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TEORIA PSICANALÍTICA

MÓDULO 5

O complexo de Édipo e a sua dissolução

Bibliografia básica/obrigatória:
FREUD, S. Cinco Lições de Psicanálise: Quarta Lição (1912). IN FREUD, S. Obras Completas
de S. Freud, Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda; 1969.

Bibliografia Complementar:
FREUD, S. A dissolução do complexo de Édipo (1924). IN FREUD, S. Obras Completas de S.
Freud, Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda; 1969.
MEZAN, R. A querela das interpretações. IN: A Vingança da Esfinge, Ensaios de
Psicanálise: Editora Brasiliense; 1988.

Complexo de Édipo
O complexo de Édipo (ou Édipo simplesmente, para abreviar) designa o complexo definido por
Freud, assim como é um mito fundador, pois a partir deste conceito a teoria psiacanalítica
procura elucidar as relações do ser humano com suas origens e sua genealogia familiar e
histórica.
O Édipo responde a duas questões:

1. Como se forma a identidade sexual de um homem e uma mulher;


2. Como uma pessoa torna-se neurótica.

Serve-nos, assim, para compreender como um prazer (de ordem sexual) toma conta de uma
criança - na idade entre 3 e 5 anos - e se transforma em um sofrimento neurótico que
atormentará o sujeito na vida adulta.
Foi na escuta de seus pacientes neuróticos, adultos, que Freud, inicialmente, criou a teoria da
sedução que, em seguida, foi substituída pela teoria da fantasia e no escopo desta
movimentação teórica surge a invenção do complexo de Édipo (o mito de Édipo surge na teoria
psicanalítica no exato momento do nascimento da psicanálise, consecutivo ao abandono da
teoria da sedução). O que é relevante, apesar da mudança - da teoria da sedução para a da
fantasia - é que o acontecimento, real ou fantasiado, é que tenha sido recalcado. A histeria é
principalmente uma doença do esquecimento, já que não se quer lembrar do que foi doloroso.
No entanto, a posição do sujeito é diferente no acontecimento real e no fantasiado: no primeiro,
a criança da cena de sedução é vítima; no segundo, a criança da cena edipiana/fantasiada é
atormentada entre o desejo de ser seduzida e o medo de sê-lo, entre o medo de sentir prazer e
o medo de experimentá-lo.
A identidade sexual de todo homem ou mulher tem como ponto de partida o complexo de Édipo
e é por isto que o que se encontra na clínica, sob esta ótica, são pessoas adultas sofrendo, não
raras vezes, pelas vicissitudes de um complexo não liquidado e que retorna à consciência, de
forma compulsiva e repetitiva, delineando-se, assim, um sofrimento neurótico.
O Édipo é um esquema teórico que permite ao psicanalista esclarecer e compreender uma
gama infindável de conflitos e sofrimentos psíquicos; é, do ponto de vista clínico, uma fantasia
que atua desde o âmago de ser e o toma por inteiro. Quanto ao mito, sua força na cultura se
explica porque através de uma fábula que traz à cena personagens familiares, o faz de tal
forma que estes personagens verdadeiramente encarnam as forças do desejo humano e os
seus interditos, suas proibições necessárias.
Fantasia ou mito, o complexo edipiano é um conceito central, nuclear (acha-se presente em
toda obra freudiana, desde 1897 até 1938), indispensável à consistência da teoria e à eficácia
da prática psicanalítica.

EXERCÍCIO

Uma das grandes contribuições de Freud em relação ao desenvolvimento do ser humano se


refere à sexualidade, tomada aí numa dimensão muito mais do que a dimensão reprodutiva.
Assinale a alternativa que corresponde aos achados de Freud sobre este tema.

A. A vida sexual dos seres humanos começa na puberdade, o que ocorre logo após ao
nascimento deve ser entendida numa perspectiva desenvolvimentista sem associação
à sexualidade.
B. Após o nascimento a única manifestação de sexualidade se refere ao ato de sugar o
seio da mãe, portanto esta ação liga-se não a sexualidade, mas a alimentação como
ação voltada a sobrevivência.
C. A vida sexual inclui a noção de que diferentes partes do corpo são reconhecidas como
zonas erógenas, capazes de produzir prazer.

D. O conceito de sexual é um conceito amplo que inclui atividades têm que ver com os
órgãos genitais.
E. O primeiro órgão a surgir como zona erógena e a fazer exigências libidinais à mente é,
da época do nascimento em diante, os genitais.

Resposta C.

Dissolução do Complexo de Édipo


O complexo de Édipo é a representação inconsciente pela qual se exprime o desejo sexual ou
amoroso da criança pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade para com o genitor do
mesmo sexo. Essa representação pode se inverter e exprimir o amor pelo genitor do mesmo
sexo e o ódio pelo do sexo oposto.
O complexo de Édipo está ligado à fase fálica da sexualidade infantil e surge quando o menino
(por volta dos 2 ou 3 anos) começa a sentir sensações prazerosas e, apaixonado pela mãe,
quer possuí-la, colocando-se como rival do pai, antes admirado. Uma posição inversa é
adotada: ternura em relação ao pai e hostilidade em relação à mãe. Há, ao mesmo tempo, o
complexo de Édipo e um complexo de Édipo invertido; estas duas posições - positiva e
negativa - no contato com os pais são complementares e constituem o Édipo completo.
Será, por volta dos cinco anos, com o complexo de castração que, no menino, o complexo
desaparecerá: o menino reconhece a partir de então na figura paterna o obstáculo à realização
de seus desejos, abandona o investimento na mãe e passa para uma identificação com o pai,
que lhe permitirá, na vida adulta, uma outra escolha de objeto e novas identificações: ele se
desliga da mãe (desaparecimento do complexo de Édipo) para escolher seu próprio objeto de
amor. Seu declínio marca a entrada num período chamado de latência, e sua resolução após a
puberdade concretiza-se num novo tipo de escolha de objeto.
A tese da tese da libido única, de essência masculina, está ligada ao complexo de Édipo. O
menino sai do Édipo através da angústia de castração, por seu lado, a menina ingressa nele
pela descoberta da castração e pela inveja do pênis e, nela, o complexo se manifesta pelo
desejo de ter um filho do pai. A dessimetria se apresenta no tocante ao fato de a menina
desligar-se de um objeto do mesmo sexo (a mãe) por outro de sexo diferente (o pai). Não há
um paralelismo exato entre o Édipo masculino e seu homólogo feminino, mas encontramos
uma simetria: nos dois sexos a mãe é o primeiro objeto de amor, o elemento comum e primeiro.

