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COBERTURA-3843-SIMONE-ALMEIDA-
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Simone
Ferreira Gomes de Almeida: bolsista do Programa de Apoio à Pesquisa da Biblioteca
Nacional e doutora em história social da cultura pela Unesp.
Simone Ferreira Gomes de Almeida tratou em sua tese de doutorado – Influxos do Céu
na existência dos homens. Os escritos astrológicos na Península Ibérica (séculos XIII,
XIV e XV) – das formas de desvendamento dos segredos celestes, analisando os
prognósticos sobre variados aspectos da vida dos ibéricos, questões que envolviam a
saúde, a batalha, o futuro da dinastia e demais decisões do cotidiano. Dissertou também
sobre o estatuto do saber das estrelas, ao identificar os sábios que se dedicaram a esses
estudos. O trabalho financiado pelo CNPq será publicado pela editora UNIFESP. Desde
sua iniciação científica, Simone trabalha com pesquisa em Idade Média, sobretudo no
que diz respeito a escritos dos reinos ibéricos, como tratados, crônicas e almanaques.
Ela também participa do grupo temático Escritos sobre os Novos Mundos: uma história
da construção de valores morais em língua portuguesa.
Simone Ferreira Gomes de Almeida: bolsista do Programa de Apoio à Pesquisa da Biblioteca Nacional e
doutora em história social da cultura pela Unesp.
Acesse
Livro 'A figura do herói antigo nas crônicas medievais da Península Ibérica
(séculos XII e XIV)' no sítio da Editora UNESP.
ALGUMAS FAMÍLIAS MINEIRAS, TRADIÇÕES E COSTUMES
Postado por Marcelo M. Guimarães
Com dissemos, anteriormente, as Minas Gerais de ouro, esmeralda e diamantes
atraíram os judeus e cristãos-novos, que vieram dos estados do norte brasileiro,
de Portugal e de outros países, como Espanha e Itália.
O escritor Manuel Diegues Júnior expõe no seu livro “Regiões Culturais do Brasil”o
seguinte parágrafo:…”A esses grupos portugueses ou lusos brasileiros ou, pelo
menos mestiços com algum sangue português, ajuntaram-se os estrangeiros que
foram em grande número nas Minas. À presença deles já se referia Antonil:
confirmam essa participação as modernas pesquisas do Professor Manuel Cardoso.
Embora não sendo em grande número, segundo informa o professor Cardoso,
exerceram os estrangeiros, influência significativa na economia e na vida social
da região. E, acrescenta Gilberto Freire que tudo parece indicar teriam sido esses
estrangeiros, principalmente, negociantes, usuários ou intermediários, vários
Deles judeus ou israelitas. De judeus sabe-se que foram numerosos os que
apareceram e fixaram em Minas Gerais. Augusto de Lima Júnior, no seu estudo
sobre Minas, localizou as maiores aglomerações de judeus: Paracatu, Serro Frio,
Sabará, Pitangui, aredores de Ouro Preto e Mariana. O que não exclui outros
pontos, ou todos os pontos mineiros por onde se espalharam como donos de
comércio, rancheiros, compradores de ouro de contrabando, cambueiros de
negros e ambulantes mascates. Chegaram os israelitas a constituir verdadeiros
guetos, ainda hoje reconhecidos pela inexistência de capelas, em suas ruínas.
Através de casamentos com portuguesas ou lusa-brasileiras, acabaram-se
diluindo-se na população, inclusive participando de irmandades religiosas…”(1)
Em Itaperava: Sá Tinoco.
Em Sumidouro: Fróis
A relação das cidades e sobrenomes acima constitui apenas um exemplo dos mais
evidentes, não significando necessariamente, que não existam outros sobrenomes
utilizados pelos cristãos-novos, bem como em outras localidades. Da mesma
forma, não quer dizer que todo sobrenome Fernandes, Oliveira ou Pereira sejam
necessariamente também de cristãos-novos.
