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COLABORADORES

TRADUÇÃO REVISÃO

THIAGO THIAGO
PALOMA FELIPE
CAMILA GABE

REVISÃO FINAL

THIAGO





SUMÁRIO

CAPA
COLABORADORES
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO CARTOZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZEENOVE
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
CAPÍTULO UM

Mesmo depois de um semestre em Palmetto State e algumas semanas praticando no maior estádio
de Exy dos Estados Unidos, Neil ainda ficava sem fôlego em meio ao Foxhole. Deitado de costas na
linha da meia-área, mergulhou em seus pensamentos. Contou as fileiras de assentos, alternando
entre laranja e branco, até que se desfocaram indistintamente próximo as estrutura metálicas do
teto; observou os banners do campeonato de primavera pendurados em ordem numérica em torno da
quadra. Um com cada Raposa, incluindo o falecido Seth Gordon. Os banners não estavam lá durante
os preparativos das Raposas para o Natal, e Neil perguntou-se o que Allison diria quando os visse.

– Esqueceu de como se levantar, Josten?

Neil inclinou sua cabeça para o lado, enxergando o seu treinador. Ele deixara a porta da quadra
aberta, e, agora, David Wymack estava parado na entrada. Neil não pensou que tivesse ficado tempo
o suficiente a ponto de Wymack ter finalizado sua papelada. Ou Wymack não confiava em Neil para
manter sua promessa de não treinar até que estivesse completamente curado, ou Neil tinha perdido
a noção do tempo novamente. Neil esperou que fosse a primeira opção, mas seu estômago revirado
dizia o contrário.

Ele concordara em passar o feriado natalino em Edgar Allan, porém, os Corvos treinavam
dezesseis horas por dia durante os feriados. O que deveria ter sido duas semanas passou como se
fossem três, e o relógio interno de Neil estava desordenado mesmo depois de dois dias na Carolina
do Sul. Apesar disso, as aulas começariam na quinta-feira e a temporada de primavera seria iniciada
na semana seguinte. Wymack tinha absoluta certeza de que ter uma rotina normal novamente
ajudaria. Restava a Neil manter-se na expectativa de que ele estivesse certo.

– Hora de ir –, disse Wymack.

Foi o suficiente para fazer Neil se levantar, embora seu corpo agredido protestasse. Ele ignorou a
dor com facilidade, por ter uma grande familiaridade com a mesma, e resistiu ao impulso de esboçar
a dor em seu ombro enquanto cruzava a quadra até Wymack. Ele não deixou de reparar o olhar
julgador que Wymack lhe dirigiu, optando por ignorá-lo.

– Eles já desembarcaram? – perguntou Neil, quando esteve perto o suficiente.

– Você saberia se respondesse as mensagens.

Neil retirou o celular do bolso e abriu-o. Pressionou alguns botões, então virou a tela escura na
direção de Wymack.

– Devo ter esquecido de carregá-lo.

– Deve ter –, repetiu Wymack, não se deixando enganar.

Ele estava certo em ficar desconfiado; Neil tinha deixado seu celular descarregar de propósito.
Antes de ir para a cama, no Ano Novo, o aparelho descarregara e Neil o manteve longe da tomada.
Ele ainda não tinha lido as mensagens que seus colegas de equipe o enviaram durante o feriado. Ele
não poderia evitá-los para sempre, mas Neil ainda não tinha descoberto como explicaria suas ações.
Os ferimentos horrendos que trazia eram uma consequência esperada por ter desafiado Riko. A
tatuagem em sua bochecha lhe daria um pouco mais de trabalho para justificar, mas nada impossível.
No entanto, Neil não conseguiria contornar o que Riko fizera com sua aparência.

Depois de nove anos de lentes de contato coloridas e tinturas de cabelo, Neil finalmente tinha
suas cores naturais de volta. Com o cabelo castanho-avermelhado e olhos azuis brilhantes, ele era a
imagem cuspida do pai assassino que ele passara metade de sua vida tentando fugir. Ele não havia se
olhado no espelho há dois dias. A negação não mudaria sua aparência novamente, mas ele vomitaria
se visse seu reflexo outra vez. Se pudesse ao menos pintar seu cabelo de alguns tons mais escuros,
respiraria um pouco mais aliviado, mas Riko deixara claro o que faria com as Raposas se Neil
mudasse de fisionomia.

– Eles estão na área de recolhimento de bagagens –, disse Wymack. – Precisamos conversar.

Neil fechou rapidamente a porta da quadra e seguiu Wymack até o vestiário. Wymack desligou as
luzes da quadra, e Neil olhou para trás enquanto o Foxhole era engolido pela escuridão. A súbita
ausência de luz provocou um arrepio por seu corpo. Por um momento, ele estava de volta a
Evermore, sendo sufocado pela malevolência dos Corvos e pela restrita paleta de cores do estádio.
Ele nunca havia sido claustrofóbico, mas o peso do imenso ódio quase esmagou cada osso em seu
corpo.

O tilintar das chaves o trouxe de volta daquele abismo perigoso e Neil virou-se, assustado.
Wymack entrou no vestiário a sua frente e destrancou a porta do escritório. Embora os dois fossem
os únicos ali – exceto pelo segurança fazendo rondas obrigatórias em algum lugar –, Wymack tinha
trancado o escritório em sua curta ausência.

Neil estivera lá vezes o suficiente para saber que Wymack não mantinha nada particularmente
especial em suas prateleiras. A única coisa de alguma importância ali era a bolsa esportiva de Neil,
tal qual ele havia escondido em um canto do escritório antes de ir para a quadra. No primeiro dia de
Neil na Carolina do Sul, ele pedira a Wymack que protegesse suas coisas e, sete meses depois,
Wymack ainda cumpria essa promessa.

Era quase o suficiente para fazer Neil esquecer tudo sobre Riko.

Wymack se distanciou e gesticulou para Neil se apressar. No pouco tempo que levou para Neil
pegar sua bolsa e pendurar a alça em seu ombro Wymack desapareceu. Neil encontrou-o na sala das
Raposas, sentado ao lado da TV. Neil agarrou a alça de sua bolsa, criando coragem, e ficou em pé a
frente dele.

– Kevin me ligou ontem de manhã, quando não conseguiu falar com você –, disse Wymack. – Ele
queria ter certeza de que você estava bem. Aparentemente, ele sabia esse tempo todo onde você
estava.

Não havia o porquê mentir, então Neil respondeu:

– Sim.

– Eu o obriguei a contar para os outros –, disse Wymack, e o coração de Neil parou. Ele abriu sua
boca para protestar, mas Wymack ergueu sua mão e continuou. – Eles precisavam saber o que os
aguarda quando voltarem... Para o seu próprio bem. Pense por um momento sobre como eles
reagiriam se vissem você assim, sem nenhum aviso prévio. Você fica visivelmente abalado quando
eles te chamam de amigo, você provavelmente teria um ataque psicótico quando eles surtassem para
cima de você.

Neil queria argumentar contra essa decisão. O melhor que conseguiu não foi convincente:

– Estava pensando em algo.

– Você já está todo enrolando –, acusou Wymack, – então eu inventei algo para você. Eu disse a
eles que você parece ter lutado seis rounds contra o Pé-Grande e que você provavelmente não
gostaria de falar sobre isso. Eles prometeram não pressioná-lo, mas não sei se manterão essa
promessa quando virem você de perto. Isso, no entanto, eu não contei. – Ele gesticulou vagamente
em seu próprio rosto.

Neil tocou o curativo que escondia a tatuagem em sua bochecha.

– Isso?

– Tudo isso –, disse Wymack e assentiu quando Neil moveu sua mão até seu cabelo. – Eu não sei
por que Riko fez isso, mas vou esperar por minhas respostas. O que você dirá para eles é com você.

Foi quase o suficiente para derreter o gelo em seu peito. Neil não sabia o que dizer, então assentiu
e olhou para o relógio. Ele não precisava buscar os outros no aeroporto, porque Matt pagara para
estacionar sua caminhonete em um estacionamento de longo prazo. Neil deveria encontrar-se com
eles na Torre das Raposas, mas se eles estivessem recebendo suas bagagens apenas agora demoraria
outros vinte minutos para chegar ao campus.

– Deveria te acompanhar? – indagou Wymack.

– Até o dormitório?

Wymack poupou a Neil um breve e piedoso olhar:

– Eu quis dizer a Columbia.

Andrew seria liberado hoje. Assim que os outros deixassem suas coisas no dormitório, eles
estariam a caminho do Hospital Easthaven. Fazia sete semanas desde que as Raposas o tinham visto
pela última vez e quase três anos desde que Andrew esteve limpo. Dois deles sabiam que Andrew era
totalmente insensível quando sóbrio; os outros apenas sabiam rumores desagradáveis e
especulações. Era altamente improvável que Andrew se importasse com o fato de Neil estar quase
todo retalhado em pedaços, mas Neil tinha quebrado sua promessa de ficar ao lado de Kevin na
ausência de Andrew. Neil tinha suas dúvidas se Andrew levaria isso numa boa.

Apesar disso, Neil não estava preocupado.

– Vamos ficar bem.

– Caso contrário, pelo menos Abby vai estar de volta à cidade amanhã para cuidar de vocês. –
Wymack checou seu relógio e levantou-se. – Vamos indo então.

Foi uma curta viagem de carro até o dormitório dos atletas. O estacionamento aos fundos da Torre
das Raposas estava, no geral, deserto, mas alguns dos carros das Raposas ainda estavam
estacionados lá. Supostamente, os seguranças fizeram rondas para garantir que os carros não fossem
violados na ausência de seus donos, no entanto, Neil ainda tinha Wymack dando uma pausa ao lado
do carro de Andrew. Ele forçou as alças das portas por primeiro, então verificou as janelas,
procurando por rachaduras ou vandalismo. Chutou os pneus, decidindo que estavam satisfatórios
para a futura viagem. Wymack esperou com o motor de seu carro ligado até Neil estar pronto.

– Preciso ficar? – indagou Wymack.

– Vou ficar bem –, garantiu Neil. – Vou pedir ao Kevin para te ligar quando pegarmos Andrew.

– Recarregue seu celular e me ligue você mesmo –, disse Wymack. – Boa sorte.

Ele se afastou, e Neil entrou no dormitório. Os corredores cheiravam levemente a purificadores


de ar e produtos de limpeza; alguém já havia passado ali durante as férias para arrumar o lugar. Seu
quarto era no terceiro andar, o mais distante dos três outros quartos das Raposas, longe da
escadaria. Ele entrou, trancou a porta atrás de si e deu uma voltinha lenta pela suíte. Não
encontrando nada fora do lugar, conectou o celular para carregar e desfez sua mala. A última coisa
que tirou foi um maço de cigarros. Ele o levou até a janela do quarto e acendeu.

Estava no segundo cigarro quando a porta da frente se abriu. A tranquilidade lhe dizia que Matt
havia vindo sozinho; Nicky não seria sorrateiro nem para salvar a sua própria vida. Neil ouviu o
estalo de uma mala sendo colocada ao chão e o clique da porta ao destravar no batente. Neil deu um
último suspiro profundo de fumaça e apagou o cigarro no parapeito da janela. Ele forçou a tensão de
seus ombros, rezou para que sua expressão neutra permanecesse e fechou a janela. Quando se virou,
Matt estava parado na entrada do quarto com as mãos afundadas nos bolsos do casaco.

A boca de Matt se moveu sem produzir som algum por alguns minutos, antes de ele finalmente
conseguir um engasgado:

– Jesus Cristo, Neil.

– Não é tão ruim quanto parecel.

– Não. Apenas... Não, como é? – disse Matt. Ele passou seus dedos pelo cabelo, bagunçando o
penteado espetado com gel e se virou. – Espere aqui.
Neil foi em direção à porta do quarto, enquanto Matt deixava a suíte. Assim que a porta se fechou,
houve um forte som de um corpo batendo contra a parede. Neil ouviu o tom furioso de Matt enquanto
atacava alguém, mas as paredes eram grossas o suficiente para abafar suas palavras. Neil trocou seu
peso de um pé para o outro e cometeu o erro de olhar a sua direita. A porta do banheiro estava
aberta, dando-lhe uma boa visão de seu reflexo. Os hematomas multicoloridos espalhados por seu
rosto eram horríveis, mas os olhos azuis o encarando de volta eram mil vezes mais assustadores. Neil
engoliu em seco contra uma onda de náusea e desviou o olhar.

Ele voltou para pegar seu celular e desconectou-o do carregador. Não estava nem perto de estar
completamente carregado, mas ele esperava que houvesse bateria suficiente para durar até
Columbia. Neil desligou o celular, para quando precisasse e o guardou no bolso. A tentação de se
arrastar para a cama era quase que irresistível. Ele já estava exausto e ainda tinha mais sete
companheiros de equipe para lidar depois que Matt terminasse com ele. Não havia nenhuma maneira
de sobreviver se as meninas estivessem voltando hoje; felizmente, as três estariam no voo de amanhã
pela manhã. Ele teria a noite para se distanciar e descansar.

Ele se dirigiu até a sala para esperar. Matt se juntou a ele novamente um minuto depois e fechou
firmemente a porta atrás de si. Ele fez um esforço visível para se acalmar, mas ainda havia um
resquício em sua voz enquanto falava:

– O treinador já gritou com você?

– Em alto e bom som –, disse Neil. – Não serviu de nada. Eu não estou arrependido e eu faria isso
novamente se necessário. Não –, Neil o cortou antes que Matt pudesse argumentar. – As Raposas são
tudo o que eu tenho, Matt. Não diga que eu estava errado por fazer a única coisa que eu podia.

Matt o encarou por um minuto que pareceu não ter fim, então disse:

– Quero quebrar a cara dele em seis partes. Se ele ousar a chegar perto de você novamente...

– Ele vai ter que chegar –, disse Neil. – Nós vamos jogar contra os Corvos nas finais.

Matt sacudiu a cabeça e pegou sua mala. Neil deu espaço para que Matt pudesse passar, mas
Matt lançou um último olhar ao rosto de Neil em sua passagem. A surpresa levou o resquício de sua
indignação. Neil não devolveu o olhar e andou até a porta. Quase conseguiu; ele tinha sua mão na
maçaneta quando Matt falou:

– O Treinador disse para não perguntar sobre seus olhos –, continuou Matt. – Eu achava que Riko
os escurecia.

Não era realmente uma pergunta, então Neil não respondeu.

– Voltaremos em algumas horas.

Ele partiu antes que Matt pudesse argumentar.

Kevin, Nicky e Aaron esperavam a duas portas de distância depois de seu quarto. Nicky segurava
duas sacolas de presentes, mas deixou-as cair com a aproximação de Neil. Neil estava a meio
caminho deles antes de ver o hematoma no rosto de Kevin. A mancha vermelha no meio de sua
bochecha dizia que um segundo hematoma não tardaria a se formar. Não era a primeira vez que Matt
batia em Kevin e, definitivamente, não seria a última, mas Neil fez uma nota mental para falar com
ele mais tarde. Nada daquilo fora culpa de Kevin.

Com isso, ele afastou Matt de seu pensamento focando-se nos três rapazes na sua frente. Não tão
surpreendentemente, Aaron era o mais seguro deles, para ser observado. O puxão franzido no canto
de sua boca era curiosidade, não simpatia, e seu olhar permaneceu mais tempo nos cabelos de Neil
do que nos hematomas que manchavam o seu rosto. Neil deu-lhe um momento para ver se ele
perguntaria algo, mas tudo que Aaron fez foi dar de ombros.

Nicky, por outro lado, parecia absolutamente abalado quando percebeu a aparência destruída de
Neil. Ele o alcançou assim que Neil estava perto o suficiente e envolveu sua mão em torno de sua
nuca. Ele cuidadosamente puxou Neil contra ele e apoiou seu queixo na cabeça de Neil. Nicky estava
tenso como pedra, mas o longo suspiro que ele deixou sair por sua boca foi trêmulo.
– Ah, Neil –, ele arfou com a voz sufocada. – Você está horrível.

– Isso vai desaparecer –, garantiu Neil. – A maior parte, pelo menos. Não se preocupe com isso.

Os dedos de Nicky se apertaram em espasmo.

– Não se atreva a dizer que você está bem. Eu não posso ouvir isso de você hoje, tudo bem?

Neil obedientemente ficou quieto. Nicky o segurou por mais um minuto e finalmente o largou.
Neil virou-se para Kevin e sentiu seu estômago embrulhar. Kevin o encarava como se tivesse visto um
fantasma. Talvez, os outros pudessem achar a mudança abrupta na aparência de Neil surpreendente
– menos os primos, pois eles já tinham visto os olhos azuis de Neil em suas viagens a Columbia –, mas
Kevin sabia quem Neil realmente era e havia conhecido o pai de Neil. Ele sabia exatamente o que
aquilo significava. Neil meneou a cabeça em negação, em uma demanda silenciosa para ele manter-
se quieto. Ele não ficou inteiramente surpreso por Kevin ter ignorado aquilo, mas, pelo menos, Kevin
teve a decência de falar em francês.

– Me diga que o mestre aprovou isso.

– Eu não sei –, disse Neil. Os últimos dias sob a custódia de Riko foram um borrão doloroso e sem
significado que ele ainda estava tentando processar. Ele apenas se lembrava vagamente das mãos de
Jean passando a tintura em seu cabelo. Ele achava que fora uma das últimas coisas que eles fizeram
com ele, mas ele não conseguia se lembrar se o tio de Riko, Tetsuji, estava presente naquela situação.
– Riko avisou que nos machucaria se eu mudasse a cor novamente. Tudo o que posso fazer é abaixar
minha cabeça e esperar pelo melhor.

– Abaixar sua cabeça –, repetiu Kevin. Ele gesticulou com incredulidade em sua própria face. –
Riko me ligou no Natal, para dizer que ele tinha te tatuado. Por quanto tempo você acha que ele vai
deixar você esconder antes de te obrigar a mostrar isso? A imprensa estará por toda a parte, e eles
não vão parar de fazer perguntas sobre sua tatuagem. Ele está tentando fazer com que você seja
encontrado.

O medo era como gelo no estômago de Neil, machucando o caminho até sua garganta. Evitar
sangrar enquanto falava fez Neil dar tudo de si.

– Vou levar isso como um elogio. Ele está tentando me tirar do jogo antes das semifinais. Ele não
desperdiçaria seu tempo, a menos que pense que vamos realmente ser uma ameaça. Isso significa
algo, não é?

– Neil.

– Eu me preocupo com a equipe, Kevin. Vou me preocupar comigo. Faça o que você faz de melhor
e foque em Exy. Nos leve até onde eles não querem que a gente vá.

A boca de Kevin se comprimiu numa fina e rígida linha, mas não discutiu. Talvez sabendo que
seria inútil, talvez sabendo que era tarde demais. Nicky olhou entre eles, como se estivesse tendo
certeza de que tinham terminado, então ergueu novamente as sacolas e deu uma para Neil.

– Presente de Natal, atrasado –, disse ele, um tanto tristonho – Ninguém sabia seu endereço em
Millport, então eu percebi que teria que lhe dar pessoalmente. Erik me ajudou a escolher. – Quando
Neil fez uma expressão confusa, Nicky disse: – Ele pegou um voo para Nova York e ficou por alguns
dias, uma surpresa natalina. Kevin comprou algo para você, também. Ele não me deixou embrulhar,
então tá numa sacola feia. Me desculpe.

Nicky sacudiu a outra sacola de presente, enquanto Neil pegava a que lhe havia sido oferecida
anteriormente.

– Eu também tenho o de Andrew comigo. Na verdade, eu comprei para vocês dois a mesma coisa,
porque vocês são tipo, as pessoas mais difíceis no mundo para se comprar algo.

– Me desculpe –, disse Neil. – Eu não comprei nada para ninguém. Eu não estou acostumado a
comemorar o Natal.

– Você quer dizer que estava muito ocupado sendo pulverizado para fazer compras –, disse Aaron.
Nicky pareceu que havia se engasgado com a grosseria de seu primo, mas Aaron continuou como se
não houvesse dito nada de errado. – Kevin disse que você foi por causa de Andrew. Isso é verdade?

Neil lançou um olhar de advertência para Kevin.

– Sim.

– Por que? – indagou Aaron. – Ele não vai ficar nada grato.

– Da mesma forma que não ficou grato por você ter matado o Drake –, rebateu Neil. – Gratidão
não importa. Nós fizemos o que tivemos que fazer. Eu não ligo para o que Andrew pensa.

Aaron o estudou em silêncio. Ele estava procurando por respostas, porém Neil não sabia qual era
a questão. Tudo o que ele podia fazer era olhar de volta, até que Aaron finalmente balançou sua
cabeça e desviou o rosto. Neil queria pressioná-lo, para ter uma explicação, mas precisava guardar
suas energias para Andrew. Ele se distraiu abrindo o presente que Nicky lhe dera. Envolvido no papel
laranja estava um casaco preto. Parecia pequeno, entretanto, estava pesado em suas mãos; aquilo o
manteria aquecido do frio amargo que havia castigando a Carolina do Sul.

Neil deixou Nicky pegar a sacola de volta.

– Obrigado –, disse ele.

– Você ainda não tinha nenhuma roupa de inverno apropriada –, disse Nicky. – Nós deveríamos
levá-lo para sair e expandir seu guarda-roupa novamente, mas achei melhor começarmos com isso.
Você não pode continuar usando os moletons do time sem esperar pegar um resfriado. O casaco
serve?

Neil abaixou o zíper do casaco e começou a vesti-lo. Ele apenas havia conseguido colocar um
braço antes de todo o seu peito e laterais arderem de dor. Ele ficou paralisado e piscou para tirar o
borrão que tomou conta de sua visão.

– Me desculpe –, disse ele, imediatamente arrependido. Ele podia ouvir a dor em sua voz,
profunda o suficiente para fazer suas palavras obterem outro tom. Nicky parecia subitamente tomado
pela culpa. – Eu ainda não posso.

– Me desculpe –, Nicky se apressou em dizer. – Eu não... Eu não estava pensando. Aqui, aqui.
Deixe comigo. Já consegui. – Nicky retirou o casaco do braço de Neil e dobrou-o. – Vou guardá-lo até
que você esteja melhor, certo?

– Certo.

Neil deu a si mesmo mais um momento para respirar, antes de tirar o presente de Kevin da sacola.
Ele soube o que era assim que sentiu o peso. Ele havia se preocupado com suas anotações por tempo
demais para não reconhecer a sensação daquilo em suas mãos. À primeira vista, o fichário era um
santuário de um fã obsessivo por Kevin e Riko. Com um pouco mais de procura, desenterraria tudo o
que Neil precisava para uma vida em fuga. O dinheiro, os contatos ilegais e o número do celular de
seu tio estavam escondidos entre os incontáveis artigos de Exy.

– Você não vai ver? – perguntou Nicky.

– Eu sei o que é – Neil apertou a sacola para fechá-la e olhou para Kevin. – Obrigado.

– Eu não o abri.

Neil não queria lidar com Matt novamente, então ele percebeu que poderia levar a pasta com eles
para Columbia e guardar no cofre mais tarde.

– Estamos prontos?

– Se você tiver certeza de que está bem para uma viagem –, disse Nicky.

Neil começou a descer as escadas como resposta. Os três foram atrás dele e o seguiram até o
carro. Kevin tomou seu lugar habitual no banco do passageiro e Nicky seguiu Aaron para o banco de
trás. Neil escondeu seu fichário sob o banco do motorista e ignorou a maneira como seu corpo doeu
quando se abaixou. Assim que todos estavam acomodados, Neil pegou a estrada. Ontem, ele havia
checado as direções até Easthaven no computador de Wymack. Era uma viagem fácil, quase
exatamente o mesmo caminho que eles pegavam para o Eden’s Twilight quando eles iam beber em
Columbia. A única diferença real eram nos últimos quinze minutos, quando eles circulavam em torno
da capital e dirigiam para o nordeste.

Neil não havia se dado conta que, a seu ver, esperava que o Hospital Easthaven se parecesse com
uma prisão, até que o lugar finalmente ficou visível e a falta de arame farpado nos arredores o
assustou. O portão estava sem vigias e o estacionamento relativamente vazio. Neil desligou o motor e
saiu. Kevin não estava muito atrás dele, mas Nicky e Aaron foram mais lentos ao se mover. O olhar
que Nicky direcionou até a porta da frente era de nervoso. Ele escondeu seu desconforto por trás de
um sorriso quando percebeu que Neil estava o encarando.

– Sinceramente, você tem medo dele? – indagou Neil.

– Nããão –, disse Nicky, de forma nada convincente.

Kevin estava logo atrás de Neil enquanto eles se dirigiam para dentro, e Neil não deixou de
reparar na maneira como Aaron e Nicky recuaram um pouco. Ele achou que essas ressalvas de
última hora deveriam torná-lo um pouco mais apreensivo pelo o que os esperava ali, mas ele não
sentiu nada.

Ao chegar ao saguão, direcionou-se até a recepção. A pintura floral adicionava um pouco de cor a
fachada com uma lareira construída na parede mais distante. O lugar tentava parecer um lar
reconfortante, parecia mais como um catálogo de móveis. Pelo menos não cheirava a antissépticos e
doença.

– Saudações –, disse a recepcionista quando ela retirou o olhar de seu computador e viu o rosto
maltratado de Neil. – Vocês estão bem?

– Estamos aqui para buscar Andrew Minyard –, disse Neil.

– Não foi o que eu quis dizer –, disse ela, mas Neil apenas a olhou em silêncio. Por fim, ela fez um
gesto para a prancheta na bancada a sua frente. – Quando vocês assinarem, ligarei para o Dr. Slosky
e avisarei que vocês já estão aqui.

Eles se aglomeraram em torno da bancada e se revezaram para assinar seus nomes na folha
superior. Neil foi o único que hesitou quando a caneta tocou o papel. Riko não o deixara ser “Neil”
em Evermore. Toda a vez que Neil atendia por esse nome na quadra, Riko o espancava. Neil não
tinha muita escolha, já que os Corvos não sabiam por qual nome chamá-lo, mas Riko queria que ele
soubesse quantos problemas ele havia causado para os Moriyamas com todos os seus álibis.

A recepcionista estava esperando com a mão esticada, então finalmente Neil apertou seus dentes
e anotou seu nome sob os outros. Entregou a prancheta e tentou forçar a nova tensão para fora de
seus ombros.

Eles não tiveram que aguardar muito até que um homem de meia-idade se juntasse a eles. Ele
sorriu e cumprimentou todos com um aperto de mãos. Suas sobrancelhas se ergueram quando
enxergou Neil, mas não fez perguntas:

– Meu nome é Alan Slosky. Eu fui o terapeuta primário de Andrew durante sua estadia aqui.
Obrigado por virem hoje.

– Primário –, repetiu Nicky. – Quantos vocês atribuíram a ele?

– Quatro –, respondeu Slosky. Ao ver a expressão de Nicky, ele explicou, – Não é incomum que
nossos pacientes vejam vários médicos. Por exemplo, um paciente pode me ver para um
aconselhamento em grupo, um colega meu para um intensivo individual e um de nossos especialistas
em reabilitação para o gerenciamento do medicamento. Eu escolhi a dedo a equipe de Andrew e
posso lhe assegurar que eles são alguns dos melhores.

– Tenho certeza que fez a maior diferença do mundo –, disse Aaron.


Slosky não deixou de reparar o sarcasmo na voz de Aaron, a julgar pelo olhar que ele direcionou a
Aaron, mas ele não se deixou levar pela provocação. Neil se perguntou se fora prudência ou uma
confissão involuntária de seu fracasso.

– Posso confiar que ele terá o apoio de vocês nos próximos dias? Se vocês tiverem quaisquer
perguntas ou precisarem de conselhos sobre como proceder, por favor, sintam-se à vontade para me
ligar. Eu posso dar meu cartão...

– Obrigado, mas nós já temos a Betsy –, disse Nicky, e ao perceber o olhar interrogativo que
Slosky deu a ele, completou – Dra. Dobson?

– Ah, sim. – assentiu Slosky em aprovação. Ele olhou para o corredor vazio por cima do ombro,
pensou por um momento, então gesticulou para a sala de espera ao lado. – Por favor, fiquem à
vontade. Ele deve estar aqui embaixo em alguns minutos; ele apenas precisa finalizar a sessão antes
de sair do quarto.

Eles se acomodaram ao redor da sala, Nicky e Aaron em cadeiras separadas e Kevin


compartilhando um sofá com Neil. Neil olhou para a lareira sem perceber. Sua mente estava a
quilômetros de distância, flutuando entre o Líbano e a Grécia. O lugar estava quente o suficiente
para fazê-lo ficar sonolento. Ele tinha três – duas? – semanas de sono para recuperar. As noites dos
Corvos eram curtas, a dor e a violência tinham interrompido a maioria de suas noites. Ele não
percebeu o quão perto ele estava de dormir até o francês suave de Kevin o despertar.

– Eu sei como ele é –, disse Kevin. Neil olhou para ele, mas Kevin estava encarando suas mãos. –
Riko. Se você quiser conversar sobre isso.

Aquela foi à coisa mais estranha e desconfortável que Kevin já havia dito a ele. Kevin era
conhecido por seu talento, não pela sua sensibilidade. Consideração e sutileza eram tão
desconhecidas para ele quanto o alemão que os primos falavam. O fato de ele, pelo menos, ter
tentado foi tão inesperado que Neil sentiu aquilo como bálsamo para cada centímetro machucado de
sua pele.

– Obrigado.

– Eu sei como ele é, mas eu não posso... – Kevin fez um gesto desamparado. – Riko era cruel, mas
ele precisava que eu obtivesse sucesso. Nós éramos os herdeiros do Exy; ele me machucava, porém
havia linhas que ele não cruzaria até que o fim chegasse. Era diferente com Jean. Era pior. O pai dele
devia aos Moriyamas uma grande quantia. O mestre perdoou as dívidas em troca da presença de Jean
na equipe. Ele é uma propriedade, nada mais. Você é o mesmo aos olhos deles.

– Eu não sou uma propriedade –, disse Neil num tom de voz baixo.

– Eu sei como ele te vê –, disse Kevin. – Eu sei que isso significa que ele não se conteve em suas
ações.

– Isso não importa. – Aquilo soou como uma mentira até mesmo para ele, porém Kevin não disse
nada. – Está acabado agora, e eu voltei para onde realmente pertenço. A única coisa que importa
agora é o que vem em seguida.

– Não é assim tão fácil.

– Eu vou te dizer o que não é fácil: descobrir por Jean que o treinador é seu pai –, disse Neil e
Kevin tremeu violentamente. – Você iria algum dia contar para ele?

– Eu iria contar quando ele assinou comigo –, confessou Kevin. – Eu não consegui.

– Você estava protegendo ele ou a si mesmo?

– Ambos, talvez –, disse Kevin. – O mestre não é como o irmão, nem Riko. Seu reino é o seu
estádio e esse é o único âmbito que ele escolheu para exercer controle. Ele nunca levantou a mão ou
a voz para o treinador antes porque o treinador nunca foi uma real ameaça para ele. Eu não sei se
uma confissão iria mudar as coisas. Eu não poderia arriscar. Talvez quando tudo isso acabar.

– Isso algum dia vai... – começou Neil, mas um movimento na direção da porta o fez esquecer suas
palavras.

Andrew estava parado perto da porta com Slosky atrás. Ele estava vestindo a mesma blusa de
gola rolê preta e jeans com quais havia sido internado. Uma mochila pendia em seu ombro, mas Neil
não se lembrou de vê-lo fazendo bagagem antes de Betsy o levar para fora de seu lar. Neil poderia ter
perguntado com o que Easthaven estava mandando ele para casa, exceto que seu olhar finalmente
captou o rosto de Andrew e ele esqueceu suas palavras. A expressão de Andrew estava neutra e seu
olhar vazio foi o suficiente para colocar um nó no estômago de Neil. Andrew demorou apenas o
tempo suficiente para ver quem viera buscá-lo e partiu.

Aaron foi o primeiro a reagir. Ele fora ignorado por seu irmão durante anos; ser olhado como se
fosse tão interessante quanto uma pedra era previsível. Aaron fez um gesto para Nicky e seguiu seu
irmão. Neil e Kevin trocaram olhares, necessitando de uma trégua temporária e silenciosa, e ficaram
em pé. Slosky disse algo para eles enquanto saíam do saguão, mas Neil não perdeu tempo decifrando
suas palavras. Slosky tinha cumprido seu objetivo limpando Andrew de sua medicação. Neil não
precisava e nem queria mais nada dele.

Assim que Neil alcançou a porta, Andrew já estava a meio metro de distância. Aaron não o seguiu,
cortando caminho pelo jardim até o estacionamento. Nicky foi com ele, mas Neil e Kevin pararam
para observar Andrew. Duas lixeiras se encontravam na esquina da construção. Andrew abriu sua
mochila e a levantou sobre uma das lixeiras, Neil viu roupas caírem. Ele duvidou que Easthaven
houvesse as fornecido; era mais provável que Betsy e Andrew tivessem pegado algumas vestimentas
no caminho para Andrew iniciar a reabilitação. Andrew encarou sua família com um olhar indiferente
e usou o caminho que eles tomavam para localizar seu carro. Quando começou a se mover, Neil e
Kevin foram atrás dele.

Nicky tinha suas chaves e destrancou o carro para que ele e Aaron pudessem se acomodar no
banco de trás. Andrew abriu a porta do motorista, mas não entrou. Ficou parado com suas costas no
carro, com um braço apoiado no capô e a outra em cima da porta, e observou os atacantes se
aproximarem. Kevin parou logo a frente dele para inspecionar o seu colega de equipe que havia
retornado. Neil hesitou em frente da porta aberta para que pudesse observar o reencontro de ambos.

Se Neil não soubesse que Andrew passara o último ano e meio ferozmente sendo protetor e
territorial com Kevin, ele pensaria que eles eram desconhecidos. Andrew olhou para Kevin com uma
expressão entediada, então moveu levemente seus dedos para dispensá-lo. Parecia que nem mesmo
os hematomas eram suficientemente interessantes para terem um comentário. Kevin assentiu e
passou pela frente do carro até o banco do passageiro. Neil não esperou para ver se o olhar de
Andrew tinha mudado de direção novamente e entrou no carro.

Andrew deslizou para o banco do motorista quando todos já estavam sentados e colocou sua mão
aberta entre os assentos. Neil deixou seu chaveiro cair na palma de Andrew. Nicky pegou o pulso de
Neil enquanto ele abaixava sua mão e deu um aperto curto e violento. Nicky provavelmente queria
que aquilo fosse como uma desculpa pelo jeito frio de seu primo, mas a ardência se instalou no
antebraço de Neil até a ponta de seus dedos. Ele havia esfregado seus pulsos até ficarem em carne
viva lutando contra as algemas de Riko, e seus curativos não eram grossos o suficiente para o
proteger do aperto forte de Nicky. Neil estremeceu antes que não pudesse se conter.

Nicky o soltou como se tivesse se queimado.

– Desculpe, me desculpe. Eu não...

A mão de Neil estava latejando, mas disse:

– Está tudo bem.

– Não está –, insistiu Nicky e olhou para o seu primo. – Quero dizer, misericórdia, Andrew, você
não vai sequer perguntar...

Andrew o cortou com o som do rádio, alto o suficiente para afogar qualquer outra coisa que eles
dissessem. A boca de Nicky se retorceu, mas Neil balançou sua cabeça em negação e acenou. Aquilo
não aliviou o olhar preocupado nos olhos de Nicky, porém Nicky resolveu deixar para lá.

Kevin alcançou o rádio uma vez para tentar abaixar o volume. Andrew tirou sua mão do caminho e
lhe apontou um dedo em advertência, sem tirar seus olhos da estrada. Kevin cruzou seus braços
numa declaração silenciosa de descontentamento que Andrew ignorou. A cabeça de Neil começou a
latejar antes mesmo de eles chegarem à metade ao norte do estado. Ele ficou feliz em ver a Torre das
Raposas e ainda mais feliz quando Andrew parou o carro e tudo ficou silencioso.

Neil foi o primeiro a sair e segurou a porta de Andrew antes que Andrew pudesse a fechar.
Andrew não se moveu, mas havia espaço o suficiente para Neil se inclinar e pegar seu fichário. Ele se
aprumou e se virou, descobrindo então que Andrew tinha se aproximado. Não havia mais lugar para
ele se mover exceto ficar contra Andrew, porém, de alguma forma, Neil não se importou. Eles ficaram
separados por sete semanas, entretanto, Neil se lembrava vagamente do porquê de ele ter ficado. Ele
se lembrou desse peso inflexível e inquestionável que poderia segurá-lo e todos os seus problemas
sem sequer derramar uma gota de suor. Pela primeira vez em meses, ele finalmente podia respirar de
novo. Era tanto um alívio quanto assustador. Neil não queria ter se inclinado tanto sobre Andrew.

Finalmente, Andrew recuou e deslizou o seu olhar para Nicky.

– Você fica. O resto vai.

Neil olhou para Nicky, para ver se ele estava bem em ficar sozinho com Andrew. Ao fraco aceno de
Nicky, Neil deu a volta no carro juntando-se a Aaron e Kevin. Kevin olhou fixamente para Andrew
sobre o capô do carro, como se pudesse ver através da máscara neutra de Andrew. Neil teve que
puxá-lo forçadamente na direção do dormitório.

Eles subiram as escadas até o terceiro andar. Aaron destrancou a porta da suíte, mas Neil negou
com a cabeça o convite de Kevin de se juntar a eles. Ele esperou até que eles fechassem a porta
antes de ir para o fim do corredor e ligar seu celular. Quando o brilhante logotipo finalmente deu
lugar a sua tela inicial, ele ligou para Wymack.

– Eu estava começando a achar que eles tinham te matado e deixado você apodrecer no
acostamento da estrada –, disse Wymack ao invés de um "olá".

– Ainda não –, disse Neil. – Nós chegamos agora.

– Se alguém precisar de alguma coisa, eu tenho meu celular comigo. Tente manter o seu com
você, também.

– Sim, Treinador –, assentiu Neil e desligou seu celular assim que terminou a chamada.

Ele havia dado suas chaves a Andrew, então teve que bater na porta para entrar no seu quarto.
Ele carregou seu fichário até o outro cômodo e tirou o seu cofre do armário. O cofre apenas guardava
uma carta bem desgastada, até agora, mas ele enfiou aquilo no fichário e trancou-a, por segurança.
Ele voltou para a sala, encontrando Matt esperando por ele no braço do sofá. Neil devolveu o olhar
interrogativo de Matt com uma expressão reservada. Ele esperou as inevitáveis perguntas e
acusações, mas quando Matt finalmente falou, foi apenas para dizer:

– Você tá bem?

– Estou bem –, respondeu Neil.

– Apenas para ressaltar, eu não acredito em você –, replicou Matt.

Neil levantou um ombro num cansado dar de ombros.

– Você provavelmente não deveria acreditar em nada do que eu digo.

Matt bufou, muito tenso e silencioso para produzir uma gargalhada sincera.

– Eu tenho a sensação de que essa foi a coisa mais honesta que você já me disse durante todo o
ano. Mas, Neil? Nós estaremos aqui quando você quiser se abrir.

– Eu sei.

Ele ficou surpreso por perceber que aquilo era verdade. Ele sabia, apenas de olhar para Matt, que
Matt aceitaria qualquer verdade que Neil lhe desse agora, não importa o quão cruel e inacreditável
fosse. Ele tinha feito à coisa certa indo para Evermore; ele estava fazendo a escolha certa em
permanecer ali, com as Raposas. Não importava o quanto seu reflexo o assustava. Se aquela fosse a
única maneira de manter seus colegas seguros contra a crueldade de Riko, era um preço fácil a se
pagar.

Neil disse:

– Eu nunca estive em Nova York.

Não era o que ele precisava dizer ou o que Matt queria ouvir, mas Matt não o pressionou. Ele
entreteve Neil com histórias sobre o feriado deles, desde o primeiro encontro estranho dos primos
com sua mãe até Nicky fazendo compras loucamente. Matt levou Neil para a cozinha e mostrou os
vários grãos que ele trouxe de uma cafeteria local. Era tarde do dia para beber café, mas Matt estava
cansado da viajem e Neil ainda estava fora dos eixos. Neil tirou o coador do armário enquanto Matt
moía grãos o suficiente em um pote.

Neil enchia uma chaleira com água quando eles ouviram uma batida na porta. Matt estava mais
perto, então foi atender. Neil não conseguia ver o convidado, pelo ângulo em que estava, mas quando
Matt deu um passo para trás em convite silencioso, Nicky entrou. Ele parecia ileso, porém nervoso, e
não havia como esconder a culpa em sua expressão quando encarou Matt.

– Eu... ahn, sentaria se eu fosse você –, aconselhou Nicky. – Andrew acabou de descobrir quem foi
que colocou os hematomas no rosto de Kevin. Eu tentei te defender, porque Kevin mereceu e você
pagou a fiança de Aaron, mas eu não sei se isso vai funcionar. Lógica e Andrew não são exatamente
sinônimos.

– Obrigado pelo aviso –, agradeceu Matt.

Nicky olhou para Neil.

– Ele me mandou aqui para buscar você.

– Quanto você contou para ele? – perguntou Neil.

– Nada sobre você. – Nicky colocou suas mãos em seus bolsos e deu de ombros de modo
desconfortável. – Ele queria informações sobre tudo: o julgamento de Aaron, o rosto de Kevin e os
Corvos. Eu disse para ele que nós conseguimos classificação no campeonato, contei sobre a briga no
banquete de Natal. Não contei que você não estava com a gente em Nova York.

Neil assentiu e voltou para seu quarto. Ele pegou seu maço de cigarros primeiro e enfiou no seu
bolso de trás. As braçadeiras de Andrew estavam embaixo de seu travesseiro, no mesmo lugar que
Neil havia as escondido, novembro passado. Nicky fez uma careta quando as viu.

– Talvez não seja uma boa ideia armá-lo agora –, aconselhou Nicky.

– Vai ficar tudo bem –, Neil respondeu e se dirigiu para o corredor e, em seguida, para as escadas.

Andrew o esperava nas escadarias, com seus braços cruzados vagamente sobre o seu peito e suas
costas apoiadas contra o corrimão. Seu olhar caiu imediatamente nos panos escuros na mão
estendida de Neil, ele as pegou sem dizer uma palavra. Neil já havia visto as cicatrizes de Andrew
rapidamente, mas Andrew virou-se para usar as braçadeiras mesmo assim. Quando suas mangas já
escondiam as braçadeiras, Andrew se dirigiu para o andar de cima ao invés do de baixo.

As escadas acabavam numa porta com os dizeres "Acesso ao Teto – Apenas Pessoal da
Manutenção". Neil presumiu que estaria trancado, mas Andrew apenas precisou dar algumas
sacudidas violentas para abrir. A julgar pelos cortes hábeis na porta e no batente, Andrew tinha
sabotado a fechadura há muito tempo. Neil não perguntou e seguiu Andrew para a tarde fria. O vento
parecia mais forte daquela altura e Neil desejava ter sido capaz de vestir seu novo casaco.

Andrew foi até a beirada do telhado e examinou o campus. Neil aproximou-se e olhou
cautelosamente para o lado. Altura não o deixava enjoado, mas a falta de uma grade de segurança
era desencorajador quando uma queda de quatro andares o aguardava. Neil tirou o maço do bolso,
sacudiu até dois cigarros saírem e os acendeu. Andrew pousou o dele entre seus lábios. Neil colocou
suas mãos em torno do cigarro para proteger a chama da brisa fria.

Andrew se virou para encará-lo.

– Eu aceito uma explicação agora.

– Você não poderia fazer perguntas lá dentro, onde está mais quente? – perguntou Neil.

– Se você está se preocupando em morrer por exposição, você está um pouco atrasado. – Andrew
ergueu sua mão até o rosto de Neil e parou com seus dedos próximo da pele. Andrew não estava
olhando para seus ferimentos; ele estava encarando os olhos sem lentes de Neil. – Eu quebrei minha
promessa ou você esteve mantendo a sua?

– Nenhum dos dois.

– Eu sei que você teve um amplo tempo em minha ausência para aparecer com suas preciosas
mentiras, mas lembre-se de eu ter lhe dado um crédito de verdade em novembro. É a sua vez em
nosso joguinho, e você não vai mentir para mim.

– Também não –, concordou Neil. – Eu passei o Natal em Evermore.

Ele não deveria ter ficado surpreso com o fato de que a primeira coisa que Andrew fez foi encarar
o curativo em sua bochecha. Aaron e Nicky não tinham reparado, sequer percebendo isso entre o
resto de gaze e fita. Mas Andrew tinha passado muito tempo protegendo Kevin para não juntar as
peças. Ele arranhou a borda da fita e puxou o curativo como se quisesse levar o rosto de Neil junto.
Neil havia se preparado para a violência, mas a expressão neutra de Andrew não mudou quando sua
nova tatuagem ficou visível.

– Isso é um tanto baixo até mesmo para você –, disse Andrew.

– Eu não estou usando isso por escolha.

– Você escolheu ir para Evermore.

– Eu voltei.

– Riko quem deixou você voltar –, corrigiu Andrew. – Nós estamos indo muito bem esse ano e a
rixa entre vocês é pública. Ninguém acreditaria na sua transferência voluntária para Edgar Allan no
meio da temporada. – Andrew esmagou a atadura contra o rosto de Neil novamente e pressionou a
fita com os dedos rígidos. – Você não deveria sair do lado de Kevin. Esqueceu?

– Eu prometi mantê-lo seguro –, replicou Neil. – Não disse que seguiria cada passo dele como você
faz. Eu mantive a minha parte do acordo.

– Mas não desse jeito –, disse Andrew. – Você já disse que isso não tinha nada a ver com Kevin. Por
que você foi?

Neil não sabia se ele poderia falar aquilo. Pensar nisso era quase insuportável. Andrew estava
esperando, então Neil tentou não se engasgar com sua náusea.

– Riko disse que se eu não o fizesse, Dr. Proust iria...

Andrew colocou uma mão sobre sua boca, sufocando o resto de suas palavras, e Neil soube que
ele havia falhado.

Riko dissera que o Dr. Proust do Easthaven usaria "reconstituições terapêuticas" para ajudar seu
paciente. Era uma linha fina entre a crueldade psicológica e o abuso físico real, e Riko deixou claro
que Proust estava disposto a atravessar aquela linha se Neil desobedecesse. Ele deveria ter pensado
melhor antes de confiar na palavra de Riko. O ódio derreteu um pouco do novo gelo em suas veias,
mas o olhar entediado no rosto de Andrew foi difícil de engolir. Alguns meses atrás, Andrew estava
tão dopado que riu de sua própria dor e trauma. Agora, ele não se importava o suficiente para fazer o
mesmo. Neil não sabia qual era pior.

Andrew abaixou sua mão quando Neil ficou quieto.


– Não cometa o erro de achar que eu preciso de sua proteção.

– Eu tive que tentar. Se houvesse a oportunidade de fazer isso parar, mas não fizesse nada, como
eu poderia encarar você novamente? Como eu poderia viver comigo mesmo?

– Sua alma torturada é problema seu, não meu –, cuspiu Andrew. – Eu disse que o manteria vivo
esse ano. Você dificultou isso muito mais quando ativamente tentou se matar.

– Você passou todo esse tempo nos protegendo –, disse Neil. – Quem está protegendo você? Não
diga que você está, porque você e eu sabemos que você tá pouco se fudendo para si próprio.

– Você tem problema de audição –, deduziu Andrew. – Muitas boladas no capacete, provavelmente.
Você consegue fazer leitura labial? – Andrew apontou para sua boca enquanto falava. – Da próxima
vez que alguém vier até você, sente-se e deixe-me lidar com isso. Entendeu?

– Se isso significar perder você, então não –, respondeu Neil.

– Eu te odeio –, disse Andrew casualmente. Deu uma última profunda tragada em seu cigarro e
jogou-o telhado abaixo. – Você deveria ser um efeito colateral das drogas.

– Não sou uma alucinação –, replicou Neil, confuso e surpreso.

– Você é um sonho inalcançável –, continua Andrew. – Vá para dentro e me deixe sozinho.

– Você ainda está com minhas chaves –, Neil o lembrou.

Andrew retirou o chaveiro de Neil de seu bolso, retirando a chave de seu carro da argola. Ao invés
de devolver o molho, ele as joga após o seu cigarro. Neil se inclinou para ver se elas caíram em
alguém, mas a calçada abaixo deles estava vazia. Suas chaves bateram inofensivamente contra o
chão. Neil se endireitou e olhou para Andrew.

Andrew não retribuiu o olhar, mas disse:

– Não mais.

Neil abriu sua boca, mudando de ideia no último segundo, e silenciosamente retornou para
dentro. Ele desceu as escadas até o térreo e empurrou a porta de vidro da frente para abri-las. Suas
chaves tinham pousado mais longe do que ele esperava, mas a luz do sol brilhante contra o metal
fizeram-nas fáceis de se achar. Neil pegou-as e viu o cigarro de Andrew há alguns centímetros de
distância. As cinzas tinham se quebrado com o impacto, mas no final ainda havia uma fina camada
para se tragar.

Andrew estava observando-o, ainda inclinado na beirada do telhado como se tivesse um anseio
suicida. Neil não sabia ao certo por que fizera aquilo, mas pegou o cigarro de Andrew da calçada e
colocou-o entre seus lábios. Ele inclinou a cabeça para encontrar o olhar inabalável de Andrew e
bateu continência com dois dedos em sua têmpora, fazendo a saudação debochada de Andrew.
Andrew se virou e desapareceu de vista. Aquilo parecia uma vitória, apesar de que Neil não tivesse
certeza do porquê. Ele apagou o cigarro com seu sapato no caminho de volta para dentro.

Matt estava no sofá quando Neil chegou em seu quarto. O café já estava pronto e a caneca quente
pareceu agradável nas mãos geladas de Neil. Matt o inspecionou no caminho que ele fizera até o
sofá, provavelmente procurando por novos machucados. Neil sentou-se com o maior cuidado possível
sobre o acolchoado e respirou o vapor de sua bebida.

– Onde estávamos? – perguntou Neil.

Matt suspirou, mas continuou de onde eles tinham parado. Ele contou sobre a neve no Central
Park e a contagem regressiva para Ano Novo na Times Square. Neil fechou os olhos enquanto
escutava, tentando captar tudo aquilo, imaginando por um momento que ele estivera lá também. Ele
não queria ter dormido, mas um cuidadoso puxão em sua caneca de café o despertou bruscamente.
Matt evitou estreitamente de ser atingido e levantou suas mãos em defesa para acalmar Neil.

– Ei –, disse ele. – Sou só eu.


A caneca estava fria em suas mãos e parecia ter algo errado com a iluminação do quarto. Neil
olhou para a janela, precisando ver o céu, mas as persianas estavam abaixadas. Ele deixou Matt
pegar seu café e se levantou abruptamente quando Matt recuou. Ele cruzou o quarto o mais
rapidamente que seu corpo maltratado pôde se mover e puxou as cordas para abrir as persianas. O
sol estava se pondo, mas ainda havia um pouco de luz no céu. Era crepúsculo ou amanhecer; Neil não
sabia qual.

Neil pressionou suas mãos estendidas contra a janela:

– Que dia é hoje?

Pareceu uma eternidade até que Matt respondesse:

– É terça-feira.

Crepúsculo, então. Ele havia apenas perdido algumas horas.

– Neil? – perguntou Matt. – Você está bem?

– Estou mais cansado do que pensei –, respondeu. – Estou indo para a cama mais cedo.

A carranca infeliz no rosto de Matt mostrava que ele não acreditou em Neil nem por um segundo,
mas Matt não tentou pará-lo. Neil fechou a porta do quarto firmemente atrás de si e começou o árduo
processo de trocar de roupa. Ele já estava respirando através dos dentes cerrados quando finalmente
colocou seu moletom. Ele apertou suas mãos firmemente para impedir que elas tremessem, mas a
escalada até sua cama suspensa enviou pequenos tremores a seu estômago. Era muito cedo e ele
ainda estava muito dolorido para adormecer novamente, mas puxou os cobertores por cima de sua
cabeça e se permitiu parar de pensar.
CAPÍTULO DOIS

Levantar-se da cama na quarta-feira de manhã precisou de esforço inimaginável. Neil conseguiu


apenas por estar tão preocupado com sua autopreservação quanto suas mentiras. Era preciso que
seus companheiros de equipe acreditassem que ele estava bem. Significava passar o dia como se o
Natal nunca tivesse acontecido. Ele ganhou tempo suficiente para dispersar seus pensamentos,
preparando-se para a corrida matinal mais lenta do mundo pela perimetral. Cada passo irradiava dor
por suas pernas, Neil estava dormente dos pés aos joelhos quando voltou à Torre das Raposas.

Matt, que havia sumido para a academia antes mesmo de Neil ter acordado, esperava por ele na
sala com a expressão de incredulidade em seu rosto.

– Você é maluco, tá sabendo disso? Só me diga que você não saiu assim.

– A que horas o voo de Dan chega? – Pergunta Neil.

Por um momento, Neil achou que Matt não entraria no jogo, o deixando mudar de assunto. Os
lábios de Matt se contraíram em desaprovação. No entanto, em vez de dar um sermão, Matt
respondeu:

– Vou buscá-las às onze e levá-las direto para o estádio. Você vai de carona com o Andrew?

– Sim –, confirmou Neil. – Treinador quer que eu faça uma consulta com a Abby antes da reunião.

Neil se trancou no banheiro para um banho rápido. Secar-se foi mais doloroso do que sua corrida,
apesar de seus melhores esforços para ter cuidado. Vestiu-se a passos de lesma, esboçando dor
durante todo o trajeto, e aguardou um minuto para recuperar o fôlego novamente. Deu-lhe mais
tempo para colocar um curativo novo sobre sua tatuagem, porém, seu coração pulsava em sua
têmpora quando deixou o calor úmido do banheiro.

Matt esperava no sofá com a TV ligada quando Neil saiu do banheiro completamente vestido. Ele
nada disse quando Neil saiu da suíte, talvez supondo que Neil estaria indo incomodar os primos. Em
vez disso, Neil saiu do dormitório e tomou o caminho sinuoso em direção a Rodovia Perimetral. E, fez
uma curta e lenta caminhada pelo campus até a biblioteca.

Ele avistou apenas alguns outros alunos subindo as escadas para o laboratório de informática.
Apesar da relativa privacidade, Neil foi até um computador na última fileira. Ele havia parado de
acompanhar obsessivamente as notícias em setembro, no entanto, hoje ele não desenterraria seu
passado. Primeiramente, ele pesquisou qualquer coisa sobre seu período em Evermore, não
encontrou nada, então passou a pesquisar as outras equipes classificadas para o campeonato de
primavera. Foi uma ótima maneira de parar de imaginar coisas e perder algumas horas.

Ele não se lembrou de baixar a cabeça, e, definitivamente, não se lembrou de ter adormecido.
Dedos cravados atrás de seu crânio assustaram-no, acordando. Ele tentou encontrar uma arma, de
preferência uma faca, qualquer coisa perto o suficiente que lhe desse espaço para fugir, e enviou o
mouse do computador derrapando sobre a mesa. Neil olhou inexpressivamente para o mouse, depois
para a tela à sua frente. Dedos cerrados em um punho sobre seu cabelo, e Neil não resistiu quando
Andrew forçadamente inclinou sua cabeça para trás.

– Seu gráfico de aprendizagem é só uma linha reta? – perguntou Andrew. – Eu te disse ontem para
parar de dificultar minha vida.

– E eu não prometi nada.

Andrew soltou-o, observando sem remorsos enquanto Neil esfregava a cabeça. Neil endireitou-se
na cadeira e começou a fechar os seus navegadores. Fechou três guias antes de ver as horas. Já
passava das onze, significava que Matt havia encontrado Dan e as garotas no terminal de
desembarque, e Neil já deveria estar no estádio com Abby. Neil não sabia o que era pior: perder duas
horas como esta ou adormecer em pleno dia. Ele silenciosamente contou até dez em francês e
espanhol. Foi pouco para aliviar sua raiva frustrada.

Andrew começou a descer as escadas, supondo que Neil o seguisse. O carro estava no meio-fio, o
alerta piscando. Os outros três do grupo estavam agrupados no banco de trás. Neil não sabia o que
haviam dito para que Kevin abrisse mão do banco do passageiro ou o porquê, mas não valia a pena
perguntar. Ele entrou e apertou o cinto.

– Não contei a ninguém que estava indo para a biblioteca –, disse ele quando Andrew pegou
estrada.

– Você tem poucos esconderijos –, disse Nicky. – O treinador disse que você não estava no estádio.
Você não atendeu o celular quando ligamos.

Neil apalpou seus bolsos e tirou o celular. Quando abriu a tela, estava escuro. Ele havia carregado
ontem, mas não o suficiente. Fechou o celular e colocou no porta-copo entre os bancos da frente.
Andrew estendeu a mão abrindo o porta-luvas. Tinha um carregador. Por um momento, Neil achou
que Andrew tinha mexido em suas coisas, mas o adesivo vermelho no cabo não era familiar. Deveria
ser de Andrew, então; eles tinham o mesmo modelo de celular. Neil puxou o carregador e fechou o
porta-luvas novamente.

Uma chave foi presa no adaptador com um elástico. Neil usara a chave do carro de Andrew com
frequência suficiente nos últimos dois meses para reconhecer a forma dela. Neil olhou a chave na
ignição. Ou Andrew havia confiscado a cópia de Nicky ou saíra e conseguira uma para Neil.
Nenhuma das opções fazia muito sentido para Neil. Ele só usou o carro de Andrew porque o mesmo
precisava de um segundo motorista na sua ausência.

Foi uma curta viagem até o Foxhole e Andrew não os seguiu para dentro. Neil digitou o código
para deixá-los entrar e precedeu os outros para o vestiário. Wymack e Abby esperavam por ele no
salão. Abby pareceu muito abatida ao perceber o estado deplorável de Neil, mas não o censurou pelo
o que fizera ou perguntou um motivo. Talvez ela já tivesse obtido respostas satisfatórias de Wymack,
ou talvez Wymack estivesse ali para ter certeza de que ela não se intrometeria. De qualquer maneira,
Neil estava agradecido.

– Não posso acreditar que você confiou em David para cuidar disso –, disse Abby. – O homem mal
consegue lavar um prato, muito menos limpar ferimentos.

– Shiu, mulher –, advertiu Wymack. – Eu tomei cuidado com ele.

Abby acenou com as duas mãos para Neil segui-la.

– Vamos lá, vamos dar uma olhada em você.

Ela abriu o caminho para o escritório e fechou a porta assim que ele entrou. Subir na maca não foi
tão doloroso quanto subir a escada de sua cama, Neil sentou-se na beira do estofado fino. Abby
coletou gaze e antisséptico enquanto Neil tentava levantar o suéter sobre a cabeça. Ele rangeu os
dentes com o ardume que desceu de seus ombros para suas costas e tentou respirar superficialmente
através da dor.

Abby ajudou-o com as mangas e cuidadosamente colocou o suéter de lado. Neil escolheu um
ponto na parede oposta para focar o olhar, ficando em silêncio enquanto ela trabalhava. Ela começou
de cima, esfregando suavemente os dedos no cabelo dele, procurando por protuberâncias escondidas
e desceu. Wymack tinha acabado de checar Neil na manhã de ontem, mas Abby tirou todos os
curativos de Neil, exceto o que estava em sua bochecha.

– Ele contou sobre a minha tatuagem –, disse Neil.

– E eles. – Abby deslizou seus polegares ao longo das pálpebras inferiores.

– Não vai perguntar? – indagou Neil.

– Eu vi suas cicatrizes, Neil. Eu não estou tão surpresa como deveria para descobrir que elas não
são as únicas coisas que você esconde. Eu quero perguntar, mas você já me disse uma vez para não
me intrometer.
Ela voltou a fazer os curativos, mas demorou muito para terminar. Quando terminou com a parte
superior, ainda tinha que cuidar das pernas. Os hematomas listrados em suas coxas, deixadas por
raquetadas, a fizeram contrair os lábios em indignação. Havia várias camadas, roxo vibrante sobre o
verde e amarelo fosco. Os joelhos de Neil não estavam em melhor situação, consequência de cair
várias vezes.

– O treinador não vai me deixar jogar até que você me libere –, disse Neil. – Quanto tempo você
pode dar?

Abby lhe olhou como se ele estivesse falando uma língua estrangeira.

– Vai poder se preparar quando não parecer que foi pisoteado por uma manada.

– Estou quase curado –, insistiu. – Além disso, eu joguei em pior estado no Evermore.

– Aqui não é Evermore. Eu sei que a temporada é importante para você, mas não vou deixá-lo
arriscar sua segurança e saúde ainda mais. Você precisa repousar por um tempo. Por uma semana –,
disse ela, levantando a voz quando Neil começou a reclamar. – Na próxima terça-feira vou decidir se
você vai jogar ou não. Se fizer esforço físico agora ou depois, então vou dar mais uma semana de
repouso. Entendeu? Use essa semana para descansar. E quando puder, tire as ataduras. Isso aí
precisa arejar.

– Uma semana –, repetiu Neil. – Não é justo.

– Não –, disse Abby, segurando o rosto dele em sua mão. – Não é justo. Nada disso é.

A dor na voz dela matou os argumentos na garganta de Neil. Abby olhou para ele, traçando suas
cicatrizes e novas feridas com um olhar desolado.

– Às vezes eu acho que esse trabalho vai me matar –, disse Abby. – Vendo o que as pessoas
fizeram, o que as pessoas continuam a fazer para as minhas Raposas. Eu gostaria de poder protegê-
las, mas estou sempre atrasada. Tudo o que posso fazer é tratar vocês e depois esperar o melhor. Eu
sinto muito, Neil. Nós deveríamos ter resolvido por você.

– Eu não os deixaria fazer nada –, disse ele.

Abby cruzou os braços ao redor dele, o puxando para um abraço. Ela tentou ser cuidadosa, mas
doeu de qualquer maneira. Não foi a dor que fez Neil ir além, mas a incerteza. As únicas pessoas que
já o abraçaram foram seus companheiros de equipe, e esses eram apertos rápidos durante uma
excelente jogada. Sua mãe o havia puxado para perto antes, mas geralmente quando eles estavam
cercados de olhares curiosos e ela queria protegê-lo com seu corpo. Ela nunca o segurou como se ele
fosse algo para cuidar. Ela sempre fora dura. Ela tinha sido feroz e inquebrável até o final.

Neil lembrou-se dela arranhando o ar e engasgando por um último suspiro. Lembrou-se das
lágrimas, do corpo dela onde o sangue tinha colado sua pele ao vinil. Os dedos de Neil se contraíram
com a necessidade de um cigarro, ansiando o cheiro de fumaça que era tão horrível quanto
reconfortante. O fogo era tudo o que ele tinha dela. Não havia sequer uma sugestão dela em seu
reflexo; ele era todo o seu pai.

Ela se foi. Mesmo se estivesse ali, não teria o confortado por isso. Ela não teria o agarrado nem se
tivessem prestes a se separar. Ela teria limpado suas feridas, porque eles não poderiam se arriscar a
ser retardados por uma infecção, mas ela teria o esmurrado por escolher as Raposas ao invés de sua
própria segurança. Neil quase podia senti-la puxando sua orelha. Ele não sobreviveria tempo
suficiente para esquecer a voz de sua mãe. Era ao mesmo tempo reconfortante e deprimente, e uma
súbita onda de pesar ameaçou engoli-lo por inteiro.

– Preciso ir –, disse Neil. – Nós terminamos?

Abby lentamente soltou-o e ajudou-o a se vestir novamente. Ele poderia ter amarrado seus
sapatos, mas Abby fez isso por ele. Neil a deixou e se concentrou em alisar seu suéter. Abby se
moveu para que ele pudesse descer da maca e não o seguiu para fora.

Em vez de ir pelo corredor até o salão, Neil saiu pela porta dos fundos e entrou na quadra. Ele
não conseguiu respirar até estar no pátio interno com as mãos esmagadas contra a parede de
acrílico, então a primeira respiração que conseguiu quase o rasgou em pedaços. Neil podia sentir
cada muro que havia construído para sobreviver no Evermore desmoronando ao seu redor. Agarrou-
se ao autocontrole com as pontas dos dedos, sabendo que se afogaria se a soltasse. Seu coração
parecia pedra derretida, mas cada respiração acalmava um pouco o calor. Neil desejou que seus
dedos trêmulos parassem e voltou ao vestiário.

Wymack e Andrew não estavam por perto, mas na ausência de Neil, as meninas e Matt haviam
aparecido. Ele não queria encará-las, então procurou por uma distração. Encontrou uma tomada no
estabilizador atrás do espaço de reunião e conectou o celular para carregar. Quando a luz do celular
ficou vermelha, ele foi para o sofá. Seu fingimento ocasional só funcionou até que tentou sentar.
Nada do que ele fizesse poderia disfarçar o cuidado que precisou ao sentar-se no sofá.

Foi então que o temperamento de Dan finalmente irrompeu.

– Aquele filho da puta...

Ela acalmou-se tão abruptamente que Neil teve de olhá-la. Renee pôs a mão no ombro de Dan.
Renee sorriu quando Neil olhou na sua direção e disse:

– Estávamos discutindo o que pedir para o almoço. Abby disse que ligaria e pediria, para que não
precisássemos esperar a entrega. Alguma sugestão?

– Por mim, tanto faz qualquer coisa –, disse Neil.

Allison o varreu com um olhar cético.

– Você consegue mastigar?

– Sim –, assentiu Neil. – Onde está Andrew?

– Encontramos ele no caminho –, disse Matt. – Ele e o treinador estão conversando no


estacionamento. Conhecendo um ao outro novamente, eu acho. Espero que seja melhor que da
primeira vez.

–Eu ainda estou falando com você –, disse Allison.

Neil recompensou sua persistência se esquivando.

– Você já viu o banner do Seth?

Demorou um momento para as palavras a atingirem e, então, Allison estava fora de sua cadeira,
caminhando em direção à quadra com salto arco-íris de cinco centímetros. Dan olhou por um
momento como se fosse atrás dela, mas mudou de ideia com uma breve sacudida de cabeça.

– Sanduíches ou comida chinesa? – ela perguntou a Neil.

– Qualquer um está bom.

– Estou com Allison, no negócio de mastigar. – Nicky gesticulou para o próprio rosto, indicando os
hematomas manchando as bochechas e a mandíbula de Neil. – Macarrão e arroz são mais macios do
que os sanduíches. Vamos de comida chinesa.

Matt se levantou e foi transmitir a decisão para Abby. Ele já estava voltando quando a porta bateu
e fechou. Do outro lado, Dan sentou-se um pouco mais ereta e lançou a Renee um olhar significativo.
Renee deixou as mãos cair em seu colo com os dedos entrelaçados. Não era a resposta ansiosa que
Dan procurava, a julgar pelo seu olhar estreito e desapontado, mas Dan não teve tempo de se mover
antes que Andrew passasse pela porta do salão sozinho.

Matt cometeu o erro de parar e olhar. Andrew nem hesitou, socou Matt com força suficiente para
derrubá-lo. Deveria ter sido impossível derrubá-lo; Matt tinha mais de meio metro de diferença
comparado a Andrew, e conseguia carregar mais peso que qualquer um na academia. Andrew teve a
vantagem da surpresa, e não parou quando Matt caiu. Ele bateu com o punho no rosto de Matt assim
que Matt bateu no chão.
Dan levantou-se em um instante, mas de alguma forma, Neil chegou primeiro a Andrew. Ele nem
se lembrava de ter se levantado. Ele usou seu corpo e impulso para empurrar Andrew para trás.
Esperava que Andrew se mantivesse firme, mas Andrew se deixou empurrar e lançou a Neil um olhar
indiferente. Neil colocou as mãos entre eles, para o caso de Andrew tentar contorná-lo.

– Chega –, disse ele. – Matt não fez nada de errado.

Andrew apontou um dedo em acusação.

– Ele sabia o que aconteceria se colocasse as mãos em Kevin, mas ele foi estúpido o suficiente
para fazer isso duas vezes. Se ele fizer de novo eu não serei tão amigável.

– Você não está realmente ameaçando ele? – indagou Dan, incrédula. – Quem você acha que pagou
a fiança de Aaron? Se não fosse por Matt, Aaron ainda estaria na prisão esperando pelo julgamento.

– Não importa –, disse Aaron em sua cadeira.

Ontem, Nicky pareceu culpado quando avisou Matt para ter cuidado. Agora, ele fechava o cerco
com seus primos e expansivamente deu de ombros pra Dan.

– Matt Ajudou Aaron, não Andrew. Você não pode contar um favor para um como favor para
ambos só por serem gêmeos, você sabe. É trapaça.

– É bom ver você também, monstro, – disse Matt, um pouco amargo.

Neil olhou para trás quando Matt se levantou novamente. Matt passou a mão pelo sangue que
escorria do nariz, deu uma fungada e fez uma cara feia com o sabor.

– É bom saber que você continua sendo um bostinha maluco.

– Não fique surpreso –, disse Aaron. – Não eram os remédios que deixavam ele maluco.

– Oi, Andrew –, disse Renee.

Andrew não disse nada, mas deslizou um olhar frio em sua direção. Um sorriso satisfatório curvou
os lábios de Renee que deu um leve aceno de cabeça, reconhecendo e aceitando tudo o que enxergou
no olhar carregado de Andrew. Essa troca de dois segundos foi o suficiente para ambos; Andrew
voltou sua atenção para Neil assim que Renee teve o suficiente.

Abby entrou um momento depois, hesitante com sua bolsa pendurada ao ombro. Ela olhou da
raiva aparente de Dan para expressão firme de Matt com o nariz sangrento. Não demorou muito para
ela juntar as peças, e virou um olhar cauteloso para Andrew.

– Andrew –, disse ela. – Bem-vindo de volta. Não tem sido a mesma coisa sem você.

Andrew olhou para ela em silêncio. Abby esperou, então descobriu que não receberia uma
resposta. Ela olhou sem jeito ao redor para o resto das Raposas reunidas.

– A comida deve estar pronta assim que eu chegar lá. Eu volto já, ok? Tentem se comportar
enquanto eu estiver fora.

– Obrigada –, disse Dan.

Abby lançou um último olhar para Andrew e saiu. A porta mal havia se fechado atrás dela quando
Wymack atravessou a porta. Neil se perguntou se ele estava fumando ou apenas perdendo tempo,
deixando a equipe se acostumar à reentrada abrupta de Andrew e as escoriações de Neil da mesma
forma que os abandonara com a dor de Allison em setembro. Wymack arqueou uma sobrancelha para
Matt, depois olhou para Neil e Andrew.

– Nós não tivemos uma conversa sobre não matar seus companheiros? – perguntou Wymack.
Andrew fingiu não ouvir, então Wymack olhou em volta. Levou-lhe uma fração de meio segundo para
perceber que faltava uma Raposa. – Allison estava aqui. Onde ela foi?

– Ela foi ver os banners do campeonato –, respondeu Neil.


– Ela vai voltar quando terminar de chorar –, acrescentou Nicky.

– Ela não está chorando –, refutou Neil.

Nicky sorriu.

– Cinco dólares de que está.

Foi uma tentativa grosseira de aliviar o clima. Neil deveria ignorá-lo. Talvez um mês atrás ele
teria conseguido. Ele sabia que seus companheiros de equipe eram viciados em apostas; apostavam
em praticamente tudo, desde a pontuação final das partidas, o relacionamento inexistente entre
Andrew e Renee, até quem seria o primeiro a começar uma discussão.

Apostar dinheiro no trauma psicológico de alguém não era novo ou inesperado, mas Neil não
estava com vontade de aturar isso hoje. Seu encontro com Abby tinha lhe atiçado os nervos e ele mal
estava conseguindo controlar-se diante da equipe. O cheiro acre de cigarro impregnado ao casaco de
Andrew foi a gota d'água. Neil tentou manter a indelicadeza fora de seu tom, mas mal conseguiu.

– Não ouse apostar na dor de alguém.

– Ah, ei, ei. – Nicky ergueu as mãos em autodefesa. – Não foi a intenção, tudo bem? Sem ofensa.
Eu só estava tentando aliviar o clima.

– Alivie a cadeira, levante essa bunda e vá procurá-la –, disse Wymack. – Nós temos muito o que
discutir hoje e eu não vou começar até que ela volte. Ela ficará mais irritada se começarmos sem ela
do que se você interrompê-la. E sim, eu quis dizer você, Hemmick, eu não quero o Neil se mexendo
mais do que ele precisa.

– Eu consigo andar –, disse Neil.

– Que orgulho de você –, disse Wymack. – Mas não perguntei.

Nicky levantou-se da cadeira e saiu.

Andrew cravou uma unha na cavidade da garganta de Neil até ter a sua exclusiva atenção.

– Sente-se e fique quieto.