EXERCÍCIO
Sobre o Complexo de Édipo na teoria de Freud, pode-se dizer que:

I. A ameaça de castração é o principal fator que leva a dissolução do Complexo de


Édipo e encontra-se na base do processo civilizatório.
II. O Complexo de Édipo é considerado um processo universal, que desempenha um
papel estruturante no desenvolvimento do indivíduo.
III. A elaboração do Complexo de Édipo inclui o abandono dos aspectos mais
passionais em relação aos pais e a consequente identificação com os progenitores.
IV. A ameaça de castração é uma teoria sexual infantil para explicar a diferença
anatômica entre os sexos e só ocorre em casos extremos de confusão de identidade.
V. O Complexo de Édipo nunca se dissolve, e é predominante nos meninos.

Identifique qual das alternativas está correta:

A. É correto o que se afirma em I, II e, V.


B. É correto o que se afirma em II, III e IV.
C. É correto o que se afirma em I, II e III.
D. É correto o que se afirma em II, IV e V.
E. É correto o que se afirma em II e V.

Resposta C.

O complexo de Édipo liga-se desde o começo à dupla questão do desejo incestuoso e de sua
proibição necessária, a fim de que nunca se transgrida o encadeamento das gerações.
Mantém uma ligação estreita com o complexo de castração e com a existência da diferença
sexual e das gerações.
Freud viu a tragédia Édipo rei (Sófocles) a revelação ou, em outras palavras, a simbolização,
do universal do inconsciente que vinha disfarçado em destino, a lenda grega apoderou-se de
uma compulsão que todos sentiram, por isto reconhecem-se, inconscientemente, na
dramatização e se assombram diante da realização do sonho transposto para a realidade.
Assim também ocorre com o drama de Hamlet (Shakespeare) que era, para Freud, o drama do
recalcamento, através da história de uma subjetividade culpada.
Esta aproximação de ficções pode ser relacionada ao afã de Freud por entender as questões
relativas ao destino, àquilo que a vida reserva e que se ignora. a isto podemos correlacionar o
próprio conceito de inconsciente, ninguém o conhece e, igualmente, dele não pode se
desvencilhar. O complexo de Édipo é, como foi dito inicialmente, a representação psíquica do
desejo inconsciente e, como consequência, traz em seu bojo a iniciação em uma experiência
de perda e de luto, referente aos pais como parceiros sexuais.
EXERCÍCIO

Um dos efeitos do complexo de Édipo na criança por volta dos 5 (cinco) ou 6 (seis) anos está
relacionado com atitudes morais e regras que devem ser seguidas e que estão sujeitas a
punição, além de suscitar arrependimento que vem de dentro de si própria e não de outra
pessoa, exigindo comportamento de obediência. Com base nestas afirmações identifique de
que fase do desenvolvimento psicossexual trata-se este momento descrito e escolha a
alternativa correta:

A. O período descrito é o de latência e demonstra a formação do superego.

B. A fase descrita é a anal e demonstra o contato do ego com o ambiente.

C. A fase descrita é a oral e os primórdios do princípio de prazer.

D. A fase descrita é a fálica e mostra a estruturação do superego, pela dissolução do


Édipo.

E. A fase descrita é a fálica e mostra o início do complexo de Édipo.

Resposta D.

TEORIA PSICANALÍTICA

MÓDULO 6

A psicanálise na clínica
O surgimento da transferência
A descoberta do narcisismo.

Bibliografia básica/obrigatória:
FREUD, S. A dinâmica da transferência (1912). IN FREUD, S. Obras Completas de S. Freud,
Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda; 1969.
FREUD, S. Sobre o Narcisismo: uma introdução (1914). IN FREUD, S. Obras Completas de
S. Freud, Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda; 1969.

Bibliografia complementar:
FREUD, S. Fragmentos da análise de um caso de histeria – O Caso Dora – Epílogo (1905). IN
FREUD, S. Obras Completas de S. Freud, Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda; 1969.
FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar - Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise
II (1914). IN FREUD, S. Obras Completas de S. Freud, Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda;
1969.
LAPLANCHE, J. Vocabulário da psicanálise - Laplanche e Pontalis. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
A Psicanálise na clínica e a transferência
Quando Freud (1915[1914]) diz que só o analista pode tratar a neurose que, do contrário, sem
o tratamento adequado (psicanalítico) está fadada a se repetir em seus sintomas ‘ad infinitum’,
afirma que o psicanalista deve saber fazer algo que nenhum outro profissional ou pessoa terá
condições de fazer. Este algo a ser feito depende de quem o faz, precisa ser feito no
enfrentamento da neurose, e para isto é preciso que seja um psicanalista e refere-se
diretamente à sua formação. E este deve estar capacitado a suportar o peso da repetição. E, o
faz, através do manejo da transferência.
A associação livre abre caminho para a investigação e para o tratamento psicanalíticos e
coloca para o analista um novo horizonte a partir do qual poderá trabalhar e que diz respeito ao
manejo da transferência. Para Freud, em seu texto Recordar, repetir e elaborar (1914), há uma
relação estreita entre a compulsão à repetição e a transferência, afirmando uma estreita
proximidade entre as duas: a transferência seria um fragmento da repetição e esta é uma
transferência do passado, seja para o analista seja para diferentes aspectos da vida atual do
paciente.
Mas o que se repete? Seguindo Freud nos textos citados trata-se justamente de um processo
inconsciente no qual o sujeito se sente compelido a repetir atos, ideias, pensamentos e sonhos
que, na sua origem, foram geradores de sofrimento e ao serem repetidos não perdem esta
conotação, mas também não é possível abandoná-los por força da vontade. E, como analistas,
o que nos convoca a pensar, desde Freud, é justamente o caráter enigmático (ou sinistro)
desta necessidade de repetição ao ser confrontada com o princípio de prazer. E é
particularmente no texto de 1914, Recordar, repetir e elaborar que podemos ver explicitada
uma trama que liga repetição e transferência, na medida em que coloca que a repetição é a
forma de o paciente recordar, ainda que sob o signo da resistência, daquilo que lhe é mais
difícil, dado que está ligado às conotações sexuais que não passam pelo crivo da censura e,
portanto, não podem ser rememoradas. E, assim, será o manejo da transferência que permitirá
que se transforme a compulsão à repetição num motivo para recordar: A transferência cria,
assim, uma região intermediária entre a doença e a vida real, através da qual a transição de
uma para outra é efetuada (Freud, 1914, p.201).