TRADIÇÕES E COSTUMES
- A atração por comércio e por pedras preciosas, destacando o ouro e prata. Este
foi uns dos motivos que eles vieram para as Minas Gerais. Acabaram por aqui
ficando e se interiorizando. Por isso, houve concentração deles nos arredores de
Ouro Preto, Mariana, Ponte Nova, etc. localizando-se mais tarde na zona da mata
Mineira;
- Varrer a casa da porta para dentro é um costume arraigado até os dias de hoje;
- Jurar pelo eterno descanso de uma pessoa morta querida, como jurar pela alma
de meu pai, minha mãe, ainda é um reduto do povo hebreu;
- Uso da barba cerrada sempre foi o costume judaico. Embora também ter sido
este costume muito freqüente no período colonial;
- Evitavam trabalhar aos sábado. Era o dia do banho bem tomado, quando
vestiam roupas novas;
- O uso da expressão “que massada!” é muito usada pelos mineiros para explicar
uma tragédia em alusão a fortaleza de Massada, perto do Mar Morto, quando após
a expulsão dos judeus nos anos 70 d.C., os zelotes habitaram nesta fortaleza,
quando no final de dois anos, cometeram suicídio em massa para se livrarem de
cair nas mãos dos romanos. Esta história é retratada pelo historiador da época,
Flávio Josefo;
- O termo carapuça, como, a carapuça serviu para fulano de tal é uma expressão
que vem da época da inquisição. Na idade média os judeus usavam chapéus
alongados ou de três pontas para se diferenciarem dos outros não judeus;
- Experimentar o fio da faca na unha do animal antes do abate, também é um
costume judaico;
Estes costumes são claras evidências da influência judaica trazidas pelos cristãos-
novos que habitaram em Minas Gerais e ninguém pode negar estes fatos
históricos, ignorando-os.
COSTUMES JUDAICOS NO
NORDESTE BRASILEIRO
Costumes Judaicos no Nordeste Brasileiro
Ritos Alimentares
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ligioes/article/view/3923/2641+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=b
Perspectiva de um medievalista
José Mattoso
p. 167-176
https://doi.org/10.4000/lerhistoria.2560
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Texto integral
PDF 157k
2Qualificado por todos os meios de comunicação como medievalista, foi, na verdade, por
meio dos seus estudos em tal período da História que primeiro atraiu as atenções dos meios
universitários e continuou a ser conhecido do público em geral. Deve-se notar, no entanto,
que publicou também vários trabalhos importantes sobre o século XVI, e que, em termos
quantitativos, foram muito mais numerosas as páginas que escreveu sobre a Primeira
República e a Maçonaria (entre outras matérias históricas), do que sobre a Idade Média
portuguesa. Além disso, foi um incansável editor de documentos e outros escritos de
interesse histórico da época contemporânea. Foi, ainda, autor de uma fundamental síntese
inicialmente em dois e, depois, em três volumes sobre o conjunto da História de Portugal,
bem como o coordenador de uma outra síntese muito mais vasta sobre a mesma matéria,
em curso de publicação (estão previstos doze volumes) e que envolveu uma grande
quantidade de colaboradores. Foi para esta Nova História de Portugal que escreveu a maior
parte de três grossos volumes, um consagrado ao período que vai das invasões germânicas à
Reconquista, outro à Baixa Idade Média e outro à Primeira República.
3O rigor, a clareza da escrita e a capacidade de ordenar de forma lógica uma informação
muito vasta e diversificada asseguraram-lhe um lugar indiscutível nos meios científicos e um
sucesso invejável em termos editoriais. O seu papel como um dos mais decisivos
renovadores da historiografia portuguesa é inegável e inteiramente merecido. Mais uma
razão para tentar defini-lo com mais precisão e objectividade, e para o situar de um ponto de
vista conceptual. É o que tentarei fazer aqui pelo que diz respeito à sua obra medievalística,
deixando a outrem a análise dos textos que consagrou ao século XVI e à História
Contemporânea.
4Sem esquecer, portanto, tudo o que a Oliveira Marques se deve para outros períodos
históricos, podemos dizer que ele foi também, um medievalista, no sentido em que
consagrou à época medieval algumas das suas obras mais importantes e mais inovadoras
(para a época em que as publicou), tornando-se, assim, para a geração de historiadores que
se lhe seguiu uma referência fundamental.
