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PRIMEIRO ACTO

_____________

1 EXT. ESTRADA NACIONAL - DIA

Sara e Lázaro observam a estrada nacional, tipo Rua da


Estrada.

Imagens dum cavalo de cerâmica. Dum galo de Barcelos em


chapa. Duma venda de fruta. E mais.

2 EXT. ESTRADA RURAL - DIA

Sara roda o pescoço e vê algo passar, fixa-se num ponto.

CORTA PARA:

3 INT. SALA INDEFINIDA - FLASHBACK - DIA

Lázaro massaja o rosto de Sara, mas não é uma massagem comum.


É como se a moldasse.

CORTA PARA:

4 EXT. ESTRADA RURAL - DIA

Sara pergunta a Lázaro, enquanto ele conduz o carro, o que


são um para o outro. O diálogo continua após pararem o carro
para verem animais.

5 EXT. ARREDORES DE SANFINS - DIA

O carro aproxima-se do Convento. Vemos o Convento sobre as


árvores.

Junto ao local do estacionamento, debaixo dum arco, está o


Guardião, que os aguarda. Saem do carro.

6 INT/EXT CONVENTO DE SANFINS - DIA

Dá-se o encontro. Sara é mais entusiástica do que Lázaro,


algo seco.

GUARDIÃO
Sejam benvindos!

LÁZARO
Boa tarde.

SARA
Olá!

GUARDIÃO
Sigam-me. Vou mostrar-vos as vossas
instalações e pelo caminho ficam a
conhecer o nosso espaço.
2.

SARA
Isto é muito diferente do que eu podia
imaginar.

GUARDIÃO
Decerto imaginava uma pequena praça
com um cruzeiro e uma capela.

SARA
E as casas à volta.

GUARDIÃO
As casas estão de facto à volta. Mas
como neste local havia um Convento
muito antigo, que como podem ver, está
em ruínas, a aldeia foi tomando as
ruínas como uma espécie de centro.

SARA
A igreja tem telhado.

GUARDIÃO
A igreja tem telhado sim. E nós fomos
com o tempo fazendo alguma
recuperação. A zona onde vocês vão
ficar é um exemplo disso.

SARA
Mas as pessoas vivem aqui?

GUARDIÃO
As pessoas que não são muitas, vivem
em casas que estão dispersas ao redor
do Convento, umas mais longe do que
outras. Mas quando nos queremos
reunir, é sempre por aqui que o
fazemos.

Percorrem o espaço do Convento, passam pela igreja e pelos


Claustros e entram numa divisão em obras. Descem umas
escadas.

7 INT. ESTÚDIO - DIA

Surgindo pelas escadas, os três entram no estúdio.

GUARDIÃO
Dispusemos os materiais nesta mesa.
Não sei se querem que diga algumas
palavras sobre os filmes?

SARA
Claro que sim.

LÁZARO
Na verdade, não. Na minha opinião,
3.

quanto mais isentos formos, tanto


melhor. Se houver alguma verdade
nestes filmes, ela virá por si mesma.

GUARDIÃO
E quanto a questões técnicas?

LÁZARO
Quanto a questões técnicas, somos mais
do que capazes.

GUARDIÃO
Muito bem. Encontrem-me lá em cima
quando quiserem que vos mostre os
quartos.

SARA
Obrigado.

O Guardião retira-se.

SARA
Foste bruto. Acabamos de chegar.

LÁZARO
Desconfio desta gente. Provavelmente o
que querem é sacar dinheiro às custas
duma invenção.

SARA
Porque viemos então?

LÁZARO
Porque é sempre preciso ter a certeza.

Sara retira uma capa e coloca-a na mesa.

LÁZARO
O que tens aí?

SARA
As minhas anotações e descrições que
recolhi sobre a Comunidade de Elipse.
Incluindo os teus textos.

Lázaro fica sem responder. Sara vai abrindo a capa.

SARA
Tu até podes chegar aqui já com um
preconceito. Mas eu venho de cabeça
limpa, se não te importas.
4.
5.

ATO - DOS FILMES E DA COMUNIDADE


________________________________

8 INT. ESTÚDIO - DIA

Sara e Lázaro visualizam filmes.

Neles vemos a projecção da Cerimónia em tempos antigos.

Neles vemos a figura de Alberto Caeiro.