EXERCÍCIO
O processo transferencial ocorrido durante a análise pode ser concebido como uma
reatualização de experiências significativas da vida do paciente. Com base nas observações de
Freud acerca da transferência, escolha a alternativa correta, assinalando-a.

A. A transferência é a forma mais clara em análise da superação da resistência, pois


viabiliza uma transmissão consciente de conteúdos reprimidos de um sujeito para o
analista.
B. A resistência transferencial cria a possibilidade de uma manifestação menos crítica do
sujeito durante a análise, especialmente pelo fato de que a relação com o terapeuta tem
sempre referência do real.
C. A transferência torna-se recurso fundamental da análise, pois torna manifesto os
impulsos eróticos esquecidos pelo paciente.
D. A transferência é um fenômeno que prejudica o desenvolvimento favorável na análise,
pois apresenta significativa resistência, impedido clareza da dinâmica psíquica por parte
do analista.

E. Sentimentos amistosos como confiança e amizade podem caracterizar uma forma de


transferência positiva, que são sempre vistos como muito positivos.

Resposta C.
No entanto, transferência e repetição não são uma e mesma coisa, ainda que se refiram
exatamente àquilo que está na visada principal do analista, a saber, o inconsciente. A primeira
como uma técnica que serve de contrapeso ao que é próprio das formações inconscientes, a
compulsão à repetição. E também está na visada do analista e da direção da análise trabalhar
como isso pode ser “acolhido” na situação analítica de tal forma que, ao propiciar uma
experiência abrandada de seus efeitos, aquilo que era um movimento repetitivo dê lugar a algo,
se não radicalmente novo, pelo menos uma criação própria do sujeito na sua relação com seu
inconsciente.
Transferência não é repetição e esta não aparece de um só jeito. Mas na transferência o lugar
ocupado pelo analista revigora o status ficcional da transferência na medida em que, ao
encarnar uma abertura, o analista remete o sujeito à sua própria errância, à suas infindáveis
tentativas de criar algo a partir do nada, ou melhor, da falta – falta de sentido, falta de norte ou
de rumo, que não se cansa de se repetir. A técnica que serve de contrapeso a esta exigência
pulsional de repetição não exclui este movimento, mas permite que algo se produza, se crie
nas movimentações possíveis a cada momento, para cada um e chega-se a um pouco de
verdade.

A descoberta do narcisismo
As primeiras considerações de Freud sobre o narcisismo surgem por volta de 1909, época da
segunda edição dos Três Ensaios..., em cartas (junho de 1913) e no artigo sobreLeonardo da
Vinci (1910). Mas é somente com o texto de 1914 que a discussão sobre as relações entre o
eu e os objetos externos culmina numa diferenciação entre duas formas distintas de
investimento libidinal: uma voltada para o próprio eu e outra voltada para os objetos. São desta
mesma época também as indagações de Freud sobre a escolha da neurose e será em 1914
que afirmará o narcisismo como um conceito à parte, capaz de esclarecer uma forma de
investimento libidinal que não diz respeito somente ao que podemos ver nas perversões,
estendendo-se à totalidade do curso regular do desenvolvimento sexual humano, ou seja,
passa a ser considerado como um estágio necessário entre o auto-erotismo e o amor objetal.
Então, podemos situar o narcisismo como um conceito que auxilia tanto na compreensão da
etiologia das neuroses, das psicoses e das perversões quanto na reformulação das noções
anteriores sobre o curso dos investimentos libidinais.