Neil esbofeteou a mão de Andrew e voltou para o sofá. Andrew sentou-se no meio, então Neil se
acomodou no espaço ao seu lado. Seu corpo se arrependeu de interferir na luta, mas Matt deu um
leve aceno de agradecimento quando Neil buscou sua atenção pela sala. Neil olhou para Andrew,
tentando avaliar seu humor, e seguiu seu olhar para baixo. Andrew havia trazido uma pequena faca e
a virava de um lado para o outro entre os dedos. Não era uma das quais ele guardava em suas
braçadeiras, mas Neil não ficou surpreso por não tê-la reconhecido. Ele quase nunca via a mesma
faca duas vezes.

– Nem é tão fascinante –, disse Andrew.

– Não –, concordou Neil.

Ele não sabia como explicar as sensações complicadas que uma lâmina afiada provocava. Seu pai
era chamado de carniceiro por um motivo. Sua arma favorita era um cutelo afiado e robusto o
suficiente para arrancar membros em um único golpe. Antes do cutelo, Nathan Wesninski usava uma
machadinha. Ele ainda a mantinha por perto quando queria que alguém sofresse. A lâmina era afiada
o suficiente, exigindo pouco esforço para retalhar entre os ossos. Neil só o vira usá-lo uma vez, no dia
em que conheceu Riko e Kevin no Estádio Evermore.

– É só que... – Neil procurou por palavras, ciente de que a conversa do outro lado da sala tinha se
acalmado um pouco. Os veteranos estavam tentando ouvir sem parecer óbvio. Neil se conteve com a
explicação mais vaga que pôde, esperando que seus companheiros se confundissem ligando o
pronome a Riko.

– Eu nunca entendi o porquê ele gosta tanto de facas.

Essas simples palavras não deveriam ter gerado a reação que acabara por ocasionar. Andrew
ficou imóvel e ergueu o olhar, mas não olhou para Neil. Ele olhou para Renee, então Neil também.
Ela parou o que dizia para fitar Neil, Renee estudou-o, não parecendo em nada a Raposa redimida e
otimista. Seu doce sorriso sumira e o olhar inexpressivo em seu rosto lembrou a Andrew. Neil
instintivamente ficou tenso em estado de choque. Antes que seu corpo descobrisse o que fazer, Renee
mudou seu olhar impenetrável para Andrew.

Eles se encararam baixando o olhar, silenciosos e imóveis, alheios aos olhares perplexos que seus
companheiros de equipe enviavam entre eles. Andrew não disse nada, mas Renee ergueu o queixo.
Andrew cantarolou em resposta e afastou a faca.

– Ele vai perder esse gosto quando tiver uma enfiada em seu bucho –, disse ele.

Neil olhou para Renee novamente a tempo de ver a outra Renee desaparecer. Uma máscara calma
derreteu a morte de seu rosto e Renee continuou exatamente de onde tinha parado. Esta Renee nada
entendeu sobre que acabara de acontecer, se não fosse pelos óbvios questionamentos na expressão
de Dan, mas gentilmente intimidou seus amigos a regressarem a conversa.

Allison e Nicky voltaram juntos. As bochechas de Allison estavam secas e os olhos ferozes de
determinação quando se sentou. O sorriso de Renee foi encorajador e Dan sorriu em aprovação.
Allison batucou as unhas impacientes nos braços da cadeira e fixou um olhar de expectativa em
Wymack.

– Quem será o primeiro que iremos eliminar?

– Primeira rodada: sudeste contra sudeste. – Wymack pegou sua prancheta e folheou a primeira
página. – Equipes classificadas em números ímpares no ranking jogam às quintas-feiras neste ano,
então estamos livres às sextas. 12 de janeiro jogaremos fora contra a Universidade do Texas. A boa
notícia é que Austin excede o limite de mil quilômetros, o que significa que a reitoria vai nos deixar
voar até lá.

– Dia 19 estaremos em casa para a revanche contra Belmonte. 26 de janeiro jogaremos fora
contra o Arkansas. Dois desses três vão prosseguir para a fase mata-mata. Belmonte é o quarto do
ranking, mas vocês lembram como eles eram no último outono. O SUA também está em quarto,
enquanto a Universidade do Texas é o segundo colocado, e eles ficaram em segundo lugar nas
regionais nos últimos cinco anos.

– Todas as três equipes já participaram do campeonato de primavera com resultados variados.


Eles sabem o que estão fazendo. Eles sabem o que é preciso para se qualificar. Somos o elo fraco.
Isso não significa que vamos quebrar. Significa que temos que trabalhar duas vezes mais para
acompanhá-los. Se vocês estiverem dispostos a fazer isso, temos uma chance de lutar.

Ele soltou uma pilha de papéis e os indicou para Matt. Matt levantou-se e as distribuiu. Wymack
fizera uma pesquisa sobre os adversários da primeira rodada para eles.

A primeira página era a programação de outono do time do Texas, completa com resultados.
Notas de rodapé detalhavam as últimas sete tentativas da UT em campeonatos de primavera. Por
três anos eles chegaram até a terceira rodada antes de serem eliminados. Neil virou a página e
folheou a lista de equipes. As quatro páginas seguintes seguiram o mesmo padrão para Belmonte e
Arkansas.

– Segunda-feira nós iremos destrinchar o estilo de jogo deles a fundo e definir estratégias –, disse
Wymack. – Até lá, eu também terei cópias de todos os seus jogos de outono gravados. Os assistam
nos tempos livres se estiverem curiosos. Com uma exceção, não vou desperdiçar nosso tempo de
treino mostrando mais que algumas observações.

– Há uma pausa de uma semana entre a primeira rodada e as primeiras partidas do mata-mata –,
continuou Wymack. – A má notícia é que não saberemos quem será o adversário até fevereiro. Boas
notícias: este ano as Três Grandes estão numa faixa de probabilidades. Elas devem se enfrentar na
terceira rodada. Pela primeira vez em seis anos, um deles vai ser eliminado antes das semifinais.

– Ah, caramba –, soltou Dan, assustada. – Isso é muita sorte.

– Aposto meu dinheiro na Penn –, disse Nicky.


– Não aposte –, disse Kevin antes que os outros pudessem fazer suas apostas. – Não importa qual
deles vai ser eliminado; não estamos nem perto de enfrentar qualquer um deles. Quanto tempo até
Neil voltar?

– Uma semana –, disse Neil, um pouco ressentido. – Abby não vai reconsiderar até a próxima
terça-feira.

– Generoso da parte dela –, disse Dan. – Eu teria suspendido você durante toda a primeira rodada.

– Estou bem, consigo jogar –, replicou Neil.

Kevin passou por trás de Andrew para bater na nuca de Neil. Cada pingo incômodo de empatia
que ele tivera ontem se foi; ele devolveu o olhar aborrecido de Neil com um olhar furioso e feroz.

– Eu avisei uma vez para não mentir sobre sua saúde. Nós precisamos de você na quadra, mas não
se você for nos arrastar para a lama. No estado em que você está agora, seria um completo
desperdício do nosso tempo.

– Eu não faria isso –, disse Neil. – Coloque-me na quadra e eu provarei.

– Cala a boca –, disse Wymack. – Quando você estiver com menos de cinquenta pontos, eu
considerarei deixá-lo entrar na minha quadra novamente. Antes disso, se eu pegar você flertando
com seu equipamento, então eu vou suspendê-lo por mais uma semana só por maldade. Você
entendeu?

– Mas...

– Diga “sim, treinador”.

– Treinador...

Neil esqueceu o resto de seu argumento quando Andrew beliscou seu pulso. Um raio de fogo
queimou através de seus dedos, ele prontamente afastou sua mão o mais rápido que pôde. Neil
lançou um olhar irritado para Andrew, mas Andrew nem sequer olhou para ele. Neil passou o braço
em volta do estômago, assim, tirando a mão do alcance de Andrew e, de mau humor, voltou sua
atenção para Wymack.

– Agradecido, eu acho – disse Wymack. – Andrew, o quanto você ficou fora de forma? Não vi uma
academia listada nas comodidades do Easthaven.

– Não tinha –, respondeu Andrew. – Improvisei.

– Gostaria de saber? – perguntou Wymack, depois respondeu à sua própria pergunta. – Não, eu
não quero, a menos que haja um processo judicial urgente em que eu deveria saber.

– Treinos matinais serão na academia novamente. Neil, até a sua volta, nós nos encontraremos
aqui. Vou colocá-lo para assistir vídeos e pesquisar sobre a defesa da UT. Amanhã à tarde,
iniciaremos o semestre visitando Betsy. Vocês já conhecem a rotina: nada de ir com alguém que joga
na mesma posição. Dan vai dividir os pares e dar-lhe um tempo previsto durante o treino da manhã.
Certo?

– Deixa comigo –, disse Dan.

– O último ponto dos meus anúncios oficiais é o controle de danos –, disse Wymack. – A atenção de
todos está sobre nós. Essa temporada vai ser muito feroz e as muitas tragédias fizeram de nós o
assunto da cidade, e este ano talvez as pessoas torçam pelo azarão. O conselho quer que
encorajemos essa febre com mais publicidade. Esperem mais câmeras nos jogos, mais entrevistas e
mais falta de tranquilidade, em geral. Se eu pudesse proibir um de vocês de abrir a boca em público,
eu faria, mas isso está fora do meu alcance. Tentem se comportar sem sacrificar suas imagens
confiantes. Podem fazer isso?

– Você não é engraçado, Treinador –, disse Nicky.

– Vou ser menos se você nos fizer parecer idiotas –, replicou Wymack. – Mas não estou tão
preocupado com você quanto estou com o saco de pancadas e a boca de sacola dele. Alguém tem
ideias sobre como fazer Neil parecer um pouco menos como uma mulher de malandro?

– Está sob controle –, disse Allison, e olhou para Neil. –Venha ao nosso quarto depois da reunião.

– Eu ia comprar meus livros hoje –, disse Neil.

– Eu não estava perguntando –, replicou Allison. – Você pode ir quando eu terminar com você, a
menos que você queira sair desse jeito.

– Prometemos não perguntar sobre o Natal –, disse Renee. Ou ela não viu o olhar irritado que
Allison atirou nela por acabar com as chances de conseguir boas fofocas ou ela optou por ignorar
isso. – Só vai levar alguns minutos, eu acho.

Neil não confiava em Allison para não se intrometer, mas ele confiava em Renee para intervir em
seu nome quando isso acontecesse.

– Tá certo.

– Eu preciso comprar minhas coisas também –, disse Nicky. – Nós podemos ir quando elas
terminarem com você.

Wymack assentiu e examinou sua equipe.

– Alguém tem alguma coisa oficial para adicionar?

– Vamos precisar de uma prateleira ou algo assim para colocar o nosso troféu de campeão –, disse
Dan. – Podem conseguir uma nova?

– A reitoria não assinará uma compra assim até que tenhamos conseguido pelo menos a segunda
partida do mata-mata –, disse Wymack. – No entanto, boa tentativa.

– E quem é que precisa da permissão do conselho? – Indagou Allison.

– Eu vou comprar, porque a nossa prateleira é muito pequena. Nós merecemos algo obscenamente
caro. Matt, tire as medidas do bagageiro da sua caminhonete. Preciso saber o que eu consigo
encaixar antes de começar a procurar o móvel perfeito.

– Ah, ser jovem e podre de rico –, disse Nicky. – Deve ser legal.

Allison olhou suas unhas com um tédio grandioso.

– Muito.

Nicky revirou os olhos, mas não continuou.

– Algo mais? – perguntou Wymack. O som da porta principal abrindo anunciou a volta de Abby,
Wymack sacudiu a cabeça. – Não importa mais. A comida está aqui. Comam e saiam do meu
vestiário. Eu estarei revisando a papelada se alguém precisar de mim.

Ele se retirou, desaparecendo em seu escritório. Abby cobriu a mesa de centro com vasilhas de
comida e distribuiu pratinhos de papel. Ao terminar, ela ficou tempo o suficiente para oferecer sua
tranquila recepção, mas calorosa, às Raposas. Neil achou estranho o fato de ela não perguntar sobre
as férias de ninguém, mas o olhar desconfortável que ela lançou em Neil e Andrew a caminho do
escritório de Wymack o fez entender que ela estava poupando os árduos sentimentos deles. Era uma
gentileza equivocada. Andrew, provavelmente, não se importava que seus companheiros tivessem
tido um recesso muito melhor, ele e Neil não se ressentiriam com a felicidade alheia.

O almoço foi uma ocasião tranquila. Neil desligou seu celular ao sair do vestiário, e Andrew não o
deixou entrar no carro até que o aparelho fosse religado. A equipe se dividiu em dois automóveis na
volta para a Torre das Raposas e Neil seguiu as meninas em direção ao quarto delas. Allison o fez
sentar-se de lado no sofá, enquanto vasculharia sua mala. Quando voltou, trouxe com ela um saco
plástico e sentou-se o mais perto dele quanto pode. Neil apenas a observou descarregar maquiagens
no curto espaço entre eles.
– Teria sido melhor se você tivesse ido à loja com a gente –, disse Allison. Soou acusatório, mesmo
elas não deixando Neil ciente de suas intenções. Neil se perguntou se deveria se desculpar. Antes de
decidir-se, Allison continuou. – Não importa mais. Eu comprei toda a prateleira. Cedo ou tarde algo
vai ter que combinar. Olhe para frente e me deixe trabalhar. Não abra a boca até que eu faça uma
pergunta.

Ela levantou dois estojos de maquiagens por vez, em frente aos dois lados do rosto, e assim
verificou os tons mais próximos da pele. Algumas ela descartou imediatamente. Outras foram
reservadas para uma segunda análise. Finalmente, ela escolheu três e começou a maquiá-lo,
cobrindo os hematomas que revestiam sua garganta e rosto. Renee e Dan ficaram assistindo, atrás do
sofá. Neil não arriscou a ira de Allison olhando para elas, mas ele quase podia ouvir Dan cerrando os
dentes.

– Por que? – Dan finalmente exigiu. – O que ele esperava ganhar? Por que ele fez isso?

– Dan –, disse Renee em repreensão tranquila. – Nós prometemos.

– Você que prometeu –, retrucou Dan.

Neil as deixaria brigando, no entanto Dan não estava desafiando a sua decisão.

– Para atingir Kevin –, respondeu ele, e Allison baixou as mãos. Neil lançou um olhar pelo canto do
olho para Dan. – Sabia? Kevin está com as Raposas há um ano, mas ele ainda tem um quarto no
Ninho dos Corvos. Riko nem sequer jogou fora os trabalhos escolares dele. Interessante, não é? Riko
ameaça e rejeita Kevin a todo o momento, mas não vai deixar ele livre. Ele é tão obcecado por Kevin
quanto Kevin está por ele.

– Agora, o Kevin está começando a esquecê-lo –, continuou ele. – Em outubro, quando


enfrentamos os Corvos, Kevin se importou mais com a gente do que com Riko atrás dele. Ele nos
escolher naquele dia, isso foi imperdoável. Riko é o Rei. Ele não admitirá ser diminuído,
menosprezado ou subestimado. Então, ele vai tirar do caminho as pessoas que apoiam Kevin. Ele
queria que a gente o temesse e infectasse Kevin com dúvidas.

Dan bufou rudemente.

– Idiota incompetente.

– Agradecido –, disse Neil.

Dan parecia perdida, então Neil disse:

– Por não me perguntar se teve resultado.

– Claro que não –, disse Allison. – Você não tem medo do Andrew. Por que teria medo de Riko? Ele
é só mais um falastrão, mimado e com problemas para controlar a raiva. Agora olhe para frente e me
deixe maquiá-lo. Não mandei você olhar para o outro lado.

Neil retornou a posição, parado e esperando ela terminar. Ela recostou-se um pouco para lhe dar
uma olhada minuciosa, depois se levantou para pegar um espelho em cima de sua mesa. Neil sentiu
um frio no estômago quando ela lhe ofereceu o espelho. Neil o pegou, mas deixou-o sobre seu colo.
Allison fez sinal para ele dar uma olhada. Neil balançou a cabeça em negação.

– Se você acha que está bom, então eu acredito em você.

– Não tem medo do Riko, mas tem medo do próprio reflexo? – Indagou Allison, cruzando os braços
sobre o peito e lançando um olhar penoso. – Você é um moleque confuso. Isso é natural ou seus pais
fizeram isso?

Dan saltou antes que Neil pudesse reagir.

– Parece ótimo. Qualquer um que se aproximar muito provavelmente vai descobrir que é
maquiagem, mas eu duvido que perguntem. Daqui de trás nem dá para perceber. Você vai ter que vir
aqui depois dos treinos matinais para se maquiar antes das aulas, até que tudo suma. Você vai ter
aula as nove nesse semestre?
– Não, eu cortei elas no outono –, para Allison, Neil disse: – Obrigado. Eu nem teria pensado nisso.
Parece ser um truque eficiente.

– E é. Aprendi para despistar os paparazzi, quando eu comecei a jogar. Embora nunca tenha
precisado, eu nunca perdi meu senso de moda. – Allison ergueu um ombro, presunçosa. – Faça um
teste, vá buscar seus livros. Agora, de preferência. Dan tá louca para usar o seu quarto.

– Não é o quarto que me interessa –, disse Dan.

Neil colocou o espelho de lado e levantou do sofá.

– Saindo.

– Ah, Neil? –, disse Dan, quando Neil chegou à porta. Neil soltou a maçaneta e olhou para ela. – Se
quiser conversar sobre qualquer coisa, ou nada, ou... – ela gesticulou com o dedo no lado de sua
cabeça, talvez significando a abrupta mudança de Neil na aparência, – Você sabe que estaremos aqui
quando precisar, não sabe?

– Sei –, respondeu. – Talvez mais tarde. Me envie uma mensagem quando for seguro voltar para o
quarto?

– Talvez sim, talvez não.

Neil gesticulou com a cabeça e saiu. Ele fechou a porta atrás de si e permaneceu no corredor. Ele
estava cansado, dolorido e nem um pouco ansioso para sua semana de repouso, mas por um
momento, nada disso importava.

– Estamos bem –, disse ele ao salão vazio. –Nós ficaremos bem. As Raposas ficariam bem, pelo
menos, e isso foi mais do que suficiente.
CAPÍTULO TRÊS

Neil esperava se sentir rejeitado por ter sido proibido de ir à academia na quinta-feira de manhã,
mas Wymack lhe dera para assistir uma das partidas mais interessantes da Universidade do Texas.
Wymack assistia a um jogo diferente em seu escritório, e os dois se encontraram depois para discutir
a jogabilidade de cada jogador. As meninas o pegaram no estádio, já que Allison precisava retocar a
maquiagem de seu rosto novamente. Foi mais rápido desta vez, pois Allison já tinha em mente o que
deveria fazer e as cores já predefinidas.

As aulas foram um tédio. Neil passou o tempo aflito, mais preocupado se as pessoas podiam ver
através da maquiagem do que realmente prestando atenção em seus professores. Foi um alívio
quando a segunda aula terminou às uma e quarenta e cinco, e Neil pôde escapar de volta para a
Torre das Raposas. Matt não estava lá quando Neil entrou na suíte. Uma olhada no cronograma de
aulas grudado na porta da geladeira dizia que ele não voltaria até que fosse quase hora de ir ao
estádio.

Neil aliviou o peso da bolsa em seus ombros colocando-a em sua escrivaninha. A gaveta inferior
de sua mesa ainda continha os livros de matemática e espanhol do semestre passado. Ele tirou as
suas anotações matemáticas da gaveta, limpou o pó do fichário e sentou-se para revisar. A maior
parte era vagamente familiar, mas conforme ele mudava as páginas, a matéria retornou a sua mente.
Neil teve uma sensação de estar se afogando, significava que ele já sabia como iria passar o seu fim
de semana.

Às quinze para as três, Neil encontrou-se com Andrew no estacionamento para uma carona até o
estádio. As Raposas normalmente iam para os treinos em dois grupos. Hoje, eles foram em três
carros, já que fariam ida e volta ao Reddin Hall durante o treino da tarde. Andrew e Kevin tinham as
primeiras sessões com Betsy Dobson e iriam direto para lá, então Aaron e Nicky subiram na caçamba
da caminhonete de Matt com Renee. Neil achou que não conseguiria subir tal altura sem soltar
algum ponto, mas ele nem precisou se preocupar. Allison o enfiou em seu conversível rosa assim que
ele estava prestes a se impulsionar para subir.

Neil se preparou para perguntas, mas Allison não falou com ele durante todo o percurso. Neil
agradeceu-lhe enquanto saía, recebendo um olhar perplexo em resposta, e esperou na calçada até
que os outros chegassem.

O treino da tarde foi tão horrível quanto achava que seria. Ele pegou a gravação que Wymack lhe
ofereceu, mas ficou absorto no corredor enquanto seus colegas de time se vestiam. Ele os assistiu
atravessar o corredor em direção à quadra para se aquecer, ele teve que resistir para não segui-los.
Sentar-se no sofá sugou cada gota restante de seu autocontrole, e ele esperava que a gravação o
distraísse. Só funcionou até a volta das Raposas ao vestiário para equiparem suas armaduras. Neil se
distraiu do que estava na tela e, ao invés disso, olhou para a parede.

– Foco –, disse Wymack em algum lugar atrás dele.

– Eu estou focado –, mentiu.

– Eles acabaram de marcar um gol incrível e você sequer se mexeu –, acusou Wymack.

Neil olhou de volta para a TV e viu que a pontuação havia aumentado. A multidão estava indo à
loucura no fundo.

– Eu deveria estar na quadra.

– Você vai –, ratificou Wymack. – Semana que vem, quando você estiver melhor. Repousar por
alguns dias não vai te matar. Talvez, você morra se arrebentar alguma coisa e a lesão for além de um
curativo. Eu definitivamente vou matá-lo se você nos eliminar por sua impaciência. Olhe a situação
da seguinte maneira se precisar: seus colegas estão apenas se aquecendo agora. Você teve duas
semanas de treinos durante o recesso natalino, enquanto eles estavam vadiando e se empanturrando
com comida. Você está mais adiantado do que eles.

– Kevin treinou –, disse Neil. – Matt disse que ele foi à quadra do bairro todos os dias.

– Apenas um, os outros não.

– Eles podem aproveitar o tempo livre. Eles todos são melhores do que eu, e eles têm substitutos.

– Eles têm mais experiência e diferentes pontos fortes do que você –, disse Wymack. – Mas você
está mil vezes melhor agora do que em maio. Não se rebaixe tanto. Agora, foco. Eu vou precisar de
algumas boas anotações quando você for embora.

Neil calmamente pegou seu lápis em concordância quando Wymack foi embora.

Ele estava na metade do segundo jogo até que chegou a hora de ir para o Reddin. Desta vez ele
estava indo por terceiro e tinha Aaron como dupla. Neil dirigiu, e de alguma forma resistiu em
perguntar quanto tempo fazia desde que alguém deixara Aaron sentar no banco do passageiro. Ainda
não havia nada a se ganhar por confrontar Aaron.

Era muito cedo para a maioria do corpo estudantil começar a ocupar espaço no centro médico,
então Neil achou uma vaga para estacionar perto do portão. Eles ignoraram o balcão da recepção e
foram pelo corredor até os escritórios dos conselheiros. Antes que Neil pudesse perguntar qual deles
iria primeiro, Aaron continuou a andar até o escritório de Betsy e simplesmente sumiu de vista. Neil
se afundou em uma das densas cadeiras para esperar.

Ele não queria pensar sobre a sessão, também não queria pensar sobre as Raposas treinando sem
ele, então ao invés disso, começou a ler suas mensagens. A maioria delas eram de Nicky: comentários
ociosos sobre coisas que ele vira em Nova York, perguntas sobre Millport e pedidos dispersos para
que Neil parasse de ignorá-lo. Pelo menos quatro mensagens consistiam em apenas pontos de
exclamação. Renee enviou saudações duas vezes e Allison uma, em um grupo de conversas no dia de
Natal.

Kevin havia enviado apenas uma mensagem, no dia em que Neil foi para Evermore. Neil perdera
tal mensagem apenas por alguns minutos; foi no exato momento em que Neil havia embarcado. Neil
leu a mensagem de oito palavras quatro vezes.

Jean vai te ajudar se você ajudar ele.

Neil não gostara muito de Jean nos primeiros dias, a mensagem de Kevin não faria diferença
alguma, mas ele entendeu ao analisar melhor a situação. Jean estava a par da macabra realidade
sobre os Moriyamas, já que ele havia sido vendido para Tetsuji anos atrás para pagar uma dívida com
o chefe da família. Jean odiava o seu destino na vida, mas ele estava num ponto onde não podia
sequer pensar em revidar. Ele não era um rebelde; ele era um sobrevivente. E faria o necessário para
viver mais um dia.

Muitas vezes pareceu cuidar de Neil. Jean ficou como vigia, inabalável, enquanto Riko rasgava
Neil de novo e de novo, mas ele sempre estava lá para colocar Neil de pé em seguida. Eles eram
parceiros um do outro na quadra dos Corvos, o que significava que os seus sucessos e falhas
impactavam diretamente em ambos. Jean era um aliado questionável, na melhor das hipóteses, no
entanto era o único Corvo que havia cuidado de Neil. Era egoísmo, não bondade, mas fora suficiente
para manter Neil vivo.

Neil sobreviveu e conseguiu sair de lá. Kevin escapou quando sua vida desmoronou ao seu redor.
Jean ainda estava lá, mantendo-se firmemente da melhor maneira que podia. Neil se perguntou o que
significou para ele assistir os dois irem embora: se achou que eles eram tolos por desafiarem o
mestre ou se uma parte oculta sentia inveja por eles terem uma saída. Neil se perguntou se ele se
importava. Se era mais seguro e inteligente não fazer nada. Mas se Jean não estava disposto a lutar,
isto é, se ele não tinha nada para lutar, não havia nada que alguém pudesse fazer por ele.

Uma memória perdida repuxou em seus pensamentos, porém, fora de seu alcance. Neil tentou se
focar naquilo, mas pensar sobre Jean fez sua mente relembrar dos abusos de Riko. Neil dispersou
tudo aquilo e verificou o resto das mensagens. Dan e Matt tinham perguntado por ele diversas vezes.
Aaron enviara uma única mensagem, era a última no correio de Neil, antes das trocas de
cumprimento do Ano Novo.

Não conte para Andrew sobre a Katelyn – dizia.

Katelyn e Aaron tinham saído juntos furtivamente ao longo do semestre de outono, evitando-se
nos jogos e encontrando-se na biblioteca entre as aulas. Uma vez que Andrew foi interditado, Katelyn
tornou-se um elemento permanente em suas vidas, jantando com Aaron em várias noites na semana e
acabando ocasionalmente no dormitório. Era estranho pensar que eles estavam voltando a ficar em
segredo e Neil futilmente se perguntou como Katelyn iria reagir à decisão. Ela provavelmente não
ficaria feliz, mas pelo menos ela continuaria viva e segura.

O clique da porta o distraiu de seus pensamentos. Neil checou a hora e fechou suas mensagens. A
relutância, cuja era maior que a dor, fez ele lentamente ficar em pé quando Aaron voltou. Betsy
seguiu Aaron até a entrada e cumprimentou Neil com um sorriso caloroso.

– Olá, Neil.

Ele seguiu-a pelo corredor até seu escritório e passou por ela para entrar primeiro. O local
parecia estar do mesmo jeito, assim como estava em agosto, das almofadas perfeitamente inclinadas
em seu sofá até os bibelôs de cristal nas prateleiras. Ele se sentou no sofá e observou enquanto Betsy
fechava a porta. Ela tirou um momento para misturar um pouco de chocolate quente e olhou para
ele.

– Eu tenho um pouco de chá quente, se quiser. Eu lembro de você dizendo que não gosta de doces.

– Estou bem.

Betsy se sentou no lado oposto ao dele.

– Já faz algum tempo. Como você está?

– As Raposas conseguiram chegar até o campeonato de primavera, Andrew está de volta e sóbrio,
e eu ainda estou recomeçando a treinar–, disse Neil. – Ainda não tenho do que reclamar.

– Parabéns pela classificação, a propósito –, disse Betsy. – Confesso que não entendo muito sobre
esportes, mas você tem companheiros muito talentosos, o retorno de vocês ano passado foi nada
menos que brilhante. Acho que a trajetória de vocês vai ser incrível. Texas é um pouco longe para eu
viajar, mas vou torcer por vocês no jogo em casa contra Belmonte. Você está pronto?

– Não –, respondeu Neil, – mas nós vamos chegar lá. Nós não temos opção. No mês passado,
dissemos que não perderíamos um único jogo de primavera. Nós não mudamos de pensamento, mas
acho que agora que janeiro está aqui, a ficha finalmente caiu sobre quem enfrentaremos e o que será
necessário para ganharmos. Nós vamos enfrentar os melhores times do país, e nós somos apenas os
competidores novatos.

– É uma forma muito madura de olhar para tudo isso. Também é –, Betsy gesticulou, abrindo um
pouco as mãos enquanto procurava pelas palavras certas, – muito prático. Isso soa mais como uma
frase de efeito que você daria a um repórter do que algo que você poderia admitir para mim.
Esperava que pudéssemos progredir após tais declarações cautelosas. Lembre-se que não estou aqui
para julgar quaisquer coisas que você diga.

– Eu lembro –, assentiu Neil, e deixou o assunto por aquilo.

Betsy inclinou sua cabeça e prosseguiu.

– Você mencionou a volta de Andrew como algo positivo. Eu sei que você apoiou minha decisão de
interná-lo em novembro. É provavelmente muito cedo para dizer, mas como você está lidando com a
realidade de sua sobriedade? Alguma preocupação?

– Não vou falar sobre Andrew com você.

– Estou tentando conversar sobre você –, replicou Betsy. – Essa sessão é sobre você.

– Isso nem é realmente uma sessão –, disse Neil. – É um encontro informal e eu apenas estou aqui
porque o Treinador disse que devemos vir vê-la uma vez a cada semestre. Nenhum de nós se
beneficia com isso. Você está perdendo comigo o tempo que seria mais bem administrado com seus
pacientes verdadeiros, e eu estou perdendo um treino.

– Eu não considero isso uma perda de tempo, peço desculpas por estar diminuindo seu tempo em
quadra. – Ela deu a ele alguns segundos para responder, então disse, – Feliz Ano Novo, a propósito.
Esqueci de dizer. Como foi seu feriado?

Ali estava a pergunta que ele esperava e temia. Ele não sabia o que seus colegas de equipe
tinham dito para ela. Ele não lhe contaria a verdade, mas se ele mentisse sobre isso e eles já
tivessem contado, ela começaria a questionar tudo o que ele já havia dito até aquele momento. Neil
considerou as possíveis consequências e decidiu mentir. Ele só era obrigado a ver Betsy uma vez a
cada semestre, afinal; aquela era a última vez que ele se sentaria com ela cara a cara. Ela poderia
pensar o que quisesse sobre ele.

– Foi bom –, disse Neil.

– Alguma vez já nevou no Arizona?

– De vez em quando. Eles consideram três centímetros e meio de neve uma grande tempestade.

– Oh, nossa –, disse Betsy. – Eu lembro quando tivemos uma geada há alguns anos atrás. Eu passei
por uma mocinha no campus. Ela estava falando no telefone; ela havia ligado para alguém
simplesmente para dizer que estava nevando aqui. Ela estava tão animada por causa de uma
quantidade tão insignificante de neve que eu me perguntei se ela alguma vez já tinha visto-a antes.
Queria perguntar de onde ela era, mas parecia inconveniente.

Não havia uma pergunta ali, então Neil não disse nada. Betsy também não disse nada e tomou um
gole de seu chocolate quente. Neil resistiu ao impulso de olhar para o relógio. Ele não queria saber
quão pouco tempo tinha passado.

– Você não vai falar comigo? – Betsy finalmente o incitou.

– O que você quer que eu diga? – indagou Neil.

– Qualquer coisa –, falou Betsy. – É a sua vez.

– Qualquer coisa? – inquiriu Neil. Quando ela deu um aceno de cabeça encorajador, Neil
prosseguiu em contar sobre os jogos da UT que esteve assistindo. Era completamente impessoal, e
definitivamente nada do que ela esperava, mas ela não o interrompeu e não teve o bom grado de
parecer entediada. Ela bebeu seu chocolate quente e escutou-o como se fosse a história mais
interessante que ela ouviu durante o dia inteiro. De algum jeito, isso fez Neil gostar ainda menos
dela, mas não parou.

Finalmente, ele estava livre para ir. Ele saiu dali, pegou Aaron na sala de espera e se dirigiu para
o carro. Eles estavam no meio do caminho até o estádio antes de Aaron falar.

– Eu não contei para ela.

Eles eram os únicos no carro, mas demorou alguns segundo até Neil perceber que ele estava
sendo abordado. Ele olhou para Aaron, mas Aaron observava a paisagem através da janela do
passageiro.

– Nem eu –, disse Neil.

– Ela lhe perguntou sobre Andrew.

Não era bem uma pergunta, mas Neil respondeu.

– Sim. Para você também?

– Ela não me pergunta mais nada –, disse Aaron. – Ela sabe que não há motivo. Eu nunca dirigi
uma única palavra a ela.

Neil imaginou-se sentado em um silêncio insensível, enquanto Betsy tagarelava sobre isso e
aquilo. Foi ao mesmo tempo inspirador e perturbador. Ele não sabia se conseguiria aguentar meia
hora disso.

– Queria ter pensado nisso. Eu dei a ela uma descrição completa das habilidades da UT ao invés
disso.

– Previsível –, disse Aaron.

Neil se perguntou como Andrew matava o tempo. Quando tomava seus medicamentos, ele era
obrigado a ter sessões semanais com Betsy. Neil não sabia se isso iria continuar. Ele estava mais
interessado em como a visão de Andrew sobre Betsy mudaria. Andrew pareceu estranhamente
tolerante há ela ano passado, ao ponto de ter admitido receber mensagens dela fora de suas sessões.
Drogas eufóricas provavelmente deixavam qualquer um mais fácil de tolerar, apesar das
circunstâncias.

Neil roubou a mesma vaga na qual ele tinha encontrado o carro. Ele voltou para o seu lugar no
sofá, e Aaron seguiu ao vestiário para vestir seu uniforme novamente. Neil tentou não invejar seu
bom estado de saúde e quase teve sucesso. A gravação da UT foi uma boa distração da irritação
injustificada, mas Neil perdeu o foco do jogo quando Renee e Allison apareceram alguns minutos
mais tarde. Neil observou o caminho delas pela sala, pensou duas vezes sobre aquilo, e então pausou
o jogo.

– Renee?

Ambas pararam, mas Allison não ficou por muito tempo. Quando ela deixou o local, Renee veio e
sentou-se com Neil, perto o suficiente para oferecer um conforto silente, mas longe o suficiente para
que Neil pudesse respirar.

– O que eu disse ontem? – Neil perguntou a ela. – Por que você reagiu daquela maneira?

Não demorou muito para ela lembrar:

– Sobre as facas, você que dizer. – Quando Neil assentiu, ela virou as mãos e considerou as palmas
das mãos. – Você se lembra que eu lhe disse que eu participava de uma gangue? Havia um homem lá
que fazia de tudo para me machucar. Ele gostava de facas e mantinha meia-dúzia com ele o tempo
todo. Eu não conseguia me defender por meios normais, então eu aprendi a lutar com facas também.
Eu pratiquei por um ano antes, até finalmente conseguir derrotá-lo.

–Derrotá-lo. – Renee contemplou a escolha da palavra por alguns momentos antes de dizer, – Ele
não sobreviveu à luta. O mandachuva ajudou a ocultar o cadáver para incriminar uma gangue rival, e
eu fui promovida. Eu mantive as facas comigo durante meu julgamento e processo de adoção. Eu
queria lembrar da escuridão que eu fui capaz... E por qual escuridão eu sou capaz de sobreviver.

– Você fez o que tinha que fazer –, disse Neil. – Se ele sobrevivesse, ele teria voltado para pegar
você.

– Eu sei –, disse Renee, suavemente. – Havia outras garotas antes dele se interessar por mim;
haveria outras garotas depois que eu fosse embora. Mas eu não fiz isso pelo bem de todas. Eu fiz
porque ele me fez muito mal e eu não queria mais ter medo dele. Lamento o que ele fez para mim
mais do que eu lamento a necessidade de sua morte. Eu não senti aversão enquanto o observava
morrer. Eu estava orgulhosa do que tinha feito com ele.

– Eu contei para Andrew o que eu tinha feito –, disse Renee. – No dia seguinte, enquanto eu
estava na aula, ele entrou furtivamente no meu quarto e roubou minhas facas. Quando eu pedi elas
de volta, ele disse que eu estava enganando a mim mesma. Se eu quisesse me lembrar daquilo, então
eu não deveria escondê-las no armário, como se elas fossem um segredo humilhante que não poderia
ser revivido, ou ignorá-las. Elas não estavam me fazendo bem, então ele disse que ficaria com elas
até que eu precisasse novamente.

– Permiti que ele ficasse com elas, porque eu confiei que ele não as usaria – disse Renee. – Achei
que ele havia entendido o que elas deveriam ser: não mais armas, mas um símbolo do que nós
superamos. Eu não questionei a ele suas razões. Sabia que ele me contaria se quisesse que eu
soubesse.
A resposta óbvia era Drake, mas não se encaixava muito bem. Neil revirou o assunto em sua
cabeça, seguindo o raciocínio até uma razão, e chegou às cicatrizes nos antebraços de Andrew. A
quem Andrew tinha sobrevivido: Drake ou a ele mesmo?

Neil não compartilharia seu raciocínio com Renee, então ele disse:

– Então, essas facas que ele carrega são suas?

– Eram minhas –, corrigiu Renee. – Ele estava certo; eu não preciso mais delas. Se você precisar,
ele as dará para você, e eu vou te ensinar a como usá-las.

Ela não estava mais sorrindo. Neil estudou a sua expressão calma e soube o que significava. Ela
colocaria sua fé e a sua piedade cristã de lado para lhe mostrar como castrar um homem, se ele a
pedisse. Neil estava começando a entender o porquê Andrew gostava dela. Renee era louca o
suficiente para se considerar interessante.

– Obrigado –, disse Neil, – mas não. Eu não quero ser como... Ele.

Ele não dissera que já havia usado facas antes; ninguém podia crescer um Wesninski sem ter uma
lâmina empunhada na mão. Nathan não tinha tempo ou paciência para ensinar seu filho, mas deixou
dois de seus capangas com a tal tarefa. Felizmente, Neil fugiu de casa antes de começar a estripar
animais mortos.

– É claro –, concordou Renee. Ela esperou por um momento, para ver se algo mais estaria por vir,
então ficou em pé. – Eu não deveria deixar Allison esperando, então se você quiser conversar comigo
mais tarde, você sabe onde me encontrar.

– Ok –, disse Neil. Renee aproximou-se da porta antes que Neil fizesse a pergunta: – Como Andrew
está? Sem as drogas, quero dizer.

Renee olhou para ele de volta e sorriu.

– Vá ver. Acho que o Treinador não vai se importar.

Neil ficou onde estava até a porta se fechar. Ele olhou de seu bloco de notas para o jogo pausado,
então colocou suas coisas de lado e ficou em pé. O som da bola batendo na parede o cumprimentou
enquanto ele passava pela porta dos fundos e seguia o caminho até o pátio interno da quadra.
Wymack estava parado perto do banco de reservas, observando seus jogadores disputarem enquanto
fazia anotações. Ele estava de costas para Neil, e o ruído das entradas de ar dentro da quadra ajudou
a esconder o suave som dos passos de Neil. Neil se moveu até uma distância segura e observou seus
colegas de equipe.

As Raposas pareciam tão pequenas quando estavam sem os três jogadores, mas eles jogavam com
a ferocidade de um time grande. Dan e Kevin estavam em dupla no ataque contra três defensores e,
apesar de estarem em menor número, eles lutaram incansavelmente. Kevin até conseguiu escapar de
Nicky e Aaron algumas vezes para atirar no gol. Andrew defendeu todas as suas investidas, mas
demorou alguns arremessos antes de Neil perceber o que ele estava fazendo. Ao invés de mandar as
bolas de volta para a quadra, como de costume, ele estava as jogando de volta para Kevin. Mais
especificamente, direto nos pés de Kevin. Kevin tinha que executar um belo e ágil drible para evitar
tropeçar na bola. Andrew fez o mesmo com Dan quando ela finalmente passou por Matt para fazer
um arremesso. Ela se esquivou, mas por pouco, e Matt teve que agarrá-la quando ela tropeçou.

Wymack falou um palavrão e se virou para colocar suas coisas de lado. Enquanto se virava, ele viu
Neil, e hesitou em colocar sua prancheta no banco. Neil esperou uma ordem automática para voltar
ao vestiário. Ao invés disso, Wymack apontou seus dedos para Neil e moveu seu polegar até a porta
do estádio.

– Diga para seu psicopata de estimação deixar de fazer isso antes que ele aleije alguém.

– Eu acho que ele não vai me ouvir.

– Você e eu sabemos que ele vai. Agora vá.

Wymack bateu na parede, anunciando uma pausa para a partida enquanto Neil se dirigia até a
porta. Ele foi até a quadra e, então, dirigiu-se ao gol. Andrew apoiou sua raquete sobre seus ombros
com a aproximação de Neil. Neil era inteligente o suficiente para não chamar o nome de Andrew em
público, então ele parou o mais perto que podia de Andrew e manteve sua voz baixa.

– O Treinador quer saber o que você tem contra a linha ofensiva.

Andrew deslizou o seu olhar por Neil até a parede da quadra.

– Ele mesmo pode vir me perguntar isso.

– Ou você pode me responder, uma vez que já estou aqui –, disse Neil. – Há apenas nove de nós
sobrando. Se nós perdermos mais alguém, estamos fora dos campeonatos de primavera. Você sabe
disso.

Neil esperou por um soco, mas é claro que aquilo não era o suficiente para obter uma reação.
Andrew já parecia entediado da conversa. Neil colocou uma mão na frente do rosto de Andrew,
bloqueando perfeitamente Wymack de sua visão, e esperou até que Andrew olhasse para ele
novamente.

– Eu quero que nós alcancemos as finais. Eu quero que nós sejamos os únicos a finalmente
derrotar os Corvos. Depois de tudo que Riko nos fez, você também não quer isso?

– Você diz "querer" tão espontaneamente –, disse Andrew, – mesmo eu já tendo lhe dito mil vezes
que eu não quero nada.

– Provavelmente porque você está gastando toda a sua energia em não querer nada –, rebateu
Neil. – Mas se você não consegue compreender esse conceito simples, eu vou colocar em termos que
você entenda: esse é um jogo que não podemos perder. É assim que destruiremos Riko. É a única
coisa que podemos tomar dele que vai realmente doer. Vamos arrancar a sua classificação de suas
mãos e mostrá-lo que há uma razão para nos temer.

– Seus colegas de equipe ainda acham que você é o quietinho? – perguntou Andrew.

– Nossos colegas de equipe –, disse Neil, com ênfase, – querem isso tanto quanto eu. Pare de
renegá-los antes que eles tenham a chance de tentar.

– Eu não acredito em dar chances às pessoas.

– Eu também não, até que vim para cá –, disse Neil. – Eu lhe dei uma chance quando decidi ficar.
Você me deu uma chance quando decidiu que eu treinasse com Kevin. É realmente tão difícil apoiá-
los, quando eles estiveram ao seu lado em praticamente tudo?

– O que você vai me dar em troca por minha cooperação? – indagou Andrew.

– Porque a vingança não é boa o suficiente? – questionou Neil. – O que seria necessário?

Andrew não teve que pensar sobre aquilo.

– Me mostre suas cicatrizes.

Não era o que Neil esperava, e foi provavelmente por isso que Andrew pediu tal coisa. Neil abriu
sua boca para protestar, mas as palavras morreram em sua garganta. Wymack e Abby já tinham
visto-as, e as Raposas sabiam que as cicatrizes estavam lá. Ele colocara a mão de Andrew em sua
pele arruinada em novembro para ganhar a sua confiança. Neil prometera a Andrew as partes
ausentes de sua verdade caso sobrevivessem ao ano. Ele não havia pensado que Andrew se
contentaria apenas com uma prova visual.

– Quando? – indagou, por fim.

– Nós vamos para Columbia amanhã –, disse Andrew. – Agora vá embora e diga ao Treinador para
se importar com seu desvio de função. Eu não vou deixar ele escapar dessa de novo.

Neil não entendeu, mas assentiu e foi embora. As Raposas esperaram até que a porta fosse
fechada e trancada antes do jogo reiniciar. Na vez seguinte em que Kevin conseguiu arremessar no
gol, Andrew atirou a bola para o fundo da quadra. Neil teve a sensação de que as Raposas se
arrependeriam de sua intervenção em breve. Era definitivamente mais seguro, mas agora Dan e
Kevin tinham que perseguir a bola toda a vez que Andrew a rebatia.

Neil voltou a ficar ao lado de Wymack e transmitiu a mensagem de Andrew. Ele esperava que
Wymack ignorasse a ameaça de Andrew sem ao menos piscar. Ele não estava esperando o suspiro
sarcástico e seco de Wymack.

– Apenas me prometa que isso não vai ser um problema.

– O quê? – perguntou Neil.

– Eu não sei dizer se você está sendo estúpido para me ferrar ou se você é mesmo tão lerdo –,
disse Wymack. Quando Neil apenas o olhou com uma expressão neutra, Wymack esfregou suas
têmporas, como se tivesse uma dor de cabeça. – Eu teria pena de você, mas Andrew está certo. Eu
não recebo para me envolver nisso. Perceba você mesmo... Em seu próprio tempo. Você deveria estar
estudando a UT agora.

Wymack pegou sua prancheta e começou a fazer anotações. Neil olhou para ele e depois para a
quadra.

– Adeus –, disse Wymack.

Neil engoliu suas perguntas e se dirigiu novamente para o vestiário.

Os veteranos saíram para jantar na sexta-feira após os treinos, mas passaram nos dormitórios
primeiro para colocar roupas limpas. Andrew apareceu no dormitório de Neil quase no mesmo
momento em que Matt havia saído, trazendo uma sacola de roupas consigo. Neil ainda não entendia
por que os primos insistiam em fazê-lo vestir algo novo toda a vez que iam para Columbia, mas ele já
havia passado do ponto de questionar. Ele carregou a sacola até seu quarto para se trocar. Quando se
virou para fechar a porta, Andrew estava logo atrás dele. Andrew não disse nada e gesticulou para a
camiseta de Neil.

Neil hesitou, então colocou a sacola na cama de Matt e lutou para retirar sua camiseta. Estava
ficando um pouco mais fácil a cada dia, mas ainda doía quando esticava seus braços muito alto e,
quando virava o troco, sentia puxões nos pontos. Ele conseguiu passar a camiseta por sua cabeça e
cotovelos antes que Andrew cansasse de assisti-lo se debater, e, puxou a camiseta folgada. Andrew
jogou-a para o lado sem olhar para onde a camisa havia pousado. Ele estava mais interessado nas
cicatrizes e hematomas cobrindo o torso de Neil.

Andrew alcançou os curativos nos pulsos de Neil, e Neil o deixou arrancar a fita e a gaze. Os
ferimentos em cicatrização pareciam piores hoje do que no dia em que ele havia voltado para a
Carolina do Sul. Abby estava certa; ele precisava deixar suas feridas respirarem. Neil arrastou o seu
olhar das feias linhas esfoladas em volta de seus pulsos para o rosto de Andrew. Neil não tinha
certeza do que ele estava procurando: um resquício da violência de quarta-feira ou as rejeições
insensíveis e animadas do último semestre. Ele não captou nenhum dos dois. Andrew parecia estar
mil anos distante de tudo isso, avoado e despreocupado.

No ombro direito de Neil havia uma marca de queimadura, cortesia de ter apanhado com um
ferro quente de passar. Andrew colocou sua mão esquerda na região, com as pontas dos dedos se
alinhando perfeitamente com as protuberâncias evidentes que os furos do ferro deixaram. Seu
polegar direito encontrou a pele fina enrugada por ter sido atingido por uma bala. Neil havia dormido
com seu colete à prova de balas por quase um mês depois dessa experiência, assustado demais para
tirá-lo. Sua mãe teve que intimidá-lo a retirá-lo por tempo o suficiente para limpar o ferimento.

– Alguém atirou em você –, disse Andrew.

– Eu lhe disse que alguém estava me perseguindo –, respondeu Neil.

– Isso –, Andrew apertou firmemente seus dedos na marca do ferro, – não é de uma vida fugindo.
– Meu pai me deu isso. Pessoas começaram a fazer perguntas sobre o trabalho dele. Eu não disse
nada, mas aparentemente não estava quieto o suficiente, também. Ele me bateu logo que a porta se
fechou. Foi por isso que lhe disse para me chamar de “Abram" –, disse Neil. – Eu não queria lhe dar o
nome do meu pai, porque eu não quero que ninguém me chame assim novamente. Eu o odiava.

Andrew ficou quieto por um longo tempo, então desceu a sua mão até os cortes em volta do
abdômen de Neil.

– Renee disse que você recusou nossas facas. Um imã de assassinos como você não deveria andar
por aí desarmado.

– Eu não vou –, disse Neil. – Eu achei que você iria me proteger este ano? – Andrew olhou para ele
novamente, com uma expressão indecifrável. Ele não disse nada, então Neil continuou: –
Sinceramente, você não é um sociopata, ou é?

– Nunca disse que eu era.

– E você deixa eles dizerem isso sobre você –, disse Neil. – Você poderia tê-los corrigido.

Andrew dispensou o assunto.

– O que as pessoas querem pensar sobre mim não é problema meu.

– O Treinador sabe?

– É claro que sim.

– Então sua medicação...? – perguntou Neil. – Aquelas pílulas eram mesmo antipsicóticos?

– Você faz muitas perguntas – disse Andrew, e deixou Neil sozinho para se vestir.

Neil encontrou o grupo de Andrew no corredor quando ele estava pronto. Nicky deu um sorriso
aberto em aprovação em como as roupas novas serviram bem. Aaron não fez muito mais do que olhar
para Neil. Kevin checou o rosto de Neil para ver se haviam manchas na maquiagem, mas não disse
nada. Andrew apenas esperou o suficiente para ouvir a maçaneta deslizar até o batente e foi para as
escadas. Ele tinha dois cigarros acesos antes de chegarem ao segundo andar, e um ele passou sobre
o seu ombro para Neil. Neil o segurou até chegarem ao carro.

Nicky deu-lhe um olhar estranho enquanto abria a porta do banco de trás.

– Você não fuma.

– Não –, assentiu Neil, e esfregou a chama na sola de seu sapato. Ele guardou a outra metade do
cigarro para mais tarde em seu bolso. Sentou no banco do passageiro antes que Nicky perguntasse
qualquer outra coisa, e posicionou o seu cinto de segurança no lugar. Os outros não demoraram em
se amontoar no carro, e Andrew colocou-os na estrada logo que a última porta foi fechada.

Neil ficaria feliz em nunca colocar sequer um pé em Columbia novamente depois do que havia
acontecido em novembro, mas os outros pareciam indiferentes. Eles pararam no estacionamento do
Sweetie's como se nada de ruim tivesse acontecido naquela cidade e pegaram a primeira cabine de
mesas livre. Nicky começou um monólogo extenso sobre suas aulas, mas Neil não conseguiu focar em
uma única palavra. Ele deixou as frases entrarem por um ouvido e saírem pelo outro comendo seu
sorvete em silêncio.

O Eden's Twilight estava cheio, como de costume. Um segurança sentado numa banqueta checava
identidades enquanto o outro vigiava a porta de entrada. O segurança praticamente pulou da
banqueta ao ver o carro de Andrew na calçada. Neil ficou para trás, enquanto Nicky e Aaron
suportavam apertos de mão vigorosos e tapinhas nas costas. Um dos seguranças disse algo a Aaron,
com a voz baixa, mas com a expressão intensa. Neil supôs que era uma promessa de apoio no
julgamento que ainda estava por vir, julgando pelo aceno de cabeça agradecido de Aaron. Ele olhou
para trás a procura de Andrew, que estava esperando no banco do motorista por um passe de
estacionamento VIP, mas Andrew estava observando o tráfego de carros ao invés do espetáculo na
porta. Finalmente, Nicky conseguiu um passe de um dos seguranças e levou-o até o carro.
Andrew dirigiu para estacionar enquanto os outros entravam. Neil seguiu Kevin através da
multidão, empurrando os corpos superaquecidos e fazendo uma pequena careta involuntária pela
guitarra explodindo nos alto-falantes. Não havia nenhuma mesa vazia, então eles acabaram contra o
balcão do bar. Não demorou muito para Roland vê-los e quase deixar cair sua coqueteleira. Assim
que ele terminou os seus pedidos, Roland seguiu o caminho mais curto até eles.

– Quem diria –, disse ele. – Estava começando a achar que não veria vocês de novo.

– Como se pudéssemos ficar longe para sempre –, disse Nicky. – É só que, não seria o mesmo sem
Andrew.

– Andrew foi solto, então? – perguntou Roland com um alívio óbvio. – Quase morremos quando
ouvimos as notícias. Eu queria que pudéssemos ter feito algo, qualquer coisa. E você –, disse ele,
olhando para Aaron, – é um herói. Você tem nosso total apoio, entendeu? Se eles tentarem fazer
qualquer acusação de merda colar, nós todos vamos até aquele tribunal. Aquele cara teve o que
merecia e todos sabem disso.

– Obrigado –, disse Aaron.

Roland preparou rapidamente uma rodada de bebidas. Ele já havia visto Neil provavelmente uma
dúzia de vezes antes e sabia que Neil não bebia, mas ele colocou uma dose no caminho entre ele e
Neil para o caso de Neil estar se sentindo comemorativo. Neil deixou-a onde estava e os observou
beberem. Roland já tinha uma segunda rodada pronta no momento em que Andrew se juntou.
Andrew deslizou cuidadosamente até a abertura estreita entre Kevin e Neil.

– Bem-vindo de volta à terra dos livres –, disse Roland. – Eu diria “dos sóbrios”, mas sei que não
vai durar. Um brinde.

Eles viraram suas bebidas com facilidade. Roland começou a preparar sua bandeja, como de
costume. Estava quase terminando antes de uma mesa finalmente ficar livre. Neil ficou para trás com
Andrew enquanto os outros foram pegar o lugar. Andrew bebeu a dose de Neil quando a viu
abandonada ali. Roland parou de fazer os drinques para encher novamente o copo. Dessa vez, ele
empurrou-o um pouco mais para perto de Neil.

– Se solte um pouco. É uma ocasião especial –, disse Roland.

– E acabar com sete semanas de trabalho árduo –, replicou Neil.

Andrew não perdeu seu fôlego argumentando. Bebeu a segunda dose de Neil e Roland nem tentou
servir uma terceira. Quando Roland acabou de misturar os drinques, Neil desocupou o caminho para
Andrew levar a bandeja. Os outros se acabaram nas doses, mas Andrew tomou seu drinque o mais
lentamente que Neil já tinha o visto beber. Neil supôs que sua tolerância estava no fundo do poço,
depois de dois meses sem ingerir nada alcoólico. Ele dissera a Neil, ano passado, que sempre
soubera quais eram seus limites. Isso fez Neil pensar se Aaron e Nicky já tinham visto Andrew
bêbado. De alguma forma, ele duvidava disso.

Eles afundaram-se em pó de anjo em grupo, Aaron e Nicky desapareceram. Kevin continuou


bebendo os drinques. Andrew observou a multidão e bebeu seu drinque na mesma velocidade que
uma lesma. Neil não sabia o que dizer a eles, então se manteve ocupado. Ele trocou os copos cheios
restantes na bandeja por vazios que estavam na mesa e se dirigiu ao bar. Roland pegou a bandeja
assim que ficou disponível. Neil cruzou seus braços no balcão do bar e observou Roland misturar a
próxima rodada.

– Então, Andrew finalmente cedeu, huh? – disse Roland. – Isso parece muito ruim.

Neil quase alcançou seu rosto, mas Roland olhava para seus pulsos. A camiseta nova de Neil tinha
mangas compridas, mas era feita de um tecido fino que o deixava respirar facilmente num clube
cheio. As mangas tinham deslizado um pouco até seus antebraços, quando cruzara seus braços. Ele
puxou-as novamente, sabendo que era muito tarde para esconder seus ferimentos semicurados. Ao
fazê-lo, ele então percebeu que o tom nas palavras de Roland foram completamente seguidos por
risadas maliciosa.

Roland deu um sorriso de desculpas quando Neil franziu as sobrancelhas para ele.
– Eu me perguntei se ficar limpo acabaria com regra de “sem toques” dele. Faz sentido que não,
agora que nós sabemos sobre... – Roland meneou sua cabeça, visivelmente engolindo sua raiva de
volta para dentro. – Eu não sei se devo dizer obrigado por aliviar minha curiosidade ou desculpas
pela sobriedade dele ter obviamente piorado o problema. Só para você saber, existem algemas
acolchoadas. Você deveria dar uma olhada nelas.

– O problema –, repetiu Neil, perdido. – Que regra é essa de sem toques?

Roland pareceu surpreso, então confuso.

– Você não sabe? Mas então...

– Eu me machuquei numa briga –, disse Neil. – Por que Andrew faria isso comigo?

– Uh, então você não sabe –, disse Roland novamente, não mais uma pergunta, mas um freio para
acabar com a conversa. – Sabe, vamos só esquecer que eu disse qualquer coisa. Não, sério –, disse
ele quando Neil abriu sua boca para argumentar. – Ei, olhe. Suas bebidas estão prontas. Eu tenho
que checar o restante dos clientes.

Ele desapareceu antes que Neil pudesse colocar mais do que um “O que" para fora. Neil o
encarou depois que ele foi embora, mas não teria respostas ali. Pegou a bandeja com as mãos
instáveis e levou-a de volta para a mesa. Ele queria mandar Kevin embora, mas Andrew nunca o
deixaria ir muito longe sem alguém o vigiando. Felizmente, Kevin não conseguia falar sequer uma
única palavra em alemão. Neil sentou-se de lado em sua cadeira, de frente para Andrew, e disse:

– Por que Roland acha que você está me amarrando?

Andrew hesitou com o copo a caminho de sua boca. Ele olhou para as mãos de Neil, que estavam
apertando a borda do assento entre seus joelhos. Neil não se moveu para ver se seus ferimentos
irritados estavam aparecendo novamente. Ele não podia tirar seus olhos do rosto de Andrew.
Finalmente, Andrew colocou sua dose cheia de volta na bandeja. Sem soltá-la complemente, bateu
seus dedos na borda do copo em um ritmo descompassado. Pareceu uma eternidade antes dele
finalmente arrastar seu olhar das mãos de Neil até seu rosto.

– Provavelmente ele acha que você é tão ruim em seguir ordens quanto ele –, disse Andrew. –
Roland sabe que eu não gosto de ser tocado.

– Isso não responde a minha pergunta.

– Essa é a resposta –, replicou Andrew. – Reformule a pergunta se não gostou.

– Eu quero falar de outro assunto –, disse Neil. – Por que o treinador deveria se preocupar com
seu desvio de função?

Andrew se moveu em seu assento para encarar Neil, posicionando seu cotovelo nas costas da
cadeira. Apoiou seu rosto em sua mão e analisou Neil. Ele não pareceu nem um pouco incomodado
com o súbito interrogatório, mas aquela calma não ajudou a aliviar o tremor no estômago de Neil.

– Quando o Treinador nos recrutou, ele prometeu ficar longe de nossos problemas pessoais. Ele
disse que o conselho o paga para ser nosso treinador, nada mais e nada menos.

Aquela resposta não foi muito boa. Neil não tinha certeza se deveria continuar pressionando, mas
se ele não tivesse a verdade agora, sabia que não a teria nunca.

– Eu não achei que eu fosse um problema pessoal. Você me odeia, lembra?

– Cada centímetro de você –, disse Andrew. – Isso não significa que eu não te chuparia.

O mundo se inclinou um pouco para o lado. Neil pressionou seus sapatos fortemente no chão para
que ele não caísse.

– Você gosta de mim!

– Eu te odeio –, refutou Andrew, mas Neil mal o ouviu.


Por um momento vertiginoso, ele entendeu. Ele se lembrou da mão de Andrew sobre sua boca no
Exites enquanto ele recuava da conversa. Pensou em Andrew cedendo a sua tentação e o segurando
quando Neil mais precisava dele. Andrew havia chamado-o de interessante e perigoso, e tinha lhe
dado às chaves de sua casa e carro. Ele confiou à presença de Neil junto a Kevin porque Kevin era
importante para ambos, e ele sabia que Neil não iria decepcioná-lo.

Neil tentou encaixar tudo, mas quanto mais ele montava, mais se desfazia. Não fazia sentido. Ele
não sabia no que deveria pensar. Poderia ser uma mentira, mas Neil sabia que não era. Andrew era
um monte de coisas desagradáveis, mas mentiroso compulsivo não era uma delas. Honestidade se
encaixava em Andrew, porque ele era um instigador de coração e suas opiniões eram frequentemente
impopulares.

Neil precisou de três tentativas para encontrar sua voz.

– Você nunca disse nada.

– Por que eu deveria? – Andrew deu de ombros. – Não vai rolar nada.

– Nada –, repetiu Neil.

– Eu sou autodestrutivo, não estúpido –, disse Andrew. – Sou bem esperto.

Não havia nada que Neil pudesse dizer exceto “Ok", mas não soava ok e ele não se sentia ok. O
que Neil deveria fazer com uma verdade como aquela? Ele iria estar morto em quatro meses, cinco
se tivesse sorte. Ele não deveria ser isso para ninguém, Andrew menos ainda. Andrew dissera
durante todo o ano – ele dissera na cara de Neil ainda nessa semana – que ele não queria nada. Neil
não deveria ser à exceção dessa regra.

Andrew bebeu sua dose e colocou o copo de forma descuidada de volta na bandeja. Ele pegou seu
maço de cigarros no bolso de trás enquanto ficava em pé e abriu-o para checar quantos haviam.

Neil deveria deixá-lo ir sem contestar, mas disse:

– É a sua vez de levar a bandeja.

Andrew pegou um cigarro e o posicionou entre seus lábios. O maço foi empurrado de forma
segura em seu bolso antes de olhar para Neil.

– Não preciso levá-la agora.

Neil o encarou, mesmo depois de ele ter desaparecido no meio da multidão. Ele não percebera
que Kevin chamava seu nome até Kevin finalmente empurrar seu ombro para ter sua atenção. Neil
pulou como se houvesse levado um tiro e tornou sua atenção para Kevin. Seja lá o que Kevin viu no
rosto de Neil, foi o suficiente para matar sua curiosidade. Kevin lentamente fechou sua boca, abaixou
sua mão, e voltou a beber.

Passou-se uma hora até que Andrew voltou até eles. Sem dirigir uma única palavra a eles naquela
noite, e Neil estava feliz em lhe dar seu espaço. Aaron e Nicky finalmente retornaram, bêbados e
exaustos, e eles foram embora juntos. A casa dos primos não era longe, no entanto não havia camas o
suficiente para todos os cinco. Kevin ficou com o sofá, então Neil se encolheu em uma poltrona com
um cobertor fino.

Passaram-se horas até que ele finalmente parou de pensar para ter um bom tempo de descanso.
CAPÍTULO QUATRO

Na segunda-feira, Kevin deu início aos treinos noturnos novamente, mas se recusou a levar Neil
junto. Na tarde de terça-feira, com relutância, Abby concedeu a volta de Neil aos treinos, contanto
que não fosse tão bruto nos contatos físicos. Neil sequer ficou tempo o suficiente para ouvir tal aval
antes de correr até seus equipamentos. As Raposas já estavam na quadra, já que Abby tinha chegado
quase duas horas atrasada ao treino, mas Dan interrompeu os exercícios assim que Neil bateu na
porta. Ela e Matt saudaram a chegada de Neil à quadra com gritos animados. Nicky bateu o bastão
da raquete com ele, que se dirigia ao lado de Kevin.

– Se você não poder, não insista – aconselhou Kevin.

– Eu sei – aceitou Neil. – Se alguma coisa repuxar eu saio da quadra.

Kevin lançou-lhe um olhar desconfiado, mas sem discuti.

A dor surgiu quase que imediatamente, mas foi quase um alívio trabalhar sua musculatura
dolorida. Neil manteve um ritmo leve, porque Abby e Wymack o observavam do lado de fora. Quando
Neil finalmente deu-se um tempo durante o aquecimento, temeu que eles o retirassem. Eles não
intervieram, então ele voltou ao jogo com sangue nos olhos.

Depois, Wymack sentou com todos eles no vestiário para analisar os pontos altos e baixos do dia.
Quando terminou, olhou para Neil e disse:

– Então?

– Estou bem –, disse Neil, se desviando ligeiramente do olhar mortífero de Kevin, e, continuou: –
Se eu não estivesse dolorido agora, me preocuparia, mas isso não chega a ser um problema. Eu posso
me retirar se os lançamentos começarem a repuxar demais meus pontos.

– Foi mesmo tão difícil avisar logo no início? – perguntou Dan, ironicamente.

– Eu avisei no início – insistiu Neil. – Eu estou bem.

– A palavra correta é “desesperado” ou “obcecado” –, disse Nicky , sorrindo.

– Tudo bem –, disse Wymack. – Neil, você vai para a academia amanhã. Vá com calma esses dias,
entendeu? Adapte o circuito conforme necessário e me avise do que não suportar. Se lesione aqui, na
quadra, não lá. – Wymack não perdeu de vista o olhar raivoso que Abby lançou a ele, mas não
manifestou importância. – É isso por hoje, então. Se vistam e saiam.

Todos tomaram banho e voltaram ao dormitório. Dan foi com Matt e Neil para o quarto deles. Neil
entendeu isso como uma dica para ir dar uma voltinha, entretanto Dan meneou a cabeça para ele
assim que Neil virou-se para se retirar novamente. Quando ela soube que ele havia entendido, Dan
sentou no sofá e abraçou os joelhos contra o peito.

– Então, voltando para a vidinha de antes – disse ela. – Nós e eles, quero dizer. Foi divertido no
mês passado, não foi? Eu gostei do nosso jantar de equipe e da noite fora.

– Parece que voltamos de onde começamos em agosto –, concordou Matt.

– Se soubéssemos o que Andrew tem contra nós, poderíamos tentar combatê-lo –, disse Dan. Ela
batucou um joelho no outro em um ritmo agitado por um instante, em seguida, olhou para Neil. –
Como você conseguiu que ele parasse de lançar as bolas nos nossos pés no treino do outro dia?

Neil reduziu a verdade da forma mais simples e fácil.

– Perguntando.

– Perguntando –, disse Matt, quase soando uma acusação. – Foi a mesma coisa no Halloween e
com os pais do Nicky. Sério, Neil. Como você o convence a fazer as coisas que ele obviamente não
quer? É suborno ou chantagem.

Dan lançou a Matt um olhar indecifrável e disse:

– Sem pressão, Neil. Sem enrolação. Andrew tá sóbrio agora, eu sei que isso é uma mudança
abrupta. Mas você conseguiria juntar todos eles conosco?

– Eu não sei –, admitiu Neil. – Posso tentar. Mas –, ele continuou, com um olhar entre eles, –
alguém precisa lidar com Aaron. Nicky quer ser amigo de vocês, e Kevin sabe que o time é mais forte
com todos unidos, mas Aaron está quase tão contra nós quanto Andrew. Não faz sentido, porque ficar
do lado de Andrew significa manter Katelyn as escondidas. Se Aaron está disposto a escondê-la sem
se impor, então a decisão não é só de Andrew. A decisão é dos dois.

Dan ficou pensativa.

– Katelyn deve saber de alguma coisa. Nenhuma garota que se preze aceitaria isso, a menos que
houvesse uma boa razão. Se ela não falar, você acha que conseguiria arrancar algo de Aaron, Matt?
Você disse que ele vinha se comportando melhor desde o Natal, não foi?

– Não custa tentar – disse Matt. – Treinador já deu o nosso horário de tutoria?

– Está em algum lugar na minha escrivaninha –, disse Dan. – Assim que eu encontrar, vou mandar
por mensagem para você.

– Tudo bem! Vou ver se consigo caçá-lo lá embaixo.

– Deixe eu tentar com Katelyn primeiro –, disse Dan. – Ela se inclinou para puxar seu celular do
bolso e digitou uma mensagem rapidamente. – Não quero que Aaron diga a ela que estamos nos
intrometendo.

Matt assentiu, mas Dan estava olhando para o celular, como se ela pudesse corresponder a isso.
Não demorou muito para o celular tocar. Dan caminhou de um lado para o outro conversando com
Katelyn.

– Tudo bem. Vou sair. Talvez demore um pouco, então comam sem mim. Vão me desejem sorte?

– Sorte – disse Neil quando Matt a despediu com um beijo.

Neil e Matt acabaram jantando com Renee e Allison no quarto das garotas. A escolha de Allison
por assistir filme foi imediatamente vetada, então Allison jogou a democracia pela janela e o colocou
de qualquer maneira. Era provavelmente a pior coisa que Neil já assistira, mas, pelo menos, ajudava
há matar o tempo. Ele foi poupado dos últimos quinze minutos de melodrama e atuação ruim porque
Kevin estava pronto para ir ao estádio.

Andrew já os esperava no carro.

Andrew se esparramou no sofá das Raposas enquanto Kevin ia se trocar por primeiro. Neil
hesitou, mudou de ideia e seguiu Kevin, e mudou de ideia novamente. Ficou de pé atrás do sofá,
cruzou os braços sobre as costas do sofá e olhou para Andrew. Andrew tinha um braço dobrado
debaixo da cabeça e o outro sobre os olhos para bloquear a luminosidade.

– Um dia desses, você poderia treinar com a gente –, disse Neil. Ele não ficou surpreso quando
Andrew não respondeu, mas ele se recusou a desistir disso facilmente. – Por que você começou a
jogar se nunca está disposto a praticar?

– A jaula é maior que da outra alternativa.

Esse era um dos pontos em que os repórteres mais gostavam de frisar quando Kevin se tornou
titular no time com Andrew: Kevin fora criado em Evermore, cercado pelos melhores e, praticamente
nascido com uma raquete na mão, enquanto Andrew aprendeu Exy durante sua estadia no
reformatório juvenil. Neil tinha um extenso artigo sobre isso em seu fichário. Foi vulgarmente
intitulado de “O Príncipe e o Plebeu”, e o foco estava em quão desastrosa seria essa amizade. O
escritor da matéria achava que suas atitudes divergentes com relação à Exy eram incompatíveis, e,
seus antecedentes diferentes tornaria impossível de permanecerem juntos por muito tempo.

Neil considerou que o agente Higgins tivesse sido responsável por Andrew ser enviado em uma
das melhores instituições juvenis da Califórnia. O foco deles era: reabilitação através da disciplina e
empoderamento, o que significava que todos os internos aprendiam esportes coletivos. Não havia
espaço suficiente para uma quadra de tamanho normal, mas um dos agentes confirmou em entrevista
que eles possuíam metade de uma quadra no terreno da instalação. Os melhores e mais bem
comportados jogadores de Exy viajavam ocasionalmente ao centro comunitário para competir contra
as equipes da vizinhança.

Neil não culpava Andrew por pensar que a quadra era um lugar melhor para se estar do que uma
cela, mas duvidava que Exy fosse o único desporto que a instituição oferecia. Andrew escolhera Exy
por algum motivo. Neil considerou a natureza agressiva do jogo, mas Andrew era um goleiro. Ele
tinha poucas oportunidades para praticar violência desnecessária. Ele dissera o mesmo a Andrew,
que deu de ombros em resposta.

– O diretor meio que me obrigou –, disse Andrew. – Eu não poderia jogar em outra posição.

– Eles achavam que você machucaria alguém se ficasse livre na quadra? – Perguntou Neil.

Andrew não respondeu; Neil tomou seu silêncio como resposta. Ele tentou imaginar Andrew em
qualquer outra posição, mas não conseguiu mentalizar.

– Eu acho que é melhor assim, com você atrás da linha defensiva. Você nos analisa dentro de
quadra e defende nossas burradas. Você joga como se apostasse a vida. É por isso que você é tão
bom nisso.

Neil ergueu a cabeça quando a porta se abriu no corredor. Kevin veio em sua procura, já equipado
e olhando irritado pelo atraso. Ele parou assim que percebeu que ambos estavam conversando. Kevin
ainda não havia perguntado a Neil o que acontecera na sexta-feira. Neil não sabia se Kevin havia
perguntado a Andrew, mas ele duvidou de que Andrew explicasse tal coisa. Segundo Renee, só ela e
Neil sabiam que Andrew era gay. Neil não fazia ideia de como Wymack percebera.

– Estou indo –, avisou Neil, mas não se moveu.

Kevin levantou um dedo em aviso de um minuto e saiu. Neil escutou a porta dos fundos se fechar
antes de olhar para Andrew novamente.

– Eu também não sou atacante por escolha – disse ele. – Eu fazia parte da linha defensiva na Liga
Junior. Riko lembra porque eu treinava com ele e Kevin. Ele me fez jogar na defesa com os Corvos
durante o Natal.

Isso finalmente fez Andrew tirar o braço do rosto.

– Liga Junior. Eu me lembro claramente de você dizendo a todo mundo que aprendeu a jogar em
Millport.

