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Simone Almeida e a separação entre

astrologia e astronomia na obra de


Alvaro Gutiérrez de Torres
1
terça-feira, 10 de outubro de 2017.
PERFIL
Idade Média, astronomia, pesquisa, pesquisadora, Programa Nacional de Apoio à
Pesquisa
O projeto de Simone Ferreira Gomes de Almeida como bolsista do Programa de Apoio
à Pesquisa da Biblioteca Nacional consiste na Edição e interpretação de ‘El sumario
de las maravillosas y espantables cosas que en el mundo han acontescido’, de Alvaro
Gutiérrez de Torres, obra que data do século XVI.

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Simone
Ferreira Gomes de Almeida: bolsista do Programa de Apoio à Pesquisa da Biblioteca
Nacional e doutora em história social da cultura pela Unesp.

A doutora em história social da cultura pela Unesp (campus de Franca) está traduzindo


para o português o livro El Sumario de las maravillosas y espantables cosas que en el
mundo han acontescido, de Alvar Gutiérrez, livro que pertence ao Acervo de Obras
Raras da Biblioteca Nacional. Publicado por um magistrado de Toledo (Espanha) em
1524, o livro discute a separação de astronomia (“ciência”) e astrologia (“prática
supersticiosa”), questão que era extremamente relevante para os letrados do século XVI.

Um dos pontos fundamentais de sua pesquisa é tratar a Ciência (considerada uma


entidade suprema que estabelece regras rígidas) como um objeto fascinante de estudo
histórico. De acordo com a pesquisadora, “a mudança de padrões científicos, daquilo
que se considera verdade, a partir das relações com o tempo e com sociedades diversas,
é um campo vasto e interessante de estudo para o pesquisador”.

Os estudos (“científicos”) do período em questão consagravam a astronomia a serviço


da náutica e da determinação climática. Esse é o caso das obras Sphera del Universo, de
Gines Rocamora y Torrano, Compendio de la arte de navegar, de Rodrigo
Zamorano, Breue compendio de la sphera y de la arte de nauegar, de Martin
Cortés, Repertório dos tempos, de Andre do Avelar, a Chronographia, de Manuel de
Figueiredo, e o Tratado de mathematicas en que se contienen cosas de arithmetica,
geometria, cosmographia, y philosophia natural, de Juan Perez de Moya – todas elas
presentes no Acervo de Obras Raras da Biblioteca Nacional e que também serão objeto
do estudo de Simone.

O Sumário, de Gutiérrez de Torres, considerado um livro de miscelâneas, apresenta


matéria astrológica que estava sendo negada ou ignorada na maioria dos escritos sobre
astronomia. A obra trata de casos impactantes, como a previsão do devastador dilúvio
de 1524 e suas consequências, tendo como amparo em sua narrativa a recorrência a
princípios de astronomia, filosofia e teologia, bem como aos escritos clássicos de Plínio
e Aristóteles. O escrito explanou sobre os saberes que compunham um universo para
aprimorar as virtudes dos cristãos. Dessa forma, a memória escrita desses saberes,
ilustrada por alguns casos surpreendentes, é a trilha principal a ser seguida nesta
pesquisa para entender parte do saber sobre o céu no século XVI.

Simone Ferreira Gomes de Almeida tratou em sua tese de doutorado – Influxos do Céu
na existência dos homens. Os escritos astrológicos na Península Ibérica (séculos XIII,
XIV e XV) – das formas de desvendamento dos segredos celestes, analisando os
prognósticos sobre variados aspectos da vida dos ibéricos, questões que envolviam a
saúde, a batalha, o futuro da dinastia e demais decisões do cotidiano. Dissertou também
sobre o estatuto do saber das estrelas, ao identificar os sábios que se dedicaram a esses
estudos. O trabalho financiado pelo CNPq será publicado pela editora UNIFESP. Desde
sua iniciação científica, Simone trabalha com pesquisa em Idade Média, sobretudo no
que diz respeito a escritos dos reinos ibéricos, como tratados, crônicas e almanaques.
Ela também participa do grupo temático Escritos sobre os Novos Mundos: uma história
da construção de valores morais em língua portuguesa.
Simone Ferreira Gomes de Almeida: bolsista do Programa de Apoio à Pesquisa da Biblioteca Nacional e
doutora em história social da cultura pela Unesp.

Acesse

Livro 'A figura do herói antigo nas crônicas medievais da Península Ibérica
(séculos XII e XIV)' no sítio da Editora UNESP.
ALGUMAS FAMÍLIAS MINEIRAS, TRADIÇÕES E COSTUMES
Postado por Marcelo M. Guimarães
Com dissemos, anteriormente, as Minas Gerais de ouro, esmeralda e diamantes
atraíram os judeus e cristãos-novos, que vieram dos estados do norte brasileiro,
de Portugal e de outros países, como Espanha e Itália.

O grande fato é que o elemento judeu deixou um relevante legado no


caldeamento étnico do Brasil colônia. Por isso, o tronco étnico do povo brasileiro
é riquíssimo e, pode até ser considerado um fenômeno, a miscigenação de raças
e costumes.

O escritor Manuel Diegues Júnior expõe no seu livro “Regiões Culturais do Brasil”o
seguinte parágrafo:…”A esses grupos portugueses ou lusos brasileiros ou, pelo
menos mestiços com algum sangue português, ajuntaram-se os estrangeiros que
foram em grande número nas Minas. À presença deles já se referia Antonil:
confirmam essa participação as modernas pesquisas do Professor Manuel Cardoso.
Embora não sendo em grande número, segundo informa o professor Cardoso,
exerceram os estrangeiros, influência significativa na economia e na vida social
da região. E, acrescenta Gilberto Freire que tudo parece indicar teriam sido esses
estrangeiros, principalmente, negociantes, usuários ou intermediários, vários
Deles judeus ou israelitas. De judeus sabe-se que foram numerosos os que
apareceram e fixaram em Minas Gerais. Augusto de Lima Júnior, no seu estudo
sobre Minas, localizou as maiores aglomerações de judeus: Paracatu, Serro Frio,
Sabará, Pitangui, aredores de Ouro Preto e Mariana. O que não exclui outros
pontos, ou todos os pontos mineiros por onde se espalharam como donos de
comércio, rancheiros, compradores de ouro de contrabando, cambueiros de
negros e ambulantes mascates. Chegaram os israelitas a constituir verdadeiros
guetos, ainda hoje reconhecidos pela inexistência de capelas, em suas ruínas.
Através de casamentos com portuguesas ou lusa-brasileiras, acabaram-se
diluindo-se na população, inclusive participando de irmandades religiosas…”(1)

Segundo a autora do livro “A Inquisição em Minas Gerais”, Neusa Fernandes, da


Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, podemos ver claramente
através do seu trabalho de pesquisa junto a cartórios, documentos antigos, etc. a
relação de algumas das cidades mineiras e seus moradores registrados como
cristãos-novos no período de 1712 e 1763. (Devido ao volume de nomes e
sobrenomes, gostaria apenas de citar as cidades e os sobrenomes que foram de
maior ocorrência).

Em Brumado: a família Azevedo.

Em Cachoeira: Pereira da cunha, Fernandes de Matos, Rodrigues, Moreira,


Henriques, Nunes e Sanches.

Em Caeté: Nunes Ribeiro, Bicudo, Barros e Fonseca.

Em Catas Altas: Ferreira Izidro (Isidoro), Pereira Chaves.

Em Congonhas do Campo: Moraes e Oliveira.

Em Córredo do Pau das Minas de Arasualhy: Pereira, Ávila e Fernandes Pereira.


Em Curralinho: Miranda, Roiz, Rodrigues, Nunes, Henriques, Lopes Álvares,,
Mendes e Mendonça.

Em Diamantina (antigo Tijuco):Ribeiro Furtado, Fernandes, Dias Correa,


Rodrigues e Nunes.

Em Fornos: Rodrigues Cardoso.

Em Itaperava: Sá Tinoco.

Em Minas de Arassuahi: Fernandes Pereira, Costa e Silva e Henriques.

Em Em Minas Novas de Fanados: Lara, Fonseca da Costa e Ferreira.

Em Minas Novas de Paracatu: Ribeiro Sanches, Henriques, Nunes e Britto


Ferreira.

Em Ouro Branco: Lopes.

