Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
A nossa Constituição Federal afirma que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, sendo este um bem de uso comum do povo e essencial para uma qualidade de vida saudável.
Impõe-se, ao Poder Público e à coletividade, o dever de defendê-lo e de preservá-lo para as presente e
futuras gerações.
A diversidade biológica (ou biodiversidade) está diretamente relacionada com a manutenção desse
meio ambiente equilibrado do ponto de vista ecológico. Para alcançar este objetivo, além da organização do
poder público para orientar, legislar e fiscalizar as ações que possam causar algum impacto no meio
ambiente é preciso que haja um movimento de conscientização de toda a sociedade, e a escolaridade tem
papel fundamental neste processo.
O Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo, contando com um número estimado de
mais de 20% do número total de espécies do planeta. No entanto, fatores diversos, como a perda de
habitantes, a fragmentação de ecossistemas, o problema das espécies invasoras, entre outros, têm
causado uma enorme perda dessa diversidade, extinguindo espécies, não só no Brasil como em todo o
mundo (MMA, 2002).
Esta temática vem ganhando crescente importância desde a celebração da Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB), em 1992, ratificada pelo Decreto Legislativo n.º 2, de 1994. Em 2002, por meio do
Decreto n.º 4.339, de 22 de agosto de 2002, institui-se a Política Nacional da Biodiversidade. Em paralelo,
diversas ações já vinham sendo desenvolvidas pelo governo federal para proteger a biodiversidade,
destacando-se a estruturação do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica
Brasileira (PROBIO), com apoio do Banco Mundial, com o objetivo de auxiliar o Governo do Brasil no estímulo
à execução de subprojetos demonstrativos, à geração e divulgação de conhecimentos e informações sobre
Na mesma lei, no Artigo 3o, VI, diz-se que cabe à sociedade, como um todo, manter atenção
permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva
Uma vez que a produção do material didático foi balizada pelas exigências da carta-consulta que
originou a seleção pública e contratação, mediante convênio, da proposta apresentada e vencedora, em
que se estabelecia a necessidade de elaboração de dois conjuntos de portifólios, com abrangência nacional
e cobrindo os seis temas prioritários para o PROBIO (biodiversidade brasileira, biomas brasileiros, espécies
da fauna brasileira ameaçadas de extinção, fragmentação de ecossistemas, espécies exóticas invasoras, e
Unidades de Conservação da Natureza), decidiu-se pela seguinte configuração: os portifólios foram
estruturados de forma que um conjunto de portifólios tratasse de conflitos socioambientais e o outro
conjunto das respectivas ações positivas.
Convém ressaltar que os conflitos socioambientais dos portifólios são situações-problema presentes
no cotidiano vivido. Situações-problema, aqui, entendem-se como problemas abertos, apresentados em
linguagem coloquial própria da maioria da população, que não necessariamente admite apenas uma
solução específica. As políticas públicas-curriculares brasileiras (Parâmetros Curriculares Nacionais) sugerem
que se inicie o processo de ensino-aprendizagem problematizando a realidade vivida através de situações-
problema, mapeando e explicitando os conceitos-chave e secundários necessários e operacionalizados nas
soluções (isso se denomina de simetria invertida). No caso de nossa produção didática, os portifólios
abordam de forma indicotomizável, os conflitos socioambientais (situações-problema) e as ações positivas
(soluções viáveis-possíveis).
Freire (1967, 1969 e 1988) parte do princípio de que o ser humano tem papel ativo em sua realidade,
produzindo cultura no seu mundo (produto da interação sociedade-natureza). Embora aja desta forma,
produzindo cultura com o seu trabalho e movimentando a economia, nem sempre está vivendo um
processo de conscientização, na direção da superação da consciência real. A degradação do meio
ambiente, causada pelas atividades humanas e os impactos negativos sobre o próprio ser humano
decorrentes dessas atividades, muitas vezes não são sequer percebidos, e quando o são, podem não ser
compreendidos no que diz respeito à causa e à cadeia de conseqüências, ou ao modo de reparação do
dano. Como exemplo, questiona-se os conflitos socioambientais (situação-problema) causados pelo lixo nas
praias e a morte de golfinhos-de-dentes-rugosos (Steno bredanensis), com base no conhecimento científico-
tecnológico e sua relação com a ecologia daquela espécie, para entender a ação positiva (solução), que
também carrega um conhecimento científico-tecnológico (no caso, a gestão de resíduos baseada na Política
dos 3R). Promover uma consciência socioambiental científico-tecnologicamente embasada é promover a
interação entre educador-educando, mediada pelo conhecimento científico-tecnológico e contextualizada
pela realidade concreta a ser compreendida e transformada.