– Meia verdade –, confessou Neil. – Eu sabia jogar Exy. Eu simplesmente não sabia como atacar.
Não queria ser um atacante, mas o técnico Hernandez não tinha vagas em sua linha defensiva. Era
ser um atacante ou nada, só queria jogar mal o suficiente para depois poder ir embora. Agora, não
me imagino fazendo outra coisa.

Andrew calou-se por um tempo, então disse:

– Você parece mais um guaxinim do que uma Raposa.

Neil franziu o cenho sem entender.

– O que?

– Um guaxinim –, repetiu Andrew, fingindo segurar uma bola frente ao rosto. – Exy é a coisa mais
brilhante do seu mundinho triste. Você sabe que está sendo caçado, sabe que os cães estão se
aproximando, mas você não vai fugir para salvar sua própria pele. Uma vez você me disse que não
entendia o ato de alguém cometer suicídio, mas aqui está você. Acho que foi outra mentira.
– Não estou me voluntariado para morrer –, disse Neil. – É dessa forma que eu permaneço vivo.
Quando estou jogando, sinto que tenho controle de pelo menos algo. Sinto que tenho o poder de
mudar as coisas. Me sinto mais real do que em qualquer outro lugar. A quadra não se importa com
meu nome, de onde eu sou ou onde estarei amanhã. Ela me permite existir como eu realmente sou.

– É só uma quadra – disse Andrew. – Ela não permite que você faça absolutamente nada.

– Você sabe o que eu estou querendo dizer.

– Não, não sei.

– É porque você não tem nada, não é? – disse Neil, calmamente o desafiando. – Nada anima você.
Nada é capaz de irritá-lo.

– Ele finalmente percebeu –, ponderou Andrew. – Só demorou um ano.

– Do que você tem medo?

– Altura.

– Andrew.

– Se você fizer Kevin vir buscá-lo, você vai se arrepender.

Neil se afastou do sofá sem mais nenhuma palavra e foi se trocar. Ele puxou seu equipamento com
mais força do que era estritamente necessário, ainda bufava de raiva quando pisou na quadra. Ser
repreendido por atrasos não ajudou seu humor a melhorar. Neil quase lembrou a Kevin que eles não
tinham um horário obrigatório para os treinos extras, mas não havia sentido nisso. Eles estavam ali
porque tinham trabalho a ser feito.

Ele executou os exercícios arduamente e veloz, sabendo que se arrependeria pela manhã. Ele não
se importou. Era mais fácil pensar quando tudo doía. A exaustão finalmente sugou o último resquício
de sua irritação, ele não sentia muita coisa no momento em que deixaram a quadra.

Aquela paz inconsciente durou até que Neil saiu do chuveiro e encontrou Kevin sentado em um
banco no vestiário. O olhar severo em seu rosto dizia que ele não estava esperando por delicadeza.

– Já resolveu? – perguntou Kevin.

– Resolveu o quê? – perguntou Neil.

– Não aja feito um imbecil. Se você veio aqui, eu espero que esteja aqui –, disse ele, com ênfase na
última palavra. – No momento em que seus problemas com Andrew interferem em nosso jogo, eles se
tornam nossos problemas. Você quer que ganhemos ou não?

– Não venha me advertir como se eu não soubesse o que está em jogo.

– Você disse para me concentrar no time –, replicou Kevin. – É o que estou fazendo: garantindo
que você não comprometa esse sucesso.

– Eu não estava arriscando nada. Fiquei dois minutos atrasado porque pedi a Andrew para vir
treinar conosco.

– Você ficou cinco minutos, e não pergunte a ele novamente. Não precisamos dele fazendo favores
a nós. Ele tem que vir por vontade própria ou não vai significar nada. – Kevin se levantou e fez um
gesto brusco para Neil segui-lo. – Vamos embora.

Eles buscaram Andrew no salão ao sair e se separaram no corredor.

Matt já estava dormindo, mas deixara a luminária do criado mudo acesa para que Neil pudesse
enxergar. Neil trocou de roupa na pouca luminosidade. Quando foi desligar a luminária no caminho
para a cama, ele encontrou uma nota rabiscada colada no interruptor.

Você estava certo – dizia.


Neil colocou a nota na gaveta da escrivaninha e foi para a cama. Não fazia sentido pensar sobre
isso quando eles estariam acordados em cinco horas, então ele afastou seus pensamentos o mais
longe e se forçou a dormir. Parecia que ele tinha acabado de fechar os olhos quando o alarme
disparou. Neil rolou para desligá-lo e quase gemeu de como estava dolorido. Ele teria que pegar leve
no treino de hoje, ou Wymack revogaria seus treinos.

Matt já calçava os sapatos antes de estar desperto o suficiente para conversar. Ele ficou imóvel,
com os nós do cadarço malfeitos e olhou para Neil.

– Você estava certo. Eles fizeram uma promessa. Aaron e Andrew, quero dizer. Foi o que Aaron
disse a Katelyn, de qualquer forma. Aaron fez um acordo com Andrew no reformatório: se Andrew
ficasse com ele até a formatura, Aaron ficaria com Andrew. Sem amigos, sem namoradas, nada.
Aaron não pode nem socializar com seus companheiros de equipe.

Neil passou os dedos pelos cabelos e verificou o curativo na bochecha.

– Aaron se referiu até formatura do ensino médio. Mas eles renovaram o pacto quando assinaram
o contrato para jogar. Agora Katelyn está na jogada, mas Aaron não vai lutar por ela. – Matt sacudiu
a cabeça e terminou de amarrar os sapatos. – Katelyn contou a Dan o que Andrew fez com as ex-
namoradas do ensino médio. Se Katelyn não tem medo de Andrew, isso não a torna segura. Andrew é
tão louco a ponto de atacar alguém importante para Aaron?

– Aaron fez uma promessa – disse Neil, escolhendo as palavras com cautela. – Andrew vai força-lo
a cumpri-la. Não é tão louco quanto parece ser.

Neil quase esquecera o quanto os veteranos eram cegos para as questões dos gêmeos. Ele não
tinha percebido o atrito entre os dois até a sua segunda viagem ao Eden's Twilight, mas agora a
guerra fria entre eles era bastante óbvia. A importância de Katelyn para Aaron era o que a colocava
em perigo. Se Aaron não lutaria por ela, era porque estava com muito medo de enfrentar seu irmão
ou realmente achava que tinha mais a ganhar ficando ao lado de Andrew?

Mais importante, por que Andrew concordou em estender o acordo? Andrew ainda estava punindo
Aaron por ficar ao lado da mãe, ou achava que o tempo faria diferença? Esta última opção parecia um
pouco forçada, mas Neil estava começando a acreditar nela. Quando Drake deixou em Andrew uma
concussão e um corpo ensanguentado em Columbia, a única coisa que importava a Andrew, a única
pessoa que ele precisou ver, foi Aaron. Seu próprio trauma foi minimizado; sua preocupação foi o
sangue espalha sobre Aaron.

Andrew e Aaron haviam feito essa promessa um ao outro, e estavam presos a um impasse. Ambos
não estavam dispostos a estender a mão, e eram incapazes de dar o braço a torcer. Novembro
deveria ter sido o estopim, mas a prisão de Aaron e a internação de Andrew fez com que eles
superassem aquele pesadelo distante um do outro. Andrew havia voltado há uma semana, e Neil
tinha certeza de que os dois ainda não tinham conversado sobre aquela noite, assim como nunca
haviam conversado sobre as circunstâncias da morte de Tilda Minyard.

Aaron o ignoraria caso Neil mencionasse, tal sem ter um segredo grande o suficiente para
persuadir Andrew a conversar com Aaron. Kevin não se envolveria, e Andrew daria uma lição em
Nicky caso tentasse. Wymack havia prometido não se envolver em seus problemas pessoais, embora
tivesse esboçado atravessar esse limite no outro dia para assegurar a integridade física de sua
equipe. Renee conseguiria captar a atenção de Andrew para si tempo o suficiente para plantar a
semente da reconciliação, porém Aaron não teria quaisquer interesses no que Renee teria a dizer.

Isso deixava poucas opções, e Neil havia deletado o número de Betsy Dobson de seu celular no
mesmo dia em que Andrew o adicionou como contato de emergência. Aaron havia afirmado não ter
trocado uma única palavra com Betsy, mas provavelmente tinha percebido um certo apego de
Andrew por ela. Talvez ele concordasse em deixá-la mediar esse impasse em confidencialidade. Se
recusasse, Katelyn poderia dar-lhe o incentivo que ele precisava. Convencer Andrew a concordar com
isso seria a verdadeira proeza. Mesmo que a sobriedade não distorcesse sua opinião sobre Betsy,
convencê-lo a se abrir para Aaron sobre tudo seria impossível.

Estático, ele se perguntou se Betsy sequer sabia que os irmãos tinham problemas.
– Neil?

Neil levantou o olhar e viu Matt se encostando no batente da porta do quarto. Ele sequer tinha
visto Matt sair do quarto, muito distraído em seus pensamentos. Matt pareceu perplexo ao encontrá-
lo exatamente onde o havia visto por último.

– Você está bem? Temos que ir.

Se Neil estivesse atrasado em dois treinos seguidos, Kevin provavelmente o colocaria no banco só
por maldade. Neil pegou suas chaves da cômoda.

– Tô legal. Dan lhe deu o novo horário de tutoria de Aaron? – Quando Matt assentiu, Neil disse: –
Mudei de ideia. Eu falo com ele. Tenho uma ideia em mente.

Matt enviou-lhe uma mensagem enquanto Neil trancava a porta da suíte atrás deles. Neil sentiu o
celular vibrar em seu bolso, mas certificou-se de que não fosse lida a caminho do estádio. A tela de
seu celular era pequena demais para qualquer um conseguir ler a mensagem por cima de seu ombro,
mas Nicky estava muito curioso para saber quem a enviou logo no início do dia. Mais tarde, Neil só
teria que conseguir os números de Betsy e Katelyn. Se tivesse sorte, Dan teria os dois em seus
contatos.

Eles passaram o treino matinal fazendo exercícios de explosão na academia. Neil voltou com o
grupo de Andrew, dando uma parada no quarto das garotas para retocar a maquiagem em seus
hematomas. Ele já parecia bem melhor, estando duas semanas fora do alcance de Riko, mas
precisaria dos truques por mais alguns dias. Muito tempo depois de tudo estar curado, Neil ainda
teria um curativo em seu rosto, e ele ainda não dissera aos veteranos o que estava escondendo deles.
Neil pensou nisso, enquanto Allison retocava seu rosto. O grupinho de Andrew e a equipe já sabiam,
o que significava que não havia mais motivos para escondê-lo.

– Allison –, disse ele, em aviso de que estava prestes a se mexer.

Ela recuou a mão, Neil estendeu a sua para tirar a fita de seu rosto. Ele não sabia onde era seguro
tocar, já que sua bochecha estava fria por todas as camadas de maquiagem. Allison entendeu o que
ele estava tentando fazer, então afastou sua mão da frente. Ela agarrou a borda da fita com suas
unhas compridas e tirou o curativo suavemente.

Demorou meio segundo para ela perceber o que estava enxergando, e levantou-se com um
estridente:

– Você está brincando comigo?

Dan tomava seu café da manhã na cozinha, e Renee estava no quarto, mas o grito de Allison as fez
correr. Dan estava ao lado esquerdo de Neil, então enxergou primeiro. Ficou paralisada, mas por
apenas um segundo. Um instante depois, ela atravessou a sala sentando-se onde Allison estava. Ele
não sabia que ela conseguia se mover tão depressa.

– Isso é uma piada –, disse Dan, agarrando o queixo de Neil. – Neil?

– Ele disse que eu deveria me transferir para os Corvos –, disse Neil. – Ele disse que eu poderia
terminar essa temporada com as Raposas, mas que eu mudaria para Edgar Allan neste outono. Eles
me tatuaram em preparação e eu não pude fazer nada. Eu queria que vocês soubessem no caso de
Riko dizer algo sobre isso. Continuo sendo uma Raposa, não importa o que ele diga. Não vou assinar
nenhum contrato.

– Tire isso –, disse Dan.

– É permanente –, disse Neil.

– Nada é permanente. Tire isso. Matt lhe dará o dinheiro.

– Ele ou eu –, acrescentou Allison. –Não quero ver isso na minha equipe. A tatuagem de Kevin já
estraga a atmosfera o suficiente.

– Kevin sabia disso, não sabia? – indagou Dan, irritada. – Ele sabia o que Riko faria com você e ele
deixou você ir de qualquer maneira. Da próxima vez que eu vê-lo...

– Você não fará nada –, Neil a interrompeu. – Kevin não tinha o direito de me impedir.

– Ele deixou você ir até Riko no lugar dele.

– Não –, negou Neil. – Kevin não tem nenhuma participação nisso. Ele sabia que não tinha nada a
ver com ele.

Dan não esperava por isso. A confusão diminuiu sua raiva.

– Você disse que Riko estava tentando atingir Kevin.

– Eu disse que Riko se concentrou em mim por causa da minha relação com Kevin –, disse Neil. –
Não disse que fui no lugar dele. Só achei que vocês deveriam saber antes da temporada começar.

Dan o deixou se levantar, mas o agarrou pelo cotovelo antes que ele pudesse se distanciar. Neil a
olhou, mas ela estava parada, olhando para o outro lado da sala, para o absoluto nada. Um minuto
antes de ela começar falar.

– Você nunca teve planos de ir para casa no Natal, não é? Essa confusão toda sobre o seu tio voar
para o Arizona... Você inventou tudo isso para nós não perguntarmos por que você não iria para Nova
York com Kevin.

Não adiantava negar.

– Menti.

– Eu entendo que você não confie totalmente na gente –, disse Dan. – Isso não me agrada, eu
achei que tivéssemos sido bons em conquistar sua confiança durante todo o ano. Nós nunca o
pressionamos a nos dar explicações excessivas e nós nem perguntamos o porquê de você estar assim.
Então não faça isso com a gente. Não venha aqui mentir em nossas caras. – Ela finalmente olhou
para ele, frustração puxando com força o canto de sua boca. – Somos seus amigos. Nós merecemos
mais do que isso.

– Se vocês sempre tivessem o merecido, vocês não seriam Raposas.

Neil puxou seu braço do aperto de Dan. Ela o soltou sem relutância, parecendo um pouco
assustada com aquela réplica contundente. Neil tentou dispersar a culpa, mas não conseguiu.

– Nunca tive amigos antes. Não sei como isso funciona. Estou tentando, mas vai levar tempo.

Tempo era algo que ele não tinha, mas era algo que não valia a pena mencionar. Dan aceitou seu
pedido de desculpas, garantindo com um aceno de cabeça cansado, e as meninas o deixaram sair em
paz. Neil parou no banheiro, para colocar um novo curativo na tatuagem. Ele ainda tinha tempo para
matar antes da aula, então se sentou em sua mesa com seus livros. Ele queria rever a matéria de
suas lições anteriores. Em vez disso, desenhou patas de Raposa pelas páginas até a hora de partir.

Neil não enviou a mensagem para Dan até que estivesse na hora do almoço, querendo dar a ela
algumas horas para se acalmar. Ou ela realmente havia o perdoado, ou esquecido o fiasco da manhã,
pois ela respondeu quase que imediatamente com os números que ele precisava. Neil acabou
adicionando ambos em seus contatos. Nicky tinha o hábito de encher a caixa de mensagens de Neil, e
Neil não podia se dar ao luxo de perder o rastro dessas mulheres.

Primeiro, pediu a ajuda de Katelyn. Provavelmente pegou-a de surpresa enquanto estava na sala
de aula, porque já era quase uma hora quando ela retornou. Só levou algumas mensagens para
perceber que não havia tempo bom em seus horários para se encontrarem hoje. No entanto, ela
prometeu arrumar tempo para ouvi-lo amanhã, e isso foi bom o suficiente.

Naquela tarde, Neil finalmente conseguiu a confirmação que estava procurando: embora Andrew
estivesse sem remédios, ainda tinha sessões semanais com Betsy. Neil sabia a que horas as sessões
de Andrew começavam, e, supôs que Betsy teria um pequeno espaço de tempo sem pacientes antes
de Andrew aparecer.
Assim que Neil soube que Andrew estava a caminho de Reddin, ele preparou o nervosismo e ligou
para o escritório de Betsy.

Ela respondeu no segundo toque com um agradável "Dr. Dobson".

– É o Neil –, disse ele, e continuou antes que ela pudesse agir com surpresa e felicidade por ouvi-
lo. – Só preciso de um sim ou não. Se conseguirmos convencer Aaron e Andrew a fazer sessões
conjuntas, você consegue reconciliá-los?

Houve apenas uma breve pausa antes de Betsy dizer:

– Certamente tentarei.

– Não tente –, disse Neil. – Não suponha nada. Isso é importante demais. Você pode ou não pode?

– Sim. – Ele podia ouvir o sorriso em sua voz: não era diversão, mas aprovação. – Se você vier
buscá-los, eu cuido disso. Neil? – disse ela quando ele estava começando a tirar o celular do ouvido. –
Gostei desse seu lado honesto.

Neil desligou em sua cara.

Ainda era muito cedo para a biblioteca estar lotada, então Neil não teve dificuldade em encontrar
Katelyn. Uma enorme xícara de café estava com ela, e Neil tentou não se sentir atraído pelo café. No
entanto, ele não queria parecer uma estátua parado ali, então seguiu pelo corredor em direção à
mesa dela sem parar. Um livro de bioquímica foi empurrado para um lado enquanto ela destacava
partes relevantes de suas anotações. Aaron tinha o mesmo livro em seu quarto, enquanto estudava
Ciências Biológicas. Neil adivinhou que seus cursos em comuns e turmas semelhantes foram como
eles finalmente se conheceram, tirando os jogos.

Katelyn fechou o caderno bruscamente ao perceber sua abordagem.

– Neil, oi! Sei que só se passaram algumas semanas, mas parece uma eternidade. Como foi o
Natal?

– Foi legal –, disse ele. – Como foi o seu?

– Meu Deus, foi incrível. – Katelyn juntou as mãos em contentamento. – Minha irmã finalmente
descobriu que o bebê é um menino, então passei a maior parte do tempo fazendo compras para ele.
Minha mãe disse que eu estou muito entusiasmada, mas eu sei que ela também está.

Ela havia lhe dito que sua irmã estava grávida mês passado, mas Neil não havia se atentado aos
detalhes. Ele atentou-se a animação dela agora, ouvindo apenas as palavras-chave que significavam
que ela tinha acabado detalhando todas as suas grandes descobertas e compras de inverno. Não
demorou muito para ela lembrar que eles não estavam ali para pôr a conversa em dia, ela se
recompôs com um sorriso tão tímido quanto feliz.

– Então, isso é sobre o que? – perguntou Katelyn. – Você disse que queria falar sobre o Aaron?

– Aaron precisa de ajuda –, disse Neil. – estou tentando ajudá-lo um pouco.

Katelyn buscou a sensatez rapidamente.

– Ele está tendo pesadelos de novo, não está? Ele disse que estava bem melhor. Ele prometeu... –
Katelyn gesticulou, frustrada ou desesperançosa, pressionando os dedos em seu lábio inferior
trêmulo.

– Pesadelos –, repetiu Neil.

Ele não esperava essa mudança repentina no assunto, no entanto podia adivinhar o que
assombrava Aaron.
– Sobre novembro, você quer dizer.

– Ele não quer que isso o afete – disse ela. – Ele diz que Drake merecia algo pior do que teve. Que
está feliz por ter o matado. Mas, desejar a morte de alguém e ser aquele que vai cometer o ato, são
duas coisas completamente diferentes. Estou disposta a ouvi-lo e farei tudo o que for possível para
ajudar, mas ele não me escuta nem quando digo que está tudo bem.

– Ele precisa falar com Andrew –, disse Neil.

Katelyn deu uma risada abafada.

– Ele não vai.

Katelyn sabia o que os veteranos não sabiam: que Aaron e Andrew mal podiam tolerar a visão um
do outro, isso em um dia consideravelmente bom. Talvez ela precisasse saber, uma vez que a rixa
deles era o que a mantinha longe de Aaron. Neil, favoravelmente, recalculou suas possibilidades de
realmente conseguir persuadir Aaron a longo prazo.

– Ele precisa –, disse Neil novamente. – Eles precisam um do outro. Eles só não sabem como dar o
primeiro passo. E é aí que você entra.

Katelyn se indagou olhando em seu rosto por um momento e disse:

– Por que?

– Por que você? – perguntou Neil.

– Não, por que você –, ela o corrigiu. – Aaron não é...

Ela era muito gentil para completar a frase, porém Neil não teve problemas em preencher as
lacunas.

– Aaron e eu nos damos bem quando precisamos e evitamos um ao outro quando possível. Não
vou mentir e dizer que estou fazendo isso por ele. Eu não me importo se ele vá ficar bem com o
passar do tempo. Eu me importo apenas com a equipe. Não vamos conseguir vencer sem eles. O
motivo realmente importa quando estou fazendo isso para que todos saiam felizes?

– Para mim, importa –, disse Katelyn. – Eu o amo.

– Então me ajude a ajudá-lo –, insistiu Neil.

Katelyn comprimiu os lábios em uma linha reta enquanto considerava.

– Estou ouvindo.

– Aaron já lhe falou sobre a Dra. Dobson? – perguntou Neil. – Ela trabalha na Reddin e é a
psicóloga da equipe. Ela está disposta a fazer sessões em grupo com Andrew e Aaron.

– Aaron já mencionou ela antes. Ele disse que ela é uma perda de tempo.

– Porque ele não usufrui do trabalho dela como deveria –, replicou Neil, ignorando a hipocrisia em
sua acusação. – Felizmente, não importa o que ele pensa. Dobson já conhece os dois. Ela tratou de
Andrew por um ano e meio. Honestamente, se ela achasse que não conseguiria reconciliá-los, ela
teria dito. Se conseguirmos levá-los para seu escritório ao mesmo tempo, ela pode fazê-los falar um
com o outro.

– Você quer que eu fale com ele –, concluiu Katelyn.

– Você convence Aaron. Vou convencer Andrew.

– Você realmente acha que consegue?

– Eu tenho que conseguir –, respondeu Neil.

– Mas como? – Katelyn o pressionou. – Estou perguntando com toda honestidade, porque eu não
sei como chegar até ele. Ele nem sequer me deu ouvidos da última vez que eu disse a ele para
procurar ajuda.

– Então não faça por ele –, disse Neil. – Faça por você. Você pode consertar isso aqui, agora
mesmo. Pare de ser um peso morto e faça ele lutar por você.

– Não acho que posso usar “nós” contra ele. Não é justo.

– Mas é justo com você? – Neil gesticulou para ela. – Olhe bem, sem chances de eu convencer
Andrew da noite para o dia, então você tem tempo para pensar. Mas quando Andrew estiver pronto,
você tem que escolher o seu lado. Tente optar pelo lado certo.

Ele se levantou e saiu, e ela não o chamou enquanto Neil partia.


CAPÍTULO CINCO

As aulas no dia 12 de Janeiro foram um completo desperdício de tempo para as Raposas. As aulas
de Neil foram cedo o bastante nesse dia, ele assistira a todas, mas não aprendera uma vírgula. As
vozes de seus professores eram um completo porre; as palavras que escreveram no quadro se
transformaram em táticas de jogo. Neil manteve a caneta preparada, no entanto, não rabiscou uma
única vogal em seu caderno. Teria que pedir emprestado o caderno de algum colega mais tarde, mas
hoje nada disso importava. Só o que importava era que eles tinham um voo às uma e vinte da tarde,
para fora do estado.

A partida estava marcada para às sete e meia, Wymack queria que eles estivessem em solo de
Austin, Texas, com duas horas de antecedência. Ele não confiava no clima de inverno, ele dissera.
Neil tinha certeza de que ele havia agourado a equipe com tamanha paranoia. Caia uma torrente lá
fora, fria e forte o suficiente para perecer granizo, e Neil preocupou-se do voo ser atrasado. Eles
teriam uma pequena parada, graças a uma escala de noventa minutos em Atlanta, mas Neil ainda
estava temeroso. Se eles perdessem o primeiro jogo do campeonato graças a algo tão estúpido
quanto o clima ele nunca superaria.

A chuva estava muito forte para um guarda-chuva fazer alguma diferença, então Neil puxou seu
capuz sobre a cabeça e correu de volta a Torre das Raposas. Ele lançou um olhar para o céu, na
esperança de enxergar o fim das nuvens negras, e foi recompensado com chuva em seus olhos. Neil
esfregou a mão nos olhos e atravessou a Rodovia Perimetral em um pequeno intervalo entre os
carros que trafegavam. Em sua direção, um atleta que descia a colina para sua aula acabou
escorregando e caindo, assustando-se e soltando um palavrão. Ele já estava de pé antes mesmo de
Neil alcançá-lo. Com isso, Neil aprendera sua lição e diminuiu a velocidade. Não havia sobrevivido a
crueldade de Riko para sofrer uma contusão por impaciência.

As quatro placas de ATENÇÃO posicionadas no saguão eram um completo exagero, mesmo


assim, Neil ainda escorregou um pouco no chão molhado. Segurou-se na parede em busca de
equilíbrio e posicionou sua carteira a frente do sensor próximo ao elevador. Sua carteirinha de
estudante era rígida o suficiente para acionar a fechadura através do couro. Assim que os botões se
acenderam, Neil apertou a seta para cima e pegou o primeiro carro que descia do elevador. Havia
água acumulada no chão do elevador, então ele segurou-se firme ao parapeito até chegar ao terceiro
andar. O corredor acarpetado estava manchado de pegadas molhadas. Neil acrescentou as suas à
sujeira enquanto caminhava pesadamente em direção a seu quarto.

Roupas secas nada fizeram para que se sentisse mais quente, então Neil se deitou no sofá com um
cobertor. Não se lembrou de ter adormecido, mas o barulho na porta o acordou. Matt parecia dez
centímetros mais baixo que o habitual, com os cabelos encharcados grudados à cabeça. Apesar de
seu estado deplorável, ele sorria enquanto adentrava o quarto. Ele fez um gesto para Neil, chamando
sua atenção, mas não falou até que a porta se fechasse atrás dele.

– Acabei de passar por Allison – disse Matt.

– Encharcada? – adivinhou Neil.

– A palhaça do ano –, disse Matt. – Eu acho que o guarda-chuva dela quebrou. Ela é bonita mesmo
esfarrapada. Disse a ela que eu ia tirar uma foto dela para o anuário, e ela ameaçou arrancar minhas
bolas com as unhas. Cinco dólares de que Dan terá que arrastá-la para fora do quarto quando for à
hora de sair.

– Ela sabe que precisamos dela.

– Significa que você tá dentro?

– Não apostei –, disse Neil.

– Ainda? Em nada? – Matt atravessou a sala, deixando sua mochila na mesa. – Temos, o que,
dezesseis apostas simultâneas em curso, e você não quer entrar em nenhuma? Bom, você pode
apostar em quatorze. Alguns dos potes estão ficando bem cheios e você provavelmente tem uma boa
vantagem para ganhar algumas.

– Por que quatorze? – Indagou Neil. – O que aconteceu com as outras duas?

– Não se pode apostar em si mesmo –, esclareceu Matt. – É trapaça.

Neil inclinou a cabeça olhando para Matt.

– Não sabia que estavam apostando em mim.

– Apostamos em todos, em determinados momentos – esclareceu Matt. – Sabia que a maioria da


equipe apostou contra Dan e eu? Eles acharam que eu não teria coragem de chegar nela, e eles
sabiam que ela nunca me daria uma chance. Ela meio que odiava homens quando a conheci. Queria
culpar o tempo dela no clube de strip, mas eu acho que foi principalmente devido aos caras que o
treinador lhe deu em seu primeiro ano. Allison me aconselhou a nem tentar.

– Você tentou de qualquer maneira –, disse Neil.

– Há um ano –, prosseguiu Matt. – Renee fez uma pequena fortuna quando Dan finalmente cedeu.
Ela foi a única que apostou em nós. Ela é sempre a mais otimista nas apostas de causas perdidas.

Andrew havia chamado Neil de uma causa perdida ano passado, com uma mão sobre a boca de
Neil para evitar que ele replicasse. Relembrando o passado agora, com todas as peças que faltavam
naquele argumento, Neil sabia que não era realmente ele quem Andrew estava tentando calar. Neil
achou essa autocensura fascinante, se lembrando. Antes disso, Renee teria dito a Andrew que
confessara sua sexualidade para Neil, e Andrew não escondera a verdade, na última sexta quando
Neil perguntou. O que Andrew achou que ele diria em novembro?

Não importava; não deveria importar.

Andrew não queria que nada surgisse a partir de sua atração e, de qualquer maneira, Neil não
deixaria que as pessoas se achegassem tanto. Era como havia sido criado. Era como sobrevivera. Ele
era sortudo por estar tão desapegado que, agora, o fim estava bem na esquina. Ele quebrara todas as
outras regras de sua mãe. O mínimo que poderia fazer era respeitar uma.

– É por isso que você aposta em Andrew e Renee –, disse Neil, porque não podia, não conseguia,
não pensar nisso.

– Bem, sim –, respondeu Matt. – Por um tempo, Renee era a única fora da panelinha com quem
Andrew conversava. Renee disse que eles tinham muito em comum e que não era nada demais, mas,
então, ele a deixou dirigir seu carro. Aquele possante é um Gran Sport, Neil. Você não sai
emprestando esse tipo de coisa para ninguém.

Neil levantou a mão sobre a cabeça em um gesto interrogativo.

– Não entendo nada de carros.

– Estou querendo dizer que, depois de trocar várias peças, o carro agora custa quase seis cifrões
–, disse Matt.

Neil se levantou do sofá e se virou para encarar Matt.

– Custa quanto?

Ele sabia que Andrew tinha gastado boa parte do seguro de vida de Tilda; Nicky brincou uma vez,
que Andrew decidiu acabar com a herança o mais rápido. Neil não tinha perguntado quanto dinheiro
eles haviam conseguido com o falecimento, mas ele sabia que, só de olhar para o carro, tinha sido um
desperdício colossal de grana. Ter uma estimativa do preço fez Neil se sentir mal. De repente, seu
chaveiro pesava uma tonelada e era tudo o que podia sentir para não tirá-lo do bolso.

– É quase tão caro quanto o Porsche da Allison –, disse Matt, – e ele deixou Renee dirigir com dois
meses depois de conhecê-la. Você me julga por apostar neles? Mano, eu tinha tanta certeza que eles
dariam certo.

A conjugação no pretérito foi o suficiente para distrair Neil.

– Mudou de ideia?

– Mais ou menos –, disse Matt. – Mas regras são regras. Uma vez que o dinheiro está no pote,
você não pode mudar a aposta. Posso apostar contra em outro pote, então, eu consigo recuperar
parte da minha grana. Desgraça, já é quase meio-dia. Temos que nos mexer. Se quiser pegar alguma
coisa, eu sugiro que pegue agora.

Ele se foi antes que Neil pudesse perguntar o que havia mudado a opinião de Matt sobre as
chances de Renee. Neil desistiu e pegou seu bloquinho de anotações sobre a formação tática da UT.

O sorriso de Matt era convencido, e limitadamente compassivo, quando eles se encontraram e


Matt enxergou o que Neil tinha em mãos. Neil fingiu não ter percebido isso e trancou a porta da suíte
logo atrás. As meninas esperavam por Matt para alcançá-las, no entanto, Neil andou alguns passos à
frente delas, em direção ao grupo de Andrew.

O carro de Andrew parecia um monstro totalmente novo quando Neil se aproximou. Ele estava
bem o suficiente para sentar-se no banco de trás com Nicky e Aaron, mas Kevin já se encaminhava
antes que Neil pudesse tomar o assento.

O tempo que levaram para ir do dormitório para o carro e do carro para o estádio, as Raposas
ficaram encharcadas. Allison não se preocupou com um guarda-chuva, mas dessa vez, ela tinha uma
capa de chuva sobre a cabeça protegendo seu cabelo e maquiagem recém-refeitos. Ela era a mais
seca dentre eles, mas ainda murmurava pelo mal tempo enquanto entrava na sala. Wymack suportou
a chegada barulhenta com sua habitual falta de paciência e os conduziu pelo corredor para
arrumarem suas coisas.

Eles pegaram o ônibus da equipe até o aeroporto, porque era mais barato deixar um veículo na
garagem do que três. Estar novamente na região norte da Carolina do Sul fez Neil pensar em sua
viagem a Virgínia Ocidental, então ele se concentrou em seus companheiros de equipe para manter
seus pensamentos obscuros afastados.

Foi um quase colapso nervoso, pelo menos até Wymack enviar um olhar cauteloso em sua direção.
Neil devolveu o olhar de Wymack e preferiu não pensar em Riko. Em vez disso, pensou em seu
regresso, em Wymack abandonando tudo para buscá-lo e Wymack o mantendo íntegro quando ele
quase feriu a si próprio. O aperto no peito de Neil diminuiu um pouco e ele acenou com a cabeça em
resposta a pergunta silenciosa de Wymack.

Eles passaram pelo check-in e pela segurança em tempo hábil e partiram pelo terminal em busca
de seu portão de embarque. Ficava quase no final, passando pelos banheiros e uma dúzia de lojas.
Uma cafeteria estava na metade do caminho, o cheiro de café e croissant foi quase o suficiente para
distraí-los. Wymack manteve-os em fila com o linguajar rude e ameaças veladas.

As Volpinas chegaram com antecedência ao aeroporto e estavam acampadas no portão de


embarque. Neil passou por elas e olhou a placa eletrônica. Dizia: “Atlanta - 1:20 da tarde.”, deste
modo, a companhia aérea não atrasaria o voo, apesar do tempo chuvoso. Neil preferiu acreditar que
era porque o seu avião já estava posicionado do lado de fora.

As Raposas se dispersaram ao sinal positivo de Wymack, metade delas para olhar pela janela e o
resto para despejar suas malas em qualquer cadeira vazia que pudessem encontrar. Neil demorou
apenas um instante para perceber que Andrew nem se mexera. Neil o olhou, mas Andrew estava de
olhos vidrados mirando além da janela. Neil seguiu seu olhar e observou um avião alçar voo pela
pista.

Os outros já não estavam por perto para ouvi-lo, então Neil disse:

– Quando você disse que tinha medo de altura, era brincadeira, não era? – Deu a Andrew um
momento para responder, depois tentou de novo. – Andrew, não é possível. O que você estava fazendo
no telhado?
Andrew não respondeu imediatamente, mas a inclinação de sua cabeça para um lado dizia que ele
estava pensando na resposta. Neil não sabia se ele estava procurando palavras ou apenas tentando
descobrir quais delas queria dar a Neil em explicação. Finalmente, Andrew levou a mão à própria
garganta e sentiu o pulso. Bateu o dedo em ritmo simultâneo quando encontrou a pulsação. Estava
mais rápido do que deveria. Neil atribuiu o nervosismo de Andrew ao local.

– Sentindo –, disse Andrew, finalmente.

– Tentando lembrar o medo, ou tentando lembrar como sentir alguma coisa? – perguntou Neil,
mas Andrew não respondeu. Neil tentou uma tática diferente. – Se isso faz você se sentir melhor,
menos de vinte aviões caem por ano e nem sempre é devido ao clima. Às vezes os pilotos não são
confiáveis. De qualquer maneira, tenho certeza de que é uma morte rápida.

A mão de Andrew ficou imóvel.

– Qual era o nome dele? – Ele olhou para Neil, que franziu o cenho para ele e disse: – Seu pai.
Qual era o nome dele?

Neil quase perdeu o fôlego.

Ele não queria responder, não queria esse nome no ar entre eles, mas era a vez de Andrew nesse
joguinho. Ele não tinha o direito de recusar. Tentou se reconfortar um pouco, porque Andrew não
chegava a esse nível baixo a menos que a provocação de Neil tivesse o atingido, mas Neil não
conseguia se controlar. Ele olhou para as Raposas, certificou-se de que eles ainda estavam fora do
alcance da voz, e se aproximou de Andrew de qualquer forma.

– Nathan –, ele disse finalmente. – O nome dele era Nathan.

– Você não tem cara de Nathan.

– Eu não sou –, Neil disse entre os nós em sua garganta. – Eu sou Nathaniel.

Andrew o considerou por mais um minuto, depois se virou sem dizer nenhuma palavra e voltou a
observar a pista. Neil recuou, precisando de espaço para respirar e tirar aquela dor doentia de suas
veias. Nicky acenou descontroladamente para chamar sua atenção e fez sinal para Neil se juntar a
ele. Assim que Neil chegou perto o suficiente, Nicky passou um braço cuidadoso ao redor dos seus
ombros.

– Flagrei o favoritismo todo –, disse Nicky. – Você sabia que ele, talvez, tenha dirigido a mim
apenas dez palavras desde que nós o pegamos no Easthaven? Eu ficaria com ciúmes se eu não fosse
tão contra morrer precocemente. Mas de qualquer maneira, nós temos algum tempinho antes da
decolagem. Quer vir conosco e comprar café?

Eles acabaram levando metade da equipe e várias das Volpinas com eles para a cafeteria. Nicky
avisou que eles já estavam bem na hora, mas nenhum deles contava com o quão lento a fila se
moveria. No momento em que todos voltaram para o portão com as bebidas, os passageiros de seu
voo já embarcavam.

Neil ficou de olhos fixos em Andrew enquanto eles embarcavam, esperando que ele hesitasse.
Talvez, Andrew tenha notado a atenção, porque ele seguiu seus companheiros de equipe para o avião
com um olhar entediado no rosto. A cena durou até que todos estivessem em seus assentos e os
comissários estivessem apresentando as instruções de segurança no avião. A única coisa que Andrew
trouxera para o avião com ele era uma caneta. Ele virou-a repetidamente nas mãos enquanto os
comissários demonstravam como usar as máscaras de oxigênio a bordo. Kevin, sentado entre Neil e
Andrew, nem sequer piscou um olho. Neil supôs que ele estava acostumado à inquietude de Andrew.
Neil só sabia o que aquela inquietação significava, porque Andrew lhe contara a verdade quando Neil
perguntou do que ele tinha medo.

Neil olhou pela janela, mas a chuva era tão densa no vidro que ele mal conseguia distinguir a asa
do avião. As luzes eram uma bagunça embaçada. Neil fechou a cortina enquanto os comissários
faziam um passeio final pela cabine. A decolagem nunca parecera um processo complicado antes,
mas Neil imaginou como seria a sensação de alguém que não queria estar no ar. Finalmente, eles
estavam correndo pela pista e Neil arriscou outro olhar para Andrew.
A expressão de Andrew não mudou quando os pneus deixaram o chão, mas a caneta de Andrew
ficou imóvel durante toda a subida e ele ficou tenso. Ele estava de volta assim que alcançaram a
altitude de cruzeiro. Ele obviamente notou os olhares que Neil lhe enviou, mas manteve seu olhar
pesado no banco a sua frente.

Eles ainda tiveram tempo para gastar em Atlanta, então, assim que Wymack confirmou que o
portão deles não havia mudado, ele deixou-os vagar pelo aeroporto por uma hora. O grupinho de
Andrew passou a maior parte do tempo vagando de uma loja para outra. Aaron pegou um livro
enquanto Nicky se abastecia de guloseimas. Andrew desapareceu, mas Neil finalmente o encontrou
perto de uma vitrine de bibelôs de cristais. Era estranho Andrew se distrair, porém Neil não teve
tempo de pensar sobre isso.

Kevin e Nicky estavam a dois segundos de discutir, pois Kevin tentava colocar os lanches de Nicky
de volta na prateleira.

– Não é tudo para mim –, insistiu Nicky, tentando sair do aperto de Kevin sem deixar cair nada. –
Tem para todo mundo.

– Ninguém precisa comer essas porcarias antes do jogo –, disse Kevin. – Coma um pouco de
granola ou proteína se estiver com tanta fome.

– Hello, tem proteína na manteiga de amendoim – replicou Nicky. – Me solte antes que eu diga a
Andrew que você está proibindo chocolate. Eu disse para me soltar. Você não manda em mim. Ai! É
sério que você acabou de me bater?

– Vou indo embora e fingindo que não te conheço –, disse Aaron.

– Traidor –, gritou Nicky atrás dele.

– Kevin, largue ele –, disse Neil. – Não vale a pena brigar.

– Quando a nossa defesa é lenta, todos nós sofremos –, disse Kevin.

– Você não está falando sério –, disse Nicky. – Nós temos quantas horas até a partida? Isso tudo
vai estar fora do meu organismo até lá. Você pode me assistir cagando, se não acredita em mim.
Nunca pensei que você gostasse desse tipo de coisas, mas... ha – ele vangloriou-se quando Kevin foi
embora.

Ele deu a Neil um sorriso triunfante, não percebendo o modo como os atendentes da loja olhavam
para eles.

– Eu sou o mestre do persuasão.

– Ou de se iludir – disse Neil.

As sobrancelhas de Nicky se ergueram.

– Ai meu deus, você tentou fazer uma piada? Doeu alguma coisa? Não, sério, – disse ele assim que
Neil se virou como se quisesse deixá-lo para trás. – O que te deixou de bom humor?

Ao virar-se, Andrew novamente entrou na linha de visão de Neil. A luz brilhou no bibelô de cristal
na mão de Andrew, quando ele a passou para um dos caixas. Neil estava longe demais para ver qual
forma ele escolhera, mas nem precisava saber. Sua atenção estava em uma prateleira de animais
cintilantes, todos bem organizados entre si.

A surpresa guerreou com alívio, e deu lugar a um sussurro de auto-satisfação. Neil não entendia o
que Andrew via em Betsy, mas ele não se importava mais. Ele estava certo em colocar sua fé nela. Ela
iria juntar os irmãos, e a equipe finalmente estaria completa. Os Corvos não saberiam o que fazer
com as Raposas na próxima vez que se reunissem na quadra.

– Ei, Neil –, disse Nicky. – Você está me ignorando?

– Só pensando nessa noite –, mentiu. – Vou esperar aqui enquanto você vai pagar isso.

Nicky deu de ombros e se dirigiu para o próximo caixa. Andrew pegou Kevin pelo caminho
enquanto se dirigia ao lado de Neil, e Aaron voltou assim que Nicky ligou para ele. Eles voltaram
para o portão e se acomodaram até o horário de embarque. O céu de Atlanta estava nublado, mas
sem chuva. Uma checagem rápida em todas as pessoas, significava que eles precisavam sair com
alguns minutos de antecedência.

Neil manteve um olho discreto em Andrew até o avião se estabilizar, depois desviou o olhar pela
janela e pensou no adversário.

Neil nunca havia lidado com a esteira de bagagem antes, ele e sua mãe simplesmente jogavam
fora o que não cabia na bagagem de mão. Entretanto, foi uma experiência esclarecedora e
desagradável. As mesmas malas percorreram a esteira tantas vezes que Neil começou a pensar que o
equipamento da equipe havia sido extraviado. As Raposas pareciam entediadas, não preocupadas,
então ele manteve aquele pânico para si mesmo. Ele foi recompensado poucos minutos depois,
quando a bolsa de Allison finalmente surgiu na esteira. As bagagens restantes estavam logo atrás.

– Carreguem-nas e as deixem alinhadas –, disse Wymack quando ele e Abby pegaram suas
próprias malas.

As Raposas o seguiram até o transporte, onde a Wymack reservou uma van para 12 passageiros.
Suas malas ocuparam todo o baú do bagageiro, e depois a maior parte do espaço onde os pés
ficavam, mas conseguiram fechar a porta, e era tudo o que importava. Wymack alisou um papel
amassado com instruções escritas à mão, guardou suas anotações nos mais breves dos olhares e os
seguiu pelo caminho. Eles pararam brevemente em um restaurante italiano para comer frango e
macarrão. Wymack resmungou sobre a conta, mas sua equipe sabia que não deveriam levá-lo a sério.

O estádio estava cheio de policiais e torcedores quando chegaram. Guardas ajudaram Wymack a
encontrar um lugar para estacionar, e a equipe foi escoltada até o vestiário. Eles estavam adiantados,
então Wymack ligou todas as TVs que encontrou e foi verificar a multidão. A TV mais próxima de Neil
exibia os destaques dos jogos da Primeira divisão, referente à noite anterior. Sem surpresa, metade
das jogadas ressaltadas foram da vitória dos Corvos em quinze a oito. Neil havia assistido ao jogo
entre os treinos na noite passada.

Faltando trinta minutos para a partida, eles se separaram nos vestiários para trocar de roupa.
Neil não ficou surpreso ao encontrar uma completa falta de privacidade no vestiário masculino, mas
seus companheiros de equipe saíram por tempo suficiente para que ele se equipasse. Deixou o
capacete e as luvas, pois ainda tinha muito tempo antes da partida, e se reuniu com seus
companheiros de equipe na sala principal.

– Leve-os para dar algumas voltas –, disse Wymack para Dan. – Deixe-os dar uma olhadinha no
lugar.

O estádio da Universidade do Texas era parecido ao Foxhole em tamanho. Os Longhorns e as


Raposas também compartilhavam as mesmas cores, então as arquibancadas lotadas pareciam
familiares e reconfortantes. Neil só teve que ignorar o rugido desafiador da multidão quando esta
notou as Raposas entre eles.

Dan estava satisfeita depois de um quilômetro e meio, então, voltaram correndo para o vestiário
onde se alongaram. Abby tinha água esperando por eles. Wymack guardava o resto de seus
equipamentos. Aaron e Nicky dirigiram o porta raquetes para o pátio interno quando chegou a hora
de tomar seu assentos nos bancos.

As Volpinas surgiram, e seja como for, se posicionaram na seção reservada para os alunos de
Palmetto State. Dan fez seu time saudar energicamente as lideres de torcida e seus torcedores
ardorosos. As Raposas foram recompensadas com vibrações entusiasmadas.

Alguns segundos depois, os Longhorns passaram por eles em uma fila infinita. As Raposas tinham
vindo em seus uniformes branco, para jogos como visitantes, e os Longhorns usavam seus uniformes
de mandante laranja. Era desorientador vê-los passar quase em seus colos; Neil esperava que
ninguém se confundisse no calor do momento. Até mesmo a menor hesitação dentro de quadra
poderia custar-lhes um gol.

Quando os Longhorns estivessem prontos eles entrariam na quadra para aquecer, então as
Raposas pegaram suas raquetes. Wymack deu-lhes alguns segundos, depois bateu palmas para
chamar a atenção do time.

– Tudo bem, escutem. É hora de levar a sério. Esses caras até parecem amistosos usando nossas
cores, mas eles estão aqui por uma única razão: para eliminar vocês logo no começo. Eles são
aspirantes a campeões e sabem o que é preciso para chegar ao próximo nível. O trabalho de vocês é
fazê-los parecer um bando de idiotas.

Abby fez uma cara de desgosto para ele, mas Wymack nem a olhou.

– Nós já vimos centenas de vezes a formação deles. Vocês leram as observações de Neil. Já
mostrei o que precisavam ver. Esses caras são rápidos e perigosos, mas não são impenetráveis. A
estratégia é: interceptá-los na meia-área. E pelo amor de tudo que é mais profano, fiquem de olho
nos atacantes e na negociante.

– Vou ficar de olho neles mancando para fora da quadra –, disse Dan.

– Faça o que tiver que fazer –, aconselhou Wymack, – mas não se atreva a receber um cartão
vermelho. Vale para todos.

Ele lançou um olhar penetrante em Matt.

O sorriso de Matt não tranquilizou absolutamente ninguém, mas Wymack não perdeu o fôlego
alertando uma segunda vez.

– Se vocês, senhoritas, começarem a ser marcadas firmemente, peçam à defesa que as ajudem.
Não me importa que isso deixe um defensor contra dois atacantes, dá tempo suficiente para se livrar.
Os goleiros vão proteger nosso gol enquanto isso. Não vão?

– Vamos fazer o nosso melhor –, Renee assentiu com um sorriso brilhante.

Os gritos da multidão aumentaram para um tom animado e enlouquecedor. Neil supôs que as
mascotes tivessem aparecido para irritar as arquibancadas. Ele olhou para trás de Wymack, ainda
ouvindo parte do discurso, e seguiu os dedos apontados. Um camarote VIP ficava ao lado da sala de
imprensa entre os bancos das Raposas e o esquadrão das Volpinas. Alguns guarda-costas revistavam
a multidão em busca de ameaças em potencial, mas recuaram assim que suas preocupações estavam
resolvidas.

O mundo de Neil ficou em câmera lenta ao enxergar as tatuagens e cabelos escuros.

Wymack estalou os dedos no rosto de Neil. Neil recuou com tanto pavor que cambaleou sobre
Kevin. Ele lançou um rápido olhar para Wymack, boca aberta em um pedido de desculpas por ter
perdido o fôlego, mas Wymack não esperou por sua explicação. Ele se virou para vasculhar o pátio
interno. Não demorou quase nada para ver Riko e Jean. Quando ele se virou, sua expressão era mais
sombria do que Neil jamais vira.

As Raposas também os viram, e Matt foi o primeiro a reagir ferozmente.

– O que eles estão fazendo aqui?

– Vou perguntar –, disse Andrew, e começou a andar.

Wymack o puxou antes que ele pudesse ficar a mais de um passo longe do banco das Raposas.

– Você não tem permissão para matar ninguém no primeiro jogo da temporada. Preocupe-se
menos com ele e mais com sua linha ofensiva, me entendeu? Foco, Kevin. Você também, Neil. Neil –,
disse ele, mais alto. – Olhe para mim.

Neil percebeu que estava olhando para Riko novamente. Ele arrastou o olhar de volta para o rosto
de Wymack. Wymack parecia zangado, mas Neil conhecia Wymack muito bem. Essa raiva nascera de
uma preocupação genuína. Neil preferiu interpretá-la como decepção, porque era mais fácil se
motivar. As Raposas precisavam dele hoje à noite. Ele não podia deixar Riko o amedrontar. Neil
pegou todas as más lembranças que rosnavam em seu ouvido e empurrou-as o mais fundo.
– Estou começando a achar que ele é afim de mim, afinal de contas –, disse Neil, forçando
indiferença.

A risada de Nicky soou falsa, seu sorriso nem alcançou seus olhos, mas pelo menos ele tentou.

– Quem resistiria olhar para você por muito tempo? Você tem sorte de eu ser comprometido,
porque, nossa. Talvez possamos convencer Erik a me compartilhar um pouco?

– Você morreria se não falasse essas merdas medonhas na quadra uma única vez? – indagou
Aaron.

– Se eu tenho que assistir você babar pela Katelyn, você tem que me assistir atrair o Neil para o
lado negro.

– Eu não fico babando pela Katelyn.

– Certo, claro, você não fica babando. Só observando de longa distância, que é mil vezes mais
nauseante.

– Vocês têm dois segundos para calar a boca antes que eu mande todos correrem –, disse
Wymack.

Nicky se encolheu com um sorriso relâmpago na direção de Neil. Neil conseguiu um pequeno
sorriso de volta. As discussões familiares tinham atingido o limite da indignação das Raposas, e agora
os veteranos olhavam para Neil ao invés de Riko. Andrew se acomodou à esquerda de Neil, formando
um bloqueio entre Neil e a multidão. Na próxima vez que Wymack olhou para Neil, Neil acenou com
a cabeça em silêncio.

– Onde eu estava? – indagou Wymack.

– Na linha ofensiva, eu acho –, disse Neil, e olhou para Kevin. Kevin estava de rosto pálido ao
encarar Riko, mas Neil o cutucou até que tivesse a sua total atenção.

– Uma observação: se eles colocarem o Beckstein para me marcar, vou fazer passes inúteis a noite
toda. Ele tem quase trinta centímetros a mais do que eu, então, se ele interceptar minha raquete em
um lance, vai me jogar longe, vou acabar quebrando algo.

Kevin começou a dizer alguma coisa, mas Andrew lhe surpreendeu se interpondo calmamente:

– Vinte centímetros, ele só tem um e oitenta de altura.

Neil e Kevin viraram para encarar Andrew. A sobra de um sorriso no rosto de Wymack dizia que
ele percebera o significado desta observação, sabia que significava oportunidades para as Raposas. O
resto da equipe passou despercebido pela informação. Dan cochichou algo a Allison, sobre como
compensar a possível desvantagem de Neil. Neil sabia que ele e Kevin deviam ser incluídos na
conversa, mas não conseguia acompanhar o raciocínio.

A altura era, sem dúvida, o detalhe crucial em uma partida de Exy. A altura de um jogador decidia
a velocidade para empunhar uma raquete e determinava seu alcance, por causa da envergadura.
Para a maioria dos jogadores, um número estimado era suficientemente bom. Não importava se eles
estivessem a um ou dois centímetros de diferença, porque só precisavam de uma simples ideia do
que enfrentariam. Os números seriam usados apenas para determinar o quão difícil seria a
marcação.

Neil e Kevin sabiam a altura exata de cada defensor dos Longhorns, porque não podiam jogar sem
essa informação. Jogadores extremamente técnicos como Kevin podiam usar a altura de um indivíduo
para mapear todos os seus pontos fracos. Mais importante, ele poderia cruzar a área de alcance do
oponente e encontrar a melhor posição para atirar. Era assim que ele conseguia furar a defesa
adversária várias vezes.

Jogadores instintivos como Neil, sabiam onde encontrar essas lacunas sem calcular ângulos e se
sobrepor ao adversário. Se Wymack desse uma caneta a Neil e dissesse a ele para indicar o ponto
fraco de um defensor em um diagrama tático, ele não saberia mostrar, mas uma vez que o jogo
estivesse acontecendo, Neil poderia encontrá-lo em um piscar de olhos. Ele ainda não era bom o
suficiente para tirar o máximo de proveito dessa visão, mas Kevin dissera que um talento como esse
acabaria por garantir o lugar de Neil na seleção nacional.

Andrew não deu qualquer explicação sobre como soubera a altura de Beckstein. Para início de
conversa, Beckstein era um defensor. Se as Raposas fizessem sua lição de casa direitinho, Beckstein
não chegaria antecipadamente para intervir um possível gol. Mais importante, Wymack só tinha dado
as alturas dos Longhorns uma vez: quando lera pela primeira vez a escalação da UT. Essas
estatísticas foram impressas nos panfletos da primeira rodada que Wymack distribuíra na semana
passada. Todavia, Andrew tinha enchido seu armário com os papeis na primeira oportunidade que
teve. Neil não o tinha visto retirá-los de lá desde então.

Andrew estava completamente absorto quando Wymack informou a escalação dos Longhorns, mas
ele ouvira cada palavra e as absorvera. Fora exatamente essa absorção perfeita que os salvou em sua
partida contra o Belmonte no outono passado. Wymack fizera um comentário descartável sobre
cobranças de pênalti durante o intervalo. O jogo nem sequer foi aos pênaltis, com tão poucos
segundos no relógio e pressão massiva sobre o atacante de Belmonte para empatar o placar, Andrew
sabia que o atacante faria algo familiar. E ele bloqueou um tiro super veloz sem vacilar.

Neil olhou para Kevin, depois para Wymack, imaginando por que ninguém lhe dissera que Andrew
tinha uma memória fotográfica, imaginando se eles sabiam. Ele não podia deixar de fazer outro teste.
Mentalmente pensou na escalação da linha ofensiva dos Longhorns e se estabeleceu em uma
atacante do quinto ano.

– Qual é a altura da Lakes?

– Só levantar a cabeça –, respondeu Andrew.

– Me faça um agrado, só desta vez –, disse Neil. Andrew começou a se afastar, então Neil enfiou
os dedos enluvados na cabeça da raquete de Andrew e deu um puxão cuidadoso. Tentou novamente
com insistência: – Qual é a altura dela?

– Um e sessenta e sete? – Matt tentou adivinhar.

– Um e setenta e quatro –, refutou Andrew.

– Foi perto disso. – Matt deu de ombros com apatia.

Neil largou a raquete de Andrew em favor de segurar a sua.

– Nós vamos vencer.

– Por acaso você estava esperando que nós perdêssemos? – indagou Dan.

– Não –, admitiu Neil. Seus lábios se contorceram, e ele soube pelo forte puxão em sua boca que
estava usando o sorriso de seu pai. Ele pressionou a lateral de sua luva no rosto, quase esmagando os
dentes contra seus lábios. Ele sentiu o gosto de sangue antes que fosse mais seguro retirar a mão dos
lábios. Neil inclinou-se um pouco para trás e olhou além de Andrew, em direção a Riko. – Estou feliz
por ele estar aqui para ver isso. Vamos ver se não conseguimos abalá-lo.

– Vamos –, disse Wymack. – Enfim, imaginem que eu disse tudo de importante que precisava dizer,
porque agora é tarde demais para terminar. A quadra foi aberta. Façam os exercícios habituais, o
primeiro e terceiro. Eu falo isso sempre, às vezes, porque você me faz repetir o tempo todo:
mantenha as bolas em nosso maldito lado da quadra, Andrew.

As Raposas pegaram o restante de seus equipamentos e se dirigiram para alguns treinos. Neil
estava contente em ter calma, mais interessado em julgar o estado atual de seu corpo do que treinar
com seu goleiro. Avistar Riko fez cada um de seus hematomas, agora curados, pulsar sobre sua pele,
no entanto, nesse exato momento, ele mal sentia alguma coisa. A única coisa que importava era seu
time e o modo como se moviam em seu derredor.

Eles tiveram que deixar a quadra para o árbitro atirar a moeda. Dan conseguiu o primeiro saque,
e Wymack teve alguns segundos para reunir sua equipe antes das posições serem chamadas.

– Lembrem-se –, disse ele. – Só dois dos três avançam, e vocês não podem perder o primeiro jogo
da temporada. Atacantes, consigam três pontos cada um ou vou inscrevê-los em uma maratona.
Defensores, se vocês parecerem idiotas, vão fazer companhia a eles. Negociantes: serve para vocês
também. Renee, jogue como você sabe. Andrew, leve três gols ou menos e eu vou te comprar o
máximo de álcool que couber em seu armário.

O locutor chamou ambas as formações titulares para a quadra.

Neil tomou o sua posição na linha da meia-área e lançou um último olhar para Kevin. Por algum
milagre, Beckstein estava na quadra diante de Kevin. Kevin respondeu seu olhar com um aceno de
cabeça. Neil estava quase pulando quando a campainha tocou.

Por um tempo, a partida foi um jogo de ida e volta. Houve algumas colisões, alguns incidentes e
mais do que algumas trocas de palavras rudes. Wymack estava certo em alertá-los sobre a
negociante dos Longhorns. A garota que o Texas colocou como titular era rápida e suja. Ela e Dan se
empurraram quase sem parar. Mesmo quando a bola estava do outro lado da quadra, eles batiam
com seus bastões em um constante contato físico. A razão de Dan ter aturado tanto tempo antes de
estourar, Neil não fazia ideia, mas esta passividade durou uns bons dez minutos.

Na jogada seguinte, em que a bola foi lançada para a negociante, Dan se agachou, curvando seu
corpo em frente à negociante, a garota foi arremessada de pernas para o ar. Para piorar ainda mais a
situação, ela ofereceu à garota caída uma mão enluvada para levantá-la. No segundo seguinte, elas
estavam cara a cara com dedos apontados e em tons estridentes. Os árbitros cruzaram a quadra até
a confusão, provavelmente para dar um cartão a Dan por seu golpe sujo, antes que outro jogador
socasse Dan bem na boca. Dan estendeu as mãos se recusando a uma retaliação. Não fazia sentido,
uma vez que havia conseguido o que queria. Ambas negociantes receberam cartões amarelos e os
árbitros reiniciaram a jogabilidade a partir de uma posição neutra.

Essa quase briga foi a gota d’água, e o resto do primeiro tempo foi brutal. Neil estava todo
dolorido no momento em que a campainha sinalizou o intervalo, mas não se importava com o quanto
seu corpo doía. Andrew estava dentro da meta que Wymack lhe estipulou, ele perdera apenas dois
gols. As Raposas, por outro lado, já haviam conseguido quatro. Neil seguiu seus companheiros para
fora da quadra durante o intervalo, passou por Wymack, que estava dispensando os repórteres, e
andou pelo vestiário até que voltou a sentir seus pés. Abby levou-o a uma rápida avaliação em outra
sala e Neil estava muito ofegante para acenar para ela.

Os Longhorns deram trabalho no segundo tempo, os jogadores receberam dois cartões vermelhos
e cinco amarelos. Seu estilo de jogo dissimulado deixava as Raposas no limite, mas as Raposas
sabiam que não deveriam revidar. Um cartão amarelo não os colocaria no banco, mas dois
consecutivos os tirariam da partida e não sobraria ninguém para fazer a substituição.

Eles mantiveram a calma o melhor que puderam, mantendo um caminho cuidadoso em suas
próprias transgressões numerosas, e acumularam o maior número de pontos por pênaltis possíveis.
No final, valeu a pena, porque o resultado final foi de sete a seis a favor das Raposas.

Quando as Raposas saíram de quadra, Renee foi até Riko. Ela não era do tipo que se metia em
brigas, então Neil parou para encará-la. Riko não aceitou a mão oferecida por Renee, no entanto Jean
sim. O aperto de mão foi um pouco demorado, Neil não sabia qual deles demorou mais em soltar.

Neil pensou na reação estranha de Jean a Renee no banquete de outono, os rápidos olhares
persistentes e a apresentação desconfortável. Eram as lembranças que ele tanto buscava na semana
passada, enquanto verificava suas mensagens no Reddin. Jean aceitara a crueldade de Riko e Tetsuji
por não ter ninguém fora dos Corvos. Com nada mais para viver e nenhuma razão para lutar, ele
abaixou a cabeça e se concentrou em sobreviver. Renee foi a primeira coisa brilhante a chamar sua
atenção.

– Ele está interessado nela –, disse Neil, não era exatamente uma pergunta.

Kevin também os observava.

– Esquece. Não vai funcionar.

Renee dissera a Neil no outono passado que os Corvos não tinham permissão para namorar.
Tetsuji não queria que sua equipe se distraísse. Renee sabia disso, mas lá estava ela mesmo assim.
Neil estava pensando demais nas intenções dela, porém disposto a explorar qualquer ângulo que
pudessem encontrar.

– Talvez não –, disse Neil, – mas poderia nos dar uma vantagem. Você ainda sabe o número dele?
Dê a ela e veja o que ela pode fazer até as finais.

Dan e Kevin haviam concordado previamente em lidar com os repórteres depois do jogo. Neil
estava feliz em deixá-los com os repórteres e seguir seus colegas alegres para o vestiário, mas ele
não foi muito longe. Ele estava provavelmente a oito passos do banco antes de um repórter gritar
atrás dele.

– Neil, é verdade que você está na mira do time dos sonhos?

A coisa mais inteligente a fazer era continuar andando e fingir não ter ouvido sobre o som da
multidão furiosa, mas Neil parou. Olhou para frente considerando todas as maneiras de como não
responder a isso. Finalmente, ele se virou. A presença de Riko significava que Andrew estaria a todo
o momento ao lado de Kevin, mas o olhar de Andrew estava voltado para Neil depois dessa pergunta
ousada. Neil inclinou a cabeça em um questionamento silencioso, e Andrew fez sinal para que ele
fizesse o que quisesse.

Neil soltou as alças de seu capacete e dirigiu-se ao trio de repórteres. Andrew pegou o capacete
de Neil enquanto passava por ele, e Renee pegou de Andrew enquanto ela se dirigia para o vestiário.
Neil enfiou as luvas debaixo do braço e parou ao lado de Kevin.

– Perdão –, disse ele. – Você disse alguma coisa?

– Há rumores de que você foi convidado para integrar o time dos sonhos.

O repórter dirigiu o microfone a ele, com os olhos fixos no rosto suado de Neil com curativo.

– Algum comentário sobre isso?

A primeira vez que alguém perguntara sobre as tatuagens de Riko e Kevin, Riko não tinha
rodeios. Ele era o melhor atacante do jogo, ele dissera, e ele queria que todos soubessem disso. A
história mudou um pouco quando Jean fez sua primeira aparição pública com um "3" tatuado no
rosto. Riko estava supostamente recrutando a futura seleção nacional dos EUA. Ele os intitulou de
“Time dos sonhos” e, embora não fosse oficial e incrivelmente arrogante, seu talento e criação deram
credibilidade à teoria.

– Ah –, disse Neil. – Você quis dizer isso.

Ele tirou o curativo do rosto e deixou os repórteres darem uma boa olhada em sua tatuagem. Um
dos repórteres agarrou o seu cinegrafista para obter um close e Neil obedientemente inclinou o rosto
para uma visão melhor. Ele estava com aquele sorriso novamente e dessa vez não tentou esconder.
Os repórteres eram tão estúpidos, ou ansiosos demais por uma manchete, para decifrar a ameaça
naquela expressão. Kevin não era tão cego e ele assobiou baixinho em francês tenso.

– Não provoque ele.

O desejo de sufocar a antiga vida de Kevin era tão feroz quanto fugaz. Neil não perdeu seu tempo
olhando para Kevin, se dirigindo aos repórteres.

– É realmente impressionante, não é? Acho que é a primeira vez que Riko está errado. Ele sempre
pareceu muito teimoso em admitir quando comete um erro.

– Você acha que ele cometeu um erro marcando você? – um repórter perguntou.

– Você não acha que merece o número? – outro disse ao mesmo tempo.

Neil surpreendeu-se com o mal-entendido.

– Eu acho que ele não merece a gente –, disse ele, e gesticulou entre ele e Kevin, – mas isso é
irrelevante.

– O que você quer dizer?


– Olha, eu vou ser honesto –, disse Neil. – Eu sei que Riko é ótimo. Todo mundo sabe. Graças ao
nome de seu tio ele foi longe na vida e os Corvos têm um recorde impressionante. Mas Riko como
pessoa é difícil de respeitar. Até que em Dezembro, eu percebi que ele era um maníaco egocêntrico
que estava tão desesperado por sua própria glória que se recusou a ver o potencial em qualquer
outra pessoa. Ele, claro, presumiu que eu era um zero à esquerda sem o direito de opinar.

– Neste Natal, tentamos nos encontrar e chegar a um acordo –, disse Neil. – Riko me convidou
para treinar com os Corvos durante as férias, para que eu pudesse ver a discrepância entre nossos
dois times. Foi isto que nos afastou.

Neil fez um gesto para a tatuagem na sua bochecha.

– Ele admitiu que estava errado sobre mim, e eu prometi cumprir as expectativas dele. Nós nunca
vamos ser amigos e definitivamente nunca vamos gostar um do outro, mas trabalharemos isso pelo
tempo que for necessário.

– Houve um boato que você pode se transferir para Edgar Allan.

– Isso foi mencionado enquanto eu estava lá –, disse Neil, – mas sabemos que isso nunca vai
acontecer. Eu nunca vou ser bom o suficiente se eu for jogar com os Corvos. Além disso, mal
consegui tolerá-los por duas semanas. Nem consigo me imaginar jogando com eles por quatro anos.
Eles são pessoas horríveis.

– Sabe o que mais? – Neil prosseguiu antes que os repórteres pudessem responder. – Isso é
insignificante. Eu disse que seria honesto, mas fui um pouco transparente demais. Digamos isso: nós
prometemos uma revanche aos Covos nesta primavera, então eu irei torcer por eles até as finais. Se
Riko achasse que não conseguiríamos enfrentá-los na final, ele não teria tatuado meu rosto ou voado
até aqui para nos ver jogar. Ele sabe que temos uma chance. Ele ainda não descobriu que vamos
ganhar na próxima vez em que nos encontrarmos. Fiquem de olho em nós, tudo bem? Vai ser um ano
emocionante.

– Boa noite –, disse ele quando começaram a fazer mais perguntas. Ele se virou e dirigiu-se ao
vestiário como se não tivessem lhe chamado pelas costas.

A gargalhada encantadora de Dan dizia que ela estava lhe seguindo, porém ele não olhou para ver
se Andrew e Kevin estavam com ela. A porta do vestiário bateu fechada atrás deles, abafando o
burburinho da multidão, e Neil pode ouvir o mau-humor de Kevin. O temperamento de Neil se
acendeu novamente, dessa vez sem se reprimir. Ele se virou e empurrou Kevin contra a porta o mais
forte que pôde. Kevin tinha quase trinta centímetros a mais e poderia facilmente sobrepujar Neil em
uma briga, mas ele estava assustado demais para se defender. Dan ficou boquiaberta com Neil.
Andrew, que atacou Matt por bater em Kevin, deu um passo para fora do caminho. Nenhum deles iria
interferir, então Neil os ignorou em favor de Kevin.

– Chega –, disse Neil, em rápido e furioso francês. – Nunca mais tente me censurar de novo. Eu
não vou deixá-lo ditar como eu vou terminar.

– Você vai jogá-lo contra todos nós –, atirou Kevin de volta. – você não pensa.

– Você também não está pensando. Você não pode mais ter medo dele.

– Medo não é um interruptor que você liga e desliga quando quer. De todas as pessoas, você
deveria saber muito bem disso. – Kevin finalmente empurrou Neil, mas ele não tentou passar por
Neil. – Você não cresceu com ele. Você não pode me julgar.

– Eu não estou te julgando. Estou te dizendo que já passou da hora de se defender. Qual é o
objetivo disso se você ainda continua sendo o animal de estimação dele no fim das contas? Se você
realmente acreditasse em nós – se você realmente acreditasse em si próprio – você revidaria.

– Você não entende.

– Não mesmo –, replicou Neil calorosamente. – Você tem uma saída. Você tem um futuro. Então
por que você não aceita? Por que você está com tanto medo de agarrá-lo?
Assim a raiva foi se desfazendo, quebrando o peso da precoce e necessária dor. A forma como a
expressão de Kevin mudou de irritada para concentrada mostrava que ele ouvira aquele resquício de
rouquidão nas palavras de Neil. Neil lutou para controlar sua raiva e continuou a disparar.

– Quando descobri pela primeira vez tudo sobre os Moriyamas, eu fiquei, fiquei porque achei que
você tinha uma chance. Um de nós teria que ser algo a mais e eu queria que fosse você. Mas você
ainda acredita nesse número em seu rosto. O que há de tão importante em ser o segundo melhor?

Kevin olhou para Andrew, não que Andrew pudesse tomar para si este argumento. Acabou que
não era qualquer pedido, porque Kevin disse:

– Quando tentamos recrutar Andrew para os Corvos, ele disse a mesma coisa. Ele disse que eu
não o interessava porque fiz carreira sendo o segundo. Eu não quero isso, mas eu não sou como você.
– O olhar que Kevin lançou a Neil era frustrado, mas a raiva era mais para si mesmo do que qualquer
outra coisa. – Eu sempre pertenci a Riko. Eu sei mais do que ninguém o que acontece quando se
desafia um Moriyama

– Você sabe –, concordou Neil. – Mas eles já tiraram tudo de você. O que mais você tem a perder?

Kevin não respondeu. Neil deu-lhe um minuto e depois se virou.

Wymack estava esperando no final do corredor, braços cruzados e um cigarro apagado pendurado
entre os lábios. Ele levantou uma sobrancelha quando Neil se aproximou.

– Não sei se você se lembra, mas vencemos –, disse Wymack. – Alguma razão em particular para
você estar tentando acabar com o bom humor?

– Apenas uma diferença de opiniões –, disse Neil, com a maior calma que conseguia. Ele hesitou
próximo a porta do vestiário e olhou para Wymack. – Ah, e me desculpe antecipadamente pelos
repórteres. Em minha defesa, foram eles que começaram.

– Ai, Cristo –, lamuriou Wymack. – O que você fez desta vez?

– Ele disse que Riko era o babacão da primeira divisão –, disse Dan. – Não nessas palavras, mas
acho que eles entenderam o recado.

Wymack pressionou um dedo no canto de sua testa.

– Eu deveria ter pedido um adicional por periculosidade quando aceitei esse trabalho. Fora, fora,
fora. Não vou lidar com seu distúrbio de comportamento até que eu tenha enchido a cara. Isso vale
para o resto de vocês também. Sumam da minha vista e tomem banho. Se vocês não estiverem na van
com o equipamento em vinte minutos eu vou deixá-los aqui. E, eeei –, gritou ele antes que eles
pudessem se espalhar. – Bom trabalho por esta noite.

Ele havia dito só vinte minutos, mas Neil desperdiçou dez no chuveiro. Ele ligou a água bem
quente e não se importou que escaldasse sua pele. Escrevendo seu nome nas paredes de azulejos
com as pontas dos dedos, repetidamente até sua mão ficar dormente.
CAPÍTULO SEIS

Os Corvos comentaram os insultos de Neil com indelicadeza velada. Seu único comentário oficial
sobre o assunto foi que eles não se importariam com o que um amador linguarudo tinha a dizer sobre
eles. Neil ficou um pouco surpreso por eles terem parado ali, e não terem zombado de seu
desempenho meia-boca em dezembro. Tardiamente, ele percebera que eles não poderiam jogá-lo em
frente a um ônibus quando estivesse de volta à Carolina do Sul com o número de Riko tatuado em
seu rosto. Um fato como esse acabaria com o mérito estimado de Riko. Neil foi para a cama sentindo-
se mais do que um pouco presunçoso.

Os fãs foram menos tolerantes, e sua retaliação começou antes do amanhecer de sábado.

