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Jurisprudência/STJ - Decisões Monocráticas

Processo
REsp 1898618

Relator(a)
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

Data da Publicação
DJe 09/03/2021

Decisão
RECURSO ESPECIAL Nº 1898618 - AC (2020/0256335-0)
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por S. M. S. de S. com base nas
alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Acre, assim ementado (e-STJ, fl. 63):
CIVIL. FAMILIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. SENTENÇA. NULIDADE.
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REJEIÇÃO. AÇÃO PROPOSTA POR TERCEIRO.
CARÊNCIA DA AÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. CONFIGURAÇÃO.
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Delimita a norma processual as pessoas que
podem ingressar com determinadas ações, de cunho personalíssimo, nestas
inserindos-se a afeta a paternidade. 2. O Juízo a quo, apreciando a
exordial ajuizada, elencou devidamente os fundamentos que o levaram a
indeferir a exordial -carência da ação-falta de legitimidade da parte
ativa em propor a investigatória de paternidade. No caso, não se verifica
nulidade a merecer acolhida..
3. Ex vi do disciplinado pelo art. 1.609 do C C , tratando-se de direito
personalíssimo, este não pode ser exercido por terceiros, ainda que
demonstrado interesse pessoal ou ate mesmo patrimonial, os quais não se
confundem com a legitimação ad causam. 4. Manutenção da sentença.
Desprovimento do Apelo..
Nas razões do recurso (e-STJ, fls. 78-99), a recorrente alega a violação
dos arts. 11, 14 e 489 do Código de Processo Civil de 2015;
1.604 e 1.606 do Código Civil de 2002, bem como a existência de dissídio
jurisprudencial.
Sustenta, em síntese, que a fundamentação utilizada pelo acórdão
recorrido não condiz com a legislação vigente deste 2015, uma vez que o
Tribunal de origem fundamentou com base nos arts. 267, 295 e 301 do
C PC /1973.
Aduz que no leito de morte, o de cujus não reconheceu a recorrida como
filha, apontando que aquele faleceu em 23/1/1977, e a recorrida nasceu em

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2/8/1977, e que, portanto, por motivos próprios, a requerida e sua
genitora realizaram o assento de nascimento, na qual, pelo fato de o
suposto pai ter falecido, o servidor do cartório não fez questionamento a
respeito da paternidade, porque presumiu que a concepção foi dentro dos
parâmetros previstos no art. 349 do CC/2016, tendo em vista que se fez a
prova por intermédio de testemunha.
Afirma que o reconhecimento de paternidade foi feito de forma separada
após a morte do suposto genitor, no ano de 2011, ou seja, 32 anos depois,
na qual, em nenhum momento, a filha legítima sabia do ocorrido. Aponta
que, por se tratar de registro somente após o falecimento do genitor,
cabe ao filho provar a filiação, na qual, conforme prevê o art. 113 da
Lei n. 6.015/1973, tal registro deveria ter sido feito por meio de
processo contencioso.
Foram apresentadas contrarrazões (e-STJ, fls. 106-113).
Juízo positivo de admissibilidade (e-STJ, fls. 114-116).
Brevemente relatado, decido.
O cerne do recurso especial é o debate acerca da legitimidade ativa da
filha, devidamente reconhecida e registrada, do de cujus para propor ação
de investigação de paternidade post mortem, com intuito de demonstrar que
a requerida não é filha biológica do pai registral, tendo em vista a
inexistência de reconhecimento de filiação por parte do genitor, já
falecido à época do registro.
O Tribunal estadual, ao julgar a apelação, consignou o seguinte (e-STJ,
fls. 67-68 ):
14. Desta feita, relata a Apelante em sua peça exordial que no ano de
2012 a Apelada se apresentou como filha do senhor Pedro Pereira de Souza,
seu pai, todavia, na certidão de nascimento da demandada, ora Apelada,
consta como data de seu nascimento 02/08/1977, mesmo ano de falecimento
do de cujus; que somente soube que a Apelada seria sua suposta irmã
quando esta fora incluída como beneficiária de pensão por morte deixada
pelo de cujus, motivo pelo qual o valor que recebia, a título de pensão,
foi diminuído ante a inclusão da Apelada, ao que acrescenta, que tentou
anteriormente a averiguação de paternidade, com fito de verificar o
vínculo biológico entre o falecido e a Apelada, porém, esta sempre foi
contrária, o que levou a Apelante a propositura da ação de investigação
de paternidade, a fim de comprovar o vínculo biológico entre as supostas
irmãs e o de cujus. Esse é o cenário apresentado.
15. Almeja a Apelante, em suma, quando da interposição do Recurso de
Apelação, a reforma da sentença, no sentido de verificar a paternidade
(ou não) da Apelada em relação ao de cujus Pedro Pereira de Souza.