1 1 Não foi, porém, a sua primeira obra. Com 21 anos apenas começou a publicar a História do Selo
Pos (...)
6Deste último ponto de vista não era, todavia, uma novidade absoluta: Magalhães Godinho
tinha já publicado, havia mais de dez anos, a sua História Económica e Social da Expansão
Portuguesa. Marrocos (1947). O mesmo Autor também já tinha publicado O Mediterrâneo
Saariano e as Caravanas do Ouro (1958), e L’économie de l’empire portugais au XVe et XVIe
siècle. L’or et le poivre (1958). Por sua vez, Virgínia Rau também já tinha publicado A Casa
dos Contos e A Exploração e o Comércio do Sal em Setúbal, ambos em 1951. Na verdade, a
tese de doutoramento de Oliveira Marques, embora constituísse uma importante contribuição
para o conhecimento da amplitude e dos circuitos do comércio português no Atlântico Norte
e no Báltico, situava-se, prudentemente, numa perspectiva descritiva, abstendo-se de
aprofundar o papel que o comércio de iniciativa portuguesa tivera no conjunto do mercado
nórdico, a sua articulação estrutural com o mercado mediterrânico e marroquino e a sua
evolução desde o princípio do século XV (temas explorados por Magalhães Godinho). Como
trabalho de principiante e de docente universitário institucionalmente dependente da
hierarquia oficial, não se podia envolver na polémica, então já bastante acesa, com os jovens
investigadores seduzidos pelas ideias de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel,
patrocinados por António Sérgio, e entusiasmados com a incrível capacidade editorial de
Magalhães Godinho. Distanciando-se do «arcaico» campo dos apologistas do regime, que só
se interessavam por questões como o Repovoamento, as origens da Nacionalidade, a
cruzada, a monarquia não feudal ou a vitória da causa nacionalista na «crise» de 1385,
aliava-se ao sector dos docentes que pretendiam renovar a História, sem todavia enveredar
francamente pelo caminho traçado pela Escola dos Annales, suspeita de contaminações
marxistas. Tinha, nessa posição, o apoio de Virgínia Rau, sua principal protagonista. Todavia,
não manteve esta posição por muito tempo.
7Com efeito, em 1962 acabava de redigir o texto que apresentou às provas do concurso para
professor extraordinário da Faculdade de Letras de Lisboa, intitulado Introdução à História
da Agricultura em Portugal. A Questão Cerealífera Durante a Idade Média. A obra foi
impressa, mas não propriamente publicada, porque, tendo as provas sido sucessivamente
adiadas devido a um processo disciplinar contaminado por razões políticas e ideológicas,
foram os seus exemplares destruídos – um episódio desde então muitas vezes invocado, com
toda a razão, como intolerável expressão do obscurantismo universitário da época
salazarista. Na verdade, em 1964, Oliveira Marques acabou por se demitir do cargo de
primeiro assistente da Faculdade de Letras. Assim, a obra só foi verdadeiramente publicada
em 1968.
8Entretanto, já liberto dos constrangimentos oficiais, Oliveira Marques publicou A Sociedade
Medieval Portuguesa (Aspectos da Vida Quotidiana) (1964), que conquistou imediatamente o
público pelas suas invulgares qualidades face ao panorama editorial português de então.