Batidas na porta assustaram Neil de seu sono. Ele olhou primeiro para o relógio, depois para
janela e esfregou a mão nos olhos cansados. As batidas cessaram, mas o telefone de Matt começou a
tocar alguns segundos depois. Matt rolou cegamente dando uma palmada e desligando o celular. As
batidas recomeçaram, então Neil pendurou as pernas para fora da cama e desceu a escada.

As vozes no corredor eram altas o suficiente para atravessar a porta, abafadas, mas zangadas.
Neil não reconheceu nenhuma, mas quando abriu a porta definitivamente ouviu a palavra "polícia".
Neil abriu a boca para perguntar o que estava acontecendo, mas Dan passou por ele assim que
conseguiu atravessar a porta. Neil observou-a ir direto para o quarto, depois se inclinou para olhar o
corredor.

Portas foram abertas pelo corredor, mas só alguns atletas pararam para questionar uns aos
outros. O resto se dirigia para a escadaria como se suas vidas dependessem disso.

Neil fechou a porta e foi atrás de Dan. Ela sacudia Matt tentando acordá-lo, quando Neil entrou
ela falava:

– ...destruíram os carros.

Matt rolou para fora da cama em um piscar de olhos. Neil subiu em sua escada o suficiente para
pegar suas chaves debaixo do travesseiro. Matt diminuiu a velocidade tempo o suficiente para
colocar uma jaqueta sobre as calças do pijama e calçar os sapatos. Ele bateu nos bolsos da jaqueta
até que suas chaves soaram em resposta. Quando Neil encontrou seus sapatos, Matt já tinha ido
embora com Dan logo atrás. Neil trancou a porta e correu atrás deles, alcançando a escadaria. Matt
pulou os últimos degraus e voou pesadamente sobre a porta dos fundos.

Neil não sabia o que era pior: a visão ou o cheiro. Uma camada de carne crua, ovos quebrados e
pedras cobriam o estacionamento e prendiam-se nos carros dos atletas. Alguns carros tinham
amassados e arranhões; outros tinham rachaduras e buracos nas janelas e parabrisas. Atletas
enfurecidos encheram o estacionamento, metade falando em seus telefones, outros furiosos com o
estado atual de seus veículos. Alguém já tinha entrado para pegar um balde, e já recolhia os pedaços
de carne fora de seu capô. Carros da patrulha do campus entraram em cena, com uma dúzia de
policiais colhendo depoimentos e tirando fotos.

Qualquer pensamento de que não havia sido sua culpa, morreu quando Neil viu a caminhonete de
Matt. Alguém tirou um tempinho extra para destruí-lo. Todas as janelas haviam sido quebradas,
deixando apenas pontas brilhantes de vidro ao redor. Os pneus foram esvaziados com selvageria.
Novos amassados foram feitos na lataria com a mesma ferramenta usada nas janelas. O carro de
Allison estava na mesma situação desoladora do que o de Matt. Ela estava ao lado da caminhonete,
braços cruzados sobre o peito e seu rosto uma máscara de ferro séria. Ela olhou para a aproximação
deles, seguiu o olhar vazio de Matt para sua caminhonete, e deu um curto e duro olhar para Neil.

– Que inferno –, murmurou Matt em um tom sufocado. Ele estendeu a mão para tocá-lo, mas
recuou, não querendo realmente tocar na sujeira. – Como ninguém ouviu?

– Por fim, eles salvaram as janelas –, disse Allison. Ela empurrou o queixo para indicar os rapazes
que estavam do outro lado. – Paris chamou a polícia quando ouviu o vidro quebrar, mas ele não
conseguiu descer aqui rápido o suficiente para ver qualquer rosto. Apenas um monte de carros
saindo daqui, ele disse. Pelo menos uns quatro, talvez cinco.

– Ai, Jesus. – Matt fez outro movimento para longe da caminhonete, resolvendo passar as mãos
pelos cabelos. Dan se pressionou contra suas costas e passou os braços ao redor dele. Ele segurou
firme nos pulsos dela. – Nós vamos passar por isso outra vez?

– Sinto muito –, disse Neil.

Allison entortou o lábio para ele com desprezo.

– Cale a boca. Você não sente nada. Não sente –, ela insistiu quando Neil abriu a boca para
argumentar. Soava menos como uma acusação e mais como uma ordem, então Neil relutantemente
se acalmou. – Você se esqueceu de quem teve que maquiá-lo todas as manhãs? Se ontem você
deixasse que ele te machucasse, depois de todo o mal feito a você –, ela indicou os dedos para o
próprio rosto, – Eu te odiaria.

– Foi apenas a verdade –, disse Dan. – Não é sua culpa que eles não tenham gostado.

– Eu não quero que revidem em vocês –, esclareceu Neil.

– Tarde demais para isso agora. Mas seja o que for –, disse Allison. Era um gesto nobre, mas Neil
ainda podia ver a raiva em cada caminho tenso enquanto inspecionava seu carro novamente. – Eles
quebraram meu brinquedinho? E daí? Eu vou comprar outro. Talvez eu compre dois. Foda-se eles se
pensam que isso vai me afetar.

– Ei –, disse Matt, baixo, mas urgente.

Neil seguiu o movimento nada sutil do queixo até a porta dos fundos. Aparentemente, era o
trabalho de Renee dar a notícia a Andrew, porque Renee agora estava trazendo Andrew pelos
degraus para o meio do caos. O carro de Andrew estava algumas filas mais ao fundo do
estacionamento, mas Andrew seguiu Renee até os veteranos primeiro. Andrew parou ao lado de Neil
para inspecionar o dano. Neil, por sua vez, estudou sua expressão, mas não havia nada para ver.
Andrew pareceu tão impressionado com isso quanto com todo o resto.

Renee passou um braço por Allison e apertou a mão dela.

– Sinto muito.

– Alguém já ligou para o Treinador? – perguntou Neil.

– Ele nos ligou –, disse Dan. – Os policiais estão notificando todos os treinadores e os chamando
aqui para ajudar a nos vigiar. Ele deve estar aqui a qualquer momento.

Andrew cantarolou, se virou e partiu. Allison cutucou Renee silenciosamente em permissão para
largá-la por Andrew, mas Renee olhou por cima do ombro em direção a Neil. Neil assentiu e foi atrás
de Andrew. Ele só tinha estado ali alguns minutos, mas a multidão no estacionamento tinha triplicado
de tamanho nesse meio tempo. Apesar do apoio ácido de Allison, Neil não conseguia olhar mais
ninguém no rosto. Esses atletas não tinham feito nada para receber a retaliação dos Corvos. Eles
eram danos colaterais, sofrendo agora porque Neil não conseguia manter a boca fechada.

Nunca havia o incomodado antes. O cuidado com as Raposas foi inesperado, mas facilmente
explicado devido à longa exposição. Sentir-se culpado pelos infortúnios desses estranhos era novo e
desconfortável. Cada voz estridente era uma facada nos nervos de Neil e ele odiava isso. Felizmente,
ou não, chegaram ao carro de Andrew e Neil pôde parar de pensar em todos os outros por um
minuto. Neil tirou os olhos do asfalto quando Andrew parou de caminhar, sua boca se abriu em
silenciosa descrença.

A torcida dos Corvos não tinha parado nos pneus e janelas do veículo de Andrew, não haviam se
contentado em coisas simples. Parecia que tinham amassado a lataria com uma marreta, criando
crateras profundas ao longo de todo veículo. Spray vermelho sobre o que restara do capô estragado
dizia “Traidor”. Os assentos dianteiros estavam retalhados, assim como os traseiros, tão quanto as
facas dos vândalos podiam alcançar através das janelas inexistentes. Alguém havia rasgado sacos de
compostagem orgânica no banco de trás; tudo, desde restos de comida até filtros de café e ossos de
galinha, estavam empilhados com um pé de profundidade nos assentos. No topo da montanha fedida
havia uma raposa morta.

Um gemido angustiado tirou Neil de seu choque. Ele lançou um rápido olhar para a esquerda e
viu Nicky aparecer com Aaron e Kevin. Nicky parecia arrasado ao perceber o estado miserável do
carro; Aaron parecia à beira de um ataque. Kevin passou a mão sobre o nariz e boca, bloqueando o
cheiro, mas seus olhos verdes estavam arregalados. Levou apenas um momento para notar a atenção
de Neil, e o olhar que ele enviou a Neil gritava: “Eu te avisei”. Neil cerrou os dentes e desviou o
olhar.

Nicky tropeçou em direção ao carro e pressionou as mãos trêmulas no capô disforme.

– Não, não, não –, choramingou ele com ar de piedade. – O que fizeram com você, coração? O que
fize... isso é um animal morto? Ai, Jesus, Aaron, tem um animal morto no nosso carro. Eu vou vomitar.

Aaron se aproximou, inclinou-se para olhar o interior. Ele praguejou ao ver a cena que lhe
esperava e foi rápido em recuar. Dobrou o braço sobre o rosto escondendo o nariz enquanto dava
uma outra espiada no carro, em seguida, encarou Neil. Neil sabia o que viria antes que Aaron
baixasse o braço para falar.

– Você tinha que abrir a boca, não tinha?

– Sinto muito –, lamentou. – Pensei que ele viria para cima de mim. Não pensei que revidariam em
vocês.

– Claro –, disparou Aaron, maliciosamente. – Seth seria um caso isolado, então?

Neil se encolheu tanto que recuou um passo. Ele abriu a boca para argumentar, mas não
conseguiu se defender contra uma acusação como essa.

Acabou que nem precisou.

Ele não tinha percebido que os veteranos haviam se aproximado para dar uma olhada, entretanto,
Allison passou por Neil em um piscar de olhos e acertando um tapa em Aaron, forte o suficiente para
quase derrubá-lo. Ela daria outro, exceto que Andrew se moveu como um raio. Ele agarrou o pulso de
Allison, colocando o braço dela contra as costas e dando uma torção violenta para colocá-la de
joelhos. Quando ela caiu, a outra mão se aproximou e agarrou sua nuca. A pegada forçou a cabeça
dela para baixo, lhe impedindo de se levantar novamente. Allison tentou dizer alguma coisa,
conseguindo apenas um som estrangulado sob o aperto feroz.

Renee foi quase tão rápida; Talvez tivesse começado a se mover ao perceber que Allison estava
indo para atingir Aaron. Ela não perdeu seu tempo atacando Andrew, ela se jogou sobre a forma
caída de Allison. Ela colocou os braços ao redor de Allison, em conforto e apoio ou um aviso feroz
para ficar parada, e olhou para o rosto inexpressivo de Andrew.

Em algum lugar atrás deles alguém gritava “Who, Who”, ao notar a breve briga, porém cruel, no
entanto Neil estava mais ciente do insistente silêncio de Renee, – Andrew, é só a Allison. Tudo bem?
É só a Allison.

– Ela deixou de ser “só” alguém quando colocou a mão no que é meu –, disse Andrew. – Solte.

– Você sabe que eu não vou –, disparou Renee. – Você me disse para defendê-los.

– Você falhou –, replicou Andrew. – Deveria ter sido mais rápida.

– Porra, Andrew –, disse Matt, com uma ferocidade que parecia mais medo do que raiva. Matt
parecia que ficar parado estava o matando. Neil ficou feliz por esse autocontrole; não havia como
dizer o que Andrew faria se Matt o desafiasse agora.

Dan ficou pálida e congelada ao lado de Matt, seus olhos arregalados em Allison. Nicky estava
muito assustado para tomar partido de Andrew, então lentamente caiu de joelhos e deslizou a mão
pelo asfalto. Ele enrolou os dedos ao redor de Allison e apertou a mão dela. Neil olhou para Kevin,
que continuava como pedra, depois para Aaron. A expressão de Aaron estava dividida, uma mistura
pesada de indignação por Allison e medo do que seu irmão poderia fazer. Neil não sabia de que lado
ele estava, mas Neil não podia confiar nele para intervir.

– Andrew –, disse Renee. – A devolva para mim.

Eles estavam chamando muita atenção agora. Em algum momento, alguém interviria, uma vez
que as Raposas nada faziam, e Andrew reagiria a essa ameaça da pior maneira possível. Neil tinha,
talvez, dez segundos para fazer isso do jeito correto e não tinha ideia por onde começar. Andrew não
hesitaria em machucar Allison, então Neil não podia exatamente apelar para sua melhor natureza. Da
última vez em que Andrew esteve prestes a matar alguém, Neil usara Kevin como uma distração. Isso
não funcionaria desta vez, mas talvez – Neil hesitou, depois desistiu de pensar duas vezes.

– Já basta –, disse ele em alemão. Ele estava perto o suficiente para agarrar Andrew, mas Andrew
tinha avisado que não gostava de ser tocado. Ele estendeu a mão sobre a cabeça de Renee e esperou
que Andrew lhe desse um olhar interrogativo. Satisfeito por ter a atenção de Andrew, Neil repetiu: –
Já basta, Andrew.

– Não é você que decide isso.

– Se machucá-la, você vai nos desqualificar –, disse Neil. – O CRE não nos deixa jogar com oito
pessoas.

– Sua obstinação é tão repugnante, como sempre.

– Você prometeu –, insistiu Neil, esfregando aquela verdade na cara de Andrew. – Você disse que
pararia de renegá-los. Você disse que cooperaria, pelo menos até que nós destruíssemos os Corvos
nas finais. Você estava mentindo para mim?

– Não prometi nada disso.

– Você prometeu me proteger esse ano –, prosseguiu Neil, – e eu te disse onde queria chegar.
Nessa altura do campeonato é tudo a mesma coisa, queira você ou não. Então, vai me proteger ou
não? Andrew? – Neil insistiu, uma vez que Andrew não respondeu rapidamente. – Olhe para mim.

Os lábios de Andrew se contraíram violentamente, uma expressão reprimida a força, e ele


finalmente olhou para cima. A raiva embutida em seu olhar quase tirou o fôlego de Neil. O rápido
choque foi um raio de vitória. Andrew tinha voltado do Easthaven há quase duas semanas, e esse foi
o primeiro sinal de que havia algo real acontecendo por trás daquela máscara inexpressiva. Neil teria
preferido ver o verdadeiro Andrew em circunstâncias mais seguras, porém saber que ele poderia ser
alcançado era um alívio desesperado.

– Vá a merda –, disse Andrew.

A resposta afiada em sua voz fez todos os pelos nos braços de Neil ficar em pé. Neil sustentou o
olhar de Andrew, em silêncio, desafiado tamanha raiva voltar-se contra si, em vez de Allison.

– Vai ou não? – indagou Neil novamente.

– Também fiz uma promessa a ele –, disse Andrew. – Não vou quebrar essa promessa para manter
a sua.

Neil não entendeu, mas Aaron finalmente surpreendeu-se ao tomar um lado.

– Andrew, já che... – ele hesitou, e Neil desejou ousar em desviar o olhar de Andrew para analisar
a expressão de Aaron. Qualquer indício de raiva desaparecera da voz de Aaron; ele parecia quase
perdido. Andrew não olhou para ele, mas a leve inclinação de sua cabeça para Aaron dizia que ele
estava ouvindo. – Não, Andrew. Não. Está tudo bem. Eu estou bem. Nem doeu.

Neil guardou essa informação para perguntar mais tarde, com medo de já saber a resposta. Ele
esperava estar errado, porque se descobrisse que Aaron era realmente tão idiota, ele provavelmente
sufocaria sua vida de vez.

Andrew fitou Neil por outro momento interminável, então relaxou o aperto no pescoço de Allison,
deixando-a desmoronar, ofegante, caída no asfalto. Com a ameaça imediata fora do caminho, Neil
esperava retaliação vinda de Dan ou Matt. Ele estendeu a mão na direção deles para avisá-los,
apenas para o caso. Ele não poderia detê-los, se eles realmente quisessem passar por ele, mas,
felizmente, eles obedeceram a sua ordem silenciosa para permanecerem parados.

A seus pés, Renee sussurrou palavras tranquilizadoras abafadas contra o cabelo de Allison. A
resposta de Allison foi rouca demais para soar inteligível, mas deixou Renee ajudá-la a se levantar.
Renee a distanciou, guiando-a em direção a Dan e Matt. Eles foram rápidos em tomá-la em seus
braços, segurando-a entre eles.

Renee se afastou um pouco, formando uma barreira tranquila, porém, física, entre os veteranos e
Andrew. Neil arriscou um olhar para Aaron. Aaron olhava Andrew como se nunca o tivesse visto
antes.

Quando Dan teve certeza de que Allison estava bem, lançou em Andrew um olhar que deveria ter
arrancada a pele dele.

– Seu idiota. Você poderia ter a machucado seriamente!

– Você não tem o direito de fingir surpresa –, replicou Andrew. A fúria desaparecera de seus olhos;
sua expressão estava vazia novamente e seus ombros relaxados. Parecia entediado novamente, como
se nada tivesse acontecido ou importasse. – Já é a segunda vez em poucas semanas que um de vocês
se esquece. Deveriam ter aprendido a lição da primeira vez. Vocês não deveriam se ofender quando
instigam minha mão.

– Não vem...

Uma voz estrondosa cortou Dan.

– Mas que porra está acontecendo aqui?

O coração de Neil quase fez um buraco em suas costelas. Ele estava tão concentrado em Andrew
que não ouvira a abordagem de Wymack. Ele lançou um olhar sobre o ombro, mas teve que desviar o
olhar de raiva no rosto de Wymack. Wymack varreu a equipe em um olhar, e esperou que eles se
recuperassem do susto. Dan foi a primeira a encontrar sua voz novamente.

– Nada –, disse ela, uma mentira quentinha e óbvia. – Apenas repensando em todas as vezes que
defendemos nossa decisão de não recrutar os monstros.

– Hey –, protestou Nicky, muito desconfortável para parecer ofendido. Ele estremeceu quando Dan
o olhou com raiva, mas insistiu: – Andrew pode ter exagerado, mas ele tá certo. Ela quem começou.

– Nem venha querer justificar –, disse Matt. – Não se revida um tapa com o pescoço quebrado.

– De onde você vem, talvez não –, retrucou Andrew.

– O mundo real? – disse Matt, carregado de sarcasmo.

– Não –, respondeu Andrew, com calma, Neil não acreditou por um segundo. Andrew bateu seu
dedo indicador sobre os lábios duas vezes, alertando Matt para se calar, e apontou para ele. – Um
burguesinho como você nunca viu o mundo real. Não fale como se você entendesse.

– Chega –, disse Wymack, e estalou os dedos para os veteranos. – Onde vocês tinham estacionado?

Dan gesticulou por cima do ombro, irritada demais para responder em voz alta.

Wymack apontou com o polegar.

– Vão e esperem ao lado de seus carros. Eu estarei lá em dois segundos. Vão, eu já disse. – Ele
esperou até que eles se espremessem entre os carros voltando para seus veículos, em seguida,
lançou um olhar raivoso para Andrew. Seu olhar pousou em Neil por último. – Ninguém respondeu à
minha pergunta. Que porra está acontecendo aqui?

Não havia sentido em mentir quando os veteranos contariam tudo a Wymack, então Neil resumiu
tudo da maneira mais sucinta possível.
– Allison bateu em Aaron, então Andrew revidou.

Wymack fechou os olhos e apertou a ponte do seu nariz. Ele estava obviamente tentando não
atacá-los, não querendo reacender uma situação horrível, mas demorou uma eternidade antes que
ele soltasse a mão.

– Andrew, nós vamos falar sobre isso. Não, eu vou falar e você vai ouvir. Hoje, mas não agora.
Depois que o resto desse caos for resolvido. Entendeu? – Wymack deu há Andrew um minuto para
aceitar e depois disse: – Eu não ouvi você.

– Você vai falar, eu vou ouvir –, disse Andrew, e até mesmo Neil não tinha certeza se ele estava
concordando ou resumindo as exigências de Wymack.

– Vou vê-los –, disse Wymack. – Volto já. Quando eu voltar, vamos nos concentrar no verdadeiro
problema e no verdadeiro inimigo. Fui claro?

– Cristalino –, replicou Nicky, baixinho.

– Sim, treinador –, respondeu Neil.

Wymack foi embora, e Andrew esperou em silêncio por seu retorno. Neil olhou entre Andrew e
Aaron. Andrew, assim como Nicky, voltou sua atenção para o carro destroçado. Aaron ainda estava
olhando para Andrew, como se a resposta à criação do universo estivesse fora de alcance. Kevin tinha
ficado fora do caminho durante toda a briga, mas agora ele finalmente avançava e assumia um posto
ao lado de Andrew.

Wymack tinha ido embora por um tempo, mas finalmente tinha retornado para eles. Querendo
falar sobre outro assunto quando disse que colocaria a briga das Raposas em espera. Nada disse
sobre a violência de Andrew ou o estado de Allison. Em vez disso, deu uma longa olhada no carro de
Andrew e puxou um cigarro.

Andrew estendeu a mão, em expectativa, assim que foi aceso. Wymack entregou sem hesitação e
acendeu outro para si.

– Bem –, arfou Wymack, – pelo menos você atualizou sua apólice de seguro no ano passado.

– O bem que nos faz. – Nicky enfiou as mãos nos bolsos e chutou o para-choques torto do carro. –
Essa bagunça não pode ser consertada. Mesmo que arranquem e substituam todo o interior, eu não
vou conseguir entrar nele sem ter calafrios. Você viu a raposa morta, treinador? Eles colocaram um
animal morto no nosso carro. Ugh.

– Imundos –, reclamou Aaron.

Neil ficou perdido no momento em que reparou nos policiais. Eles estavam apenas a dois carros
distantes de Andrew agora. Neil não ficou tenso ao vê-los, mas foi uma coisa quase que semelhante.
Ele arrastou seu olhar para longe sem tentar ser óbvio, mas a vista não era muito boa na outra
direção.

– Câmeras, também –, sussurrou ele.

Momentos depois, a polícia isolou o estacionamento e repassou as informações para os


treinadores que chegaram. Duas vans da imprensa foram paradas do lado de fora da linha de
isolamento, e os repórteres tiraram fotos da cena sombria.

Os policiais foram até eles alguns minutos depois. Um dos agentes fez o percurso lentamente,
anotando o número da placa e, presumivelmente, anotando descrições dos danos externos. Em sua
segunda volta, ele tinha uma câmera consigo, e afastou as Raposas fora de seu caminho com uma
mão impaciente para que pudesse obter bons registros. O outro policial varreu-os com um olhar
cansado, com a caneta prontamente sobre seu bloco de notas, e perguntou:

– De quem é este carro?

– Nosso –, disse Nicky, levantando a mão. – Bom, tá no nome de Andrew, mas eu também estou na
apólice do seguro. Somos primos, veja. Nicky Hemmick e Andrew Minyard, quarto 317. Você precisa
de um documento ou qualquer coisa? Eu posso te dizer onde encontrar, porque eu realmente prefiro
não chegar perto. Olhe dentro do carro e você entenderá o porquê. Não, sério, não olhe lá dentro.

O policial deu uma olhada para o carro, mas não disse nada sobre seu estado deplorável. Neil
imaginou que ele tivesse parado de se importar com sessenta atletas irritados, horas atrás. Pois tudo
o que ele disse foi:

– Você viu ou ouviu algo incomum na noite passada ou hoje de manhã?

– Sexta à noite em um campus universitário –, disse Nicky com um encolher de ombro sincero. –
Nós ajustamos a rotina, se quisermos dormir. Além disso, o nosso quarto está virado para frente do
edifício.

– E você? – o policial perguntou a Aaron.

– Não –, respondeu Aaron.

O policial olhou para Andrew por último. Andrew olhou para trás num silêncio indiferente e deu
uma tragada lenta no cigarro. Nicky apenas deu a ele alguns segundos antes de responder por
Andrew.

– Nós descobrimos juntos. Renee nos acordou quando ouviu a notícia. Uh, Renee é nossa
companheira de equipe. – Nicky deu de ombros ao olhar que o policial deu a ele. – Sim, desculpe.
Andrew não fala com policiais. É uma longa história e completamente irrelevante. O que mais vocês
precisam saber?

O policial só tinha mais algumas perguntas, algumas das quais ele direcionou a Andrew, apesar do
aviso de Nicky, e o resto foi dividido entre Nicky e Aaron. Andrew parou de prestar atenção à coleta
de depoimentos e, em pouco tempo, deixou seu olhar vaguear. Nicky respondeu o questionário o mais
rápido que pôde e, ao final, os policiais seguiram em frente.

Alguns agentes de seguros apareceram no local para verificar em primeira mão a bagunça e
conversar com os atletas que fossem seus clientes. A mulher representante da agência de Andrew
parecia ter lido uma colinha, pois já chegara cumprimentando os primos pelos nomes e expressou
simpatia por passarem pela situação uma segunda vez. Enquanto ela tagarelava e tomava notas e
fotos, caminhões de reboque entraram em cena e começaram o lento processo de transportar todos
os carros para as lojas de reparos.

– Nós pagaremos a conta dos aluguéis de carros e vans por uma semana –, disse Wymack quando
ela correu para seu próximo cliente. – Vou pegar os dois que precisamos em alguma hora, hoje. Pode
levar um tempo até a loja procurar vocês –, ele apontou, indicando a enorme tarefa que os mecânicos
teriam, – então, me avisem assim que chegarem. Eu posso estender o prazo dos carros se for preciso.

– Sim, treinador –, disse Nicky.

– Esperariam alguns minutos? – perguntou Wymack e, ao aceno dos garotos, foi em busca do resto
de sua equipe.

Não havia muito que fazer, a não ser esperar. A polícia levou mais de uma hora verificando todos
os atletas e caminhões de reboque, tempo esse que causou um desgaste notável em sua carga de
trabalho. Wymack voltou quando os policiais terminaram de conversar com Allison e Matt.

Os veteranos vieram logo atrás dele, para a surpresa de Neil. Dan e Matt ainda pareciam um
pouco zangados, porém todos pareciam mais cansados do que qualquer outra coisa. Allison fez
questão de confrontar o olhar de Andrew, uma declaração silenciosa de desafio e destemor.

– Andrew e eu vamos pegar alguns lanches para todos –, avisou Wymack. – Alguma preferência?

Neil duvidou que alguém estivesse com fome depois de vagar pelo estacionamento fedorento
durante toda a manhã, mas ninguém recusaria comida de graça. Fizeram uma votação sem
entusiasmo e Andrew seguiu Wymack. As Raposas se entreolharam em um silêncio constrangedor.
Finalmente, Neil arriscou um olhar para Allison. Ele abriu a boca, precisando e querendo dizer o que
deveria ter dito meses atrás, mas durante todo esse tempo ele ainda não tinha as palavras certas.

– Obrigado –, Allison agradeceu rigidamente.

Era tão imérito que Neil logo disse:

– Eu sinto muito.

Foi terrivelmente inadequado, pelo o que ele acabara de despejar sobre ela, o que certamente
custaria a todos, mas era tudo o que ele tinha a dizer. O olhar que Allison lhe enviou dizia que ela
sabia pelo que ele estava tentando se desculpar. Ela torceu os lábios, como se não tivesse certeza da
resposta que deveria desperdiçar sobre ele. Antes que ela pudesse se decidir, Dan começou.

– Nós sabíamos que recrutando vocês teríamos problemas –, disse ela, olhando de Aaron para
Nicky. – Nós os aceitamos apesar dos rumores e das queixas porque acreditávamos em vocês. Nós os
defendemos, ficamos ao lado de vocês e perdoamos várias merdas que ninguém mais aturaria. Nós
tentamos ser seus companheiros de equipe, tentamos ser seus amigos, várias e várias vezes tentamos
nos aproximar. Mas tudo tem seu limite. Se vocês ultrapassarem isso novamente, está acabado. Vocês
não, não vão –, disse ela novamente com ênfase feroz, – machucar mais ninguém nesta equipe
novamente. Estamos entendidos?

A alegria característica de Nicky tinha desaparecido. Parecia quase derrotado quando olhou entre
Dan e Allison.

– Eu entendo, e você está certa, mas eu sinto muito. Eu não posso prometer nada. Andrew...
Andrew. Nós não conseguimos prevê-lo ou tão pouco controlá-lo.

– Ele consegue –, disse Matt, indicando o queixo para Neil. – Por que você não consegue?

– Menos instintos de sobrevivência? – Nicky tentou adivinhar, mas sua tentativa humorística
falhou.

– Mais –, Neil o corrigiu, sabendo que Nicky não entenderia.

Matt voltou-se para Neil, sua expressão era intensa.

– Nem Renee estava conseguindo convencê-lo. O que você disse para fazê-lo parar? Caso não
esteja por perto da próxima vez, alguém precisa saber como proceder.

Neil não conseguia explicar sem entrar em assuntos que não eram da conta deles.

– Não deixe que haja uma próxima vez.

– Neil, estou falando sério –, insistiu Matt.

Neil sacudiu a cabeça.

– Eu também.

– Allison –, disse Kevin. – Ele te machucou?

Allison conhecia Kevin muito bem para supor que ele estivesse preocupado com seu bem-estar.
Ela enviou-lhe um olhar descontente e não respondeu. Kevin interpretou o silêncio como bem quis e
enviou um olhar considerando Neil. Depois de um momento, ele estendeu a mão e cobriu a tatuagem
de Neil com o polegar. O resultado o fez franzir a cenho, não em desapontamento, mas em confusão,
e Kevin abaixou a mão novamente. Neil esperou, mas Kevin nada mais disse.

– Vamos entrar –, disse Dan, e as Raposas desanimadas marcharam para dentro.

Aaron, Kevin e Nicky desapareceram no quarto. Neil colocou uma mão entre a porta antes que
Nicky pudesse fechá-la atrás deles. As garotas seguiam Matt para seu quarto mais ao fundo, levando
apenas um momento para perceber que Neil não os seguia. Neil levantou um dedo prometendo que
ficaria bem e passou por Nicky. Nicky fechou e trancou assim que Neil estava seguro lá dentro.

Aaron caiu em um dos pufes e não se incomodou em olhar para cima quando Neil parou na sua
frente. Neil enfiou as mãos nos bolsos para não usá-las em Aaron e se agachou. Aaron torceu o lábio
para Neil, sem remorso e desafiador. Neil cerrou os punhos. Ele tentou contar até dez em sua cabeça,
mas só chegou a seis.

– Só diga que você não é tão idiota –, disse Neil.

– Este quarto não é seu –, disse Aaron. – Vaza.

– O que ele prometeu a você? – exigiu Neil, ignorando aquilo. – Ele não prometeu te manter
seguro. Porque se tivesse, ele não teria deixado Kevin ficar. Então, de que ele prometeu protegê-lo? –
Ele deu a Aaron um minuto para cooperar antes de adivinhar. – Ele mudou-se para sua casa e
descobriu que a sua mãe te batia. Ele disse que se você não pudesse se defender de uma mulher, ele
poderia defendê-lo. Não foi? Tudo que você tinha que fazer em troca era ficar com ele até a
formatura.

– Não interessa.

– É claro que é isso –, retrucou Neil. Aaron fez uma cara feia, mas desistiu de negar. – Você
sempre soube o motivo dele matar sua mãe. Por que me fez soletrar para você?

– Não –, argumentou Aaron imediatamente. – Isso não tem nada a ver comigo. Ele fez essa
promessa em sua segunda noite em casa com a gente, mas ele esperou cinco meses para matar nossa
mãe. Você não viu as marcas que ela deixou nele naquela noite, quando ela pensou que ele fosse eu.

– Andrew não se importava que ela o machucasse. Ele se importava que ela machucasse você. Só
demorou tanto tempo porque os “acidentes” levam tempo para se planejar.

– Você não sabe de nada.

– Claro que sei. Se você tivesse prestado atenção em como ele te tratou em Columbia –, disse
Neil. – Você saberia antes que eu o porquê dele ter feito aquilo com Allison. O único que pode parar
isso é você. Descubra o que você tem que fazer – o que você tem que perdoar – para ele te deixar em
paz.

Ele saiu batendo a porta atrás de si, mas ficou congelado no corredor, sabendo que não deveria
voltar para os veteranos em um humor como este. Não era a hora nem o lugar para isso, não com a
equipe já tão frágil, mas o temperamento de Neil nunca tivera um bom controle. Ele não sabia ao
certo com quem estava mais irritado: Aaron, por ser tão incrivelmente cego, ou consigo mesmo, por
não juntar as peças mais cedo. Por sinal, estar bravo com Nicky e Kevin por serem tão inúteis,
também não ajudou.

Ele não conseguia se acalmar, então, fez a única coisa que pôde: desceu as escadas para o andar
térreo e correu. Ele não estava pensando no estádio, mas ele inevitavelmente acabou lá. Ele largou
as chaves no banco de reserva assim que passou por este e correu sob os degraus do estádio. No
meio do percurso, ele finalmente havia esquecido seus pensamentos. Tinha parado de sentir, deixado
de ser "Neil", deixado de ser tudo, menos um corpo em movimento. Depois, voltou ao pátio interno.
Cada respiração ofegante parecia quente demais em seus pulmões tensos, no entanto Neil finalmente
se sentiu normal novamente.

Ele recolheu as chaves na saída e trancou-a atrás de si. Foi uma caminhada lenta de volta para a
Torre das Raposas e ele tomou as escadas para o terceiro andar. Matt estava no sofá em seu quarto,
Dan de um lado e Renee no outro. Allison estava em uma das mesas. Todos olharam para a porta
quando ele entrou e pelos olhares em seus rostos Neil teve a sensação de ter interrompido uma
conversa importante. Levantou uma mão a caminho do banheiro, um pedido de desculpas silencioso
pelo mau momento e uma promessa de que ele estaria fora do alcance da voz, no chuveiro por um
breve momento.

– O almoço está na geladeira –, disse Matt. – O treinador deixou lá enquanto esteve fora.

Neil tinha esquecido tudo.

– Valeu.
Ele abriu o armário para pegar roupas, mas hesitou ao ver o seu cofre. Ele se agachou para
passar os dedos sobre a fechadura, pensamentos girando a milhões de quilômetros por hora.
Indagou-se sobre a quantia que a companhia de seguros cobriria nos reparos dos carros de seus
companheiros de equipe. Mesmo que não cobrisse tudo, Allison e Matt tinham dinheiro suficiente
para pegar o resto. Os primos não tinham esse dinheiro, e o carro deles era quase tão caro quanto o
da Allison. Nicky já tinha previsto que eles teriam más notícias sobre esse assunto.

O arrastar de um sapato no carpete fino o distraiu. Ele se inclinou para trás, distanciando-se do
armário para olhar. Allison estava de pé na porta, expressão contida e braços cruzados em seu peito.

Neil ainda não sabia o que dizer a ela, mas tinha que tentar.

– Sinto muito. Ele não merecia.

Allison ficou em silêncio por uma eternidade, então disse:

– Você já se lamentou. Se tivéssemos o que queríamos, não seríamos Raposas. – Suas palavras
soaram insensíveis quando aplicadas à morte de Seth. Neil estremeceu, mas Allison deu de ombros e
desviou o olhar. – Talvez seja melhor assim. Se ele tivesse feito isso a si mesmo, eu viveria sabendo
que nunca tinha o convencido a nada. Pelo menos desta forma, há outra pessoa para levar a culpa.

– Andrew te contou sobre Riko?

– Soube desde quando aconteceu –, respondeu Allison. – O monstro passou pela casa da Abby
antes do funeral para me perguntar sobre o remédio do Seth. Ele me contou sua teoria para ter
certeza que eu voltaria a jogar.

Neil se lembrou de Allison voltando a jogar precocemente após a morte de Seth, e da forma como
Andrew parou ao seu lado no caminho para o gol. Ele achara suspeito: Andrew oferecer qualquer tipo
de apoio naquela época. Talvez Andrew estivesse lembrando-a de ficar furiosa.

Allison parou de falar com Neil por semanas após a overdose de Seth. Neil pensara que seu
distanciamento fosse por causa de sua dor. Ele encolheu seu ombro frio, inseguro, sem saber como se
aproximar dela com sua consciência pesada. Se ela sempre soubera a teoria de Andrew, então ela
sempre soubera a parcialidade de culpa que Neil tinha. Talvez fosse por isso que Andrew se
envolvera: ele já tinha tomado Neil sob sua proteção até então, no entanto, ainda precisava ter
certeza de que Allison não seria um problema para eles.

Em alguma parte ao longo do caminho, ela havia o perdoado e Neil nem tinha percebido.

– Eu deveria ter dito algo mais cedo. Eu só não... – Neil gesticulou, impotente, perdido e se
sentido horrível. – Eu não sei como falar com as pessoas sobre coisas importantes.

– Nós percebemos. – Allison deu de ombros como se não fosse grande coisa, quando ambos
sabiam que era. – Você é um verdadeiro figurão. Um dia desses, você vai ter que me contar a razão.

Ela voltou para a sala, deixando Neil sozinho com seus pensamentos e segredos.
CAPÍTULO SETE

Neil estava prestes a sair de seu quarto após o banho quando seu celular tocou. Ele apalpou seus
bolsos, encontrou-os vazios e desenterrou o celular debaixo do travesseiro. Duas mensagens estavam
à sua espera, uma de Nicky de quase uma hora atrás e a mais recente de Katelyn. Katelyn estava um
desespero só – “O que aconteceu???” – que Neil nem perdeu seu tempo respondendo.

A de Nicky era um aviso de que Andrew estava de volta. Parecia um tanto redundante, uma vez
que, se Wymack tinha trazido comida, era óbvio que ele também tinha deixado Andrew. Conhecendo
Nicky, era um apelo velado para Neil se envolver e assim ter certeza de que tudo estava bem. Neil
enfiou o telefone no bolso de trás e saiu do quarto sem dizer nada a ninguém. Nicky atendeu sua
batida na porta em questão segundos e nem precisou perguntar o porquê de Neil estar lá.

– Ele pegou uma garrafa e saiu de novo –, disse Nicky. – Não sei onde ele foi.

Não havia muito onde Andrew poderia ir com uma garrafa na mão e sem carro.

– Saiu com o treinador?

– Acho que não –, disse Nicky. – Aaron saiu, também, logo depois de você.

Neil não ligava para o que Aaron fazia. Ele acenou com a cabeça e foi embora, e Nicky não ligou
depois disso. Neil subiu as escadas até o telhado e lutou contra a maçaneta do jeito que tinha visto
Andrew destrancá-la. Só precisou de algumas tentativas para abri-la, e abriu caminho pelo telhado
ventoso.

Andrew estava sentado na parte de trás do telhado desta vez. Segurando a vodka entre os joelhos,
parecia vazio, mas Neil viu a luz do sol brilhar em um pouco de líquido enquanto se dirigia até
Andrew. Neil acalmou as batidas instintivas de seu coração ao ficar tão perto da borda, e se esforçou
a chegar a um ponto fora do alcance de Andrew.

Ele olhou para as ruínas do estacionamento. Ainda havia uma dúzia de carros e uma equipe já
limpava o asfalto. A polícia fora embora, deixando uma das equipes da segurança do campus para
supervisionar, e a imprensa tinha desaparecido.

Andrew jogou seu maço de cigarros para Neil.

– Me dê uma boa razão para eu não empurrá-lo daqui.

Neil puxou um cigarro e acendeu.

– Eu arrasto você comigo. É uma longa queda até lá embaixo.

– Eu te odeio –, disse Andrew, mas difícil de acreditar quando parecia tão entediado com a ideia.
Andrew tomou um gole da garrafa e limpou a boca com o polegar. O olhar que ele virou a Neil não
parecia impressionado e indiferente. – Noventa por cento do tempo, a sua simples visão me faz
querer cometer homicídio. Eu penso em arrancar a pele do seu corpo e pendurá-la como um aviso
para todos os outros idiotas que pensam que podem ficar no meu caminho.

– E os outros dez? – indagou Neil.

Andrew ignorou isso.

– Eu avisei para não tentar colocar uma coleira em mim.

– Não tentei nada –, se defendeu Neil. – Você colocou a tal coleira em si mesmo quando me disse
para ficar, não importava as consequências. Não fique bravo comigo só porque fui inteligente o
bastante para entender o outro lado da história.

– Se você me reprimir de novo, eu vou te matar.


– Talvez quando o ano acabar, você vá –, disse Neil. – Agora não há muito que você possa fazer
sobre isso, então não perca nosso tempo me ameaçando.

– Não acho que seja por dinheiro –, disse Andrew, e se estabeleceu no olhar questionador de Neil.
– Por que eles perseguiram você por tanto tempo? Imagino que em algum momento eles perceberam
que era muito mais importante feri-lo do que recuperar qualquer coisa que tenham perdido.

– Então você revida, mesmo assim não vai me atingir.

Andrew apagou o cigarro aceso entre eles.

– O momento está se aproximando rapidamente.

Neil estudou seu rosto, procurando um indício da raiva insondável anterior e não encontrou nada.
Apesar das palavras hostis de Andrew, sua expressão e tom eram calmos. Ele dissera tais coisas como
se não significassem nada para ele. Neil não sabia se era um disfarce ou a verdade. Andrew estava
escondendo aquela raiva de Neil ou de si mesmo? Talvez o monstro tenha sido enterrado onde
nenhum deles o encontraria, até Neil cruzar outro limite imperdoável.

– Que bom –, disse Neil longamente. Cutucar a onça com vara curta parecia uma boa maneira de
morrer uma morte dolorosa, exceto que Neil estaria morto antes do prazo de proteção de Andrew se
esgotar. – Quero ver você perder o controle.

Andrew ficou imóvel com a mão a meio caminho da garrafa de vodka.

– Ano passado você queria viver. Agora parece que está determinado a ser morto. Se eu tivesse a
fim de conversar com você agora, eu perguntaria o porquê da mudança de atitude. Desse jeito, já tive
o suficiente da sua burrice para durar uma semana. Agora, volte para dentro e incomode os outros.

Neil fingiu confusão enquanto se levantava.

– Estou te incomodando?

– Além da conta.

– Interessante –, disse Neil. – Na semana passada nada o abalava.

Andrew não gastou saliva revidando, mas Neil contou como uma vitória. Ele jogou o cigarro ao
vento e voltou para dentro sozinho. Desceu as escadas para o terceiro andar, mas não conseguiu mais
do que alguns passos antes do elevador abrir ao final do corredor. Olhar para trás foi instintivo. Neil
teve um segundo para reconhecer Aaron e outro segundo para captar a fúria em seu rosto. Então,
Aaron o atingiu como um trem em alta velocidade e o esmagou contra a parede.

Neil percebeu de relance um golpe em seu rosto e um soco mais forte na boca antes de empurrar
Aaron para longe de si. Neil conseguiu um golpe certeiro no estômago de Aaron quando o mesmo
saltou sobre ele novamente, e, então, mãos pesadas os apartaram um do outro. Neil lançou um rápido
olhar em torno da intervenção. A luta tinha atraído uma rápida multidão dos quartos mais próximos.
Neil sabia que esses rostos passavam por ele vezes suficientes no corredor e nas escadas; ele gravara
seus nomes e equipes, apesar de seus melhores esforços para não aprender nada sobre essas
pessoas.

Aaron fez uma tentativa violenta de se soltar, então resolveu fitá-lo ameaçadoramente do outro
lado do corredor. Neil testou seus próprios limites, achou-os igualmente imperdoáveis, e cutucou o
interior de sua boca com a língua. Mordera a bochecha quando Aaron o socou e o primeiro golpe não
foi suficiente para livrar-se do gosto de sangue.

– Acalmem-se –, avisou Ricky, com as mãos estendidas em direção a ambos. – Já temos problemas
suficientes para lidar agora, sem confusão.

– Estamos tranquilos –, disse Neil.

Aaron não tinha interesse em outras pessoas se intrometendo em seus problemas pessoais, então
Neil esperava que ele entrasse no “jogo” até que estivessem sozinhos. Ele havia subestimado a fúria
de Aaron. Em vez de esperar pela privacidade, Aaron cuspiu em alemão furioso.
– Vá se foder! Que merda você disse a ela?

O tom ríspido – e estrangeiro – pegou os outros atletas desprevenidos, dando a Neil tempo
suficiente para responder. Havia apenas um "ela" que poderia deixar Aaron irritado. Neil se
arrependeu de não responder a mensagem de Katelyn, mas ele apenas deu de ombros, em
indiferença, a Aaron.

– Por que, ela finalmente tomou uma decisão? O que aconteceu, você apareceu na porta dela para
choramingar pelo carro e recebeu um ultimato em resposta?

– Você sabe muito bem!

– Ei –, disse Ricky. – Acalmem-se, já avisei.

Neil o ignorou.

– Disse a ela para tomar uma posição. Nem sequer voltei para perguntar se ela tinha encontrado
convicção. Se vale de alguma coisa, eu fiz isso antes de descobrir o quão específica era a promessa
de Andrew. Poderia ter sido um pouco mais atencioso se soubesse o quão burro você era.

– Você não tinha o direito de envolvê-la nisso!

As portas do dormitório não eram feitas para serem à prova de som, e o alemão estridente
finalmente chamou a atenção das Raposas. Nicky foi o primeiro a sair no corredor, e os veteranos não
estavam tão longe dele. Jogadores de futebol se afastaram para deixá-los se aproximar, no entanto,
Dan e Matt se detiveram para assistir. Neil esperava um sermão, mas Dan olhou de um para o outro e
nada disse. Neil não sabia se ela estava surpresa por eles fazerem tal espetáculo para tentar intervir,
ou se ela ainda estava com raiva de Aaron por seja lá qual papel ele desempenhara na agressão
contra Allison.

Nicky chegou o mais perto possível de Aaron e lançou um olhar confuso para Neil.

– Posso saber? – perguntou ele em alemão.

Aaron fez outra tentativa hostil de se libertar. Desta vez, Amal o soltou, embora continuasse com
as mãos sobre ele, para o caso de Aaron ir atrás de Neil novamente. Aaron recuou meio passo, em
vez de atacar novamente, como se não pudesse suportar a presença de Neil.

– Katelyn se recusa a me ver ou falar comigo até que Andrew e eu tenhamos sessões de
aconselhamento.

Nicky ficou de queixo caído, só que pareceu mais admirador do que qualquer coisa.

– Caramba, Neil.

Aaron fitou-lhe intensamente.

– Não ouse ficar do lado dele.

– Por que não? – indagou Nicky. – Até parece que você me deixa alguma opção.

Aaron empurrou Nicky de seu caminho e partiu ferozmente para seu quarto. Nicky fez uma careta
sarcástica para Neil e se foi logo atrás dele. Kevin estava parado na porta, mas saiu no corredor para
deixá-los passar. Ele não entendera uma vírgula do que eles disseram, mas o duro puxão de sua boca
mostrava descontentamento. Neil olhou para ele, tentando silenciosamente transmitir o quão pouco
se importava com o mau humor de Kevin.

Dan gesticulou para os atletas que seguravam Neil.

– Valeu. Vamos ficar de olho neles.

Neil foi liberado sob sua tutela e a pequena multidão se dispersou lentamente. Dan gesticulou
para Neil passar a frente, então ele foi para o seu quarto com Matt e Dan em seu encalço. Renee e
Allison ainda estavam lá dentro, e observaram o retorno de Neil com interesse.
Neil não estava com fome, mas comer lhe ocuparia um pouco. Também, o tornaria mais fácil de
ser encurralado. Dan apoiou seu quadril contra o balcão e o observou vasculhar a geladeira. Ela
estava tentando pressioná-lo, Neil pensou, mas Neil não seria o primeiro a falar. Colocou o recipiente
de comida no microondas, olhou os minutos no visor e voltou-se para o olhar pesado da garota. Dan
administrou seu tratamento silencioso somente até o temporizador apagar.

– Vamos conversar sobre o que aconteceu? –, perguntou ela.

– É melhor evitar Aaron por alguns dias.

– Já estava nos planos –, disse Dan. – Que diabos está acontecendo?

– Eu estou fazendo o que você me pediu para fazer –, disse Neil. – Estou juntando eles.

– Não foi o que pareceu.

Neil deu de ombros, mexeu o macarrão e reiniciou o temporizador.

– Quando ossos fraturados não calcificam perfeitamente, você não tem escolha a não ser quebrá-
los. Eles vão ficar bem.

Matt inclinou-se de ombro contra o batente da porta e arqueou uma sobrancelha para Neil.

– Não foi exatamente tranquilizador. Vindo de você, “Bem” poderia significar qualquer coisa,
desde “Vou atravessar o estado pedindo carona” até “Fui espancado como uma mulher de malandro,
mas ainda consigo segurar uma raquete”.

– Você apostou neles? – perguntou Neil. Ao perceber que Matt não conseguia seguir sua linha de
raciocínio, acrescentou: – Aaron e Katelyn.

– Todos, exceto Andrew, apostaram neles –, confirmou Matt. – Não foi questão de eles
combinarem. Foi questão de “quando ficariam”.

Neil considerou a informação.

– Então eles vão ficar bem.

Dan não pareceu convencida, mas o deixou comer em paz e puxou Matt junto com ela. Neil passou
o resto da tarde encarando seus livros, em vez de fazer qualquer trabalho. O jantar fora entregue no
quarto, porque Allison não queria ver ninguém no refeitório; a refeição foi seguida por complexos
jogos de cartas e muita bebida.

Dan, Matt e Allison jogaram como se a única maneira de vencer fosse: o primeiro a ficar de porre.
Allison foi a primeira, mas Matt e Dan não duraram muito. Allison logo reivindicou o sofá, então Dan
e Matt tropeçaram em direção ao quarto para dividirem a cama de Matt. Neil arrumou a bagunça
que tinham feito na sala de estar, enquanto isso, Renee pegava um cobertor extra do quarto das
meninas. Ela estava de volta a tempo de limpar o resto do lixo. Os dois lavaram copos lado a lado na
cozinha, estavam terminando quando Renee disse:

– Obrigado –, começou ela, – por detê-lo quando não consegui.

Neil a olhou.

– Ele pediu para você protegê-los?

Renee assentiu com a cabeça.

– Kevin contou ao Andrew a verdade sobre os Moriyamas primeiro. Andrew sabia que deixando
Kevin ficar poderia gerar graves consequências para o resto de nós. Ele estava disposto a proteger os
seus – sua panelinha – contra reações adversas, mas não deu importância o suficiente para a
segurança do resto de nós. Em vez disso, ele me incumbiu dessa responsabilidade. – Ela inclinou a
cabeça para indicar seus amigos dormindo e segurou um copo para observá-lo. – Uma das primeiras
coisas que perguntei a ele em junho foi sobre quem ficaria responsável por você. Ele disse que
saberia depois de uma noite em Columbia.
Neil pegou o copo de volta e deu-lhe uma segunda esfregada.

– Agora ele deve estar arrependido de ter me escolhido, tenho certeza.

– Andrew não acredita em arrependimentos; ele diz que o arrependimento é fundamentado na


vergonha e culpa, nenhum dos quais serve para qualquer propósito real. Dito isto, em algum
momento eu tentei tirá-lo das mãos dele. – Quando Neil a fitou pela surpresa, Renee afetou um olhar
inocente que, pela primeira vez, não pareceu inteiramente convincente. – Andrew recusou a
proposta, alegando que não desejaria você a ninguém, exceto a um agente funerário.

– Rainha do drama –, murmurou Neil.

Renee deu uma risadinha silenciosa e trocou com ele a toalha de mão pelo copo. Neil secou as
mãos e devolveu. Renee pendurou a toalha no puxador da geladeira e saiu da cozinha para avaliar a
sala.

– Vai ficar tranquilo aqui? – Renee perguntou.

Neil inclinou a cabeça para um lado, tentando ouvir ruídos vindos do quarto e ouviu apenas o
silêncio.

– Estou bem.

Ele a assistiu sair, trancar a porta e foi para a cama.

A manhã surgiu cedo demais e trazendo com ela mais más notícias. Wymack ligou cedo para
avisá-los de que o campus estava vandalizado. Tinta preta cobria os prédios e calçadas, escorrendo o
líquido viscoso, e a lagoa fora tingida de vermelho brilhante. Pichações grosseiras manchavam as
alvas paredes exteriores do estádio Foxhole. Wymack não queria que a equipe parasse para ver,
também não queria que eles ouvissem sobre isso por meios de outros. O departamento de reparos já
trabalhava, na tentativa de restaurar tudo tão rapidamente dentro do possível. Wymack ameaçou
retalhar a segurança do campus assim que atendeu ao telefone.

A segunda onda de vandalismo fez a imprensa voltar correndo e um repórter finalmente chegou
perto o suficiente de Wymack para colocar um microfone em seu rosto. Wymack era muito esperto
para atacar os Corvos, então se contentou em atacar os fãs.

– Acho tudo isso ridículo –, disse ele. – Que bem esses covardes acham que estão fazendo nos
atacando dessa forma? Tudo o que eles estão fazendo é ganhar atenção negativa e publicidade para
esse time que eles estão tentando defender. Já passou da hora dos Corvos se pronunciarem.

O presidente da Edgar Allan, Louis Andritch, respondeu dentro de uma hora e fez um apelo
obrigatório aos torcedores dos Corvos para cessar tal comportamento "indisciplinado". Tetsuji
Moriyama deu uma declaração mais dura logo depois, condenando os ataques como insultuosos e
desnecessários. Soou suspeitamente convincente, até Moriyama terminar com:

– Não se adestra um cão castigando um dia depois. Não é muito inteligente correlacionar ação e
punição. Você tem que discipliná-lo no momento em que se comporta mal. Deixe-nos corrigi-los na
quadra.

Dan ficou enfurecida o resto do dia, mas o apelo de Moriyama chegou até os torcedores. Segunda-
feira amanheceu sem novos incidentes. Neil quase se arrependeu, porque sem distrações externas a
equipe estava livre para se concentrar em seus problemas internos novamente. Dan e Matt
conversaram com Neil, mas ignoraram o resto do grupo de Andrew.

Allison agiu como se nada tivesse acontecido, porém ficou visivelmente fora do alcance de
Andrew. Aaron nem olhou na direção de Neil e não falou com ninguém, incluindo Nicky. Neil
esperava seu protesto quando pegasse carona com eles para praticar, mas talvez Aaron estivesse
tentando manter Andrew fora da briga pelo maior tempo possível.

Kevin reclamou da discórdia desenfreada durante quarenta minutos do treino vespertino, em


seguida, desistiu de repreender seus companheiros e contornou Neil para dizer:

– Se nosso jogo for para o lixo por você não conseguir manter essa boca fechada... – ele não
terminou a ameaça, supondo que Neil poderia preencher o espaço em branco sozinho. Sua expressão
enfureceu-se quando Neil acenou para ele em rejeição. – Não é hora para o seu chilique. Pare de
causar problemas desnecessários antes de arruinar qualquer outra coisa.

Neil ponderou todas as respostas possíveis e se estabeleceu na mais simples:

– Vá se foder.

Kevin o empurrou como se pudesse enfiar juízo na cabeça dele. Neil o empurrou de volta com
toda força, jogando Kevin contra Matt. Felizmente, Matt estava observando a breve discussão. O
garoto cambaleou com o peso repentino de Kevin, mas não caiu, o agarrando para impedi-lo de ir
atrás de Neil. Neil apontou sua raquete para Kevin em ameaça e caminhou para a meia área. Ele
sabia que Kevin tentara segui-lo, porque ouviu o alerta feroz de Matt para parar com isso. Quando
Neil chegou à linha da meia área, Dan já tinha se envolvido. Demorou vários minutos de ameaças
calorosas para acalmar Kevin, mas a paz questionável só instalou-se quando Kevin e Neil recorreram
a ignorar um ao outro.

Assim que foram liberados para um intervalo, Neil foi ao vestiário para se hidratar. Wymack o
seguiu, ficando no meio da porta dos fundos. Colocou as mãos nos quadris e olhou para Neil do outro
lado da sala.

– Estou realmente interessado em saber como isso passou de uma disputa entre nós e eles –
Corvos – para uma guerra generalizada –, disse Wymack. – Opiniões alheias dizem que a culpa é sua.
Isso é verdade?

– Eu tinha boas intenções –, respondeu Neil.

– Pouco me importa sobre quais eram suas intenções –, esclareceu Wymack. – Não podemos nos
dar ao luxo de perder o jogo de sexta-feira, não depois do que eles fizeram com a gente e
especialmente depois da declaração do treinador Moriyama. Não sei se você notou, mas nós não
estamos exatamente em condições de ganhar agora.

– Eu sei –, replicou Neil. – Desculpe pelo tempo perdido causado esse climão, mas não me
arrependo de nada do que disse.

– Não quero suas desculpas. Quero que isso seja corrigido o quanto antes – Wymack deixou claro.

– Sim, treinador.

Neil partiu em direção a porta, para retornar ao pátio interno, mas Wymack colocou um braço
para impedi-lo:

– Falando em tempo, como anda seu relógio biológico? Conseguiu redefinir um novo cronograma?

– Não tanto quanto todos eles conseguiram –, respondeu Neil. – Não estou sozinho o suficiente
para me perder.

– Ótimo –, disse Wymack. – Agora vamos lá. Vamos ver se conseguimos salvar essa bagunça.

Neil o seguiu de volta ao pátio interno. Seus companheiros de equipe tinham se dispersado em
sua curta ausência. Matt, Dan e Allison sentados em um dos bancos das Volpinas. Kevin estava
sozinho perto do muro de acrílico com a prancheta de Wymack em mãos, vasculhando as observações
do dia. Nicky sentou-se nos degraus que levavam para as arquibancadas e Neil avistou Aaron cerca
de vinte fileiras acima. Andrew e Renee faziam suas voltas habituais em torno do pátio interno e não
tinham ido muito longe.

Neil não queria lidar com ninguém ainda, então correu atrás dos goleiros. Renee lhe avistou
quando eles contornaram a primeira curva e fez sinal para Andrew esperar. Neil tinha desculpas
prontas se perguntassem por que ele estava invadindo seu espaço, mas Renee saudou sua chegada
com um sorriso brilhante e Andrew o aceitou com um olhar indiferente. Eles partiram novamente em
um ritmo lento, logo que Neil os alcançou.

Neil indagou-se sobre o que os dois falavam quando estavam longe de todos os outros. A última
coisa que ele esperava era que estivessem discutindo Exy. Renee queria mudar os turnos que eles
revezaram, pois agora Andrew não estava limitado por sua abstinência. Seus adversários ficariam
mais desafiadores a cada semana e Andrew era o goleiro mais forte. Ela queria que ele compensasse
no segundo tempo, quando seus companheiros ficassem mais cansados. Andrew aceitou sua sugestão
sem discutir e Renee seguiu a diante.

O que começara como uma conversa normal rapidamente fugiu do controle, e Neil não tinha ideia
de como eles fugiram do assunto sobre as construções mais distantes do campus para chegar ao
provável estopim para a terceira guerra mundial. Tinha de haver uma correlação entre os dois, mas
por mais que ele se esforçasse, não conseguia encontrar um. Porventura, ele desistiu, porque tentar
entender o salto de raciocínio significava que ele não conseguia realmente ouvir os seus argumentos.
Renee esperava que o estopim fosse os recursos naturais, em particular, a escassez de água,
enquanto Andrew estava convencido de que o governo americano se envolveria em um conflito
errado e desempenharia uma retaliação cruel. Não havia tempo suficiente para que um deles
vencesse o outro, e já que Neil não faria o desempate, eles deixaram o debate para outro dia.

Wymack chamou sua equipe para o banco para reiniciar o treino com uma conversa empolgada e
estimulante. Primeiro conversou com os veteranos. Quando os jogou na quadra para treinar, Dan
engoliu seu ressentimento o suficiente para puxar Aaron e Nicky de lado. Ela e Matt tinham algumas
ideias para os defensores tentarem, então eles fizeram uma reunião improvisada na linha do
primeiro-quarto. Aaron só ouviu por obrigação, sem olhar para Dan e sem dizer nada.

Terça-feira foi fracionariamente melhor, e isso apenas porque o grupo de Dan estava fazendo um
esforço ativo para serem cordiais com todos. Aaron foi duro quanto a tal atuação, Nicky agarrou-se
desesperadamente a qualquer indício de calor humano que pudesse sentir, e Andrew era a
indiferença habitual.

Kevin passou uma hora cuspindo rancor sob os primos, em seguida, dirigiu toda a sua energia
furiosa em chibatar os veteranos em forma. Poupou apenas algumas palavras cáusticas para Neil,
que não desperdiçou saliva retrucando Kevin.

Quando Wymack dispensou-os para uma pausa, Andrew imediatamente partiu contornando a
parede da quadra. Renee olhou para o Neil. Neil não tinha certeza se era um convite até voltar-se
para ela, e assim, recebendo um sorriso de aprovação. Ele estava ciente de que estavam atraindo a
atenção quando partiram atrás de Andrew, mas Neil não olhou diretamente para ninguém. Havia uma
boa chance de os outros não o quererem saindo com os goleiros, e não era porque ele e Kevin ainda
estavam brigados. As Raposas desconfiavam da amizade entre Andrew e Renee, mas havia mais de
trezentos dólares no pote de um possível relacionamento em andamento.

Neil era a distração entre Andrew e Renee.

Neil não nutria tais ilusões sobre as chances de Renee. Além disso, Renee fez um ótimo trabalho
se distraindo. Ela desaparecia das conversas várias vezes para verificar o seu celular e enviar
mensagens rápidas.

Aparentemente, Neil os pegou com um pouco de bom humor, porque eles planejavam rotas de
fuga e paradas críticas para abastecer suprimentos em caso de uma invasão zumbi. Sobreviver em
fuga era o forte de Neil e, embora fosse um cenário ridículo, era interessante ver suas prioridades
em comparação às deles. Renee salientou a importância de coletar sobreviventes, que Andrew
rebateu imediatamente.

– Você não voltaria por ninguém? – perguntou Renee.

Andrew mostrou a mão.

– Posso contá-los nos dedos.

– Eu acho que o treinador seria necessário em um confronto –, disse Renee quando eles passaram
pelos bancos novamente. Wymack os encarou, ouvindo o seu nome, mas só precisou de um segundo
para perceber que não estavam falando com ele. – Ele tem posse de armas, também.
– Ele vendeu a arma quando eu ficava invadindo seu apartamento –, disse Andrew.

– E a Abby?

– Que utilidade ela teria? – perguntou Andrew. – Não se pode enfaixar uma mordida de zumbi e
ela não nos deixaria executar os infectados. Se bem que o treinador não a deixaria sair de perto dele.
Então, deixe eu mantê-la segura o quanto puder.

Renee admitiu o ponto de vista com um aceno de cabeça e a conversa mudou-se para ideias
menos loucas. Isto ficou a parte Neil, no entanto, e ele ficou absorto no assunto seguinte. Ele se
perguntou o que faria se uma invasão realmente acontecesse. Neil estava acostumado a cortar todos
os laços e bater em retirada. Havia grandes chances de que seria instintivo abandonar todos se os
mortos-vivos tivessem aparência voraz. Não era exatamente uma concepção edificante, mas Neil
poderia aceitar as duras verdades sobre si mesmo.

– Ah –, arfou Renee, verificando sua nova mensagem. – Com licença.

Ela se afastou deles e subiu as escadas, telefone já em seu ouvido. Andrew deslizou o olhar para
Neil enquanto continuaram sem ela.

– Jean –, disse ele. – Se importa em explicar isso?

– Não sabia que Kevin passaria o número dela –, disse Neil, olhando por cima do ombro. Renee
não foi longe, apenas subiu algumas fileiras onde poderia fazer a ligação em relativa privacidade.
Andrew nada disse, então Neil deu de ombros. – Ele parecia interessado nela quando vimos os
Corvos no banquete. Espero que ela possa enfraquecer sua lealdade cega. – Neil pensou sobre isso
um momento a mais, então disse: – Talvez seja por isso que Matt parou de apostar em vocês dois?

Andrew não respondeu e eles terminaram a volta em silêncio.

Como a terapia semanal de Andrew não era mais obrigatória e as Raposas só tinham dois
transportes, Andrew pulou sua sessão de quarta-feira à tarde com Dobson. Neil lembrou que ele não
tinha falado com Andrew sobre sua apólice de seguro ainda e fez uma nota mental para puxar
Andrew de lado em algum momento. Ele pensou que poderia esgueirar-se agora, mas a conversa de
Renee nunca terminava enquanto eles passavam pelos bancos e Neil não conseguiria exatamente
conter o nome de Renee ao falar. Sua chance não veio até que eles estavam de volta à Torre das
Raposas.

– Andrew –, disse ele, assim que saíram do carro alugado. Nicky fez uma parada e enviou-lhe um
olhar curioso. Kevin e Aaron não esperaram, porém seguiram os veteranos até o dormitório. Neil
gesticulou com a cabeça para Nicky e, quando essa despedida sutil não funcionou, disse: – Nós
estaremos de volta em um minuto. Fique de olho neles.

Nicky fez cara feia e se afastou.

– Mais fácil falar do que fazer.

Neil assistiu até que o último das Raposas entrou, então examinou o estacionamento com um
lento olhar. A universidade tinha feito um bom trabalho de colocar o lugar de volta à ordem; o único
sinal de que algo ruim acontecera era que havia menos carros do que o normal. A presença de
algumas caminhonetes e SUVs mostrava que alguns atletas já tinham começado a receber seus
veículos, mas pelo menos metades dos carros não pareciam familiares.

– Você já teve retorno da loja? – perguntou Neil, deslizando sua atenção de volta para Andrew. –
Matt recebeu uma ligação esta manhã dizendo que sua caminhonete estaria pronta para ser retirada
amanhã. Allison deve ter o seu no sábado de manhã. Eles conseguiram consertar o seu?

Andrew abriu seu celular, apertou alguns botões e entregou-o. Neil esperou, iludido, até o correio
de voz começou a soar no alto-falante. Uma voz mecânica anunciou a data de terça-feira e uma
mensagem em seguida. O dano era ainda mais extenso do que parecia; o lixo na parte de trás
escondera o que a torcida dos Corvos fizeram nos acolchoados do banco traseiro e nenhum deles
tinha olhado no porta-malas antes do carro ser rebocado. A loja de reparos queria que Andrew
retornasse para falar sobre suas opções e discutir o que seria preciso para restaurar o carro a sua
antiga glória.

Andrew levantou o porta-malas do carro alugado, sentou-se e tirou um maço de cigarros do bolso.
Acendeu dois e trocou um por seu telefone que estava com Neil. Neil formou uma concha com as
mãos em torno do seu, protegendo da brisa. Ele estudou a expressão de Andrew enquanto o mesmo
distanciava seu celular e cigarros, porém Andrew não demonstrou qualquer sinal de estar
incomodado com a má notícia.

– Você vai ter que substituí-lo –, adivinhou Neil. – Se o seguro não cobrir a substituição, pode
cobrar a diferença de mim. Você sabe que eu tenho o suficiente para isso.

Andrew deslizou-lhe um olhar frio.

– Não estou interessado na sua caridade.

– Não é caridade –, replicou Neil. – É vingança. Nem é meu em primeiro lugar, lembra? Eu contei
a você que o meu pai o roubou dos Moriyamas. Se você pegar um pouco para o seu carro, estará
fazendo Riko substituir o que seus fãs destruíram.

– Apenas os fracos se motivam com a vingança –, disse Andrew.

– Se você acreditasse nisso não estaria planejando matar o Proust.

O nome do médico ainda tinha sabor ácido, queimando a língua e garganta de Neil, mas não foi
suficiente para colocar qualquer indignação na tranquila expressão de Andrew. Andrew, por outro
lado, o fitou em silêncio pelo que pareceu uma eternidade, em seguida, apoiou o cigarro entre os
lábios e acenou para Neil se aproximar. Neil tinha certeza que Andrew lhe ameaçaria com uma faca,
por citar Proust novamente, mas obedientemente preencheu o curto espaço entre eles. Andrew
segurou a nuca de Neil com força o impedindo de recuar. Puxou a cabeça de Neil em sua direção e
soprou fumaça em seu rosto.

– Não é vingança –, disse Andrew. – Eu o avisei do que faria caso ele me tocasse. Este sou eu
mantendo minha palavra.

Ele esperou um momento para ter certeza de que Neil tinha entendido, então o soltou. Ao levar o
cigarro à boca novamente, Neil arrancou-o de sua mão. Neil quebrou entre os dedos e deixou cair no
asfalto a seus pés. Andrew observou os pedaços se afastarem e deslizou um olhar impressionado a
Neil.

– Noventa e um por cento –, disse Andrew.

– Apenas pegue o dinheiro –, insistiu Neil. – Você comprou o último carro com a morte de alguém.
Você pode comprar um novo com a vida de alguém... a minha vida. Aquele dinheiro compraria minha
nova identidade quando eu fugisse daqui. Graças a você, não preciso mais dele.

– Sua vida tem um preço que você já está pagando –, lembrou Andrew. – Você não pode trocar a
mesma coisa duas vezes.

– Você perdeu o direito de me chamar de impossível –, disse Neil. Andrew deu de ombros, então
Neil disse: – Faça um novo acordo comigo.

Andrew inclinou a cabeça para um lado, considerando a ideia.

– O que você ganharia com isso?

– O que você me daria? – indagou Neil.

– Não faça perguntas das quais você já sabe a resposta.

Neil franziu o cenho, perdido, mas Andrew não desperdiçou seu fôlego explicando. Ele levantou a
mão entre eles e virou a palma para cima. Quando Neil apenas o fitou, Andrew acenou para a mão de
Neil. Iludido, Neil imitou o gesto. Andrew pegou o cigarro de seus dedos sem resistência e enfiou-o
entre os lábios. Estava quase apagado, sem fôlego para mantê-lo vivo, mas Andrew persuadiu a
chama de volta à vida com uma longa tragada.
– Isso era meu –, disse Neil.

– Nossa! –, disse Andrew, despreocupado.

Neil não se importou o suficiente para tomá-lo de volta, então observou Andrew fumar. Andrew
segurou seu olhar sem dizer nada. Ele estava esperando, supôs Neil, que ele criasse uma oferta
adequada. Neil não tinha ideia do que deveria pedir, mas ele sabia que havia centenas de maneiras
de estragar o quer que seja.

O senso comum gritava para empurrar uma reconciliação com Aaron, mas se Andrew fosse
“subornado” a essa trégua nenhum dos irmãos iria apreciá-la. Neil deveria pedir algo que
fortaleceria as Raposas, como permissão para reiniciar os jantares em grupo e filmes que tiveram na
ausência de Andrew. Ele hesitou, porque parecia ser um desperdício de chance. O Halloween fora
surpreendentemente fácil de convencer Andrew. Não surpreendentemente, Neil lembrou-se do que
Kevin dissera no ano passado.

Quando você sabe o que uma pessoa quer, é fácil manipulá-los.

Neil só não sabia até hoje – o que – Andrew queria.

Neil esperava que correspondesse ao esperado. Sua mente foi do Halloween para o Eden's
Twilight até o Sweetie's, e Neil finalmente descobriu.

– Quero que pare de usar pó de anjo.

– E ainda diz não ser o justiceiro –, Andrew ponderou, mais para si do que para Neil.

– Se fosse justiça, eu pediria para você deixar de beber e fumar também –, disse Neil. – Só estou
pedindo uma coisa. E de qualquer maneira, o pó nem faz efeito em você. É um risco desnecessário.
Você não precisa de um terceiro vício.

– Não preciso de nada –, Andrew o lembrou, bem na hora.

– Se não precisa, então vai ser fácil largar –, disse Neil. – Não é verdade?

Andrew pensou mais de um minuto e depois jogou o cigarro em Neil. O cigarro chamuscou o
tecido onde atingiu em sua camisa. Neil o esmagou debaixo do sapato assim que atingiu o asfalto. O
olhar frio que lançou a Andrew passou despercebido; o olhar de Andrew já havia desviado por ele em
busca de algo mais interessante.

– Vou deduzir sua birra como um sim –, disse Neil. – Levarei o dinheiro ao seu quarto esta noite.

– Você vai, é? – Andrew deslizou seu olhar de volta para o rosto de Neil. – Em vez de “Eu posso”?
Aaron não te quer no quarto, segundo Nicky. É algo sobre você se intrometer no que não é da sua
conta? – Ele balançou a mão em um tipo de gesto indefinido. – Essa marca estúpida de celular deixou
a mensagem um pouco turva. Talvez você explique na minha presença o motivo de repentinamente
estar tão interessado na vida do meu irmão.

– Não estou –, esclareceu Neil.

– Sem enganação –, acrescentou Andrew.

– Não estou –, disse Neil novamente. – Eu não suporto ele, mas estamos sem tempo. Eu lhe disse,
ano passado, que não chegaríamos às finais se tivéssemos um caos interno. Vocês dois estão nos
atrasando. Tive que começar com um de vocês. Já que todos apostam no Aaron e Katelyn, pensei que
ele faria algo por ela.

– Não seria uma mudança interessante –, disse Andrew. – Veja com clareza: um desperdício de
energia e esforço. Ele pode tentar, mas não vai ganhar.

– Você tem que deixá-lo livre.

– Ah –, bufou Andrew, como se isso fosse novidade para ele. – Eu?

– Você vai perdê-lo para sempre se não deixá-lo –, disse Neil. – Ele vai continuar colocando
Katelyn de lado, mas ele vai se ressentir por isso. Ele contará os dias até a formatura e quando
chegar, você nunca mais o verá na sua vida. Você não é burro. Eu sei que você consegue ver isso.
Deixe-o livre agora se você quiser vê-lo um dia.

