento. Só podemos compará-las às de Barye, o senhor sabe, os leões do museu de Montpellier. E as naturezas-mortas, como aquela do caçador, do embornal e da caça, em pleno campo; toda a província está ali. Não vou falar das grandes posições, daqui a pouco iremos ver seu teto... Além do mais, ele está convencido de que o sol existe e de que podemos molhar nele nossos pincéis, lavar as roupas. Ele sabe diferenciar. Não é mais como ali em Ingres e em todos os que estão aqui... Uma seda é um tecido e um rosto é carne. O mesmo sol, a mesma emoção acaricia, mas se diversifica. Ele sabe, nos flancos desta figura negra, suspender um estofo que não tem o mesmo odor que o calção perfumado desta georgiana, e é em seus tons que ele sabe disso e o representa. Ele contrasta. Todas essas nuances apimentadas, observe, com toda sua violência, a clara harmonia que produzem. E existe um senso do ser humano, da vida em movimento, da tepidez. Tudo se move, tudo reluz. A luz!... Em seu interior há mais luz cálida que em todas essas paisagens de Corot91 e essas batalhas que estão ao lado. Observe... Sua sombra é colorida. Ele nacara seus degradês, o que suaviza tudo... E quando pinta o ar livre! Sua Entrada dos cruzados, é terrível... basta dizer que o senhor não pode vê-la. Não podemos mais vê-la. Eu vi, com estes meus olhos, esse quadro morrer, empalidecer, ir embora. É de chorar. De dez em dez anos, ele se vai... Um dia, não restará mais nada... Se o senhor tivesse visto o mar verde, o céu verde. Intensos. E como as fumaças eram mais dramáticas então, os navios que ardem, e como todo o grupo de cavaleiros se apresentava. Quando ele o expôs, alguém espalhou que o cavalo, este cavalo, era rosa. Era magnífico. Uma rutilância. Mas esses infames românticos, com seu desdém, usavam materiais atrozes. Os droguistas os roubavam até as calças. É como o Naufrágio de Géricault, uma página soberba, mas não vemos mais nada. Aqui, resta ainda a melancolia carcomida dos rostos, a tristeza destes cavaleiros, mas isso tudo, nós nos lembramos, estava nos coloridos de Delacroix, e como os fundos se apagaram, seu efeito, sua alma não mais está presente. Eu ainda os vi, outrora, esses coroados lívidos. Eles não mais avançam no esplendor, naquela atmosfera do Oriente, naquela terra de lendas. Constantinopla é como uma Paris, como as fachadas da cidade, observe, ali atrás da barricada. Eu a vi, aqui, como Delacroix, como Gautier, como Flaubert a viam, e unicamente pela magia das cores. Eis, o que prova melhor do que tudo que Delacroix é um verdadeiro pintor, um grande pintor de todos os diabos. Não é a historinha dos cruzados, que eram antropófagos, dizem, não é a sua suposta humanidade, mas o trágico de seus tons que descrevia e expressava toda a alma apodrecida destes lânguidos vencedores. Na época, a bela grega moribunda, a mulher abandonada em seus ricos adornos, a barba do velho, os cavalos xeirelados e os mastros lúgubres, nas fusões cantantes, ganhavam todo seu sentido. Tudo morria, chorava e resfolegava. Nas cores. Agora não resta mais do que uma imagem. As cores são a única verdade de um pintor... É como se traduzíssemos uma tragédia de Racine em prosa... As Mulheres de Argel não se alteraram. A Entrada fora pintada com o mesmo esplendor. O senhor viu, em Rouen, a Justiça de Trajano — ela também se vai, descamando, se corroendo -- e, em Lyon, a Morte de Marco Aurélio? Que verde há ali... O manto verde! Isso é Delacroix. E o teto de Apolo, e Saint-Sulpice!... Podem dizer e fazer o que quiserem, ele pertence à grande linhagem. Podemos falar dele sem que ele tenha do que se envergonhar, mesmo diante de Tintoretto e Rubens... Delacroix talvez seja o Romantismo. Ele se empanzinou de Shakespeare e de Dante, folheou demasiado o Fausto. Mas continua sendo a mais bela paleta da França, e ninguém, sob nosso céu, escute bem, não teve, mais do que ele, o