Em Ouro Preto (antiga vila Rica): Miranda, Fernandes, Pereira, NunesGomes,


Fróes, Rodrigues, Moraes, Costa, Cruz, Mendes, Almeida, Vale, Roiz e Martins.

Em Parapanema: Afonso e Miguel.

Em Pitangui: Pereira da cunha, Rodrigues, Roiz, Nogueira, Silveira,Bicudo e


Henriques.

Em Ribeirão do Carmo (Mariana): Miranda, Almeida de Sá, Dias Fernandes,


Rodrigues Pinto, Roiz, Cardoso, Pereira Chaves, OliveiraMattos, Pereira da Cunha
e Mendes.

Em Rio das Mortes: Miranda, Azevedo, Vale, Machado Coelho, Pereira de Araújo,


Lara, Nunes Alves, Benar, Vizeu

Em Sabará: Miranda, Oliveira, Matos Henriques, Lucena Montarroio,Rodrigues


Pinto, Nunes de Almeida, Henriques, Ferreira, Costa, Mendes de Sá e Ferreira
Isidoro.

Em São Caetano: Rodrigues.

São Jerônimo: Rodrigues de Faria.

Em Serro Frio: Cunha, Medanha Sottomaior, Sá de Almeida, Fernandes Pereira,


Ribeiro Furtado, Gomes Nunes, Costa Pereira, Lopes de Mesquita, Paes Barreto.

Em Sumidouro: Fróis

A relação das cidades e sobrenomes acima constitui apenas um exemplo dos mais
evidentes, não significando necessariamente, que não existam outros sobrenomes
utilizados pelos cristãos-novos, bem como em outras localidades. Da mesma
forma, não quer dizer que todo sobrenome Fernandes, Oliveira ou Pereira sejam
necessariamente também de cristãos-novos.

TRADIÇÕES E COSTUMES

Antes de abordar o tópico acima, gostaria de mencionar um pouco algumas


semelhanças antropométricas do povo interiorano mineiro citado por Elias José
Lourenço em seu livro “Judeus: os povoadores do Brasil colônia” (2), tais como:
…” face longa e estreita (cara de cavalo; alcunha feita aos mineiros em
referência ao aspecto físico da face longa e estreita). O índice cefálico nos deixa
a primeira impressão de dolicocefalia; cabelos e olho, quando não escuros, são
castanhos; a estrutura no geral é pequena: entre 1,60 e 1,68metros. O nariz
perdeu muito da convexidade, mas não deixa de ser leptorrino na maioria dos
casos. É claro que a estereotipagem de um perfil humano é levado por via da
antropometria não deixa de soar ridículo, principalmente, quando se refere aos
povos do novo mundo, ainda mais se tratando do povo brasileiro, uma raça tão
miscigenada. Mas, em resposta aos argumentos e tendências racista de certos
historiadores legaram para a história do elemento povoador e colonizador do
Brasil, às vezes, é preciso o extremo de usar as mesmas táticas para mostrar
exatamente a outra face de verdade outrora falseada da nossa história.

Sobre o aspecto étnico-cultural do mesmo povo supra citado, os mineiros


descendentes dos emboabas, reinóis e numerosos pernambucanos e baianos
chegaram para as Minas Gerais pelos caminhos do São Francisco, não é difícil
identificar muitas semelhanças com a cultura e com alma do povo judeu;
trocadilhos estabelecidos para os mineiros dando-lhes características, tais como:
“todo mineiro é pão duro”… ou diz-se ser “o mineiro não abre a mão nem para
dar tchau”…, são formas de caracteriza-los como semíticos, ou uma forma bem
humorada da identificação entre as diversas culturas, longe de serem expressões
pejorativas. O fato é que a alcunha de pão-duro é empregada a dois povos aqui
no Brasil: Aos mineiros e aos judeus. Seria esta mesma identificação uma herança
étnica que os mineiros herdaram dos judeus e cristãos-novos, quando cresceu o
afluxo destes para a região de Minas no final do século XVII e começo do século
XVIII?”
Dentro de alguns costumes, eu mesmo me lembro bem de meus antepassados que
viveram no interior de Minas, como:

- Tradição de casamento com consangüíneos por longas gerações, desde os


tataravôs, bisavós, avós e pais. Era comum so pais escolherem o noivo ou a noiva
para seus filhos;

- Tradição de seguir as fases da lua (Salmos 104:19), correlacionando-as com o


ciclo agrícola. Para quem não sabe isto é bíblico, como por exemplo a Festa da
Lua Nova (Colossenses 2:16) para marcar a entrada do novo mês. O calendário
judaico segue o sistema lunar e não o calendário solar reajustado por São
Jerônimo.;

- Deixar um resto de grãos nas lavouras para os pobres catarem ou colherem é


também uma tradição bíblica e judaica;
- Tradição e costume de não jogar nada fora e aproveitar tudo, não havendo
desperdício de nada. É uma tradição do povo judeu;

- Fama de usurário. Isto é, praticar o ato de usura, abrangendo não só o lado


comercial de empréstimos financeiros, mas também de objetos e coisas. Desde a
Idade Antiga, os judeus se destacaram entre os outros povos pelo o empréstimo
de dinheiro. Na Idade Média, na Espanha, eles detinham o poder e o controle
econômico. São considerados os primeiros banqueiros;

- A atração por comércio e por pedras preciosas, destacando o ouro e prata. Este
foi uns dos motivos que eles vieram para as Minas Gerais. Acabaram por aqui
ficando e se interiorizando. Por isso, houve concentração deles nos arredores de
Ouro Preto, Mariana, Ponte Nova, etc. localizando-se mais tarde na zona da mata
Mineira;

- Se comparados com seus vizinhos, se destacavam-se pelo excesso de trabalho,


ganância e por sua inteligência;

- Faziam questão de manterem-se unidos, herdando a tradição de celebração de


festas em família. Educavam-se seus filhos nos melhores colégios, normalmente,
de irmandades religiosas. Tal costume é muito antigo, desde o tempo da
perseguição inquisitória em Portugal. A fim de despistar sua identidade judaica,
afirmando-se que eram verdadeiros cristãos-novos, colocavam seus filhos em
escolas católicas;

- Mesmo quando se ocupavam do comércio e da agricultura, mantinham certos


traços de fina educação e cultura. Era costume da época também contratar
professores e mestres particulares para educação dos filhos. Gostavam de andar
bem vestidos e compravam suas roupas importadas ou nos grandes centros
comerciais, como na cidade do Rio de Janeiro. Sempre e até hoje os judeus se
destacam na medicina, física, astrofísica e na ciência em geral;

- Ninguém pode negar a religiosidade do povo mineiro. Embora eu defendo a tese


que a maioria dos descendentes de cristãos-novos nunca foram realmente
católicos praticantes. Eram um povo de fé, mas não santos e nem imagens. No
judaísmo o ato de idolatria, segundo a bíblia, é totalmente abominável a D-us.
(Êxodo 20:3-5). Mas algumas tradições como pedir a benção aos pais na hora da
saída e chegada em casa era até pouco tempo atrás uma boa tradição mineira.
Pedir benção e abençoar é uma típica tradição bíblica e judaica;

- Passar a mão na cabeça no sentido de perdoar, acarinhar ou igonorar uma falta


de alguém, é também um tipo de benção judaica;

- Varrer a casa da porta para dentro é um costume arraigado até os dias de hoje;

- Matar o animal sangrando, isto é, drenando todo o sangue. Um dos


mandamentos mais praticados no judaísmo é não comer sangue (Levítico 7:26;
Deteuronômio 12:16; Atos 15:20, etc.). Este costume não era observado pelos
povos pagãos;
- Passar o mel na boca. É também uma tradição judaica, pois na circuncisão o
rabino passa mel na boca da criança para evitar o choro;

- Lavar os mortos era um costume dos mineiros interioranos;

- Jogar um punhado de terra sobre o caixão quando este é descido à sepultura;

- O famoso “D-us te crie”após o espiro de alguém é uma herança judaica da frase


“Hayim Tovim”, que pode ser traduzido como boas Vidas;

- Jurar pelo eterno descanso de uma pessoa morta querida, como jurar pela alma
de meu pai, minha mãe, ainda é um reduto do povo hebreu;