– Quem pediu a sua opinião?

– Nem precisa. Estou voluntariamente oferecendo minha opinião.

– Não –, Andrew o aconselhou. – Crianças devem ser vistas e não ouvidas.

– Não me ignora quando minto, então me ignora quando digo a verdade.

– Isso não é verdade –, disse Andrew. – A verdade é irrefutável e imaculada de preconceitos.


Nascer do sol, Abram e morte: estas são verdades. Você não pode julgar um problema com sua
percepção obsessiva e chamá-la de verdade. Você não engana ninguém.

– Se você pedir metade da verdade, você só terá metade da verdade –, replicou Neil. – É culpa sua
se não gosta das respostas que eu dou, não minha. Mas já que estamos conversados sobre obsessão e
a vida de Aaron, o que você vai fazer durante o julgamento dele? Ela vai estar aqui para acompanhar,
não é? Cass, quero dizer –, disse Neil, embora tivesse certeza de que Andrew sabia de quem ele
estava se referindo. – Você vai ter que encará-la.

– Visto e não ouvido –, Andrew lembrou-lhe.

Ele parecia entediado, no entanto Neil reconheceu tal alerta assim que o ouviu. Neil o deixou e
adentrou o dormitório.
CAPÍTULO OITO

Pela primeira vez, Neil acordou antes do despertador de Matt tocar. Ele ficou imóvel por um
minuto, em seguida, rolou para o lado e desligou seu próprio despertador. Abriu seu celular para
olhar a data. Sexta-feira, 19 de Janeiro. “Neil Josten” supostamente faria vinte anos no dia 31 de
março. Hoje, Nathaniel Wesninski completava dezenove anos de idade. Neil nunca tivera o hábito de
comemorar seu aniversário, mas cada ano em que ele passava vivo merecia um momento de silêncio.
Ele passou o polegar sobre a data na pequena tela e fez um desejo: que eles ganhassem contra
Belmonte.

Neil sabia que frequentava as aulas, mas não aprendera nada. Sempre escrevendo o que seus
professores ditavam, mas nunca absorvera uma única palavra. Ele enfiou suas anotações no fundo de
sua bolsa, comeu uma refeição sem graça sozinho no refeitório dos atletas e voltou para a Torre das
Raposas. Passou por alguns jogadores de vôlei na escadaria, que lhe desejaram boa sorte
entusiasmadamente, e Neil lembrou-se de agradecê-los. Ele pensou que lhes tinha agradecido, de
qualquer maneira. Ele não sabia. Ele não conseguia se concentrar quando pensava no jogo.

As Raposas não treinavam à tarde quando tinham jogos no Foxhole, por isso Neil teve tempo de
sobra para matar. Tentou estudar, mas não chegou a lugar nenhum, então tentou cochilar, sem
sucesso. No momento em que eles saíram para o estádio, faltando uma hora para a partida, ele
estava surtando.

O vestiário cheirava levemente a água sanitária e limpador de janelas. Neil não entendeu o
objetivo de limpar o vestiário minutos antes da partida, mas uma pequena equipe de limpeza vinha
todos os dias. O cheiro geralmente desaparecia durante o tempo que as Raposas levavam para
chegar aos treinos, mas Neil supôs que o trânsito do campus, em dia de jogo, tinha atrapalhado.
Todavia, isso explicava por que Wymack estava sentado na sala de TV em vez de escondido em seu
escritório. Wymack alegou ser alérgico aos materiais de limpeza. Abby achou uma desculpa nada
criativa tendo em vista o estado desleixado de seu apartamento, mas Wymack obstinadamente
manteve sua história.

Wymack assistiu sua equipe passar, provavelmente esperando por um sinal de que tivessem feito
às pazes. Cada treino naquela semana fora um pouco melhor do que a anterior, mas eles não estavam
exatamente onde precisavam estar. Neil e Kevin voltaram a se falar na quinta-feira, porque não
podiam ignorar um ao outro para sempre. Embora os veteranos ainda não conseguissem perdoar
Andrew por sua violência, eles consideraram a hipótese, no entanto fora de seus sensos de
necessidades. Eles ainda o viam como um sociopata impulsivo incapaz de lamentar suas ações ou
entender sua raiva.

Aaron, por outro lado, parecia uma pedra, imóvel de repugnância entre as Raposas, uma colisão
entre inércia e velocidade que os fez tropeçar em busca de equilíbrio novamente. Neil não sabia por
quanto tempo mais toleraria essa hostilidade imatura antes de forçar outro duro empurrão contra
Aaron. Ele desejou que Nicky tivesse mais influência sobre seus primos, já que por ficarem no mesmo
quarto significava que Nicky teria mais chances de ajudá-los. Até Kevin seria um aliado aceitável,
porém Kevin apenas desafiava Andrew quando se tratava de Exy. Ele não se envolveria em seus
problemas pessoais.

Não havia mais tempo para se preocupar com isso esta noite; Neil teria que resolvê-lo no fim de
semana. Ele afastou os irmãos da mente e seguiu os garotos até o vestiário.

Ele girou a combinação na fechadura de seu armário de equipamentos e destrancou a porta.


Houve uma fração de segundo de inesperada resistência ao abri-la, em seguida, um estalo agudo de
algo estourando.

E então... sangue.

Aquilo explodiu em seu armário, derramando pela abertura da porta, e Neil recuou puxando o que
pode de dentro. O cheiro era tão forte que entupiu sua garganta o sufocando. O choque de Neil durou
apenas um segundo, antes do pânico tomar conta. Ele mergulhou em seu armário, pegando seu
uniforme e equipamento. Era tarde demais, e ele sabia, mas tinha que tentar. Sua camisa pressionada
em suas mãos parecia uma esponja encharcada, jorrando sangue por entre os dedos. Ele a largou e
arranhou os dedos por seu capacete. As pontas de seus dedos roçaram o plástico duro, mas não
conseguiu cravá-las no objeto antes de Matt agarrá-lo.

– Não –, arfou Neil, mas Matt o arrastou para longe de seu armário.

– Espere!

Ele cravou os pés no assoalho, mas a sola de seu sapato estava encharcada e deslizou. O sangue
tinha atingido o fundo do seu armário, e, agora derramava sobre o chão em uma poça que se
espalhava rapidamente. Pendurado no topo de seu armário estava uma sacola de plástico vazia
preparada para estourar assim que a porta fosse aberta por completo. Parecia grande o suficiente
para conter pelo menos dois galões; o volume era mais do que o suficiente para estragar cada peça
de equipamento que Neil possuía.

– Nicky –, disse Andrew –, vá buscar o treinador.

Nicky disparou.

Neil deu uma cotovelada em Matt, forte o suficiente. Matt xingou quando perdeu o controle sobre
Neil. Neil correu de volta para seu armário, escorregando um pouco ao se aproximar. Teve que se
segurar no armário ao lado para evitar cair. Assim que conseguiu equilíbrio, descarregou tudo
freneticamente, peça por peça. Ele não conseguia mais distinguir os uniformes para jogos, fora e
dentro de casa, que ficavam separados. Até o acolchoado de sua armadura estava encharcado. Neil
pegou seu capacete e virou-o para ver o sangue escorrer pela proteção de plástico firme.

– Neil? –, perguntou Matt.

Neil deixou capacete cair junto a pilha em seus pés e socou o fundo de seu armário. Seu punho
acertou o plástico em vez do metal, e Neil arrancou o saco rasgado fora do gancho. Quando se virou
para arremessá-lo, Andrew segurou seu pulso. Neil nem sequer ouviu Andrew atravessar o vestiário
em sua direção. Neil o fitou e, por meio desse aperto, seus batimentos pulsaram em suas têmporas.

– Tá tudo estragado –, disse Neil, a voz irregular com a fúria terrível. – Tá tudo estragado.

Wymack surgiu na sala com Nicky em seu encalço. A visão do sangue em excesso o deteve por um
momento antes de caminhar até Neil.

– Isso é seu?

– Treinador, meu equipamento –, disse Neil. – Está...

– Não é dele. – Andrew soltou o pulso de Neil e voltou ao seu armário. – Ele está bem.

– Água oxigenada –, disse Neil. – Abby tem em seu escritório? – Quando Wymack apenas o fitou,
Neil foi até a porta para procurar sozinho. Wymack pôs um braço em seu caminho para detê-lo. –
Preciso limpar minhas roupas antes que o sangue seque ou não terei nada para vestir a noite.

– E eu preciso que você pare de pensar nessa merda por dois segundos e se concentre no fato de
que você está coberto com o sangue de alguém ou de alguma coisa. Está tudo bem?

– Andrew já disse que estou bem –, disse Neil sendo evasivo.

– Não perguntei a Andrew –, retrucou Wymack. – Perguntei a você.

– Aqui, eu tenho uma toalha sobrando –, disse Matt, e puxou uma de seu armário.

Neil correu para banheiro mergulhando-a na pia, mas forçou-se a uma parada abrupta ao virar-se
para voltar a seus companheiros. Sua voz assustada ecoou entre as paredes do banheiro.

– Mas que merda!

Neil sabia que não conseguiria olhar, mas se aproximou mesmo assim. Wymack e Andrew vieram
logo atrás. Neil seguiu o olhar de Matt para a parede dos fundos e sentiu o estômago revirar. Escrito
em sangue sobre os azulejos estava uma mensagem: “feliz 19º aniversário, Jr”.

Neil congelou e sua cabeça encheu-se de gritos. O murmúrio estridente ao fundo vinha de fora do
banheiro e Neil demorou uma eternidade para perceber que o som vinha de seus companheiros de
equipe. Ele entendia seus tons ansiosos, mas não entendeu uma única palavra do que disseram. O
medo arrastou garras frias sobre seu abdômen subindo até garganta. Neil fechou os olhos por dois
segundos e respirou. Não podia lidar com isso agora. Ele não podia, ele não iria.

Ele agarrou a sensação incipiente de pânico e a enterrou profundamente, da mesma forma que
sufocou seu coração partido por tempo suficiente ao cremar o corpo de sua mãe. Ele reagiria a isso
mais tarde, se fizesse isso agora, com todas as Raposas de testemunhas, ele colocaria tudo a perder.

O mundo voltou ao foco em intervalos irregulares, bem a tempo de Neil ouvir Wymack murmurar
algo sobre chamar a polícia. Neil o agarrou pelo cotovelo antes que Wymack partisse e apertou tão
forte que ele sentiu os ossos ranger.

– Treinador –, disse ele, tão calmo quanto pode. – Você vai ter que deixá-los fora disso. Ok? Vamos
apenas nos concentrar no jogo. Vou limpar isso mais tarde. Ninguém mais precisa saber.

– Me dê uma boa razão para não cancelar o jogo e chamar a polícia aqui –, disse Wymack.

– Não posso lhe dar um motivo, ainda –, disse Neil, inclinando um olhar para ele. – Eu lhe disse
para esperar até maio.

Ele queria que Wymack se lembrasse da promessa que fizera na véspera de ano novo, quando
Wymack contestara suas mentiras e cicatrizes. Ele não contara a Wymack que vivera fugindo, mas
contou o suficiente, Wymack deveria ter juntado as peças. Neil precisava que ele se lembrasse disso
agora e descobrisse o óbvio: os capangas de Riko dificilmente teriam deixado evidências, mas Neil
tinha digitais por todo o canto.

Wymack não disse nada, no entanto, estudou Neil com intensidade inquietante. Neil soltou o
cotovelo de Wymack e pegou a toalha molhada de Matt, que não demonstrou resistência. Seus
pulmões pareciam estar se comprimindo ao atravessar o banheiro até sua mensagem de aniversário.
Ele respirou superficialmente, para não demonstrar o reflexo do vômito, e esfregou as letras na
parede. Ainda havia bastantes manchas na toalha para Neil limpar, depois enxugou as mãos.
Decidido a voltar para seus companheiros, deixou a toalha caída na pia para se preocupar mais tarde.

– Neil –, disse Matt.

Neil não quis dar ouvidos.

– Vá se trocar, Matt.

Na sala principal do vestiário, considerou seu armário. Não demorou muito para perceber que
nenhum de seus colegas haviam se movido. Matt ainda estava congelado junto às pias. Wymack e
Andrew na porta do banheiro. Aaron, Kevin e Nicky próximos de seus armários. Neil podia sentir
todos os olhares voltados para si. Sentiu que a verdade estava estampada em sua pele para qualquer
um ver. A mensagem só dizia "Júnior", mas ele esperava que alguém o chamasse por seu nome.

Neil olhou em volta, para eles, e se concentrou no mais provável de ajudá-lo a resolver isso.

– Kevin –, disse ele, e continuou em francês. – Faça-os se mexerem. Só temos 40 minutos até a
partida.

– Você consegue jogar?

– Estou irritado, não ferido –, surtou Neil. – Eu não vou deixar isso nos impedir de vencer esta
noite. E você?

Kevin considerou-o por um momento, em seguida, virou um olhar cáustico em seus companheiros
de equipe.

– Mexam-se. Temos um jogo para vencer.


– Tá de brincadeira –, disse Matt, chegando por trás de Andrew e olhando entre os atacantes. –
Vocês realmente vão ignorar o fato de que isso, – ele apontou um dedo na direção do armário de Neil,
– acabou de acontecer? Neil, você parece um dublê de Carrie, A Estranha. Você não quer mesmo
chamar a polícia enquanto a cena ainda está recente?

– Não –, respondeu Neil. – Eu não vou.

– Tá de brincadeira – disse Matt novamente.

Neil olhou para ele.

– Riko é um egoísta e um idiota. Ele quer que a gente reaja a isso. Se fizermos o que ele quer, ele
vai ganhar. Não dê a ele essa satisfação. Finja que isso nunca aconteceu e se concentre nas
Tartarugas.

Wymack demorou apenas mais alguns segundos para escolher o seu lado.

– Ninguém vem para cá. Peguem seus equipamentos e saiam. Vocês podem ficar com o banheiro
das garotas, quando elas terminarem. Vou te dar um voto de confiança hoje –, disse ele quando Neil o
fitou. – Se eu perceber que sua cabeça não está focada na partida, eu vou arrancá-lo tão rápido que
você nem vai perceber e Dan vai tomar o seu lugar. Você me entendeu?

– Sim, treinador –, respondeu Neil.

Wymack avaliou a bagunça mais uma vez, parecendo odiar ter que se aliar a Neil. Finalmente,
sacudiu a cabeça e pegou as roupas de Neil na pequena pilha no chão.

– Vou chamar a Abby para limpar isto. Alguém empreste a Neil outra toalha.

– Obrigado –, disse Neil.

– Cale a boca –, cortou Wymack, e saiu correndo.

Um silêncio terrível pairou sobre vestiário. Finalmente, Andrew atravessou a sala para seu
armário terminando de descarregar seu equipamento. Esse foi o gatilho que os outros precisavam,
aparentemente, pois pegaram suas coisas e partiram. Nicky deu a Neil uma de suas toalhas de
reserva quando saiu. Matt foi o último a ir, e hesitou quando percebeu que Neil não estava se
movendo.

– Eu vou me lavar aqui mesmo –, disse Neil, e gesticulou para sua aparência lamentável. – Não
quero mais rastros desnecessários disso.

Matt aceitou sem discutir e deixou Neil em paz. Neil olhou para seu armário, em seguida,
resolutamente olhou para longe e foi lavar-se. Olhando para o chão enquanto tomava banho,
observou o vermelho lentamente desaparecer da água. Mesmo quando a água escorrendo ficou clara,
sentiu-se morrendo por dentro. Lavou-se três vezes antes de finalmente desistir.

Assim que a ducha foi cortada, Wymack o chamou de fora da vista.

– Matt voltou a Torre das Raposas para pegar cuecas e meias. Eu trouxe o equipamento de
reposição, mas você vai ter que descobrir quais se encaixam melhor. Trarei seu uniforme quando
estiver limpo. Sente-se firme até lá.

– Sim, treinador.

Ele escutou a porta se fechar atrás de Wymack e se secou em sua cabine. As Raposas tinham
alguns conjuntos de equipamentos de anos atrás sobrando, quando a equipe era um pouco maior.
Renee tinha pegado uma armadura de lá quando foi escalada como defensor durante o outono. A
maioria dos equipamentos era ajustável, mas até um determinado grau. Foi preciso algumas
tentativas de erros e acertos para Neil escolher um conjunto completo da pilha que Wymack tinha
deixado. Então, não havia nada a fazer a não ser esperar.

Pareceu uma eternidade antes da volta de Matt; o tráfego noturno do jogo fez a curta caminhada
até a Torre das Raposas durar mais tempo do que deveria. Neil foi tomado por seus pensamentos
terríveis, quando alguém bateu. Ele levantou-se do banco e foi investigar. O equipamento que usava
tornava impossível de enrolar a toalha ao redor do corpo. Em vez de envolvê-la em torno de si,
segurou-a entre o queixo e o pescoço deixando-a pendurada sobre sua frente marcada.

Neil abriu a porta, apenas o suficiente para perceber Matt no corredor e que ficou surpreso ao
ouvi-lo dizer:

– Você que bateu?

Matt olhou para ele estranhamente.

– Abby disse que ainda está com seu uniforme.

Não era a primeira vez que as Raposas faziam de tudo para acomodar os problemas de
privacidade de Neil, mas eles não tinham tempo para pensar sobre isso. Matt estava atrasado no
aquecimento por causa de Neil e abalado pelo truque sujo de Riko. Apesar disso, ele lembrou-se de
não entrar.

– Obrigado –, Neil finalmente disse, e pegou as roupas que Matt espremeu pela fresta da porta.
Matt lhe trouxera conjuntos de roupas inteiras para que ele tivesse algo para vestir depois do jogo.
Imaginar Matt mexendo em suas coisas fez sua pele arrepiar, mas Neil lutou contra o instintivo
ataque de nervos.

– Sem problema –, disse Matt. – Precisa de mais alguma coisa?

– Um tiro certeiro em Riko e sem nenhuma testemunha –, respondeu Neil.

Matt sorriu, talvez pensando que Neil estivesse brincando e saiu. Neil fechou a porta e vestiu a
cueca e meias. Levou os sapatos para o banheiro e lavou-os na pia. Não havia muito que fazer. O
sangue tinha encharcado o forro interno. Neil poderia usá-los hoje, mas ele teria que substituí-los o
mais rápido possível. Neil puxou seus shorts sobre os sapatos, então os calçou e amarrou. Desfilando
no vestiário, observou o relógio para não olhar o sangue.

Finalmente, Wymack apareceu com seu uniforme.

– Fizemos o que podíamos, mas vamos ter de arranjar um novo conjunto. Eu vou encomendar esta
noite e será entregue por expresso.

Ele entregou-o e começou a arregaçar as mangas. Neil tinha sangue em sua camisa quando
agarrou o braço de Wymack. Isso fez Wymack puxar as mangas um pouco mais para esconder tudo.
Neil pensou que deveria se desculpar, mas achou que Wymack o repreenderia. Em vez disso,
espremeu o excesso de água da bainha e mangas de sua camisa.

– É o mais enxuto que nós conseguimos –, esclareceu Wymack, olhando os respingos de água no
assoalho. – Matt trouxe um dos secadores de cabelo das meninas, mas Abby não queria usá-lo por
medo de definir a mancha.

– Se alguém perguntar, direi que foi um trote pré-jogo –, disse Neil. – Tecnicamente, é a verdade.

Neil terminou de se vestir.

Wymack deu-lhe uma olhada, considerou-o apto para o exame minucioso do público com um aceno
de cabeça nada convincente, e enxotou Neil à sua frente para fora do vestiário. Próximo do início da
partida, a equipe já tinha terminado o aquecimento e alongamentos. Neil deu algumas voltas sozinho,
enquanto Wymack comandava sua equipe com um discurso. Wymack o tinha terminado quando Neil
voltou, e Neil abruptamente se tornou o centro das atenções.

– Tem certeza que está bem, Neil? – Perguntou Dan.

– Tenho certeza que temos um jogo para vencer –, respondeu Neil. – Preocupem-se mais com isso
e menos comigo.

Os árbitros os deixaram na quadra para um rápido treino. Neil se concentrou em todos os seus
movimentos para não pensar em mais nada. No momento em que o time titular assumiu suas
posições, Neil estava tão perdido em si mesmo e no jogo que quase esqueceu o acontecido no
vestiário. O fantasma ainda se agarrava a ele, mesmo ele não reconhecendo, e isso o instigou a ir
mais e mais rápido. Kevin não o advertiu para reduzir a velocidade, e eles partiram para cima dos
defensores com uma agressividade incomum. Neil ostentou um cartão amarelo antes do intervalo.
Ele esperava que Wymack usasse isso como pretexto para tirá-lo, mas Wymack nada disse quando
levou sua equipe de volta para o vestiário.

Neil pensou que cheirava a sangue, mas sabia que era impossível. Havia uma longa distância
entre o vestiário e o saguão, e o fedor do suor e desodorante de seus companheiros exalavam no ar.

– Onde está a Abby? – perguntou Dan e Neil percebeu que não a tinha visto desde o início da
partida.

– Ela teve que ir para o campus por um tempo. Ninguém vai ser espancado na ausência dela. –
Wymack gesticulou para o cooler. – Todos, bebam e se estiquem. Não temos muito tempo.

As Raposas jogaram o segundo tempo como se tivessem tudo a perder. Neil usou as habilidades
de ultrapassagem e arremesso que Kevin lhe ensinara e escorregou em alguns dos posicionamentos
defensivos que aprendera com os Corvos. Quando teve que chamar Kevin, ele o fez em francês. Ele
não trocou uma única palavra com seu marcador defensivo, sem se importar com o que o adversário
lhe dizia. Ele não tinha fôlego para ofensas sem sentido, e precisava de cada grama de sua energia
para vencer este jogo. Ele sabia que o silêncio estava chegando a seu limite, a julgar pela nítida
crescente no tom do outro garoto. Neil não o correspondeu, exceto para empurrá-lo e ultrapassá-lo.

Matt era a força dominante do outro lado da quadra. Nicky ainda era o elo mais fraco na linha
defensiva, mas Andrew a equilibrou com implacável eficiência. Quando Aaron apareceu, ele e
Andrew jogaram unidos, como se nada estivesse errado. Neil não sabia se era pela interferência de
Riko ou se o jogo foi o suficiente para distraí-los de seus problemas pessoais. Por agora, Neil não se
importava com o motivo desde que cooperassem.

Com oito minutos no relógio, as Raposas começaram a desacelerar. Eles foram muito duros cedo
demais. Contanto que pudessem proteger sua base, eles ficariam bem, porque tinham a vantagem de
dois pontos, mas Neil queria outro ponto para revitalizar a equipe. Todavia, ele e Kevin enfrentaram
os defensores substitutos, a defesa os cortou a cada lance. Neil sabia que Kevin estava tão frustrado
quanto ele, porque Kevin estava começando a ultrapassar a linha do contato físico inaceitável. Neil
cuspiu-lhe uma advertência quando eles perderem a posse da bola novamente. Kevin rosnou algo
rude de volta.

Dois minutos depois, as Raposas conseguiram o gás que precisavam. Um atacante Tartaruga deu
a volta em Matt e correu para o gol. Matt não conseguiu alcançá-lo, mas acertou um golpe antes do
atacante atirar. O atacante tropeçou, torcendo a raquete em tentativa de segurar a bola e deu um
passo próximo do gol. Andrew estava preparado em um piscar de olhos e atingiu o atacante forte o
suficiente para derrubá-lo. O atacante ficou onde caiu por uns bons cinco segundos, atordoado
demais para voltar à partida. O jogo não esperou por ele. Matt foi atrás da bola com um grito
retumbante e arremessou para Allison. Na vez seguinte em que Neil atirou no gol, ele marcou, e as
Raposas se reagruparam.

As Raposas venceram, oito a cinco, e a multidão quase explodiu o telhado fora com as raquetes de
seus jogadores. As Raposas levaram sua comemoração até o gol, porque Andrew não foi até eles.
Nicky e Renee haviam conseguido prendê-lo na comemoração da última temporada, parte disso por
ele estar muito adoentado para reagir. Agora, Nicky correu como se fosse saltar sobre ele, e Andrew
o advertiu apontando sua raquete. Nicky pensou melhor e ponderou Aaron em seu lugar. Andrew
passou a ser um espectador desinteressado nos arredores, enquanto as Raposas saltavam e gritavam
a poucos metros à sua frente. De alguma forma, Kevin contornou a todos para dizer algo a Andrew.
Neil não conseguiu ouvir através do barulho de seus companheiros, mas o gesto desdenhoso de
Andrew dizia não estar preocupado com a aprovação de Kevin.

Eles apertaram as mãos das Tartarugas o mais breve possível e abandonaram a quadra. Wymack e
Abby estavam os esperando, Wymack com um sorriso cheio de dentes e Abby toda sorridente. A
satisfação de Wymack só elevou o entusiasmo de Dan a outro nível e ela correu em direção a
multidão para atiçá-los. Nicky e Matt correram atrás dela. Wymack os deixou ir, sabendo que os
repórteres lhes prenderiam, sendo alvos mais fáceis, e guiou suas Raposas ao vestiário. Neil
percorreu todo o caminho até o saguão antes de se lembrar da bagunça que estava à sua espera.

– Tem algum esfregão que eu possa usar? – perguntou Neil.

– Cale essa boca – cortou Wymack. – Você não vai resolver isso agora. Acabamos de vencer.

– Oito a cinco –, disse Allison, como se Neil já tivesse esquecido. O resquício de raiva em sua voz
entregou o quão irritada ela ainda estava por tudo que acontecera. Neil não vacilou ao ouvir as
próximas palavras saídas da boca dela, mas foi por pouco. – Acho que pode ser considerado o
presente de aniversário da equipe pra você.

– Allison! – exclamou Renee.

– Não. – Allison apontou um dedo à Renee para cortá-la, mas manteve o olhar em Neil. – Cheguei
ao limite das merdas que poderia tolerar esta semana, agora imagine no ano. Eu preciso saber o
quão pior este batalha de quem bosteja mais entre Neil e Riko vai ficar.

– Nós vamos conversar sobre isso – prometeu Wymack, – mas não até que todos estejam aqui. Vão
se lavar. Em turnos novamente. As damas primeiro. – Ele as observou sair e esperou até a porta do
vestiário se fechar. – Estou instaurando uma nova regra de equipe, onde todo mundo é obrigado a
ficar feliz depois de uma vitória. As chatices de vocês sugam a minha paciência antes da hora.

Wymack olhou para eles, mas Kevin estava observando Neil, e os gêmeos voltaram a ignorar um
ao outro. Wymack jogou as mãos para o céu, em derrota, e saiu. Sua saída gerou tensão no silêncio
até que Dan apareceu com Nicky e Matt a tiracolo. Os três ainda pareciam entusiasmados com a
vitória e suas entrevistas, porém ficar perto de seus companheiros mal humorados acabou com a
alegria. Dan hesitou, apenas um momento, antes de continuar em direção ao vestiário sem dizer uma
palavra. Nicky achegou-se, apoiando o ombro contra Neil.

– Então, nós praticamente acabamos com dois dos três. A vitória da próxima semana vai ser a
cereja do bolo. – Nicky lançou a Kevin um olhar significativo, como se exigisse sua participação na
conversa. – Aí, vamos para o primeiro mata-mata. Probabilidades de jogarmos contra algum time
bom?

– Zero – respondeu Kevin. – Todos os times bons são cabeças de chave.

– Todos os times bons exceto nós, você quer dizer. – Nicky deu-lhe um momento para concordar,
em seguida, soltou um suspiro exagerado quando Kevin não concordou. – Você é tão tendencioso. Só
não se esqueça de qual time você faz parte. Se acabarmos enfrentando a USC, é melhor você torcer
por nós.

– Eu vou considerar a ideia – disse Kevin.

Os Corvos e Troianos eram rivais ferozes, mas Kevin era fã impenitente da USC. Neil não ficou
surpreso, já que a USC tinha uma das melhores equipes do país. Eles eram famosos por seu espírito
esportivo e lideraram o movimento para manter as Raposas na competição, no outono passado.

Eles valiam a atenção e o favoritismo de Kevin.

– Palhaço – resmungou Nicky. – Vou contar ao treinador que você gosta mais do técnico Rhemann.

– Pois diga – provocou Kevin. – Se o treinador for digno de seu status, ele saberá que os Troianos
são melhores do que as Raposas. Eles sempre foram e sempre serão.

– Tendencioso – murmurou Nicky novamente.

Dan veio buscá-los quando as garotas terminaram, e os garotos assumiram o vestiário. Neil ficou
sob o chuveiro e verificou suas unhas em busca de sangue. Ele não encontrou, mas por um minuto
jurou que cheirava a carne queimada.

Neil foi o último a se vestir, como de costume, e encontrou seus companheiros de equipe
esperando por ele na sala.

Wymack estava de pé em frente à TV com os braços cruzados sobre o peito. Abby estava
encostada na porta. Neil estava tentado a passar por ela e pular inteiramente esta conversa. Ele
duvidou que alguém o deixaria escapar impune, então sentou-se ao lado de Andrew no sofá.

Wymack esperou até que ele estivesse acomodado antes de começar.

– Primeiro: o cavalo de troia no vestiário. Aves mortas, sim. Pedi um favor à universidade e
consegui o acesso de Abby aos microscópios nos laboratórios de Ciências. Precisávamos ter certeza
de que não era sangue humano.

– Isso é mórbido – disse Nicky.

– Mas é necessário considerar com quem estamos lidando. – Wymack sacudiu a cabeça. – A última
coisa que eu quero é colocar todos em risco. O estádio deveria ser um lugar seguro para vocês, mas
eu não consigo protegê-los. Tenho vontade de instalar câmeras aqui nos arredores, mas eu não vou
fazer isso a menos que todos concordem. Se fizermos, os únicos que verão as gravações são as
pessoas nesta sala neste momento. Quero que alguém intervenha tanto quanto vocês.

– O que me leva ao meu segundo ponto: Neil nos pediu para deixar as autoridades fora disso –
disse Wymack, olhando cada uma de suas Raposas no rosto. – Eu o respeito o suficiente para permitir
isso, mas não diz respeito só a mim. Vocês vão ficar bem com isso?

– Você realmente vai deixar Riko sair impune dessa? – perguntou Dan.

– Ele não teria feito isso se achasse que seria pego – disse Neil.

– Talvez não possamos pegá-lo, mas podemos pegar seus capangas – disse Matt. – Ninguém é
perfeito. Todo mundo deixa rastros.

Então, Aaron tomou a palavra e sua acusação insensível fez o sangue de Neil gelar.

– Você sabe tudo sobre isso, não é, Júnior?

Neil lançou um rápido olhar na expressão sombria de Aaron preparando-se para o pior. E, quando
chegou, foi pior do que ele esperava.

– Ninguém nunca encontrará provas de que Riko está por trás disso –, disse Aaron, – mas eles
podem encontrá-lo facilmente, certo? É disso aí que se trata, não é? – Aaron apontou para seu
próprio rosto, indicando a súbita mudança na aparência de Neil. – Sua aparência, seus idiomas, suas
mentiras... Você está fugindo de alguma coisa, ou alguém.

Essa intimidação mordaz foi uma apunhalada pelas costas, tirando o ar dos pulmões de Neil e
esmagando seu estômago contra a espinha. O silêncio que se seguiu pareceu infinito. Neil tinha
certeza de que seus companheiros podiam ouvir seu batimento cardíaco; estava batendo tão alto que
ele sentiu em cada centímetro de sua pele. Seus olhares foram perfuradores o suficiente para
descascar todos os disfarces que ele já usara.

Encontrar sua voz foi um ato desesperador. Manter-se calmo tomou cada grama de energia que
lhe tinha restado.

– Sabe, eu esperava golpes baixos e apunhaladas vindas dos Corvos. Pensei que as Raposas
fossem melhores do que eles. Não, – Neil cortou quando Aaron abriu a boca novamente. – Não se
atrevas a usar seus problemas com o Andrew. Sei que está irritado comigo por ter envolvido Katelyn,
mas você vai ter que superar isso.

– Você a arrastou para os meus problemas. Estou arrastando eles para os seus. Não é engraçado
quando fazem o mesmo com você, não é? – indagou Aaron.

– Você é tão imbecil – cuspiu Neil. – Eu me dispus a sua causa porque eu queria ajudar vocês dois.
Está fazendo isso porque acha que vai me atingir. Existe uma diferença muito crítica nisso. Olhando
pelo lado bom, você ter sido um completo idiota significa que eu estava certo sobre suas chances. –
Neil inclinou a cabeça para o lado e fitou Aaron. – Consegue entender agora, sua covardia é o que
mantém você e Andrew separados, não é?

– Eu não sou covarde.


– Você é um bunda mole, covarde –, disse Neil. – Você deixa as coisas acontecerem com você e não
se incomoda em lutar. Você deixa outras pessoas ditarem como você pode viver sua vida e com quem
deve passar seu tempo. Me recordo do motivo de você ter aturado o abuso da sua mãe durante tanto
tempo. Você realmente a amava apesar de sua loucura ou você estava apenas com medo de ir
embora?

– Neil – disse Dan, chocada. – Isso não é...

– Foda-se – cuspiu Aaron. – Ainda estou esperando a resposta da minha pergunta.

– E eu ainda estou esperando um obrigado –, disse Neil. E enviou um olhar para Andrew. – De
ambos, tanto um quanto o outro. Já se vingou agora, não foi? Então por que vocês simplesmente não
passam tudo a limpo e começam tudo de novo? Por que vão estender essa coisa por mais três anos,
quando se pode resolvê-la agora?

– Você não sabe nada – replicou Aaron, baixo e ríspido.

– Você não quer que eu esteja certo –, Neil adivinhou, – porque se eu estiver, a culpa dela está
morta será sua.

Andrew finalmente se juntou a discussão.

– Não. Vai ser sempre culpa dela.

– Ela não se suicidou, Andrew –, disse Aaron, rudemente com tristeza.

Andrew lançou-lhe um olhar frio.

– Eu a adverti do que aconteceria se ela levantasse a mão novamente. Ela não tinha o direito de
expressar surpresa.

– Ah, Jesus! – exclamou Matt. – Você acabou de...?

Wymack apertou a ponte do nariz e expirou ruidosamente.

– Podia ao menos nos deixar sair da sala antes de confessar?

Aaron olhou de Wymack para os veteranos, em seguida, voltou-se para Andrew. Neil esperou que
ele tomasse o aviso de Wymack como uma ordem de silêncio. Em vez disso Aaron mudou para alemão
e disse:

– Foi por isso que você fez aquilo? Não minta para mim.

– Ela não era nada e ninguém para mim – replicou Andrew. – Por que mais eu não a mataria?

Aaron demorou um minuto para encontrar sua voz. Ainda parecendo irritado, mas com um nó
embargando seu tom.

– Você nem sequer olhava para mim. Não dizia uma palavra, a menos que eu dissesse algo antes.
Não sou vidente. Como eu poderia saber?

– Porque eu te fiz uma promessa –, disse Andrew. – Eu não a esqueceria só porque você optou por
não confiar em mim. Fiz o que eu disse que faria e que se foda qualquer outra coisa que você
esperava.

Lá estava outra vez: a pitada daquela raiva infinita de Andrew.

Aaron abriu a boca, fechou-a novamente, e baixou o olhar. Andrew fitou a cabeça inclinada para
baixo de seu irmão por um minuto interminável. Aaron tinha desistido de lutar, mas cada segundo
parecia empurrar mais tensão em Andrew. Neil observou os dedos de Andrew se comprimir entre
suas coxas, não em punhos, mas um gesto simulando esmagar a vida de alguém, e soube que o
temperamento de Andrew se aproximava de um ponto de erupção.

Ele pôs a mão entre eles, tentando bloquear Aaron da visão de Andrew, e Andrew lhe lançou um
olhar aniquilador. Um instante depois, a expressão de Andrew desapareceu. Neil lamentou sua
intervenção imediatamente. Ninguém acabaria com tanta raiva assim facilmente; Andrew tinha
simplesmente a enterrado onde só poderia machucar a si próprio. Era tarde demais para trazê-la de
volta, então Neil descansou a mão em seu colo em derrota.

– Isso é tudo, treinador? – perguntou Neil.

– Não –, respondeu Allison. – Por mais esclarecedor que esse pequeno desvio tenha sido, ele não
responde à pergunta original. O que Riko tem contra você?

Mentir a essa altura não funcionaria, considerando as acusações de Aaron. Neil optou pela
honestidade em sua forma mais simples e mais inútil.

– Ele sabe quem eu sou.

Levou um momento para todos perceberem o significado, e Matt incitou Neil com:

– Hum?

– A família de Neil tem uma reputação –, disse Kevin, inesperadamente vindo em defesa de Neil.
Neil o fitou, dispostos a silenciá-lo, enquanto tentava manter sua expressão o mais neutra possível.
Kevin não devolveu seu olhar, mas tudo o que ele disse foi:

– Riko está tentando usá-la contra Neil.

– Vai ser um problema? – perguntou Dan.

– Não –, respondeu Neil.

Allison arqueou uma sobrancelha para ele e gesticulou sobre o ombro, presumivelmente em
direção ao vestiário destruído.

– Tem certeza?

– Sim –, confirmou, mas ninguém pareceu convencido. Neil ponderou cuidadosamente suas
palavras, buscando o equilíbrio correto entre a verdade e as mentiras que os tiraria de seus assuntos.
– Riko sabe quem eu sou porque as nossas famílias operam em círculos semelhantes, mas ele é um
Moriyama apenas no nome. Ele não tem recursos para fazer mais do que me ameaçar.

– Droga, Neil –, disse Matt. – Seus pais devem ser qualquer outra coisa se até mesmo Riko tem
que seguir regras. Aaron estava certo, então? É essa a aparência que você deveria ter?

– Sim –, confirmou Neil.

– Mas, por que mentir sua idade? – perguntou Matt. – Não consigo entender.

– Não queria ninguém me localizando atrás da minha família –, disse Neil. – Quanto mais difícil for
para as pessoas somar dois mais dois, melhor. Ter dezoito anos em Millport significava que os meus
professores e treinador não tinham de consultar meus pais para nada. Dizer a verdade significava ter
que explicar as mentiras em primeiro lugar, e não estou acostumado a confiar nas pessoas. Não
quero que me julgue pelos crimes dos meus pais.

– Como se tivéssemos moral para julgar alguém –, disse Dan, e Neil encolheu os ombros em um
pedido de desculpas silencioso. Ela parecia que tinha mais a dizer, mas de alguma forma sufocou sua
curiosidade e o deixou. Ela o considerou por primeiro, depois olhou para Matt e Renee. Quando
ninguém teve nada a acrescentar, Dan prosseguiu:

– Sim, acho que é tudo por agora, treinador.

Wymack assentiu com a cabeça.

– Câmeras, todos concordam? Sim? Vou tê-las instaladas no fim de semana. Falaremos sobre o
local e o jogo na segunda à tarde. Antes, descubram o que fazer para resolver essas questões
pessoais – disse ele com um olhar significativo para Aaron. – Todos vocês, não ousem trazer essas
picuinhas para a minha quadra nunca mais. Entendido?
As Raposas murmuraram concordâncias e Wymack gesticulou para que eles se retirassem.

– Dispensados. Dirijam com cuidado.

Estava um caos fora do estádio. Torcedores bêbados gritavam e corriam como loucos; o resto da
multidão dançava e cantava exaltações triunfantemente. A polícia estava em pleno vigor tentando
controlar a algazarra. Os seguranças escoltaram as Raposas até chegarem aos seus carros.

Aaron passou direto pelo carro alugado e subiu no bagageiro da caminhonete de Matt. Nicky
começou a dizer algo, mas Andrew acendeu seu isqueiro a um centímetro do rosto de Nicky em
ameaça velada. Nicky silenciosamente subiu no banco de trás com Neil e passou a viagem olhando
para seu colo.

O tráfego ao redor do estádio era um mar de parachoques, então os carros das Raposas se
separaram à medida que se aproximavam do trânsito. Matt os deixou no dormitório. Quando os
outros se achegaram, Aaron já tinha desaparecido. Neil assistiu Andrew levar Kevin e Nicky para o
quarto antes de ir para o seu. Matt seguiu Neil, e Neil tentou se surpreender pelas meninas estarem
logo atrás.

O toque suave de seu celular o distraiu, e Neil puxou-o para fora de seu bolso. Havia uma nova
mensagem na sua caixa de recebidos. Não reconheceu o número ou o código de área. Entender a
mensagem muito menos: “49”. Neil esperou um minuto, mas nada mais foi recebido. Ele apagou a
mensagem e guardou o celular novamente.

– Neil –, começou Dan, e esperou até que Neil a estivesse olhando para continuar. – Obrigado. Na
verdade, quero dizer. Sei que não é tudo, mas sei que não confiou em nós por opção. Estaremos
prontos para ouvi-lo quando estiver à vontade. Você sabe disso, não é?

– Eu sei.

Ela apertou seu ombro em apoio silencioso, mas feroz.

– E obrigado por... bem, seja lá o que estiver fazendo com Andrew e Aaron. Não tenho certeza se
entendi o que aconteceu hoje à noite, mas eu sei que é importante.

– Importante? – ecoou Matt. – Vamos falar sobre o fato de que Andrew matou a mãe deles? Pensei
que ela tinha morrido num acidente de carro. É o que todo mundo sempre disse.

– Ela morreu em um acidente de carro –, Neil reforçou.

– Eu falei acidente –, disse Matt, com ênfase. Neil olhou calmamente para trás e não disse mais
nada, então Matt perguntou: – Como você descobriu?

– Nicky me contou meses atrás.

– Sem mais nem menos –, disse Matt duvidosamente. – Você sempre soube do que ele é capaz,
mas você disse que ele nunca lhe deu uma razão real para ter medo dele. Se você consegue passar
por assassinato como se não fosse nada demais e ficar se amostrando na cara do Riko o tempo todo,
em que diabos seus pais estão envolvidos?

Neil sacudiu a cabeça e foi salvo pela gentileza de Renee.

– Talvez Neil confie nas motivações de Andrew. Andrew admitiu o assassinato, sim, mas também
disse que o fez por causa de seu irmão.

– Foi premeditado –, acrescentou Dan. – Não foi legítima defesa. Ele poderia ter chamado à polícia
ou a assistência social ou ter envolvido os pais de Nicky.

– Pessoas com os nossos antecedentes não estão dispostas a confiar na polícia –, disse Renee. –
Provavelmente nunca ocorreu a Andrew que eles fossem uma opção viável.

– E olha o que aconteceu em novembro –, acrescentou Neil. – Andrew sempre soube que Luther
não ficaria do lado de Aaron.

Dan olhou entre eles, incrédula.


– Vocês são a favor?

Renee deu de ombros abrindo as mãos e ofereceu a seus amigos um sorriso tranquilizador.

– Nós não podemos compreender a situação inteiramente, Dan. Nós nunca saberemos o estado de
espírito de Andrew no momento ou quão ruim viver com ela foi para eles. Tudo o que podemos fazer
é escolhermos: acreditar que ele estava protegendo Aaron ou condená-lo por tomar o caminho mais
extremo. Eu prefiro o primeiro. Você não? É encorajador e reconfortante pensar que ele não estava
agindo por pura maldade.

– Em seguida você vai dizer que é adorável –, zombou Allison.

– Pelo amor, não –, disse Dan, com uma pequena careta. – Meu estômago está fraco o suficiente
como mais essa agora.

Neil esperou para ter certeza de que era só isso, então disse:

– Vou para a cama.

Nenhum deles tentou detê-lo. Neil trancou-se no quarto, trocou-se, e arrastou-se para a cama.
Seus pensamentos ameaçavam arrastá-lo para lugares sombrios, de modo que Neil silenciosamente
contou tão alto quanto podia em todos os idiomas que conhecia. Isso não fez nada para ajudá-lo a
dormir, mas pelo menos manteve os demônios afastados um pouco mais.
CAPÍTULO NOVE

Ao nascer do sol, Neil desistiu de fingir estar dormindo e saiu da cama novamente. Correu pela
estrada perimetral direcionando seus pés ao Foxhole e logo terminou sua corrida. Os seguranças
habituais faziam suas rondas. Hoje, Neil confiava neles menos do que no dia anterior, agora ele sabia
o quão fácil era passar por eles, e os contornou. Ele adentrou com suas chaves e acendeu as luzes
enquanto se dirigia ao vestiário.

Ele abriu a porta, já enrolando as mangas de seu moletom, e hesitou no meio do vestiário. A
bagunça desaparecera, e o chão estava impecável. Neil olhou sobre o ombro, mas o lugar estava
escuro quando entrou. Ele era o único ali. Atravessou a o vestiário até seu armário e puxou a
fechadura desatada. Seu armário estava limpo e vazio.

Era sete e maia, significava que Wymack já estava acordado há horas. Neil sentou-se em um dos
bancos e ligou para ele.

Wymack respondeu no segundo toque, dizendo:

– Eu não sei o que mais me surpreende: seu telefone ligado ou você acordado tão cedo no sábado.

– Treinador, o vestiário tá limpo.

– Sim, eu sei. Abby e eu cuidamos disso ontem à noite depois que vocês saíram.

– Desculpa –, ofereceu Neil. – Eu ia limpá-lo esta manhã.

– Não disse para não se preocupar? – exigiu Wymack.

– Você disse para eu não lidar com isso ontem –, respondeu Neil.

– Tanto faz –, disse Wymack. – Você pode me compensar mais tarde. Aliás, tá fazendo o que, já que
arruinei seu plano matinal? Nada? – Ele esperou afirmação de Neil e disse: – Em vez disso, você pode
organizar documentos comigo. Vou levá-los junto com o café da manhã. Ou você já comeu?

– Ainda não –, respondeu Neil. – Vou esperar aqui.

Wymack desligou.

Neil olhou para o seu armário aberto novamente, em seguida, migrou para a sala das Raposas.
Ele caminhou pela extensão das paredes, estudando as fotos que Dan colocara ao longo dos anos.
Neil nunca a tinha visto adicioná-las ali, mas a coleção crescera para incluir algumas dezenas de
fotos deste ano. A maioria era dos veteranos, já que Dan raramente tivera a oportunidade de
capturar seus novos companheiros fora de quadra, no entanto Neil avistou várias do Halloween e
algumas aleatórias de seus jantares de equipe em novembro e dezembro.

Bem perto do canto estava uma foto que Neil não reconhecera: uma foto de Neil e Andrew em pé,
sozinhos. Ambos estavam empacotados em seus casacos combinando e olhando um para o outro em
apenas um suspiro de distancia. Levou um momento até Neil identificar o cenário; as pessoas
amontoadas no fundo não pareciam com a multidão dos jogos. Com esforço, finalmente adivinhou.
Dan havia tirado no Aeroporto Regional, a caminho de sua partida contra o Texas. Neil nem sequer
percebera que ela os observara.

Neil aparecia em algumas fotos do grupo dos veteranos, mas esta era a única que tinha sua
aparência natural. Dan tinha até capturado Neil do seu lado direito, então o curativo sobre a
tatuagem não aparecia. Esta era uma foto de Nathaniel Wesninski; Este fora o momento em que Neil
dissera seu nome a Andrew. Neil estendeu a mão até a imagem, mas parou assim que segurou a
borda.

Ele viera a Palmetto com o objetivo de jogar, mas também viera porque Kevin era a prova de que
uma pessoa real existia por trás de todas as suas mentiras. Em maio, Nathaniel e Neil terão ido
embora, mas em junho esta foto ainda permaneceria onde está. Seria uma pequena parte do Estádio
Foxhole durante muitos anos. Era reconfortante, ou deveria ser. Neil não achava que esse conforto
deveria parecer como um nó apertado em seu estômago.

Felizmente, para ele, Wymack logo apareceu. Trazendo uma sacola de papel marrom pendurada
em uma mão e uma caixa recheada de arquivos em seus braços. Neil segurou a porta atrás dele,
assim Wymack poderia colocar suas coisas no chão. Wymack olhou ao redor da sala por um
momento, em seguida, colocou a TV no chão e empurrou o rack para mais perto dos sofás, como uma
mesa improvisada. Neil o observou distribuir pastas em quatro pilhas.

Quando Wymack jogou a caixa vazia de lado, Neil abriu a pasta mais próxima para dar uma
olhadinha. Era uma folha de admissão com uma foto desconhecida.

– Recrutas em potencial –, explicou Wymack. – Precisamos de seis, no mínimo.

– Seis –, Neil ecoou enquanto se ajoelhava em frente a Wymack. – Você vai expandir a equipe?

– Não foi por opção –, disse Wymack. Pegando sanduíches e suco da sacola marrom e dividindo
com Neil. – Foi uma das condições para continuarmos no campeonato, quando Andrew foi internado.
O CRE não gostou de tão perto estivemos da eliminação este ano e eles não querem continuar
endossando as regras para nós. Prometi que não voltaria a acontecer. Isso significa: novos reservas
no próximo ano.

Wymack catalogou cada pilha, em seguida, empurrou uma para Neil.

– As garotas estarão no ultimo ano, então precisamos de pelo menos três para substituí-las. No
total, estamos à procura de dois atacantes, dois negociantes, um defensor, e um goleiro. Encontre-me
alguns com potencial e vamos peneirá-los mais tarde.

– Kevin não deveria estar fazendo isso com você? – indagou Neil.

– Você faz o primeiro corte, – respondeu Wymack. – Ele fará o segundo. Farei o último.

Neil olhou para a pilha de arquivos a sua frente. Finalmente, abriu o primeiro e começou a ler as
páginas de estatísticas: aptidão, chances de gols, velocidade, e assim por diante. Ele não estava
totalmente certo do que estava procurando, mas teve uma base assim que chegou ao terceiro
atacante. O terceiro atacante era consistentemente bom, mas o quarto era mais interessante, porque
havia uma melhoria mensurável. CDs foram guardados nos envelopes da contracapa de cada pasta,
provavelmente contendo gravações dos momentos mais brilhantes dos jogadores.

Ele dividiu os arquivos em duas pilhas, os mais promissores e os talvez, e assim terminou ambas
as pilhas. Ele achou que a segunda peneira seria mais rápida, agora que tinha visto as informações
de todos, mas pensou novamente em cada um. Wymack provavelmente já teria terminado todas as
outras posições quando Neil finalmente fizesse a sua escolha, mas quando Neil sorrateiramente
lançou um olhar em sua direção, Wymack não estava muito adiantado do que ele. O olhar de Wymack
nem sequer se movia. Ele não estava lendo estatísticas; Estava estudando a foto do jogador, como se
a imagem pudesse responder tudo o que ele precisava saber.

Neil olhou de volta para o arquivo aberto à sua frente, tentando enxergar o que Wymack via.
Talvez Wymack pudesse ver a dor nas pessoas da mesma forma que Neil via a raiva; onde Neil via a
calma inabalável de uma garota, talvez Wymack visse um olhar vago e ombros derrotados. Neil
indagou-se:

Wymack tinha visto alguma coisa em sua foto ou acabara por confiar na avaliação de Hernandez,
de que algo estava errado?

De qualquer forma, ele gostaria de pensar que tinha uma boa cara de paisagem. Mas Wymack
raramente era enganado por dissimulações.

– Problemas? – perguntou Wymack.

– Não –, mentiu, e voltou para a tarefa em mãos.


Demorou parte da manhã para acabar com os possíveis atacantes, mas Neil finalmente tinha uma
pilha pronta para Kevin e Wymack completarem o trabalho. Wymack colocou-os no chão e pôs os
arquivos rejeitados de volta na caixa.

– Mais alguma coisa? – Neil perguntou.

– Livre para ir –, disse Wymack. –Precisa de carona?

– Estou bem –, respondeu Neil.

– Uh huh –, assentiu Wymack sem levantar o olhar. – Neil deixou o assunto de lado e recolheu seu
lixo do café da manhã. Estava quase no cesto de lixo, antes de Wymack começar. – A propósito, vou
torná-lo vice-capitão no próximo ano.

O coração do Neil subiu até garganta. Ele virou-se para encarar Wymack, mas levou duas
tentativas para encontrar sua voz.

– Você vai o quê?

– Em breve, Dan terá que deixar a equipe –, disse Wymack. – Ela precisa de um substituto.

– Não posso –, protestou Neil. – Você deveria perguntar ao Matt ou Kevin.

– São jogadores talentosos e com mais experiência –, admitiu Wymack, – mas eles não têm o que a
equipe precisa. Você sabe por que eu fiz da Dan a Capitã? – Wymack olhou para Neil, esperando que
ele negasse com cabeça. – Eu sabia, no momento em que eu a vi, que ela poderia liderar esta equipe.
Não importava o que seus colegas pensassem dela; Não importava o que a imprensa pensava dela.
Ela se recusou a ser uma fracassada, então se recusou a desistir desta equipe. Era o que eu
precisava para tirar as Raposas do chão.

– Você é o único aqui que pode ser o sucessor dela – disse Wymack. – Não percebeu? Eles se
juntam ao se redor e correm atrás de você. Isso é algo especial. Você é especial.

– Você nem sabe quem eu sou.

– Meu rabo que eu não sei –, disse Wymack. – Você é Neil Josten, recruta de dezenove anos de
Millport, Arizona. Nascido em 31 de março, 1, 60m, destro, tamanho P. Iniciou como atacante para as
minhas Raposas, e melhor calouro atacante da primeira divisão de Exy na NCAA.

– Não –, cortou Wymack, elevando o tom quando Neil tentou interromper. – Me olhe nos olhos e
diga se achas que eu me importo com quem você costumava ser. Hum? – Wymack apontou o dedo em
seu rosto, e depois o fisgou na mesa. – Eu me importo com quem você é agora, e quem poderá ser
mais a diante. Não estou pedindo que se esqueça de seu passado, mas peço que o supere.

– Não posso liderá-los –, disse Neil. – Não vou.

– Isso aqui não funciona como um estado democrático –, disse Wymack. – Vocês não votam no que
vão faze ou deixam de fazer. Eu dito as regras, e vocês acatam. E você vai lidar com isso. Você
precisa disso tanto quanto eles precisam de você. Me dê uma boa razão pela qual você recusaria?

– Eu... – Neil tentou, mas não podia dizer – Estou morrendo. – Ele não podia dizer a Wymack que
não viveria o suficiente para assumir a posição. – Tenho que ir.

Ele temia que Wymack argumentasse, mas tudo que Wymack disse foi:

– Vejo você segunda-feira.

Neil pensou que ao sair do estádio respiraria mais aliviado, mas seu peito ainda estava muito
apertado quando tropeçou na calçada. Olhando o estacionamento vazio, os batimentos pulsando em
sua testa. Pensar em voltar a Torre das Raposas e encarar seus companheiros fez seu estômago doer,
mas não havia outro lugar para ir. Deveria correr para espairecer. Arder em chamas até as cinzas, até
que não conseguisse pensar ou sentir mais nada. Mas os pés de Neil enraizaram na calçada. Talvez
eles soubessem que ele não pararia se começasse a correr agora.

Ele sentou-se na calçada para ganhar tempo, mas seus pensamentos continuaram se contorcendo
em círculos. Neil sentiu-se estar a meio segundo de perder a cabeça, mas, então, Andrew chamou seu
nome, e os pensamentos de Neil cessaram assustadoramente. Tardiamente, ficou ciente de sua mão
em seu ouvido e os dedos cerrados em torno de seu celular. Ele não se recordou tê-lo puxado de seu
bolso ou de ter tomado a decisão de ligar. Ele abaixou o celular e apertou um botão pensando que
talvez tivesse imaginado coisas, mas o nome de Andrew aparecia no display e o cronômetro mostrava
quase um minuto de ligação.

Neil colocou o telefone de volta ao seu ouvido, mas não conseguiu encontrar palavras para
descrever o sentimento infeliz que estava o torturando. Em três meses, o campeonato terminaria. Em
quatro, ele estaria morto. Em cinco, as Raposas voltariam aqui para os treinos de verão com seis
novos recrutas. Neil podia contar sua vida em apenas uma palma da mão agora. Na outra mão,
estava o futuro que não poderia ter: Vice-capitão, Capitão, Astro.

Neil não enxergava em si mesmo o direito de lamentar essas oportunidades perdidas. Ele havia
conseguido mais do que merecia; pedir mais era egoísmo.

Ele deveria ser grato pelo o que tinha; e mais satisfeito ainda, pois sua morte significaria algo. Ele
arrastaria seu pai e os Moriyamas para o limbo junto com ele quando partisse, e eles nunca se
livrariam das acusações que faria. Seria o justo: por sempre fazê-lo pensar que nunca teria nada, e a
vingança pela morte de sua mãe. Ele achava que aceitaria essa dor, mas lá estava ela de volta em seu
peito, onde não tinha o direito de estar. Neil sentiu como se estivesse se afogando.

Finalmente, Neil encontrou sua voz, mas o melhor que conseguiu foi:

– Venha me buscar, aqui do estádio.

Andrew não respondeu, mas o silêncio assumiu um novo Tom. Neil verificou a tela novamente e
viu o cronômetro piscando. Andrew havia desligado, no mesmo instante. Neil desligou o celular e
esperou. Eram apenas alguns minutos da Torre das Raposas até o Foxhole, mas demorou quase
quinze minutos para Andrew aparecer no estacionamento. Estacionando na vaga a alguns
centímetros do pé esquerdo de Neil, sem se preocupou em desligar o motor. Kevin estava no banco
do passageiro, silenciosamente franzindo a testa julgando Neil através do pára-brisa. Andrew saiu do
carro quando Neil não se mexeu e ficou a frente de Neil.

Neil o olhou, estudando a expressão entediada de Andrew e esperando por perguntas que sabia
que não viriam. Aquela apatia deveria ser agradável contra seus nervos à flor da pele, mas de alguma
forma lhe informava o contrário. Primeiramente, o desinteresse de Andrew em seu bem-estar
psicológico era o que lhe atraia; também era perceptivo que Andrew nunca ignoraria qualquer
sentimento que estivesse afligindo Neil.

– Eu não quero ficar aqui hoje –, disse Neil.

– Estávamos quase na interestadual –, retrucou Andrew.

Foi o convite mais indiferente que Neil já ouvira, mas não se importou. Andrew deu meia volta por
ele sem hesitação. Isso foi motivo suficiente para se levantar e ir com ele. Neil sentou-se atrás do
banco do passageiro e olhou pela janela. Kevin olhou para ele novamente, mas nada disse, e Andrew
fez com que o carro se movesse antes mesmo da porta ser fechada.

Eles não perguntaram o que estava acontecendo de errado, então Neil não perguntou por que
eles estavam tomando a rota I-85 em direção a Atlanta. Foram às duas horas mais longas da vida de
Neil, mas o silêncio e a ilusão de escapar do campus de Palmetto State ajudou Neil a recuperar a
cabeça. No momento em que chegaram a Alpharetta, seu corpo afundou em uma dormência
confortável. A insônia da noite passada começou a alcançá-lo e ele se deixou cochilar. Ele acordou ao
som do telefone de Andrew tocando, mas Andrew permaneceu na linha tempo suficiente para dizer:

– Não.

Alguns minutos depois, eles chegaram a uma concessionária. Kevin saiu assim que Andrew
estacionou. Andrew desligou o motor e jogou suas chaves no banco de passageiro, agora-vazio.

– Saía ou fique ai –, disse Andrew. – São suas únicas opções.


Correr não era uma opção, ele quis dizer.

Andrew sabia o motivo de Neil ter ligado.

– Vou ficar.

Andrew saiu e bateu a porta logo atrás. Neil assistiu-o desaparecer na porta de entrada em busca
de um representante de vendas, em seguida, fechou os olhos e adormeceu novamente. Quando
acordou, havia um monstro preto metálico estacionado ao lado do carro alugado. Em relação a
carros, Neil não era tão esperto agora do que tinha sido no início do ano, mas cada curva sinuosa
daquele carro custava uma fortuna. Neil supôs que Andrew fizera esta compra como fizera com o
último: simplesmente procurando por qualquer carro que torrasse seu orçamento o mais rápido. Era
um capricho desconcertante para alguém que alegava não ter apego às seus bens materiais.

Andrew abriu a porta de trás e cruzou o olhar com Neil.

– Kevin?

Neil limpou o sono dos olhos e tirou o cinto de segurança.

– Deixe ele ir com você. Não tenho nada para dizer a ele.

Andrew fechou a porta novamente, e Neil mudou-se para o banco do motorista. Andrew saiu do
estacionamento primeiro e Neil o seguiu até a interestadual. Eles pararam em um posto de gasolina
com um fast food anexado.

Neil não sentia fome, mas encheu o maior copo disponível com café enquanto os outros comiam.
Ele sentou-se a mesa ao lado para saboreá-lo e olhar o estabelecimento. Kevin olhava para ele
ocasionalmente enquanto comia, sem dizer nada, provavelmente atribuindo seu humor ao fiasco da
noite passada. Andrew olhou para fora, admirando do chão ao teto de seu carro novo.

A viagem de volta pareceu mais curta do que a viagem para Geórgia tinha sido, mesmo tendo que
passar por Palmetto State e deixar o carro alugado em Greenville. O representante verificou o carro
para novos aluguéis, ligou o motor por um tempinho, verificou o quanto de gasolina tinha no tanque,
e pediu a Andrew para assinar alguns formulários. Então, não havia mais nada a fazer senão retornar
ao campus. Neil pensou ter estado longe tempo o suficiente para ficar bem, mas a primeira visão da
Torre das Raposas pela janela o deixou cansado.

Os três subiram as escadas, e Neil não parou no terceiro andar. A batida de passos suaves dizia
que Andrew estava o seguindo, uma porta soou no corredor quando Kevin se dirigiu a seu quarto.
Andrew o alcançou assim que Neil parou para lutar contra a porta de acesso ao telhado. Ele tinha
dois cigarros e os acendeu antes mesmo de estarem do lado de fora. Neil pegou o seu e levou-o até a
frente do telhado. Sentou-se o mais perto da borda possível, esperando que aquele choque de medo o
distraísse de seus pensamentos terríveis, e olhou para a amplitude do campus.

Andrew sentou-se ao seu lado segurando algo. Neil olhou, mas demorou um minuto até entender o
que Andrew estava lhe oferecendo. A concessionária lhe dera duas chaves, e Andrew a estava dando
a outra para Neil. Quando Neil demorou a tirá-la de sua mão, Andrew a deixou cair no concreto entre
eles.

– Problemático –, disse Andrew. – É só uma chave.

– Você já foi uma criança para adoção. Você sabe que não é apenas isso –, disse Neil. Ele não
pegou a chave, mas pressionou dois dedos em torno, buscando entender a afeição e a sensação deste
novo presente. – Eu sempre tive dinheiro suficiente para viver confortavelmente, mas todos os
lugares decentes fazem muitas perguntas. Há verificações de antecedentes, verificação de crédito e
referências, coisas que eu não posso fornecer por conta própria sem deixar muitos rastros. Então me
estabeleci em Millport. Antes disso, eu ficava em hotéis baratos, invadia carros de pessoa ou
encontrava lugares que aceitavam dinheiro por debaixo dos panos.

– Tudo sempre significou partir –, disse Neil. Ele virou a palma da mão para cima e desenhou uma
chave com a ponta do dedo. Havia brincado com a chave da casa de Andrew tantas vezes que
conhecia o contorno de cor. – Sempre foi mentir, se esconder e desaparecer. Eu nunca pertenci a
lugar algum, ou tive o direito de chamar qualquer coisa minha. Mas o treinador me deu as chaves do
estádio, e você me disse para ficar. Você me deu uma chave e a intitulou de lar. – Neil cerrou o
punho, imaginando a mordida da chave contra sua palma, e ergueu o olhar para o rosto de Andrew. –
Não tive um lar desde que meus pais morreram.

Andrew posicionou um dedo no rosto de Neil, o forçando virar a cabeça para longe.

– Não me olhe com essa cara. Não sou a sua resposta, e você com certeza não será porra
nenhuma para mim.

– Não estou procurando uma resposta. Eu só quero...

Neil apenas gesticulou, impotente, incapaz de terminar esse apelo. Ele não sabia o que queria;
Não sabia o que precisava. Nas últimas vinte e quatro horas tinha apenas chutado seus pés por ai e
ainda não havia conseguido encontrar seu equilíbrio. Ele não sabia como fazer essa dor ir embora ou
como silenciar a voz sussurrando “tão injusto” em seus ouvidos.

– Eu estou cansado de ser um nada.

Neil já vira esse olhar no rosto de Andrew uma vez, quando ele e Andrew fizeram uma trégua na
sala de Wymack no verão passado. Neil lhe alimentou com meias verdades para comprar sua
aceitação, mas não fora a morte e as descrições vagas dos crimes de seus pais que atingiram Andrew.
Fora sua inveja profunda por Kevin, sua solidão e desespero. Depois de tudo o que tinham passado
nestes últimos meses, Neil finalmente soube o que este olhar significava. A escuridão no olhar de
Andrew não era censura; era sua perfeita compreensão. Andrew tinha encontrado uma barreira e a
destruído há tempos.

Neil estava pendurado por um fio desgastado, e havia se agarrando a qualquer coisa que pudesse
mantê-lo à tona.

– Você é uma Raposa. Você sempre será um nada. – Andrew arrancou seu cigarro. – Eu te odeio.

– E nove por cento do tempo você não me odeia.

– Nove por cento do tempo eu não quero esganá-lo. Eu sempre te odiei.

– Cada vez que você repete, eu acredito um pouco menos.

– Ninguém te perguntou. – Com isso, Andrew segurou o rosto de Neil em suas mãos e se inclinou
até ele.

Tirando aquela investida de Nicky, enquanto estava drogado, Neil não beijara ninguém há quatro
anos. A última garota fora uma franco-canadense magricela que o segurara apenas com as pontas
dos dedos e o beijara como se temesse borrar seu gloss brilhante ridículo. Neil não conseguia mais
lembrar seu nome ou feição. Ele lembrou-se apenas o quão insatisfatório o encontro ilícito tivera
sido, e quão furiosa sua mãe ficara ao flagrá-los. Aquele selinho constrangedor não valera a punição
que viera em seguida.

Esse beijo, não era nada do que aquele havia sido.

Andrew o beijou como se estivesse em uma briga e suas vidas estivessem em jogo, como se seu
mundo parasse e recomeçasse na boca de Neil. O coração de Neil explodiu na primeira pressão
brusca dos lábios de Andrew contra o seu, e ele estendeu a mão sem pensar. Sua mão foi até o
maxilar de Andrew, antes de lembrar que Andrew detestava ser tocado. Neil agarrou a manga do
casaco de Andrew e enganchou os dedos na lã com força.

O toque foi um gatilho.

Andrew se inclinou um pouco para trás, apenas o suficiente, para dizer:

– Me diga que não.

Os lábios de Neil estavam doloridos; sua pele estava arrepiada. Sentia-se sem fôlego, como se
tivesse sobrevivido a uma meia maratona. Sentia-se forte, como se pudesse correr mais cinco. O
pânico ameaçou destroçar seu estômago em pedaços. O bom senso dizia para recusar essa atração e
recuar antes que ambos fizessem algo de que se arrependeriam. Mas Renee dissera que Andrew não
sentia arrependimentos, e Neil não viveria tempo suficiente para se importar com arrependimentos.
Ele ainda estava inclinado quando Andrew tirou a mão de Neil de seu casaco.

– Deixa pra lá –, disse Andrew. – Eu não fiz isso.

Ele praticamente empurrou o braço de Neil para longe de si e se inclinou para fora do espaço de
Neil. Segurou o filtro do cigarro amassado, decidindo rapidamente de que não prestava, e procurou o
maço em seu bolso novamente. Neil observou-o até acender, observando a nova tensão nos ombros
de Andrew, e a violência em seus movimentos curtos. Ele pensou que deveria dizer alguma coisa, mas
não sabia por onde começar. O beijo de Andrew e o recuo abrupto foram igualmente
desconcertantes.

Andrew conseguiu apenas uma tragada antes de esmagar o segundo cigarro ao lado do primeiro.
Acendeu um terceiro mesmo assim, mas Neil estendeu a mão e o tomou. Era um bom sinal, talvez,
Andrew não reagir ao roubo. Neil colocou o cigarro ao lado de seu, caído no chão, e olhou para
Andrew. Andrew atirou o maço para um lado e juntou os joelhos ao peito.

Neil deveria deixar isso passar, mas ele precisava entender.

– Por que não?

– Você é tão burro que não consegue me dizer não –, disse Andrew.

– E você não quer que eu diga sim?

– O que aconteceu não foi um sim. Foi só um ataque de nervos. Eu sei a diferença, mesmo que
você não saiba. – Andrew enfiou o polegar em seu lábio inferior, como se pudesse apagar pressão dos
lábios de Neil, e fixou seu olhar no horizonte. – Eu não vou ser como eles. Não vou deixar você me
influenciar.

Neil abriu a boca, fechou-a e tentou de novo.

– Da próxima vez que um deles disser que você é desalmado, eu vou te defender.

– Noventa e dois por cento –, disse Andrew, – indo para noventa e três.

Não era engraçado — nada disso era — mas essa resposta foi tão desagradável e tão tipicamente
Andrew que Neil não pôde deixar de sorrir. Ele se forçou a tirar o sorriso antes que Andrew o notasse
e voltou seu olhr para o campus novamente.

Pela primeira vez naquele dia, talvez pela primeira vez naquela dura semana, ele pode respirar
sem sentir seu peito repuxar de tanto aperto. Quando a tensão se dissipou, o peso da exaustão de
Neil voltou, mas, desta vez, foi um cansaço genuíno. Ele não havia dormido na noite anterior, só
conseguira uma hora de descanso dentro do carro. Dormir agora jogaria o resto do fim de semana no
lixo, mas Neil não se importava. Ele pegou a chave de Andrew e se levantou.

– Ei –, disse ele, mas Andrew não o olhou. – Obrigado.

– Vá embora antes que eu te empurre daqui de cima –, ameaçou Andrew.

– Faça isso. Vou te arrastar comigo –, Neil o lembrou, e deixou Andrew com seus pensamentos.

Por algum milagre, seu quarto estava vazio. Neil ainda fechou a porta do quarto antes de trocar a
roupa suada. Ajustou o despertador para acordá-lo por volta da hora do jantar, em seguida, o
empurrou de volta quando seus pensamentos o mantiveram acordado por mais uma hora. Ele tirou a
mão de baixo do cobertor e abriu-a para inspecionar sua mais nova posse. Os dentes da chave haviam
deixado marcas ao longo do polegar. Neil colocou a chave no chaveiro, ao lado da chave do antigo
carro de Andrew e as observou balançarem sem realmente se atentar.

Neil desistia de fantasiar com seus interesses amorosos logo após a sua mãe surrá-lo. Ele ainda
mantinha o interesse, mas lidava sem dar mais atenção do que passar fome e sede. Talvez, se recusar
a querer coisa a mais fosse um mecanismo a ser enfrentado. Neil não podia ter alguém, então não
sentia pena pela a ausência. A paranoia o ajudou a reforçar essa mentalidade ao longo dos anos, até
que manter as pessoas à distância fosse a única coisa lógica a se fazer.

Tornar-se amigo das Raposas era desaconselhável, mas inevitável. Beijar um deles era impensável
e ia contra tudo o que sabia. Neil não tinha a intenção de atravessar um dedo nesse limite, ou
convidar Andrew a atravessá-lo. Provavelmente não teria que se preocupar com isso, considerando a
sonora aversão de Andrew por ele e seus sérios problemas de limites. Andrew não era como Nicky,
que o bajularia, discutiria ou protestaria se Neil dissesse que era uma má ideia. Se Neil recusasse
essa possibilidade, Andrew nunca perguntaria por motivos ou traria o assunto novamente. Seria
como se nada tivesse acontecido e Neil poderia viver os últimos meses de sua vida em paz.

Mas essa tal paz, ou covardia, era instintos de sobrevivência ou ele só estava evitando? Neil
poderia repetir para si mesmo o dia todo, a coisa mais inteligente a se fazer, mas se ele realmente se
importasse com isso, não teria vindo para Palmetto em primeiro lugar. Teria fugido quando
descoberto que os Moriyamas eram mafiosos, ou quando Riko o chamou pelo seu verdadeiro nome,
ou quando Riko o desafiou a negociar sua segurança pela a de Andrew. Neil tinha feito uma estupidez
atrás da outra durante todo o ano, e esse tinha se transformado no melhor ano de sua vida.

Não era motivo suficiente para aceitar as possibilidades, no entanto Neil também não estava
disposto a rejeitá-la. Tempo não era algo que tinha de sobra, precisaria mais do que esses momentos
esfarrapados para decidir-ser. Neil sabia que não estava no estado de espírito exato para decidir de
uma forma ou de outra. Ele enfiou as chaves debaixo do travesseiro e rolou para o outro lado, como
se mudaria o que acabara de acontecer. Ele disse a si mesmo para não pensar nisso agora, mas sua
boca ainda lembrava o peso dos lábios de Andrew, isso fazia seus cabelos arrepiarem.