Com efeito, aliava uma sólida e variadíssima informação acerca de aspectos até então
completamente ignorados da História Nacional (a moda, a casa, as ocupações, a
sexualidade, as relações sociais, etc.), com uma apresentação clara, sóbria, rigorosa,
objectiva acerca de todos estes temas, e ainda por cima associada a uma documentação
gráfica pertinente e expressiva. Era a primeira vez que em Portugal se atribuía uma função
documental e não meramente decorativa ao material gráfico. Convém, todavia, não esquecer
que se tratava, afinal, de uma remodelação da sua tese de licenciatura apresentada à
Faculdade de Letras de Lisboa em 1956. Mostrava, só por si, que o trabalho erudito do
investigador não tinha necessariamente de revestir uma forma intragável para o público em
geral. Que havia lugar no plano editorial para uma divulgação cientifica de bom nível, e que
o público não especialista também apreciava a informação rigorosa e objectiva. Esta obra
mantém ainda hoje todo o seu interesse. Na minha opinião, não foi ainda substituída por
nenhuma outra de tema semelhante, tanto do ponto de vista informativo como do ponto de
vista do significado histórico da vida quotidiana. Embora possa e deva ser completada por
estudos mais aprofundados em vários dos seus capítulos, representa, sobretudo para os
séculos XIV e XV, uma excelente introdução ao conhecimento dos costumes medievais
portugueses dessa época. O seu interesse para os séculos XII e XIII é menor; todavia,
mesmo para esta época continua a ser útil porque as investigações que sobre ela se têm
feito reuniram muitos materiais pertinentes, mas falta elaborar a síntese das suas
contribuições. Convém também observar que o título é rigorosamente exacto; ou seja, que
se trata de uma panorâmica descritiva da sociedade medieval portuguesa, e não de uma
investigação de História Social. Não se lhe deve pedir, portanto, que apresente e resolva os
grandes problemas da História Social propriamente dita, como seriam os da definição das
classes ou dos grupos sociais, das suas relações com o poder, da origem e manutenção dos
seus privilégios, etc.
9No entanto, a mais decisiva obra medievalística de Oliveira Marques foi, sem dúvida
alguma, a sua Introdução à História da Agricultura em Portugal. Enquanto esperava a
oportunidade de a dar a conhecer ao mundo académico, o seu Autor fixou-se desde 1965
nos Estados Unidos, onde permaneceu como docente universitário até 1970. Foi aí que
redigiu e publicou em inglês (neste mesmo ano), a primeira edição da sua síntese em dois
volumes sobre a História de Portugal, a convite da Imprensa da Universidade de Columbia.
Nesta demonstrou duas qualidades raras. A saber: combinar a análise com a síntese, e
entrar em linha de conta com movimentos e estruturas de grande amplitude (económicos,
sociais e políticos) para a interpretação dos factos e fenómenos históricos de qualquer
dimensão. Por outro lado, em relação com a historiografia portuguesa da época, tratou de se
distanciar da problemática de carácter ideológico que até então dominava o ensino da
História em Portugal. No ensino universitário e secundário, os docentes e investigadores
obcecavam-se em torno de problemas tais como as origens da nacionalidade, a defesa da
civilização cristã, a precoce autoridade do Estado Português, a permanência do território
nacional, a vocação missionária e civilizadora dos Portugueses, a fidelidade ao papado, o
papel benéfico e moderado da Inquisição e dos Jesuítas, e outros temas do mesmo género.
Procurando não se deixar envolver nas polémicas que até então haviam oposto a
historiografia nacionalista à historiografia «decadente» da época liberal (que sustentava
posições contrárias), Oliveira Marques procurava expor os factos com objectividade e
moderação, mas também, sem utilizar os princípios interpretativos da Escola dos Annales,
então no auge do seu prestígio. A linha condutora da exposição continuava a ser a da
história política. Não se podia eximir à influência da historiografia anglo-saxónica, que não se
deixou nunca, a não ser em certos sectores, dominar pela problemática de origem francesa.
Em certos casos, limitava-se a apresentar factos inegáveis; noutros a demonstrar a ausência
de investigações aprofundadas de que resultavam afirmações simplistas e unilaterais.
Manifestava, assim, uma posição intelectual que nele se tornaria cada vez mais acentuada:
evitar as questões de carácter interpretativo e privilegiar a informação completa, vasta e
pormenorizada dos factos e dados históricos.
11Em suma, a obra de Oliveira Marques elevava-se a um nível em tudo comparável à dos
melhores medievalistas franceses de então, como Marc Bloch ou Georges Duby.