Os dois narcisismos: primário e secundário


É certo que, num primeiro momento das investigações psicanalíticas, o narcisismo surge
associado às disposições patológicas, porém ao longo do tempo e dos progressos teóricos, o
narcisismo encontrado nas disposições patológicas seria mais adequadamente explicado como
um fenômeno posterior a um ‘narcisismo primário’, este sim etapa necessária no
desenvolvimento da vida psíquica. A partir disto pode-se falar numa relação diferente entre
esta nova acepção de narcisismo e a constituição do psiquismo, pois com o texto de 1914, há
um primeiro abalo nas construções psicanalíticas no que diz respeito à clássica oposição entre
pulsões sexuais e pulsões do eu.
Antes de formular esta sua teoria sobre o narcisismo, acreditava-se que os investimentos no eu
eram tão somente relacionados às necessidades de auto-conservação, ficando reservada a
libido para as relações objetais. Porém as investigações posteriores demonstraram que esta
‘libido do eu’ estava sendo ocultada por esta pressuposição. A importância destas formulações
acerca do narcisismo concentra-se no fato de estar diretamente vinculado à própria
constituição do eu, pois num primeiro momento – anterior ao descobrimento do narcisismo
como etapa necessária na formação da vida psíquica – acreditava-se que as pulsões do eu
eram exclusivamente não-sexuais e que o auto-erotismo, enquanto estágio inicial da
sexualidade, não teria nenhuma finalidade de sobrevivência, assim como seria anterior à
formação do eu como uma unidade. Reconhecer que há um investimento libidinal no eu leva à
ideia de que estão presentes na constituição deste diferentes energias psíquicas e que a
passagem do estado do auto-erotismo para o narcisismo se dá quando se acrescenta ao auto-
erotismo o eu, ou seja, quando este último passa a ser o objeto de amor. Assim é que
o narcisismo ganha o estatuto de primário, perde sua conotação patológica e passa a ser um
elemento fundamental na constituição da vida psíquica.
Porém esta libido dirigida ao eu é a mesma energia que se dirige para os objetos, trata-se nos
dois casos da manifestação da mesma pulsão sexual, só que agora compreendida como capaz
de investir em diferentes objetos: o próprio eu e os objetos externos. O eu seria então
constituído por esta energia, estaria investido, desde o princípio da sua constituição, de
pulsões de auto-conservação e de pulsões sexuais, o que significa dizer que é um
‘reservatório’ destas pulsões: dele tanto partem quanto retornam os investimentos sexuais.

O retorno e o represamento da libido no eu, num grau mais elevado, são experimentados como
desagradáveis pelo sujeito, impelindo-o a ultrapassar os limites deste narcisismo e ligar-se a
outros objetos – é assim que se processaria a transformação da libido narcísica em libido
objetal ou, a passagem do narcisismo primário para a relação objetal propriamente dita.
Portanto, o aparelho psíquico teria como tarefa elaborar as excitações para que não se tornem
aflitivas, o que pode ocorrer tanto na sua relação com objetos reais quanto com imaginários.
Esta libido do eu, ou mais especificamente este narcisismo primário, é um conceito que ajudará
na reformulação das disposições patológicas no tocante ao investimento do eu nele mesmo ou
nos objetos, ou em outras palavras no modo como as relações do eu com os objetos ficam
comprometidas quando há um retorno a um investimento no próprio eu que substitui o
investimento objetal. Falar de narcisismo primário remete necessariamente à teoria da libido,
podendo ser considerado como uma extensão desta última.
Poderíamos assim considerar a palavra ‘retorno’ como tendo um duplo sentido: primeiro porque
a libido desloca-se dos objetos para o próprio eu - se o seu destino natural e normal deve ser
os objetos, a ideia de retorno tanto estaria ligada à noção de patologia (uma perversão, por
exemplo) quanto de um caminhar para trás, retorno igual a movimento na direção contrária e
esta conotação se referiria ao narcisismo secundário. Um segundo sentido tomaria a palavra
retorno focalizando o eu não só como seu ponto de partida, mas como também alvo inicial
(original) deste investimento, este seria o narcisismo primário. A distinção entre narcisismo
primário e secundário está relacionada com a necessidade de se distinguir entre o que seria
um investimento no eu com ou sem conotação patológica, assim como com questões
referentes ao próprio estatuto destes conceitos ao longo da obra freudiana e de alguns de seus
seguidores, mais especificamente no que diz respeito à demarcação de modos de
investimentos no eu, anteriores ou posteriores ao estabelecimento de relações de objeto.

No que concerne à primeira tópica, Freud adota uma concepção de narcisismo primário
comportando uma dose de relação intersubjetiva, pois na medida em que o narcisismo dos pais
é reavivado na relação com ‘sua majestade, o bebê’, pode-se afirmar que este narcisismo
incipiente e contemporâneo da constituição do eu, não está situado nem no interior da criança,
nem no interior dos pais, exclusivamente. Ele seria mais bem definido neste momento da teoria
freudiana como uma identificação (narcísica) com o objeto e, por parte dos pais, uma projeção
de seu próprio narcisismo decaído.
Mas esta concepção não se mantém assim ao longo da obra freudiana - e mesmo os
psicanalistas contemporâneos estão divididos quanto a esta questão – pois com a segunda
tópica o narcisismo primário seria descrito como uma fase anobjetal, referindo-se a total
ausência de intercâmbios com o meio e de indiferenciação entre o eu e o isso. Aqui, as
analogias mais pertinentes a este estado da vida psíquica seriam a vida intra-uterina e o sono.
A confluência destes dois fatores – a imagem unificada que a criança passa a ter do próprio
corpo e a revivência do narcisismo dos pais incidindo sobre a criança – é que inaugura a
constituição do Eu Ideal (Ideal Ich). É a imagem idealizada do eu, é a experiência de um eu
real que tem exatamente os mesmos atributos que são percebidos pelos objetos de amor, no
caso os pais.
Esta imagem unificada do próprio corpo tem o valor de passagem de um estado em que
reinavam as pulsões parciais, para um estado mais organizado, que coincide com a
constituição do eu enquanto entidade autônoma, e isto só se dá com a entrada no estágio do
narcisismo, o narcisismo infantil que logo sofre um abalo, sua duração enquanto modo de
ligação com os objetos é limitada e o fator principal de sua ‘queda’ provém do complexo de
castração e também de outras situações que lhe são correlatas. A imagem idealizada de si
mesmo não se mantém nos intercâmbios com o meio, a percepção de si como totalmente
adequada ao desejo do outro e o objeto reconhecido na justa medida da identidade com o eu
tem como destino, do ponto de vista psíquico, um refúgio, que ao mesmo tempo em que
perpetua esta representação, desloca-a para o que vem a se chamar instância ideal.

EXERCÍCIO
O narcisismo não é um vilão da história do sujeito, mas um elemento que abre o caminho para
a constituição do sujeito psíquico. Nesta perspectiva identifique a alternativa correta:

A. O narcisismo primário resguarda em si certo grau de patologia.

B. O narcisismo secundário é produto do investimento libidinal dos pais na criança.

C. A descoberta do narcisismo como etapa necessária na formação da vida psíquica


reforça a ideia de seu aspecto patológico.