Neil se distraiu da única maneira que sabia, contando o máximo que podia em todas as línguas
que conhecia. Ele não se lembrou de ter adormecido, e não sabia há quanto tempo estivera apagado
antes de seu telefone tocar. Sua nova mensagem era de um número desconhecido, e tudo o que dizia
era "48". Neil apagou, ele teria desmaiado novamente se não fosse pelo som abafado da TV na sala ao
lado. Neil buscou forças para enfrentar os veteranos, conseguiu o mais perto disso, naquela manhã.
Com um suspiro silencioso, chutou os cobertores, desligou o despertador e desceu de sua cama.

Dan sentou-se encostada ao lado de Matt no sofá. Pegou o controle remoto e desligou a TV assim
que avistou Neil na porta.

– Nós te acordamos? – Ela perguntou, e apesar de Neil negar com a cabeça, disse: – Desculpa.

– Eu não deveria dormir tão tarde de qualquer maneira.

Ele foi buscar um copo de água. Esperava que eles voltassem para seja lá o que estavam fazendo
antes de interrompê-los, mas quando voltou para a sala, a TV ainda estava desligada. Houve uma
discussão silenciosa entre os olhares que Matt e Dan enviaram um ao outro. Neil não sabia qual deles
havia vencido, mas Matt sacudiu a cabeça e olhou para Neil.

– Queríamos te dar uma festa de aniversário –, disse Matt. – Não parece certo ter um aniversário e
não fazermos nada. No entanto, Renee achou uma má ideia, a ponto de ligar para Andrew apoiá-la.
Ele ficou do lado dela.

Neil lembrou-se de um telefonema o acordando enquanto iam trocar de carro em Alpharetta.


Andrew só ouvira por um momento antes de dizer “não”. Neil calmamente retomou todos os
pensamentos suspeitos que tinha sobre Renee. Sua mascara serena provavelmente sempre o faria
duvidar dela, mas ela entendia os mais ínfimos dos detalhes quando isso importava.

– Obrigado, mas eles estão certos –, disse Neil. – Prefiro fingir que nada aconteceu.

– E se pulássemos a festa e partíssemos para a entrega dos presentes?

Dan suspirou quando Neil balançou a cabeça.

– Tudo bem, mas se não vamos organizar nada, então vamos fazer algo bem louco no dia 31 de
março. Combinado?

– Defina louco –, disse Neil.


Dan sorriu como se ele não tivesse dito nada.

– Combinado?

– Combinado – respondeu Neil.

– Bom –, disse ela. – Agora vamos nessa.

Neil se juntou aos dois no sofá e eles ligaram TV novamente.

Ele teria esquecido a mensagem que o acordou se não tivesse recebido uma nova mensagem com
“47” de outro número na noite seguinte. Consternado, Neil fitou seu celular ao perceber que alguém
estava lhe enviando uma contagem regressiva. Ele empurrou seu trabalho escolar de lado, em favor
do calendário pendurado na geladeira. Contou os dias com os dedos, virando as páginas até
encontrar março. Por um momento, ele pensou que chegaria ao aniversário de Neil Josten, mas havia
parado na sexta-feira, 9 de março. Era um dia estranho para tudo acabar. Seria o ultimo dia antes das
férias de primavera da universidade. Haveria um jogo naquela noite, mas não era umas das partidas
eliminatórias.

Neil verificou seu celular, pensando se deveria ou não responder. Por fim, apagou a mensagem e
voltou a conjugar os verbos em espanhol.

O restante das Raposas só descobriu que Andrew havia substituído seu carro destruído na
segunda-feira de manhã. Nicky seguiu Neil pelo estacionamento, tagarelando sobre um trabalho que
deveria ter terminado até hoje, mas que estava pela metade. Quando Andrew parou de caminha,
Nicky também parou, mas como Nicky não enxergou o carro alugado, continuou tagarelando. Ele
calou-se quando Andrew abriu a porta do motorista. Nicky olhou, esfregou os olhos e quase caiu
quando saltou para trás.

– Fala sério!

Seu grito chamou a atenção dos outros, e Matt previsivelmente foi o próximo a reagir. Ele passou
por Neil para olhar o carro.

– O que você vai fazer com um Maserati?

– Dirigir – respondeu Andrew, obviamente, e sentou no banco do motorista.

Matt passou ambas as mãos sobre o capô, sem tocar, como se suas digitais pudessem estragar o
exterior perfeito.

A surpresa ostensiva de Andrew fez Neil fitá-lo. Andrew encontrou seu olhar através do para-
brisa, porem não o manteve por muito tempo. Ele puxou a porta, para fechá-la, mas Matt havia dado
a volta e posto à mão no caminho. Inclinando-se para olhar dentro, com olhos arregalados em
fascínio. Nicky tinha menos restrições em por a mão em sua nova carona e deu a volta de queixo
caído.

– Mas quando...? – Perguntou Matt. – E como...?

Allison foi menos sutil.

– É roubado?

Dan sussurrou para que ela mantivesse o tom de voz baixo, no entanto Allison deu de ombros.

Matt acenou para Andrew.

– Vai! Eu quero ouvir.

Andrew girou a chave na ignição e o carro ganhou vida em um rugido silencioso. Matt jogou as
mãos para o alto e se virou, como se estivesse orquestrando uma sinfonia. Andrew fechou a porta,
então Matt voltou-se para Dan cuspindo fatos e estatísticas que passaram pela mente de Neil.

Neil olhou para Aaron, avaliando sua reação. Aaron parecia dividido, como se realmente quisesse
se impressionar com a prestigiosa viagem, porem sem deixar de sentir ressentimento suficiente para
se animar-se.

Kevin raramente se impressionava com luxos, graças à sua criação, foi ele quem acompanhou
Andrew durante a compra do carro. E não teve a paciência de aturar as reações de seus
companheiros, os varrendo com irritação no olhar.

– Não façam a gente se atrasar para o treino.

– Grande coisa! – disse Nicky, subindo no banco de trás.

Nicky se acomodou no assento do meio, mantendo Aaron e Neil longe um do outro. Ele não
perdeu tempo afivelando o cinto de seguranças, logo se inclinou entre os bancos da frente para olhar
o painel e gemeu – ooohhh e aaahhh – quando Neil e Aaron entraram. Andrew o tolerou por alguns
segundos antes de empurrá-lo para seu lugar com uma mão em seu rosto. Nicky estava animado de
mais para incomodar-se. Em vez de reclamar, disse:

– Mas, sério, Andrew. Onde conseguiu isso?

– Geórgia –, respondeu Andrew.

Nicky suspirou pesadamente, porem não perguntou novamente.

Andrew e Aaron ainda não se falavam, Aaron e Neil ficavam fora do caminho um do outro sempre
que possível, entretanto o restante das Raposas preenchia as lacunas da melhor forma possível.

Aquela pegadinha cruel armada por Riko, na última sexta-feira, trouxe uma tendência
protecionista desnecessária, mas bem-intencionada, dos veteranos. Até mesmo Kevin se esforçou em
ser mais tolerante, talvez depois de ver o quanto Neil estava abalado no sábado.

Neil dissera a todos que estava bem para não sacudir o barco, pois eles estavam jogando unidos e
melhores do que nunca. As Raposas teriam mais um jogo para passa pela primeira rodada. Suas
vitórias consecutivas garantiram um lugar nas eliminatórias, contudo eles não estavam dispostos a
pegar leve essa semana.

Neil tentou preencher Exy em cada espaço de tempo livre que tinha. Trouxera táticas e
escalações da USA para a aula com ele, escondidos sob seus livros, e encontrou-se com Kevin no
refeitório, para o almoço, e discutiram jogadas. Apesar de todo esforço feito para se concentrar no
jogo de sexta-feira, seus pensamentos continuaram descarrilando sem aviso prévio. Sempre que
Andrew cruzava a sala, o olhar de Neil seguia.

Sempre que Neil tirava as chaves do bolso e via a sua mais nova adição, se lembrava do beijo de
Andrew. Ele olhou de Matt para Nicky, verificando se ele os via de forma diferente, mas nada havia
mudado. Neil não sabia o significado disso, porém sabia que ainda não era o momento de descobrir.
Esperaria até a próxima semana, quando as Raposas teriam uma semana de folga antes do mata-
mata morte.

A completa distração de si mesmo veio na quarta-feira, quando Kengo Moriyama desmaiou em


uma reunião de conselho e foi levado para o hospital em uma ambulância. Wymack sempre mantinha
seu time informado de notícias de fundo, então mandou uma mensagem para sua equipe no momento
em que ouviu sobre o ocorrido. Neil estava certo de que teriam microfones apontados no rosto de
Riko antes mesmo de Kengo ser avaliado, e se não odiasse tanto Riko, ficaria enojado com o
entusiasmo desumano dos repórteres.

Ele encontrou a entrevista online nos computadores da biblioteca entre as aulas. Riko tolerou a
maioria de suas perguntas indiscretas com elegância e um comportamento calmo, no entanto
mostrou desagrado assim que perguntado se estaria a caminho do hospital. Os repórteres sabiam
muito bem que Kengo e Riko estavam separados; eles simplesmente não entendiam a seriedade da
separação. Kevin dissera uma vez as Raposas que Riko nunca conhecera seu pai ou irmão. A família
Moriyama não tinha tempo a perder com os filhos não primogênitos, sendo assim Riko foi enviada
para Tetsuji o mais rápido possível após o nascimento.

O olhar que Riko enviou à mulher poderia derreter o microfone que ela segurava.

– Você está ciente de que temos um jogo amanhã. Meu lugar é aqui com a minha equipe. Se os
médicos honrarem seus diplomas, lhe devolverão toda saúde, eu estando ou não lá para ver isso
acontecer.

Neil pegou seu celular e enviou uma mensagem para Kevin.

– Acha que é grave?

– É melhor não ser –, foi a primeira resposta de Kevin, e então, – Riko ainda acredita que pode
conseguir a atenção de seu pai com sua fama. Se ele não se recuperar, Riko descontará sua raiva e
tristeza em todo mundo.

Neil refletiu, então disse:

– Ainda bem que você não está mais lá.

– Jean ainda está – Kevin respondeu, e Neil soube que não deveria ter comentado.

O equipamento de reposição de Neil chegou na quinta. A partida fora de casa contra o Arkansas,
na sexta-feira, significava uma viagem durante todo o dia. Eles já estavam no ônibus das Raposas
antes do sol nascer, fizeram paradas a cada quatro horas em pontos de parada e descanso na rodovia.
Com tanto tempo de sobra, Neil terminou seu dever de casa, estudou e enjoou de seu livro no meio
do caminho. Ele conhecia o time do Arkansas de dentro para fora, então não fazia sentido ficar
revendo sua formação. Estava exausto de tédio, mas não exausto o suficiente para dormir.

Kevin e Nicky dormiam e Andrew olhava pela janela, para o nada. Aaron os ignorava, como de
costume. Neil desistiu deles como fonte de entretenimento e se dirigiu para frente do ônibus, onde os
veteranos faziam uma conversa animada.

Eles não perguntaram o porquê ele tinha saído de seu lugar habitual, porém o entregaram no
grupo sem hesitação. Não fez a viagem parecer mais curta, mas era significativamente menos
entediante. Neil não fazia ideia de como Wymack conseguia dormir com o barulho deles. Força de
vontade, ele supôs, porque Wymack ainda se recusava a contratar um motorista e não queria que
suas raposas ficassem no Arkansas durante a noite. Ele os traria à Carolina do Sul logo após o jogo.

Eles chegaram à cidade por volta das seis horas, horário regional, duas horas antes da partida. O
jantar foi em um bufê local, onde desesperadamente inalaram calorias suficientes para mantê-los
durante todo o jogo, e depois, tiveram tempo suficiente para andar lentamente em volta da quadra do
SUA. Quando os portões finalmente se abriram para deixar a multidão entrar, Wymack mandou suas
Raposas se aprontarem.

A SUA não jogou com a velocidade ou a agressividade que a UT e Belmonte trouxeram para a
quadra, mas eles eram o time mais comunicativo que Neil já havia enfrentado. Eles constantemente
gritavam de cima para baixo, um para o outro, informando aberturas e rastreando as marcações um
dos outros. Eles resistiram, mas não ofereceram resistência o suficiente. A SUA já havia perdido para
a UT e Belmonte; vencer contra as Raposas não os salvaria ou sua dignidade.

Durante o intervalo, o resultado da outra partida naquela noite foi: UT havia derrotado Belmonte
e assim seguido para o jogo da morte. Ter os rivais eliminados deu as Raposas o segundo fôlego que
precisavam, e dominaram a quadra no segundo tempo.

As raposas saíram vitoriosas por uma margem confortável, posteriormente, lavaram-se antes de
voltar ao ônibus, às onze. Neil encontrou uma mensagem lhe esperando assim que ligou o celular
novamente: “42”.

Ele digitou um "Não enche”, porém apagou imediatamente. Reconhecendo as mensagens, a


última coisa que queria fazer era encorajar quem quer que estivesse provocando-o. Neil desligou o
celular novamente e comemorou junto aos veteranos.
CAPÍTULO DEZ

Uma semana sem jogos não diminuiu a intensidade de seus treinos, contudo Wymack abriu mão
de um pequeno espaço. Não por consideração, mas por necessidade: ele havia feito sua primeira
onda de cortes em sua pilha de Raposas e precisava da ajuda de sua equipe para reduzi-la. As
garotas aceitaram a tarefa entusiasmadas, o que Neil não esperava. Ele achava que escolher seus
próprios substitutos seria um leve lembrete de que estavam se formando daqui a um ano. Se alguma
delas estava ciente de que seu tempo estava acabando, não demonstrava.

Menos surpreendente foi o desprezo de Kevin por todos os arquivos que Wymack lhe oferecia. Ele
insistiu que Wymack fizesse uma segunda avaliação, o qual Wymack exigiu que Kevin fosse um pouco
menos rígido com atacantes que não haviam sido criados para se tornarem campeões. Neil não tinha
a experiência ou discernimento para discutir com Kevin, embora se agarrasse silenciosamente a uma
das escolhas que fizera, e se recusava a deixá-lo ser descartado. Kevin tentou arrancá-lo de suas
mãos, apenas uma vez, antes de descrever Neil como ignorante e voltou-se a Wymack novamente.
Abby interveio quando a discussão ficou alta demais e separou Wymack e Kevin para as extremidades
opostas do vestiário.

Na terça-feira, Kengo recebeu alta médica do hospital. Se não fosse o pai de Riko, poderia ter
chegado em casa sem questionamentos ou fanfarras, já que Kengo Moriyama passaria despercebido
como apenas mais um magnata. Enquanto estava lá, alguns repórteres esperavam à sua porta. Kengo
respondeu suas perguntas com um silêncio mortal e deixou seus assistentes abrirem o caminho. As
leis da HIPAA impediram que alguém descobrisse o que estava em seu prontuário, no entanto, ele
parecia ter se recuperado, então a imprensa finalmente desistiu e seguiu em frente.

Na tarde de quarta-feira, Andrew teve sua sessão semanal com Betsy, sendo assim, seu grupo
pegaria uma carona com Matt. Kevin e Nicky esperavam por eles no corredor quando Neil seguiu
Matt para fora de seu quarto. Aaron não estava à vista. Neil fechou a porta e olhou para Nicky.

Nicky meneou a cabeça.

– Ele disse que pegaria uma carona com Andrew hoje.

– Até o estádio? – perguntou Dan.

Neil considerou a expressão dos olhos arregalados de Nicky e adivinhou:

– Até a Dobson. Aaron quis ir junto.

– Não brinca! – disse Matt, assustado. – É sério mesmo?

– Estranho, não é? – Nicky indagou. – Eu disse que não sabia que Andrew tinha concordado, e
Aaron disse que Andrew não sabia o que ele estava planejando. Aaron ainda não voltou, então ou ele
está morto no estacionamento ou conseguiu. Será que cansou da Katelyn evitando ele? Falando nisso,
um dia desses quero saber como você envolveu ela nisso.

– Eu perguntei.

– Lá vem com esse “Pergunte” de novo –, disse Matt. – Significa outra coisa de onde você veio?

– Na maioria das vezes, sim – respondeu ele.

A honestidade inesperada fez Matt rir. Sem o antagonismo de Andrew e Aaron erguendo muros,
era fácil para as Raposas se enturmarem. Eles desceram as escadas em um grupo misto. Nicky
checou o estacionamento em busca de sinais da trágica morte de Aaron e subiu na caminhonete de
Matt com um sorriso selvagem quando não encontrou nenhum cadáver. Apesar dessa alegria, ele foi
rápido para indicar Neil como porta-voz quando Wymack precisava de uma explicação para a
ausência de Aaron. Wymack retribuiu adicionando voltas extras. Neil esperava que, pelo menos,
Nicky resmungasse, no entanto Nicky estava tão abalado com o progresso questionável de seus
primos que correu sem reclamar.

Andrew e Aaron tiveram que notar o intenso escrutínio a que foram submetidos quando
chegaram, no entanto, nenhum reconheceu a atenção. As raposas não eram suicidas o suficiente para
perguntar como tinham ido. Andrew parecia calmo, mas a expressão de Aaron era claramente cruel.

Wymack olhou para eles, de um para o outro.

– Isso vai ser algo rotineiro? Preciso saber como planejar as coisas.

– Não –, respondeu Andrew.

Aaron lançou-lhe um olhar irritado.

– Sim

– Tudo bem –, disse Wymack, e isso foi tudo.

Eles não tiveram um jogo na sexta-feira, contudo o CRE finalmente publicou a programação da
semana seguinte. Seis equipes de divisões paralelas procederiam para o mata-mata, em comparação
com oito dos superiores. As Raposas enfrentariam a Universidade de Vermont Pumas, em casa. UT
ficaria contra Nevada e Washington State enfrentaria Binghamton. Na categoria dos superiores, os
Três Grandes haviam milagrosamente evitado uns aos outros. Todos iriam para a terceira rodada,
junto com qualquer time que vencesse a partida entre Oregon e Maryland. Haveria outra pausa de
uma semana entre as partidas de mata-ma e a terceira rodada.

Um fim de semana livre significava que eles deveriam ter passado a noite bebendo em Columbia,
mas o truque de Aaron, na quarta-feira, arrastou a guerra fria dos gêmeos para um nível totalmente
novo. Segundo Nicky, Aaron entrou no quarto no mínimo para dormir ou trocar de roupa. Nicky
supôs que Aaron passara o resto do seu tempo livre com Katelyn. Neil esperava que ele estivesse
errado. Katelyn poderia estar disposta a falar com Aaron novamente agora que havia colocado os pés
no chão, mas Andrew tinha uma promessa a cumprir e tinha mais razões do que nunca para atacá-la.
Se Katelyn fosse esperta, mentiria por algumas semanas.

Eles não podiam ir para Columbia sem Aaron, então Nicky arrastou Neil para o seu quarto. Aaron
havia desaparecido, entretanto, Nicky e Andrew tomaram as poltronas e se uniram em um jogo de
terror. Neil trouxera sua bolsa, embora a trilha assustadora e o grito ocasional na tela fossem
desculpas perfeitas para não fazer nenhum dever de casa. Ele olhou para Kevin, que desconectou os
fones de ouvido de seu laptop e apontou para o quarto. Kevin pegou o computador, depois Neil foi
buscar um bloco de notas e fechou a porta da sala atrás deles.

Kevin estava escrito em um site de streaming de Exy. Ele procurou pelo mais recente jogo de
Vermont e girou a tela para que ambos pudessem ver. Neil anotou, Kevin absorveu tudo o que pôde
ver e então compararam as ideias. A UVM tinha uma equipe desequilibrada: uma defesa intimidadora
apoiando uma linha ofensiva medíocre. Neil e Kevin ficariam bastante ocupados, mas pelo menos sua
defesa problemática teria uma situação favorável.

Uma partida tornou-se duas, e teria se tornado três se Nicky não tivesse vindo procurá-los. Nicky
levou um segundo para perceber o que eles estavam fazendo e lançou um olhar desanimado entre
eles.

– Vocês não estão falando sério. É sexta-feira à noite e é assim que vocês se divertem? Dá um
tempo! Pensem em outra coisa por um tempo, fariam isso? Tipo, sorvete. Pensei que íamos para
Columbia. Meu corpo está clamando por sorvete o dia todo. Fui enganado e exijo compensação.

– Isso não é problema nosso –, acusou Kevin.

– Estou tornando seu problema –, disse Nicky. – Neil, você vem comigo até a loja.

– Vá sozinho –, insistiu Kevin.


– É uma ótima ideia. Há um pequeno erro, no entanto: não estou mais na apólice de seguro e não
tenho a chave para dirigir.

– Você o que? – Neil perguntou surpreso.

Nicky deu de ombros e não explicou.

– Vamos, Neil. Os jogos vão estar no mesmo lugar amanhã. Estou aqui agora, estou com fome e
cansado de você me ignorando no meu próprio quarto.

Kevin abriu outro jogo e fez uma pausa para que pudesse carregar.

– Andrew pode levar você.

– Não estou falando com você – continuou Nicky. – Estou falando com a sua mini cópia.

– Eu... –, Neil começou, mas hesitou quando o telefone tocou.

Podia adivinhar o que era, mas havia uma possibilidade de que não fosse. Tirou o celular do bolso
e abriu-o para ler a contribuição do dia a sua contagem regressiva: "35". Neil olhou para baixo em
silêncio. Se Neil acreditasse em sinais, isso seria a prova de que deveria ficar com Kevin. Eles
poderiam assistir outra partida antes de terem que dormir. Mais um jogo e ele, provavelmente, teria
nomes e números memorizados. Eles tinham menos de três meses até as finais. As Raposas não
podiam dar um único passo em falso.

Neil olhou para cima, pronto para rejeitar Nicky, mas Andrew se aproximou de Nicky na porta.
Neil olhou para ele e pensou no apelo preocupado de Nicky no outono passado, o aviso de que algum
dia Exy não seria o suficiente por si só. Poderia ser um refúgio seguro de seus pensamentos, uma
razão para se erguer e uma inspiração para lutar mais. Poderia significar o mundo para ele, porém
não poderia ser tudo. Ele não podia juntar seus cacos como as Raposas faziam. O Exy não largaria
tudo para buscá-lo no aeroporto ou chegaria até ele sem questionamentos, ou o chamaria de amigo.
Neil construiu sua vida em torno de Exy depois que sua mãe morrera, porque precisava de algo para
viver, mas Neil não estava mais sozinho.

Talvez se arrependesse disso na segunda-feira, quando estivesse a mil passos atrás de Kevin, mas
não era como se Neil fosse alcançá-lo de qualquer maneira. Neil fechou o celular e olhou para Kevin.

– Qual sabor você quer?

Kevin olhou para ele.

– Você não vai sair –, disse ele, não exatamente perguntando.

– Se ficarmos nessa, isso vai durar até tarde da noite. Escolha um sabor.

Kevin não respondeu; Talvez estivesse muito desapontado com Neil para levar a questão a sério.
Neil não se importava mais com o que Kevin pensava dele. Como lembrara a Kevin na outra semana,
a jornada de Kevin não havia parado em maio. Ele poderia passar todas as noites assistindo replays e
táticas intermináveis, porque ele tinha todo o tempo do mundo de sobra.

Neil colocou o celular no bolso e se levantou.

– Envie uma mensagem para Nicky quando se decidir.

Nicky olhou ao redor com alegria por ter vencido o cabo de guerra. Neil deixou a satisfação
pessoal triunfar sobre a atitude de Kevin e trouxe Nicky para o carro. Nicky conversou sobre Erik
durante a maior parte da viagem ao supermercado. Nicky planejava passar a maior parte de maio na
Alemanha. Seu breve encontro com Erik durante o feriado Natalino fez Nicky sentir sua falta mais do
que nunca, e estava contando os dias até que eles pudessem se encontrar novamente. Ele estava um
pouco preocupado com o que Andrew e Aaron poderiam fazer em sua ausência, no entanto, estava
confiante de que Neil os manteria vivos até o dormitório reabrir, em junho.

Kevin ainda não enviara a mensagem para Nicky quando chegaram ao corredor de sorvetes, então
Nicky cedeu e ligou para ele. Por um estante, Neil esperou que Kevin ignorasse a ligação de Nicky,
no entanto, Kevin não estava tão zangado a ponto de recusar um lanche grátis. Nicky pagou pelos
potes antes que Neil pudesse se oferecer para comprar o seu, e ambos voltaram ao dormitório com o
seu carregamento.

Kevin não estava à vista, contudo a porta do quarto estava trancada novamente. Neil supôs que
ele havia voltado a assistir os jogos, sozinho. Por um momento, Neil se incomodou por Kevin não
estar disposto a esperá-lo, mas se recusou a se arrepender de sua decisão. Nicky pegou colheres na
cozinha e distribuiu os potes para seus donos famintos. Neil verificou sua expressão quando Nicky
voltou depois de ter entregue a Kevin, mas Nicky apenas revirou os olhos para Neil e sorriu
novamente. Ele jogou o saco plástico vazio na lata de lixo e examinou sua prateleira de DVD com os
punhos nos quadris.

Depois de um minuto verificando seriamente, Nicky reclamou:

– Não tem nada para assistir aqui, Vou vasculhar a coleção de Matt.

Ele definitivamente havia dito isso, mas esperou um pouco no caso de Andrew rejeitar essa ideia.
Neil olhou para Andrew, rolando o sorvete entre as mãos para amolecer. Quando Andrew não disse
nada, Nicky desapareceu. Neil trancou a porta atrás de si e levou seu sorvete até Andrew. Ajoelhou-
se no chão perto ao pufe de Andrew e escutou. Ele não ouviu o som de jogo vindo do quarto, contudo,
os fones de Kevin não estavam mais na mesa. Neil deixou o sorvete e a colher de lado e olhou para
Andrew.

– Quando disse que não gosta de ser tocado, é porque você não gosta de nada ou porque não
confia em ninguém o suficiente para deixar tocar em você?

Andrew o fitou.

– Não importa.

– Se não importasse, não perguntaria.

– Não importa para um cara que não gosta da fruta – esclareceu Andrew.

Neil deu de ombros.

– Nunca experimentei porque nunca foi permitido. A única coisa que pensava em quanto crescia
era em sobreviver.

Talvez fosse por isso que estava naquela área cinza do que era aceitável. Não importava se
Andrew era um sociopata ou homem; a ideia de Andrew era tão entrelaçada com a ideia da
segurança de Neil que isso também era um meio de autopreservação.

– Me relacionar com alguém significava confiar que eles não me apunhalariam pelas costas
quando pessoas terríveis me procurassem. Estava com muito medo de me arriscar, então era mais
fácil ficar sozinho e não pensar nisso. Mas confio em você.

– Não deveria.

– Disse o carinha que decidiu parar. – Neil deu a Andrew alguns segundos para responder antes
de dizer: – Não entendo, e não sei o que estou fazendo, não quero ignorá-lo só por ser novidade.
Então, você, está completamente fora dos limites ou há alguma parte segura?

– Tá esperando o que, coordenadas?

– Esperando saber onde estão os limites antes de cruzá-los –, esclareceu Neil, – mas estou
disposto a desenhar um mapa em você, se quiser me emprestar um marcador. Não é uma má ideia.

– Tudo relacionado a você é uma má ideia –, disse Andrew, como se Neil já não soubesse disso.

– Ainda estou esperando por uma resposta.

– Eu ainda estou esperando por um sim ou um não que possa realmente acreditar –, Andrew
respondeu.
– Sim.

Neil pegou o pote de sorvete dos dedos de Andrew, que não resistiu, colocou-o sobre o seu e
inclinou-se sobre ele. Ele parou, timidamente beijando Andrew, não se atrevendo a tocá-lo até que
Andrew lhe deu a luz verde. A expressão de Andrew não mudou, mas houve uma mudança sutil na
tensão em seu corpo que disse a Neil que ele havia chamado a atenção de Andrew. Neil ergueu a
mão, embora tenha sido detido por uma diferença segura do rosto de Andrew. Andrew agarrou seu
pulso e apertou-o como um aviso.

– Tudo bem se você me odeia –, disse Neil.

Era a verdade, embora um pouco de eufemismo. Enquanto Andrew estivesse apenas fisicamente
atraído por Neil, era seguro experimentar. A morte de Neil não seria mais do que um leve
inconveniente para Andrew.

– Ótimo –, disse Andrew, – porque eu vou continuar.

Por um segundo Neil pensou que Andrew o afastaria e terminaria com isso. Andrew o empurrou,
mas seguiu Neil para o assoalho. O tapete curto era áspero contra os nós dos dedos de Neil, onde
Andrew colocou a mão sobre sua cabeça. Neil não podia reclamar quando Andrew era um peso firme
em cima dele. Sua mão começou a procurar Andrew novamente, mas parou no meio do caminho.
Andrew pegou sua mão também e manteve-a fora do caminho.

– Fique ai –, disse Andrew, e inclinou-se para beijá-lo.

O tempo não era nada. Os segundos eram dias, eram anos, eram as respirações que ficaram
presas entre suas bocas e a mordida das unhas de Neil contra as palmas das mãos, o roçar de dentes
contra o lábio inferior e o quente deslize de uma língua contra a sua. Ele podia sentir o batimento
cardíaco de Andrew contra seus pulsos em um ritmo ecoando nas veias de Neil. Como alguém que via
o mundo com tal desconexão estudada podia beijar desta forma, Neil não sabia, mas não reclamou.

Neil esquecera como era ser tocado sem intenção maliciosa. Tinha esquecido como era o calor do
corpo. Tudo sobre Andrew estava quente, das mãos que o seguravam até a boca, constantemente
afastando Neil. Neil finalmente entendeu o porquê sua mãe achava isso tão perigoso. Era distração e
indiscrição, algo a ser evitado e negado. Era baixar aguarda, deixar alguém ocupar espaço, e se
reconfortar em algo que não deveria ter e não poderia manter. Agora, Neil precisava de mais dessa
sensação calorosa para se importar.

Mas isso não poderia demorar, porque Kevin estava na sala ao lado e Nicky estava a apenas duas
portas de distância, porém a boca de Neil estava dormente e os seus pensamentos passaram zunindo
pela incoerência quando um golpe lhes advertiu que Nicky tinha aberto a porta. Neil reprimiu um
lampejo de irritação quando Andrew se levantou e se afastou dele. Neil tentou dizer a Nicky para
esperar um momento, mas não teve fôlego para falar.

Andrew estudou a expressão de Neil por alguns segundos, depois se levantou e foi para a porta.
Neil levantou-se com as mãos trêmulas e retirou-se para a mesa de Kevin com o sorvete. Tirar o lacre
de segurança foi a coisa mais difícil que fez durante todo o ano, mas pelo menos lhe deu uma
desculpa para não olhar para Nicky. Nicky resmungou sobre ter sido trancado para fora de seu
próprio quarto assim que atravessou a porta, mas quando chegou ao pufe, já havia esquecido em
favor dos filmes que tinha emprestado.

– Olhem, vocês vão votar desta vez – disse Nicky, como se estivesse fazendo um grande favor a
eles.

Ele citou títulos e atores principais. Neil deixou a lista entrar por um ouvido e sair pelo outro.
Depois de conviver com as Raposas por tanto tempo, ele reconheceu a maioria dos nomes dos atores,
mas não conhecia nenhum filme. Ele havia deixado de se importar, de qualquer forma, e não demorou
mito para Nicky notar.

– Olá, terra para Neil. Tá me ouvindo?

Neil olhou para as marcas de meia-lua que deixara na palma da sua mão.
– Você escolhe.

– Vocês dois são as pessoas menos úteis em todo o universo –, reclamou Nicky, apesar de ter
levado apenas um segundo para tomar uma decisão.

A entrada abriu e fechou quando puxou o DVD. Neil ouviu o assento ranger quando Nicky se
acomodou no pufe. Neil não ouviu Andrew se sentar novamente, entretanto ele não confiava em si
mesmo o suficiente para olhar e ver onde ele estava.

– Vamos, Neil!

Neil já não podia inventar uma desculpa para mais tempo.

– Já vou.

Então, as luzes do teto se apagaram o que significava que Andrew ficara na porta depois de deixar
Nicky entrar. Pensar que Andrew precisava de espaço e tempo para se recompor, da mesma maneira
que Neil, quase destruiu as tentativas de Neil de recuperar seu rosto neutro. O sorvete frio foi um
pouco mais útil para sugar o calor de sua pele, então Neil segurou firme e se levantou da mesa. Não
havia espaço para se sentar entre os pufe e ele não queria parecer estar evitando Andrew, então se
sentou no chão à esquerda do pufe de Andrew.

Nicky iniciou o filme assim que Andrew se juntou a eles. Neil assistiu para que não pudesse olhar
Andrew, mas se alguém lhe perguntasse mais tarde sobre o que se tratava, ele não seria capaz de
dizer. Ele tinha certeza de que ainda sentia o batimento cardíaco de Andrew em sua pele quando foi
dormir algumas horas depois.

Neil sobrevivera a mais do que algumas semanas agitadas enquanto se desenvolvia, mas a
semana que antecedia o primeiro jogo da morte das Raposas foi quase o suficiente para abalá-lo. Os
níveis de estresse de seus companheiros estavam nas alturas, e Neil não pôde deixar de ser afetado
por seu pânico silencioso. Dan tentou soar tranquila, embora Neil pudesse ouvir a tensão em sua voz
enquanto liderava sua equipe no treino.

Allison gritou com alinha defensiva deficiente sempre que teve uma oportunidade, e Kevin foi
horrível com todos eles. Matt era ligeiramente o melhor em manter as aparências, mas quanto mais à
semana se passava todos ficavam mais inquietos e ansiosos do que ele.

Até mesmo Renee estava sentindo isso, embora disfarçasse bem. Quando suas amigas estavam
por perto, ela era o refúgio perfeito para se apoiar, tão encorajadora e agradável como sempre.
Porém, era uma história completamente diferente quando corria com Andrew e Neil nos intervalos.
Ela não admitiu nada, no entanto, parecia um pouco mais cansada a cada dia. Ela também se sentia
obrigada a sorrir para ele, quando o que realmente precisava era tempo para recuperar o fôlego e
acalmar seus próprios nervos.

Demorou alguns dias para Neil perceber que não eram as Raposas que consumiam a maior parte
de sua energia. Renee raramente disse alguma coisa em suas caminhadas, muito atenta ao que
acontecia em seu celular. A ocasional contração triste no canto da boca dizia que suas trocas de
mensagens com Jean não estavam indo bem.

O treino árduo da tarde fez com que todos saíssem doloridos. Kevin e Neil fizeram todo o possível
para evitar seus companheiros de equipe, e os defensores recuaram o quanto puderam. A pesar das
dores que Neil levava para casa, a única coisa que conseguiu pensar durante o jantar foi em voltar
para quadra naquela noite.

Quando Neil levou Kevin ao estádio na noite de quarta-feira, ele disse:

– Deveríamos ter trazido Andrew com a gente.

– Não –, Kevin o refutou. – Já lhe disse: ele deve vir por livre e espontânea vontade. Não vai
significar nada se vier por nossa causa.
– Eu sei o que você disse, mas precisamos de mais treinos contra o gol vigiado.

– Isso não nos ajudaria. Seu objetivo não é o goleiro: é o gol em si. Os goleiros mudam a cada
semana. Nenhum tem a mesma força ou destreza. Por que ficar obcecado em superar um único
quando não terá nenhum efeito no resto? Aperfeiçoe seu próprio desempenho e não se importe com
quem está no gol.

– Estou apenas dizendo que...

– Continue discutindo e você vai treinar sozinho esta noite.

Neil fechou a cara para o para-brisa e ficou em silêncio. Apesar de seu aborrecimento, Neil
pensou nas palavras de Kevin pelo resto da viagem. Sem conseguir entendê-las, mas se recusou a
pedir explicações a Kevin. Goleiros não eram obstáculos invisíveis. Eram a última linha de defesa em
suas equipes e, geralmente, os jogadores mais ágeis na quadra.

Pontuar não era simplesmente lançar a bola dentro do gol; era levar a bola até certo ponto de
forma que o goleiro não pudesse prever ou desviar.

O assunto ainda incomodava Neil no dia seguinte, então perguntou para os goleiros do time
durante o intervalo, na quinta-feira à tarde. Renee virou o celular nas mãos enquanto considerava.
Andrew nem sequer deu ouvidos.

É interessante – disse ela. – e parece estar funcionando para ele. No entanto, pedir a alguém para
mudar sua mentalidade e abordagem é uma tarefa difícil, especialmente no final da temporada. –
Então, novamente, ela disse depois de um momento – você trocou de raquete no meio da temporada.

– A raquete é outra coisa –, disse Neil. – Acho que não posso fazer isso.

– Se não quiser, não faça –, disse Renee, como se rejeitar Kevin fosse tão simples. – Se você quiser
tentar, nós ajudaremos da melhor forma que pudermos.

– Não – Andrew cortou antes que Neil pudesse responder. – Pare de copiar ele.

– Estou tentando melhorar – explicou Neil. – Não consigo melhorar sozinho.

Andrew deu-lhe um olhar entediado e não disse mais nada. Neil deu-lhe um minuto e depois ficou
em sua frente quando percebeu que realmente Andrew não planejava elaborar uma explicação.
Renee silenciosamente guardou o celular e olhou para os dois. Seu olhar permaneceu em Neil, mas
Neil não retribuiu. Ele procurou pela expressão calma de Andrew em busca de respostas.

– Por que eu não deveria copiá-lo? – indagou Neil.

– Você nunca vai jogar como ele –, disse Andrew. Antes que Neil pudesse entender isso como um
insulto ao seu potencial, Andrew continuou. – Ele é um idiota, o estilo dele é baseado em números e
ângulos. Fórmulas e estatísticas, tentativas e erros, repetições e loucura. A única coisa que importa é
encontrar a jogabilidade perfeita.

– Isso é tão ruim?

– Não faça perguntas estúpidas.

– Não me faça...

– Um viciado como você não pode ser tão frio –, disse Andrew.

– Não sou viciado.

Andrew apenas olhou para ele, então Renee interveio com delicadeza:

– Acho que isso significa que Kevin é muito analítico, enquanto você é apaixonado. Ambos se
preocupam em ganhar, mas não da mesma maneira.

Andrew nada disse para confirmar ou negar essa interpretação, então Neil saiu do seu caminho.
Andrew continuou andando, terminando esta conversa. Renee ficou com Neil, no entanto, não disse
mais nada. Neil olhou para Andrew enquanto considerava sua opinião sobre ele. Se Andrew estivesse
certo, Kevin não se importava com os goleiros, porque era um jogador técnico. Seu foco estava em
aperfeiçoar tacadas impossíveis e ângulos difíceis. Ele jogava contra si mesmo, não contra o goleiro,
então o goleiro sempre era uma ideia de última hora.

Andrew estava certo. Neil não podia jogar desta forma. Aprender os truques de Kevin eram
necessários para o seu desenvolvimento como jogador, e Neil nunca poderia implementá-los da
mesma maneira em quadra. Neil estava bastante consciente dos obstáculos e emoções impostos à
sua posição.

Ele gostava de ser o melhor jogador, o mais rápido. Gostava de jogadas frenéticas, contato físico e
comemorar os gols. As jogadas não precisavam ser bonitas ou perfeitas, contanto que ganhassem no
final.

A compreensão diminuiu a tensão persistente da noite passada. Enquanto relaxava, Neil percebeu
que Renee ainda estava o olhando. Ela sorriu quando retribuiu o olhar e inclinou a cabeça para
acenar. Eles continuaram atrás de Andrew, caminhando a última volta em silêncio confortável.

Quando as Raposas entraram em quadra no dia 9 de fevereiro, ninguém esperava a batalha que
trariam. 45 minutos de jogo, os Pumas perdiam por três pontos de diferença. Na televisão do
vestiário das Raposas, os comentaristas balançavam a cabeça, surpresos.

– Estou com você nesta, Marie. Não tenho certeza de quem estamos assistindo agora ou o que
fizeram com as Raposas no ano passado, mas eles me impressionaram completamente.

Neil olhou para a televisão enquanto se alongava. Os dois estavam relatando ao vivo de dentro do
Estádio Foxhole, a poucos metros dos bancos vazios das Raposas. Era difícil ouvi-los pelo barulho das
arquibancadas, especialmente quando a Raposa Rocky, a mascote, passava por ali.

– Honestamente, eu nunca esperei que eles terminassem a temporada –, disse Marie. – A


quantidade de contratempos que tiveram este ano foi inacreditável, eu tinha certeza que eles se
aposentariam em novembro. É uma verdadeira honra para a formação atual chegar até aqui. Esse é o
primeiro grupo de Raposas que realmente leva trabalho em equipe a sério.

– De fato –, concordou sua contraparte masculina. – Este é o tipo de sincrônia que você espera das
escolas da primeira divisão. Algumas semanas atrás, todos nós rimos quando o novato Neil Josten
disse que as Raposas estavam ansiosos para ter uma revanche contra os Corvos. Ninguém está rindo
agora. Se eles conseguirem manter esse ímpeto e continuar jogando como estão fazendo hoje, terão
uma chance real de passar para as semifinais.

– Dez minutos de intervalo –, disse Marie. – O placar está em seis a três. Será necessário um bom
trabalho para os Pumas se recuperarem. Estamos a menos de uma hora de ver se as Raposas
conseguirão sua primeira vitória na fase mata-mata. Vamos ver alguns destaques do primeiro tempo
e depois...

Dan desligou a televisão e ficou em frente à tela escura. Matt deu-lhe um minuto, depois tocou
seu ombro para chamar sua atenção. Ela respondeu seu olhar interrogativo com um sorriso irônico.

– É estranho ouvi-los dizer coisas boas sobre nós –, disse ela.

– Pôs demorou muito – bufou Allison.

– Demoramos o suficiente para ganharmos a consideração deles – salientou Renee, sem


indelicadeza.

Os veteranos trocaram olhares longamente, exaustos e triunfantes. A primeira formação das


Raposas passou um vexame com os dois pés no portão de saída, no meio da temporada eles haviam
se tornado a piada no esporte. As meninas chegaram à Palmetto sabendo que seria preciso trabalho
duro para resgatar essa amarga reputação e que Wymack era seu único aliado.
Exy era um esporte misto, mas as mulheres estavam amplamente em desvantagem na NCAA.
Poucas chegaram às ligas principais e equipes profissionais. A reitoria da universidade aprovara as
três sugeridas por Wymack, mas seus próprios companheiros de equipe transformaram suas vidas em
um inferno. Apesar de todas as perdas e obstáculos, eles conseguiram, e agora finalmente
conseguiram a aprovação que mereciam.

– Muito bem – disse Dan, afastando-se da televisão.

Seu olhar permaneceu por um momento na última adição ao vestiário: uma mesa de mogno no
canto, próxima da foto de Andrew e Neil. Ela dissera no mês passado que queria uma posição para
seu eventual troféu. Neil pensou que ela estava falando mais para inspirar a equipe, mas
aparentemente não. Allison encontrara a posição perfeita na noite passada, depois do jantar. Quando
Neil e Kevin chegaram ao estádio para treinar, na noite passada, descobriram que os veteranos
finalmente haviam encontrado um lugarzinho.

Dan sorriu, baixo e feroz, e olhou para seus companheiros.

– Estou morrendo de vontade de arruinar completamente a noite de alguns Pumas. Alguém


comigo nessa?

– Vamos nessa –, disse Matt com um sorriso cheio de dentes. – O que você tem para nós,
treinador?

Wymack correu contra o tempo, entre a pausa do primeiro tempo, o mais rápido que pôde e levou-
os de volta à quadra quando o sinal de alerta tocou. O UVM saiu o mais forte que pôde nos passes,
irritados com o resultado do primeiro tempo e estimulados pelas reclamações de seu técnico. Eles
eram um time inteiramente novo, mas Neil reprimiu sua pontada de pânico. Perder sua calma agora
só destruiria as chances das Raposas. Se concentrou apenas no que ele e Kevin podiam controlar e
confiou em seus companheiros de equipe para lidar com o seu lado da quadra.

Vinte minutos antes do segundo tempo, o placar ainda não havia mudado. Neil e Kevin não
puderam evitar suas marcações relutantes, e os atacantes da UVM não conseguiram furar o bloqueio
de Andrew. O jogo não tinha sido amigável antes, mas quando os ânimos se acenderam e a paciência
diminuiu, o jogo ficou um pouco mais bruto. Neil estava acostumado a correr de um lado para o outro
enquanto esperava que a bola viesse em sua direção, no entanto, esses empurrões agressivos o
fizeram deslizar pelo chão. Neil cerrou os dentes e empurrou de volta, mas seu marcador tinha meio
metro e quarenta quilos a mais; ele não conseguiria nada sem violência.

Uma briga estava por vir; todos sabiam. Era aleatório qual dos jogadores entraria nisso por
primeiro. Surpreendentemente – ou não – foi Andrew.

Depois de arremessar outra bola na quadra, Andrew bateu a raquete na parede e chamou por
Nicky. Neil só teve meio segundo para ver Nicky avançar em direção ao gol; A bola estava a caminho
de Kevin, e isso era mais importante do que estava acontecendo na outra extremidade da quadra.
Kevin não conseguiu passar por entre os defensores e estava em um ângulo ruim para passar a Neil,
então jogou a bola para Dan. Dan tirou a marcação de seu encalço e correu pela quadra, para a linha
ofensiva. Ela lançou a bola na parede de trás, para atingir a perde e saltar para a frente. Neil e Kevin
correram, mas o goleiro deu um pulo para pegar a bola primeiro. Ele a arremessou em direção ao
teto, em um ângulo íngreme, e caiu no meio da quadra entre os negociantes e a defesa das Raposas.

O atacante adversário correu, porém, Nicky, que o marcava, lhe deu uma rasteira. Uma falta em
flagrante parou completamente a partida, pelo menos até o atacante de Nicky se levantar
novamente. Ele veio para Nicky com os punhos voando, mas Andrew já estava lá. Ele empurrou a
raquete entre eles e usou-a para afastar o atacante furioso de seu primo. O atacante foi estúpido o
suficiente para errar o golpe e acertar em Andrew, mas Matt e seu marcador intervieram.

Até então, os árbitros entraram em quadra e Nicky mandou beijos quando lhe entregaram seu
cartão vermelho. Ele deixou a quadra como um campeão triunfante, com os punhos no ar e sorrindo
de orelha a orelha. Aaron veio para substituí-lo, e as equipes se prepararam para um tiro de falta.
Neil sorriu ao tomar sua posição. Ele olhou para Kevin. Kevin estava pronto para correr, confiando na
capacidade de Andrew defender o tiro.
Andrew defendeu, e, como sempre, disparou o rebote, onde Neil conseguiria pegar. Neil correu
pela quadra como se seu pai estivesse o perseguindo, e não havia nada que sua marcação pudesse
fazer para detê-lo. Uma olhada para Kevin mostrou que seu marcador estava perto de mais para ele
fazer um passe seguro. Então, Neil roubou a bola e lançou, ela certou o chão, atingindo a parede a
poucos metros do gol. O goleiro tentou um rebote, entretanto, Neil foi rápido o suficiente. Ele pegou
a bola, manobrou a raquete para fora do caminho e atirou no gol.

Ele estava indo rápido demais, e perto demais da parede, para conseguir parar, mas tinha espaço
suficiente para se virar. Ele bateu a omoplata primeira, as costas e depois o capacete, e grunhiu
quando a respiração foi arrancada de seus pulmões.

Neil não se importou com a dor; o gol estava em vermelho e a gritaria era ensurdecedora em seus
ouvidos. Ele cambaleou para longe da parede, usando sua raquete como bengala até que encontrou
seu equilíbrio novamente e respirou o ar de volta em seu corpo dolorido. O goleiro rosnou algo rude
para ele, no entanto, Neil ignorou-o com a calma de longa experiência. Seus companheiros o
alcançaram na quadra. Neil bateu raquetes e aceitou seus parabéns, mas tudo que importava era
passar por eles até o gol. Neil não tinha muito tempo antes que os árbitros pudessem atrapalhar o
jogo, então correu o resto do caminho até Andrew.

– Nicky não parte para agressão –, disse Neil. – Você mandou ele dar a rasteira.

– Tava tão entediante – disse Andrew.

Neil sorriu.

– Agora está se divertindo?

– Essa parte foi vagamente interessante – disse Andrew. – Posso ignorá-la e deixar o resto.

– Foi um começo – disse Neil, e foi para a meia-área.

Dez minutos depois, Kevin explorou os nervos aflorados dos Pumas e marcou. Os Pumas não
voltaram a pontuar, apesar de terem tentado com a ferocidade nascida do desespero. Andrew
interceptou cada tiro no gol e fez alguns rebotes nos capacetes dos atacantes apenas para irritá-los
ainda mais. As arquibancadas estavam em alvoroço durante todo o último minuto. Com cinco
segundos restantes, Dan jogou sua raquete de lado e deu um pulo correndo nos braços de Matt.

A campainha soou em uma vitória de oito a três. Eles dominaram o primeiro jogo da morte e
estavam na terceira rodada pela primeira vez. Dan tirou o capacete de Matt no momento em que as
Raposas os alcançaram, e o beijou no meio da multidão. Kevin e Aaron bateram suas raquetes e
trocaram olhares, triunfantes.

Neil estava vagamente ciente dos substitutos atravessando a quadra em direção a eles, mas olhou
por entre eles para onde Andrew estava sozinho no gol. Ele já tinha deixado a raquete de lado e se
ocupava em desfazer as luvas. Ele tinha de saber que está era uma noite histórica para as Raposas, e
Neil sabia que ele podia ouvir a multidão perdendo a cabeça, mas Andrew estava sem pressa e
desinteressado. O que quer que o tenha inspirado a intervir antes, desapareceu. Neil, sinceramente,
não esperava que esse fosse o jogo que finalmente tocaria Andrew no final, mas não tornava mais
fácil vê-lo regredir.

Nicky era uma distração perfeitamente sincronizada, atirando-se em Aaron e Neil quase com
força suficiente para tirá-los do chão. Colocou os braços ao redor dos ombros e deu-lhes um aperto
de novo.

– Você acredita nisso? – ele perguntou, espantado. – Às vezes nós somos bons pra porra!

Allison deu uma batida no ombro de Neil passando por eles em direção a Dan e Matt. Renee
agarrou Kevin para um abraço rápido antes de cruzar os braços com Allison e Dan. Dan estava rindo,
tonta com o sucesso inacreditável. Matt deixou-as e atirou um braço pelos ombros do Kevin. Neil
olhou de um rosto feliz para outro, saboreando e memorizando este momento.

Andrew perdeu a comemoração na meia-área, mas apareceu a tempo de seguir seus


companheiros de time atravessando a formação dos Pumas. Wymack, Abby e dois câmeras
esperavam por eles quando saíram da quadra. Dan mostrou aos câmeras um sorriso cheio de dentes
antes de abraçar Wymack e Abby. Neil se juntou a seus companheiros para acenar nas
arquibancadas, mas foi rápido em deixar as meninas com os microfones e perguntas dos repórteres.

Wymack esperou por eles no salão quando todos foram tomar banho e se trocar. Ele fez uma
contagem rápida, e assentiu quando encontrou todos os nove.

– Lembram quando disse para não fazer planos para hoje à noite? – E apontou o polegar para
Abby. – Nós estamos indo para a casa dela. Isso foi um “nós”, ou seja, todo mundo. – Ele enviou um
olhar significativo ao grupo de Andrew. – Considerem isso um evento de equipe obrigatório. Abby já
concordou em cozinhar para nós, e eu passei a maior parte da manhã abastecendo seu armário com
bebidas.

– Isso é um voto de confiança ou planos para uma festa de consolação? – perguntou Dan.

– Não importa –, disse Wymack. – Vamos. Estou morrendo de fome e preciso de um cigarro
urgente.

Guardas os ajudaram a chegar a seus carros. O tráfego fez a viagem para casa de Abby ser cinco
vezes mais longa do que deveria, mas as Raposas estavam com muito bom animo para realmente se
importar.

A geladeira de Abby estava cheia de pratos cobertos que havia preparado no início do dia. Ela
colocou algumas panelas no forno enquanto Wymack e Dan serviram bebidas. Kevin ficou na cozinha
enquanto Wymack e Dan começaram a conversar sobre o jogo da noite. Matt comandou o aparelho
de som na outra sala. Nicky e Allison discutiam com todas as suas opções e entre si, mas não
pareciam sérios, por isso Neil não interveio.

Aaron sentou-se em uma cadeira perto da janela e os fitou com um olhar vazio no rosto. Ele
enviou a Neil um olhar ameaçador ao perceber que Neil estava o olhando, mas Neil o ignorou e foi
em busca dos goleiros ausentes. Ele não perdeu tempo no corredor, já que os únicos cômodos
daquele lado eram quartos, mas foi para a varanda da frente.

Andrew estava sentado no capô do carro com Renee a sua frente. Renee olhou para a casa ao som
da porta e fez sinal para que Neil se juntasse a eles. Quando Neil estava na metade do caminho,
Renee se afastou de Andrew e se dirigiu para a calçada. Deu um sorriso a Neil, mas não disse nada.
Neil se perguntou o que havia interrompido, e se deveria, ou não, pedir desculpas. Ele não teve
tempo de decidir antes que Renee desaparecesse lá dentro. Neil tomou o lugar que acabara de deixar
e estudou o rosto inexpressivo de Andrew.

– Nós vencemos – disse Neil.

Ele esperou, mas era óbvio que Andrew não responderia a isso. Neil tentou acabar com sua
frustração, porém não conseguiu parar de suspirar.

– Te mataria admitir isso?

– Quase aconteceu da última vez –, disse Andrew.

Ele disse naturalmente, mesmo assim Neil estremeceu quando percebeu seu passo em falso. Ele
estendera a mão, mas a parou a uma distância segura do braço de Andrew. As mangas compridas e
braçadeiras de Andrew escondiam suas cicatrizes, mas Neil lembrava a sensação sob os seus dedos.

– Isso foi diferente –, disse Neil. – O único em seu caminho agora é você. Você pode realmente ser
um profissional um dia, mas não vai chegar lá sem tentar.

Neil esperou, mas Andrew olhou para ele sem dizer uma palavra. Neil poderia ganhar um jogo de
olhares com quase qualquer outra pessoa, entretanto, não teve paciência para lutar com Andrew.

– Andrew, fale comigo.

– Você parece uma boneca de corda com um único tema –, disse Andrew. – Não tenho nada a lhe
dizer.
– Se eu falar de outro assunto, você vai falar comigo?

Andrew arqueou uma sobrancelha para ele.

– Consegue falar sobre outro assunto?

Isso doeu. Neil abriu a boca para responder alguma coisa, no entanto, as palavras falharam. A
conversa fiada que mantinha seus companheiros entretidos com facilidade não significaria nada para
nenhum dos dois.

Neil não queria falar sobre filmes e aulas com Andrew. Queria falar sobre a vitória sem
precedentes de hoje à noite. Queria falar sobre suas chances de chegar à terceira rodada para outra
partida eliminatória. Queria falar sobre a expressão no rosto de Riko quando as Raposas voltassem
para enfrentá-los, em maio. Queria saborear essa vitória, não descartá-la como algo trivial e
desinteressante.

A porta da frente se abriu. Nicky segurou o batente, mas inclinou-se para chamá-los:

– As bebidas estão prontas! Vão vir ou o quê?

Andrew empurrou Neil para fora do caminho e deslizou do carro.

– Tarde de mais.

Neil estava muito infeliz para detê-lo. Ele ficou ao lado do carro até que Andrew alcançou Nicky e
finalmente se dirigiu para a casa. No meio do gramado, seu telefone tocou.

Neil estava irritado o suficiente que responder ao “28” em sua caixa de mensagens com um: – Já
chega.

Ninguém respondeu.
CAPÍTULO ONZE

As regras mudaram na terceira rodada. Até então, a possibilidade de uma equipe progredir
dependia unicamente de sua capacidade de vencer o maior número de jogos possível. Daqui até o
final, o foco mudou para pontos. As três universidades que sobrevivessem ao mata-mata da divisão se
enfrentariam pelas próximas três semanas. As duas equipes que conseguissem mais pontos entre as
partidas da divisão iriam para a segunda rodada eliminatória. Tecnicamente, uma equipe podia
perder os dois jogos e seguir em frente, porém não acontecia há anos.

Devido ao número ímpar de times, as Raposas jogariam em casa contra o Nevada em 23 de


fevereiro, teriam a semana seguinte de folga e enfrentariam Binghamton em uma partida fora de
casa no dia 9 de março. A semana entre o jogo da morte e a partida contra o Nevada foi uma semana
de descanso, mas as Raposas não estavam dispostas a levar as coisas de vagar. Estavam tão
inspirados quanto aterrorizados com a vitória na sexta-feira, e não queriam perder o ímpeto.
Felizmente, para eles, não havia maneiras de pegar leve. Wymack manteve-os treinando até quinta-
feira.

Uma equipe de televisão foi ao Foxhole, na tarde de quinta-feira, para fazer uma reportagem
sobre as Raposas para o programa da NCAA. Neil pensou que Kevin discutiria, já que entrevistas e
filmagens transformaram o treino em uma bagunça, mas Kevin sabia que as Raposas realmente
precisavam de publicidade. Neil quase esquecera o quão gentil Kevin poderia ser quando havia uma
câmera em sua cara. Neil reprimiu a vontade de desmascarar a atuação de Kevin e evitou os
microfones o máximo possível.

Neil não pôde escapar dos holofotes para sempre. Wymack e Kevin o observaram sobre a cabeça
do jornalista quando Neil foi finalmente escolhido para uma entrevista. Neil respondeu ao olhar de
advertência de Kevin com um olhar gentil e tentou ser educado o máximo que pôde. No começo foi
fácil, já que a maioria das perguntas era sobre o progresso das Raposas. Era inevitável que
concluíssem com alguma pergunta sobre Riko e os Corvos. Neil tentou dizer algo neutro, entretanto,
o entrevistador não gostou nada de sua discrição.

– Da última vez que disse algo que ninguém queria ouvir, minha universidade foi vandalizada –,
disse Neil. – Estou tentando evitar consequências desta vez. Mas quer saber de uma coisa? Você está
certo. Não posso me dar ao luxo de ficar quieto. O silêncio significa que eu tolero o comportamento
deles, e isso é uma ilusão perigosa. Eu não vou perdoar ou tolerá-los só porque são talentosos e
populares. Deixe-me responder a essa pergunta novamente, ok?

– Sim –, disse Neil. – Estou cem por cento certo de que vamos enfrentar os Corvos na final desta
primavera, e sei que é um fato que vamos ganhar desta vez. E quando os melhores do país perderem
para um time de nove integrantes que “não sabem nada”. – quando perderem para um time que seu
próprio treinador comparou com cachorros vira-latas – Edgar Allan terá que mudar as coisas.
Pessoalmente, acho que eles deveriam começar exigindo a renúncia do técnico Moriyama.

O estrondo feito por Kevin não pareceu humano. O entrevistador e seu cinegrafista olharam para
ele com um sobressalto por cima dos ombros. Kevin não ficou tempo suficiente para ser questionado,
contudo correu para o corredor ficando fora de vista. Wymack, apesar de reclamar em numerosas
ocasiões sobre o distúrbio de comportamento de Neil, mostrou os dentes quando sorriu ferozmente.
Neil respondeu ao olhar curioso do entrevistador com um olhar vazio e esperou pelo sinal de que
tudo estava acabado. Assim que a câmera desligou, voltou para a quadra. Como esperado, Kevin o
ignorou durante o resto do dia.

Neil teve a sensação de que esta noite seria apática e silenciosa. Matt chegou à mesma conclusão
e desejou boa sorte a Neil antes de ir a um jantar com Dan. Neil fechou a porta atrás de si, olhou
para o relógio e passou a próxima meia hora resolvendo problemas de matemática. Ele estava no
último quando houve uma única batida em sua porta. Não foi a batida imperiosa de Kevin, e nem o
entusiasmado toc, toc, toc de Nicky, entretanto os veteranos não o visitavam quando Matt e Dan
estavam fora. Neil deixou de lado sua tarefa e foi investigar.
Andrew estava no corredor, as mãos enfiadas nos bolsos da frente de um moletom preto. Neil
abriu mais a porta e saiu do caminho. Andrew olhou para dentro antes de entrar no quarto. Neil
supôs que ele estava procurando pelos outros, então explicou:

– Matt saiu com Dan por algumas horas. Você vai com a gente para o estádio?

– Arrume algo para se entreter hoje à noite. – Andrew se convidou para a cozinha e abriu a
geladeira. – Kevin tá bêbado demais para te xingar, e muito menos ficar de pé e segurar uma raquete.

– Como? – Neil perguntou, mas Andrew não perdeu o fôlego repetindo.

Neil olhou pelo corredor como se pudesse ver Kevin em sua condição miserável.

– Covarde!.

– Não fique tão surpreso –, disse Andrew. –Não é nenhuma novidade.

– Pensei que tinha convencido ele da última vez –, admitiu Neil. Ele fechou a porta e apoiou o
ombro no batente da porta da cozinha. – Em uma escala de um a dez, quão ruim você acha que a
situação vai ficar?

– Quão ruim pode ficar? – Andrew replicou. – Riko ainda não pode te matar e Moriyama já disse
aos fãs dos Covos para não se envolverem.

– Eles ainda podem nos desqualificar, de alguma forma. Eles fizeram uma demonstração em
outubro. Como acreditam que não podemos chegar à final, então não há razão para nos tolerarem
por mais tempo. Eles não têm outra opção.

– Se os Corvos intervirem em nosso progresso, sempre haverá espaço para dúvidas e


especulações.

– Os Corvos não vão compartilhar seu trono com qualquer um. Eles têm que ser os vencedores
supremos.

Andrew deu um momento para assimilá-lo antes de dizer:

– Estou em duvida.

– Sobre nossas possibilidades nesta primavera?

Andrew ergueu as mãos espalmadas para cima entre eles.

– A ideia de que você os encurralou involuntariamente é intolerável, já que significa que você é
mais burro do que eu mesmo lhe dei crédito. No entanto, se você fez isso conscientemente, você é
mais esperto do que me levou a acreditar... Isso significa que os Corvos não são os únicos com quem
você está brincando. Um desses é o mal menor.

– Nem tudo é uma farsa –, disse Neil.

Andrew não respondeu, mas Neil entendeu sua expressão calma como incredulidade. Neil pensou
em se defender e decidiu que era um desperdício de energia. Andrew não acreditaria nele de
qualquer maneira.

– Qual é o mal menor?

– Estou em duvida –, disse Andrew novamente.

– Vai ser de grande ajuda –, Neil murmurou.

– Porque se incomodar? – Andrew perguntou com um leve dar de ombros. – Vou descobrir logo-
logo.

Andrew roubou uma cerveja da geladeira e moveu o anel de metal para frente e para trás. Neil
observou-o por um momento antes de olhar para o outro lado da sala, em sua mesa. Estava chateado
com Kevin por cancelar o treino, mas sabia que uma noite livre era um golpe de sorte. Ele faria uma
prova de matemática na semana que vem e um trabalho que deveria ser entregue amanhã, e que
ainda não tinha começado. As provas de meio de semestre não estavam longe e as notas de Neil
estavam sobre a média instável de sempre. Esta era a noite perfeita para estudar.

Um anel de metal bateu em sua bochecha. Neil olhou para Andrew e de repente percebeu a
ausência de Matt. Fazia mais de uma semana desde que Andrew empurrou Neil para o chão e o
beijou. Ambos não estiveram sozinhos o suficiente para fazer qualquer coisa desde então.

Ele não sabia se Andrew via essa compreensão em seu rosto ou se Andrew queria apenas sua
atenção. Andrew deixou a cerveja de lado, sem tomar um único gole, e fechou a porta da geladeira
com o pé. Foram necessários dois passos para diminuir o pequeno espaço entre eles e, Andrew parou
o mais perto que pôde, sem de fato encostar-se em Neil. Seus dedos estavam frios, da lata, quando
tomou o queixo de Neil.

– Sim ou não? – Indagou Andrew.

– Sim –, respondeu Neil.

Andrew olhou para os braços de Neil, que estavam cruzados sobre o peito. Neil demorou um
segundo para entender, em seguida, baixou os braços enfiando as mãos nos bolsos da calça jeans.
Andrew esperou até que as mãos permanecesse no local, antes de beijá-lo. Neil parou de pensar em
aulas, Exy e na covardia Kevin, deixando Andrew beijá-lo. Neil sentiu-se tolo e instável, quando
Andrew pressionou a outra mão em seu abdômen. Todas as terminações nervosas de seu peito
pareciam tremer em resposta. Neil cerrou os punhos como se isso os mantivesse onde estavam e
deixou Andrew encostá-lo contra a parede.

Seu celular tocou quando recebeu sua contagem regressiva diária, e pressionado contra a parede,
soou desagradavelmente alto. Andrew soltou o queixo de Neil e tirou o celular do bolso de trás da
calça. Inclinou-se um pouco para trás enquanto lhe oferecia o celular. Por pouco, Neil esperava que
ele o abrisse e ficou aliviado que Andrew não o fez. Neil pegou o celular e jogou fora de alcance sem
se preocupar em abrir a mensagem.

Ele sabia que dia era; E sabia o quão pouco tempo tinha. Ele não se importava em ver,
especialmente agora.

Andrew observou o celular quicar no sofá e cair no tapete. Havia a possibilidade de que ele
perguntasse. Neil beijou seu pescoço, na esperança de distraí-lo e foi recompensado com um arrepio
pelo corpo de Andrew. Isso foi motivo suficiente para Neil fazê-lo novamente.

Andrew afastou o rosto, no entanto, estavam perto demais para Neil ver o jeito como ele tremia
com os arrepios. Andrew o beijou antes que Neil pudesse dizer alguma coisa sobre isso.

Andrew empurrou-o com mais força contra a parede, tocando-o através de sua camisa, dos
ombros até a cintura e vice-versa. Ele tivera as mãos sobre a pele nua de Neil há apenas algumas
semanas, quando viu as cicatrizes de Neil, mas isso pareceu completamente diferente. Isso era
Andrew conhecendo cada centímetro e canto de seu corpo. Suas mãos nunca pareceram tão pesadas
ou quentes antes. Cada toque e cada deslize exigente de seus dedos enviaram calor às veias de Neil.
Isso deixou Neil inquieto, o deixou ansioso, fez com que se inclinasse um pouco mais nos beijos de
Andrew e o deixasse ciente do jeans que prendia suas mãos em seus quadris.

Neil não se lembrava da última vez que colocara as mãos em alguém. Não na garota canadense –
talvez a anterior. Pela primeira vez, ele considerou tocar Andrew dessa maneira e conhecer o corpo
de Andrew da mesma maneira que Andrew estava memorizando o seu. Queria encontrar os lugares
que fariam Andrew derreter.

Ele não disse isso em voz alta, mas como se tivesse, Andrew deslizou as mãos sobre os braços de
Neil até os pulsos e enfiou os dedos nos bolsos de Neil. Ele estava certificando-se de que as mãos de
Neil ainda estavam lá, Neil supôs, então enterrou as mãos mais fundo em resposta. Andrew segurou
seus pulsos e apertou para detê-lo. Depois de um momento de consideração, puxou as mãos de Neil e
segurou-as na altura de sua cabeça.

Ele beijou Neil como se quisesse machucar seus lábios e se inclinou para olhá-lo.
– Só aqui.

– Tudo bem –, concordou Neil, e entrelaçou os dedos no cabelo de Andrew, assim que o mesmo
afrouxou o aperto.

Não era muito, mas era um alívio desesperador ter algo em que tocar. Talvez o pequeno frio em
seu estômago fosse a estranheza de ter algo confiável o suficiente para tocá-lo. Neil resolveria isso
mais tarde. Tudo o que importava agora era o quão fácil foi puxar Andrew para outro beijo.

Andrew soltou lentamente os pulsos e colocou a mão no peito de Neil. Eles ficaram assim por um
momento, Andrew testando o controle de Neil, e Neil feliz em beijá-lo até que seus lábios estivessem
entorpecidos. A mão de Andrew no meio de suas pernas foi um peso inesperado. Neil não percebeu
que estava puxando o cabelo de Andrew com os dedos até Andrew morder seu lábio inferior em
advertência. Neil rosnou algo inteligível e afrouxou o aperto firme. Pensou sentir o gosto de sangue,
mas era um sabor efêmero, esquecido rapidamente quando Andrew desabotoou o botão e abriu o
zíper de sua calça.

Andrew não foi delicado, porém Neil não queria que ele fosse. Nenhum deles tinha vocação para
ternura. O ato foi implacável, quase com raiva, a mão de Andrew percorreu todo o comprimento de
Neil o mais rápido que pode. Neil tentou puxar Andrew para mais perto, no entanto, Andrew manteve
a mão em seu peito, mantendo o espaço entre seus corpos. Neil mal conseguiu pronunciar seu o
nome, antes de Andrew continuar a empurrar ao longo de seu comprimento. Andrew reprimiu seu
suspiro frenético com um último beijo intenso e finalmente o soltou.

Eles ficaram de rosto colado, um minuto, uma hora, um dia, o coração de Neil bateu em suas
têmporas e seus nervos sobrecarregados estremeceram.

Seus pensamentos coerentes retornaram em pedaços lentos e vagos, e a primeira coisa que Neil
realmente notou foi o quão apertado os dedos de Andrew estavam cravados em seu peito. Neil tentou
olhar para baixo, mas Andrew deu-lhe um pequeno empurrão em resposta.

– O que há de…? – Neil começou.

Andrew interrompeu-o com um murmúrio

– Não.

– Você não pode voltar para Kevin e Nicky assim.

– Eu disse cale a boca.

– Você disse “não” – Neil o refutou.

Neil flexionou os dedos no cabelo de Andrew, arrumando as mãos para poder atrair Andrew num
breve beijo. Andrew tolerou-o por um momento antes de se inclinar para trás. Ele limpou a mão na
camisa de Neil antes de agarrar os pulsos de Neil. Neil obedientemente soltou-o e não desviou da
maneira como Andrew o observou abaixar as mãos. Neil não sabia se poderia colocá-las de volta nos
bolsos sem esfregar-se contra Andrew, então as colocou atrás das costas. Andrew se afastou de Neil e
baixou as mãos.

– Vá –, disse Andrew.

– Para onde? – Perguntou Neil.

– Para qualquer lugar em que não possa te ver.

Neil não viveria o suficiente para entender todas as camadas falhas da sexualidade de Andrew,
mas, pelo menos, sabia que não deveria se sentir ofendido com essa despedida. Esperou até que
Andrew estivesse longe o suficiente para conseguir se afastar da parede sem tocá-lo. A sala estava
arrumada para que a mesa ficasse parcialmente fora da vista da porta, mas Neil foi para o quarto.
Ele pressionou o nó do polegar no lábio inferior inchado e estremeceu um pouco com a dor. Tirou a
camisa por cima da cabeça, enrolou-a para esconder a lambança e colocou no cesto de roupa suja.
Trocou o jeans por um moletom, procurou uma camisa velha para vestir e se debruçou na cama para
esperar.
Logo depois ouviu o som da pia. Neil esperou até que parasse e saiu em busca de Andrew. Andrew
estava de costas contra a geladeira enquanto bebia a cerveja que roubara. Ele não ergueu o olhar
quando Neil apareceu na porta, e se quer notou o olhar que Neil lhe deu. Bebeu a cerveja em
silêncio, parecendo calmo e imaculado, como se nada tivesse acontecido, e Neil observou-o, até que
esmagou a lata vazia em suas mãos. Andrew deixou a lata no balcão para Neil e virou-se para a porta.
Neil se afastou para deixá-lo sair, e Andrew saiu sem dizer uma única palavra. Neil fechou a porta
atrás dele e colocou a pequena lata na lixeira de Matt.

Ele voltou para sua mesa, mas não conseguiu fazer mais nada naquela noite.

Neil passou a noite de sexta-feira no quarto de Andrew, embora tenha assistido apenas a uma
partida com Kevin. O resto da noite foi gasto jogado sobre um pufe e um controle nas mãos. Nicky
era um professor surpreendentemente paciente enquanto ensinava a Neil seu jogo favorito, no
entanto, a grande quantidade de álcool que bebia deixava suas instruções cada vez mais confusas.
Neil estava pronto para terminar a noite perto das duas da manhã, mas Nicky estava energizado com
bebidas açucaradas e outro pote de sorvete comprado na loja.

Andrew passou a maior parte da noite fumando em sua mesa e olhando para o espaço. Ele
desapareceu no quarto por volta das três horas e puxou Kevin para que pudessem dormir. Kevin
colocou o laptop de volta na mesa, desligou a televisão e foi para a cama. Nicky esperou até a porta
se fechar atrás dele, antes de ligar a televisão e aumentar o som novamente. Ele reclamou em voz
alta enquanto se acomodava novamente. Apesar de seus protestos, ficou cansado nem meia hora
depois. Deixou cair o controle para um lado e olhou para Neil.

– Espere.

Nicky precisou de duas tentativas, em uma tontura bêbada, antes de sair do pufe e se levantar.
Ele cambaleou para o quarto, remexendo em coisas tão alto que Neil sabia que deveria ter acordado
Andrew e Kevin, então voltou com um cobertor. Deixou-o cair sem cerimônia em cima de Neil e
ergueu as mãos ao dar de ombros exageradamente.

