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São Leopoldo 

​Memória e Patrimônio Cultural 


​Curso EAD – SMED/SECULT  
 
Módulo 1 - Cidade e História Local  

- ORIGENS DE SÃO LEOPOLDO

A nascente do Rio dos Sinos, no Caraá, detém registros líticos de ocupação


humana que atestam a presença de grupos indígenas por seis mil anos.
Pertencentes à tradição Umbu, os primeiros habitantes da região, praticavam a caça
e a pesca, assim como a coleta de vegetais. Há aproximadamente 1.500 anos atrás,
chegaram à região os representantes da Tradição Tupi-Guarani, estes conheciam a
agricultura e cultivavam o aipim, o milho, o feijão, a erva-mate e fabricavam panelas
de barro, construíam grandes casas de palha que utilizavam como moradia em
aldeias. Mais tarde, chegou à região o grupo Kaingang, também chamados
“coroados” ou “bugres”, originários da tradição Taquara. Sobreviviam da caça, da
coleta de pinhões, cultivavam o milho e o porongo e, vivendo em casas de palha,
povoaram a região do Vale do Rio dos Sinos. Os representantes dessa tradição
ainda hoje habitam o município de São Leopoldo. Um grupo de 120 pessoas que
formam 27 famílias, residem no assentamento indígena, a Aldeia Por Fi Gâ. A aldeia
abrange 2,5 hectares e está localizada no bairro Feitoria, onde o grupo preserva a
sua cultura tradicional, educam suas crianças e produzem artesanato para venda
nas feiras da região (LETTI et al., 2012).

O Rio Grande do Sul teve uma ocupação europeia tardia, em função de ter
sido a região mais meridional das possessões portuguesas na América. No século
XVIII já existem registros de fazendas nos arredores do atual bairro do Scharlau no
município de São Leopoldo. A primeira ocupação do local era composta por
portugueses açorianos e por africanos e seus descendentes. Esta foi intensificada
com a instalação da Real Feitoria do Linho Cânhamo na região que, em 1822, passa
a ser chamada Imperial Feitoria do Linho Cânhamo. Transferida do Rincão de
Canguçu, próximo a Pelotas, para esta região conhecida como Faxinal do Courita,
no ano de 1789. A Feitoria foi um estabelecimento agrícola do governo onde eram
produzidas cordas de cânhamo para uso da Marinha e utilizava a mão de obra negra
cativa. Esta empresa luso-brasileira, no entanto, não atingiu os resultados e
dividendos esperados e, portanto, teve suas atividades canceladas pela coroa e
substituída pelo projeto de colonização.

Esse projeto foi pensado primeiramente para compor batalhões que


pudessem fazer frente às tropas portuguesas em uma possível - e esperada - guerra
pela independência do Brasil, em 1822. A missão foi entregue secretamente por
José Bonifácio ao Major Gerg Anton Von Schaeffer que deveria visitar as cortes
alemãs e oferecer aos soldados “(...) 77 hectares de terra, isenção de impostos por
10 anos, animais de criação e sementes (...)” (TRESPACH, 2014, p.17). A proposta
feita por Von Schaeffer era muito tentadora. A área oferecida correspondia a um
condado nos antigos reinos alemães. Aqueles contratados como soldados deveriam,
porém, servir ao exército imperial brasileiro durante o período de quatro anos, na
guarda da corte e nos conflitos da Confederação do Equador (1824) e a Guerra da
Cisplatina (1825-1828). Os colonos, por sua vez, seriam distribuídos para as regiões
de Nova Friburgo no Rio de Janeiro e do Vale do Rio dos Sinos no Rio Grande do
Sul (Ibidem).

Em 25 de julho de 1824 chegaram os primeiros 39 imigrantes alemães, sendo


33 evangélicos e seis católicos, enviados pelo imperador brasileiro Dom Pedro I para
realizar o povoamento da região. Depois de uma atribulada viagem de 12 mil
quilômetros que partira do porto de Hamburgo na Alemanha, para atravessar o
Atlântico em um veleiro durante 100 dias os pioneiros foram instalados na casa da
antiga Feitoria até que lhes fossem distribuídos os seus respectivos lotes. O que
ocorreu somente no final de 1824, quando foi fundada a primeira Colônia Alemã de
São Leopoldo, nome dado em homenagem a imperatriz Leopoldina, esposa de Dom
Pedro I. Esta se estendia por mais de mil quilômetros quadrados, abrangendo na
direção sul-norte, do que hoje é Esteio até Campo dos Bugres (hoje, Caxias do Sul),
e em direção leste-oeste, de Taquara (hoje) até o Porto de Guimarães, no rio do Caí
(hoje, São Sebastião do Caí).