9 INT. ESTÚDIO - DIA

Sobre a mesa está um objecto enrolado em ligaduras. Sara


abre-o. É uma máscara. É a máscara que tinha aparecido
anteriormente em filmes. Sara experimenta a máscara. Vê
Lázaro que brinca com ela. E vê aparecer ao fundo o Guardião.

Tira a máscara.

GUARDIÃO
É o único objecto que temos que está
relacionado com os filmes. Pertencia
ao meu pai, claro. Mas ele não gostava
de falar sobre a máscara.

LÁZARO
É uma máscara apenas. Não vejo como
pode ajudar-nos.

GUARDIÃO
É uma curiosidade apenas. Uma relíquia
de família.

SARA
Talvez alguém saiba mais.

GUARDIÃO
O meu pai falava mais abertamente com
o meu irmão. Podemos falar com ele, se
estiverem dispostos a aceitar a sua
forma particular de falar. Ele é uma
daquelas pessoas... como dizer... se
alguém o quiser ver como um tolo, vê
como um tolo... se alguém o quiser ver
como um sábio, também consegue...

SARA
E você?

GUARDIÃO
Conhecê-lo bem só adensa mais o
mistério. Mas para mim é mais fácil.
Vejo-o como um irmão.
6.

10 EXT. ARREDORES DE SANFINS - DIA

Num penedo está sentado o Tolo. A paisagem inclui montes e


distância. O Guardião, Lázaro e Sara aproxima-se.

Vemos uma máscara levantada contra o céu, segura pela mão do


Guardião.

TOLO
Não é o rosto que explica a máscara. O
rosto não é a origem da máscara. É a
máscara que explica o rosto. É a
máscara que é a origem do rosto. Todas
as histórias que inventamos acerca de
nós mesmos, a ilusão que temos de ser
alguém, um número de identidade, um
nome, a descrição de ser filho de, de
ter a idade de, de ter nascido no
local de, no ano de, de ter a cor de,
de ter a memória de. Nada disso
ilumina o rosto. Pelo contrário, o
rosto fica por ver. Colado à caveira,
o rosto é a luz perdida duma vela na
escuridão no negro duma parede. Se a
máscara é alguma coisa, é uma passagem
para o rosto fundo, para o rosto
cavado, sem identidade, puro animal
sem reflexo. O nosso erro mais
grosseiro é tratarmos o rosto como uma
imagem, como algo sólido. A máscara
não permite ver o rosto. A máscara
permite desver o rosto, ajuda a
esquecer a apagar o falso rosto. Entre
a máscara e a caveira, o rosto é uma
besta do tempo.

Pausa.

GUARDIÃO
Se me permitem. Uma imagem para a
máscara: a forma das rochas batidas
pelo mar. Mas também: a forma dos
penedos batidos pelo vento.

Imagens dos penedos. Cruzadas com imagens da máscara, agora


nas mãos de Sara. Que parece atraída para a máscara,
fascinada.

LÁZARO
(incomodado)
Basta! Nada disto ajuda o nosso
projecto. Se os filmes forem
verdadeiros, não o serão à custa
destes teatrinhos. Sara, nada disto
deve influenciar o nosso trabalho. Há
aqui carências que não entendemos e
7.

está visto que esta gente precisa do


dinheiro das vendas dos filmes.

Após manterem o ar sério, o Guardião e o Tolo desatam numa


risada feroz. Sara participa, mas Lázaro não.

LÁZARO
De volta ao trabalho. São dois dias
para verificarmos a legitimidade dos
filmes. Ou vai ou racha. Sem provas,
vamos embora e está feito.

GUARDIÃO
Veremos. Sara, contamos consigo.
Mergulhe nos filmes. Estude os filmes.
Vá para além dos filmes. Não tenha
medo. A verdade estará à sua espera.

LÁZARO
(para o Guardião)
Talvez eu tenha feito mal em confiar
em si.

GUARDIÃO
(para Lázaro)
Talvez eu tenha feito mal em confiar
em si.

Lázaro afasta-se levando Sara consigo.


8.

DA CAMERA OBSCURA E DA INICIAÇÃO


________________________________

11 CENA PRIMEIRA DA CAMERA OBSCURA 4.1

Investiga a Casa Obscura

12 CENA COMPARA A CASA OBSCURA A FILME

Compara a filme

13 EXT. IGREJA DOS ESPELHOS - DIA

Sequência 5 - Ritual Iniciação

Contra o sol, estão reunidas várias raparigas. Ao centro uma


mesa. Está presente o Guardião, com a sua máscara. E está
presente o Tolo, com a sua máscara. Não os identificamos.