– É melhor se você dormir aqui! Dan e Matt provavelmente estão fazendo coisas heterossexuais
desagradáveis. Nós vamos tomar café da manhã amanhã de manhã.

Ele apontou para Neil, moveu o dedo algumas vezes com ênfase silenciosa e afastou-se
novamente. Neil esperou até a sala ficar em silêncio antes de se levantar. Ele parou por um momento
ao lado do pufe, debatendo, depois apagou a luz e voltou. Era fácil arrumar o cobertor, mais fácil
ainda era ficar confortável, e dormiu em minutos.

Uma campainha o acordou na manhã seguinte, mas o cérebro cansado de Neil demorou um
período para reconhecer o som como um telefonema. Seu celular vibrou no bolso um segundo depois.
Neil esfregou os olhos com a mão cansada e abafou o bocejo com o punho. O barulho estridente na
sala ao lado era o som do celular de Nicky. Significava que o som vinha do celular de Kevin, que havia
deixado lá na noite anterior porque Andrew, provavelmente assim como Neil, tinha o som desativado
em seu aparelho.

Mensagens em massa como essas tinham que ser de Wymack. Neil gemeu um pouco em protesto,
apesar de tirar o celular do bolso. A mensagem matinal de Wymack foi breve, no entanto, mais do
que suficiente para acordá-lo:

Kengo Moriyama foi hospitalizado novamente.

Neil sentou-se e chutou o cobertor para o lado. Ele ligou a televisão, baixou o volume para um
sussurro o mais rápido que pôde, e mudou os canais. Kengo não era importante o suficiente para ser
notícia regular, mas certamente seria mencionado na estação de notícias esportivas que Wymack
assistia todas as manhãs.

Andrew saiu do quarto assim que Neil finalmente encontrou o canal certo. Ele olhou para Neil
brevemente a caminho da cozinha. Neil teve que aumentar um pouco o volume da televisão quando
Andrew abriu a pia para fazer o café, mas o esforço não valeu muito a pena uma vez que chegou ao
final da matéria.

Ainda não havia notícias novas, mas Neil sabia que haveria uma atualização assim que alguém
chegasse ao Castelo Evermore para assediar Riko por uma notícia. Neil se perguntou se algum dos
capangas de Kengo contaria a Tetsuji e Riko, ou se nem sequer ocorreria à família principal informá-
los. Talvez, Riko descobriria quando alguém enfiasse um microfone a sua frente novamente. Isso
divertiu Neil, embora o momento levasse seus pensamentos de volta para seu pai.

Nathan estava encarcerado, porém, ele era o braço direito de Kengo. Alguém teria dito a ele que
Kengo estava doente. Era questionável se Nathan daria importância ou não. Neil não conseguia
imaginá-lo, mas se Nathan fosse um pouco tão leal a Kengo quanto seu povo era a ele, estaria dando
voltas em sua cela neste momento. Talvez Nathan nunca mais voltasse a ver Kengo vivo; talvez fosse
libertado e se encontraria servindo Ichirou no lugar de Kengo. Neil se perguntou qual impacto a
morte de Kengo teria sobre a família Moriyama, exceto que não conseguiria sequer começar a
imaginar. Ele realmente não tinha ideia do que a família principal era capaz de orquestrar. Riko tinha
uma quantidade alarmante de energia e só estava trabalhando com as sobras.

Andrew voltou e atravessou a sala em sua direção. Neil observou-o aproximar-se e sentiu-se tonto
de culpa. O acordo que tinha com Andrew agora parecia tão implacável quanto desesperado. Ele não
tinha se convencido de que Andrew conseguiria enfrentar um monstro como Nathan, mas se dispôs a
deixar Andrew tentar. Não havia se importado com o que custaria a Andrew, contanto que pudesse
ter tempo para jogar com as Raposas.

Andrew desligou a televisão a caminho.

– É cedo demais para ficar obcecado.

– Isso é importante.

– Para quem? – Andrew perguntou enquanto afundava no segundo pufe.

– Isso não muda nossa temporada e Riko é burro demais para acumular pontos de compaixão.
Então, quem se importa?

Neil abriu a boca para argumentar e descobriu que não tinha uma boa resposta. Andrew apontou
como se o silêncio de Neil comprovasse seu ponto de vista, e Neil fechou a boca novamente sem dizer
uma palavra. Andrew se moveu um pouco até ficar mais confortável e fechou os olhos. Neil olhou
para a tela escura, depois se acomodou no pufe desajeitado, de modo que ficou de frente para
Andrew. Andrew abriu um olho pelo o barulho, mas fechou quando Neil se acalmou. Neil se
contentou em olhar para Andrew de seu lugar.

Andrew não estava olhando, mas talvez sentindo o peso dos olhos de Neil, porque depois de
alguns minutos disse:

– Algum problema?

– Não –, respondeu Neil, mas até ele sentiu a mentira. – Andrew? No verão passado você me fez
uma promessa. Eu te peço para quebrar.

– Não –, disse Andrew sem hesitação.

– Você disse que ficaria comigo se eu mantivesse Kevin interessado, no entanto, Kevin não precisa
mais de mim. Ele nos escolheu ao invés dos Corvos porque juntos finalmente valemos cada segundo
de seu tempo. Não há mais nada que eu possa lhe dar em troca de sua proteção.

– Vou pensar em alguma coisa.

– Não quero que você faça isso –, disse Neil. – Preciso de você para me deixar ir.

– Me dê uma boa razão.

– Me esconder atrás de você, ainda é fugir –, argumentou Neil. – Não quero terminar o ano assim.
Eu quero ficar sobre os meus dois pés. Deixe-me fazer isso. Nada disso significa nada se não o fizer.
Andrew fitou-o silenciosamente. Neil não sabia se estava avaliando a verdade em suas palavras ou
silenciosamente rejeitando-as.

Ele Queria pressioná-lo para obter uma resposta objetiva, no entanto, sabia que o tiro sairia pela
culatra. Andrew levava suas promessas e palavra muito a sério. Convencê-lo a dar o braço a torcer
levaria mais de uma tentativa, e se Neil insistisse demais, Andrew saberia que algo estava errado.
Neil fechou os olhos e afundou ainda mais no pufe. Esperando que Andrew entendesse sua vontade
de esperar por sua decisão.

O quarto ficou confortavelmente silencioso. Kevin e Nicky dormiram com as mensagens, então o
único ruído real era o gorgolejo suave da cafeteira. Ela alertou quando terminou o preparo. Neil
pensou em se levantar para pegar uma caneca, porém decidiu que poderia esperar mais um pouco.

Ele não queria cochilar, mas, em seguida, a única coisa que percebeu foi: acordar ao som do
despertador de Nicky. O toque desagradável continuou intermitentemente antes de Nicky finalmente
se mover o suficiente para desligá-lo. As molas da cama rangeram quando Nicky rolou e a sala ficou
em silêncio novamente. Neil olhou para o relógio da televisão, que marcava a hora por volta das nove
e meia. Era definitivamente hora de levantar se quisesse ter uma dia normal, mas Neil estava
confortável.

Andrew permanecia encolhido no outro, mas o barulho também o acordara. Ele encontrou o olhar
sonolento de Neil, por um momento, antes de voltar a dormir. Foi uma permissão implícita para
permanecer dormindo, então Neil fechou os olhos e adormeceu novamente.

A semana antes da partida contra o Nevada foi um borrão exaustivo, mas Neil adorou quase todos
os momentos. Nas manhãs, houve treinos com seus colegas de equipe, seus dias eram desperdiçados
no mal necessário chamado escola, e suas tardes eram gastas na quadra. As Raposas não mais o
olhavam com suspeita de correr com os goleiros no intervalo. Depois do jantar com os veteranos, Neil
e Kevin voltaram ao estádio para fazer exercícios.

Era a rotina que estavam acostumados, com um complemento crítico. Neil voltou para o quarto
com Kevin e caminhou pelo corredor como se estivesse indo para seu quarto, mas assim que a porta
se fechou atrás de Kevin, Neil se virou e voltou para a escadaria. Andrew estava a sua espera no
telhado, geralmente com um cigarro em uma mão e uma garrafa entre os joelhos. As noites ainda
eram frias o suficiente para precisar das jaquetas, embora o calor do corpo de Andrew consumisse a
maior parte do frio.

Eles não conversavam à noite, talvez porque tivessem conversado durante o treino ou talvez por
ser tarde e ambos estarem apenas roubando alguns minutos antes do tão necessário sono, contudo,
era de noite quando Neil tinha mais perguntas. Ambos se perderam quando Andrew o imobilizou
contra o concreto frio e pôs suas mãos quentes sob sua camisa. Ser curioso sobre Andrew não era
algo novo, mas a importância dessas respostas era. Beijar Andrew mudou as coisas, mesmo Neil
sabendo que não deveria.

Ele queria saber onde estavam todos os limites e por que era a exceção. Queria saber como
Andrew concordara com isso, depois de tudo o que acontecera, e quanto tempo levara para chegar a
um consenso com sua sexualidade após os abusos de Drake. “Por que, quando e como” apenas
complicavam as coisas, perguntar sobre esse progresso fazia com que ele se perguntasse sobre todo
o resto. Ele poderia ter usado seu joguinho dos segredos para justificar sua intromissão, mas Neil
não queria lutar por cada pedacinho e fragmentado. Levaria uma eternidade e ele estava ficando sem
segredos seguros para trocar. Era melhor manter a boca fechada e não pensar nisso.

Seu controle durou apenas até quinta-feira. A mãe adotiva de Renee acabara de comprar uma
casa, e era a única coisa que os veteranos conseguiam falar no jantar. Renee queria ir para casa e
ajudá-la a se mudar naquele fim de semana. Matt estava disposto a conseguir ingressos para ele e
Dan, caso ela não precisasse de ajuda. Neil não entendeu seu entusiasmo até que se lembrou de
como a infância deles fora sedentária. Dan morava no mesmo lugar há quinze anos e Matt ficou com
o pai até o ensino médio. Allison tinha casas de verão e de inverno e sempre viajava com os pais, mas
nunca se mudara.

Aquilo martelou na cabeça de Neil durante o treino da tarde e, depois, no banho: não tanto
porque era estranho, mas porque era a desculpa perfeita para seu joguinho com Andrew. Assim que
Neil deixou Kevin em seu quarto naquela noite, subiu as escadas até o teto. Andrew estava no mesmo
lugar de todas as noites, sentado de pernas cruzadas perto da borda da frente. Seu cigarro era um
clarão brilhante contra o resto das sombras, e pareceu pulsar quando Andrew deu uma tragada. Neil
roubou o cigarro quando se sentou ao seu lado e torceu-o entre as mãos. Andrew soprou fumaça em
seu rosto em resposta, então Neil jogou as cinzas nele e se preparou para apagar o cigarro. Andrew
beliscou seu pulso e pegou o cigarro.

– Os veteranos estão deixando a cidade neste fim de semana –, disse Neil. – A mãe de Renee está
se mudando e, aparentemente, é a coisa mais interessante que vai acontecer por aqui em meses. Mal
consigo imaginar como será quando todos se formarem e tiverem que se mudar. – Ele esperou por
um momento, embora soubesse que não receberia uma resposta.

– Eu sei que Nicky vai voltar para a Alemanha quando se formar, mas o que vai acontecer com a
casa dele? Vai vender ou dar para um de vocês?

– Pergunte a ele –, disse Andrew.

Neil ignorou isso.

– Você quer ficar na Carolina do Sul?

Andrew deu de ombros.

– Planejar algo com tanta antecedência é uma perda de tempo.

Neil abraçou o joelho contra o peito e seguiu o olhar de Andrew para o campus. As árvores que
faziam fronteira com a colina, entre a Torre das Raposas e a rodovia perimetral, escondiam a maior
parte das luzes da rua, mas havia postes de luz a cada seis metros nas calçadas do campus. Já
passava da meia-noite, no entanto, Neil viu pelo menos uma dúzia de alunos do lado de fora.

– Talvez eu vá para o Colorado –, continuou ele. – Seria uma mudança de ritmo interessante.
Normalmente tenho ficado nos estados costeiros.

– Califórnia não –, disse Andrew, realmente não era uma pergunta.

Neil não sabia se Andrew estava lhe dando a melhor tentativa de conversar sobre algo diferente
de Exy ou se estava curioso. Neil realmente não se importava. O desinteresse de Andrew – aprendido
ou forçado – provavelmente correspondia ao mesmo em sua mente. O fato de Andrew ter respondido
e explicado sua resposta foi uma vitória suficiente.

– Passei pela Califórnia enquanto ia para o Arizona, mas não fiquei. Gostei de Seattle, eu acho,
embora... – Neil lembrou-se do ruído de um cano contra o corpo de sua mãe. – Jamais poderei viver lá
novamente. Não conseguiria refazer meus passos em nenhum desses lugares.

– Quantos são?

– Vinte e duas cidades –, respondeu Neil, mas não disse que estas estavam espalhadas por
dezesseis países.

Andrew ainda achava que Neil vagara sozinho pela estrada todos esses anos. Mas, uma criança
não poderia ir e vir pelo mundo sem ajuda.

– A estadia mais longa foi naquele ano, em Millport. A mais curta foi uma semana com meu tio.

– Eu deveria acreditar que isso é verdade? – indagou Andrew. – Você disse a Nicky que veria ele
no Natal. Você mentiu.

– O tio Stuart é verdade –, disse Neil. – Ele foi a primeira pessoa com quem eu fugi, exceto que ele
também é um gangster. Não me sentia mais seguro com ele do que em casa, então saí de novo. Eu
ainda tenho o seu número, mas nunca fiquei tão desesperado a ponto ligar. Não sei quanto custaria
sua ajuda. – Neil olhou para Andrew. – Você se mudou muito?

– Doze casas antes de Cass –, disse Andrew. – Todas na Califórnia.

– Algum deles foi legal? – perguntou Neil.


Andrew olhou para Neil por um minuto, depois apagou o cigarro e tomou a bebida.

– Nenhum dos que eu me lembro foram.

– Então, Califórnia e Carolina do Sul. Você realmente nunca esteve em nenhum outro lugar, exceto
quando viaja para os jogos?

Andrew apenas deu de ombros em resposta. Neil pensou um pouco e depois disse:

– As férias de primavera estão chegando. Nós poderíamos ir a algum lugar.

– "Ir a algum lugar" –, Andrew repetiu, como se fosse um conceito estranho. – Onde e porquê?

– Para qualquer lugar – disse Neil e se corrigiu. – Para qualquer lugar, pelo menos a três horas do
campus. Não faz sentido ir a um lugar próximo. Não vai parecer como férias. O único problema é
descobrir como tirar Kevin da quadra.

– Tenho facas, – Andrew o lembrou. – Isso não responde ao "porquê".

Neil não conseguia explicar de onde vinha essa ideia, então disse:

– Porque não? Nunca viajei sozinho por isso. Eu quero saber como é.

– Você tem algum problema –, replicou Andrew, – Você só investe seu tempo e energia em
atividades que não valem a pena.

– Isso. – Neil sacudiu o dedo para indicar a ambos. – é algo que vale a pena.

– Não existe “isso”. Isso não é nada.

– E eu não sou nada –, disse Neil. Quando Andrew fez um gesto de confirmação,

Neil continuou:

– É como você sempre diz, você não quer nada.

Andrew o olhou sem demonstrar qualquer emoção. Neil teria suposto ser uma rejeição silenciosa
de sua acusação velada, exceto pela mão de Andrew que congelara no ar entre eles. Neil pegou a
garrafa da outra mão de Andrew e colocou-a de lado, onde eles não a derrubariam.

– É a primeira vez –, começou Neil. – Recebo um prêmio por te calar?

– Uma morte rápida –, responde Andrew. – Eu já decidi onde esconder seu corpo.

– Seis metros abaixo? – Neil adivinhou.

– Pare de falar –, exigiu Andrew e o beijou.

Neil foi para a cama tarde demais naquela noite, e a manhã chegou cedo demais. Estava meio
adormecido em todas suas aulas e tirou uma soneca rápida antes do jogo. Era uma coisa boa a se
fazer, isso porque Nevada era um adversário brutal e uma chamada dura de despertar.

Nesta rodada, as Raposas enfrentariam as outras duas escolas que sobreviveram ao mata-mata do
distrito. A súbita mudança de habilidade e dificuldade quase derrubou as Raposas. Foi infinitamente
mais difícil por causa da ausência de Nicky. Seu cartão vermelho contra o UVM significava que
ficaria no banco durante todo o jogo. Felizmente, Renee estava disposta a repetir seu papel como
substituta defensiva, e Andrew protegeu o gol como se cada ponto marcado fosse uma ofensa
pessoal.

Foi o suficiente, mas com dificuldade. O jogo terminou com um empate de seis, no entanto, o
campeonato não permitia prorrogação. O empate foi resolvido por penalidades. Nevada tinha sete
atacantes para tentar, enquanto Neil e Kevin teriam que continuar revezando. O coração de Neil
batia em seus ouvidos enquanto seguia Kevin até o final da quadra. Ele inspirou o mais
profundamente que pôde e soltou o ar lentamente, desejando que seus nervos esperassem até mais
tarde.
– Não é o jogo que deveríamos ter jogado, mas foi um resultado aceitável –, disse Kevin quando
viu o olhar severo no rosto de Neil. Neil maneou a cabeça, sem entender. – Vamos terminar com
quase o mesmo número de pontos e o Nevada voltará a jogar antes de nós. Antes de enfrentarmos
Binghamton, saberemos quantos pontos devemos marcar para avançar.

Os Tornados tiveram o primeiro tiro e marcaram. Kevin marcou em sua primeira tentativa, e o
próximo atacante dos Tornados também marcou. Neil enterrou a bola contra o gol e olhou para
Andrew. Andrew bloqueou a bola do próximo atacante, que saltou para o final da quadra, e Neil pôde
respirar novamente. Ele olhou para Kevin, que sorriu com um triunfo feroz quando se aproximou da
linha. Seu próximo tiro acertou o canto inferior do gol, e as Raposas venceram o jogo por um ponto
de diferença.

O treino da noite de quinta-feira foi cancelado devido aos jogos noturnos. Os grandes teriam seus
últimos jogos esta noite, Edgar Allan contra Maryland e Penn State contra a USC. Apenas duas
equipes de cada grupo iriam para a quarta rodada, significava que uma das três grandes seria
eliminada hoje à noite. Era a primeira vez em seis anos que um deles voltaria para casa antes das
semifinais, e Kevin precisava ver isso acontecer. De alguma forma, todo o time se reuniu e todos
ficaram no estádio depois que Wymack os dispensou pelo resto do dia.

Algum organizador esperto certificou-se de que os Corvos e Troianos fossem as universidades


mandantes. A diferença de fuso horário fez com que as Raposas pudessem assistir ambos os jogos,
seguidos. Wymack pediu pizzas, embora não tenha ficado para assistir. Ele havia encontrado os seis
jogadores que queria recrutar e estava ocupado organizando a viagem. Ele esperava tê-los todos
contratados no momento em que as Raposas retornassem das férias de primavera. Neil estava
contente por sua escolha ter sido selecionada, embora sentisse silenciosamente culpado por não
persuadir Wymack a conseguir um terceiro atacante.

Dan tirou Wymack do computador por tempo suficiente para usar sua impressora. Ela voltou com
quatro placas e um rolo de fita e pregou os papéis em cima da televisão. Eram os pontos acumulados
de cada equipe nos jogos desta noite. Kevin mal olhou para eles enquanto o jogo dos Corvos estava
em andamento, mas assim que o jogo da USC contra Penn State começou, olhou para eles
rapidamente. Neil sabia que Kevin era fã dos Troianos, mas não havia percebido o quanto Kevin
estava empolgado com isso. Kevin assistiu ao jogo como se um resultado ruim causaria sua morte.
Neil quase desejou que Penn State ganhasse apenas para que pudesse ver Kevin fazer birra.

Quando Troianos e Leões chegaram ao intervalo, Neil se esquecera de Kevin. Estava tão envolvido
na temporada das Raposas e dos Corvos que esquecera o quão espetacular eram os Três Grandes.
Essas equipes jogavam como se fossem profissionais. Eles não tinham o histórico impecável dos
Corvos, mas estavam um passo atrás de Edgar Allan. Kevin avisou-os há algumas semanas que as
Raposas não estavam prontas para enfrentar essas equipes. Pela primeira vez, seu comentário
insensível pareceu um leve eufemismo.

E, não foi o único a entender a realidade. Dan silenciou os comerciais, bateu o controle remoto
contra a coxa em um ritmo nervoso e disse:

– Então, definitivamente temos que treinar duro, pessoal.

Kevin franziu o cenho para ela.

– Mesmo se tivessem treinado mais quando eu disse, há um ano atrás, vocês ainda não teria a
chance de vencê-los. Não há nada que possam fazer no final do ano. Eles são melhores que nós e
sempre serão.

– Ser amargo faz você se sentir melhor? – Perguntou Nicky.

– Negar não fará bem a ninguém –, replicou Kevin. – Foi difícil contra Nevada. Honestamente,
vocês esperam que ganhemos dos Três Grandes?

– A Califórnia está em risco de um grande terremoto –, apontou Nicky. – Isso daria um jeito na
USC, pelo menos.

– Isso é um pouco extremo, não acha? – indagou Renee.

– Precisamos de algo extremo neste momento –, insinuou Allison.

A expressão de Renee era calma e seu tom estável, mas não pareceu ficar desapontada por
entender a mensagem.

– Os Troianos nos apoiaram quando mais precisávamos deles. Vocês realmente querem que eles
sofram apenas para que possamos aproveitar?

– Não é justo –, disse Nicky, afastando-se do olhar dela. – Quero dizer, nós chegamos aqui,
aguentamos tanto e vamos morrer na praia.

– Ainda não perdemos – disse Dan – mas perderemos se desistirem agora.

Kevin começou a dizer algo que Neil sabia que seria negativo e sem esperança. Neil se esgueirou
por trás de Andrew e acertou a nuca de Kevin, para silenciá-lo.

Matt reprimiu uma risada e tentou, sem sucesso, fingir ser uma tosse. Kevin não se moveu por um
segundo, pela surpresa, depois deu a Neil um olhar mordaz.

– Ninguém quer ouvir isso agora –, sinalizou Neil.

– Se você me bater de novo... – Kevin começou.

Andrew interveio com um tom casual:

– Vai fazer o que?

Kevin ficou quieto, mas não parecia feliz com isso. Allison fez um gesto para Dan. Neil a viu pelo
canto do olho, não o suficiente para saber o que ela fez, mas quando olhou, Dan fazia uma careta
para a amiga. Matt colocou um braço em volta do ombro de Dan e deu-lhe um pequeno aperto.
Poderia não ter sido relacionado, no entanto, o sorriso que Matt não pôde conter foi mais presunçoso
do que compreensivo. Neil olhou para Renee, para ver se ela entendia, embora não conseguisse
nenhuma pista de sua expressão serena.

– Você sabe... – começou Matt, mas Dan aumentou o tom antes que Matt pudesse concluir.

Ele sorriu para ela, divertido em vez de ofendido, e deixou passar.

O intervalo terminou alguns minutos depois, e os Troianos e Leões voltaram com novas escalações
e habilidades aterrorizantes. Outro gol da USC tirou um pouco da pressão dos ombros de Kevin, mas
sem relaxar até que o USC finalmente vencesse. Com surpreendentes trinta e sete gols entre suas
três rodadas de três jogos, os Troianos seguiram os Corvos para a rodada seguinte.

– Poderia parecer menos feliz com isso? – indagou Nicky, ao ver o sorriso de satisfação de Kevin. –
Nós vamos ter que enfrentá-los.

– Eles lutaram por isso – disse Kevin, com um olhar duro na direção de Neil.

Dan revirou os olhos e desligou a televisão, e as Raposas finalmente terminaram a noite.


CAPÍTULO DOZE

Infelizmente, para as Raposas, a Universidade de Binghamton ficava a menos de 800 quilômetros


do campus. Sendo considerada muito próxima para desperdiçar dinheiro em passagens aéreas, então
todos se levantaram antes das cinco e pegaram a estrada antes das seis. Entre o almoço, as
inevitáveis pausas para o banheiro e o tráfego da hora do rush, que certamente os afetariam a
caminho da costa, a viagem estava destinada a ser uma longa jornada. Neil nem sequer tinha um
dever de casa para distraí-lo, pois acabara de sobreviver à semana de provas. A semana seguinte era
feriado de primavera, então nenhum dos professores de Neil o deixou com o dever de casa.

Depois de quatro horas, os veteranos apresentaram razões para equipar o ônibus, na próxima
temporada, com uma televisão. Wymack fingiu não ouvi-las, mas não pôde ignorá-las para sempre.
Finalmente, prometeu pensar caso vencessem a final. As Raposas conheciam a linguagem de
Wymack o suficiente para saber que era um sim, não importava como terminaria essa temporada.
Isso não os ajudou com o tédio, mas era algo a esperar no próximo ano.

Seis horas depois, pararam para almoçar, e Dan pediu que Kevin falasse sobre os Binghamton
Furões no caminho do estacionamento. Kevin hesitou no corredor, dividido entre discutir os méritos
de seus oponentes com seus companheiros ou permanecer dentro do círculo protetor de Andrew. Sua
indecisão bloqueou a passagem das Raposas, já que estava em segundo, logo atrás de Andrew.
Andrew demorou um minuto para perceber que havia perdido Kevin. Ele fez um gesto desdenhoso,
então Kevin sentou no banco atrás de Dan e Matt. Aaron e Nicky sentaram-se no banco logo atrás
dele. Neil duvidou de que eles estivessem tão interessados no que Kevin tinha a dizer; era mais
provável que estivessem entediados e desesperados para se socializar.

Havia um lugar disponível no banco de Kevin, espaço suficiente para Neil se juntar a eles. Kevin
não dizia nada do que não tinham revisado em seus treinos noturnos, mas Neil ainda queria ouvir e
receber qualquer conselho que pudesse. Além disso, não levaria muito tempo para Nicky mudar o
assunto da conversa, e as Raposas seriam uma boa distração nesta viagem sem fim.

No entanto, ficar com eles significava deixar Andrew sozinho durante a segunda metade da
viagem. Neil sabia que, provavelmente, Andrew não notaria ou se importaria se o tivessem deixado,
mas, por alguma razão, essa ideia o incomodava. Neil passou toda a sua vida vivendo na margem,
sendo ignorado pelos outros. Isso o deixara feliz, ou pelo menos achara, porque ser ignorado
significava que estava seguro. Ele não havia percebido o quão solitário era até conhecer as Raposas.

– Neil? – Chamou Dan, ao ver que Neil não se movia.

Kevin franziu o cenho para Neil, como se realmente não entendesse o porquê Neil não estava
sentado com ele. Por um momento, Neil se sentiu preso, preso entre o que queria e o que precisava,
o que nunca teria ou seria e o que tinha, mas não podia manter. Sentiu um inesperado ataque de
pânico no peito e Neil desviou o olhar.

Quando começou a se mover para a parte de trás do ônibus, Kevin tentou fazê-lo voltar com um
irritado.

– Volte aqui.

Neil não olhou para ele, e nem parou.

– Não.

O assento amorteceu o forte golpe do sapato de Kevin contra o assoalho. Neil sabia que Kevin
estava vindo atrás dele, farto das distrações e impertinências de Neil, mas meio segundo depois,
Kevin pediu para alguém soltá-lo. Neil sabia que nem Aaron nem Nicky teriam pensado em intervir.
Matt era o defensor mais provável, mas Neil não se importou o suficiente para olhar para trás e
confirmá-lo.
Kevin se conteve em incomodar Neil em francês:

– Lembre-se que você me deixou no comando. Você não tem o direito de se afastar de mim quando
estou tentando te ensinar.

– Deixei você no controle para que pudéssemos chegar à final –, Neil respondeu, – mas você disse
ontem que não espera que cheguemos lá. Você desistiu de nós, então eu assumo o meu jogo. Não te
devo mais nada.

– Pare de agir como uma criança mimada. O jogo de hoje depende de quão bem você e eu nos
apresentamos. Você precisa ouvir isso mais do que ninguém.

– Já ouvi tudo isso antes –, disse Neil. – Me esquece.

Neil reivindicou o lugar abandonado por Kevin, bem a frente de Andrew. Dan esperou apenas
alguns segundos para ver se mais alguma coisa seria dita antes de chamar a atenção de Kevin de
volta para a conversa abandonada. Foram necessárias algumas tentativas antes que Kevin parasse de
ficar furioso o suficiente para cooperar. Neil esperou até começarem a falar antes de tirar o celular
do bolso.

Todas as noites, desde o seu aniversário verdadeiro, ele recebera mensagens com um número. O
cruel “0” de hoje chegou durante o almoço. Neil não sabia o que pensar sobre isso ou o que esperar
agora. Era tão anticlimático quanto estressante. Ele queria apagar a mensagem, como todas as
anteriores, mas quando seu celular pediu para confirmar a ação, ele o fechou. Guardou o celular
novamente, virou-se no banco, de joelhos, para olhar Andrew.

Andrew ignorou-o, mas Neil não se importou. Por enquanto, ele estava feliz em olhar, com os
braços cruzados sobre as costas do assento e o queixo apoiado no antebraço. Ele não sabia o que
estava procurando. Andrew parecia como sempre, e Neil conhecia seu rosto tanto quanto conhecia
cada expressão. Apesar disso, algo parecia diferente. Talvez fosse a luz do sol entrando pela janela,
fazendo o cabelo pálido de Andrew brilhar mais forte e seus olhos cor de avelã parecerem quase
dourados. Fosse o que fosse, era desorientador. A incerteza zumbiu sob a pele de Neil, deixando-o
inquieto e fora de si.

– Ei –, disse ele, porque talvez se Andrew o olhasse, iria decifrá-lo.

Demorou um pouco, mas Andrew finalmente deu a ele um olhar calmo. Andrew apenas tolerou
seu olhar por um minuto antes de dizer:

– Pare.

– Não estou fazendo nada.

– To dizendo para não me olhar desse jeito.

Neil não entendeu, então deixou passar.

– É cansativo ver tudo como uma briga?

– Não quanto fugir de tudo deve ser.

– Talvez –, admitiu Neil. – Te disse que estou trabalhando nisso.

– Trabalhe mais.

– Não posso, a menos que você me deixe ir –, disse Neil, suavemente, mas firme. – Fique comigo,
mas não lute por mim. Me deixe aprender a lutar por mim mesmo.

– Você nunca explicou essa mudança de atitude.

– Talvez eu tenha me cansado de ver Kevin se curvar. Ou talvez tenham sido os zumbis. – Quando
Andrew apenas o fitou, Neil deu de ombros e continuou:

– Algumas semanas atrás, você e Renee discutiram planos de contingência para um apocalipse
zumbi. Ela disse que se concentraria nos sobreviventes. Você disse que voltaria por alguns de nós.
Cinco de nós – disse Neil, ampliando os dedos na frente de Andrew. – Você não estava contando Abby
ou o treinador. Já que confiava em Renee para lidar com resto da equipe, acho que o último lugar era
para Dobson.

Ele sabia que Andrew não responderia a isso, então soltou a mão e disse.

– Não disse nada porque sabia que você só cuidaria de mim quando o mundo fosse para o inferno.
Não quero ser essa pessoa nunca mais. Eu quero voltar, por você.

– Você não vai voltar –, disse Andrew. – Você é um tipo diferente de suicida. Não percebeu isso em
dezembro? Você é uma isca. Você é o mártir que ninguém pediu ou quis.

Neil sabia que não era uma pessoa tão boa, mas tudo o que disse foi:

– Há apenas uma maneira de ter certeza, certo?

–Você vai se arrepender.

– Talvez sim, talvez não.

Andrew desviou o olhar.

– Não venha chorar para mim quando alguém acabar com seu rostinho.

– Obrigado.

Neil inclinou a cabeça para o lado, descansando a bochecha no braço e olhando pela janela.
Estavam cruzando a Virgínia, a meio caminho do seu destino. As interestaduais da costa leste
ofereciam vistas aborrecidas, obstruídas por carros intermináveis e asfalto irregular. Neil pensou nas
estradas costeiras que percorrera pela Califórnia, o mar de um lado, o mundo do outro e cidades
pequenas demais para terem semáforos. Neil levantou a mão e verificou as unhas em busca de
sangue. Não havia nada, é claro, mas por um momento imaginou sentir o cheiro.

– Já passei por aqui –, disse, porque alguma coisa, qualquer coisa, precisava preencher o silêncio
antes de seus pensamentos vagarem.

Andrew olhou para ele novamente, o que Neil tomou como uma permissão silenciosa para
continuar. Ele contou a Andrew sobre as cidades por onde passara, suas vielas, pontos turísticos e os
desajeitados ônibus da cidade. A maioria de suas lembranças estava tingida de tensão e medo, mas
ele não precisava diluir isso com Andrew. Neil só precisava evitar mencionar sua mãe.

Era estranho compartilhar essa história com outra pessoa. Neil cresceu olhando por sobre o
ombro, mas sempre procurando por seu pai. Raramente havia uma razão para lembrar-se de seu dia-
a-dia. No entanto, o tempo passou e Andrew o deixou vagar. Sem nunca desviar o olhar do rosto de
Neil, e nem parecer estar mentalmente ignorando a conversa.

Eventualmente, Neil conseguiu que Andrew se abrisse um pouco sobre sua transição para
Columbia. A primeira coisa que Andrew fez depois que sua mãe saiu do caminho foi cuidar dos vícios
de Aaron. Ele estocara o banheiro do andar de cima com comida e trancou Aaron até que o estágio
de abstinência terminasse. Felizmente, eles tinham uma casa e não um apartamento, então não havia
vizinhos próximos o suficiente para ouvir as melhores tentativas de Aaron para escapar.

Quando Nicky se mudou para cuidar deles, começou como recepcionista no Sweetie's. Ele
descobrira sobre o Eden's Twilight dos clientes que conversava e, depois de fazer o seu melhor para
fazer amizade com os seguranças e Roland, ele conseguiu um emprego lá como assistente de
barman. Depois de um tempo, Nicky fez Aaron e Andrew trabalharem meio expediente na cozinha,
lavando pratos e preparando comidas básicas. Quanto mais confortável a equipe ficava com os
gêmeos estranhos, mais fácil era levá-los para beber.

O ônibus em desaceleração chamou a atenção de Neil, e ele olhou pela janela enquanto Abby se
encaminhava para uma rua movimentada. Havia um centro de viagens passando por dois semáforos,
um cheio de bombas de diesel e grandes plataformas, e a outra metade cheia de tráfego regular.
Abby encontrou uma vaga de estacionamento ao lado dos caminhões e desligou o motor. Neil ficou
confuso de parar de novo tão cedo, mas uma olhada no relógio mostrou que ele havia passado quase
três horas conversando com Andrew. Agora, estavam apenas duas horas e meia de Binghamton.

– Última parada antes do campus –, anunciou Wymack, e a metade da frente do ônibus


desembarcou.

Wymack ficou de pé em seu assento até que todos, menos Neil e Andrew, saíssem. Ele olhou para
eles como se quisesse dizer alguma coisa, depois levantou a mão num gesto de "esquece" e saiu do
ônibus. Neil olhou pela janela enquanto seus companheiros equipe desapareciam lá fora. Ele ainda
estava cheio, do almoço, mas os velhos hábitos diziam para aproveitar qualquer parada.

No entanto, antes de se levantar, disse:

– Eu realmente quero saber quando o Treinador percebeu isso.

– Não existe “isso” –, Andrew o lembrou.

Neil não revirou os olhos, mas foi algo parecido.

– Eu realmente quero saber quando o treinador descobriu que você quer me matar apenas
noventa e três por cento do tempo.

– Ele não sabia antes de eu ser internado –, disse Andrew.

Mas sabia assim que Andrew voltou, aparentemente. Neil lembrou-se do truque esperto de
Wymack em janeiro, quando usou Neil para controlar Andrew. Neil nem sabia disso, então não era
como se ele tivesse contado por acidente quando esteve com Wymack no Ano Novo. Neil tentou
lembrar, procurando o primeiro indício de que Wymack suspeitava que algo estava acontecendo
entre eles, e se endireitou um pouco assim que percebeu.

– Sim, ele sabia –, disse Neil. Em novembro passado, Neil colocou a mão de Andrew em sua pele
arruinada e pediu que Andrew acreditasse nele. De alguma forma, Wymack havia percebido a culpa
esmagadora de Neil e a relutante confiança de Andrew. Foi mais do que um pouco inquietante. –
Quando te levaram, ele me perguntou quando “isso” aconteceu. Eu só não sabia o que ele queria
dizer. Como ele percebeu, sendo que Aaron e Nicky ainda não?

– O treinador não se importa com rumores ou preconceitos –, disse Andrew. – Ele vê o que é, não o
que as pessoas querem que ele veja.

Como se tivesse enxergado através da suposta chateação de Andrew, Neil supôs. Aaron e Nicky,
por outro lado, ainda acreditavam que Andrew era um sociopata incapaz de ter relações humanas
normais. Nicky optou por Renee e Andrew porque todos os outros fizeram o mesmo, mas até ele
admitiu que não queria que funcionasse.

– Você vai contar para eles? – indagou Neil.

– Não vou precisar –, disse Andrew quando saiu de seu assento. Neil teria se movido para detê-lo,
querendo ouvir o resto, mas Andrew não estava saindo. Em vez disso, ele se mudou para O assento
ao lado de Neil. Neil se virou para ele enquanto Andrew explicava. – Renee disse que os veteranos
estão apostando em sua sexualidade. Eles estão divididos meio a meio.

Matt dissera que eles estavam apostando nele, mas não era isso que Neil esperava que
investissem seu dinheiro. Ele ficou perplexo por um momento, sem saber como reagir, mas
finalmente disse.

– É uma perda de tempo e dinheiro. Todo mundo vai perder. Eu disse o ano todo que eu não curto
e foi exatamente o que quis dizer. Beijar você não me faz olhar para qualquer um deles de forma
diferente. O único em quem estou interessado é você.

– Não diga besteira.

– Me obrigue –, replicou Neil. Ele enterrou as mãos no cabelo de Andrew e puxou-o para beijá-lo.
Foi fácil esquecer essa viagem sem fim e o jogo de hoje à noite com a mão de Andrew em sua coxa e
dentes em seu lábio. Andrew se afastou cedo demais e levantou-se. Neil sabia que aquela não era a
hora nem o lugar, mas isso não o impedia de se sentir enganado.
Finalmente saíram do ônibus e foram procurar bebidas. Wymack deixou sua equipe vagar por
alguns minutos antes de guiá-los pelo estacionamento até o ônibus. O resto do grupo de Andrew ficou
na frente pelas últimas horas. Neil novamente roubou o assento de Kevin, porém não conseguiu
pensar em nada para dizer. O silêncio era surpreendentemente confortável, então inclinou a cabeça
contra a janela e tirou um cochilo nas últimas horas.

O campus da Universidade de Binghamton estava decorado em verde e branco para o jogo, e o


estacionamento do estádio estava mais cheio de gente do que carros. Se havia fãs das Raposas no
meio da multidão, Neil não conseguiu encontrá-los. A polícia estava usando coletes refletivos,
direcionando o tráfego e controlando o consumo de álcool. Neil estudou as festas que passaram por
eles. Todos pareciam estar de bom humor. Os Furões venceram os Tornados de sete a seis na semana
passada e estavam prontos para mais uma vitória esta noite.

Nevada teve catorze pontos na terceira rodada, e as Raposas, atualmente, tinham oito. Para
prosseguir para o jogo da próxima rodada, eles teriam que conseguir pelo menos sete pontos hoje à
noite. Os Furões eram um time melhor equilibrado que Nevada, mas as Raposas eram
cautelosamente otimistas. Eles tiveram um grande jogo contra Nevada e uma semana para
descansar, e Nicky estava de volta à quadra com eles.

Os guardas abriram o portão para Abby passar, e ela estacionou ao lado dos ônibus dos Furões.
Wymack conduziu seu time, contando-os enquanto desciam e abriu o compartimento de
armazenagem. Eles tiraram o equipamento e deixaram a polícia do campus escoltá-los para fora do
estacionamento, em direção à porta. Eles tiveram mais de uma hora para passar o tempo antes de
poderem entrar no pátio interno para se aquecerem. Neil passou lendo e relendo a formação dos
Furões. Quando Kevin veio até ele, pegou os papéis e fez uma revisão verbal. Ainda podia estar
zangado com Neil, mas o jogo era mais importante que sua briguinha.

Neil seguiu seus companheiros de equipe até a quadra para o primeiro saque. Pensou no USC e
Edgar Allan e deixou que sua determinação lhe desse velocidade e força. Ele jogou-se de novo e de
novo contra a defesa dos Furões, forçando-se para a beira da exaustão e perigosamente se
aproximando de receber um cartão mais de uma vez.

No intervalo, Wymack ameaçou estripá-lo vivo se recebesse um cartão vermelho, mas Dan
assentiu assim que Wymack saiu. Ela entendeu o que Neil estava fazendo: ninguém podia se dar ao
luxo de desacelerar ainda. Eles estavam a dois pontos de desvantagem e enfrentariam uma nova
formação. Contanto que marcassem três pontos nesta segunda metade, eles avançariam, mas Neil
não queria perder. Ele havia prometido as Raposas que não perderiam nenhum jogo na primavera.
Pela primeira vez, Neil não queria estar mentindo.

Uma campainha de aviso os incitou a voltar ao campo, e a formação inicial tomou suas posições
ao lado da porta. Aaron e Andrew foram os dois últimos da fila, mas Aaron saiu do caminho quando
Neil se aproximou. Neil mal notou. Ele sabia que o último minuto para o segundo tempo passava nos
monitores acima, porque as arquibancadas estavam uma bagunça. Ele estava vagamente ciente da
quadra à sua esquerda e seus companheiros de equipe, tensos, alinhados atrás dele. A única coisa
que realmente importava era Andrew, que não foi afetado por todo esse caos.

Pela primeira vez, Neil apreciou a apatia de Andrew. Em um estádio enlouquecido e com muito a
ganhar, ou perder, Neil finalmente enxergou Andrew como outros olhos. Como se Andrew recusa-se a
ser envolto nisso, ele era a única pessoa na quadra com a cabeça fria.

– Você bloqueou os Pumas no mês passado –, disse Neil. – Você consegue fazer isso de novo?

– Os Pumas eram estúpidos –, disse Andrew. – Eles mesmos buscaram esse vexame.

– Consegue ou não?

– Não vejo porque eu deveria fazer isso.

Neil ouviu o clique de uma fechadura e soube que os árbitros abriam a porta. Andrew não estava
se movendo ainda, mas Neil colocou um braço em seu caminho para mantê-lo onde estava. Ele
pressionou a mão enluvada contra a parede e se inclinou o mais perto possível de Andrew com todo o
seu equipamento volumoso.
– Estou pedindo que você nos ajude –, disse Neil. – Você vai fazer isso?

Andrew considerou por um momento.

– Não de graça.

– Qualquer coisa –, prometeu Neil, e recuou para tomar seu lugar na fila novamente.

Neil não sabia em que se metera, mas, sinceramente, não se importava, porque Andrew fez
exatamente o que Neil queria que ele fizesse. Andrew bloqueou como se sua vida dependesse disso e
defendeu cada tiro. Os atacantes dos Furões enfrentaram esse desafio. Eles simularam, mudaram de
direção e tentaram todos os truques que tinham em Andrew. Mais de uma vez, Andrew usou sua luva
ou seu corpo para bloquear uma bola quando não conseguiu usar sua raquete a tempo.

Poderia ter sido suficiente, exceto que Andrew não parou por aí. Pela primeira vez, começou a
dialogar com a linha defensiva. Neil só entendeu fragmentos, já que havia muito espaço e movimento
entre eles, mas o que conseguiu foi o suficiente. Andrew estava repreendendo os defensores por
deixarem os atacantes passarem muitas vezes e ordenando-lhes que acelerassem o ritmo. Neil se
preocupou, por um momento, com eles reagiriam ao trabalho duro de Andrew no fundo, mas na
próxima vez que olhou para Matt, Matt sorria como se fosse a coisa mais divertida que tinha em
anos.

Demorou todo segundo tempo para as Raposas recuperarem o atraso, e com um minuto restante
no relógio Kevin marcou para colocá-los na dianteira. Os últimos sessenta segundos de jogo
encaminharam-se para violência e ameaças, enquanto os Furões tentavam empatar. O sinal final soou
com a vitória das Raposas, e as equipes estavam lutando antes do som parar. Neil não sabia quem
começara; Ele lançou a Andrew um olhar triunfante pelo campo e parou quando viu os atacantes
Furões lutando contra Nicky e Matt. Allison e seu marcador negociante correram para a luta,
tentando intervir.

Kevin começou a se aproximar deles, mas Neil correu para agarrá-lo. Se Kevin fosse atingido,
Andrew se envolveria e a violência subiria para níveis imperdoáveis. Ele arrastou Kevin longe da luta,
para que Andrew pudesse ver que ele estava bem. Wymack e os três técnicos dos Furões ajudaram os
árbitros a separar seus jogadores. As equipes pularam o aperto de mão habitual no final do jogo em
favor de sair da quadra. Como Wymack não perdeu o fôlego gritando, Neil imaginou que as Raposas
não haviam desferido o primeiro golpe.

Foi a vez de Neil ajudar Dan com a imprensa pós-partida. Andrew chamou a atenção de Neil e
inclinou a cabeça para o vestiário. Ele estava respeitando a decisão de Neil, de ficar sozinho, e não
esperaria enquanto Neil fazia sua parte. Neil respondeu a essa confiança com um pequeno sorriso e
Andrew se afastou. Neil o teria visto rir, mas Dan redirecionou sua atenção para onde deveria estar
agora.

Foram feitas todas as perguntas habituais: como se sentiam, como estavam empolgados para
avançar, o que achavam do desempenho dos Furões e assim por diante. Dan estava feliz em se gabar,
o que se equilibrava muito bem com as respostas reservadas de Neil, e eles sobreviveram à
entrevista. Dan colocou um braço em volta dos ombros de Neil enquanto se encaminhavam para o
vestiário, ela inclinou a cabeça de um lado para descansar o capacete contra o de Neil.

Ela não disse nada, nem precisou. Neil praticamente podia sentir a emoção que irradiava dela.
Eles tinham feito um retorno incrível hoje à noite e prosseguiram sua sequencia perfeita. Havia
apenas um jogo entre eles e as semifinais. Tudo o que eles tinham que fazer era ganhar sua revanche
contra os Furões em duas semanas e estariam na próxima rodada.

Os chuveiros corriam quando Neil chegou ao banheiro masculino. Os Furões, como as Raposas,
tinham chuveiros divididos em cabines, por isso Neil não precisou esperar que todos terminassem
antes de tomar banho. Ele levou suas roupas para uma das cabines abertas e deixou a água quente
eliminar a dor de seu corpo exausto. Quando terminou e se vestiu novamente, o vestiário estava
vazio. Neil arrumou a bolsa e dependurou-a no ombro.

Estava a meio caminho da porta quando seu celular vibrou. Seu primeiro pensamento foi que era
uma mensagem de texto, mas seu aparelho não parava de vibrar. Ele parou para tirá-lo do bolso e
abriu-o. A tela se iluminou com o número e o estômago de Neil se revirou. Ele não reconheceu o
número, e nem precisava. Mas, conhecia o código de área (443).

Estavam ligando de Baltimore.

– Não fuja.

O som de sua voz o surpreendeu. Ele não queria pronunciar. Seus músculos gritavam com uma
tensão mal contida; Ele estava preparado para escapar, mas de alguma forma permaneceu firme.
Neil lutou para relaxar, mas seu sangue estava pulsava em suas têmporas.

Ele sabia que não era seu pai quem estava ligando. Não poderia ser; Não seria, era Riko ou um
dos lacaios de Riko passando um trote. Agora, Riko sabia que as Raposas haviam passado para a
quarta rodada. Sua tentativa de perturbá-lo com essa contagem regressiva havia falhado. Neil sabia
que essa era a explicação lógica, mesmo assim demorou até o quarto toque antes de responder.

– Olá?

– Olá, júnior. Se lembra de mim?

O coração de Neil parou por um estante. Não era seu pai ou Riko, no entanto, reconheceria essa
voz em qualquer lugar. Era Lola Malcolm, uma das pessoas mais próximas de seu pai, e uma das que
tentaram ensinar Neil a manusear uma faca há tantos anos. Ela entrara e saíra de casa tantas vezes
que Neil pensara, por um tempo, que ela morava com eles. Fingindo ser a assistente pessoal de
Nathan, mas seu trabalho era livrar-se dos corpos deixados pelo círculo de Nathan. Ela tratava os
corpos como ouro. Nenhum deles era visto novamente.

Neil afastou o telefone da orelha e respirou lentamente e demoradamente. Isso não ajudou. Seus
pulmões estavam cheios de fragmentos de gelo, congelando-o até o osso e cortando-o de dentro para
fora. Foi uma eternidade até Neil encontrar sua voz novamente e não pode evitar seu tom denso.

– Não te dei esse número, Lola.

– Então você se lembra de mim –, disse ela. – Agora você percebe, isso é ruim, porque se você
lembra de mim, se lembra a quem pertence e onde é o seu lugar.

– Eu escolho meu próprio lugar.

– Você não tem esse direito. – Ela deu-lhe um momento para responder, mas Neil não tinha nada. –
Está ouvindo? Está na hora de partir. Se você dificultar as coisas para nós, vai se arrepender pelo
resto de sua curta vida. Você entendeu?

Neil queria estar louco. Lola dava fim em corpos; ela geralmente não os caçava. Era para isso que
o resto dos lacaios de Nathan serviam. Neil lembrava-se melhor de rostos do que de nomes, mas
podia adivinhar quem Lola trouxera consigo. O parceiro de negócios de Lola era seu irmão, Romero,
e para onde Romero ia, Jackson nunca ficava para trás.

Os três eram o círculo mais próximo de Nathan. Alem de Nathan, eles obedeciam ordens somente
de seu braço direito, Di Maccio.

Neil poderia tentar escapar de um deles, porém não passaria por entre os três. Por um momento,
estava com tanto medo que não conseguiu respirar, mas logo após o susto houve uma raiva irracional
e selvagem. Ele estava prestes a ganhar a confiança de Andrew, um fim de semana de suas primeiras
férias e um mês antes das semifinais. Havia apenas quatro jogos restantes no campeonato. Neil
estava tão perto de tudo o que queria e Lola estava lá para roubá-lo.

– Coloque uma pata em mim e você vai se arrepender –, ameaçou Neil.

– Ah, o que é isso? – disse Lola, entretida. – O bebezinho herdou os genes? Seu pai ficará feliz em
ouvir isso.

– Meu... – Neil engasgou. – Ele está em Seattle. Você nunca me levará tão longe.

– Ele está em Baltimore –, ela o corrigiu. – Sua audiência de liberdade condicional foi no seu
aniversário. Eles tiveram que notificar sua família quando o seu caso foi apresentado. Você deve ter
perdido o memorando, estando morto e tudo mais, então eu vou deixar você saber. A decisão final foi
tomada na semana passada, e determinaram que ele fosse devolvido a Maryland esta manhã. Eles
esperam que o retorno ao território familiar o torne descuidado. – Neil podia ouvir o sorriso selvagem
em suas palavras. – Não se preocupe garoto. Eles nunca saberão o que vai acontecer com você aqui.
Vou me certificar disso.

Neil piscou e enxergou o zero entre suas pálpebras. Ele não tenha mais tempo. Por um momento,
Neil sentiu o peso da boca de Andrew contra a sua. Ele afundou os dedos no lábio inferior, tentando
respirar.

– Você honestamente não acha que pode me arrancar daqui –, disse Neil. – Minha equipe saberá
que estou desaparecido e eles não voltarão sem mim.

– Eles não terão outra escolha. Não podemos matá-los –, insinuou Lola, – mas podemos machucá-
los. Você vai ver.

– Não –, disse Neil, mas Lola desligou.

Neil retornou a ligação, porém, foi diretamente para o correio de voz. Ela já havia desligado. Neil
xingou e fechou o celular com os dedos trêmulos. Ele apertou as mãos com força, como se pudesse
afastar o tremor, mas esses tremores eram profundos. Sua mente corria a mil e seiscentos
quilômetros por hora, pensando em cada estratégia para sair e descartando cada uma que
terminasse com ele fugindo.

Ele prometera a Andrew que ficaria firme ali, mas não poderia, isso deixaria seus companheiros
no fogo cruzado. A única maneira de salvar sua equipe seria fazendo a última coisa que o pessoal de
Nathan esperava dele. Neil havia fugido, mentido e escondido toda a sua vida. Contar a verdade para
salvar a si mesmo, salvar sua equipe, estava completamente fora de questão. Neil queria contar
quando a temporada terminasse, no entanto, não podia se dar ao luxo de esperar mais. As Raposas
poderiam esperar até a policia federal aparecer para levar todos sob custódia.

Neil saiu correndo do vestiário, cortando o corredor. Um oficial de segurança estava em pé no


final do corredor, olhando para as Raposas que comemoravam na sala. Neil chegou à metade do
caminho antes do homem perceber que mais um integrante se aproximava. Neil congelou quando o
oficial lhe fitou, Neil retribuiu o olhar também. Jackson Plank estava no vestiário com sua equipe. Um
segundo depois, Romero Malcolm apareceu em uma roupa similar. Recuar deles foi instintivo,
contudo, Neil segurou-se a parede antes de ir muito longe.

Romero pousou a mão casualmente na arma presa ao cinto. Neil estremeceu e meneou a cabeça
ferozmente. Romero se afastou dele para olhar as Raposas. Neil não teve dificuldade em interpretar
esse aviso e estendeu as mãos em um apelo desesperado para se afastar. Jackson deu a Neil apenas
um olhar superficial antes de voltar sua atenção para o time inconsciente do que acontecia no
corredor.

– Se todos estiverem prontos, podemos sair –, disse Jackson.

– Ainda estamos esperando por Neil –, informou Nicky, e Jackson apontou para o corredor, em
direção a Neil. Neil engoliu o nó na garganta e tentou mudar sua expressão para algo calmo.
Prosseguiu pelo corredor com os pés que queriam levá-lo a qualquer lugar, exceto este. Nicky deu um
pulo quando Neil entrou na sala, sorrindo de orelha a orelha. – Ei, Neil! Tínhamos começando a achar
que você havia se afogado.

– Sinto muito.

Nicky acenou com a mão, ao pensar que Neil se desculpava por fazê-los esperar, em seguida,
buscou sua bolsa. Neil observou-os recolherem seus pertences, olhando para cada rosto e tentando
saborear esses últimos duros segundos. Wymack os observou do canto, um cigarro apagado
pendurado no canto da boca e um sorriso triunfante ainda nos lábios. Abby arrumava sua bolsa;
provavelmente fizera curativos nos arranhões pós briga que seu time se envolvera.

Os cinco passos entre Neil e sua equipe poderiam ter sido cinco mil milhas. Olhando para todos
eles, Neil sentiu-se tão triste quanto orgulhoso. Ele estava destruindo suas chances de prosseguir na
temporada, mas as garotas ainda teriam mais um ano. Eles ficariam amargamente desapontados com
o quase trunfo, entretanto, eles eram lutadores. Eles retornariam no próximo ano e não deixariam
nada impedi-los.

Era lamentável deixá-los com todas as suas mentiras, lamentável que teriam que arrancar a
verdade de Kevin depois que fosse embora. Todos ainda estavam juntos, mas Neil já sentia saudades
de todos com tamanha ferocidade, ameaçando rasgá-lo de dentro para fora.

Somente Andrew percebeu a tensão em sua máscara. Ele Atravessou a sala, ficando a frente de
Neil, exigindo silenciosamente seus olhos. Neil queria responder, mas não sabia como. Alemão seria a
resposta óbvia, pois lhes daria alguma privacidade, mas Romero e Jackson não entendiam alemão.
Eles não saberiam o que Neil diria, assim sendo obrigados a reagir, como se Neil houvesse
confessado cada segredo sombrio. Neil não podia permitir isso. Não podia deixar Andrew para trás
sem nada, mas o que poderia dizer?

– Obrigado –, ele finalmente ofereceu. – Nem sei como agradecer por tudo: as chaves, a confiança,
a honestidade e os beijos. – Com sorte, Andrew acabaria por entender. – Você foi incrível.

Disse apenas para os ouvidos de Andrew, no entanto, Allison estava perto o suficiente para ouvir.
Ela enviou a Matt um olhar significativo. Neil a viu com sua visão periférica, contudo, não desviou o
olhar de Andrew para ver a reação de Matt. Ele não queria desviar o olhar, como se manter o olhar
de Andrew pudesse, de alguma forma, salvar esse momento. Então, Wymack gesticulou para que eles
saíssem e Neil não teve escolha a não ser virar as costas para seus companheiros de equipe.

Eles deixaram o estádio em fila, Romero na frente e Jackson atrás. Neil estava mais perto da
saída, então estava bem atrás de Romero. Ele odiava estar tão perto do capanga de seu pai, mas
gostava de pensar em seu corpo com um escudo entre a crueldade de Romero e seu time desavisado.
Ele atentou os olhos nas costas de Romero, embora continuasse a procurar por Lola em meio à
multidão. Apenas metade dos torcedores tinha ido embora. O restante fazia uma festa pós-jogo no
gramado do estádio. O cheiro de álcool foi tão forte que Neil quase pode sentir o gosto.

A torcida das Raposas alinhava-se em um dos lados da passarela e aplaudiram a chegada da


equipe. Eles foram rapidamente afogados por insultos do outro lado, onde a torcida dos Furões
estavam. As Raposas ignoraram ambos e continuaram seu caminho. Até mesmo Nicky foi esperto o
suficiente para manter a boca fechada, já que não queria irritar ainda mais os torcedores exaltados,
embora não importasse no final. Estavam a meio caminho do estacionamento quando uma garrafa
voou do nada. O alto xingamento de Aaron, alguns metros atrás, disse que havia acertado nele, e
Andrew lançou um olhar feroz para a multidão. Então, jogaram um sapato e depois outra garrafa de
cerveja vazia.

Mais policiais foram até a equipe, gritando por ordem e apontando com os dedos. Eles poderiam
ter conseguido restaurar a ordem, exceto que a próxima coisa a ser arremessada foi um cooler. Dan
se esquivou bem a tempo, colidindo contra um torcedor bêbado ao lado das Raposas. Houve o
protesto furioso de um amigo do homem, que foi rapidamente imobilizado pela multidão atrás dele.

Romero segurou o pulso de Neil em um forte aperto. Neil, com a mão livre, tirou o celular do
bolso da calça e o enfiou no ultimo bolso de sua bolsa. Fez na hora certa, quando a tensão da
multidão atingiu um ponto de ruptura. Estudantes e torcedores atacaram uns aos outros, com as
Raposas presas no meio. Corpos colidiram com Neil, o suficiente para derrubá-lo, mas Romero o
pegou e o puxou para longe o mais rápido que pôde. Neil deixou a raquete e bolsa caírem de seu
ombro. Andrew e Kevin sabiam que ele nunca abandonaria tais coisas de bom grado. Ele não lhes
havia contado para aonde iria, no entanto, todos saberiam que Neil não os deixara por vontade
própria.

Em algum lugar, entre o motim e o estacionamento, Romero largou seu colete brilhante. Assim
que os sapatos de Neil tocaram o asfalto, Neil começou a lutar, mas Jackson estava bem atrás deles.
Ele puxou o braço de Neil tão abruptamente que quase deslocou seu ombro. Neil engasgou com a
fisgada que perfurou suas costas.

– Vocês não vão se safar –, disse Neil, com a voz tensa. – Meus companheiros de equipe saberão
que estou desaparecido. Eles não vão sair de Nova York sem mim.
– Eles estarão ocupados por um tempo –, replicou Romero. – Seu treinador vai passar parte da
noite tentando adivinhar para qual hospital você foi levado. Quando perceberem que você se foi, será
tarde demais.

Eles o empurraram para o banco de trás de uma viatura da patrulha rodoviária. Lola esperava por
ele no assento ao lado. Neil a olhou estupefato, para um rosto que envelhecera, porém sempre seria
familiar. O sorriso que curvou sua boca demais, ameaçando dividir seu rosto em dois, foi o mesmo de
sempre, e Neil instintivamente se afastou. Ele não tinha para onde ir com uma porta trancada atrás
dele e uma grade protetora entre ele e os bancos da frente.

– Junior, você cresceu –, disse Lola quando Romero e Jackson sentaram no banco da frente. Havia
tráfego congestionado ao redor do campus de Binghamton, mas Jackson acendeu os faróis e dirigiu. –
Que inesperado. Existem rumores de que você é uma espécie de estrela em ascensão? Esse
mundinho é bem estranho, mas não precisa se preocupar com isso por mais tempo.

Romero virou-se no banco do passageiro e olhou pela grade.

– Você contou a eles?

– Pareço idiota? – perguntou Neil. – Claro que não.

Lola pressionou a unha do polegar em sua tatuagem, na bochecha.

– Mas pelo menos um deles sabe, hum? Você não é o único marcado.

– Kevin se lembra de mim, mas ele é um mascote dos Corvos. Ele sabe que é melhor ficar calado.

– Espero que seja a verdade –, ponderou Lola. – Você sabe o que faremos com eles se estiver
mentindo.

– Passei oito meses com uma câmera na cara. Se tivesse contado a alguém, vocês já saberiam.
Vocês não precisaram disso para me rastrear. – Neil apontou para seu rosto. – Deram alguma
compensação a Riko?

Romero bufou com desprezo.

– Fizemos um telefonema ao tio dele, uma cortesia de que estaríamos levando você.

Essa simples rejeição só fez Neil se sentir pior. Afinal, tinha a suspeita de que Riko não estava por
trás da sangrenta surpresa de aniversário, ou da contagem regressiva. Lola dissera que a audiência
de liberdade condicional de Nathan foi naquele mesmo dia. Seu círculo sabia que sairia. Agora Neil
se perguntava: se sua ausência faria Riko ficar longe das Raposas nesta primavera. Teria Tetsuji
avisado Riko para não chamar atenção enquanto os capangas de Nathan estavam à espreita? Tetsuji
e Riko eram Moriyamas, no entanto não pertenciam a parte da família a quem os Wesninski serviam e
protegiam.

Lola sorriu.

– Ele estava muito bravo, mas o que poderia fazer? Neste momento, Kengo não está dando a
mínima.

– Porque está doente –, concluiu Neil, sem ser uma pergunta.

– Doente –, repetiu Lola, e bateu na grade para se certificar de que seu irmão tinha ouvido aquilo.
– Doente é um resfriado ou uma DST, criança. Não é doença; É o pé na cova. Os rins estão falhando.
Dou uma semana, no máximo, antes de Ichirou ser coroado o novo rei. Vou repassar suas
condolências e parabéns. Já que você não estará vivo para entregá-los você mesmo.

– Falando nisso, é uma tradição dizer aos caras o que eu pretendo fazer com suas partes – disse
Lola, e começou a contar em detalhes como desmontaria seu corpo.

Neil tentou não ouvi-la, mas não pôde ignorar suas palavras cruéis. Colocou toda a força que lhe
restava evitando que seu medo transparecesse em seu rosto. Ele não conseguia manter as mãos
quietas, mas pelo menos podia escondê-las nos bolsos. Ele não queria que ela soubesse que estava
conseguindo assustá-lo. De jeito algum, fingir parecesse valente o salvaria, eles esperavam por esse
momento por nove anos. O mínimo que Neil podia fazer era privá-los da maior satisfação possível.

Restavam apenas alguns quilômetros para chegar à Interstate 81, o carro comprado para esse
serviço permitiu que chegassem à interestadual a noventa milhas por hora. Jackson desligou e ligou
as luzes da viatura, independentemente de ter ou não carros no caminho. Mesmo com a tal
velocidade, foram quase três horas da Universidade de Binghamton até Baltimore.

Duas milhas depois de chegar em Maryland, estacionando atrás de um carro abandonado. Jackson
ficou com a patrulha, enquanto Romero e Lola levaram Neil para o Cadillac. Neil foi empurrado para
o banco do passageiro. Romero colocou a arma no rosto de Neil, antes que pudesse pensar em
escapar. Ele tinha certeza de que deveria ser entregue vivo a Nathan, mas a mãe de Neil lhe ensinara
quantos lugares poderia atirar sem matar. Neil observou Lola algemar os tornozelos ao trilho de
deslizamento do assento, e quase não se absteve de acertá-la com uma joelhada no rosto.

Lola subiu no assento atrás dele e puxou os braços de Neil ao redor de sua cadeira. Ela algemou
as mãos e as fechou o mais forte que pôde. Assim que fechou a porta, Romero os trouxe de volta à
estrada. Neil chutou as pernas um pouco, testando sua amplitude de movimento, no entanto, foi
rapidamente distraído pela pressão do metal frio e afiado contra a ponta de seus dedos.

Neil, reflexivamente, tentou apertar as mãos em punhos. Lola riu e pressionou o polegar em seu
pulso. Quando seus dedos se soltaram, ela deslizou sua lâmina entre os dedos e a palma da mão. O
roçar da ponta contra seus dedos foi um incentivo para abrir a mão novamente. Lola posicionou a
lamina entre os dedos, forte o suficiente para ser uma ameaça, mas não forte o suficiente para abrir
a pele. Logo, ela se cansou da brincadeira e traçou uma linha superficial ao longo da base de seus
dedos.

Neil puxou as algemas com força, tentando manter as mãos longe de seu alcance, porém o metal
não se soltou. Por um momento sufocante, isso o lembrou das férias Natalinas em Evermore, e o
controle hesitante de Neil se desfez um pouco mais.

– Pare com isso.

– Me faça parar –, respondeu Lola, e cortou uma linha na base do dedo até a pele grossa do
polegar. Ela deixou sua mão dilacerada, queimando em chamas, antes de passar para a próxima.
Quando terminou, se inclinou entre os bancos da frente. E, traçou a tatuagem de Neil com a ponta da
faca.

– Nós lemos sobre sua rivalidade com Riko. Que atuação convincente! Em outra vida você poderia
ter sido um ator. Diga-me, você realmente achou que a coleira dele te protegeria de nós?

– Não importa.

– Realmente. Não posso levá-lo ao seu pai com essa mancha no rosto. Ro?

Romero alcançou o painel. Algo estalou quando ele apertou, e Neil examinou o grupo de botões
para uma sugestão do que ele tinha feito. Não era o rádio, e nenhuma das luzes indicava o
aquecedor. Isso só deixou uma opção possível, mas Neil se recusou a acreditar. Negar não mudaria a
realidade, logo o isqueiro do painel se soltou da fechadura com um som metálico. Romero o pegou.

Neil se afastou dele com um caloroso:

– Tá louco?

Lola envolveu o braço nas costas da cadeira, pousando o gume da faca no lado direito do rosto. A
lâmina cortou uma linha fina da boca até o canto do olho. Neil ficou imóvel, com esse aviso, e
observou Lola pegar o isqueiro de seu irmão. Virou-o experimentalmente e inclinou-o para que ela e
Neil pudessem ver as bobinas em brasa. Lola assentiu com aprovação e deu a Neil um dos seus
largos sorrisos.

– O que acha?

Neil pensou estar a dois segundos de perder a paciência.


– Vai se foder.

– Não se mexa –, disse ela, pressionando o isqueiro na bochecha.

Ela dissera que não se mexesse, mas não havia como obedecer. A agonia explodiu em seu rosto,
passando de sua mandíbula para a garganta e percorrendo seu olho. O cheiro de pele queimada só
piorou a dor cegamente e Neil não conseguiu manter as aparências em frente a ela. Ele sentiu o
ardor em sua outra bochecha enquanto recuava para a faca de Lola esperando por ele. Sentiu a dor
como uma memória distante, um formigamento insignificante contra o inferno. Lola o seguiu quando
ele se afastou, segurando o isqueiro no lugar, mas se afastou depois de um segundo para inspecionar
seu trabalho. Neil sabia que o isqueiro já estava desligado, porque ele a viu fazer isso, mas ainda
sentia o metal e fogo em sua pele. Cada segundo que passava piorava, até o estômago de Neil revirar.

– Bem melhor –, disse Lola, e cravou as unhas em sua pele machucada, só para fazê-lo gritar
novamente. – Não acha?

Neil já não tinha fôlego para responder. Cada respiração era frenética e superficial, curta demais
para alcançar seus pulmões, suficientemente pesada e rápida para se engasgar. Ele virou a cabeça
para fora de seu alcance e, tardiamente, lembrou-se da faca. Isso ocasionou em uma segunda linha
na bochecha, e se inclinou para frente rapidamente. Não podia ir longe com as mãos algemadas atrás
do assento, embora tivesse que tentar. O sangue escorria lento e constantemente pelo rosto, quente,
contra os lábios antes de escorrer do queixo e da boca para as coxas. Quando ofegou por ar, sentiu o
sabor.

O isqueiro foi acionado novamente. Neil o ouviu como um tiro, e estremeceu.

– Eu sei que seu pai vai perguntar, mas tenho que saber agora –, disse Lola. – Tá ouvindo, Junior?
Ei. – Ela o bateu de volta com o cabo de sua faca.

– Onde está o passarinho? Humm? Tivemos um tempinho para investigar desde que descobrimos
onde você estava, mas não há nenhum vestígio dela em lugar algum. Tetsuji ouviu de você que ela
estava morta. Ele estava convencido de que você dissera a verdade. Já eu não sou tão otimista.

– Ela está morta. – Neil engasgou.

Lola pegou um punhado de cabelo, puxando para cima. Deixou a faca de lado para poder segurá-
lo com as duas mãos, sua mão livre se fechou ao redor de sua garganta com tanta força que ele mal
conseguiu respirar. Ela empurrou-o de volta contra o assento, fixando a cabeça no encosto de cabeça.
Romero puxou o isqueiro de novo e Neil lutou desesperadamente.

– Ela tá morta –, disse ele, quase ofegando através do aperto brutal de Lola. – Ela morreu há dois
anos, depois que ele a espancou em Seattle. Acha que ela teria me deixado ir para Palmetto se ainda
estivesse viva? Entrei em um time porque não tinha mais nada.

– Acreditamos nele? – Lola perguntou a Romero.

– Temos que ter certeza –, disse Romero.

– Certo –, disse Lola, e segurou Neil para que Romero pudesse esmagar o isqueiro contra seu
rosto mais uma vez. O estrangulamento de Lola significava que o máximo que Neil conseguiria era
um gemido de dor. Ele se debateu violentamente, sem pensar em suas restrições. Lola falava
novamente, mas não consegui entendê-la sobre o rugido em seus ouvidos. Seu mundo reduziu-se a
fogo em seu rosto.

Romero afastou o isqueiro, mas o empurrou para frente, novamente, para que esquentasse. Lola
afrouxou o aperto suficiente para Neil respirar, sem soltá-lo completamente.

– Tente de novo, júnior –, continuou Lola. – Me responda e me faça acreditar em você. Onde está
Mary?

– Ela tá morta –, respondeu, sua voz rouca de dor. – Ela tá morta, ela tá morta, ela tá morta.

Lola olhou para o irmão.


– Acredita agora?

Romero levantou o ombro, em um dar de ombros evasivo. Lola considerou Neil novamente, depois
bateu no rosto queimado o mais forte que pôde. Ela se inclinou para frente, entre os assentos,
pegando o isqueiro e voltou para seu assento. Ter o isqueiro atrás dele, fora de vista, era pior do que
a dor que eles já haviam lhe causado, Neil lutou para libertar suas mãos. Isso feriu seus pulsos com o
metal inflexível, mas não conseguiu parar.

– Não faça isso –, ele implorou. – Lola, não faça isso.

– Tenho perguntas –, disse Lola, com a voz estranhamente abafada. Neil supôs que segurava a
alça do isqueiro entre os lábios, porque usava as duas mãos para arregaçar as mangas. Suas mãos
passaram por seus antebraços nus, as unhas levemente arranhando sua pele. Ela a retirou um
momento depois, e, sua voz soou normal quando falou. – Vamos começar com seus companheiros de
equipe novamente. Diga-me tudo o que você disse a eles.

O tempo parou quando Lola o queimou, abrindo caminho pelos braços de Neil. Neil agarrou-se a
uma versão que protegesse as Raposas, mas não importava quantas vezes dissesse, ela não parava.
Eventualmente, ele parou de responder completamente, temendo liberar a verdade por causa da dor
e pânico, economizando sua energia para respirar. Cada expressão de dor e grito silencioso repuxou
as queimaduras em seu rosto, e as lágrimas salgadas estavam ácidas em suas bochechas arruinadas.

Ele não queria pensar na dor, não queria sentir, então, ao invés disso, pensou nas Raposas. Ele se
agarrou firmemente à memória de sua amizade incondicional e sorriu. Fingiu que o batimento
cardíaco pulsando forte em suas têmporas era uma bola batendo nas paredes da quadra. Pensou em
Wymack agarrando-o em dezembro, e em Andrew empurrando-o contra o chão do quarto. As
lembranças enfraqueceram-no com dor e perda, no entanto, também o fortaleceram. Ele tinha ido ao
Estádio Foxhole com cada centímetro de seu corpo revestido de mentiras, mas seus amigos o
tornaram em algo real.

