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Manuel Castells
Sociólogo espanhol pede que eleições presidenciais e da Assembleia Constituinte sejam adiantadas
29.nov.2019 às 8h00
Nas últimas duas semanas, Castells, professor da Universidade da Califórnia e autor de "Redes de Indignação
e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet" (ed. Zahar), retornou a Santiago e observou o que vem
ocorrendo na capital chilena há mais de um mês (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/noite-de-saques-e-incendios-aumenta-tensao-
social-no-chile.shtml).
Em entrevista à Folha, ele conta as peculiaridades e as semelhanças entre este e demais movimentos.
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O sociólogo espanhol Manuel Castells durante evento no teatro do Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo - Karime Xavier -
11.jun.13/Folhapress
O que o sr. viu de diferente nos protestos chilenos em relação ao que observou em 2006 e 2011 no país?
Os aspectos mais importantes são a duração desse movimento, que ocorre desde 18 de outubro, e a violência
espantosa que alcançou.
O sr. estudou outros movimentos de rua, com diferenças entre si, mas com traços em comum, como,
por exemplo, a falta de uma liderança clara e convocações feitas pela internet ou por boca a boca. O caso
chileno tem peculiaridades quanto à organização das manifestações?
A convocação para os protestos é a mais típica, como todos os casos que vi e analisei nos últimos anos.
Há algo novo, porém, que é a coordenação da violência por parte de grupos de narcotraficantes. Não está
claro qual é seu propósito. Mas isso não aconteceu em outras situações. Pode ser uma manipulação por parte
da extrema direita.
Tenho testemunhos muito fidedignos e está publicado em veículos, como o La Tercera, por exemplo.
No meio das manifestações, o sr. pôde diferenciar as distintas reivindicações? Qual pareceu mais
urgente? A dos estudantes, a dos que protestam pelas aposentadorias, a dos trabalhadores? Alguma
bandeira parece mais urgente que outra?
Este é um movimento típico em termos de reclamações em dois sentidos. As aposentadorias são o tema
central (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/aposentados-sao-simbolo-da-desigualdade-no-chile.shtml), pois os jovens lutam por seus
avós. Mas a reivindicação unânime é por dignidade.
Dignidade é a mesma palavra que venho escutando em diferentes idiomas desde 2010, quando essas
manifestações sociais começaram a se disseminar pelo mundo.
Há uma leitura comum de que se trata de um movimento "contra o neoliberalismo". O sr. está de acordo
ou é preciso ler os matizes deste caso?
É uma reclamação contra o neoliberalismo porque é explícita, e os movimentos são sempre o que dizem que
são, e não o que dizem os intelectuais.
Mas também, e sobretudo, novamente, reforço, é um movimento pela dignidade. Aliás, rebatizaram a
Plaza Italia [onde os manifestantes se reúnem], informalmente, de Plaza Dignidad [praça dignidade, em
português].
A nuance aqui é uma reclamação contra a elite local, que é muito arrogante e depreciativa. Assim é a elite
chilena, e também a brasileira.
Em que sentido o sr. vê o legado do período ditatorial chileno (1973-1990) tanto no modo de se
manifestar quanto na maneira como é feita a repressão?
Os jovens superaram esse trauma, porque não o viveram, e isso, creio, é fundamental. Já os grupos
antidistúrbios estão atuando como bestas (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/repressao-violenta-da-policia-chilena-a-protestos-deixa-
dezenas-de-pessoas-cegas.shtml), mas creio que o fazem assim em todos os países.
O que o sr. acha da atitude do presidente Sebastián Piñera, que primeiro afirmou que o país estava em
guerra, depois pediu desculpas e agora atende o pedido de uma possível Assembleia Constituinte
(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/em-resposta-a-protestos-chile-fara-plebiscito-sobre-nova-constituicao.shtml)? As ruas não parecem ter
Piñera é um irresponsável e um incompetente que não entende nada e está afogado pela situação. Ele é parte
do problema e não da solução.
Ainda que o presidente [Ricardo] Lagos [2000-2006] tenha mudado os artigos mais antidemocráticos, muitos
elementos são um obstáculo que impedem as reformas no Chile.
O problema é que o procedimento para redigir a nova Constituição proposto por Piñera tem tantos
obstáculos que ela ficaria pronta, no melhor dos casos, no meio de 2022. E a sociedade chilena não vai
aguentar tanto tempo.
É preciso também fazer reformas mais imediatas e promover o julgamento e a punição aos policiais e àqueles
que violaram direitos humanos. Isso precisa ocorrer o quanto antes.
E também adiantar as eleições, as da Constituinte e as presidenciais, que deveriam ser feitas juntas. E logo.
O sr. vê o surgimento de uma nova liderança política, uma pessoa ou um partido, que possa tomar as
rédeas da oposição?
Não há alternativa partidária, e todos, inclusive a Frente Ampla [partido de oposição, de centro-esquerda],
estão sendo questionados.
A sociedade tem de deliberar diante de um processo orgânico próprio e gerar um novo sistema político, com
novos atores. Essa é a dificuldade.
Pois a classe política está se aferrando a seu monopólio de poder. E isso não ocorre somente no Chile, e sim
em toda a América Latina e no mundo.
ENDEREÇO DA PÁGINA
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/11/principal-aspecto-da-crise-chilena-e-questionar-modelo-que-
se-apresentava-como-de-sucesso-diz-manuel-castells.shtml