A instalação dos primeiros colonos serviu para garantir a posse do território


tomado dos indígenas que era ameaçado constantemente pelo avanço castelhano.
Dessa forma, a posse asseguraria o abastecimento das tropas nesta região de
conflito com gêneros alimentícios. No desenvolvimento da pequena propriedade
rural, baseada na mão-de-obra familiar, também estava a promessa da
comercialização dos excedentes. Aos poucos a Colônia foi vencendo as dificuldades
do território inóspito, retomando os hábitos alimentares e adotando novas espécies
americanas como a mandioca, o milho, a batata doce, a abóbora, o chuchu, o arroz
e o feijão. Entre os anos de 1824 até 1875 a Colônia foi o único fornecedor de
gêneros agrícolas da província. (História ilustrada do Rio Grande do Sul, 1998).
As primeiras choupanas foram sendo substituídas por casas mais sólidas e a
fabricação de objetos e utensílios artesanais foi retomada. O nome do ofício
tornou-se o sobrenome de muitas das antigas profissões que, com o ambiente
favorável e a prosperidade da Colônia, vão ressurgindo. Assim conhecemos muitos
Schmidt (ferreiro), Weber (tecelão), Schneider (carpinteiro). Os moleiros,
serralheiros, sapateiros, assim como os curtumes e as atividades de comércio que
escoavam a produção da Colônia com as grandes casas comerciais de Porto Alegre
vão impulsionando o desenvolvimento da Colônia. Em 1829 já existia em São
Leopoldo uma fábrica de azeite, uma de sabão e oito pequenos curtumes que
prosperariam nos anos seguintes (Ibidem).
Durante o período da Revolução Farroupilha (1835-1845), a política de
imigração foi interrompida. Neste período, a Colônia de São Leopoldo se envolveu
abastecendo com seus produtos às tropas imperiais, e a política de colonização foi
interrompida. No ano de 1846, a antiga colônia emancipou-se originando a Vila de
São Leopoldo, com a construção da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição,
continuando sua trajetória de crescimento econômico e social. Neste ano, após o
término da guerra, a remessa de imigrantes foi retomada e foram fundadas novas
colônias na província. Assim, se destaca a fundação de Santa Cruz (1849), Santo
Ângelo (1857), Nova Petrópolis (1858) e Monte Alverne (1859). Em função de seu
crescimento, a Vila de São Leopoldo se eleva à categoria de cidade em 1864. O Rio
dos Sinos foi o primeiro meio de comunicação e de escoamento dos produtos
coloniais para a capital, além de ser o fator de integração do Vale. A cidade de São
Leopoldo, assim como a cidade de Taquara, por exemplo, surgiram diretamente
ligadas aos seus portos. No caso de São Leopoldo, a história da navegação fluvial é
inseparável da história da família Blauth. Iniciando o empreendimento que
estabeleceria a conexão entre Porto Alegre, São Leopoldo e Mundo Novo (atual
município de Taquara), em 1846, Jacob Blauth adquire um lote de terras a beira do
Rio dos Sinos onde estabelece sua residência com um ancoradouro para pequenas
embarcações, no lado oposto à Vila de São Leopoldo. A escolha do local não foi
fortuita, pois localizava-se próximo a área em que se realizava a travessia dos
produtos agrícolas e manufaturas da 1ª Colônia em direção à capital, e onde se
planejava, desde 1849, a construção de uma ponte (a atual 25 de Julho) para este
fim. Por esta razão, o porto de São Leopoldo era confundido como o “Porto dos
Blauth” (REINHEIMER, 2007, p.118, apud ROCHE, 1969, p. 61).