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16. Primeiramente, registro que a ação negatória de paternidade, como a
de maternidade, é ação de estado, sendo direito personalíssimo dos
genitores. Os supostos irmãos, filhos dos genitores, não possuem
legitimidade para discutir a paternidade e a maternidade assumida por
seus pais.
17. Ao mais, sabendo-se que a ação negatória de paternidade visa à
alteração do status fático e jurídico de quem declarou-se pai, portanto,
somente pode ser intentada pelo próprio declarante.
18. Em outras palavras, repito, o questionamento da paternidade é direito
personalíssimo dos genitores, a teor do disciplinado no art. 1.609 do CC,
motivo pelo qual não pode ser exercido por terceiros, ainda que
demonstrado interesse pessoal ou patrimonial na questão, os quais não se
confundem com a legitimação ad causam.
19. Desse modo, considero escorreita a sentença proferida pelo Juízo a
quo, e corroboro do entendimento lá esboçado, quando aduz que a ação
intentada pela Apelante carece de legitimidade ativa ad causa.
Diante desse cenário, percebe-se que essa conclusão destoa da
jurisprudência deste Tribunal Superior. Isso porque esta C orte entende
que "a ação que visa a declaração de inexistência de filiação em razão de
erro ou falsidade ideológica, é suscetível de ser intentada por quem
detém legítimo interesse jurídico, econômico ou moral no desfecho da
causa" (REsp n. 1.788.221/MG, Relator Ministro Raul Araújo, julgado em
19-12-2019). Ou seja, tem legitimidade todo aquele que tenha o seu
direito atingido pela relação jurídica que se busca declarar a
inexistência.
A propósito:
AGRAVO INTERNO. FAMÍLIA. ANULAÇÃO DE REGISTRO. LEGITIMIDADE ATIVA.
EXAME DE DNA JÁ REALIZADO EM OUTRA AÇÃO. VALIDADE. SÚMULA 7/STJ.
PETIÇÃO ELETRÔNICA. CERTIFICAÇÃO DIGITAL. PESSOA DIVERSA DO SUBSCRITOR DO
RECURSO. TITULAR COM PROCURAÇÃO NOS AUTOS.
POSSIBILIDADE. AGRAVO. CPC/1973, ART. 522. PEÇAS NECESSÁRIAS.
JUNTADA. INTIMAÇÃO. PRAZO.
[...] 3. A ação objetivando a declaração de inexistência de filiação
somente pode ser ajuizada por quem tenha legítimo interesse jurídico,
econômico ou moral no desfecho da causa.
[...] 6. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgRg nos EDcl nos EDcl no AREsp n. 677.722/RJ, Relatora Ministra MARIA
ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/8/2017, DJe 22/8/2017).
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. ART. 1.604
DO C ÓDIGO C IVIL. PRETENSÃO QUE VINDIC A BEM JURÍDIC O PRÓPRIO DOS

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HERDEIROS. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Cuida-se de ação anulatória de registro de nascimento fundada em vício
de consentimento, com amparo no art. 1.604 do CC, a qual é suscetível de
ser intentada não apenas por parentes próximos do falecido, mas também
por outros legítimos interessados, seja por interesse moral ou econômico.
Precedentes.
2. Todavia, o espólio não detém legitimidade para o ajuizamento da ação,
uma vez que a sua capacidade processual é voltada para a defesa de
interesses que possam afetar a esfera patrimonial dos bens que compõem a
herança, até que ocorra a partilha. C omo, no caso, a demanda veicula
direito de natureza pessoal, que não importa em aumento ou diminuição do
acervo hereditário, a legitimidade ativa deve ser reconhecida apenas em
favor dos herdeiros, que poderão ingressar com nova ação, em nome
próprio, se assim o desejarem.
3. Recurso especial desprovido.
(REsp n. 1.497.676/SC , Relator Ministro MARC O AURÉLIO BELLIZZE, TERC EIRA
TURMA, julgado em 9/5/2017, DJe 31/5/2017 - sem grifo no original).
Direito processual civil. Família. Ação negatória de paternidade.
Descaracterização. Pedido formulado. Anulação de registro de nascimento.
Legitimidade ativa.
- Na ação negatória de paternidade, prevista no art. 1.601, do C C /02, o
objeto está restrito à impugnação da paternidade dos filhos havidos no
casamento, e a legitimidade ativa para sua propositura é apenas do
marido, que possui o vínculo matrimonial necessário para tanto. Na
hipótese, contesta-se a paternidade de filho concebido fora do
matrimônio, o que aponta a inadequada incidência do art. 1.601, do CC/02
à espécie.
- O pedido de anulação de registro de nascimento, fundamentado em
falsidade ideológica do assento, encontra amparo na redação do art.
1.604, do C C /02, cuja aplicação amolda-se ao pedido exposto na exordial.
- Não se tratando de negatória de paternidade, mas de ação declaratória
de inexistência de filiação, por alegada falsidade ideológica no registro
de nascimento, não apenas o pai é legítimo para intentá-la, mas também
outros legítimos interessados.
Recurso especial conhecido e provido.
(AgRg no REsp n. 939.657/RS, Relatora Ministra NANC Y ANDRIGHI, TERC EIRA
TURMA, julgado em 1/12/2009, DJe 14/12/2009 - sem grifo no original).
PROC ESSUAL C IVIL. C IVIL. FAMÍLIA. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO PATERNO.
LEGITIMIDADE. INTERESSADOS.
A anulação do registro de nascimento ajuizada com fulcro no art. 348 do

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Código Civil, em virtude de falsidade ideológica, pode ser pleiteada por
quem tenha legítimo interesse moral ou material na declaração da
nulidade. Precedentes.
Recurso conhecido e provido.
(REsp n. 257.119/MG, Relator Ministro C ESAR ASFOR ROC HA, QUARTA TURMA,
julgado em 20/2/2001, DJ 2/4/2001, p. 298).
CIVIL E PROCESSUAL - ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO.
I- Não se cuidando no caso de ação negatória de paternidade e sim de ação
declaratória de inexistência de filiação legítima, por comprovada
falsidade ideológica, é ela suscetível de ser intentada não só pelo
suposto filho, mas também por outros legítimos interessados.
II - Recurso conhecido e provido.
(REsp n. 140.579/AC , Relator Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERC EIRA TURMA,
julgado em 18/8/1998, DJ 3/11/1998, p. 127.)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para declarar a
legitimidade ativa da recorrente na presente demanda e determinar o
retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que se profira novo
julgamento, à luz do entendimento acima exposto.
Publique-se.
Brasília, 01 de março de 2021.
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

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