- É muito comum o hábito sertanejo, antes de beber, derramar parte do copo ou


do cálice para o “santo”. Na verdade esta tradição tem origem no rito milenar
hebreu de reservar na festa de Pessach (Páscoa) um pouco do vinho para o
profeta Elias.O ato de derramar uma porção da bebida se chama libação;

- Uso da barba cerrada sempre foi o costume judaico. Embora também ter sido
este costume muito freqüente no período colonial;

- Evitavam trabalhar aos sábado. Era o dia do banho bem tomado, quando
vestiam roupas novas;

- O uso da expressão “que massada!” é muito usada pelos mineiros para explicar
uma tragédia em alusão a fortaleza de Massada, perto do Mar Morto, quando após
a expulsão dos judeus nos anos 70 d.C., os zelotes habitaram nesta fortaleza,
quando no final de dois anos, cometeram suicídio em massa para se livrarem de
cair nas mãos dos romanos. Esta história é retratada pelo historiador da época,
Flávio Josefo;

- O emprego do termo “Siza”vem do hebraico “sizah”quando vai se pagar o


imposto. Isto é, pagar a siza;

- Entrar e sair pela mesma porta para trazer felicidade;

- Emprego do verbo “judiar” vem do tempo da Inquisição, quando maltratavam e


perseguiam os judeus. Tem o sentido de torturar, atormentar;

- Fazer mezuras, ou reverência a “mezuzah” , estatuto bíblico(Deteuronômio 6:4-


9), quando [é ordenado aos judeus colocar uma caixinha de madeira nos umbrais
das portas, contendo um pedacinho do texto de Deuteronômio, quando se diz o
“Shemah Israel”;

- O termo carapuça, como, a carapuça serviu para fulano de tal é uma expressão
que vem da época da inquisição. Na idade média os judeus usavam chapéus
alongados ou de três pontas para se diferenciarem dos outros não judeus;
- Experimentar o fio da faca na unha do animal antes do abate, também é um
costume judaico;

- Lavar as mãos quer no sentido de inocência ou quer no sentido de higiene antes


as refeições são preceitos bíblicos e judaicos (Dt 21:6-7;Sl 73:13; Mt 15:2).

Estes costumes são claras evidências da influência judaica trazidas pelos cristãos-
novos que habitaram em Minas Gerais e ninguém pode negar estes fatos
históricos, ignorando-os.

Costumes dos Anussim nas tradições familiares


 
Do século XVI ao século XVIII, judeus portugueses foram forçados se converter ao Catolicismo. Eram
levados até pias batismais a força, muitas vezes até mesmo puxados pelas barbas. Esses judeus eram
chamados de “cristãos-novos”. Muitos desses judeus continuaram praticando Judaísmo escondidos,
apesar de na rua parecerem cristãos católicos. Esses, que continuaram mantendo costumes judaicos,
receberam o nome de “marranos” (palavra que significa “porco”). Com o passar do tempo e com a
militância do “Santo Ofício”, mesmo sob ameaças de tortura em porões de Igrejas e até mesmo de
morte na fogueira, eles preservaram suas tradições de uma forma adaptada, mas que ainda assim servia
para identificá-los como judeus.
 
Em 1500, o Brasil é descoberto e desde a chegada de Cabral e começam a vir ao Brasil judeus, que logo
ja eram milhares, que foram forçados a conversão no Cristianismo. Um a cada quatro com “nome
português”, era judeu. Grande parte do “povo brasileiro” de hoje descende destes judeus portugueses e
é possível encontrar milhares de descendentes diretos ou indiretos deles.
 
Em 1997, o Professor Eduardo Mayone Dias, professor emérito da Universidade da Califórnia (UCLA),
sugeriu uma lista de perguntas e de costumes que podem indicar uma possível origem judaica de uma
família. A lista obviamente é incompleta, pois não abrange todos os costumes possíveis. Na verdade
ainda há muito o que se acrescentar, embora boa parte dos principais costumes estejam listados. São
apresentadas aqui práticas possivelmente já esquecidas pelas tradições familiares no decorrer dos
tempos. Se você possui um sobrenome "português" (principalmente dos que constam em nossa lista de
"Sobrenomes usados por judeus da Inquisição"), compare tais práticas com as tradições de sua família,
se possível com a ajuda dos familiares mais antigos que possuir (pais, tios, avós, bisavós e outros
familiares mais antigos) e verifique sua  possível ascendência judaica.
 
Família
 Alguém, pai, avô, ou outro parente, já falou algo sobre a família ser de judeus?
 Alguém da família fala/falava alguma língua desconhecida? Parecia com o espanhol? Era
totalmente desconhecida?
 Algum parente evita ou evitava igrejas católicas? As Igrejas, mesmo católicas, que os familiares
frequentavam não tinham imagens? As Igrejas tinham divisão, com local para os homens e local
para as mulheres ficarem? Qual a relação dos familiares com a igreja católica e com os
membros do clero? (uma relação de aversão, ironia, chacota, raiva, desprezo pode indicar
origem judaica).
 Alguém da família participava de reuniões secretas, ou de encontros onde só homens ou só os
pais podiam ir? Ou de algum grupo de oração secreto?
 Os nomes bíblicos são/eram comuns entre os familiares?
 Era comum o casamento consangüíneo? Tataravós, bisavós, avós, pais ou familiares casaram
entre primos e/ou tio com sobrinha.
 
Ritos de Nascimento e Infância
 Colocar a cabeça de um galo em cima da porta do quarto onde o nascimento iria acontecer.
 Depois do nascimento, a mãe não deveria descobrir-se ou mudar de roupas durante 30 ou 40
dias. Ela deveria permanecer em repouso em sua cama, e afastada do contato com outras
pessoas, pois segundo a Lei, a mulher fica impura durante vários dias após um parto (Levítico
12). Parecida com esta prática é a de afastar-se do contato com o esposo no período menstrual,
em que também é considerada impura (Levítico 15. 19-33).
 Ainda durante esses trinta dias, a mulher só comia frango, de manhã, de tarde e de noite. Dava
“sustância”, força para a recuperação.
 Lançar uma moeda prateada na primeira água de banho do bebê.
 Dizer uma oração oito dias depois de nascimento na qual o nome do bebê é citado. Realizar a
circuncisão ou mesmo batizar o menino ao oitavo dia de nascido.
 Acender alguma vela ou lamparina no quarto onde o parto ia acontecer, porque o menino não
podia ficar no escuro até ser batizado (ou circuncidado).
 Logo após o batismo, raspar o óleo da crisma e colocar sal na boca da criança.
 
Ritos Matrimoniais
 Os noivos e seus padrinhos e madrinhas deveriam jejuar no dia do casamento.
 Na cerimônia, as mãos dos noivos eram envoltas por um pano branco, enquanto fazia-se uma
oração.
 Da cerimônia seguia-se uma refeição leve: vinho, ervas, mel, sal e pão sem fermento.
 Noivo e noiva comiam e tomavam do mesmo prato e copo.
 
Refeições
 A prática de jejuns era comum.
 Era proibido comer carne com sangue. Às vezes também se retiravam os nervos, com uma faca
especial para tal.
 O sangue caído ao chão no abate do animal era coberto com terra ou mesmo propositalmente
derramado todo ao chão e depois coberto com terra.
 A faca usada no abate de animais era testada na unha.
 Ovos com mancha de sangue eram jogados fora.
 Não se comia carne de porco, pois é considerada impura.
 Não era permitido cozinhar carne e leite juntos. Ás vezes esperava-se um tempo entre a
ingestão do leite e da carne.
 Comia-se apenas comida preparada pela mãe ou pela avó materna.
 Um menino jejuava durante 24 horas antes de completar 7 anos.
 Costumava-se beijar qualquer pedaço de pão que cai no chão.
 Era proibido comer carne de animal de sangue quente que não tivesse sido sangrado. Havia
certas restrições quanto aos tipos de peixe comestíveis: os peixes “de couro” (sem escamas)
não serviam para consumo, e às vezes só os peixes do mar podiam ser ingeridos. Moluscos e
mariscos também eram proibidos.
 
