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CORTA PARA:
CORTA PARA:
GUARDIÃO
Sejam benvindos!
LÁZARO
Boa tarde.
SARA
Olá!
GUARDIÃO
Sigam-me. Vou mostrar-vos as vossas
instalações e pelo caminho ficam a
conhecer o nosso espaço.
2.
SARA
Isto é muito diferente do que eu podia
imaginar.
GUARDIÃO
Decerto imaginava uma pequena praça
com um cruzeiro e uma capela.
SARA
E as casas à volta.
GUARDIÃO
As casas estão de facto à volta. Mas
como neste local havia um Convento
muito antigo, que como podem ver, está
em ruínas, a aldeia foi tomando as
ruínas como uma espécie de centro.
SARA
A igreja tem telhado.
GUARDIÃO
A igreja tem telhado sim. E nós fomos
com o tempo fazendo alguma
recuperação. A zona onde vocês vão
ficar é um exemplo disso.
SARA
Mas as pessoas vivem aqui?
GUARDIÃO
As pessoas que não são muitas, vivem
em casas que estão dispersas ao redor
do Convento, umas mais longe do que
outras. Mas quando nos queremos
reunir, é sempre por aqui que o
fazemos.
GUARDIÃO
Dispusemos os materiais nesta mesa.
Não sei se querem que diga algumas
palavras sobre os filmes?
SARA
Claro que sim.
LÁZARO
Na verdade, não. Na minha opinião,
3.
GUARDIÃO
E quanto a questões técnicas?
LÁZARO
Quanto a questões técnicas, somos mais
do que capazes.
GUARDIÃO
Muito bem. Encontrem-me lá em cima
quando quiserem que vos mostre os
quartos.
SARA
Obrigado.
O Guardião retira-se.
SARA
Foste bruto. Acabamos de chegar.
LÁZARO
Desconfio desta gente. Provavelmente o
que querem é sacar dinheiro às custas
duma invenção.
SARA
Porque viemos então?
LÁZARO
Porque é sempre preciso ter a certeza.
LÁZARO
O que tens aí?
SARA
As minhas anotações e descrições que
recolhi sobre a Comunidade de Elipse.
Incluindo os teus textos.
SARA
Tu até podes chegar aqui já com um
preconceito. Mas eu venho de cabeça
limpa, se não te importas.
4.
5.
Tira a máscara.
GUARDIÃO
É o único objecto que temos que está
relacionado com os filmes. Pertencia
ao meu pai, claro. Mas ele não gostava
de falar sobre a máscara.
LÁZARO
É uma máscara apenas. Não vejo como
pode ajudar-nos.
GUARDIÃO
É uma curiosidade apenas. Uma relíquia
de família.
SARA
Talvez alguém saiba mais.
GUARDIÃO
O meu pai falava mais abertamente com
o meu irmão. Podemos falar com ele, se
estiverem dispostos a aceitar a sua
forma particular de falar. Ele é uma
daquelas pessoas... como dizer... se
alguém o quiser ver como um tolo, vê
como um tolo... se alguém o quiser ver
como um sábio, também consegue...
SARA
E você?
GUARDIÃO
Conhecê-lo bem só adensa mais o
mistério. Mas para mim é mais fácil.
Vejo-o como um irmão.
6.
TOLO
Não é o rosto que explica a máscara. O
rosto não é a origem da máscara. É a
máscara que explica o rosto. É a
máscara que é a origem do rosto. Todas
as histórias que inventamos acerca de
nós mesmos, a ilusão que temos de ser
alguém, um número de identidade, um
nome, a descrição de ser filho de, de
ter a idade de, de ter nascido no
local de, no ano de, de ter a cor de,
de ter a memória de. Nada disso
ilumina o rosto. Pelo contrário, o
rosto fica por ver. Colado à caveira,
o rosto é a luz perdida duma vela na
escuridão no negro duma parede. Se a
máscara é alguma coisa, é uma passagem
para o rosto fundo, para o rosto
cavado, sem identidade, puro animal
sem reflexo. O nosso erro mais
grosseiro é tratarmos o rosto como uma
imagem, como algo sólido. A máscara
não permite ver o rosto. A máscara
permite desver o rosto, ajuda a
esquecer a apagar o falso rosto. Entre
a máscara e a caveira, o rosto é uma
besta do tempo.
Pausa.
GUARDIÃO
Se me permitem. Uma imagem para a
máscara: a forma das rochas batidas
pelo mar. Mas também: a forma dos
penedos batidos pelo vento.