Por isso foi realizado um esforço para que as situações-problema (os conflitos socioambientais)
correspondessem a situações locais (identificadas pelos alunos e professores, com nome e endereço, por
assim dizer) que abrem perspectivas para a análise de problemas (problematização) nos âmbitos local,
regional, nacional e universal. Esse processo de identificação das situações-problema é referenciado nas
lutas ambientais concretas, e corresponde, por sua vez, ao desencadeamento de um processo dialógico
com os movimentos sociais locais na busca da explicitação e relevância da problemática que transcende
1
Situações existenciais típicas: são situações existenciais dos grupos (situações que se relacionam diretamente aos grupos),
com quem iremos trabalhar educacionalmente, ou seja, procuramos chegar aos problemas concretos vividos no cotidiano pelas
pessoas que vivem nestes lugares
2
Codificação de situações-problema: apresentação, normalmente na forma de imagens (fotos, por exemplo) a realidade
concreta.
aos interesses meramente locais para conformar o reconhecimento do caráter histórico e coletivo (Saito e
Santiago, 1998).
Todo esse conjunto didático trata a temática da biodiversidade seguindo os princípios da Política
Nacional de Educação Ambiental (Lei 9.795/99), que recomenda a abordagem do meio ambiente em sua
totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o
enfoque da sustentabilidade. Os materiais foram concebidos dentro da abordagem dialógico-
problematizadora, inspirada em Paulo Freire, apresentando desafios para os alunos e para serem
resolvidos conjuntamente, variando desde a abordagem experimental no ensino-aprendizagem até o
envolvimento e participação em fóruns coletivos locais, passando por atividades de planejamento,
implementação e avaliação de pesquisas em Educação Ambiental no entorno da escola.
Estas experiências, problematizadas nos portifólios, têm sua origem em casos reais e foram
organizadas, sob a forma de situações de conflitos socioambientais com exemplares de resoluções. Este
material didático, longe de esgotar todas as histórias e casos, também apresenta fotogramas dos
movimentos ambientais do Brasil, que muitas vezes não são vistos ou conhecidos e que costumam
permanecer no anonimato, até que as redes de ambientalistas possam trazê-los à tona e mostrá-los para
muitos.
O PROBIO tem seis temas prioritários e são sete os Biomas Brasileiros. Assim, cada uma das
lâminas dos pares de portifólios corresponde a um elemento de uma matriz de 6 (linhas) x 7 (colunas),
totalizando 42 pares de portifólios. Para chegar ao número de 45 pares de portifólios, foram abordados três
temas especiais: Recifes de Coral, Cavernas, e Áreas Úmidas. Estes temas especiais foram tratados em
separado porque, apesar de usa relevância, corriam o risco de ser deixados de lado na multiplicidade de
conflitos sócio-ambientais e ações positivas identificados em cada bioma.
A peça de quebra-cabeça na parte superior do portifólio, com a letra “C” no seu interior, indica que
se trata de um portifólio de conflitos socioambientais. Caso apareça a letra “A” no seu interior, indica que se
trata de um portifólio de ações positivas.
Todos os portifólios, na sua frente, apresentam no canto superior uma foto num quarto de círculo,
que representa uma paisagem típica do bioma. Saindo dele, há uma tarja em que o primeiro termo designa
o tema, por exemplo “Unidades de Conservação da Natureza” e o segundo termo, separado por duas
peças de quebra-cabeça, designa o bioma brasileiro, por exemplo “Ambientes Costeiros e Marinhos”.
A cor da tarja, que é a mesma da peça do quebra-cabeça, indica o bioma brasileiro. Essa mesma
cor distingue os capítulos do livro do professor, organizados por biomas brasileiros. O fundo do portifólio
também é feito de um tom mais claro dessa mesma cor. Portanto, os portifólios podem ser distinguidos
entre si quanto ao bioma brasileiro a que pertencem, apenas pela cor.