Continuando, como sempre, a preferir modelos alemães ou anglo-saxónicos, Oliveira
Marques preenchia plenamente os requisitos de uma historiografia moderna, aparecendo
como um inesperado e esplêndido fruto nascido num verdadeiro deserto. Era, de facto, a
primeira investigação portuguesa em História Rural, a área que revolucionou a medievalística
europeia durante o apósguerra. Diga-se, em abono da verdade, que não foram muitos os
seus seguidores e que este campo de investigação continua, com algumas excepções, pouco
mais do que maninho depois de tão promissora inauguração.
12Não posso deixar aqui de referir, em nota marginal, que ouvi mais do que uma vez
Oliveira Marques confessar o esforço que tivera de fazer para levar a cabo a sua obra.
Sempre se considerou e foi, na verdade, um citadino; não apreciava a vida do campo, e só
por imposição de Virgínia Rau se dedicou a tal tarefa. Com efeito interessava-se muito mais
pela história urbana. Por ironia da vida, não produziu nesta área nada de comparável, apesar
de não ter nunca deixado de nela investir, à frente de sucessivas equipas de auxiliares, e por
meio de discípulos a quem entregou a tarefa de estudar a história de determinadas cidades.
Nunca chegou a publicar a sua prometida história da cidade de Lisboa para a qual foi
acumulando, ao longo de vários anos, e com a colaboração de muita gente, uma grande
quantidade de dados. O que desse objectivo mais se aproximou foi o Atlas das Cidades
Medievais Portuguesas, onde coligiu, sob a responsabilidade de vários colaboradores, dados
formatados cujo rigor e utilidade informativa, no entanto, são dificilmente controláveis. Por
isso, a obra não preencheu as expectativas dos investigadores especializados nem do público
em geral.
14Na mesma colectânea, o Autor dava também a conhecer a sua interpretação da chamada
«Pragmática» de 1340, do ponto de vista da História Social. Apresentada pelo rei como um
regulamento destinado a refrear os excessos na alimentação e no vestuário, tratava-se,
afinal, de um precioso testemunho acerca dos sinais exteriores da repartição social e
consequentemente acerca da configuração da sociedade portuguesa nas vésperas da Peste
Negra. A intervenção do Rei nesta questão mostrava o papel que ele pretendia exercer na
ordenação dessa mesma sociedade.
16Tendo, em obras anteriores a 1965 ou 1968, atingido tal nível, parece lícito perguntar por
que motivo se não pode, na minha opinião, dizer o mesmo de outra obra que aparentemente
devia não só mantê-lo, mas até superá-lo. Refiro-me ao volume IV da Nova História de
Portugal, intitulado Portugal na Crise dos séculos XIV e XV. Não se trata, obviamente, de
uma obra menor. Só um especialista já experimentado seria capaz de dominar matéria tão
vasta e de, sobre ela, apresentar uma síntese tão completa, diversificada e rigorosa como a
que de facto Oliveira Marques escreveu. A quantidade de dados que fornece acerca de toda a
espécie de factos e questões, e a cobertura sistemática de todos os aspectos imagináveis,
fazem dela um precioso instrumento de trabalho. Mas é justamente o seu carácter quase
enciclopédico que, a meu ver, a prejudica. O leitor não chega a perceber quais foram os
problemas fundamentais da sociedade portuguesa neste período de dois séculos, afinal tão
decisivo, tão brilhante e tão agitado da nossa História. Não lhe são dados elementos
suficientes para ter uma ideia acerca, por exemplo, dos motivos que tornaram Portugal a
primeira nação europeia a desencadear o movimento da expansão marítima e continental;
não encontra explicações suficientes para perceber o que a sociedade portuguesa teria de
comum ou de diferente em relação ao resto da Península e ao resto da Europa; não
vislumbra nenhuma relevância especial da vida religiosa portuguesa, das suas tentativas de
reforma, nem da importância social e cultural que ela exerceu na época das contestações da
autoridade eclesiástica e da disciplina monástica; não lhe é dado nenhum elemento válido
para compreender a diferença entre a nobreza desta época e a dos séculos anteriores, para
avaliar a sua relação com a monarquia ou para conhecer a sua ideologia. Todavia, encontra
aí informações detalhadas e completas, por exemplo, acerca dos têxteis mais importados por
Portugal, das percentagens de compras de jóias e chapéus em relação com armas e
munições feitas pelo feitor português na Flandres em 1441, 1443 e 1471, encontra uma
relação nominal completa de todos os castelos referidos na documentação portuguesa do
século XIV e não falta uma descrição sumária das pinturas que ornamentavam as salas de
aula da Universidade de Lisboa em 1431. E assim sucessivamente.