charme e o patético ao mesmo tempo, a vibração da cor. Todos nós pintamos nele, assim como vocês todos escrevem em Hugo. EU — E Courbet? CÉZANNE — Um pedreiro. Um rude esbanjador de gesso. Um moedor de tons. Ele construía como um romano. E também ele um verdadeiro pintor. Não houve outro neste século que o suplante. E mesmo que ele arregace as mangas, puxe o chapelão sobre as orelhas, desmantele a coluna,* sua fatura é tão clássica! Sob seus ares de fanfarrão... Ele é profundo, sereno, aveludado. Ele criou nus dourados como uma seara, que eu venero. Sua paleta cheira a trigo... Sim, sim, Proudhon lhe virou a cabeça com seu realismo, mas, no fundo, esse tal realismo é como o romantismo de Delacroix, bem ou mal ele só o deixava entrar em grandes pinceladas e em umas poucas telas, as mais espalhafatosas, certamente as menos belas. E ainda, ele estava mais no tema, esse realismo, do que no ofício. Ele vê sempre composto. Sua visão permaneceu como a dos velhos. É como a espátula, ele só a utilizava na paisagem. Ele é refinado, é esmerado. O senhor conhece a opinião de Decamps. Courbet é um espertalhão. Ele faz uma pintura grosseira, mas aplica o fino por cima dela. Já eu digo que é a força, o gênio, que ele aplicava por baixo. Aliás, vá perguntar a Monet o que Whistler deve a Courbet, quando eles estavam juntos em Deauville, quando este pintou sua amante... Embora tenha um gesto largo, ele é sutil. Está em seu lugar nos museus. Suas Mulheres peneirando trigo do museu de Nantes, de um loiro tão denso, com a grande manta avermelhada, a poeira do trigo, o coque puxado para a nuca como nos mais belos Veronese, e o braço, esse braço de leite ao sol, o braço estendido de camponesa, polido como uma pedra de lavadouro... No entanto foi sua irmã quem posou para ele... Podemos colocá-la ao lado de Velázquez, ela se sustentará, eu lhe dou minha palavra... Não é carnuda, espessa, granulosa? Não é viva? Ela se impõe. Nós a vemos. EU — Sim, eu me lembro dela... Courbet é o grande pintor do povo. CÉZANNE — E da natureza. Sua grande contribuição foi a entrada, na pintura do século XIX, da lírica da natureza, do cheiro das folhas molhadas, das paredes musguentas da floresta, o murmúrio das chuvas, a sombra dos bosques, o curso do sol sob as árvores. E a neve, ele pintou a neve como ninguém! Eu vi, na casa de seu amigo Mariéton, a diligência nas neves, uma grande paisagem branca, plana, sob o crepúsculo cinzento, sem nenhuma aspereza, toda acolchoada... Era formidável, um silêncio de inverno. Como o Halali do museu de Besançon, no qual os personagens talvez sejam um tanto teatrais, mas que me lembra, sem estarem esmagados, com seus jaquetões de caça, os cães, a neve, o valete, que me lembram a maneira pomposa, o heroísmo, o fazer dos mestres, ora essa. E o poente do Cervo em Marselha, a faixa sanguinolenta, o charco, a árvore que foge com o animal, nos olhos do animal... Todos esses lagos da Savoia com o marulho da água, a bruma que sobe das margens, envolve as montanhas… as grandes Vagas, a de Berlim, prodigiosa, um dos achados do século bem mais palpitante, mais túrgida, de um verde mais baboso, de um laranja mais sujo, que está aqui, com suas espumas desenfreadas, sua maré que vem do fundo das eras, todo o céu andrajoso e sua acridade lívida. Nós a recebemos em pleno peito. Recuamos. Toda a sala cheira a maresia... - Ele olha, acima do Triunfo de Homero, a grande vegetação rasteira do Combate dos cervos. — Não dá para ver nada... Como está mal posicionado... Quando é que vão pôr um pintor, um de verdade, na direção do Louvre? E quando é que vão trazer as Moças à margem do Sena para cá? Onde elas estão?92 Semicerra os olhos. Ele as vê. — Ali, escute só, diríamos um Ticiano... Não. Não... É Courbet... Não vamos misturar... Essas moças! Um ardor, uma largue cansaco feliz, uma espojadura que Manet não conseguiu em seu Almoço…As