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Edição 1 770 - 25 de setembro de 2002

Entrevista: Gilles Lipovetsky


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Beleza Páginas Amarelas de VEJA
2000 | 2001 | 2002
Índice
Seções para todos
Brasil
Especial
Internacional Filósofo francês diz que ninguém precisa
Geral ser feio e que lutar para melhorar a
Guia
Artes e Espetáculos
aparência é ser dono do próprio corpo

colunas
Silvia Rogar
(conteúdo exclusivo para
assinantes VEJA ou UOL)
O francês Gilles Lipovetsky, 58 anos, é um dos nomes mais
Luiz Felipe de
criativos e polêmicos do pensamento filosófico
Alencastro
Gustavo Franco contemporâneo. Foi ativista dos movimentos que
Diogo Mainardi culminaram no maio de 1968, teve participação importante
Roberto Pompeu de na reformulação do ensino de filosofia na França e,
Toledo atualmente, trabalha para o programa europeu de
unificação escolar. Reconhecido como um intelectual
seções "sério", causou polêmica quando lançou O Império do
(conteúdo exclusivo para Efêmero, em 1987. O livro aborda a moda ocidental, de
assinantes VEJA ou UOL) sua criação, no século XIV, até o século XX. Para
Carta ao leitor Lipovetsky, o assunto não se encerra no vestir, mas está
Entrevista interligado ao bem-estar, ao consumo e à mídia. "Não é
Cartas possível compreender a evolução da sociedade sem dar
Radar importância à moda, à sedução, ao luxo", diz. Seu próximo
Holofote
livro, sobre o luxo, será lançado no ano que vem, na
Contexto
Europa. No início de outubro, ele estará no Rio de Janeiro,
VEJA on-line
Veja essa para o seminário "O luxo de cada dia". Na semana
Arc passada, Lipovetsky falou por telefone a VEJA, de sua casa,
Gente em Grenoble, na França.
Datas
Para usar Veja – Seu trabalho foi muito criticado quando o
VEJA Recomenda
senhor começou a se dedicar a temas considerados
Os livros mais
vendidos
fúteis, como a moda e o luxo. Isso foi em 1987. Hoje,
esses assuntos conseguiram lugar no meio
acadêmico?
arquivoVEJA
Lipovetsky – A academia, em particular sociólogos e
(conteúdo exclusivo para
historiadores, está mais aberta a essas reflexões. Ainda
assinantes VEJA ou UOL)
existe, no entanto, uma resistência muito forte. Está quase
Arquivo 1997-2002
no "código genético" da filosofia a crítica às aparências.
Reportagens de capa
2000|2001|2002
Mas a moda virou uma questão central na sociedade pós-
Entrevistas moderna. Não foi pelo lado frívolo que me dediquei ao
2000|2001|2002 assunto, e sim porque a moda hoje não se restringe ao
Busca somente texto vestuário. Ela rege outras esferas da vida, como o culto ao
96|97|98|99|00|01|02 corpo, o consumo e o bem-estar. Não dar lugar a ela é não
querer olhar de frente para o que é hoje a nossa
sociedade.
Crie seu grupo
Veja – Quinze anos depois, que conceitos de O
Império do Efêmero o senhor reviu?
Lipovetsky – Naquela época, eu queria manifestar minha
revolta contra a demonização do consumo e da mídia.
Mantenho a opinião de que eles não são os demônios de
nossos tempos. Mas hoje estou mais sensível aos aspectos

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negativos do império do efêmero. O principal é que ele cria


um paradoxo: quanto mais a sociedade se volta para o
espetáculo, para a frivolidade, mais aumentam sua
ansiedade, angústia e depressão. Estou mais sensível
também à pobreza e às desigualdades sociais, questões
que não abordei em 1987. São problemas criados por
regras econômicas do mundo moderno e agravados pela
omissão do Estado. Mas a sociedade regida pelo efêmero
contribui para mantê-los.

Veja – Quais seriam os demônios de hoje?


Lipovetsky – Não acho que devemos apontar um só
culpado pelos problemas atuais. Hoje, quando falamos
nesse assunto, surge imediatamente a palavra globalização
como a síntese de todos os males. Mas devemos discutir
seus diferentes efeitos. Estamos numa época em que todos
os modelos radicais perderam credibilidade. Não
precisamos de mudanças drásticas nas grandes questões
do mundo atual. O importante é fixar regras dentro de um
mundo aberto.

Veja – Nesse mundo aberto, a moda deixou de ser


algo que define marcadamente classes sociais, como
acontecia no passado. Houve uma democratização do
supérfluo?
Lipovetsky – Incontestavelmente sim, se tivermos como
referência o nascimento da moda no Ocidente, na segunda
metade do século XIV. No início, a moda só dizia respeito a
um mundo muito pequeno, à corte. Depois ganhou a alta
burguesia e, desde o século XVIII, outras camadas
burguesas. Ao longo do século XX, sobretudo em sua
segunda metade, a percepção do supérfluo como um ideal
de consumo estendeu-se por toda a sociedade ocidental.