Um rapaz aproxima-se. Levanta a sua mão.

RAPAZ
(levanta a mão direita para o sol)
É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão
direita. A realidade não precisa de
mim.

Passa por cada pessoa, é-lhe dito:

RAPARIGA
Sinto uma alegria enorme ao pensar que
a tua morte não tem importância
nenhuma.

Na sua vez passa por cada uma delas, e cada uma repete esta
frase, embora pareça ter significados diferentes.

RAPAZ
Podem rezar latim sobre o meu caixão,
se quiserem. Se quiserem, podem dançar
e cantar à roda dele. Não tenho
preferências para quando já não puder
ter preferências. O que for, quando
for, é que será o que é.

Deita-se na mesa. Começam a cobrir o seu rosto para fazer a


máscara mortuária.

TOLO
A máscara explica o rosto.

RAPARIGA
(várias, murmurando com confiança)
Pensar é estar doente dos olhos.

Vemos claramente que o seu nariz é tapado. O peito move-se.


9.

Depois não. Com o tempo a confiança esmorece. Algumas


raparigas mostram mais preocupação. Outras não.

O tempo passa. O tempo pesa.

Quando por fim retiram a máscara. O rapaz tira um grande


fôlego e mostra-se vivo para alívio de todos. Vomita. É
celebrado pelas raparigas.

14 EXT. RUÍNAS DO CONVENTO - DIA

Sequência 6 - Várias cenas reunidas numa só

Em primeiro plano vemos as raparigas com o rapaz. Divertidos.


Celebram. Beijam-no. Trazem-lhe vinho. Cantam.

Em segundo plano, ao fundo, está o Guardião. Sara atravessa o


plano para o encontrar, está preocupada com algo. Fala com o
Guardião com grande entusiasmo. Ele escuta. Nós não ouvimos.

Lázaro junta. Parece negar, parece revoltado. O Tolo


aproxima-se também.

O Guardião aproxima-se dos jovens e das escadas onde eles


estão.

GUARDIÃO
Escutem-me. A pequena mentira que
contamos acabou de cair por terra. A
nossa investigadora acabou de
descobrir que entre a nossa Comunidade
e a Comunidade dos filmes que ela
estudou não há distinção. Nós somos a
Comunidade de Elipse. Ou, pelo menos,
o que resta dela.

LÁZARO
Isso não é verdade.

SARA
Claro que é. Os filmes são bem claros.

GUARDIÃO
Na nossa história sobreviveram algumas
forças, como as máscaras, anulando a
identidade, e as presenças que são uma
tradição oral de criação. E a seu
tempo, tudo isso verás.

Sara mostra entusiasmo pelo que está a ouvir.

LÁZARO
Sara, esta aldrabice está a ir longe
de mais.
10.

GUARDIÃO
Sara, infelizmente estaa não é maior
descoberta que farás hoje. Uma mais
terrível aguarda. Este homem (aponta
para Lázaro) é um traidor. A questão
dos filmes é um engodo. Este homem
trouxe-te aqui para te vender.

LÁZARO
Mentira!

GUARDIÃO
Negas que nos conheces? Negas saberes
quem nós somos? Negas que escolheste a
Sara? Negas que a trouxeste com um
propósito?

Atónito, Lázaro não consegue responder. Sara vê no seu rosto


uma confirmação.

LÁZARO
(tentando avançar para Sara)
Sara...

SARA
(recuando)
Não, não, não...

GUARDIÃO
Lamento, Sara, não poderás voltar.
Foste escolhida.

Sara começa a entrar em pânico. A imagem fecha-se sobre ela.


Ela verifica as pulsações. Perde o controle da sua
respiração. Começa a correr.

A paisagem é agora uma prisão.

TOLO
Conheço os seus músculos. Não irá
longe.

O Tolo vai calmamente atrás dela.

GUARDIÃO
Vocês. Ide. Espalhaí a notícia. E de
ti, não quero ouvir nem uma palavra.
Já sei das tuas queixas e não esqueci
o nosso acordo. Espero que tu também
não.

15 EXT. MONTE - DIA

Sara afasta-se. Sobe um monte.

O Tolo segue-a.
11.

16 EXT. FLORESTA - DIA

Sara está agora numa zona de floresta. Exausta. Ao seu redor


não vê mais caminhos. Não vê mais alternativas. Deixa-se
ficar.

O Tolo alcança-a.