D. No narcisismo primário a criança toma a si mesma como objeto de amor, ao invés de


escolher objetos exteriores.

E. No narcisismo secundário a criança investe sua libido nos objetos exteriores.

Resposta D.
TEORIA PSICANALÍTICA

MÓDULO 7

A psicanálise na clínica: a atitude frente à castração - neuroses, psicoses, perversões


Considerações sobre o objetivo e o final de uma análise

Bibliografia básica/obrigatória:
FREUD, S. Construções em Psicanálise (1937). IN FREUD, S. Obras Completas de S. Freud,
Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda; 1969.

Bibliografia complementar:
MEZAN, R. Psicanálise e Psicoterapia. In A Vingança da Esfinge, Ensaios de
Psicanálise. Editora Brasiliense, 1988.

Castração
Tanto quanto o complexo de Édipo é a representação psíquica de uma experiência, o
complexo de castração também diz respeito a uma experiência psíquica vivida
inconscientemente pela criança, por volta dos seus cinco anos de idade e que tem peso
decisivo no tocante à identidade sexual, ou em outras palavras, à escolha de objeto de amor. É
neste momento que a criança reconhece, tomada pela angústia, a diferença sexual, ou seja,
que o mundo é composto por homens e mulheres e que o corpo tem seus limites e, para o
menino, isto significa que, apesar de possuir o pênis, este não lhe permitirá realizar seus
sonhos e desejos sexuais com sua mãe, pois até então vivia na ilusão da onipotência.
Apesar da ênfase atribuída à castração enquanto etapa da evolução da sexualidade infantil, é
importante lembrar que sua relevância transcende o que seria uma significação cronológica, na
medida em que é uma experiência re-vivida - inconscientemente - ao longo de toda a
existência. A psicanálise - como prática clínica - é uma oportunidade para reativar esta
experiência, possibilitando assim que, na vida adulta, retome-se o curso da vida sem
desconsiderar os limites do corpo em relação à vastidão dos desejos, experiência vivida e
sofrida desde tenra infância.
O complexo de castração para o menino assinala a saída do complexo de Édipo e a
identificação com o pai (ou seu substituto) no núcleo do superego. A consequência da
constatação da diferença sexual está relacionada à rememoração ou atualização de ameaça
de castração - ouvida ou fantasiada - quando por ocasião de atividades masturbatórias e é o
pai o agente desta ameaça.
O complexo de castração na menina passa-se de maneira distinta, pois é sob o efeito deste
complexo que ela entrará no complexo de Édipo e se afastará da mãe, pois a esta última é
atribuída a culpa pela privação do pênis. Afasta-se do objeto materno e orienta-se para o
desejo do pênis paterno e de sua própria heterossexualidade.

Além da importância deste conceito para a clínica - no que diz respeito ao diagnóstico e à
direção de um tratamento psicanalítico -, o complexo de castração tem sua implicação na
ordem cultural e social na medida em que nele estão representadas, junto com o complexo de
Édipo, questões sobre a instituição das leis e proibições que regulam as relações e
organizações humanas.

EXERCÍCIO
A submissão à “castração” simbólica é sinônimo de crescimento e evolução psíquica, que
repercute na dimensão da sociedade e cultura, pois a ela estão implícitos:

A. O reconhecimento da diferença sexual que supõe o abandono de nossa ilusão de


impotência infantil.
B. A irreverência aos limites de nosso corpo rumo a realização de nossos desejos.
C. Um elemento fundante da vida em sociedade, pois funciona como regulador das
relações sociais.
D. O desconhecimento da diferença sexual que nos mantém no patamar da onipotência
infantil.
E. Por meio desta experiência vivida e sofrida desde a infância reagimos e podemos nos
abster de submetermos a ela, mantendo-nos donos de nossas escolhas.

Resposta C.

Neurose, psicose e perversão

Neurose
Freud emprega o termo neurose para falar de uma doença nervosa, na qual os sintomas
representam simbolicamente um conflito psíquico recalcado, de origem infantil e causa sexual.
Em termos de uma classificação, designam-se os seguintes registros freudianos: neurose
histérica, neurose obsessiva, neurose atual (neurose de angústia e neurastenia) e a
psiconeurose (neurose de transferência e neurose narcísica).
A neurose advém como resultante de um mecanismo de defesa contra a angústia e de uma
formação de compromisso, entre esta defesa e a possível realização de um desejo. Este
desejo - e sua proibição - é aquele à que se refere o complexo de Édipo e o complexo de
castração. Na neurose há um conflito entre o ego e o id, coexistindo, interna e
inconscientemente, tanto impulsos que exigem satisfação quanto moções que levam em conta
a realidade.

Psicose
Freud julgava a psicose quase sempre incurável e este era um dos motivos pelos quais não se
dedicava ao seu tratamento. Definiu, inicialmente, em sua obra, a psicose como um distúrbio
entre o ego e o mundo externo; no contexto da segunda tópica e com o desenvolvimento da
teoria do narcisismo, a psicose foi explicada a partir da reconstrução de uma realidade
alucinatória na qual o sujeito fica unicamente voltado para si mesmo, numa situação sexual
auto-erótica em que toma literalmente o próprio corpo (ou parte deste) como objeto de amor
(sem alteridade possível). Portanto aqui a castração, enquanto experiência psíquica, não pode
ser experienciada.

Perversão
Tanto quanto na psicose, Freud caracterizou a perversão a partir de uma clivagem do ego, em
que coabitam duas realidades distintas: a recusa e o reconhecimento da ausência do pênis na
mulher. Assim, a perversão surge como renegação ou desmentido da castração, aliada à
fixação da sexualidade infantil; trata-se dos efeitos sobre o sujeito da confrontação com a
diferença sexual, existindo tanto no homem quanto na mulher.