Costumes
 Acender velas nas sextas-feiras à noite.
 Celebrar a Páscoa, e jejuar durante a Semana Santa. As datas da Páscoa Cristã e da Páscoa
judaica freqüentemente coincidem.
 Limpar a casa nas sextas-feiras durante o dia.
 Era proibido fazer qualquer coisa na sexta-feira à noite (até mesmo lavagem de cabelo).
 Realizar alguma reunião familiar nas sextas-feiras à noite.
 Aos sábados, velas eram acesas diante do oratório e deveriam queimar até o fim do dia.
 Evitar trabalhar aos sábados. Sábado era o dia do banho bem tomado e de vestir roupas novas.
 Dizeres comuns: “O Sábado é o dia da glória”, ou “Deus te crie” (HayimTovim), para quando
alguém espirrava.
 Comemorações diferentes das católicas, como o “Dia Puro” (YomKippur) ou algum feriado de
Primavera. Era costume de alguns acender no Natal oito velas.
 Quando acontecia algo ruim, rasgavam-se as vestes.
 Um costume ainda muito comum hoje em dia era varrer o chão longe da porta, ou varrer a casa
de fora pra dentro, com a crença de que se o contrário fosse feito as visitas não voltariam mais.
Na verdade esta prática está ligada ao respeito pela Mezuzah (caixa com texto bíblico), que era
pendurada nos portais de entrada, e passar o lixo por ela seria um sacrilégio.
 Pedir a benção para os pais na hora da saída e da chegada em casa. Normalmente ao abençoar
um filho, neto ou sobrinho, costumava-se fazer com a mão sobre a cabeça.
 Como o dia judaico começa na noite do dia anterior, o início de um dia era marcado pelo
despontar da primeira estrela no céu. Então o sábado começava com o surgir a primeira estrela
no céu na sexta-feira. Se uma pessoa demonstrasse alguma reação publicamente com relação a
tal estrela, ela seria alvo de suspeitas. Um adulto consegue conter-se, mas uma criança não.
Então ensinava-se às crianças a lenda de que apontar estrelas fazia crescer verrugas nos dedos.
 Tradição de seguir as fases da lua (Salmo 104.19), correlacionando com o ciclo agrícola.
 Deixar restos de grãos nas lavouras para os pobres.
 Tradição de não jogar alimentos fora e aproveitar tudo.
 Prática de usura (empréstimos com juros), tanto em dinheiro como objetos e coisas. Atração
pelo comércio e por pedras preciosas (ex: ouro e prata). Destaque pelo excesso de trabalho,
ganância e inteligência.
 Mantinham-se unidos e transmitiam as tradições familiares aos filhos. Os filhos eram educados
e recebiam educação religiosa (costume antigo, com fim de despistar inquisidores). Em geral
eram religiosos, com fé, mas sem santos e imagens.
 Antes de beber, jogar um pouco de bebida para o santo (tradição com origem no vinho
derramado para Elias no ritual de Pêssach, a Páscoa Judaica).
 O uso de barba cerrada sempre foi um costume judaico.
 Uso de expressões como “Que massada” (uma fortaleza judaica que foi destruida), ou “pagar a
siza” (sizá é imposto em hebraico) ou “fazer mezuras” (reverência à mezuzah). Ainda
expressões como “a carapuça serviu”, que é referência aos chapéus usados por judeus na Idade
Média para diferenciar dos não judeus.
 Lavar as mãos antes de refeições, seja por pureza ou higiene.
 Uso de objetos como Estrela de Davi (estrela de 6 pontas), usada em paredes e em jóias,
algumas vezes era vista como amuleto.
 
Ritos Fúnebres
 Cobrir todos os espelhos da casa.
 Toda a água da casa do defunto era jogada fora.
 Cortar as unhas do defunto como também alguns fios de cabelo e envolver tudo em um pedaço
de papel ou pano.
 Lavar o corpo de um morto. Normalmente com água trazida da fonte em um recipiente novo,
que nunca tenha sido usado, e vestir o corpo em roupas brancas, as mortalhas.
 O corpo era velado durante um dia, e então uma procissão levava-o à igreja e de lá ao
cemitério.
 Jogar um punhado de terra sobre o caixão, quando esse era descido à sepultura.
 A casa então era lavada.
 Durante uma semana manter-se-ia o quarto do finado iluminado.
 A casa da família enlutada fechada ao máximo, durante uma semana, com incenso queimando
pelos cômodos. Quase ninguém entrava ou saía durante esse período.
 Os homens não se barbeavam durante trinta dias.
 Manter o lugar do defunto à mesa, encher o prato dele ou dela e dar a comida a um mendigo.
 Não comer carne durante uma semana depois de uma morte na família.
 Jejuar no terceiro e oitavo dia e uma vez a cada três meses durante um ano.
 Colocar comida perto da cama do falecido.
 Fazer a cama do falecido com linho fresco e queimar uma luz perto dela durante um ano.
 As parentes mulheres deveriam cobrir suas cabeças e esconder as faces com uma manta.
 Ir para o quarto do defunto por oito dias e dizer: "Que Deus te dê uma boa noite. Você foi uma
vez como nós, nós seremos como você".
 Passar uma moeda de ouro ou prata em cima da boca do defunto, e então dá-la a um mendigo.
Passar um pedaço de pão em cima dos olhos do defunto e dá-lo a um mendigo.
 Dar esmolas em toda esquina antes da procissão funerária chegar ao cemitério.
 Ter várias luzes iluminando em véspera de Dia Puro, em memória do defunto.
 Em algumas cidades havia o chamado “abafador”, que deveria ajudar alguém gravemente
doente a ir embora antes que um médico viesse examiná-lo e descobrisse que o enfermo é
judeu. O abafador, a portas fechadas, sufocava o doente, proferindo calmamente a frase
“Vamos, meu filho, Nosso Senhor está esperando!”. Feito o trabalho, o corpo era recomposto e
o abafador saía para dar a notícia aos parentes: “ele se foi como um passarinho...”.
 Jurar pelo descanso de um morto querido ou pela alma da mãe ou do pai.

COSTUMES JUDAICOS NO
NORDESTE BRASILEIRO
Costumes Judaicos no Nordeste Brasileiro

A mulher sefardita e a manutenção dos costumes

A área de influência da mulher sefardita (como de qualquer mulher) era a


esfera doméstica. Entretanto, não podemos absolutizar esta
característica, pois vários são os exemplos de mulheres judias que se
notabilizaram por suas atividades de donas de engenhos ou de
comerciantes, participando ativamente na gestão dos negócios da
família. No Nordeste o exemplo mais marcante é o de Branca Dias,
presa, condenada e deportada para o Brasil por práticas judaizantes, e
novamente deportada para Lisboa pela Inquisição pelos mesmos
motivos, mesmo depois de morta. A vida de Branca Dias flutua entre a
História e a lenda. Paraíba e Pernambuco reivindicam para si seu
domicílio. Entretanto, esta questão permanece inconclusa, visto que nos
primórdios da colonização estes dois Estados formavam uma só
capitania. Denunciada e presa pela Inquisição, ainda em Lisboa, Branca
Dias foi desterrada para o Brasil. Aqui ela chegou juntamente com seus
sete filhos e veio ao encontro de seu marido, Diogo Dias Fernandes, que
já se encontrava em terras nordestinas desterrado também. Como tantos
outros judeus que aqui chegaram, eles eram senhores de engenho. Mas,
segundo consta, ela e seu marido possuíam uma Torah e faziam
“esnoga”, ou seja, culto religioso, no Engenho Camaragibe, de
propriedade de Bento Dias Santiago. O sinal de convocação para o culto
era dado por uma pessoa que passava pela vila com os pés descalços
tendo um lenço vermelho amarrado ao tornozelo. Essa pessoa era
chamada de “o campainha”. Muitos “campainhas” foram denunciados à
Inquisição na primeira visita do Santo Ofício ao Nordeste, em finais do
século XVI. Nessa ocasião os filhos e netos de Branca Dias foram presos
e enviados para Lisboa sob a acusação de reconversão ao judaísmo.
Branca Dias e seu marido já eram falecidos, mas, diz a lenda que mesmo
assim foram processados e que seus ossos foram enviados à Portugal
para serem queimados no Rossio. Embora seja a figura feminina mais
famosa, Branca Dias é uma entre muitas mulheres que se propuseram a
manter suas crenças, aberta ou veladamente. Na sua “pequena” esfera
de influência a mulher judia conseguiu criar e sustentar verdadeiras
redes de sociabilidade.A esfera doméstica foi determinante para a
manutenção da comunidade. Por ela passavam as estratégias
matrimoniais, os costumes e a religiosidade através da educação das
novas gerações