TOLO
O mundo não se fez para pensarmos
nele, mas para olharmos para ele e
estarmos de acordo.

A fala cai como um consolo.

Por fim, quando o Tolo se levanta, Sara segue-o.

Na floresta encontram uma máscara (alguém com uma máscara). A


máscara espanta-se, mas segue as suas acções.

TOLO
Habitua-te. As máscaras já sabem que
não precisam de se esconder de ti. As
questões são inúteis. Cada coisa a seu
tempo.
12.

ACTO - S7 - DAS MÁSCARAS E DOS ERMITÉRIOS


_________________________________________

Das introduções que o Guardião faz

17 EXT. IGREJA DOS ESPELHOS - DIA

Sara segue o Tolo. Entram na Igreja dos Espelhos.

18 INT. IGREJA DOS ESPELHOS - DIA

O Guardião recebe-a, indica-lhe uma cadeira para se sentar.


Senta-se ao seu lado. Lázaro está presente. Assim como uma
mulher.

SARA
O que se espera de mim?

GUARDIÃO
A seu tempo as tuas funções serão
reveladas. Num dado momento, elas
serão evidentes para ti. Para já, vais
aprender sobre os nossos rituais, os
nossos costumes.

Sem mais necessidade de explicações, dá-se o ritual da


presença.

Aqui levamos a cabo a cena das presenças muito parecida com a


da peça. As personagens trocam. A Nativa é agora o Louco, que
nos serve de guia. O Investigador é o Lázaro, que assim é
envolvido, que assim se mostra que pode ser envolvido, que
assim se mostra a sua vulnerabilidade e empatia. O Guardião e
sobretudo Sara, são a plateia. Sara é a espectadora. A que
levanta a mão, a que é tocada.

Há aqui uma influência da Dupla Vida de Verónica misturada


com a cena dos mimos em Blow Up.

TASK

CORTA PARA:

19 EXT. ARREDORES DE SANFINS - DIA

Depois a cena continua para o exterior. Continuamos a ouvir a


descrição e a câmara torna-se livre. Há uma aprendizagem e
uma crença da câmara (plano fantasma).

Há uma descrição da presença. O mesmo grupo da cena anterior


permanece

Avançam por um caminho. Sara nota que Lázaro a acompanha.


Frustrada, atira-lhe com uma pedra. Espantado, Lázaro deixa
ficar alguma distância. Outras pedras se seguem, aumentando a
distância. Lázaro caminha agora separadamente do grupo.
13.

TASK

20 EXT. FAROL - DIA

Faz-se a descrição da presença no Farol. A presença pede a


Sara que suba ao farol, que contemple.

21 EXT. CAPACETE - DIA

O grupo chega à instalação do Capacete. Faz-se a descrição da


presença neste espaço também.

22 EXT. ARREDORES DE SANFINS - DIA

Junto a um campo, o grupo passa por uma professor que ensina


crianças sobre máscaras e outras matérias.

PROFESSOR
Se temos alma? Se fomos criados por
deuses? Não. Mil vezes não. Somos
animais. Nme mais nem menos do que os
outros - ESCRITO - COPIAR

23 INT/EXT CASA OBSCURA - DIA

Estão agora na Casa Obscura, que tem a porta aberta e várias


máscaras dispostas, assim como espelhos.

O Tolo coloca a máscara e espanta-se ao ver-se no espelho.

O Guardião fala sobre as máscaras e o espanto. Fala também


sobre a Cerimónia e o Mapa.

As máscaras fecham e abrem a porta. Espantam-se no interior


da Casa Obscura com a imagem doutras máscaras.

A certa altura, Sara afasta-se, perturba pelo ambiente


criado.

24 EXT. ARREDORES DE SANFINS - DIA

Num campo próximo, Sara tem diante de si uma Máscara-pessoa.


Aproxima-se dela. Tenta tocar. A máscara não deixa, parece
ter medo. Depois de conquistar a sua confiança, consegue
tocar-lhe.

Sentindo algo errado. Retira a máscara. É o rosto de Lázaro,


mas com outra expressão. Horrorizada, a Máscara-pessoa (ou
Lázaro) leva a mão ao rosto em dor, como se lhe tivessem
arrancado a pele. Apalpasse, olha para as mãos, sentindo-se.

SARA
Tu?

LÁZARO
Tu?
14.

SARA
Tu!

Pausa. Como que despertando dum sonho, a expressão de Lázaro


muda muito lentamente.

LÁZARO
Eu.