luvinhas, as rendas, a seda vincada da saia, e os rubores... O entumescimento das nucas, o roliço das carnes A. natureza fez-se cortesã em torno delas. E o céu baixo, cortado, a paisagem suada, toda a perspectiva inclinada, que nos obriga a revistá-las... A umidade, as pérolas cálidas... E é arrojado! Tão carnudo quanto a Olympia é magra, grácil, cerebral... Os dois quadros do século talvez...93 Baudelaire e Banville. O ofício opulento, a fatura agucada... Na Olympia, sim, há algo a mais, um ar, uma inteligência... Mas Courbet é espesso, sadio, vivo. Enchemos a boca de cores. Nós as babamos… — Escute bem, é uma infâmia que essa tela não esteja aqui, e que o Funeral tenha sido sacrificado, sepultado ali naquela espécie de corredor... Não dá para vê- lo... Ele deveria luzir aqui, na cimalha, diante dos Cruzados, no lugar desse borrão do Homero... Sim, sim, é muito bonito, esses pés, essa calma, esse triunfo, mas não passa de uma reconstituição! Enquanto o Funeral... Venha cá. Ele me toma pelo braço. Arrasta-me com uma paixão de juventude. Continua a falar enquanto caminha. — Dizem que ele pintou este quadro após a morte de sua mãe. Ele se isolara por um ano em Ornans. Eram os habitantes da aldeia que posavam para ele, sem posar. Ele os tinha no olho... Em uma espécie de celeiro... Eles vinham se reconhecer... Ele misturava esses grotescos a sua dor... Flaubert... Mas é o que dizem. A renda é mais forte que a história. A mãe dele não tinha morrido. Ela posou, está em um canto... Mas é para lhe dizer o quanto a obra é comovente. Ela recria, ela reimagina a vida. Passamos sob o teto pintado por Delacroix. — Vamos voltar para vê-lo... Uma olhadela! Observe. É a tempestade lírica, o arrebatamento, a aurora de nossa renascença... Michelangelo em pedrarias. O senhor sabe, o Michelangelo dos cantos da Sistina, da Judite... E os jogos! Uma ode de Píndaro…O tigre e a mulher deitada, com os cabelos tragados pela areia... O mar inteiro lançado sobre uma praia... Dá para sentir o movimento… A maré enchente, o arrojo do mundo no sol, a queda da inveja em todo seu peso, estes monstros. E que fantasia! Posso ouvir o som do clarim... Com golpes de martelo, veja, estes braços forjam a luz... Com golpes de pincel Delacroix pintou nosso porvir... E ele é sublime!... Voltaremos depois. Ele me arrasta. — Sim, como Flaubert sorveu o romance de Balzac, Courbet talvez, do arroubo romântico, da veracidade expressiva de Delacroix, tenha sorvido... O senhor se lembra, na viagem que ele fez o velho Flaubert, em Pelos campos e pelas praias,* do enterro que ele descreve e da velha que chora como a chuva... A cada vez que o releio, penso em Courbet... A mesma emoção, na mesma arte... Observe. Chegamos. Ele está afogueado e irradia alegria. O sobretudo, que arrasta pela manga atrás de si, varre o piso. Ele endireita o porte. Exulta. Nunca o vi desse jeito. Ele, habitualmente tão tímido, lança olhares de triunfo à direita e à esquerda. O Louvre lhe pertence... A um canto, avista uma escadinha de copista. Dá um salto. — Enfim!... Nós vamos vê-lo. Puxa a escada. Sobe. — Venha. Venha. Deus do céu!... Como é belo... Os guardas acorrem, interpelando-o. — Deixem-me em paz... Estou olhando Courbet... Coloquem-no na luz e ninguém mais vai aborrecê-los… Ele sapateia sobre a pequeåna plataforma. — Mas não, vejam este cão... Velázquez! Velázquez! O cão de Felipe é menos cão, mesmo sendo cão de rei…O senhor o viu... E o coroinha, este vermelho bochechudo... Renoir nem chega perto… Ele se exalta, embriaga-se. — Gasquet... Courbet é o único que sabe aplicar um preto sem esburacar a tela... Ele é o único... Aqui, como em seus troncos e rochedos, ali. Ele podia, com um só movimento, imprimir um trecho de vida, a existência lamentável de um desses mendigos, veja, e em seguida voltava, com piedade, por bondade de gigante doce que tudo compreende... A