Veja – Isso não é contraditório com a constatação de


que a desigualdade mantém-se e acentua-se no
mundo de hoje?
Lipovetsky – Não digo, evidentemente, que houve uma
democratização do acesso ao consumo, mas sim a
massificação de um ideal de consumo. Nos bairros mais
pobres, por exemplo, os jovens querem e fazem sua
própria moda. A grande mudança é que, na organização
social anterior, as camadas populares se conformavam com
a sua posição, existia pouca vontade de mudar. A
sociedade de consumo legitimou o ideal de viver melhor. O
poder de compra continua dividido, mas o desejo de
melhorar de vida é hoje praticamente universal.

Veja – Quando a burguesia passou a imitar o


vestuário da nobreza, as cortes tentaram criar leis
para impedir as cópias. Hoje, boa parte das grifes de
luxo têm marcas secundárias, com preços mais
baixos. Qual é o fenômeno por trás disso?
Lipovetsky – A nobreza tinha interesses nacionais, como,
por exemplo, impedir o uso de ouro nas roupas para não
diminuir suas reservas do metal – além, é claro, de deixar
explícita sua superioridade em relação aos plebeus. Hoje, a
estratégia é diferente. Criou-se um luxo intermediário. São
produtos lançados por grifes caras porém acessíveis a uma
parcela maior da população. Não deixa de existir a
diferença de status. Mas é inegável que houve uma
democratização da oferta do luxo.

Veja – Quais são os principais objetos de desejo nesse


novo padrão de consumo?
Lipovetsky – Em primeiro lugar, a comunicação, através
de seus novos objetos, como computador, acesso à
internet, telefones celulares. Hoje, o bem-estar está
associado à mobilidade, ao acesso à informação e à
rapidez. O que seduz na comunicação passa, cada vez
mais, por tudo que acelera as coisas, pela possibilidade de
estar conectado com o externo, com os outros. No outro
grupo, estão os objetos de sedução ligados ao corpo e à
saúde. Existe uma verdadeira obsessão pela saúde e tudo
que contribui para nos tornar mais jovem e em forma.
Uma alimentação mais saudável exerce uma sedução muito
forte nos consumidores. É um novo padrão, em que a

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saúde e a segurança ocupam lugar de destaque. Um forte


argumento de venda de carros de luxo, por exemplo, são
os sistemas de proteção ao corpo, como o air bag e os
mecanismos contra roubo.

Veja – Com a globalização da indústria da moda, o que


deve mudar no vestuário? Há como preservar
identidades ou vamos assistir a uma pasteurização
total?
Lipovetsky – No século XIX e até a primeira metade do
século XX, a moda era mais artística. Na época de
globalização, é necessário ter um bom faturamento, sem
riscos. Hoje, escuta-se mais o que as pessoas querem
usar. A maior parte da indústria da moda em todo o
  mundo observa o que o consumidor quer e produz dentro  
dessa demanda. Isso não significa pasteurização. As
pessoas se vestem de forma muito parecida, mas não
podemos dizer que não há individualidade. Hoje, o
individualismo é escolher, dentro da oferta, o que mais
agrada. É mais psicológico que estético. O mais provável é
que teremos uma moda de qualidade, mas com pouca
audácia de estilos.

Veja – É isso que explica o declínio da alta-costura?


Lipovetsky – Exatamente. A alta-costura foi o pólo maior
da moda moderna. Nos anos 20, chegou a representar
15% das exportações da França. Agora, não é mais o vetor
principal de criação. Isso acabou. O mercado de luxo é
dominado por marcas como Calvin Klein, Armani. Fazem
roupas caras, que no entanto não são um luxo impensável.

Veja – O senhor disse recentemente que fica difícil,


hoje em dia, distinguir o que está na moda ou fora
dela. Não existe mais uma imposição no vestir?
Lipovetsky – A oposição entre o que "está na moda" e
"fora de moda" continua muito forte no mundo
adolescente, e quase exclusivamente nele. Quase não
existe fora dessa faixa etária. Acabou a tirania na forma de
vestir. Antes, se a nova moda fosse a minissaia, quem
usasse um modelo longo estaria fora dos padrões. Hoje
podemos ter uma tendência da saia mais curta, mas quem
vestir um longo não se sentirá forçosamente fora da moda.
Existe uma multiplicação de estilos, um vestuário mais
flexível.

Veja – Mas as mulheres continuam submetidas à


ditadura da aparência.
Lipovetsky – Sim. O vestuário foi substituído pela
ditadura da magreza e da juventude. A ansiedade que
domina as mulheres quando estão gordas ou com celulite
mostra essa tirania. Antes, as filhas sonhavam em se
parecer com suas mães, queriam usar roupas parecidas.
Hoje, acontece exatamente o contrário, as mães é que
desejam ter a aparência mais jovem. Estar em forma e não
envelhecer é a obsessão número 1 de hoje.

Veja – A que o senhor atribui essa mudança?