EXERCÍCIO
O que faz com que cada uma das organizações – neurótica, perversa e psicótica – exija uma
maneira de condução do trabalho psicanalítico, decorre das suas especificidades, o que
equivale a dizer...

I. Que a forma com que foi experienciada a castração, faz do perverso alguém rendido ao
peso da realidade.
II. Que o conflito do psicótico consiste na fixação de uma sexualidade peverso-polimorfa e
na rejeição do reconhecimento anatômico do órgão e consequente negação das
diferenças.
III. Que censura no neurótico é tão intensa que só consegue “viver” seu desejo pela via do
sintoma.
IV. Que em cada uma das três organizações reside uma forma de funcionamento da
mente, que determina um modo de relação do sujeito com o outro e seu desejo.

Identifique as alternativas e verifique a correta:

A. É correto o que se afirma em I, II e III.


B. É correto o que se afirma em III e IV.
C. É correto o que se afirma em II e III.
D. É correto o que se afirma em II, III e IV.
E. É correto o que se afirma em I e III.

Resposta B.

Considerações sobre o objetivo e o final de uma análise


Uma análise se inicia e se mantém ao longo do tempo quando e se aquele que a procura
apresente uma queixa (ou mais de uma), é preciso que se mostre, enfim, queixoso quanto ao
sofrimento que seus sintomas lhe trazem e que aspire a algum tipo de mudança. Esta
mudança, sonhada, mais ou menos explicitada nas entrevistas/consultas com um
analista/terapeuta são, por força da tradição e das origens, quase sempre associadas à ideia
de cura, ideia esta que está ligada ao modelo médico e do qual o analista terapeuta deve fazer
um esforço constante no sentido de se diferenciar.
Entende-se que, para a psicanálise, os sintomas são a expressão de um conflito inconsciente,
uma luta entre o ego e um sofrimento inconsciente, por isto qualquer noção de cura que
carregue a expectativa de eliminação ou desaparecimento dos sintomas não se justifica numa
perspectiva psicanalítica. Mas, como os sintomas são a forma encontrada pelos sujeitos de
enfrentar algo que pareceria insuportável - a dor e o sofrimento inconscientes - será através da
relação transferencial, em que o analista/terapeuta será incluído como testemunha deste
sofrimento que se pode, psicanaliticamente falando, trabalhar para que as mudanças nas
relações subjetivas com o mundo e consigo mesmo possam ocorrer.
Trabalha-se para dissipar a dor inconsciente, mas isto não pode ser feito pensando em eliminar
sintomas, atitude mais relacionada a um “orgulho terapêutico” que acaba por privilegiar a figura
do analista/terapeuta e seus sucessos ou fracassos. O objetivo de uma análise pode ser
pensado como Freud o colocou em termos de uma reorganização ou ampliação do ego em
benefício do id, na medida em que a escuta analítica, através da relação transferencial, serve
de palco para o jogo de forças pulsionais que não desaparecerão ao fim de uma análise, mas
se poderá dizer de uma experiência mais abrandada de seus efeitos na vida dos sujeitos.

EXERCÍCIO
Luís busca a análise em função dos sentimentos de confusão e vazio que vem vivenciando nos
últimos meses e que o fazem sofrer muito, chegando a pensar em fugir de todas as suas
obrigações. Neste caso, consideraríamos como principal objetivo de seu processo
psicanalítico...

A. A urgente necessidade de eliminação do sintoma.


B. A eliminação dos efeitos do jogo pulsional de seu psiquismo.
C. A dissipação da dor inconsciente e consequente eliminação do sintoma.
D. O abrandamento dos efeitos do jogo pulsional de seu psiquismo.
E. O reconhecimento de suas dificuldades e a medicalização de seus sintomas.

Resposta D.

TEORIA PSICANALÍTICA

MÓDULO 8

Psicanálise e sociedade: a psicologia das massas, a identificação, o ideal do ego.


A compreensão da vida em grupo a partir do referencial psicanalítico.

Bibliografia básica/obrigatória:
FREUD, S. A Psicologia das Massas e a Análise do Ego, cap. IV a VIII e XII (1921). IN FREUD,
S., Obras Completas de S. Freud, Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda; 1969.

Bibliografia complementar:
FREUD, S. Mal estar na civilização, cap I (1930[1929]). IN FREUD, S., Obras Completas de S.
Freud, Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda; 1969.

Psicanálise e Sociedade
Depois de Mais-além do princípio de prazer (1920), o texto que trata das relações entre
psicanálise e sociedade - Psicologia das massas e Análise do ego (1921) - é um outro marco
importante na reformulação teórica freudiana, conhecida como a segunda tópica. Trata-se de
um texto que explora os caminhos que vão da compreensão do indivíduo para a da sociedade.
Freud refutou em seu texto uma oposição categórica entre uma psicologia do indivíduo e uma
psicologia social e, seu ponto de partida para isto, é o fato inegável de que todo indivíduo está
sempre referido a um outro na constituição mesma de seu psiquismo, o que leva à conclusão
que toda psicologia individual é, desde sempre, social, por causa deste laço inerente à própria
constituição do humano, ainda que uma não se confunda com a outra, na medida em que os
efeitos de um narcisismo sempre presente, em que não há lugar para a diferença ou para a
alteridade, não deixam de existir enquanto possibilidades individuais que se diferenciam de
atos sociais.
Quais são e como se definem as relações dos indivíduos com a massa, foram as questões que
nortearam as investigações freudianas neste texto, pensando nas mudanças evidenciadas nos
indivíduos quando estão sós e quando estão fazendo parte de uma organização que os
transcende.
Freud associa os movimentos de massa a partir do que definiu em sua teorização sobre o
psiquismo individual como a fonte energética das pulsões - a libido - e que é o que move as
relações amorosas e que será concebido também como o que estará operando nos
movimentos de massa, inclusive quanto à relação da massa com um líder. Neste aspecto,
Freud irá diferenciar os agrupamentos sem e com líder, sendo estes últimos representados em
seu texto pela igreja e pelo exército, instituições nas quais é possível identificar tanto as
relações da massa com o líder, quanto as relações dos membros entre si, evidenciando estes
laços como de natureza amorosa.
No entanto será a relação - ou o investimento libidinal - com o líder uma espécie de protótipo
das relações dos membros entre si e disto resulta um aspecto fundamental deste momento no
pensamento freudiano, a saber, o desenvolvimento da teoria da identificação. De um lado tem-
se a teorização de como a relação entre os membros se dá justamente pela identificação com
o líder e, por outro lado, surge a distinção entre o ego e o ideal do ego (predecessor do
superego). Os indivíduos têm no líder um objeto externo que ocupa o lugar de ideal do ego,
assim como, identificam-se entre si por causa desta identificação ao líder, na qual a dimensão
sexual seria sublimada.
Como este texto trata das relações entre o indivíduo e as organizações, não escapou à análise
de muitos comentadores, as implicações do que Freud expõe com a própria institucionalização
da psicanálise, dado que os psicanalistas não estão a salvo das mesmas vicissitudes pelas
quais os indivíduos passam em seus embates mais ou menos conflituosos com as instituições.