caricatura se encharca de lágrimas... Ah! Deixem- me tranquilo, vocês aí. Vão procurar o diretor... Eu quero lhe dizer umas boas verdades… Começa um ajuntamento. Ele faz um verdadeiro sermão. –- É uma infâmia, com mil raios!... Estou farto, mas é verdade... Sempre baixamos a cabeça... É um roubo... O Estado somos nós... A pintura... sou eu... Quem é que compreende Courbet?... Aprisionaram-no neste buraco... Eu protesto... Vou procurar os jornais, Vallès… Grita cada vez mais alto. –- Gasquet, o senhor ainda será alguém... Prometa-me que fará com que ponham esta tela em seu lugar merecido, no salão quadrado... Por Deus, no salão dos modernos... Na luz... Para a gente poder vê-la… Os guardas recolhem seu sobretudo e o chapéu-coco. –- Deixem-me em paz, vocês... Vou descer... Temos na França uma obra como esta e a escondemos... Que ponham fogo no Louvre então... Agora mesmo... Se temos medo do que é belo...No salão dos modernos, Gasquet, no salão dos modernos... Prometa-me. Ele cai da escada. Desfila um olhar dominante sobre o grupo que nos rodeia… –- Eu sou Cézanne! Fica ainda mais vermelho... Remexe nos bolsos. Põe alguns luíses na mão dos guardas... E foge de lá, levando-me consigo... Chora. ___________________________________________________________________ 58 Esta epígrafe é citada a partir de Mes confidences (supra, p. 173). 59 O Monumento a Balzac de Rodin foi inicialmente exposto em gesso no Salão da Sociedade Nacional dos Artistas em 1898, tendo sido fundido em bronze apenas após a morte do escultor. Por outro lado, Rodin organizou uma retrospectiva de sua obra em um pavilhão temporário vizinho à exposição Universal de 1900 e talvez Gasquet se refira aqui à Galeria das Máquinas da Exposição. Na parte biográfica de seu livro (p. 75), Gasquet escreve que Rodin e Cézanne jantavam ocasionalmente juntos em Paris: "Gosto muito do que ele faz. É um intenso... [...]. Ele tem sorte. Ele realiza". * O Théâtre-Français, também conhecido como Comédie-Française. (N. da T.) 60 Ver Rivière e Schnerb (supra, p. 149): “[...] não pinto o conjunto: se uma cabeça me interessa, eu a faço grande demais”. 61 O pintor da vida moderna de Baudelaire (escrito em 1859-1860 e publicado em 1863) é dedicado a Guys. 62 Essas opiniões sobre a natureza das artes pagã e cristã são de Gasquet e não, certamente, de Cézanne. Em L’Art vainqueur (1919, pp. 82-3), Gasquet, depois de falar de “uma arte cristã da morte”, afirma que “alguma coisa de pagão permanecera sempre na poesia”. Ver também, nos primeiros diálogos (supra, p. 193), o comentário sobre os artistas da Renascença: “São verdadeiros pagãos”. 63 Trata-se das pinturas murais de Puvis de Chavannes, cujas decorações para a Sorbonne teriam, segundo Gasquet, suscitado este comentário de Cézanne (1926, p. 75): “Que má literatura!”. 64 Podemos avaliar a subjetividade, a inconstância e, consequentemente, a pouca fiabilidade de Gasquet comparando este trecho com uma passagem de L’Art vainqueur (1919, pp. 139-40): “Desde o final do último século, um Maurras, um Cézanne, um Debussy, só tinham de ir passar uma tarde no parque de Versalhes [...] para se pôr novamente de acordo com o gênio ponderado de nossa raça e sentir com plenitude até que ponto de perfeição o gosto pela ordem pode trazer as forças da natureza”. 65 Ao que parece, em vida, Cézanne foi várias vezes comparado a Masaccio. Maurice Denis cita dois exemplos disso (Journal, 1957, tomo II, p. 84): "Fabbri [...] me disse que Masaccio lhe evoca algo de tão nobre quanto a Antiguidade e que Cézanne é o único pintor um pouco nobre destes tempos" — o Fabbri em questão é provavelmente Egisto Fabbri, um importante e precoce colecionador de obras de Cézanne que possuía dezesseis de suas telas em 1899; e “Havia em 1900 em Settignano, na Gamberaia, miss Blood que punha uma ao lado da outra fotos de Cézanne e do Carmine [...]”