Palavras, nomes e expressões de origem Sefarditas

A vinda dos portugueses para o Brasil trouxe consigo todos os


empréstimos culturais e lingüísticos que já haviam sido incorporados ao
cotidiano ibérico. Azeite, por exemplo, vem do hebraico “ha-zait”,
literalmente “a azeitona”, e “ladino”, que signi fica astucioso, designa o
dialeto usado pelos judeus que migraram para a Península Ibérica.
Porém, a maior parte dos hebraísmos chegou ao português por influência
do cato li cis mo, fazendo escala no grego e no latim eclesiásticos, quase
sempre relacionados a conceitos religiosos, tais como: aleluia, amém,
bálsamo, cabala, éden, fariseu, hosana, jubileu, maná, messias, satanás,
páscoa, querubim, sábado, serafim e muitos outros. Sobrenomes muito
comuns, tanto no Brasil como em Portugal, podem ser atribuídos a uma
origem sefardita. Supõe-se que ABREU seja uma variante de hebreu,
BRITO de brit milá que significa “circuncisão”, BARROS vem de Baruch
que significa “graça” e “agradecimento” e SANTOS vem de Shem Tov
que significa literalmente “bom nome”. Outros exemplos são: Alves,
Bacelar, Carvalho, Coelho, Duarte, Fernandes, Gonçalves, Lima, Silva,
Silveira, Machado, Paiva, Pina, Miranda, Rocha, Valadares, etc. Porém é
importante ressaltar que não se pode afirmar que todo brasileiro que
porte estes sobrenomes seja descendente direto de judeus. Para se ter
certeza é necessária uma pesquisa profunda da árvore genealógica das
famílias.

“Pensar na morte da Bezerra”. Esta frase, comumente dita pelos


sertanejos de hoje para se referir a alguém que está com ares de
preocupação, está registrada nas denunciações e confissões feitas ao
Santo Ofício e se referem à Torah. Era feito um jogo entre as palavras
Torah e “toura” (feminino do touro), daí “bezerra”.

“Passar a mão na cabeça”, com o sentido de perdoar, vem da maneira


judaica de abençoar, passando a mão pela cabeça e descendo pela face.

“Seridó”, região no Rio Grande do Norte, tem seu nome originário da


forma hebraica contraída “sarid”, que significa “refúgio de”. Em hebraico,
a palavra Sarid significa sobrevivente. Acrescentando-se o sufixo ó,
temos a tradução sobrevivente de. A variação Serid, “o que escapou”,
pode ser traduzido também por refúgio. Desse modo, a tradução para o
nome seridó seria refúgio dele ou seus sobreviventes. Uma outra
interpretação é dada por Câmara Cascudo, indicando uma origem
indígena “ceri-toh”.

“Passar mel na boca”. Essa expressão é corrente no Nordeste. Na


circuncisão o rabino passa mel na boca da criança para evitar o choro.
Daí a origem da expressão. “Para o santo”. O hábito sertanejo de
derramar uma parte do cálice antes de beber, tem raízes no rito hebraico
milenar de reservar, na festa de Pessach (Páscoa), um copo de vinho
para o profeta Elias, representando o Messias que virá.

“Que massada!” Expressão usada para se referir a um contratempo. É


uma alusão à fortaleza de Massada, na região do Mar Morto, e ao
suicídio coletivo de judeus para não se renderem aos romanos, de
acordo com relato do historiador Flávio Josefo.

“Vestir a carapuça” vem da Idade Média inquisitorial, quando judeus


eram obrigados a usar chapéus pontudos para serem identificados.

“Fazer mesuras” origina-se na reverência à Mezuzá, pergaminho com


versículos afixado no batente direito das portas.

“Deus te crie” após o espirro de alguém é uma herança judaica da frase


Hayim Tovim, que pode ser traduzido como, “saúde”, ou “tenha uma boa
vida”.

“Pedir a bênção” aos pais ao sair e chegar em casa é uma prática


judaica que remonta à benção sacerdotal, onde os pais abençoam os
filhos, como no Shabat e no Ano Novo.

“Apontar estrelas faz crescer verrugas nos dedos”. Como o dia


judaico começa na noite do dia anterior, o início de um dia era marcado
pelo despontar da primeira estrela no céu. Assim o sábado (dia de
celebração nas casas judaicas), começava com o despontar da primeira
estrela no céu da sexta-feira. Se uma pessoa demonstrasse alguma
reação publicamente com relação a tal estrela, ela seria alvo de
suspeitas. Um adulto consegue conter-se, mas uma criança não. Então
se dizia às crianças que apontar estrelas fazia crescer verrugas nos
dedos.

Costumes sefarditas encontrados entre as famílias sertanejas

Muitos costumes judaicos que se perpetuaram na cultura nordestina se


referem ao cotidiano das pessoas, aos usos domésticos, permitindo que
eles fossem passados de uma geração a outra com tal naturalidade que
seus praticantes sequer se davam (ou se dão) conta da origens de sua
origem. Estes usos domésticos, por mais simples que fossem, eram os
motivos alegados para a delação, justificando o segredo. Por exemplo,
substituir a banha de porco pelo azeite no preparo dos alimentos era
considerada uma prática judaizante, bem como não consumir crustáceos
ou animais de casco fendido. Estes costumes ficaram tão arraigados que
o nordestino contemporâneo de ascendência sefardita não cria porco,
não faz uso de sua carne e derivados e não come qualquer tipo de
crustáceo, embora, na maioria dos casos, ele não tenha consciência da
origem de tais restrições, nem de inúmeras práticas e ritos que integram
o seu cotidiano.

Ritos Alimentares

A prática de jejuns é estimulada. Um menino deve jejuar durante 24


horas antes de completar sete anos. No dia das núpcias os noivos e
padrinhos devem jejuar. Jejuar no terceiro e oitavo dia após a morte de
um parente. Jejuar um dia a cada três meses, durante um ano, após a
morte de um parente. Jejuar durante a Semana Santa. Peixes de couro
(sem escamas), moluscos e crustáceos são proibidos. É proibido comer
carne com sangue. Ovos com mancha de sangue são jogados fora. Não
de deve cozinhar carne e leite juntos. A ingestão do leite e da carne deve
ter três horas de intervalo. É proibido comer carne de animal de sangue
quente que não tiver sido sangrado. O abate do animal deve ser por
esvaziamento do sangue. A carne deve ser lavada até ficar livre de todo
o sangue. Come-se apenas comida preparada pela mãe ou pela avó
materna. O pão é especialmente sagrado. Em sinal de respeito, costuma-
se beijar qualquer pedaço de pão que tenha caído no chão.

Ritos de preparação e uso de ervas medicinais Preparar e ministrar os


medicamentos feitos com plantas apenas nas horas “noni”. Dentro da
preparação dos remédios caseiros, a base de plantas medicinais, as
pessoas mais velhas informam que a quantidade da parte da planta
utilizada (folha, semente, etc) não deve ser par. Assim sendo, não se
deve usar dois (número par) “brotos de goiabeira” e sim três para se
fazer um chá no combate a diarréia. A pesquisadora Lenilde Duarte de
Sá 19 observou que em todas as fórmulas de medicamentos caseiros os
ingredientes são sempre ímpares: 3, 5, 7, 9... Questionados, os
informantes responderam: - Porque tem que ser “noni”! Este termo vem
do latin “nona” (“noni” no plural), uma das horas em que os romanos e
judeus dividiam o dia, e correspondia às três horas da tarde. Na
concepção judaica o dia era dividido em quatro horas: A Primeira hora
iniciava com o levantar do sol, a Terceira hora, iniciava às 9 horas, a
Sexta hora iniciava ao meio-dia, e a Nona hora iniciava às 15 horas, ou
três da tarde. Isto implica que o termo “noni” pode estar relacionado à
divisão das horas, entretanto não justifica o uso dos ingredientes para o
medicamentos apenas em número ímpar. É um desafio para a pesquisa.
Ritos Devocionais Acender duas velas nas sextas-feiras à noite. É
proibido fazer qualquer coisa na sexta-feira à noite, até mesmo tomar
banho. Acender velas diante do oratório aos sábados e deixar queimar
até o fim do dia. Acender oito velas no dia de Natal.