LÁZARO
(incomodado)
Basta! Nada disto ajuda o nosso
projecto. Se os filmes forem
verdadeiros, não o serão à custa
destes teatrinhos. Sara, nada disto
deve influenciar o nosso trabalho. Há
aqui carências que não entendemos e
7.
LÁZARO
De volta ao trabalho. São dois dias
para verificarmos a legitimidade dos
filmes. Ou vai ou racha. Sem provas,
vamos embora e está feito.
GUARDIÃO
Veremos. Sara, contamos consigo.
Mergulhe nos filmes. Estude os filmes.
Vá para além dos filmes. Não tenha
medo. A verdade estará à sua espera.
LÁZARO
(para o Guardião)
Talvez eu tenha feito mal em confiar
em si.
GUARDIÃO
(para Lázaro)
Talvez eu tenha feito mal em confiar
em si.
Compara a filme
RAPAZ
(levanta a mão direita para o sol)
É talvez o último dia da minha vida.
Saudei o sol, levantando a mão
direita. A realidade não precisa de
mim.
RAPARIGA
Sinto uma alegria enorme ao pensar que
a tua morte não tem importância
nenhuma.
Na sua vez passa por cada uma delas, e cada uma repete esta
frase, embora pareça ter significados diferentes.
RAPAZ
Podem rezar latim sobre o meu caixão,
se quiserem. Se quiserem, podem dançar
e cantar à roda dele. Não tenho
preferências para quando já não puder
ter preferências. O que for, quando
for, é que será o que é.
TOLO
A máscara explica o rosto.
RAPARIGA
(várias, murmurando com confiança)
Pensar é estar doente dos olhos.
GUARDIÃO
Escutem-me. A pequena mentira que
contamos acabou de cair por terra. A
nossa investigadora acabou de
descobrir que entre a nossa Comunidade
e a Comunidade dos filmes que ela
estudou não há distinção. Nós somos a
Comunidade de Elipse. Ou, pelo menos,
o que resta dela.
LÁZARO
Isso não é verdade.
SARA
Claro que é. Os filmes são bem claros.
GUARDIÃO
Na nossa história sobreviveram algumas
forças, como as máscaras, anulando a
identidade, e as presenças que são uma
tradição oral de criação. E a seu
tempo, tudo isso verás.
LÁZARO
Sara, esta aldrabice está a ir longe
de mais.
10.
GUARDIÃO
Sara, infelizmente estaa não é maior
descoberta que farás hoje. Uma mais
terrível aguarda. Este homem (aponta
para Lázaro) é um traidor. A questão
dos filmes é um engodo. Este homem
trouxe-te aqui para te vender.
LÁZARO
Mentira!
GUARDIÃO
Negas que nos conheces? Negas saberes
quem nós somos? Negas que escolheste a
Sara? Negas que a trouxeste com um
propósito?
LÁZARO
(tentando avançar para Sara)
Sara...
SARA
(recuando)
Não, não, não...
GUARDIÃO
Lamento, Sara, não poderás voltar.
Foste escolhida.
TOLO
Conheço os seus músculos. Não irá
longe.
GUARDIÃO
Vocês. Ide. Espalhaí a notícia. E de
ti, não quero ouvir nem uma palavra.
Já sei das tuas queixas e não esqueci
o nosso acordo. Espero que tu também
não.
O Tolo segue-a.
11.
O Tolo alcança-a.
TOLO
O mundo não se fez para pensarmos
nele, mas para olharmos para ele e
estarmos de acordo.
TOLO
Habitua-te. As máscaras já sabem que
não precisam de se esconder de ti. As
questões são inúteis. Cada coisa a seu
tempo.
12.
SARA
O que se espera de mim?
GUARDIÃO
A seu tempo as tuas funções serão
reveladas. Num dado momento, elas
serão evidentes para ti. Para já, vais
aprender sobre os nossos rituais, os
nossos costumes.
TASK
CORTA PARA:
TASK
PROFESSOR
Se temos alma? Se fomos criados por
deuses? Não. Mil vezes não. Somos
animais. Nme mais nem menos do que os
outros - ESCRITO - COPIAR
SARA
Tu?
LÁZARO
Tu?
14.
SARA
Tu!
LÁZARO
Eu.
SARA
O que me fizeste? O que é isto?
LÁZARO
Eu pensei que isto era algo que
querias. Sempre falaste com grande
entusiasmo da Comunidade de Elipse.
Algo encantado. Pensei que estava a
cumprir os teus desejos.