(Journal, 1959, tomo III, p. 140). Notemos porém que o Cézanne de Gasquet rejeita a pintura do Quattrocento (ver trechos a seguir). 66 O trecho inteiro sobre a Vitória de Samotrácia é típico do estilo de Gasquet e pode ser comparado à passagem de L'Art vainqueur (1919) sobre “a serenidade patética dos gregos” (pp. 105 ss.). 67 A distinção feita neste parágrafo entre “aquilo que se chama pintura”, de um lado, e “Ingres, Rafael e toda essa gente”, de outro, é autenticamente cézanniana; podemos compará-la ao discurso sobre as “duas plásticas” em Bernard, L'Occident (supra, p. 71), embora nada aqui indique que Gasquet tenha se baseado em Bernard. A frase “Tenho o prazer da linha, quando quero” deve ser associada comentário de Denis (em Théories, infra, p. 267) sobre a distinção, sugerida durante a visita de janeiro de 1906 (ver o fragmento do Journal reproduzido neste volume), entre, por um lado, o desenho livre e expressivo dos caricaturistas do século XIX e também de Puget e dos bolonheses, e, por outro, o traçado extremamente contido de Degas e Ingres. Holbein faz parte, neste diálogo de Gasquet, de “toda essa gente”, o que contradiz os louvrores de que foi objeto por ocasião da visita de Osthaus (Osthaus, supra, p. 166) 68 Ver Gasquet, 1926, p. 107: "Esse David!´, dizia ele, irônico” Cézanne professava, porém, uma grande admiração (talvez irônica) por Gros, aluno de David (Geffroy, supra, p. 24). 69 Sobre a atitude de Cézanne quanto a "essa ciência das preparações”, ver Denis, Journal, a respeito das Bodas de Canaã de Veronese: ”Produziu um esquema deles” (supra, p. 162); e a exposição de Bernard sobre a técnica pictórica de Cézanne (Souvenirs, supra, p. 129): “Recomendou-se que começasse levemente, com tons quase neutros. 70 Reencontramos essa noção em Denis, Théories (infra, p. 279), embora a primeira fonte seja Bernard, L'Occident (supra, p. 73). 71 Nos Souvenirs (supra, p. 113) Bernard cita Cézanne: “Gauguin não era pintor, ele só fez imagens chinesas”. É provável que Cézanne tivesse em mente (entre outras coisas) a questão dos contornos, e já se sugeriu que a Carta 8 a Bernard (ver p. 89, nota 11) exprimia a mesma crítica a Gauguin. Sobre o conhecimento que Cézanne tinha das estampas japonesas, Gasquet (1926, p. 70) afirma que o pintor lera os volumes dos irmãos Goncourt sobre Utamaro e Hokusai. 72 Ver Bernard, Souvenirs (supra, p. 129). Citado na p. 218, nota 69, supra. Esse trecho inteiro, embora comporte certos fragmentos evidentemente derivados de Cézanne, consiste essencialmente em uma interpretação de Gasquet. * A tela Um funeral em Ornans, pintada por Courbet em 1849-1850 assinala um ponto de virada na arte francesa do século XIX e encontra-se hoje no Musée d’Orsay, em Paris. A entrada dos cruzados em Constantinopla, de Delacroix, pintada em 1840, pertence à coleção do Louvre. A remissão ao Teto de Apolo refere-se às pinturas que cobrem o teto da Galeria de Apolo, um dos pontos altos do Louvre, obra de vários pintores, sendo que a imagem central, Apolo vencendo a serpente Píton, de aproximadamente 8 x 7,5m foi pintada por Delacroix em 1850-1851. (N. da T.) 73 Ver a Carta 8 a Bernard: “Devo-lhe a verdade em pintura e a direi” (supra, p. 89). 74 Fonte: carta a Charles Camoin, 3 de fevereiro de 1902. Os trechos dão continuidade ao tema anti-David anteriormente mencionado (ver supra, p. 216, nota 68). * Hipollyte Taine, Les Origines de la France contemporaine, 5 tomos, 1875-1893. (N. da T.) 75 Fonte: carta a Camoin, 9 de dezembro de 1904. 76 Ver Vollard, supra, p. 27. 77 Fonte: Denis, Théories (infra, p. 276) e o Journal (supra, p. 160). 78 As três frases precedentes vêm da Carta 5 a Émile Bernard (supra, pp. 83-5). 79 Fonte: carta a Camoin, 22 de fevereiro de 1903. 80 Fonte: Carta 7 a Bernard (supra, p. 87). 81 Fonte: Carta 9 a Bernard (supra, p. 91). 82. Algumas das frases precedentes provêm da Carta 7 a Bernard (supra, p. 87). 