O primeiro texto que aparece no portifólio, em letra branca com fundo da cor do bioma, refere-se à
contextualização do tema, ou seja, uma breve introdução da relação tema x bioma. Em seguida, com a letra
na cor do bioma, sobre um fundo de tom mais claro, vem uma orientação direta para o leitor do portifólio,
para dirigir sua atenção à foto no outro lado do portifólio à luz do texto descritivo do respectivo conflito
socioambiental, que vem emoldurado com a cor do bioma, em um fundo branco. Esses textos descritivos do
conflito sócio-ambiental encontram-se numerados, correspondendo ao número da foto que o ilustra.
Finalmente, no canto inferior direito, também no verso do portifólio, com um fundo escuro, da cor do bioma,
encontram-se as “Questões para Diálogo”.
Por último, em lugar de “Questões para Diálogo” do portifólio de conflitos socioambientais, são
apresentadas no canto inferior direito, do verso do portifólio as “Conclusões” tiradas a partir da análise das
ações positivas desenvolvidas para cada um dos conflitos socioambientais.
Uma vez compreendida a estrutura dos portifólios, é importante esclarecer que as diferentes
estratégias escolares para mediação pedagógica transversal por estes, recomendadas aos professores
para sua adoção em sala de aula, permitem superar a visão fragmentada de um aprofundamento
conceitual numa problemática local (conflito socioambiental particular e ação positiva) e alcançar uma
compreensão integrada (regularidade e globalidade dos conflitos em escala nacional e global) por meio dos
portifólios.
Convém ainda ressaltar dois aspectos essenciais do ponto de vista da mediação tecnológica, objeto
deste texto: 1) os materiais didáticos produzidos têm como diretrizes curriculares a proposta do Estado
brasileiro, ou seja, está em sintonia com os Parâmetros Curriculares Nacionais para a educação básica
brasileira (Brasil, 1997) e 2) estão direcionados para a perspectiva curricular transversal, em especial aquela
referente ao meio ambiente. Portanto, os materiais didáticos produzidos além de supradisciplinares, são
também multidisciplinares, embora reconheçamos os caracteres disciplinares da formação escolar-
universitária dos professores e da própria estrutura curricular da escolaridade básica brasileira, onde atuam
cotidianamente.
Para que os alunos possam perceber o binômio conflitos socioambientais (problemas ou situações-
problema) e ações positivas (soluções existentes), sugere-se ao professor que distribua, para cada aluno,
um par de portifólios, correspondendo ao portifólio de conflitos socioambientais o respectivo portifólio de
ações positivas. Os encaixes nos portifólios, em formato de quebra-cabeça, facilitam a visão do conjunto ao
colocá-los lado a lado.
Cabe ao professor mostrar que as soluções apresentadas nos portifólios de ação positiva
apresentam um nível de elaboração conceitual não encontrado nos portifólios de conflitos socioambientais.
Por exemplo, conceitos como biodiversidade, espécies, fauna, populações, só aparecem no portifólio de
ações positivas, assim como o nome científico das espécies.
Assim, o professor precisa esclarecer aos alunos sobre a existência de nomes científicos para a
identificação das espécies, que pode chegar inclusive a subespécie, como aparece no portifólio de Espécies
da Fauna Ameaçada de Extinção – Bioma Campos Sulinos, em que o leão-baio (Puma concolor
capricornensis) é diferenciado de outra subespécie, também constante da lista de espécies ameaçadas de
extinção que ocorre no nordeste do Brasil (Puma concolor greeni).
O professor pode ainda trabalhar com a turma toda e construir com os alunos, uma matriz para a
visualização do conjunto dos portifólios, alcançando uma visão de totalidade e integração tema-bioma.
Precisa-se de um pedaço retangular de papel pardo medindo pelo menos 240 cm por 155 cm, para fazer
uma matriz (tabela) com sete colunas representando os biomas e seis linhas representando os temas.
Pendure o papel pardo na parede da sala, e peça para os alunos colocarem os portifólios nos locais
corretos, ou seja, em cada elemento da matriz. Lembre-se de não usar cola ou fita adesiva para pregar os
portifólios no papel pardo, pois isso pode danificar os materiais didáticos. Faça dois cortes em cada
elemento matricial, em diagonal, um no canto superior esquerdo e outro no canto inferior direito. Encaixe a
ponta de cada portifólio nestes cortes, para eles ficarem firmes, sem cair. As fendas no papel pardo
funcionam como cantoneiras (Figura 1). Pode ser uma ótima oportunidade para trabalhar o conceito de
matriz, integrando um conceito matemático essencial, mas de difícil compreensão da maioria dos
estudantes.