SARA
Ficar presa aqui? Que sonho é esse?
LÁZARO
Presa? Isso é conversa. Ignora-os,
eles não te podem prender.
Pausa.
LÁZARO
Sara, eles querem mexer com a tua
cabeça. Não te podem fazer nada
enquanto te lembrares de ti mesma.
SARA
De mim mesma?
LÁZARO
De ti mesma. O teu nome é Sara. Tens
35 anos. Nasceste em Aveiro.
Recordaste? O teu pai chamava-se
António Joaquim Andrade e a tua mãe
Raquel Andrade. Quando eras pequena
tinhas um cão, um Beagle chamado
Garoto, que ia contigo para todo o
lado. Estudaste no Porto, fizeste o
Curso de Antropologia...
SARA
Como sabes tu essas coisas?
15.
LÁZARO
Tu contaste-me, mostraste-me...
SARA
Como é possível que te lembres das
minhas coisas melhor do que eu? Não
são sequer memórias, não tenho imagens
disso, só palavras a bater na minha
cabeça... marteladas... porque é tudo
tão vago? Porque é que não sinto nada
e porque é que sinto tudo? Porque é
que às vezes sinto que está a chover e
quando reparo vejo que o céu está
limpo? Porque é que às vezes sinto que
alguém está dentro de mim a querer
rasgar a minha carne? Porque é que às
vezes não sinto o meu coração, e
porque é que outras vezes é
insuportável?
LÁZARO
O que te fizeram...
SARA
O que tu me fizeste? O que é que tu me
fizeste?
Espanta-se.
O Tolo aproxima-se.
Performance Saganz
16.
TOLO
Escuta! No passado, há um ano atrás,
tu, criatura maravilhosa, cujo nome
abandonaste, tu, ó sem-identidade,
guiaste-nos para a Cerimónia, foste a
nossa passagem, de todos nós, para a
Vida das Máscaras, passamos através
das tuas essêncial fendida, bebemos do
teu abismo, e nessa noite estivemos do
outro lado, nessa noite como outrora
outras gerações tinham conseguido a
Cerimónia e nós nunca, até essa noite,
e nessa noite houve violência
indescretível e os mais covardes de
nós culparam-te e a nossa Comunidade
ferida expulsou-te e um pérfido
professor levou-te, julgando que te
protegia, para encher o teu útero
vazio duma nova identidade, e deu-te
um nome e como serpente soprou-te
histórias, mitos e tantas mentiras
quantas as que se lembrou, horríveis
mentiras sobre ti, sobre a tua origem,
de ti que estás além e aquém de
qualquer origem!
Pausa.
TOLO
E nós ficamos órfãos, sem podermos
substituir o que não tem substituição,
porque tu és a força, tu és a direcção
e és a ausência de direcção, tu és a
escolha e a morte de todas as
escolhas, tu és a única de nós que foi
além da presença, além da máscara,
além de onde é possível o retorno. Se
tentamos continuar? Tentamos. Mas
ninguém pode tomar o teu lugar, a tua
função, nem eu, eu sou impuro e
vergonhoso, tu és mestre, eu sou
discípulo, fraco, vivo preso a esta
velha ideia de eu, a estes farrapos
podres de identidade que persistem e
não consigo raspar, como quando acordo
e acordo já sujo com um nome, uma
memória, uma certeza qualquer, de
qualquer coisa que julgo saber...
17.
Pausa.
TOLO
Mas tu és pura, pura escuridão, pura
imagem. E se te fizemos regressar, se
ordenamos o teu regresso, foi porque
as Máscaras começaram a rasgar-nos por
dentro, começo a rasgar-nos por dentro
a sua potência, o seu desejo, as
Máscaras a reclamarem o seu
território, a rasgarem o nosso mapa
idiota, a exigirem mais uma vez a
passagem, a Cerimónia, a tua chamada.
As Máscaras: essências refugiadas na
prisão da identidade, desesperadas
pela Cerimónia, por obterem a
passagem, para melhor nos obliterarem,
para melhor nos reduzirem a uma
sombra, para dançarem nas ruínas da
nossa pessoa desfeita.
Pausa.
TOLO
E agora voltaste. Animal de Escombros.
Toma o teu lugar de fogo. Esmaga a
lixeira do nosso ser. Tem piedade de
nós. Apaga de nós a velha fantasia do
eu.
26 FLASHBACK
Cerimónia
Lázaro grita.
19.
20.
COISAS SOLTAS
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