EXERCÍCIO
A presença inequívoca do outro na constituição do psiquismo leva Freud à suas investigações
sobre as relações entre psicologia individual e social, sobre este aspecto podemos afirmar que
para Freud:

A. A psicologia de grupo é uma categoria distinta da psicologia individual, não podem ser
equiparadas.
B. A psicologia individual refere-se somente aos indivíduos, enquanto que a psicologia
social não considera os indivíduos, mas apenas os aspectos dinâmicos das interações
sociais.
C. A psicologia social é individual na medida em que os grupos são basicamente
constituídos de indivíduos.
D. Não há oposição entre a psicologia individual e a psicologia social, pois a constituição
do sujeito psíquico advém da trama que é tecida a partir do outro.
E. A tarefa dos pais é a de cuidar de seus filhos, o abandono destes cuidados iniciais gera
um narcisismo pessoal e futuramente coletivo.

Resposta D.

Ego ideal e ideal do ego


As instâncias ego ideal e ideal do ego, tais como são conhecidas hoje em psicanálise, não se
encontram de forma alguma claras e evidentes na obra de Freud. Remontam desde 1895 e
desembocam na constituição do superego, porém a distinção clara entre estes dois conceitos
só será proposta por sucedâneos do pensamento freudiano.
Apesar da não diferenciação no texto sobre o narcisismo (1914) entre as duas instâncias ideais
- ego ideal e ideal do ego - é possível lá entrever a ideia de substituição do narcisismo como
modo de ligação com os objetos pelo surgimento do ego ideal, que seria aquela imagem
idealizada de si mesmo que se mantém inconscientemente no psiquismo. Através das trocas
com o mundo, particularmente da relação da criança com a mãe e desta com outros, a criança
percebe que a mãe deseja algo fora dela. Isto leva a uma experiência em que a criança é
atingida e ferida em seu narcisismo primário, sentindo uma importante frustração no que diz
respeito à sua necessidade de ser amada pelo outro de forma absoluta: para voltar a ter o
amor total do outro é preciso corresponder àquilo que o preencheria de tal forma que não
precisaria amar outros. O ego bastaria e isto seria chegar à perfeição narcísica, esta
corresponderia ao ego ideal.
Porém o desenvolvimento do ego só se dará a partir de um distanciamento do narcisismo
primário e do estabelecimento de relações objetais; para se chegar a este seu objetivo é
preciso que aquele desejo totalizante de ser amado leve em conta, por sua vez, as
representações e os imperativos culturais, sociais e éticos que são transmitidos pelas figuras
parentais e que funcionam como mediadores, representantes externos, constituídos pelo
discurso dos pais. Ao assumir de uma certa forma como seus os valores e ideais que fariam
parte de uma suposta demanda do outro e do desejo de satisfazê-la, inaugura o surgimento de
uma outra instância ideal, o ideal do ego, que comporta uma imagem do objeto e uma imagem
do eu, mantendo sua relação com a libido.
Na constituição do ego há, portanto, elementos tanto do ego ideal quanto do ideal do ego,
devido a um deslocamento da libido em relação ao narcisismo primário, a partir do momento
em que algo é imposto de fora - este ‘fora’ aqui se refere a fora do imaginário, refere-se à
passagem da imagem para a ideia, mediada pela linguagem.

EXERCÍCIO
Freud no texto Psicologia de Grupo e Análise de Ego parte do fato fundamental de que o
indivíduo num grupo está sujeito, através da influência deste, ao que com frequência constitui
profunda alteração em sua atividade mental. Sua submissão à emoção torna-se
extraordinariamente intensificada, enquanto que sua capacidade intelectual é acentuadamente
reduzida, com ambos os processos evidentemente dirigindo-se para uma aproximação com os
outros indivíduos do grupo. Este fato só pode ser alcançado devido:

A. A coerção apresentada pelo grupo; e a falta de convicção das crenças de inclinações


pessoais.
B. A resignação das expressões de inclinações pessoais; e a remoção das inibições aos
instintos que são peculiares a cada indivíduo.
C. A valorização dos valores sociais em detrimento dos valores peculiares de cada
indivíduo.
D. A dificuldade de desenvolvimento psíquico; e à necessidade de apoiar-se em um grupo
para a manutenção de sua existência.
E. A personalidade impulsiva; e um déficit intelectual que não permite o controle dos
impulsos.

Resposta B.

