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Por que fazemos prostrações?

Por Pe John Breck

Prostrações podem parecer um exercício curioso e duvidoso para os cristãos


assumirem. Elas têm um lugar vital, no entanto, na jornada espiritual que leva
através do ascetismo quaresmal à alegria pascal.

Uma professora do Sarah Lawrence College, em uma aula prática, trouxe alguns
de seus alunos ao Seminário de São Vladimir, para apresentá-los ao culto
Ortodoxo. Foi muito bem-vinda a visão de um grupo de jovens homens e
mulheres chegando, à medida que a comunidade se reunia na capela do
seminário. Curiosamente, ela escolheu oferecer-lhes esta introdução em uma
tarde de quarta-feira da Grande Quaresma, durante a Liturgia dos Dons Pré-
Santificados. Como era de se esperar, as reações por parte dos estudantes foram
diversas. Com as muitas prostrações feitas pelos membros da congregação
durante o serviço, essas reações incluíam uma medida de surpresa, ou
divertimento, ou mesmo escândalo.
Os gestos físicos são vistos com muita ambivalência por muitos americanos. Na
Europa Ocidental, ninguém fica surpreso ou ofendido quando os adolescentes,
por exemplo, se cumprimentam na rua beijando-se na face: duas, três ou quatro
vezes (o protocolo limita-o, no entanto, se forem um menino e uma menina). Se
entro em um restaurante e encontro um amigo ortodoxo, instintivamente
tendemos a cumprimentar um ao outro abraçando da mesma maneira. O olhar
nos rostos de outros fregueses, no entanto, é geralmente de choque ou
perplexidade: "Nós não fazemos isso em nossa sociedade". Nós, ortodoxos,
fazemos, no entanto.

Também fazemos prostrações, tanto em nossos momentos de oração pessoal,


como em nossos serviços litúrgicos, particularmente durante a Grande
Quaresma. Por que nós fazemos isso? É alguma estranha transferência da
espiritualidade monástica tradicional, com sua ênfase na rigorosa disciplina
ascética? Ou é uma prática que tem valor especial para quem deseja entrar de
maneira séria e profunda na Vida em Cristo? É, em outras palavras, um
exercício peculiar, assumido talvez para algum benefício para a saúde, como
uma espécie de yoga cristão? Ou é uma prática que funciona como uma
transformação real e positiva em nossa vida, que é tanto física quanto espiritual?

Os americanos(ocidentais, em geral) nos dias de hoje estão completamente


familiarizados com as prostrações feitas pelos muçulmanos durante seu ritual
de oração diária; vemos imagens dela quase diariamente na mídia. A maioria
não está ciente de que os cristãos ortodoxos praticam a mesma disciplina,
ajoelhando-se em um local de adoração e tocando a cabeça no chão, antes de se
levantar para permanecer na atitude usual de oração. Eles ficariam surpresos de
testemunhar esses monásticos, por exemplo, fazendo literalmente centenas de
prostrações durante um serviço comum das Vésperas (uma visão comum no
Mosteiro da Santa Dormição em Michigan, como em muitas outras
comunidades). Eles ficariam igualmente surpresos ao verem leigos “comuns”
se prostrarem repetidamente durante os Ofícios da primeira semana da Grande
Quaresma, durante o penitencial Cânon de Santo André de Creta. Mas,
novamente, isso é o que nós ortodoxos fazemos. Por quê?

Uma boa resposta à pergunta aparece nos escritos do grande bispo hesicasta
Theoliptos de Phildelphia (+1322). "Não negligencie a prostração", ele adverte
seus filhos espirituais. “Ela fornece uma imagem da queda do homem no pecado
e expressa a confissão de nossa pecaminosidade. Levantar-se, por outro lado,
significa arrependimento e a promessa de levar uma vida de virtude. Que cada
prostração seja acompanhada por uma invocação noética de Cristo, para que ao
cair diante do Senhor, em alma e corpo, você possa ganhar a graça do Deus das
almas e dos corpos ”.

A importância das prostrações, do ponto de vista de Theoliptos, é muito mais


espiritual que física. Ao dobrar nossos joelhos, assumimos uma atitude de
humildade diante do Deus a quem oferecemos nossa oração. Ajoelhando-se,
tocando nossa testa no chão, reconhecemos nossa pecaminosidade; nós criamos
uma imagem viva de nossa queda no pecado. Nossa própria postura representa
uma confissão desse estado, uma lembrança de nossa pobreza espiritual, de
nossa suscetibilidade a paixões de ganância, luxúria, raiva e malícia. Ao
fazermos nossa descida no corpo e no espírito, confessamos também o Nome
acima de cada nome, o Nome que “sustenta o universo”, como o Pastor de
Hermas expressa, e sustenta nosso mundo pessoal também: “Senhor Jesus
Cristo, Filho de Deus, tem misericórdia de mim, pecador!

Então, quando nos levantamos, essa confissão de Cristo e de nossa


pecaminosidade torna-se um símbolo corporal, uma promessa virtual, que a
mudança ocorrerá em nossa vida. Nós nos comprometemos com o
arrependimento, com a mudança do velho Adão para o novo. A transformação
interior significada por esse gesto, é claro, não surge como resultado de nossas
prostrações e nem mesmo como resultado de nossa decisão de nos
arrependermos. Como todo aspecto de nossa vida cristã, essa transformação - o
poder de agir sobre o nosso compromisso - é um dom da graça que vem “do
alto, do Pai das luzes”.

Esta passagem da Epístola de Tiago (1:17), no entanto, precisa ser lida em seu
contexto, expresso tão bem ao longo da carta: “Que proveito, meus irmãos, se
um homem diz que tem fé, mas não tem obras? ? Pode a sua fé [só] salvá-lo?
Mostre-me a sua fé para além das suas obras, e pelas minhas obras mostrarei a
minha fé ... pois, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim a fé sem
as obras está morta."

Quando consideramos disciplinas ascéticas como jejum e prostrações, é


essencial lembrarmos palavras como essas. Essas disciplinas podem de fato
operar uma transformação interior, purificando e direcionando nossa mente e
espírito para “a única coisa necessária” (Lc 10:42). Mas eles nunca são fins em
si mesmos. Como os Santos Padres ensinam repetidamente, elas existem com o
único propósito de nos conduzir a Cristo, o único que cura nosso
quebrantamento, perdoa nossos pecados e nos atrai para a eterna comunhão com
Deus e uns com os outros.
A última palavra, quando tomamos a determinação de assumir a séria disciplina
da Quaresma, nos é dada por nosso próprio Senhor. Invocando a hipocrisia dos
líderes religiosos que seguiam a letra da Lei, mas ignoravam seu espírito, Ele
declara: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que dizimais a hortelã,
o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a
misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas."
(Mateus 23:23)

Práticas ascéticas, particularmente durante os períodos da Quaresma, são boas


e até mesmo necessárias, se quisermos entrar totalmente no espírito da festa, e
permitir que o próprio Espírito trabalhe Sua graça e poder transformadores em
nossa vida. Mas essas práticas nunca podem ficar sozinhas. Um de seus
propósitos mais básicos, além do valor espiritual que elas nos oferecem, é nos
levar a atos de justiça e misericórdia para com aqueles que nos rodeiam. Acima
de tudo, devemos fazê-lo, sem negligenciar os outros.

Tradução: Hipodiácono Paísios

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