Lipovetsky – O corpo passou a ter outro valor na
sociedade democrática e tecnológica, que recusa a
submissão ao destino. Na sociedade tradicional, a beleza
era considerada um dom. Se você não nascia belo,
restava-lhe a resignação. Agora, num universo
individualista, o que dá grandeza ao homem é não se
acomodar. Quem é gordo ou narigudo pode fazer dieta,
plástica e ficar bonito. Você pode lutar ou pagar para ser
belo. Não deixa de ser um paradoxo. A imposição da
magreza, ao mesmo tempo que atinge indiscriminadamente
todas as pessoas, é também uma forma de o indivíduo
tomar posse do próprio corpo. A tirania da beleza pode
oprimir, mas permite que a mulher se mantenha jovem e
sensual por mais tempo.

Veja – Até agora, falamos do sexo feminino. No


entanto, nos últimos anos, a preocupação masculina
com a aparência só fez crescer. Como se comporta
esse homem vaidoso?
Lipovetsky – A partir da década de 60, o homem passou a

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olhar mais para a moda e para seu corpo. Isso é uma das
manifestações do aumento do individualismo: a
preocupação consigo mesmo. A vaidade masculina cresceu
junto com a valorização do lazer, do esporte, de uma vida
saudável. É diferente da vaidade feminina. O homem quer
estar bem de uma forma global, seu cuidado é mais em ter
um corpo saudável. Ele só tem preocupações estéticas
específicas quando os cabelos começam a cair ou a barriga
está grande demais. Enquanto isso, a mulher se apega ao
detalhe. Ela pode ser linda mas ficar insatisfeita com a
pálpebra ou com seu ombro. Quando está 2 quilos acima
do peso, já corre para fazer dieta. Ela se observa
permanentemente.

Veja – Por que essa obsessão?


Lipovetsky – Porque o belo continua sendo um atributo
mais feminino que masculino. É algo que vem da
Renascença, quando a beleza era sagrada e, para
preservá-la, a mulher ficava condenada a um papel
limitado, doméstico. A sociedade de consumo e o
movimento feminista mudaram esse quadro, mas a mulher
não deixou de ter uma identidade visceralmente ligada à
estética. Ela pode ocupar cargos importantes, ganhar
dinheiro, mas continua investindo na aparência. A diferença
fundamental é que, agora, a beleza não restringe mais sua
ação.

Veja – Num de seus estudos mais recentes, o senhor


escreveu que esta nova mulher não se deixa mais
encantar pela conquista no estilo Don Juan. A grande
arma de sedução masculina, em sua opinião, estaria
em ser divertido, ter senso de humor. Não parece
pouco?
Lipovetsky – Parece pouco, sim, mas é o que mais
aparece nas pesquisas feitas com as mulheres hoje. O
senso de humor está ligado à inteligência e tem boa
receptividade numa sociedade que valoriza o lazer e o
bem-estar. É uma característica que faz a mulher sentir-se
tratada como um ser igual, e não como um objeto sexual.
A palavra que o homem dirige a ela tornou-se muito
importante. Há outra mudança notável: não se começa
mais uma relação falando de amor, como no estilo Don
Juan. Primeiro, os dois se conhecem com um espírito
apenas de comunicação, de contato, não de sentimento
amoroso.

Veja – E na política? Que papel tem a moda na


sedução do eleitor?
Lipovetsky – A moda é usada na comunicação política de
maneira mais ampla que a simples forma de vestir. Faz
parte de um processo que tornou o discurso mais acessível,
passou a mostrar os candidatos em situações mais
cotidianas, para atingir mais as pessoas durante a
campanha. Isso nasceu para tornar a propaganda eleitoral
mais interessante. Mas a tendência da sociedade
contemporânea continua a ser de desconfiança, de
distância da política. Ou seja, a lógica da moda, da
sedução e do consumo não atrofiou o senso crítico dos
cidadãos.

Veja – Mas a imagem continua sendo importante,


não? No Brasil, o candidato que lidera as pesquisas,
Luís Inácio Lula da Silva, mudou o discurso, mas
também aparou a barba, cortou o cabelo, passou a
usar ternos bem cortados...
Lipovetsky – Com certeza, a preocupação com a
aparência contribuiu para sua imagem, mas o mais
importante foi a mudança de suas posições, agora mais
moderadas. Ele atenuou o discurso em relação ao FMI e à
globalização, por exemplo. As razões que levam um
candidato à Presidência de um país passam longe da
simples aparência. A maioria dos políticos, aliás, não é
particularmente sedutora. Veja José María Aznar (primeiro-
ministro espanhol) ou George W. Bush. Não são pessoas
propriamente preocupadas com moda.

Veja – O senhor se considera uma pessoa preocupada

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com moda? Gosta de grifes?


Lipovetsky – Os filósofos hoje não têm mais aquela
imagem de que vivem fora do mundo, que não se
preocupam com coisas materiais. Mas não me preocupo
com marcas, que são apenas instrumentos para dar
segurança ao consumidor de que está adquirindo um
produto de boa qualidade. Sou um consumidor
absolutamente banal.

 
   
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