Sobre a identificação
Uma teoria da identificação, tal como a encontramos em Freud, é um esforço conceitual para
se compreender as formações inconscientes constitutivas da vida do sujeito, os conflitos que
podem advir desta sua condição e em que situações estas identificações podem desempenhar
um papel patológico.
No início de ‘A Identificação’ já encontramos uma referência a esta operação como um
mecanismo que marca os primeiros passos da vida afetiva de um sujeito, ela é um modo de
pensamento constituinte da vida psíquica e há uma importância particular no fato de estar
relacionada ao complexo de Édipo. A ênfase das investigações deve recair mais sobre os
modos como ela se processa nas diferentes formações psíquicas, sem se prender na busca de
suas causas.
A identificação da qual se trata em psicanálise refere-se à situação em que o sujeito confunde-
se com outra pessoa, mas esta confusão não é percebida conscientemente pelo sujeito, na
medida em que não tem o mesmo caráter de uma imitação ou de um disfarce. Nestes casos -
da imitação ou do disfarce - sabe-se que se parece com um outro, mas isto não se confunde
com o que se é. No caso da identificação propriamente dita - inconsciente - há um completo
desconhecimento por parte do sujeito de que se atribuiu características de outro(s).
Estamos falando sobre as identificações de modo bastante generalizado, no entanto, existem
algumas nuances que lhe são próprias, como por exemplo, se estão referidas a identificações
com objetos ou com traços destes e que dizem respeito a modos diferenciados de se
estabelecer laços afetivos ao longo do desenvolvimento da vida psíquica.

No desenvolvimento do conceito de identificação dentro da teoria psicanalítica, desde Freud


até seus sucessores, distinguem-se principalmente três tipos de identificação, a histérica, a
primária e a secundária. A identificação histérica, a primeira a ser delineada, é aquela que se
encontra mais visível no sintoma, isto porque através das manifestações histéricas exprime-se
o elemento inconsciente a partir do qual ocorreu a identificação e o sintoma funciona como
uma defesa contra os impulsos e fantasias sexuais que lhes são correlatos.
A identificação primária é aquela que antecede, em termos de estruturação do psiquismo, o
estabelecimento de relações de objeto, e está relacionada aos primeiros investimentos no
objeto, do qual o sujeito se torna dependente. Ela está estreitamente ligada à fase oral de
incorporação, realçando aí a não diferenciação entre sujeito e objeto. Assim como no
narcisismo primário, também cabe aqui ressaltar que é difícil conceber tal modo de ligação
como totalmente indiferenciado ou anobjetal, mesmo sendo um momento em que não é
possível para o sujeito conceber que o objeto exista independentemente dele.
Todas as outras identificações que se sobrepõem a esta identificação primária e têm sua
ocorrência posterior ao estabelecimento de uma relação objetal, são chamadas identificações
secundárias. O que as diferencia radicalmente é o fato de que na identificação primária ocorre
uma modalidade de ligação com o objeto que supõe uma total alienação do sujeito neste, de tal
forma que a imagem de um deveria ilusoriamente corresponder à imagem do outro. Na
identificação secundária este tipo de ligação é abandonado a partir das trocas com o meio, nas
quais o sujeito substitui a identificação e o desejo de posse do objeto pela identificação com
alguns traços do objeto, que vão formando sua personalidade.

Um dos aspectos mais importantes das identificações, que se manifesta essencialmente pelo
desejo de ser como o objeto, é a ambivalência. Há tanto intensos sentimentos de amor e
admiração pelo objeto, que convergem para um ou outro traço deste, quanto há desde o
princípio uma boa dose de agressividade, na medida em que, em certo sentido, identificar-se
com alguém ou com algo significa querer incorporar em si mesmo este alguém ou algo,
portanto destruí-lo ou despojá-lo de seu lugar. Nos primórdios do desenvolvimento psíquico,
naquilo que é denominado sua fase oral, as identificações são precedidas por este desejo de
incorporação, que é reconhecido como o protótipo primitivo das identificações.
O palco onde estas representações mostram-se evidentes é o das relações interpessoais, em
que o sujeito ao identificar-se com um objeto desaparece sob a ‘sombra’ deste, mas sem que
possa, conscientemente, aperceber-se disto.
A fase ou momento das primeiras identificações marca o início de um processo que
transcorrerá ao longo de toda a vida, e que também estará ligado à formação dos sintomas,
através das sucessivas identificações que vão sendo substituídas ao longo do tempo com
maior ou menor êxito; como situação exemplar teríamos a própria formação e resolução do
complexo de Édipo.
Neste processo, as identificações vão se sucedendo, elas mesmas não se mantêm, mas algum
traço é mantido e quase poderíamos dizer que se trata de um jogo, onde se alternam
momentos em que ocorrem as identificações e momentos em que algumas se desfazem e, ao
se desfazerem, vão dando origem à própria constituição do ego.
EXERCÍCIO
Os povos primitivos acreditavam que ao devorar um animal (ou um outro homem, no caso dos
canibais) incorporavam as características deste animal, características essas almejadas por
eles (força, bravura, inteligência). Freud trará este exemplo para falar sobre relações objetais e
sobre um conceito fundamental da psicanálise, a identificação. Sobre este tema, está correto o
que se afirma em:

I. A identificação com o mesmo sexo ou com o sexo oposto é um elemento do complexo


de Édipo. Ao eleger um dos genitores como investimento objetal, a criança,
concomitantemente, identifica-se com o outro.
II. A identificação é um processo de escolha de objeto, que se realiza de modo consciente
na vida infantil do sujeito.
III. Poderíamos dizer que o processo de construção do ego tem na identificação um dos
seus pilares.
IV. Em casos normais o menino sempre se identificará com o pai e a menina com a mãe.
Em casos de homossexualidade, vemos a identificação ocorrer de modo invertido.

Identifique as alternativas e verifique a correta:

A. É correto o que se afirma em I, II e III.


B. É correto o que se afirma em III e IV.
C. É correto o que se afirma em II e III.
D. É correto o que se afirma em II, III e IV.
E. É correto o que se afirma em I e III.

Resposta E.

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