Sara senta-se na terra, com a cabeça entre os joelhos. Está


demasiado cansada para discutir ou revoltar-se.

SARA
O que me fizeste? O que é isto?

Lázaro demora tempo para se recompor. Aproxima-se de Sara


pelo chão, sem se levantar.

LÁZARO
Eu pensei que isto era algo que
querias. Sempre falaste com grande
entusiasmo da Comunidade de Elipse.
Algo encantado. Pensei que estava a
cumprir os teus desejos.

SARA
Ficar presa aqui? Que sonho é esse?

LÁZARO
Presa? Isso é conversa. Ignora-os,
eles não te podem prender.

Pausa.

LÁZARO
Sara, eles querem mexer com a tua
cabeça. Não te podem fazer nada
enquanto te lembrares de ti mesma.

SARA
De mim mesma?

LÁZARO
De ti mesma. O teu nome é Sara. Tens
35 anos. Nasceste em Aveiro.
Recordaste? O teu pai chamava-se
António Joaquim Andrade e a tua mãe
Raquel Andrade. Quando eras pequena
tinhas um cão, um Beagle chamado
Garoto, que ia contigo para todo o
lado. Estudaste no Porto, fizeste o
Curso de Antropologia...

SARA
Como sabes tu essas coisas?
15.

LÁZARO
Tu contaste-me, mostraste-me...

SARA
Como é possível que te lembres das
minhas coisas melhor do que eu? Não
são sequer memórias, não tenho imagens
disso, só palavras a bater na minha
cabeça... marteladas... porque é tudo
tão vago? Porque é que não sinto nada
e porque é que sinto tudo? Porque é
que às vezes sinto que está a chover e
quando reparo vejo que o céu está
limpo? Porque é que às vezes sinto que
alguém está dentro de mim a querer
rasgar a minha carne? Porque é que às
vezes não sinto o meu coração, e
porque é que outras vezes é
insuportável?

LÁZARO
O que te fizeram...

SARA
O que tu me fizeste? O que é que tu me
fizeste?

Sara afasta-se em horror. Lázaro não se atreve a segui-la.

O Tolo passa por Lázaro, empurra-o, e segue Sara, que se


afasta. Parece fascinado por ver Sara desorientada.

O Guardião surge também. Fica com Lázaro, que está no chão.

25 EXT. CAMINHO DE TERRA - DIA

Sara entre num estado de perturbação maior. Deixa de


verbalizar. Olha o céu. Toca as árvores. Puxa por ervas.
Esfrega-as contra si. Larga-as. Puxa outra coisa. Levanta e
revolve a terra.

Tapa o rosto com as mãos. Molda o rosto. Espreita entre os


dedos. Numa poça lamacenta, encontra o seu reflexo num bocado
de água parada.

Espanta-se.

Leva as mãos à agua para a tapar. Mexe na lama. Leva a lama


rapidamente ao seu rosto. Cria uma espécie de máscara. Revê a
imagem na água que agora se move, distorcendo o rosto.

Transforma-se. Cria outras imagens, outras máscaras efémeras.

O Tolo aproxima-se.

Performance Saganz
16.

Com o Tolo diante de si e outras pessoas a aproximarem-se,


Sara confronta-o saltando para a sua frente como um animal. O
Tolo informa alguém para ir avisar os outros. O Tolo
aproveita então a sua atenção para freneticamente falar com
ela. Enquanto fala, guia-a, porque ela levanta-se e segue as
suas palavras ainda que não pareça entendê-las.

TOLO
Escuta! No passado, há um ano atrás,
tu, criatura maravilhosa, cujo nome
abandonaste, tu, ó sem-identidade,
guiaste-nos para a Cerimónia, foste a
nossa passagem, de todos nós, para a
Vida das Máscaras, passamos através
das tuas essêncial fendida, bebemos do
teu abismo, e nessa noite estivemos do
outro lado, nessa noite como outrora
outras gerações tinham conseguido a
Cerimónia e nós nunca, até essa noite,
e nessa noite houve violência
indescretível e os mais covardes de
nós culparam-te e a nossa Comunidade
ferida expulsou-te e um pérfido
professor levou-te, julgando que te
protegia, para encher o teu útero
vazio duma nova identidade, e deu-te
um nome e como serpente soprou-te
histórias, mitos e tantas mentiras
quantas as que se lembrou, horríveis
mentiras sobre ti, sobre a tua origem,
de ti que estás além e aquém de
qualquer origem!