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q=cache:n5uRxCVN7L8J:https://revistas.ulusofona.pt/index.php/cienciare
ligioes/article/view/3923/2641+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=b

Perspectiva de um medievalista
José Mattoso

p. 167-176

https://doi.org/10.4000/lerhistoria.2560

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1O recente falecimento do meu colega A H. de Oliveira Marques torna imperiosa uma


reflexão, ainda que sumária, acerca da sua obra historiográfica, universalmente reconhecida
como uma das mais notáveis no panorama português da segunda metade do século XX.

2Qualificado por todos os meios de comunicação como medievalista, foi, na verdade, por
meio dos seus estudos em tal período da História que primeiro atraiu as atenções dos meios
universitários e continuou a ser conhecido do público em geral. Deve-se notar, no entanto,
que publicou também vários trabalhos importantes sobre o século XVI, e que, em termos
quantitativos, foram muito mais numerosas as páginas que escreveu sobre a Primeira
República e a Maçonaria (entre outras matérias históricas), do que sobre a Idade Média
portuguesa. Além disso, foi um incansável editor de documentos e outros escritos de
interesse histórico da época contemporânea. Foi, ainda, autor de uma fundamental síntese
inicialmente em dois e, depois, em três volumes sobre o conjunto da História de Portugal,
bem como o coordenador de uma outra síntese muito mais vasta sobre a mesma matéria,
em curso de publicação (estão previstos doze volumes) e que envolveu uma grande
quantidade de colaboradores. Foi para esta Nova História de Portugal que escreveu a maior
parte de três grossos volumes, um consagrado ao período que vai das invasões germânicas à
Reconquista, outro à Baixa Idade Média e outro à Primeira República.
3O rigor, a clareza da escrita e a capacidade de ordenar de forma lógica uma informação
muito vasta e diversificada asseguraram-lhe um lugar indiscutível nos meios científicos e um
sucesso invejável em termos editoriais. O seu papel como um dos mais decisivos
renovadores da historiografia portuguesa é inegável e inteiramente merecido. Mais uma
razão para tentar defini-lo com mais precisão e objectividade, e para o situar de um ponto de
vista conceptual. É o que tentarei fazer aqui pelo que diz respeito à sua obra medievalística,
deixando a outrem a análise dos textos que consagrou ao século XVI e à História
Contemporânea.

4Sem esquecer, portanto, tudo o que a Oliveira Marques se deve para outros períodos
históricos, podemos dizer que ele foi também, um medievalista, no sentido em que
consagrou à época medieval algumas das suas obras mais importantes e mais inovadoras
(para a época em que as publicou), tornando-se, assim, para a geração de historiadores que
se lhe seguiu uma referência fundamental.

 1 1 Não foi, porém, a sua primeira obra. Com 21 anos apenas começou a publicar a História do Selo
Pos  (...)

5Situa-se, de facto, nesse domínio a sua primeira publicação de tema histórico: Hansa e


Portugal na Idade Média  (1959)1. Constituiu o texto apresentado às provas de doutoramento
na Faculdade de Letras de Lisboa, sob orientação da Prof.ª Virgínia Rau. Preparada, em boa
parte, na Alemanha, representava, desde logo, uma inovação no panorama português da
época, tanto pela sua preocupação em seguir o ideal germânico da erudição e do rigor
discursivo, como pela base documental utilizada, dado que se apoiava em fontes de arquivos
não portugueses, e, ainda, por o seu tema se situar na área da história económica, até então
quase por completo ignorada pela historiografia nacional.

6Deste último ponto de vista não era, todavia, uma novidade absoluta: Magalhães Godinho
tinha já publicado, havia mais de dez anos, a sua História Económica e Social da Expansão
Portuguesa. Marrocos (1947). O mesmo Autor também já tinha publicado O Mediterrâneo
Saariano e as Caravanas do Ouro  (1958), e L’économie de l’empire portugais au XVe et XVIe
siècle. L’or et le poivre  (1958). Por sua vez, Virgínia Rau também já tinha publicado A Casa
dos Contos e A Exploração e o Comércio do Sal em Setúbal, ambos em 1951. Na verdade, a
tese de doutoramento de Oliveira Marques, embora constituísse uma importante contribuição
para o conhecimento da amplitude e dos circuitos do comércio português no Atlântico Norte
e no Báltico, situava-se, prudentemente, numa perspectiva descritiva, abstendo-se de
aprofundar o papel que o comércio de iniciativa portuguesa tivera no conjunto do mercado
nórdico, a sua articulação estrutural com o mercado mediterrânico e marroquino e a sua
evolução desde o princípio do século XV (temas explorados por Magalhães Godinho). Como
trabalho de principiante e de docente universitário institucionalmente dependente da
hierarquia oficial, não se podia envolver na polémica, então já bastante acesa, com os jovens
investigadores seduzidos pelas ideias de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel,
patrocinados por António Sérgio, e entusiasmados com a incrível capacidade editorial de
Magalhães Godinho. Distanciando-se do «arcaico» campo dos apologistas do regime, que só
se interessavam por questões como o Repovoamento, as origens da Nacionalidade, a
cruzada, a monarquia não feudal ou a vitória da causa nacionalista na «crise» de 1385,
aliava-se ao sector dos docentes que pretendiam renovar a História, sem todavia enveredar
francamente pelo caminho traçado pela Escola dos Annales, suspeita de contaminações
marxistas. Tinha, nessa posição, o apoio de Virgínia Rau, sua principal protagonista. Todavia,
não manteve esta posição por muito tempo.

7Com efeito, em 1962 acabava de redigir o texto que apresentou às provas do concurso para
professor extraordinário da Faculdade de Letras de Lisboa, intitulado Introdução à História
da Agricultura em Portugal. A Questão Cerealífera Durante a Idade Média.  A obra foi
impressa, mas não propriamente publicada, porque, tendo as provas sido sucessivamente
adiadas devido a um processo disciplinar contaminado por razões políticas e ideológicas,
foram os seus exemplares destruídos – um episódio desde então muitas vezes invocado, com
toda a razão, como intolerável expressão do obscurantismo universitário da época
salazarista. Na verdade, em 1964, Oliveira Marques acabou por se demitir do cargo de
primeiro assistente da Faculdade de Letras. Assim, a obra só foi verdadeiramente publicada
em 1968.
8Entretanto, já liberto dos constrangimentos oficiais, Oliveira Marques publicou A Sociedade
Medieval Portuguesa (Aspectos da Vida Quotidiana) (1964), que conquistou imediatamente o
público pelas suas invulgares qualidades face ao panorama editorial português de então.
Com efeito, aliava uma sólida e variadíssima informação acerca de aspectos até então
completamente ignorados da História Nacional (a moda, a casa, as ocupações, a
sexualidade, as relações sociais, etc.), com uma apresentação clara, sóbria, rigorosa,
objectiva acerca de todos estes temas, e ainda por cima associada a uma documentação
gráfica pertinente e expressiva. Era a primeira vez que em Portugal se atribuía uma função
documental e não meramente decorativa ao material gráfico. Convém, todavia, não esquecer
que se tratava, afinal, de uma remodelação da sua tese de licenciatura apresentada à
Faculdade de Letras de Lisboa em 1956. Mostrava, só por si, que o trabalho erudito do
investigador não tinha necessariamente de revestir uma forma intragável para o público em
geral. Que havia lugar no plano editorial para uma divulgação cientifica de bom nível, e que
o público não especialista também apreciava a informação rigorosa e objectiva. Esta obra
mantém ainda hoje todo o seu interesse. Na minha opinião, não foi ainda substituída por
nenhuma outra de tema semelhante, tanto do ponto de vista informativo como do ponto de
vista do significado histórico da vida quotidiana. Embora possa e deva ser completada por
estudos mais aprofundados em vários dos seus capítulos, representa, sobretudo para os
séculos XIV e XV, uma excelente introdução ao conhecimento dos costumes medievais
portugueses dessa época. O seu interesse para os séculos XII e XIII é menor; todavia,
mesmo para esta época continua a ser útil porque as investigações que sobre ela se têm
feito reuniram muitos materiais pertinentes, mas falta elaborar a síntese das suas
contribuições. Convém também observar que o título é rigorosamente exacto; ou seja, que
se trata de uma panorâmica descritiva da sociedade medieval portuguesa, e não de uma
investigação de História Social. Não se lhe deve pedir, portanto, que apresente e resolva os
grandes problemas da História Social propriamente dita, como seriam os da definição das
classes ou dos grupos sociais, das suas relações com o poder, da origem e manutenção dos
seus privilégios, etc.