FIGURA 1
Exemplo da matriz em papel pardo com o detalhe das cantoneiras para fixação dos portifólios
Ao visualizarem o conjunto dos portifólios, os alunos poderão perceber que alguns problemas são
comuns a mais de um bioma e repercutem em temas diferentes e outras vezes em semelhantes, tais como
a derrubada da mata nativa ou o tráfico de animais silvestres. Poderão perceber que em algumas destas
situações as soluções adotadas (ações positivas) são as mesmas e que em outras são diferentes. Além
disso, poderão ter uma idéia das interfaces entre os diferentes problemas (conflitos socioambientais), e que,
em alguns casos, algumas soluções (ações positivas) ultrapassam os limites dos biomas. Busca-se, desta
forma, especialmente com essa última estratégia, romper com o paradigma da fragmentação e
parcialidade, para alcançar a visão do todo articulado, bem como o princípio de construção do material
didático que manipularam (a integração tema-bioma, e o tratamento justo e eqüitativo de cada tema e cada
bioma). A questão da abordagem por igual de todos os temas e todos os biomas ganha relevância se
levarmos em consideração que a maioria dos livros didáticos, quando trata dos biomas, dá destaque
apenas aos biomas Mata Atlântica e Amazônia, e do ponto de vista dos temas prioritários do PROBIO,
costuma tratar superficialmente dos temas biodiversidade brasileira.
Para finalizar, dois destaques são indispensáveis: 1) embora os quarenta e cinco pares de portifólios
conflitos-ações possam à primeira vista, fragmentar a totalidade “meio ambiente” a ser problematizada,
lembramos que o movimento fragmentação-totalização é a maior característica do afazer científico-
tecnológico em todas as áreas do conhecimento e 2) entendemos que o diálogo-problematizador,
necessário à inserção de professores e alunos na esfera da conscientização dos conflitos socioambientais e
ações positivas, nos escopos da biodiversidade e transversalidade curricular meio ambiente, tem mais
Bibliografia
BRASIL: Decreto 4.339/2002, de 22 de agosto de 2002, que institui princípios e diretrizes para implementação da Política
Nacional da Biodiversidade.
—: Lei 9.985/2000, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.
—: Lei 9.795/99, de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental.
— (1997): Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros
curriculares nacionais. Secretaria da Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 126 pp. <http://www.mec.
gov.br>.
DE BASTOS, F. P. (1995): Pesquisa-ação emancipatória e prática educacional dialógica em ciências naturais. São Paulo:
Faculdade de Educação-USP (Tese de Doutorado), 200 pp.
FREIRE, P. (1969): Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra.
— (1967): Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
— (1988): Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra.
FRIEDMAN, J. (1992): Empowerment: the Politics of the Alternative Development. Cambridge: Blackwell Publishers, 196 pp.
GRABAUSKA, C. J.; DE BASTOS, F. P. (1998): “Investigação-ação educacional: possibilidades críticas e emancipatórias na
prática educativa”, in: Heuresis – Revista Electrónica de Investigación Curricular y Educativa, vol. 1, n.º 2,
http://www2.uca.es/HEURESIS.
MMA. (2002): Biodiversidade brasileira: avaliação e identificação de áreas prioritárias para a conservação, utilização
sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade nos biomas brasileiros. Brasília: MMA/SBF, 404 pp.
PINTO, C. (1998): “Empowerment: uma prática de serviço social”, in: BARATA, O . S. (org.): Política Social. Lisboa: ISCSP, pp.
245-277.
SAITO, C. H. (2001): “Por que investigação-ação, empowerment e as idéias de Paulo Freire se integram?”, in: MION, R. A.
e SAITO, C. H. (org.): Investigação-ação: mudando o trabalho de formar professores. Ponta Grossa: Gráfica
Planeta, pp. 126-135.
— (2002): “Política Nacional de Educação Ambiental e construção da cidadania: desafios contemporâneos”, in:
RUSCHEINSKY, A. (Eds.): Educação ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, pp. 47-60.
SAITO, C. H., e SANTIAGO, S. H. M. (1998): Tema gerador e dialogicidade: os riscos de uma filiação ao liberalismo em
leituras diferenciadas de Paulo Freire. Estudos Leopoldenses, São Leopoldo/RS, vol. 2, n.º 3, pp. 71-80.