Pausa.

TOLO
E nós ficamos órfãos, sem podermos
substituir o que não tem substituição,
porque tu és a força, tu és a direcção
e és a ausência de direcção, tu és a
escolha e a morte de todas as
escolhas, tu és a única de nós que foi
além da presença, além da máscara,
além de onde é possível o retorno. Se
tentamos continuar? Tentamos. Mas
ninguém pode tomar o teu lugar, a tua
função, nem eu, eu sou impuro e
vergonhoso, tu és mestre, eu sou
discípulo, fraco, vivo preso a esta
velha ideia de eu, a estes farrapos
podres de identidade que persistem e
não consigo raspar, como quando acordo
e acordo já sujo com um nome, uma
memória, uma certeza qualquer, de
qualquer coisa que julgo saber...
17.

Pausa.

TOLO
Mas tu és pura, pura escuridão, pura
imagem. E se te fizemos regressar, se
ordenamos o teu regresso, foi porque
as Máscaras começaram a rasgar-nos por
dentro, começo a rasgar-nos por dentro
a sua potência, o seu desejo, as
Máscaras a reclamarem o seu
território, a rasgarem o nosso mapa
idiota, a exigirem mais uma vez a
passagem, a Cerimónia, a tua chamada.
As Máscaras: essências refugiadas na
prisão da identidade, desesperadas
pela Cerimónia, por obterem a
passagem, para melhor nos obliterarem,
para melhor nos reduzirem a uma
sombra, para dançarem nas ruínas da
nossa pessoa desfeita.

Pausa.

TOLO
E agora voltaste. Animal de Escombros.
Toma o teu lugar de fogo. Esmaga a
lixeira do nosso ser. Tem piedade de
nós. Apaga de nós a velha fantasia do
eu.

26 FLASHBACK

Ao longo da diatribe do Tolo, certas imagens passam pela


cabeça de Sara, das suas experiências com Lázaro, da
doutrinação de Lázaro, da violência da Cerimónia anterior,
etc. Flashs rápidos, quase abstractos.

27 EXT. ARREDORES DE SANFINS - DIA

Em montagem paralela com a diatribe do Tolo temos uma diálogo


do Guardião com Lázaro, que tanto nos dá informações
complementares como posiciona Lázaro no seu novo lugar
(excomungado).

28 EXT. IGREJA DOS ESPELHOS - DIA

O Tolo e Sara aproximam-se da Igreja. Várias pessoas esperam


por eles na entrada. Os olhos sobre Sara, em transe. Entram.
18.

ACTO - CERIMÓNIA E VIDA DAS MÁSCARAS


____________________________________

29 INT. IGREJA DOS ESPELHOS - NOITE

Cerimónia

Sobre as máscaras - técnica

30 EXT. ARREDORES DE SANFINS - NOITE

Lázaro afasta-se. Mergulha noutros espaços. Passa pela sombra


das eólicas.

31 EXT. ARREDORES DE SANFINS - NOITE

Com as tochas: A Vida das Máscaras

Percorrem diversos espaços.

Sobre as máscaras - técnica

32 EXT. ARREDORES DE SANFINS - NOITE

Sara parece duvidar das outras máscaras. Começa a puxar os


outros rostos, torna-se violenta. Fere as máscaras. As
máscaras atingem-na com uma pedra. Sara desmaia ou morre, não
é claro.

A sua máscara quebra-se. Revela parte do rosto, marcado pelo


sangue. Isso suscita a curiosidade das máscaras. As máscaras
entretêm-se com o seu corpo, que manipulam. Levantam e largam
o corpo. Tentam mordê-lo. Despedaçá-lo.

Hesitam. Por fim, deitam-lhe fogo. O corpo arde, as máscaras


assistem, com diferentes reacções. As chamas enchem a noite.

33 EXT. CASTELO - AURORA

Lázaro chega à ruína do Castelo de Castro Laboreiro. Cai de


joelhos. Rasteja. Está coberto de terra, de lama, de
elementos.

Tem momentos de Butoh. Grita em seco. Fareja. Boceja. É uma


natureza primária.

34 EXT. CONVENTO DE SANFINS - AURORA

Com a luz do dia, as máscaras regressam aos espaços das


ruínas do Convento.

Despedem-se. Vão-se deitando pelos espaços. Adormecem.


Ressonam.

35 EXT. CASTELO - AURORA

Lázaro grita.
19.
20.

COISAS SOLTAS
_____________

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