83 É pouco provável que estas ideias sejam de Cézanne. Gasquet talvez as tenha tirado da famosa declaração de Denis em Art et Critique, de 23 de agosto de 1890: "Lembrar-se de que um quadro — antes de um cavalo de batalha, uma mulher nua ou uma historinha qualquer — é essencialmente uma superfície plana recoberta de cores reunidas em uma certa ordem” (reproduzido em Théories, 1913 e 1920). A opinião de Cézanne sobre os efeitos negativos das associações literárias era nuançada, e seria falso acreditar que ele desejasse abolir qualquer tema. inte, ver a p. 201, nota 43. Sobre as "péladanerias” na frase seguinte, ver a p. 201, nota 43. 84 Ver Gasquet (1926, p. 70): “Ele não falava de El Greco"; e a Carta 5 a Bernard: “Os maiores, o senhor os conhece melhor que eu, os venezianos e os espanhóis” (supra, p. 83). 85 Ou seja, a de Tintoretto. Ver a Carta 6 a Bernard: “[...] pelo mais valentes [sic] dos venezianos, nós celebramos Tintoretto” (supra, p. 85). 86 O autorretrato de Tintoretto, cuja cópia realizada por MAnet está em Dijon desde 1898, encontra-se no Louvre e não na Galeria dos Uffizi. Cézanne certamente conhecia bem o original, e é possível que a inscrição apócrifa em letras capitais IACOBUS TENTORETUS PICTOR VEN(E)TI(AN)US, que se estendia em linha reta na parte de cima do quadro (e apagada por casião da restauração), tenha influenciado a inscrição com estêncil ACHILLE EMPERAIRE PEINTRE sobre o retrato de Emperaire do Musée d'Orsay. A Carta 3 a Bernard está assinada por Pictor P. Cézanne (supra, p. 60). 87 Este parágrafo é uma versão ligeiramente deformada de um trecho da Carta 6 a Bernard (supra, p. 85). 88 Trata-se de uma variante de um fragmento da Carta 5 a Bernard (supra, p. 83). 89 Extraído de Mes confidences (questão e resposta 10, supra, p. 173). * Tela também conhecida como A apoteose de Homero (1827), de Ingres. (N. da T.) em conhecida 90 Sobre a analogia com o têxtil, ver supra, p. 108, nota 17. 91 Segundo Vollard (1914, p. 22), Cézanne teria dito a Guillemet, admirador de Corot: "Esse teu Corrot [sic], você não acha que lhe falta temmperammennto [sic]?”. * Gíria adotada a partir de 1871, "déboulonner la colonne” faz referência à peticão dirigida por Courbet ao Governo de Defesa Nacional durante a Comuna de Paris solicitando o desmantelamento da coluna Vendôme, símbolo da vitória de Napoleão em Austerlitz. (N. da 1.) 92 Sobre Courbet, como sobre Delacroix, Gasquet expressa certamente, em seus diálogos, a direção dos entusiasmos de Cézanne; mas parece pouco provável que haja transcrito sua verdadeira substância. Não há dúvida de que, em sua juventude, Cézanne, como relembra Bernard (Souvenirs, supra, p. 121), “se procurava [...) em Courbet e Manet”. Seus comentários sobre Courbet são poucos: “[...] uma expressão um tanto pesada” (Vollard, 1914, p. 77; Vollard conta entretanto que Cézanne era um grande entusia); É um objetivo. Ele tem a imagem prontinha em seu olho...” (Gasquet, 1926, p. 40. onde se afirma que Cézanne era assombrado pelo nome e pela lenda de Courbet). Denis, baseado nas palavras de Vollard, menciona o amor de Cézanne por Courbet, que considerava aparentemente o melhor no que dizia respeito à realização (Journal, 1957, tomo I, p. 157). Quanto a Rivière e Schnerb (supra, p. 156), eles relatam as declarações feitas pelo pintor diante do grande quadro das Banhistas no ateliê de Lauves, em janeiro de 1905: “Eu queria pintar em plena pasta, como Courbet”. Mas sua admiração foi declinando, e ele trataria Courbet de "belo selvagem”. 93 Gasquet (1926, p. 48) descreve o momento em que Cézanne lhe entregou uma fotografia da Olympia de Manet: “É um estado novo da pintura. Nossa Renascença começou aqui”. * No original, Par les champs et par les grèves, relato de viagem escrito a quatro mãos, por Gustave Flaubert e Maxime Du Camp, em 1847 e publicado entre 1852 e 1881. (N. da T.)