9No entanto, a mais decisiva obra medievalística de Oliveira Marques foi, sem dúvida
alguma, a sua Introdução à História da Agricultura em Portugal.  Enquanto esperava a
oportunidade de a dar a conhecer ao mundo académico, o seu Autor fixou-se desde 1965
nos Estados Unidos, onde permaneceu como docente universitário até 1970. Foi aí que
redigiu e publicou em inglês (neste mesmo ano), a primeira edição da sua síntese em dois
volumes sobre a História de Portugal, a convite da Imprensa da Universidade de Columbia.
Nesta demonstrou duas qualidades raras. A saber: combinar a análise com a síntese, e
entrar em linha de conta com movimentos e estruturas de grande amplitude (económicos,
sociais e políticos) para a interpretação dos factos e fenómenos históricos de qualquer
dimensão. Por outro lado, em relação com a historiografia portuguesa da época, tratou de se
distanciar da problemática de carácter ideológico que até então dominava o ensino da
História em Portugal. No ensino universitário e secundário, os docentes e investigadores
obcecavam-se em torno de problemas tais como as origens da nacionalidade, a defesa da
civilização cristã, a precoce autoridade do Estado Português, a permanência do território
nacional, a vocação missionária e civilizadora dos Portugueses, a fidelidade ao papado, o
papel benéfico e moderado da Inquisição e dos Jesuítas, e outros temas do mesmo género.
Procurando não se deixar envolver nas polémicas que até então haviam oposto a
historiografia nacionalista à historiografia «decadente» da época liberal (que sustentava
posições contrárias), Oliveira Marques procurava expor os factos com objectividade e
moderação, mas também, sem utilizar os princípios interpretativos da Escola dos Annales,
então no auge do seu prestígio. A linha condutora da exposição continuava a ser a da
história política. Não se podia eximir à influência da historiografia anglo-saxónica, que não se
deixou nunca, a não ser em certos sectores, dominar pela problemática de origem francesa.
Em certos casos, limitava-se a apresentar factos inegáveis; noutros a demonstrar a ausência
de investigações aprofundadas de que resultavam afirmações simplistas e unilaterais.
Manifestava, assim, uma posição intelectual que nele se tornaria cada vez mais acentuada:
evitar as questões de carácter interpretativo e privilegiar a informação completa, vasta e
pormenorizada dos factos e dados históricos.

10Voltemos, porém, à Introdução à História da Agricultura. Trata-se, na verdade, de uma


obra que ainda hoje conserva todo o seu valor, enquanto estudo exemplar sob vários pontos
de vista. Em primeiro lugar, aborda um problema estrutural de carácter económico, mas de
que dependem toda a espécie de consequências não só no mesmo plano, mas também no
condicionamento de estruturas de outro nível, nomeadamente no campo social e político.
Citemos o papel económico dos terratenentes (a Igreja, a nobreza ou a Coroa), dos agentes
de distribuição e do abastecimento das cidades, da dependência dos agricultores, das
estratégias adoptadas para resolver as crises alimentares, etc., etc.. Em segundo lugar,
mostra que, apesar da dificuldade heurística resultante da escassez de documentos
quantitativos, de cadastros, de séries extensas, de falta de uniformidade terminológica, e
outras dificuldades peculiares da investigação em História Medieval, se pode, apesar de tudo,
cruzando as informações e procurando devidamente a documentação pertinente, resolver
uma questão que afectava toda a vida nacional. Em terceiro lugar, graças ao tratamento
sistemático e devidamente hierarquizado das questões implicadas, ou seja a identificação
das características próprias da produção, da distribuição e do consumo de um bem essencial
para a vida humana, contribui para o esclarecimento do papel que neles desempenhavam os
diversos grupos sociais, conforme as funções e o poder social e político que exerciam. Em
quarto lugar, pela diversidade das informações utilizadas: não só as das fontes escritas
portuguesas da época, mas também a da história do clima (disciplina nessa altura muito
recente, mas que conjugava dados decisivos acerca da datação e geografia das crises
alimentares), da história demográfica ou da história das técnicas. E finalmente pela lógica,
rigor e clareza da escrita, qualidades de que já falámos, e que nesta obra ressaltam de
forma ainda mais evidente, dada a complexidade do tema em causa.

11Em suma, a obra de Oliveira Marques elevava-se a um nível em tudo comparável à dos
melhores medievalistas franceses de então, como Marc Bloch ou Georges Duby.
Continuando, como sempre, a preferir modelos alemães ou anglo-saxónicos, Oliveira
Marques preenchia plenamente os requisitos de uma historiografia moderna, aparecendo
como um inesperado e esplêndido fruto nascido num verdadeiro deserto. Era, de facto, a
primeira investigação portuguesa em História Rural, a área que revolucionou a medievalística
europeia durante o apósguerra. Diga-se, em abono da verdade, que não foram muitos os
seus seguidores e que este campo de investigação continua, com algumas excepções, pouco
mais do que maninho depois de tão promissora inauguração.

12Não posso deixar aqui de referir, em nota marginal, que ouvi mais do que uma vez
Oliveira Marques confessar o esforço que tivera de fazer para levar a cabo a sua obra.
Sempre se considerou e foi, na verdade, um citadino; não apreciava a vida do campo, e só
por imposição de Virgínia Rau se dedicou a tal tarefa. Com efeito interessava-se muito mais
pela história urbana. Por ironia da vida, não produziu nesta área nada de comparável, apesar
de não ter nunca deixado de nela investir, à frente de sucessivas equipas de auxiliares, e por
meio de discípulos a quem entregou a tarefa de estudar a história de determinadas cidades.
Nunca chegou a publicar a sua prometida história da cidade de Lisboa para a qual foi
acumulando, ao longo de vários anos, e com a colaboração de muita gente, uma grande
quantidade de dados. O que desse objectivo mais se aproximou foi o Atlas das Cidades
Medievais Portuguesas, onde coligiu, sob a responsabilidade de vários colaboradores, dados
formatados cujo rigor e utilidade informativa, no entanto, são dificilmente controláveis. Por
isso, a obra não preencheu as expectativas dos investigadores especializados nem do público
em geral.

13Entretanto, em ensaios de curta dimensão, reunidos num volume editado em 1965,


Oliveira Marques publicava algumas pequenas obras-primas igualmente decisivas para um
conhecimento estrutural da sociedade medieval portuguesa, mostrando o partido que se
podia tirar de certas fontes já conhecidas, mas nunca exploradas desse ponto de vista.
Referimo-nos ao rol dos besteiros do conto e à sua comparação com o rol do imposto pago
pelos tabeliães estabelecido por D. Dinis, para a partir de documentos do mesmo género
tirar ilações do âmbito da demografia. Sem sacrificar a conclusões elementares, e
acentuando firmemente o limitado alcance das duas deduções, nem por isso deixava de
mostrar tudo quanto se podia tirar dessas fontes e de salientar a sua importância para
calcular os condicionalismos demográficos do País numa época anterior à Peste Negra.
Alinhava, assim, com os autores que nessa época concentravam as suas atenções sobre a
relação entre a densidade demográfica, os bens e recursos alimentares produzidos e a
capacidade técnica de produção, como elementos estruturais para interpretar as questões
fundamentais da História humana. A importância dos documentos utilizados justificava uma
publicação rigorosa dos originais e dos inéditos.

14Na mesma colectânea, o Autor dava também a conhecer a sua interpretação da chamada
«Pragmática» de 1340, do ponto de vista da História Social. Apresentada pelo rei como um
regulamento destinado a refrear os excessos na alimentação e no vestuário, tratava-se,
afinal, de um precioso testemunho acerca dos sinais exteriores da repartição social e
consequentemente acerca da configuração da sociedade portuguesa nas vésperas da Peste
Negra. A intervenção do Rei nesta questão mostrava o papel que ele pretendia exercer na
ordenação dessa mesma sociedade.