17A última obra medievalística de Oliveira Marques representa bem, na verdade, uma
tendência que nele existira desde sempre, mas se atenuara na década de 1960, e que se
pode considerar o resultado de uma concepção neo-positivista da História. Cada vez mais
avesso à história interpretativa, desiludido pelo contributo que as Ciências Sociais e em
particular a Sociologia podiam dar à História, concebia-a, fundamentalmente, como um
estabelecimento rigoroso e tão vasto quanto possível de dados e de factos datados e
situados no espaço. Já na sua História de Portugal assumia esta posição para justificar a
«fuga quase sistemática aos grandes voos interpretativos, às sínteses globais» 2. A
informação detalhada sobre factos e dados e o seu agrupamento por temas segundo uma
ordem lógica aparece como um verdadeiro e vastíssimo ficheiro bem classificado, mas revela
uma concepção estática do período considerado. No seu prefácio, Oliveira Marques explica a
sua opção de privilegiar as estruturas sobre a conjuntura (note-se bem o substantivo
singular – em 200 anos não há, para ele, uma sucessão de conjunturas, mas uma só); por
isso a reduz a umas escassas 10% das páginas que lhe consagra no conjunto de toda a obra.
Aquilo a que chama «conjuntura», porém, é, aqui, simplesmente, a história política Não
adere, portanto, à já nessa altura crescente afirmação da historiografia anglo-saxónica, para
a qual a História política constitui o elemento condutor da narrativa e que melhor permite
explicar os acontecimentos. Por outro lado, embora se proponha descrever as «estruturas»,
também não adere à História Económica e Social francesa, uma vez que não tenta explicar a
relação que os factos económicos tiveram com os sociais, políticos ou culturais e vice-versa.
Nestas condições, convém esclarecer que o título dado à sua Nova História de Portugal não
significa uma adesão ao que a terceira geração da historiografia francesa do após-guerra
chamou a Nouvelle Histoire, mas o propósito de escrever uma História diferente. Não
conseguiu defini-la conceptualmente, mas pode-se considerar como neo-positivista.
19Resta-me acrescentar que o facto de, pessoalmente, seguir uma orientação conceptual e
metodológica diferente, não me impediu nunca, nem me impede hoje de reconhecer o que
devo às melhores obras do meu antigo colega do liceu e companheiro de tarefas
universitárias. Talvez algum comentador apressado caia na tentação de nos classificar, a
mim e a ele, como adversários um do outro. Podemos ter tido as nossas divergências
noutros campos. No da investigação, porém, creio que os nossos estudos não foram nem são
opostos, mas apenas complementares. Tenho o maior respeito por tudo o que este
incansável investigador escreveu, considero um privilégio ter beneficiado dos seus trabalhos
e ter também participado com ele na estruturação da Faculdade em que ele trabalhou com
todo o empenho.
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Notas
1 1 Não foi, porém, a sua primeira obra. Com 21 anos apenas começou a publicar a História do
Selo Postal Português, de que sairiam três volumes entre 1954 e 1958. Nas listas das «principais
obras do Autor», que costumava incluir nos seus livros, nunca deixou de a referir como a sua obra
inaugural.
Referência eletrónica
José Mattoso, «Perspectiva de um medievalista», Ler História [Online], 52 | 2007, posto online no
dia 20 março 2017, consultado no dia 15 dezembro 2021. URL:
http://journals.openedition.org/lerhistoria/2560; DOI: https://doi.org/10.4000/lerhistoria.2560
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Autor
José Mattoso
FCSH/UNL