Mesmo após a inauguração da ferrovia a navegação fluvial mantém o


transporte de passageiros e de cargas comerciais. Ao final do século XIX, a empresa
possuía quatro embarcações: os vapores “São Leopoldo”, “Pedro I” e as lanchas
“Itapuhy” e “São Pedro”. Acompanhando o crescimento da cidade e se beneficiando
das melhorias urbanas promovidas pela intendência, a trajetória da Cia. Blauth de
Navegação se mostrou sólida ao longo de várias gerações. Conforme ocorre o
desenvolvimento da ferrovia, que passa a absorver grande parte do transporte de
passageiros, a Cia. Blauth passa a se concentrar no o transporte de materiais de
construção, os chamados materiais terrosos, ultrapassando a segunda metade do
século XX (Ibidem, p. 134).
No ano de 1874, é inaugurado o do primeiro trecho da ferrovia na província,
ligando Porto Alegre à São Leopoldo (precisamente à Hamburg Berg, hoje Novo
Hamburgo). Concedendo ao empreiteiro britânico John MacGinity¹, através da “The
Porto Alegre & New Hamburg Brazilian Railway Company Limited” o direito de
construção e exploração da estrada de ferro. O projeto era antigo e vinha, desde
1866, produzindo grandes debates na Assembleia Legislativa da província que
apontavam para o potencial econômico da zona colonial e para a necessidade de
conectar o “Celeiro da Província” à capital. Um ano depois da inauguração da seção
ferroviária, se constrói a ponte sobre o Rio dos Sinos, outro projeto antigo e de
grande importância no desenvolvimento da cidade.

1 - MacGinity chegou ao Brasil em 1842, com 23 anos foi ferreiro do Arsenal do Rio de
Janeiro e supervisor de um dos Departamentos do Dique de Mauá. Em 1865, foi contratado
pelo governo provincial do Rio Grande do Sul para a construção da Cadeia e Arsenal de
Porto Alegre. Trabalhou com projetos de mineração, colonização, ferrovias e conseguiu, por
fim, a concessão da Estrada de Ferro Porto Alegre-Novo Hamburgo em 1874 (CENTRO…,
1985, p. 18).
Após a proclamação da República, que instaurou o governo positivista no Rio
Grande do Sul, a malha ferroviária no Estado foi estendida até à Vila de Taquara do
Mundo Novo, em 1903, com as estações: Hamburgo Velho, Canudos, Campo Bom,
Sapiranga, Amaral Ribeiro, Nova Palmeira (posteriormente renomeada Araricá),
Campo Vicente e Parobé. Em 1924, chegou a Canela, após vencer 798 metros de
desnível, passando por Gramado (CENTRO…, 1985, p. 24 ). Em comparação ao
antigo modal fluvial, a ferrovia permitia o transporte de passageiros e o escoamento
do excedente de forma rápida, segura e econômica.

“O combustível para as máquinas a vapor ficaria garantido pelo


abastecimento de carvão de primeira qualidade das Minas de Arroio
dos Ratos, que seria colocado no Porto de São Jerônimo a ‘sete
schilings’ a tonelada, chegando a Porto Alegre a vinte quatro, onde o
carvão inglês chegava a sessenta. (CENTRO…, 1985, p. 24 )”

Dessa forma, os produtos podiam ser comercializados por valores muito mais
favoráveis que os de anteriormente. A inauguração da ferrovia proporcionou
inúmeras melhorias na região. Na esteira do progresso, elementos de infraestrutura
foram implementados como o telégrafo, as escolas, o saneamento, o comércio,
associados à multiplicação dos centros urbanos. Fato que contribuiu para fortalecer
o capital comercial e industrial de São Leopoldo, assim como permitiu o crescimento
populacional que impulsionou a ocupação de novas áreas.
Referências Bibliográficas 

CARDOSO, Alice. ZAMIN, Frinéia. Patrimônio Ferroviário do Rio Grande do Sul.


Inventário das Estações 1874-1859. Porto Alegre, Pallotti, 2002.

CENTRO de Preservação da História da Ferrovia no Rio Grande do Sul. 1. ed.


Porto Alegre: Ed. Gráfica Metrópole, 1985, p. 115.

LETTI, Maristela Severo. et. al. (org.). Atlas Socioambiental de São Leopoldo/RS.
São Leopoldo: OIkos, 2012. Disponível em:
http://www.crearecomunicacao.com.br/images/trabalhos/atlas/Atlas%20de%20S%C3
%A3o%20Leopoldo/INICIAR%20CLIC%202%20VEZES%20AQUI.html
Acesso em:16/05/2018.

HISTÓRIA ilustrada do Rio Grande do Sul. Porto Alegre : Ja Editores, 1998.

FLORES, Moacyr. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ediplat, 2003

REINHEIMER, Dalva Neraci. A navegação fluvial na República Velha Gaúcha,


inciativa privada e setor público: ações e implicações dessa relação. 238 f. Tese
(Doutorado em História) - Centro de Ciências Humanas, Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (UNISINOS), São Leopoldo, 2007.

TRESPACH, Rodrigo. Alemães para toda obra. Dossiê Alemães no Brasil. Revista
de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro. Ano 9, n. 102, pp. 14-19, março
2014.

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