15Deixando sem nenhum comentário outros estudos publicados na mesma colectânea,


queria ainda mencionar o que tem como tema «A Moeda Portuguesa durante a Idade
Média». Com efeito, permanece, apesar de ter já meio século de idade, o estudo quase
definitivo sobre o mesmo tema. Foram raros os investigadores que se atreveram a tentar
renová-lo, e nenhum, que eu saiba, conseguiu contestá-lo. Permanece como uma aquisição
segura de um elemento fundamental da história medieval portuguesa.

16Tendo, em obras anteriores a 1965 ou 1968, atingido tal nível, parece lícito perguntar por
que motivo se não pode, na minha opinião, dizer o mesmo de outra obra que aparentemente
devia não só mantê-lo, mas até superá-lo. Refiro-me ao volume IV da Nova História de
Portugal, intitulado Portugal na Crise dos séculos XIV e XV. Não se trata, obviamente, de
uma obra menor. Só um especialista já experimentado seria capaz de dominar matéria tão
vasta e de, sobre ela, apresentar uma síntese tão completa, diversificada e rigorosa como a
que de facto Oliveira Marques escreveu. A quantidade de dados que fornece acerca de toda a
espécie de factos e questões, e a cobertura sistemática de todos os aspectos imagináveis,
fazem dela um precioso instrumento de trabalho. Mas é justamente o seu carácter quase
enciclopédico que, a meu ver, a prejudica. O leitor não chega a perceber quais foram os
problemas fundamentais da sociedade portuguesa neste período de dois séculos, afinal tão
decisivo, tão brilhante e tão agitado da nossa História. Não lhe são dados elementos
suficientes para ter uma ideia acerca, por exemplo, dos motivos que tornaram Portugal a
primeira nação europeia a desencadear o movimento da expansão marítima e continental;
não encontra explicações suficientes para perceber o que a sociedade portuguesa teria de
comum ou de diferente em relação ao resto da Península e ao resto da Europa; não
vislumbra nenhuma relevância especial da vida religiosa portuguesa, das suas tentativas de
reforma, nem da importância social e cultural que ela exerceu na época das contestações da
autoridade eclesiástica e da disciplina monástica; não lhe é dado nenhum elemento válido
para compreender a diferença entre a nobreza desta época e a dos séculos anteriores, para
avaliar a sua relação com a monarquia ou para conhecer a sua ideologia. Todavia, encontra
aí informações detalhadas e completas, por exemplo, acerca dos têxteis mais importados por
Portugal, das percentagens de compras de jóias e chapéus em relação com armas e
munições feitas pelo feitor português na Flandres em 1441, 1443 e 1471, encontra uma
relação nominal completa de todos os castelos referidos na documentação portuguesa do
século XIV e não falta uma descrição sumária das pinturas que ornamentavam as salas de
aula da Universidade de Lisboa em 1431. E assim sucessivamente.

 2 Cit. por J. M. Amado Mendes, «A renovação da Historiografia Portuguesa», in L. R. Torgal, J. M.


Ama (...)

17A última obra medievalística de Oliveira Marques representa bem, na verdade, uma
tendência que nele existira desde sempre, mas se atenuara na década de 1960, e que se
pode considerar o resultado de uma concepção neo-positivista da História. Cada vez mais
avesso à história interpretativa, desiludido pelo contributo que as Ciências Sociais e em
particular a Sociologia podiam dar à História, concebia-a, fundamentalmente, como um
estabelecimento rigoroso e tão vasto quanto possível de dados e de factos datados e
situados no espaço. Já na sua História de Portugal assumia esta posição para justificar a
«fuga quase sistemática aos grandes voos interpretativos, às sínteses globais» 2. A
informação detalhada sobre factos e dados e o seu agrupamento por temas segundo uma
ordem lógica aparece como um verdadeiro e vastíssimo ficheiro bem classificado, mas revela
uma concepção estática do período considerado. No seu prefácio, Oliveira Marques explica a
sua opção de privilegiar as estruturas sobre a conjuntura (note-se bem o substantivo
singular – em 200 anos não há, para ele, uma sucessão de conjunturas, mas uma só); por
isso a reduz a umas escassas 10% das páginas que lhe consagra no conjunto de toda a obra.
Aquilo a que chama «conjuntura», porém, é, aqui, simplesmente, a história política Não
adere, portanto, à já nessa altura crescente afirmação da historiografia anglo-saxónica, para
a qual a História política constitui o elemento condutor da narrativa e que melhor permite
explicar os acontecimentos. Por outro lado, embora se proponha descrever as «estruturas»,
também não adere à História Económica e Social francesa, uma vez que não tenta explicar a
relação que os factos económicos tiveram com os sociais, políticos ou culturais e vice-versa.
Nestas condições, convém esclarecer que o título dado à sua Nova História de Portugal não
significa uma adesão ao que a terceira geração da historiografia francesa do após-guerra
chamou a Nouvelle Histoire, mas o propósito de escrever uma História diferente. Não
conseguiu defini-la conceptualmente, mas pode-se considerar como neo-positivista.

18Resta-me falar de outra obra fundamental de Oliveira Marques, o Guia do Estudante de


História Medieval Portuguesa, publicado pela primeira vez em 1964, e que teve mais duas
edições, uma em 1979 e outra em 1988, ambas ampliadas e melhoradas. Trata-se, na
verdade, de uma preciosa contribuição, cujos méritos e influência nunca será demais
acentuar, não só devido à sua utilidade prática para qualquer investigador na mesma área,
mas também pelo facto de não existirem em Portugal outros textos congéneres, a não ser
outro Guia análogo consagrado pelo próprio Oliveira Marques à História da Primeira
República portuguesa. Trata-se, com efeito, de um verdadeiro modelo no género.
Fornecendo uma bibliografia completíssima de obras e artigos de revista devidamente
classificados por temas, assim como informações precisas acerca dos fundos arquivísticos
disponíveis em todos os depósitos do País, mostrando que assuntos foram mais estudados,
apontando matérias pouco exploradas, e até fazendo propostas de temas a esclarecer e
dando conselhos breves mas muito pertinentes acerca da apresentação de resultados, este
excelente Guia  tem constituído um precioso auxiliar para todos aqueles que se sentem
atraídos pela investigação medieval, em especial os alunos de mestrados da mesma área. É
impossível medir a sua influência sobre a renovação da historiografia medieval portuguesa
desde a década de 60 até hoje. Mas foi, sem dúvida, uma das obras que mais contribuiu
para tornar a história medieval portuguesa das últimas décadas como uma das de melhor
nível científico no panorama da cultura universitária europeia.

19Resta-me acrescentar que o facto de, pessoalmente, seguir uma orientação conceptual e
metodológica diferente, não me impediu nunca, nem me impede hoje de reconhecer o que
devo às melhores obras do meu antigo colega do liceu e companheiro de tarefas
universitárias. Talvez algum comentador apressado caia na tentação de nos classificar, a
mim e a ele, como adversários um do outro. Podemos ter tido as nossas divergências
noutros campos. No da investigação, porém, creio que os nossos estudos não foram nem são
opostos, mas apenas complementares. Tenho o maior respeito por tudo o que este
incansável investigador escreveu, considero um privilégio ter beneficiado dos seus trabalhos
e ter também participado com ele na estruturação da Faculdade em que ele trabalhou com
todo o empenho.

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Notas
1 1 Não foi, porém, a sua primeira obra. Com 21 anos apenas começou a publicar a História do
Selo Postal Português, de que sairiam três volumes entre 1954 e 1958. Nas listas das «principais
obras do Autor», que costumava incluir nos seus livros, nunca deixou de a referir como a sua obra
inaugural.

2 Cit. por J. M. Amado Mendes, «A renovação da Historiografia Portuguesa», in L. R. Torgal, J. M.


Amado Mendes e F. Catroga, História da História em Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, p.
321.
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Para citar este artigo


Referência do documento impresso
José Mattoso, «Perspectiva de um medievalista», Ler História, 52 | 2007, 167-176.

Referência eletrónica
José Mattoso, «Perspectiva de um medievalista», Ler História [Online], 52 | 2007, posto online no
dia 20 março 2017, consultado no dia 15 dezembro 2021. URL:
http://journals.openedition.org/lerhistoria/2560; DOI: https://doi.org/10.4000/lerhistoria.2560
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Autor
José Mattoso
FCSH/UNL

Artigos do mesmo autor

 Aparício, António Mendes, Monografia de Alvoco da Serra [Texto integral]

Edição do Autor, 2007, 734 págs

Publicado em Ler História, 53 | 2007

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