Ele havia chegado ao fim de sua caminhada mais cedo do que queria, e não havia conseguido tudo
o que esperava este ano, mas fizera de sua vida mais do que jamais imaginara possível. Tinha que ser
o suficiente. Ele traçou o contorno de uma chave com um dedo trêmulo na palma sangrenta e
queimada, fechou os olhos e despediu-se de Neil Josten.

Lola finalmente parou e o deixou com suas restrições. Ela disse algo, mas ele não conseguia
entendê-la através do zumbido nos ouvidos e, de qualquer forma, não se importando. Em seu estado,
suas escolhas racionais colidiram tão fortes contra uma parede de tijolos que quebrara todos seus
ossos. Restava apenas uma opção, então Nathaniel Wesninski deixou os últimos quilômetros
passarem despercebidamente. Ele catalogou cada ponto latejante de seu corpo e mentalmente os
organizou por gravidade. Os piores ferimentos foram os de seu rosto, mas a bagunça que Lola fizera
em suas mãos eram as mais inconveniente. Seria difícil se defender quando até o menor movimento
de seus dedos fazia suas mãos doerem.

Eles adentraram o estacionamento de um hotel suspeito. Apenas metade das lâmpadas externas
funcionava. Nathaniel estava disposto a apostar que as câmeras de segurança estavam igualmente
desativadas. Ele olhou pela janela e esperou para ver o que viria a seguir.

O que chegou foi uma viatura da policia, e estacionou ao lado deles. Nathaniel não reconheceu o
oficial de feição jovem que saiu do lado do passageiro, ou o policial mais velho que rodeou o capô
alguns segundos depois. O mais velho fez um gesto, e o policial mais novo foi abrir o porta-malas.
Romero desceu do carro e foi trocar algumas palavras silenciosas com eles. Ele assentiu com
satisfação e abriu a porta do passageiro. Ele destrancou as algemas nos tornozelos de Nathaniel,
tempo o suficiente para tirá-lo dos trilhos. Assim que o metal fechou novamente, Lola soltou as
algemas de seus pulsos. Romero puxou-o para fora do carro pela camisa e, novamente, algemou suas
mãos.

Nathaniel fitou os policiais com um olhar frio, estudando-os com interesse evidente e zero
arrependimentos.

– Quanto o povo de meu pai paga para quebrarem seus juramentos?


– Mais do que o governo –, disse o oficial mais velho. – Não leve isso para o lado pessoal.

– Eu tenho –, replicou Nathaniel, sua voz rouca de dor e ódio. – É minha vida.

A única coisa no porta-malas era uma pequena caixa de ferramentas, então havia muito espaço
para ele a li. Ele não conseguia se colocar no porta-malas algemado, mas os policiais ajudaram
Romero a trancá-lo. Lola pegou a arma oferecida por Romero e entrou juto a ele. Ela se acomodou
em torno de seu corpo machucado, abraçou-o e moveu a arma em aviso. Nathaniel respondeu seu
sorriso com um olhar vazio.

– Estamos bem, aqui –, sinalizou Lola, e Romero fechou o porta-malas.

Nathaniel fechou os olhos contra o buraco negro que ameaçava engoli-lo por inteiro. Lola sorriu
contra sua bochecha e mordeu suas queimaduras. Ela colocou uma perna sobre a dele e enfiou o
salto de seu sapato entre os tornozelos dele.

– Você poderia ser meu tipo se não fosse tão jovem, humm? Você se parece com seu pai.

O movimento convidativo de seus quadris contra os dele fez sua pele arrepiar.

– E você parece uma prostituta drogada.

– Ainda esperneando. – Ela estava grata, não insultada, e arranhou linhas duras em seus braços
feridos. – Mas, não por muito tempo.

As portas se fecharam quando os policiais voltaram para dentro. O mundo tremeu embaixo deles
quando saíram do estacionamento. Ele contou oito paradas antes dos policiais começarem a falar.
Não conseguia entender suas vozes através da espessa almofada do banco de trás, mas, momentos
depois, ouviu-se sirenes e os policiais aceleraram.

– Oops –, murmurou Lola contra sua orelha. – Parece que houve um incidente na casa do seu pai.
Talvez alguns vândalos que não querem tê-lo de volta na vizinhança, tolos que acreditam na teoria da
conspiração de que ele matou sua amada esposa e filho?

– Pessoas que você pagou para criar uma distração –, Nathaniel adivinhou, – para que a polícia
pudesse parar sem ser questionada.

– Dez pontos para o Junior –, disse Lola.

A casa da infância de Nathaniel tinha cinco quartos, no bairro de Windsor Hills, a alguns
quilômetros a noroeste do centro de Baltimore. No que diz respeito à comunidade, Nathan era um ex-
comerciante de sucesso que desistira das ações em favor de investir em negócios na cidade. Suas
taxas de juros eram altas, mas nunca recusara um pedido. Não importava quem perguntasse ou qual
a quantia. Se uma empresa não pudesse pagá-lo no tempo estipulado, ele a comprava e seguia em
frente.

De acordo com a última contagem, ele possuía uma dúzia de empresas de vários ofícios e tinha
relações com uma dúzia de outras. Essa imagem o deixou ir e vir na cidade, em qualquer lugar que
precisasse, mas também explicava o porquê ficava em casa por semanas. Os federais investigaram a
propriedade de Nathan mais de uma vez, entretanto Nathan era esperto demais para fazer negócios
reais com empresas em seu próprio nome.

Nathaniel sabia que estavam se aproximando, por causa do barulho. As luzes da polícia sempre
atraíam uma multidão interessada. Isso dizia duas coisas: o que acontecesse com a casa era grande o
suficiente para chamar a atenção e eles não eram os primeiros oficiais no local. Se os federais
estivessem vigiando Nathan, teriam muitos corpos para ver esta noite.

O carro balançou um pouco enquanto se movia pela estrada curva até a casa. Quanto mais
prosseguiam, mais silenciosos ficavam quando deixavam para trás os espectadores em favor do
trabalho policial. A tensão fez a entrada na garagem parecer interminável, mas finalmente o carro
parou. As portas se fecharam atrás dos dois policiais enquanto eles iam investigar. Nathaniel esperou
que Lola fizesse um movimento, mas aparentemente estava contente em ficar parada por mais algum
tempo.
Finalmente, o celular de Lola tocou. Ela passou a mão sobre Nathaniel para procurar por algo. A
caixa de ferramentas, ele adivinhou quando ouviu o clique do metal. Rasgou um plástico e se apoiou
em seu cotovelo na frente dele.

– Se você lutar comigo, eu vou esfolar seus joelhos.

O sarcasmo só traria a pior resposta, então Nathaniel rangeu os dentes.

– Apenas faça isso.

O cheiro doce e doentio que encheu o carro rasgou seu estômago, e tudo dentro de si ordenou
que lutasse. Ele ficou parado e deixou-a colocar um pano encharcado no nariz e na boca. O
entorpecimento começou na ponta dos dedos e rapidamente passou para o resto do corpo. Ouviu a
porta de um carro se abrir e achou que alguém estava no banco de trás, mas não conseguiu manter a
consciência por tempo suficiente para ter certeza.

– Vá –, disse Lola, com a voz anasalada ao tampar o nariz, e tudo desapareceu.


CAPÍTULO TREZE

Os pensamentos coerentes retornaram em fragmentos dispersos. Ele estava ciente do concreto


frio sob suas bochechas e da visão de suas mãos sem algemas que jaziam inertes a frente de seu
rosto, mas nada disso tinha muito significado para ele. Lola havia cortado as sua mão e alinhado-as
com queimaduras nos nós dos dedos. Outra marca de queimadura manchava a carne entre o polegar
e o indicador. As queimaduras começaram a escorrer, contudo, o sangue seco conteve maior parte
das feridas. Nathaniel ficou surpreso com a crueldade insana de Lola no momento em que lembrou
da dor que causava.

Ele gemeu ao sentar-se cuidadosamente.

Estava no porão, significava que tinham passado pela garagem. Um túnel subterrâneo os
conduziu, instalado com o único propósito de mover os corpos por ele às vezes. Foi por onde
Nathaniel e sua mãe haviam escapado há nove anos. Era justo que voltasse para casa pelo o mesmo.

Lola estava no meio da sala. Ela virou uma cadeira ao contrario e sentou-se. Um braço dobrado
sobre o encosto. O outro ficou ao seu lado. Ainda tinha a arma de Romero com ela, e seu dedo
descasava perto do gatilho. Quem a ajudou a levá-lo para dentro, fora embora. Um dos policiais,
Nathaniel adivinhou, teve que se juntar ao caos do lado de fora para manter as aparências.

– Vai a algum lugar? – perguntou Lola.

Nathaniel acenou com as mãos para ela.

– Vai infeccionar se eu não limpá-los agora.

– Se eu fosse você, não me preocuparia.

– Você não é – cortou Nathaniel e se levantou.

Uma pia industrial havia sido construída na parede oposta. Sem espelhos. Ele estava grato por
não ser capaz de ver seu rosto, no entanto facilitaria o trabalho. Ele lavo suas mãos primeiro,
sibilando entre dentes cerrados. Doeu tanto que quis parar, mas forçou-se a esfregar suas
queimaduras com água e sabão. Assim que esfregou as mãos úmidas no rosto, seus dedos tremiam e
seu estômago sentiu náusea induzida pela dor. Não tinha nada para secar-se depois, já que suas
roupas estavam sujas de suor e manchas de sangue. Ele manteve as mãos esticadas para secar com o
ar.

– Quanto tempo isso vai demorar? – perguntou Nathaniel.

– A espera ou seu assassinato? – indagou Lola. – O último vai demorar um pouco. Geralmente
esperar não faz o feitio dele, mas você causou tantos problemas a nós e aos lucros que
provavelmente faremos uma exceção.

–Você poderia simplesmente acabar logo com isso.

– Não seja infantil.

Nathaniel sentou-se para esperar. Demorou uma hora até a polícia terminar de tomar o
depoimento de Nathan, por sua segurança, e fotografar evidências de vandalismo. Soube que
finalmente foram embora quando uma porta se abriu nos degraus acima. Lola levantou-se em um
segundo. O coração de Nathaniel acelerou, entretanto, não pôde demonstrar medo perante aquele
olhar interessado de Lola. Pondo uma expressão calma em seu rosto, assistiu a morte descendo os
degraus.

Dois anos atrás das grades não envelheceu nem um pouco seu pai. Além de alguns quilos perdidos
Nathan Wesninski parecia o mesmo de sempre. A casa era uma demonstração gritante de sua
fortuna, porém Nathan não perdeu tempo se vestindo. Ele não via necessidade em usar roupas
elegantes quando gostava de se sujar no trabalho. Desceu a escada descalço, vestindo calça cinza
escura e uma camisa branca de botões. Suas mangas dobradas nos cotovelos e mãos nos bolsos
quando chegou. Olhos frios, azuis, fitaram Nathaniel, que desviou o olhar, incapaz de sustentá-lo.

Ele não tinha certeza em quere olhar Lola, no entanto Nathaniel também não queria observar o
monstro que acompanhava Nathan sobre as escadas. Patrick Dimaccio foi o guarda-costas de Nathan
ao longo da vida. Ele se comportava como se pudesse enfrentar meio-mundo com as próprias mãos,
uma atitude arrogante apoiada por trezentos quilos de músculos movidos a esteroides. Ele nunca
encostara uma mão em Nathaniel ou Mary, talvez sabendo que poderia matá-los com um golpe
descuidado, no entanto, Nathaniel sabia o quão perigoso ele era. Também, ele era mortalmente leal a
Nathan, que confiava nele cegamente. Dimaccio certamente ficara encarregado de manter o círculo
unido na ausência de seu pai.

– Levante-se –, disse Nathan, o simples som de sua voz foi o suficiente para transformar o
estômago de Nathaniel em geleia. – Faça algo melhor do que ficar sentado na minha presença.

Nathaniel disse a si mesmo para ficar parado, mas já estava de pé.

Lola riu daquela obediência e caminhou em círculo atrás de Nathaniel.

– Oi, júnior –, disse Nathan.

O queixo de Nathaniel tremeu.

Ele não se atreveu a falar, sem saber o que diria. Nathan atravessou a sala em sua direção,
tomando todo o esforço que Nathaniel teve para se manter firme. Nathan parou a sua frente, tão
perto que Nathaniel pôde sentir o cheiro de sua colônia. Nathaniel fitou o último botão em sua
camisa, como se de alguma forma pudesse salvá-lo de tudo isso.

A mão de Nathan pousou em seu ombro, mas não em um gesto reconfortante. Nathaniel se
preparou para o inevitável golpe, ainda assim seus joelhos vacilaram quando Nathan socou suas
bochechas. Nathan o pegou pela garganta quando caiu. Nathaniel engasgou e tentou encontrar seus
pés novamente. Sabendo que não seria bom agarrar seu pai para manter o equilíbrio. Ele sabia o que
seu pai faria se o tocasse.

– Eu disse oi –, insistiu Nathan quando Nathaniel se aprumou novamente.

Os lábios de Nathaniel se moveram, mas nenhum som veio deles. Ele tomou mais duas tentativas
antes de puder dizer um silencioso:

– Oi.

– Olhe para mim quando estiver falando com você.

Um grito contido pareceu que rasgaria sua garganta, mas Nathaniel forçou seu olhar para o rosto
de Nathan.

– Meu filho – disse Nathan. – Minha maior decepção na vida. Onde está o segundo maior?

– Mamãe está morta –, respondeu Nathaniel. – Você a matou. Não se lembra?

– Lembraria –, disse Nathan. – Eu teria saboreado as lembranças enquanto contava os dias para
encontrá-la novamente.

– Você a perfurou –, disse Nathaniel. – Ela só chegou até a fronteira da Califórnia.

Nathan lançou um olhar maníaco de Nathaniel para Lola:

– Acredito nele – disse ela.

Nathan assentiu, aceitando sua opinião, e segurou o rosto machucado de Nathaniel em suas mãos.
Apertou com tanta força que Nathaniel pensou que os cortes em seu rosto se abririam mais ainda. As
suas mãos voaram instintivamente em seu próprio rosto, removendo no último segundo as mãos de
seu pai. Nathan deu um sorrisinho com aquela pequena abordagem e sacudiu Nathaniel com tanta
força que seu pescoço protestou.

– Quem disse que se esconder à vista de todos era uma opção viável? Você devia adivinhar que eu
acabaria o encontrando.

– Você deveria ter me deixado –, disse Nathaniel. – Você me vendeu. Não era mais problema seu.

– A transação nunca foi finalizada. Tetsuji não concordou em levá-lo porque você não esteve lá
tempo suficiente para convencê-lo. Isso significa que você ainda pertence a mim. – disse Nathan –
Você me fez de mentiroso para as pessoas que não se deve mentir. Sabe o que eu vou fazer com
você?

– Ainda não estou completamente certo –, continuou Nathan, enquanto Nathaniel só podia olhá-lo
atordoado. – Tive anos para pensar em como acabar com isso, mas agora que chegou a hora estou
indeciso. Poderia esfolar você vivo. Poderia quebrar cada centímetro do seu corpo e cauterizar suas
feridas. Acredito que, não importa o que eu escolha, vou começar quebrando os tendões das suas
pernas. Você não vai escapar desta vez, Nathaniel. Não vou deixar você fazer isso.

– Foda-se –, Nathaniel cuspiu nele, com sua voz horrorizada.

Nathan o empurrou para longe dele com as mãos erguidas. Dimaccio atravessou a sala na direção
deles. Em uma das mãos segurando o pesado machado. Na outra, o cutelo. Nathan se virou para
aproximação de Dimaccio, considerando as armas com interesse.

Nathaniel aproveitou sua distração e tentou fugir, mas Lola estava a sua espera. Ela pulou em
Nathaniel por trás e o agarrou com as duas mãos. Ela não poderia mantê-lo por muito tempo, e nem
precisou. Diminuiu o ritmo por tempo suficiente para que Dimaccio passasse uma arma para Nathan.

Ele levantou Nathaniel do chão, puxando-o pela camisa, incapaz de se livrar dos punhos que
choviam sobre ele. Lola soltou-o e elegantemente recuou, Dimaccio atirou Nathaniel para a parede
mais próxima. O impacto esmagou o seu fôlego, e ele caiu desajeitadamente no chão. Agarrou seu
tronco com as mãos, o que foi um erro terrível, porém não teve fôlego para gritar. Estava tão tonto
que se sentia mal, mas a movimentação vista pelo canto do olho o fez se mover. O metal brilhou a
poucos centímetros de seu rosto quando Nathan desferiu o golpe. O terror colocou Nathaniel de pé o
mais rápido que seu corpo aceitaria se mover e recuou do cutelo de seu pai.

Nathan não o perseguiu. Dera ao cutelo um golpe experimental, como se estivesse se


familiarizando com seu peso, e testou a lâmina em seu polegar. Devia tê-lo afiado recentemente,
porque o sangue correu quase que imediatamente.

As oportunidades de Nathaniel estavam se esgotando. Não conseguiria passar por Nathan e


Dimaccio, o que significava aproveitar a oportunidade contra a pistola e faca de Lola. Ele se virou e
correu na direção a ela. O sorriso selvagem em seu rosto lhe disse que esse ataque seria esperado.
Ela se preparou para a inevitável colisão, com a faca empunhada e pronta para causar algum dano.
Ela brandiu a faca quando se aproximou. Nathaniel se esquivou da lâmina, quase torcendo o
tornozelo em sua pressa. A pistola de Lola estava em seu rosto alguns segundos depois, ela sabendo
que não podia atirar, não o impediu de se esquivar.

Ela se aproximou dele, com a faca na mão para atacar, e Nathaniel acertou um soco em sua
garganta. Ele mal ouviu o som horrível de asfixia que ela fez através da dor crepitante em seus
ouvidos. Cada corte e queimadura de suas mãos gritaram em protesto. Ele cerrou o punho com mais
força e deu outro golpe. Lola se esquivou, mas por pouco, deixando-lhe um corte queimando em seu
peito com a ponta da faca. Nathaniel estava agora entre ela e a porta, e puxou a barra para
destrancá-la. Lola agarrou seu cabelo antes que pudesse abrir a porta, mas Nathaniel não se
importou com a quantidade de cabelo perdido. Mesmo assim, ele se adiantou, recusando-se a soltar a
maçaneta.

– Sai da frente –, disse Nathan atrás deles.

Ele falava com Lola, mas Nathaniel se jogou de lado também. O cutelo de Nathan acertou
exatamente onde ele estava. O metal estalou quando atravessou a porta, e Nathan deu um olhar
ardente para seu filho caído. Nathaniel se arrastou de costas, esperando uma morte cruel em seu
peito. Nathan foi até ele, cansado de brincar de gato e rato. Nathaniel tentou se levantar, mas uma
bota em suas costelas o deixou imóvel. Um soco no rosto matou sua próxima tentativa e, de repente,
Nathan estava montado por cima de seu corpo com o cutelo em sua garganta.

Dimaccio veio atrás oferecendo o machado. Nathan o colocou ao lado do pescoço de Nathaniel
para que pudesse esculpir linhas rasas nas queimaduras de Nathaniel com o seu cutelo.

– Talvez nós usemos os dois – disse ele, casualmente, como se estivesse calculando o tempo do dia
seguinte. – Remover sua pele centímetro por centímetro e esculpir a carne por baixo. Se fizermos
direitinho, você pode durar a noite toda. Patrick, mande que peguem o maçarico para nós. Ainda
deve estar na gaveta ao lado do forno.

– Não –, pediu Nathaniel, mas Dimaccio subiu para chamá-los.

– Lola – Nathan a chamou, e Lola veio imediatamente ao seu lado. Ela já não sorria mais. O olhar
que lançou a Nathaniel estava cheio de fúria, cuidadosamente ela tocou seu pescoço ferido.
Nathaniel queria se sentir satisfeito por machucá-la, porém tudo o que sentia era medo. Sem tirar os
olhos de seu filho, Nathan lhe perguntou.

– Gostaria de ter o prazer de machucá-lo?

– Não –, pediu Nathaniel novamente, no entanto Lola se abaixou fora do campo de visão.
Nathaniel chutou as pernas para o outro lado, fugindo dela. O machado não era tão afiado a ponto de
abrir a garganta sem tanto esforço, então ignoro o modo como o peso do machado o fazia engasgar e
lutou da melhor maneira possível. Natha tolerou-o até que seu filho o agarrou, e ele pôs a faca na
ponte do nariz de Nathaniel.

– Se você não ficar quieto, vou arrancar a porra desses olhos.

Nathaniel congelou, contudo, tremia tanto que foi uma maravilha não estar sacudindo seu pai
ainda.

– Por favor –, murmurou, incapaz de parar – por favor, não faça isso.

– Posso? – indagou Lola, novamente animada.

– Vamos cortar seus tornozelos, depois seus joelhos –, disse Nathan a ele. – E se você tentar
escapar rastejando, vou cortar seus braços. Entendeu?

Dimaccio estava de volta, e colocou o maçarico ao lado de Nathan.

Nathaniel queria gritar, mas se o fizesse não seria capaz de parar. Seus olhos ardiam, talvez do
sangue, talvez do pânico contido pelo desespero. Agarrou-se ao que restava de seu autocontrole com
as pontas dos dedos ensanguentadas, sabendo que isso não lhe faria bem algum, mas que não
poderia soltar.

– Por favor –, implorou de novo – Só me deixe ir. Só me deixe ir. Eu não estou...

– Lola... –, Nathan o interrompeu, mas não terminou.

A porta do porão se abriu pelo lado de fora e um bando de estranhos entrou atirando. O
silenciador ajudou a abafar o som de alguma forma, porém em um lugar tão fechado, Nathaniel
sentiu cada tiro como uma mordida em sua pele. Lola estava mais perto da porta e seu corpo tremeu
quando as balas fizeram incontáveis buracos nela. Nathan desapareceu, debaixo da questionável
segurança de Dimaccio. Nathaniel tentou permanecer deitado, tentando não atrair atenção, no
entanto, estava procurando por seu pai enquanto mais estranhos apareciam na sala.

Seu pai estava completamente protegido pelo volumoso corpo de Dimaccio, enquanto pedia ajuda
a seus homens. Seus guardas desceram as escadas de concreto, entretanto rajadas de balas
intermináveis pararam seus passos. Alguém puxou Nathaniel pelo chão, longe de seu pai. Ele lutou
instintivamente, mas o estranho não revidou. Nathaniel foi jogado em um canto e continuamente
esquecido.

Ficar parado parecia uma boa ideia com tantas balas voando. Nathaniel encolheu seu corpo
machucado o mais forte que pôde, protegendo a cabeça com os braços latejando. Durou uma
eternidade antes que a casa estivesse quieta e silenciosa novamente. Nathaniel baixou lentamente os
braços e olhou em volta.

Nathan estava ajoelhado no meio da sala, encurralado, com quatro armas apontadas para sua
cabeça. Estava se levantando, mas alguém o acertou com a coronha de um rifle. Nathan respondeu
com um grunhido ininteligível. Um dos homens que vigiava a porta assobiou um sinal pelo túnel, e
passos ecoaram no corredor.

Um homem parou na porta e Nathaniel parou de respirar.

Ele reconheceria aquele rosto em qualquer lugar. Nove anos haviam cobrado caro a Stuart
Hartford, mas Nathaniel ainda podia ver as feições de sua mãe no rosto dele. Stuart respondeu a
carranca de Nathan com um olhar frio. Ele tinha a arma a meio caminho de Nathan, mas uma mulher
interferiu apontando o queixo para Nathaniel.

Stuart seguiu seu olhar e a surpresa tocou a ponta de sua fúria.

– Que diabos. Nathaniel? – Nathaniel estava muito atordoado para falar, contudo conseguiu
assentir. Stuart manteve a arma apontada para Nathan, mas manteve o olhar fixo no sobrinho. –
Onde está Mary?

Nathaniel não conseguiu encontrar sua voz, então apenas meneou a cabeça. A expressão de
Stuart se quebrou, a pequena ponta de esperança desaparecera tão depressa quanto surgiu.

– Não olhe. Isso vai terminar em um estante.

– Como se atreve? – Nathan rosnou selvagemente. – Você está desafiando os Moriyamas vindo
aqui e matando meus homens. Você é o homem morto. Você não tem o poder de...

Stuart não o deixou terminar.

O corpo de Nathan estremeceu quando duas balas perfuraram seu peito. Nathaniel assistiu a
tudo, olhos arregalados e incrédulos, sangue espirrou da garganta do seu pai correndo através de
sua camisa e manchando suas calças. O corpo de Nathan caiu para trás no impacto com o chão
molhada.

Nathaniel levou uma mão trêmula à boca, depois a segurou com a outra mão.

Não foi o suficiente para sufocar o entusiasmo impactante.

– Eu lhe disse para não olhar –, repreendeu Stuart.

Aquele sentimento de partir o coração não era pena, era uma necessidade tão feroz que Nathaniel
pensou que o mataria. Seu mundo desmoronava ao seu redor e ele caía em um buraco. Nathaniel não
conseguiu respirar, muito menos explicar aquela alegria horrível. Ele não luto quando dois dos
homens de Stuart o pegaram.

Stuart atravessou a sala para encará-lo. Nathaniel o viu passar pelo cadáver de seu pai. A mão de
Stuart em seu queixo obrigou-o a olhar o rosto do tio. Stuart o fitou, checando suas feridas com um
olhar furioso.

– Ele pode vir comigo –, disse uma das mulheres.

– Ele é o nosso único passaporte para sair desse inferno –, disse Stuart. – Vamos deixá-lo aqui. Por
enquanto, – ele continuou antes que Nathaniel pudesse reagir. Pressionou os dedos mais fortes no
rosto de Nathaniel e deu uma pequena sacudida. – Você vai me ouvir e fazer exatamente o que eu
disser. Eles só nos deixaram vir sem contestar porque nós prometemos que o levaríamos vivo.

Nathaniel finalmente encontrou sua voz.

– Os Moriyamas?

– Não –, negou Stuart, tão severamente que Nathaniel se inclinou para longe dele. – Não diga
mais esse nome hoje. Não os atraía. Eles não esperavam que o Carniceiro morresse e só temos uma
chance de ganhar o favor deles. Vamos usar o FBI como distração. Você precisa de cuidados médicos,
e ainda não podemos levá-lo aonde precisamos ir. Essa é a única maneira de você sobreviver.
Entende?

Seu pai estava morto.

Nathaniel aceitaria qualquer coisa depois disso.

– Não vou contar a eles.

Stuart assentiu.

– Então, nós estamos indo embora.

Eles lhe ajudaram a subir pelo túnel até a garagem. As escadas que subiam eram muito íngremes
e estreitas, e a entrada da no topo era grande o suficiente para alguém passar. O pessoal de Stuart
desapareceu da porta da garagem o mais depressa que pôde, mas Stuart ficou por um momento com
Nathaniel. Encarando a escuridão, Nathaniel procurou os federais que deveriam estar observando
tudo de uma distância segura. Por enquanto, a rua estava calma e vazia, embora não houvesse como
os vizinhos terem perdido aquele tiroteio. A qualquer minuto, talvez em dois, os vizinhos ligariam
para a polícia e a imprensa estaria aqui novamente.

Stuart colocou-o de joelhos com as mãos atrás da cabeça.

– Vamos voltar para buscá-lo quando pudermos. Eu prometo.

Então ele se foi, desaparecendo na noite com sua equipe. Nathaniel permaneceu ajoelhado e
curvou a cabeça em espera. E, não demoro muito tempo. Os federais saíram das sombras como
fantasmas, armas empunhadas de fora e cobertos da cabeça aos pés com equipamentos especiais.
Nathaniel era jovem demais para ser seu pai, mas a escuridão que o cobria ajudou na ilusão. Eles não
suspeitaram que algo estava errado até o puserem de pé com mãos rudes e vozes estridentes.
Nathaniel finalmente levantou a cabeça para eles, e o agente mais próximo dele parou no meio da
frase.

– Vocês se atrasaram –, disse Nathaniel, mesmo quando alguém ligava para o Serviço Médico de
Emergência para se apressar. – Meu pai está morto.

– Seu pai? – repetiu o agente estupidamente.

Seis homens rapidamente marcharam para o buraco e quase caíram, Nathaniel ouvir o eco de
suas botas enquanto corriam pelo túnel e revistavam a casas. Ele percebera que tinha baixado o
olhar para a abertura até o agente estalar os dedos enluvados em sua cara. Nathaniel encontrou seu
olhar inquisitivo com um olhar frio, e o homem repetiu:

– Seu pai?

– Me chamo Nathaniel Wesninski –, disse formalmente, – e meu pai está morto.

Não foi nada engraçado, todavia, um segundo depois, ele estava rindo. Soou histérico, sem
conseguir parar. Mãos agarraram seus ombros e curvando sua cabeça para baixo. Uma voz rouca
ordenou que respirasse, mas não conseguia. Ele se ajoelhou para se equilibrar. A dor de suas mãos
maltratadas subiu para seus braços, porém não pôde deixá-la. A adrenalina de um tiroteio
inesperado, a tranquilidade de estar vivo, estava o destruindo, e Nathaniel finalmente perdeu a
batalha contra seu estômago instável. Alguém o segurou quando vomitou no chão de concreto.
Nathaniel cuspiu em uma tentativa vã de remover o gosto amargo de sua boca.

A mão em seu ombro colocou mais força.

– Preferiria não algemá-lo no estado em que você está agora, mas farei se for preciso. Você será
um problema para nós?

Nathaniel lutou para erguer o olhar e se concentrar no rosto do homem.

– Tenho sido um problema há dezenove anos. Estou cansado demais para ser um hoje. Só me tire
daqui.

Uma ambulância parou na calçada. Havia chegado rapidamente, Nathaniel adivinhou que
estivesse a espera em algum canto, longe de vista. Apesar de sua tranquilidade, teve uma escolta de
três agentes que o acompanharam até os paramédicos. Eles tinham a maca na rua quando chegou, e
Nathaniel se deitou sobre ela sem dizer nada. Eles o imobilizaram para levá-lo e o colocaram de
volta. Um agente foi deixado com eles; Nathaniel supôs que os outros o seguiriam.

Ele já não se importava mais.

Ele fechou os olhos e deixou os paramédicos fazerem o seu trabalho.

Quando abriu os olhos novamente, Nathaniel estava em uma cama de hospital e a luz do sol
escorria por uma janela. Tubos de plástico finos saíam sob os lençóis e os remédios faziam sua
cabeça parecer algodão. Estava acordado, mas agradavelmente aliviado da dor.

Recebeu duas visitas que não reconhecera, mas soube com apenas um olhar que eles eram
federais. Ambos tinham, presumidamente, esse ar carregado de autoridade que, geralmente,
pensavam ter, e sentiam-se mais poderosos do que realmente eram. Um se sentou em ma cadeira à
sua esquerda. O outro, melhor que as das duas cadeiras, posicionou-se ao pé de sua cama
examinando papéis. A porta se fechou dando-os privacidade, porém Nathaniel pressupôs que alguém
aguardava do lado de fora.

Alguém algemara a mão enfaixada de Nathaniel a cama. Nathaniel a sacudiu e disse.

– Sério?

– Não teremos outra chance –, disse o homem mais próximo. – Assim que os médicos lhe deram
alta, nós o transferiremos para o escritório local. Não pense em ter que esperar por um ambiente
oficial para falar conosco. Estamos prontos para ouvir tudo o que você tem a dizer. Agente Especial
Browning –, o agente disse tardiamente, e apontou para seu parceiro. – Este é o Agente Especial
Towns. Nós seremos seu controlador.

– Meu controlador –, repetiu Nathaniel. – Não sou sua propriedade.

– Mas temos sua custódia.

– Vocês vão me prender?

– Neste momento, estamos agindo de boa vontade supondo que podemos contar com sua total
cooperação. Se precisarmos de uma abordagem mais agressiva, a faremos. Temos uma série de
crimes atribuídos a você, começando com falsidade ideológica, encontrada em sua carteira, e o
agravante do paradeiro de sua mãe. Deixe-nos cientes sobre se teremos que ser mais duros.

Nathaniel fez um som rude com a garganta.

– Vocês não podiam pelo menos usar uma linguagem melhor, tipo Exy? Eu odeio beisebol.

– No momento, o que você odeia ou deixa de odiar é de pouca importância para nós –, disse
Towns. – Nos importamos somente com a verdade.

– Te dou a verdade em troca da verdade –, ofereceu Nathaniel. – Meu time foi pego ontem por um
motim. As Raposas de Palmetto State –, disse ele, apesar de estar certo de que os agentes já haviam
percebido desde que o encontraram na casa de seu pai. – Eles estão feridos?

– Oitenta e seis pessoas ficaram feridas na noite passada, incluindo três de seus companheiros –,
disse Browning. – Eles foram tratados e prontamente dispensados. Eles sofreram ferimentos
menores. Tiveram sorte. Algumas pessoas acabaram na UTI.

– Entramos em contato com o treinador Wymack, logo depois que o trouxemos até aqui, e
perguntamos se ele poderia levar o pessoal para interrogatório –, continuou Town, checou o relógio e
disse: – Eles devem terminar em breve. Quando terminarem, eles estão livres para voltar para a
Carolina do Sul.

Ele não dissera “Sem voce”, mas Nathaniel pôde perceber em seu tom.

– É a sua vez –, disse Browning. – Onde está sua mãe?

Nathaniel contou a eles sobre o encontro com seu pai em Seattle e sobre o cruel ataque do qual
não foram tão rápidos em escapar. Contou sobre o fogo, a areia e como ele a enterrou na costa.

Era brutalmente injusto, ela ter vivido o suficiente para ver Nathan morrer, mas Nathaniel
manteve aquela amarga miséria para si mesmo.

– Todo esse tempo você esteve escondido em Seattle? – perguntou Browning, parecendo irritado
por não saberem.

– Não –, refutou Nathaniel, – essa foi a última parada antes do Arizona.

– Onde você esteve antes de Seattle?

– Eu quero ver meu time.

– Onde você esteve antes de Seattle? – repetiu Browning.

Nathaniel pressionou seus lábios em uma linha dura e dirigiu seu olhar para o teto. Browning
tolerou seu silêncio por alguns minutos, antes de começar a falar. Contou-lhe tudo o que planejavam
oferecer a Nathaniel em troca de sua delação premiada: imunidade de todas as suas acusações, um
novo começo no Programa de Proteção a Testemunhas e a oportunidade de derrubar a gangue de seu
pai. Quando Nathaniel permaneceu impassível, apesar de todas as ofertas, Browning mudou para
ameaças. O que tinham de Nathaniel era o suficiente para prendê-lo, e eventualmente buscariam
mais coisas para incriminá-lo.

– Quero ver o meu time –, insistiu Nathaniel quando Browning finalmente respirou fundo.

– Seja razoável –, disse Towns. – Não torne as coisas mais insuportáveis do que o necessário.

– Você acha isso insuportável? Olhe tudo o que eu passei. Sobreviver é fácil. – Nathaniel inclinou a
cabeça e deu a Towns um olhar frio. – Mas, você consegue sobreviver a mim?

– Você está ameaçando um agente federal?

Nathaniel riu tanto que suas queimaduras doeram.

– Eu não ousaria tanto. O que eu quis dizer foi: se você pode sobreviver à minha família? Meus
pais estão mortos, mas meu tio ainda se lembra de mim. Mais importante, ele lembra que vocês lhe
deram permissão para ir até meu pai na noite passada. Desde quando a policia se mistura com
bandidos?

– Não sei do que você está falando –, despistou Browning, com impressionante neutralidade.

Nathaniel não acreditou, por um segundo.

– De qualquer forma –, disse Nathaniel. – Vou tirar uma soneca.

Eles não discutiram, então ele fechou os olhos e ficou à deriva. Ele acordou um tempo
indeterminado depois, quando uma enfermeira foi verificar suas feridas. Todos os analgésicos em seu
corpo não significou nada enquanto ela limpava os hematomas em seus braços e mãos. Nathaniel
cerrou os dentes extremamente fortes, pensando que os quebraria, e lutou com o desejo de chutá-la
para longe dele. Ela acenou com aprovação a seus pontos e prometeu que a médica iria verifica-lo
mais tarde. Ela fechou a porta ao sair.

Foi impossível voltar a dormir com os nervos alarmados em seus ouvidos. Nathaniel flexionou os
dedos, verificando seu nível de mobilidade. Lola o queimou para machucá-lo, não para mutilá-lo.
Talvez pensasse que a pele derretida arruinaria a bobina acabando com sua diversão. Soube, pelas
reações da enfermeira, que seu rosto não tivera a mesma sorte, contudo não queria se ver em um
espelho ainda. Nathaniel estava tão furioso quanto com náuseas, só de pensar nisso.

Antes que náusea pudesse vencer, Nathaniel ergueu olhar e sussurrou:

– Quero ver meu time.

– E eu um café –, disse Browning.

– Vocês dois ainda estão aqui?

Towns assentiu.

Browning checou sua carteira por dinheiro e saiu.

Nathaniel deu alguns puxões experimentais em sua algema apenas para ver como Towns reagiria.
Towns não se impressionou com a tentativa fracassada de rebelião e continuou lendo seu arquivo.
Eles se ignoraram até Browning retornar. Browning sentou-se em silêncio até que o café acabou, em
seguida examinou uma das pilhas de arquivo descartadas por Towns. Depois de uma hora, fez outra
tentativa de se comunicar com Nathaniel.

– Ainda se sente cooperativo?

– Ainda não vi mês colegas de time, então não –, respondeu Nathaniel, Browning fez um gesto
arrogante. Nathaniel puxou sua mão algemada novamente. – Olhe: foi com essas pessoas que eu
decidi ficar, mesmo sabendo que não ficaria por muito tempo. Eu os escolhi antes de pensar na minha
própria segurança. Então deixe-me vê-los e eu te direi tudo o que você quer.

– Você só pensa em querer vê-los –, disse Towns. – Lembre-se que eles acabaram de descobrir
quem você realmente é. Engulo meu chapéu se eles ainda quiserem saber algo sobre você.

Nathaniel abriu a boca, a fechou novamente, e desviou o olhar.

Seus companheiros aceitariam a vaga confissão que Aaron expusera sobre ele, todavia, saber o
histórico de sua família era assustador, mais ainda, lidar com a realidade era algo totalmente
diferente. Talvez Kevin tivesse tempo de contá-los durante a viagem a Nova York, sobre a ligação
entre os Wesninski e os Moriyamas; nesse caso, eles agora saberiam o risco em que “Neil” os
colocara assinando o contrato com o técnico Wymack.

Ele prometera que sua família não seria um problema, mas eles o machucaram e isso custaria o
campeonato as Raposas. Eles deveriam odiá-lo agora, deveriam temê-lo, e provavelmente nunca o
perdoariam, no entanto, Nathaniel não queria deixá-los. Ele tinha que dizer-lhes isso ainda hoje,
antes que os federais o empurrassem tão ao fundo a ponto de a luz nunca mais puder alcançá-lo.

– Na verdade –, prosseguiu Towns, – provavelmente já estão na estrada para o sul. Seus


depoimentos não devem ter demorado muito, e não precisamos de mais nada deles por enquanto.

– Você está errado –, disse Nathaniel. – Eles não iriam a lugar nenhum sem Andrew, e Andrew não
iria a lugar nenhum antes de falar comigo.

– É melhor você não quer descobrir.

– Sim, eu quero. – Mesmo que fosse apenas para destruir Nathaniel por esconder isso, Andrew
esperaria o máximo que pudesse. Ele não era do tipo que deixava as coisas inacabadas. Nathaniel
sabia, e acreditava, com cada fibra de seu corpo. Foi o suficiente para acalmar a pontada do aviso
insensível de Towns. – Você pode me levar até eles, ou pode me deixar apodrecer em uma cela em
algum lugar. São suas únicas opções.

Finalmente, Browning se levantou e foi ao corredor. Nathaniel ouviu seu tom estridente através
da porta, mas sem entender suas palavras. Towns observou seu parceiro quando Browning retornou,
e Browning respondeu rabiscando a prancheta de Towns. Nathaniel resistiu ao impulso de jogar seu
travesseiro neles e relaxou um pouco sobre ele.

Eles não disseram nada a ele, e deixaram seus pensamentos vagarem. As horas para sua alta
foram intimáveis e infelizes. Quando a médica passou para vê-lo e lhe dizer como tratar suas feridas,
Nathaniel a interrompeu com um grosseiro:

– Não preciso da sua ajuda.

A médica, acostumada com pacientes desagradáveis, assinou o prontuário de Nathaniel sem dizer
mais nada. Ela olhou para os agentes e disse:

– Vocês podem assinar a saída dele na recepção, no final do corredor. Eles terão os remédios
esperando por vocês.

Browning assentiu, porém esperou que a doutora saísse para remover as algemas que prendiam
Nathaniel a sua cama. Ele e Towns abaixaram o nível da cama, para que Nathaniel pudesse sair dela.
Towns lhe entregou uma bolsa, e Nathaniel jogou um conjunto de moletons escuros sobre a cama.

Onde estão minhas roupas? – indagou ele.

– Tomadas como prova –, disse Towns.

Towns posicionou-se ao lado da porta.

Browning permaneceu por perto, quase a meio caminho de Nathaniel. Se Nathaniel tentasse algo,
o enxergaria em sua visão periférica, mas ainda era um pouco de privacidade. A bata hospitalar
usada por Nathaniel estava desamarrada, por isso ficou extremamente grato. Ele pensara que não
podia contra nós e tiras até que suas mãos estivessem melhores. Tirou o roupão e vestiu os moletons
novos com o máximo de cuidado possível. Suas mãos queimavam quando terminou. As segurou sobre
o estômago, sabendo que não ajudaria em nada, mas queria tentar apagar a queimação de alguma
forma.

Browning algemou suas mãos a frente, em seguida, puxou o capuz do moletom para cobrir o
rosto.

– Graças aos vizinhos do seu pai, a imprensa sabe que alguém foi tirado da casa de Nathan na
noite passada. Os canais principais ainda não têm nome, e nem precisarão. Você passou tanto tempo
na TV no ano passado. As pessoas reconhecerão seu rosto assim que verem uma parte do que sobrou.

– Sobrou o suficiente para ser reconhecido? – perguntou Nathaniel.

– Têm um espelho aqui se você quiser ver.

– Me conformo com sua opinião.

– Vai cicatrizar logo –, confortou Browning, o que não pareceu.

Eles o guiaram pelo corredor.

Towns assinou sua saída e pegou uma sacola branca e a sacudiu. Analgésicos e antibióticos,
Nathaniel presumiu. Pomadas para queimaduras caso tivesse sorte. Towns deu a ele para carregar, e
pegaram o elevador. Browning ligou antes que chegassem ao andar de baixo, para que tivessem um
lugar totalmente vazio. Nathaniel não levantou a cabeça, para ver repórteres o procurando por uma
foto. Ele manteve a cabeça tão baixa quanto pôde e rezou para que o moletom fosse o suficiente para
proteger seu rosto.

Um carro, SUV, esperava estacionado na calçada. A porta de trás se abriu com a aproximação e
Nathaniel entrou. Towns sentou mais atrás, então Browning ficou ao lado de Nathaniel. Browning
fechou a porta e fez uma curta ligação, apenas para dizer:

– Estamos a caminho. Tire a impressa de vista antes de chegarmos lá.

A mulher no banco do passageiro deu a Nathaniel um olhar curioso por cima do ombro. Ele
desviou seu olhar e encarando a janela peliculada. Ele reconheceu ruas e edifícios enquanto
passavam. De alguma forma terrível e impossível, parecia estar em casa. Ele queria arrancar esse
sentimento de seu peito e destruí-lo.

O Foxhole era o único lar de que precisava; e as Raposas sua família.


Ele desejou que nada disso tivesse poder sobre ele.

Quão triste, quão estranho, quão estúpido, era fugir desse lugar e ter retornado ao mesmo no
final de tudo. Ele já não suportava a vista da cidade, então se inclinou para trás e fechou os olhos.

Não conseguia dormir, mas pelo menos podia imaginar a morte de seu pai várias e várias vezes.
Isso foi quase o suficiente para fazê-lo sorrir e, finalmente, as pedras de gelo em suas veias
derreteram.
CAPÍTULO CARTOZE

Nathaniel esperava ser encaminhado diretamente a delegacia, para prestar depoimento, mas o
SUV entrou no estacionamento de um hotel de estrada. O lugar estava cheio de federais. Os agentes
fumavam e tentavam parecer casuais. Sua pele arrepiou ao vê-los. As mulheres tomando banho de sol
à beira da piscina pareciam igualmente cautelosas, apesar de suas tentativas de passarem
despercebidas. A senhora ao lado da máquina de venda automática parecia inquieta. Nathaniel
estava propenso a desconfiar de todos ao seu redor.

Assim que o carro parou, Nathaniel olhou ansioso para Browning, que apontou um dedo em seu
rosto.

– Você tem vinte minutos, ou até que eles o expulsem de suas vidas, ou o que vier primeiro. Então
você virá conosco e nos dirá tudo o que queremos saber. Fui claro?

– Eles... –, tentou Nathaniel. – Estão aqui? Não vejo o ônibus.

– Não quero que a imprensa o veja aqui e descubra tudo ainda, então fiz o seu treinador
estacioná-lo em outro local. Repetindo: Fui claro?

– Cristalino –, respondeu Nathaniel, cobrindo a cabeça novamente com o capuz. – Saía.

– Essa sua personalidade tá me fazendo reconsiderar tudo –, resmungou Browning, mas saiu do
carro.

Ele o conduziu pela frágil escada de metal até o segundo andar. Uma mulher se apoiava no para
peito da varanda com um celular no ouvido. Jogando o cabelo por cima do ombro, deslizou os dedos
ao logo da madeixa. Browning guiou Nathaniel até a porta apropriada e bateu. A porta se abriu,
apenas uma fenda, e Nathaniel não enxergou nada além do homem atarracado no terno. O agente de
guarda franziu cenho para Nathaniel antes de fitar Browning com um olhar irritado.

– Não gosto nada disso.

– Anotado. Fique de olho nele por um estante, Kurt –, disse Browning. Kurt se afastou e abriu a
porta. Browning passou por ele, batendo palmas para chamar a atenção de todos. Mesmo da
varanda, foi alto o suficiente para Nathaniel ouvir cada palavra.

– Ouçam pessoas. Vocês têm vinte minutos. Vamos manter a ordem, apenas uma pessoa de cada
vez.

Obviamente, Kurt esperava que as Raposas aceitassem sem relutância, pois baixou o braço e
deixou Nathaniel passar. Deveria ter esperado um pouco mais, pois os companheiros de equipe de
Nathaniel começaram a discutir quase imediatamente.

A voz indignada de Dan foi ouvida com mais facilidade quando disparou:

– Vinte minutos? Você deve estar brincando. Porque... Oh, meu Deus! – Ela parou assim que
Nathaniel entrou na sala. O ímpeto em sua voz não era raiva ou desgosto, e sim alívio alimentado
pelo terror. – Ai meu Deus, Neil. Você está bem?

Nathaniel abriu a boca, mas as palavras falharam. Na noite passada soubera que nunca mais veria
nenhum deles. Tê-los de volta era uma pomada em cada uma de suas feridas doloridas, porém estava
ciente de que sua presença seria uma despedida.

A saudade o mataria no momento em que saísse dali.

Ele lhes devia explicações e um pedido de desculpas, mas não sabia por onde começar. Tudo o
que pôde fazer foi olhar de um rosto atordoado para outro. Havia uma expressão vazia no rosto de
Kevin, e hematomas escuros em seu queixo. Nicky estava um desastre, desconsolado, próximo à
janela. Allison e Renee sentadas na cama mais distante com dois olhos roxos e algumas dúzias de
hematomas entre elas. As manchas no braço de Allison foram obviamente deixadas por dedos.
Nathaniel esperava que Allison tivesse esmurrado quem fora estúpido o suficiente para agarrá-la com
tanta força, mas talvez Renee tivesse cuidado disso. Uma das mãos de Renee estava enfaixada e
usava uma pulseira hospitalar na outra. Aaron, sentado na mesma cama, pela primeira vez, pareceu
mais perturbado do que bravo ao olhar para Nathaniel.

Matt e Dan estavam na cama mais próxima. Matt tinha um forte aperto no ombro de Dan, como se
a impedisse de atacar Browning. Matt havia sido severamente espancado e ainda tinha pacotes de
gelo amarrados nas duas mãos. Sua camisa estava suja e rasgada em vários lugares, Nathaniel pôde
enxergar os feios hematomas através das aberturas. Abby estava de pé entre as camas, seu kit de
primeiros socorros aberto sobre os cobertores, próximo ao quadril direito de Matt, porém, deixou
cair o antisséptico de sua mão quando viu Nathaniel.

Os lábios de Abby se moveram, mas Nathaniel não ouviu uma única palavra dita por ela. Browning
dissera que as Raposas haviam sofrido apenas ferimentos leves e que nenhum havia acabado na UTI,
mas apenas sete deles estavam lá. Wymack estava fora, despistando o ônibus, isso deixou uma pessoa
faltando.

O sangue de Nathaniel congelou, e ele não conseguiu evitar o alarde em sua voz quando começou
a perguntar:

– Onde está e...?

Houve um estrondo atrás de Nathaniel, o som inconfundível de um corpo batendo contra a


madeira. Ele se virou, quando Andrew forçou seu caminho com Wymack em seu calcanhar. Kurt
agarrou Andrew, porém o soltou quando Wymack o empurrou ao passar por ele. Nathaniel só teve um
segundo para ver as algemas acorrentarem Andrew e Wymack juntos, e então Browning reagiu à
entrada violenta pegando sua arma.

Nathaniel agarrou o braço de Browning com as duas mãos e o puxou o mais forte que pôde.
Pretendendo unicamente desacelerá-lo e fazê-lo perder o equilíbrio, mas a agonia que disparou dos
dedos de Nathaniel até os cotovelos quase o fez cair. Ele o soltou, sem a intenção, e curvou-se, como
se de alguma forma fizesse a dor desaparecer. Pressionar as mãos contra o estômago não ajudou, no
entanto, Nathaniel precisava protegê-los de alguma forma.

– Não –, pediu entre os dentes cerrados.

Pensou que o pedido fosse sua imaginação, de qualquer forma; ele não conseguia ouvir a si
mesmo através do ruído ensurdecedor rugindo em seus ouvidos. O peso de uma mão em sua nuca
dizia que havia conseguido tempo suficiente para Andrew alcançá-lo. Nathaniel não se lembrava de
fechar os olhos, mas forçou-os a abrir novamente. Ele tentou se aprumar, no entanto, Andrew o
agarrou pelo ombro e o empurrou de joelhos. Nathaniel abaixou-se sem discutir e embalou suas mãos
destruídas em seu colo. Suas mãos pareciam tão terríveis que esperava ver o sangue ensopando suas
ataduras, mas a gaze permaneceu branca e limpa.

– Deixem disso –, disse Wymack.

Ele parecia tão bravo que Nathaniel sabia que não estava falando com ele ou Andrew. Adivinhou
que Browning ou Kurt estavam se movendo para tirar Andrew do caminho antes que machucasse
Nathaniel ainda mais. Ou os federais confiavam em seu julgamento ou não podiam cercar Wymack
para alcançar Andrew, mas Andrew se ajoelhou na frente de Nathaniel sem questionamento.
Nathaniel virou as mãos e olhou para cima.

A expressão de Andrew era enganosamente calma, no entanto, seu aperto foi forte quando
agarrou o queixo de Nathaniel. Nathaniel deixou-o vê-lo, pois isso lhe dava tempo para estudar os
hematomas que cobriam o rosto de Andrew. O pior deles era um golpe roxo e estreito que ia da maçã
do rosto até o canto do olho direito. A força do impacto deixou metade do olho de Andrew vermelho
de sangue.

Um cotovelo, pensou Nathaniel, que chegara perto demais.

– Poderiam ter cegado você –, disse Nathaniel. – Todo esse tempo brigando e nunca aprendeu a se
esquivar?

Um olhar gélido foi sua única resposta. Andrew o soltou, assim pôde remover o capuz de
Nathaniel fora do caminho. Passou um dedo pelas linhas de esparadrapo que seguravam as
numerosas bandagens no lugar, como se estivesse procurando o melhor lugar para começar. Primeiro
puxou a gaze da bochecha direita de Nathaniel, expondo os cortes em forma de linha deixados pela
faca de Lola. Ele deu um olhar superficial aos pontos antes de continuar. O esparadrapo no outro
lado de Nathaniel doía como o inferno, repuxando a pele em torno de suas queimaduras, e a mão de
Andrew congelou a poucos centímetros do rosto de Nathaniel.

A expressão de Andrew não mudou, mas havia uma nova tensão em seus ombros, o que não foi um
bom presságio para ninguém na sala. Andrew largou as primeiras ataduras como se não tivessem
importância, colocando-as lentamente no chão, ao lado do joelho, sem desviar o olhar de Nathaniel.
Enquanto Nathaniel permanecia ajoelhado e de costas para o resto do quarto, Wymack foi o único a
ver o desastre que Lola fizera em seu rosto. Nathaniel não se atreveu a olhá-lo, porém o violento: –
Jesus Cristo, Neil –, de Wymack disse que as queimaduras pareciam tão ruins quanto ele sentia.

Uma cama rangeu quando uma das Raposas se levantou. Wymack sacudiu a mão livre em uma
ordem enfática para mantê-los calados e disse.

– Não.

– Um de cada vez –, lembrou Browning.

Andrew pressionou dois dedos abaixo do queixo de Nathaniel, virando o rosto. Nathaniel deixou-
se guiar, sem dizer nada enquanto Andrew o observava. Quando Andrew soltou a mão e agarrou o
seu moletom, Nathaniel arriscou um olhar. Havia violência nos olhos de Andrew, mas, pelo menos,
ainda não havia o empurrado para longe. Isso tinha que contar alguma coisa.

– Sinto muito – disse Nathaniel.

O punho de Andrew se afastou com a intenção de atingi-lo, mas não o fez. Nathaniel sabia que não
fora por sua mão estar algemada junto a Wymack; O braço de Andrew, realmente, tremeu com o
esforço necessário para não atingi-lo no rosto. Nathaniel nada disse para equilibrar a balança, de
forma alguma. Finalmente, Andrew desatou os dedos e deixou a mão cair, suspensa pelo o punho.

– Repita isso de novo e eu vou te matar –, disse ele.

– Está é a última vez que vou repetir –, disse Kurt, aproximando-se de Wymack com um olhar
sombrio no rosto. – Se você não conseguir acalmar essa atitude e se comportar...

Nathaniel deu-lhe um olhar de aviso e cortou-o com um:

– O que você vai fazer, babaca?

– O mesmo vale para você, Nathaniel –, salientou Browning. – Essa é a sua segunda chance. Um
terceiro passo em falso e isso "ele virou o dedo para indicar as Raposas" acaba. Lembre-se de que
você está aqui apenas porque permitimos.

Andrew se remexeu, como se quisesse se levantar, Nathaniel sabia que ele faria Browning calar a
boca para seu próprio bem. Nathaniel sabia que não deveria tocar em Andrew ainda, mas chegou o
mais perto que pôde e segurou o rosto de Andrew entre as mãos enfaixadas. Andrew poderia tê-lo
empurrado para o lado com facilidade, mas, depois de uma breve pausa, ele se recompôs novamente.
Nathaniel olhou para ele rapidamente, agradecido por sua renúncia, antes de virar outro olhar para
Browning.

– Não minta para um mentiroso –, rosnou Nathaniel. – Nós dois sabemos que estou aqui porque
vocês não vão conseguir nada sem mim. Uma pilha de cadáveres não vai concluir o caso ou rastrear o
dinheiro. Lhe disse o que essas respostas custariam e você concordou em pagá-las. Então tire essas
algemas de Andrew, tire seu homem do caminho e pare de desperdiçar meus vinte minutos com sua
atitude inútil.

O silêncio que se seguiu foi instável.


Browning estava considerando suas opções, ou pelo menos agindo como se estivesse.

Nathaniel sabia que isso só poderia terminar de uma única maneira.

Se o FBI permitira a entrada dos Hartford no país sem oposição, então teriam de estar
desesperados por uma solução. Ninguém poderia provar – ainda – que Nathan havia matado Mary
Hartford, mas o ódio dos Hartford por Nathan não era um segredo e eles reagiram à sua liberdade
condicional reservando passagens para atravessar o Atlântico. Era óbvio que o FBI sabia que sua
visitinha não seria amigável.

Finalmente, Browning fez um gesto. O rosto de Kurt ficou enfurecido quando tirou as chaves do
bolso. Wymack se virou para facilitar. Andrew não olhou quando as algemas foram removidas, porém
flexionou os dedos várias vezes, testando sua liberdade e deixando a mão cair sobre a coxa. Browning
levou Kurt com ele para esperar perto da porta. Ambos irradiavam descontentamento e desconfiança,
o olhar que Browning enviou para o relógio foi contundente, mas Nathaniel não se importou.
Satisfeito por finalmente estarem fora do caminho, ele voltou toda sua atenção para Andrew.

– Então, o transtorno de personalidade não foi fingimento, pelo menos –, disse Andrew.

– Eu ia contar a você.

– Pare de mentir para mim.

– Não estou mentindo. Teria dito a você na noite passada, mas eles estavam no nosso vestiário.

– Eles quem? – Browning perguntou.

Nathaniel mudou para alemão sem perder tempo. Tinha certeza de que Browning enviara um
olhar rude por aquele truque, mas não desviou o foco de Andrew.

– Eles não eram guardas, os que vieram nos escoltar. Eles estavam lá para mim, e eles teriam
machucado todos vocês para me tirar de lá. Pensei que, ficando de boca fechada, poderia mantê-los
seguros. – Nathaniel ainda tinha as mãos no rosto de Andrew, então tocou levemente o hematoma no
olho de Andrew com o polegar. – Não sabia que eles haviam armado o tumulto.

– O que te disse sobre ser um mártir? – indagou Andrew.

– Que ninguém quer isso –, respondeu Nathaniel. – Você não me disse para parar.

– Estava implícito.

– Eu sou um idiota, lembra? Preciso que as coisas sejam soletradas.

– Cale a boca

– Já cheguei a noventa e quatro?

– Você está em cem –, respondeu Andrew. – O que aconteceu com o seu rosto?

Nathaniel engoliu em seco contra uma onda de náusea.

– Um isqueiro.

Ele estremeceu com o som horrível feito por Nicky. O ruído de um colchão rapidamente sufocou o
tom violento de Aaron. Nathaniel olhou para trás sem pensar, precisando ver quem estava se
movendo, e viu que Aaron tinha saído da cama para ficar ao lado de Nicky. Ao virar-se, os outros
puderam ver sua bochecha queimada. Kevin recuou tanto que atingiu a parede atrás dele. Ele levou a
mão protetoramente em sua própria tatuagem, e Nathaniel soube que ele imaginava a reação de Riko
a essa atrocidade.

Desta vez foi Dan quem impediu que Matt se levantasse, com os nós dos dedos brancos contra a
camisa escura, e virou o rosto. Matt começou a lutar para se soltar, porém, contentou-se com um
grunhido:

– Jesus, Neil. O que diabos fizeram com você?


Abby manteve distância, por tempo suficiente, aparentemente. Ela circulou a cama, os olhos
arregalados e frenéticos, no entanto só alcançou a esquina antes de Andrew perceber suas intenções.
Ele agarrou Nathaniel, voltando seu rosto para frente e deu a Abby um olhar tão cruel que ela parou
de repente.

– Afaste-se de nós –, disse Andrew.

– Andrew –, começou Abby, calma e cuidadosa. – Ele está ferido. Deixe me ver...

– Se me fizer repetir, você não vai viver para se arrepender.

Nathaniel nunca o ouvira falar com aquele tom assassino. Fez seu cabelo se arrepiar, no entanto,
de alguma forma, aliviou um pouco da preocupação em seu peito. Era culpa de Nathaniel, o
autocontrole de Andrew estar em pedaços, mas também era de seu interesse. A fúria sem fundo de
Andrew nunca o machucaria, e isso fazia toda a diferença no mundo. Nathaniel puxou
cautelosamente o cabelo de Andrew.

Andrew resistiu às duas primeiras tentativas, mas finalmente permitiu que Nathaniel voltasse sua
atenção para onde precisava.

– Abby, acabei de sair do hospital –, lhe disse Nathaniel sem tirar os olhos de Andrew. – Estou tão
bem quanto poderia estar.

– Neil –, tentou Abby.

– Por favor –, insistiu Nathaniel.

Ele não a ouviu recuar um passo, mas soube que o fazia, por causa da maneira como o aperto na
mandíbula de Andrew relaxou. Nathaniel manteve uma mão enterrada no cabelo de Andrew,
finalmente a outra caiu. Em um alemão silencioso, ele disse:

– Eles te disseram quem eu sou?

– Eles não precisaram. Arranquei as respostas de Kevin a caminho daqui. – Andrew ignorou o
modo como Nathaniel ficou boquiaberto e continuou: – Parece que você não era órfão, afinal. Onde
está seu pai agora?

– Meu tio executou ele –, disse, imaginando. Ele cruzou uma linha irregular e pressionou dois
dedos no peito de Andrew, sobre seu coração. A lembrança o arrepiou até os ossos, e não pôde deixar
de tremer. – Passei toda a minha vida desejando que ele morresse, cheguei a pensei que ele nunca
morreria. Achava que ele fosse invencível. Mal posso acreditar que foi tão fácil.

– Fácil? – indagou Andrew. – Kevin nos contou para quem ele trabalhava.

Nathaniel acreditava que nenhum dos agentes pudesse entendê-los, entretanto, nomes eram
difíceis de esconder em qualquer idioma. Ele estava feliz por Andrew ser inteligente o suficiente para
não dizer o nome dos Moriyamas em voz alta.

– Meu tio disse que tentaria negociar alogo. Não sei se ele é influente o suficiente para negociar
com eles, mas gostaria de pensar que ele não se arriscaria. Prometa-me que ninguém contou ao FBI
sobre eles.

– Ninguém disse uma única palavra desde que disseram que não poderíamos ver você.

O coração de Nathaniel pulou em uma batida.

O calor em seu peito era uma feia mistura de gratidão e vergonha.

Ele tentou falar, mas teve que limpar a garganta antes de tentar novamente.

– Mas, por quê? Não fiz nada além de mentir para eles. Inconsequentemente, coloquei-os em
perigo apenas para poder jogar um pouco mais. Eles foram feridos ontem à noite por minha causa.
Por que me protegeram agora?

– Você é uma Raposa –, respondeu Andrew, como se fosse tão simples, e talvez fosse. Nathaniel
baixou o olhar e moveu o queixo, lutando por uma estabilidade que rapidamente estava perdendo.
Mal reconheceu sua própria voz quando disse:

– Andrew, eles querem me levar para longe daqui. Eles querem me colocar no Programa de
Proteção a Testemunhas, para que as pessoas de meu pai não possam me encontrar. Eu não quero... –
ele começou, mas não era justo. – Se você me disser para ir, eu vou.

Ele omitiu que queriam matá-lo, no entanto, nem precisava. Andrew enfiou os dedos no colarinho
do moletom de Nathaniel e apertou, o suficiente para que ele sentisse. Por um momento, Nathaniel
estava a meses de distância daquele momento, de pé no corredor escuro da casa de Andrew, pela
primeira vez, com uma chave quente grudada na palma da mão. Parecia à volta para casa, e foi o
suficiente para aliviar seu medo.

– Você não vai a lugar nenhum –, prometeu Andrew, as mesmas palavras, a mesma promessa. Ele
estava falando em inglês novamente, e Nathaniel entendeu o motivo quando ouviu as próximas
palavras de Andrew. Ele estava instigando e convidando as Raposas à luta. – Você vai ficar com a
gente. Se eles tentarem te levar, vão perder.

– Levar você –, ecoou Dan. – Para onde?

– Estamos falando de ser “levado para um interrogatório” ou “levado para sempre”? – exigiu Matt.

– Ambos –, respondeu Browning.

– Vocês não podem levá-lo –, disse Nicky. – Ele pertence a nós.

– Quando descobrirem que ele ainda está vivo, virão buscá-lo –, disse Browning. – Já não é seguro
para ele e, claro, não é seguro para vocês. Vai ser melhor para todos se ele desaparecer.

As Raposas o entendiam melhor do que ele, já que Kevin contara sobre a aliança Wesninski-
Moriyama. Eles estavam lidando com a loucura de Riko há um ano, graças a Kevin, e não pareciam
impressionados com os avisos de Browning.

– Que parte do “vá para o inferno” precisamos explicar a você? – indagou Allison.

– Somos todos adultos aqui –, acrescentou Matt. – Nós tomamos nossas próprias decisões. A
menos que ele queira ficar com você, é melhor trazer Neil de volta para nós quando você terminar
com todas as suas perguntas.

– Neil não existe –, disse Browning, cansado de suas ignorâncias voluntárias. – É apenas um
disfarce que permitiu a Nathaniel escapar das autoridades. É hora de deixá-lo ir.

– Neil ou Nathaniel, ou quem quer que seja –, disse Nicky. – É nosso e não vamos deixá-lo. Quer
que nós votemos ou algo assim? Aposto que será unânime.

– Treinador Wymack, coloque algum senso ao seu time –, pediu Browning.

– Neil –, chamou Wymack, e Nathaniel ergueu o rosto olhando entre Andrew e Wymack. Nathaniel
tinha visto essa expressão em seu rosto apenas uma vez, quando Wymack tentara acalmá-lo depois
do Natal. Era a aparência de um homem envelhecido pelas tragédias de seus jogadores; Era a
aparência de um homem que iria ajudá-los, sem se importar com o que lhe custaria. Nathaniel se
sentiu infeliz por causar aquela expressão novamente, mas infinitamente consolado pelo apoio
incondicional de Wymack. – Fale comigo. O que você quer?

Nathaniel engoliu em seco contra o inesperado nó em sua garganta. Suas palavras saíram tão
irregulares que todos tiveram que ficar calados para entendê-lo.

– Eu quero... Eu sei que não devo ficar, mas não posso... Não quero perder isso. Eu não quero
perder nenhum de vocês. Não quero continuar sendo Nathaniel. Eu quero ser Neil o maior tempo
possível.

– Bom –, disse Wymack. – Seria um inferno ajustar Wesninski em sua camiseta.

Browning esfregou as têmporas.


– Eu gostaria de falar com você.

– Sobre?

– Sua disposição em colocar seus jogadores em perigo considerável, por exemplo.

– Renunciar a Neil neste momento vai contra tudo o que somos –, replicou Wymack. – Estou
pronto para discutir isso durante o tempo que for necessário, mas não se for gastar o tempo previsto
de Neil. Não será justo para nenhum deles.

Andrew puxou o moletom de Nathaniel e disse em alemão.

– Livre-se deles antes que eu os mate.

– Eles estão esperando por respostas –, disse Nathaniel. – Eles nunca foram capazes de incriminar
meu pai enquanto ele estava vivo. Eles esperam que eu saiba o suficiente para começar a prejudicar
seu círculo em sua ausência. Vou lhes contar a verdade, ou o quanto puder sem dizer a eles que meu
pai estava agindo sob ordens de alguém. Você quer estar lá para isso? É a história que eu deveria ter
dado a você, meses atrás.

– Vou ter que ir –, disse Andrew. – Não confio que devolverão você.

Andrew soltou-o e levantou-se. Nathaniel se levantou sem ajuda e olhou para Andrew e Wymack.

– Sinto muito –, disse ele em inglês. – Eu deveria ter contado, mas não consegui.

– Não se preocupe com isso agora –, replicou Wymack. – Vinte minutos não são longos o suficiente
para essa conversa. Podemos conversar sobre isso no caminho de volta para o campus, certo?

– Sim –, disse Nathaniel. – Eu prometo. Só tenho que falar com eles primeiro.

– Então vá, disse Dan. – Quando Nathaniel a olhou, ela enfatizou: – Mas volte para nós assim que
eles terminarem com você, ok? Nós vamos resolver isso como um time. Como uma família.

Nicky tentou sorrir. Foi fraco, mas encorajador.

Tinha que ser um sonho cruel. Seu perdão ameaçou queimar Nathaniel de dentro para fora,
curando-o e amaldiçoando-o. Ele não merecia essa amizade ou confiança. Ele nunca poderia
recompensá-los por apoiá-lo dessa maneira. Ele poderia tentar pelo resto de sua vida, enquanto
durasse, agora que Stuart estava em cena e Nathan fora, e sempre seria curto.

– Obrigado –, disse.

Allison rejeitou seu agradecimento, dispensando-o com a mão, e uma leveza que não combinava
com sua expressão tensa.

– Não agradeça. Você acabou de fechar três apostas pendentes e me garantiu quinhentos dólares
–, disse ela quando Nathaniel a fitou. – Eu prefiro descobrir exatamente o porquê e quando vocês
dois ficaram do que pensar sobre este horror aqui por mais tempo, então vamos conversar sobre isso
na viagem de volta.

O olhar de Aaron mudou de Allison para Nathaniel e Andrew. Ele esperava por eles para negar
essa insinuação, Nathaniel pensou, e sua expressão foi de choque quando nenhum deles o fez. Nicky
abriu a boca, depois fechou-a novamente sem dizer uma palavra e olhou para Nathaniel. Kevin,
surpreendentemente, não reagiu.

Nathaniel não tinha energia para confirmar ou negar nada naquele momento, então simplesmente
olhou para Andrew e perguntou a ele.

– Pronto?

– Estou esperando por você –, Andrew o lembrou.

– Eu não o convidei –, disse Browning.


– Confie em mim –, aconselhou Wymack. – Será muito melhor se você levar os dois.

Browning lançou um olhar calculista entre eles e se rendeu, impaciente:

– Vamos agora.

Wymack se afastou para deixá-los passar, mas quando Nathaniel chegou à porta, ele disse:

– Vamos esperar por você, tudo bem? O tempo que for necessário, Neil.

Nathaniel assentiu ao saiu para a varanda. Ele e Andrew desceram as escadas atrás de Browning
e entraram no banco traseiro do SUV. Browning se sentou na frente deles e bateu a porta. Nathaniel
ficou olhando, até o hotel desaparecer pela janela, depois olhou para Andrew e perguntou em
alemão.

– Posso mesmo ser o Neil novamente?

– Disse ao Neil que poderia ficar –, respondeu Andrew. – Deixe Nathaniel enterrado em Baltimore
com seu pai.

Nathaniel olhou pela janela novamente, indagando-se se isso seria possível. Ele sabia, em certo
sentido, que nunca poderia deixar Nathaniel para trás. Mesmo que Stuart pudesse falar com os
Moriyamas, todos saberiam que o filho de Nathan estava vivo. Nathaniel seria sempre um risco a
segurança para eles. Mas a ideia era emocionante e arrepiante, às vezes, e Nathaniel virou a mão
para estudar a palma. Traçou a chave de Andrew em sua pele com o dedo enfaixado.

– Neil Abram Josten –, murmurou ele, e pareceu estar despertando de um pesadelo.

Neil estava ciente que conversar com o FBI não seria fácil, mas não esperava que fosse tão
cansativo. Ele passou o resto do sábado e todo o domingo confinado com eles em seus
departamentos. A única vez que Andrew e Neil deixaram a linha de visão um do outro foi quando
alguém apareceu para cuidar dos ferimentos de Neil, e os dois nunca foram deixados sozinhos. Os
agentes trouxeram comida, para que não precisasse sair do prédio, o escoltaram ao banheiro e
colocar uma cama para que ele e Andrew pudessem dormir no local, sob vigilância.

Em troca de sua hospitalidade questionável, Neil lhes contou tudo. Começaram com o telefonema
de Lola e passaram pelo tiroteio, onde Neil deu tantos nomes aos rostos quanto pôde. Quase tão
importante quanto quem morrera, foi quem sobrevivera. Nem Romero, nem Jackson estavam na casa.
Do ocorrido, passaram por toda a infância de Neil e todas as coisas terríveis que isso implicava.

Depois de rebuscar sua memória sobre o povo de seu pai e aos roubos conhecidos, eles
continuaram com o paradeiro de Neil durante os sete anos entre Baltimore e Millport. Neil levou-os
passo a passo para cada pseudônimo e residência, embora recusasse a revelar os contatos de sua
mãe. Alegando desconhecimento com base em sua idade naquela época, e depois de fazerem a
pergunta de vinte maneiras diferentes, os agentes finalmente desistiram. Neil contou-lhes onde o
povo de seu pai havia os encontrado, os lugares onde o próprio Nathan havia seguido-os e
culminando na morte de sua mãe.

Eles tiveram que reconhecer os Hartfords em algum momento, mas foi uma conversa cautelosa. O
FBI não podia admitir qualquer acordo que fizessem, e Neil não pôde provar nada. Em vez disso, eles
se concentraram no que Neil sabia sobre Stuart desde a juventude. Neil não tinha muito a oferecer,
no entanto, o pouco que tinha se tornou um ponto de virada em como alguns dos agentes o viam. Até
aquela conversa, eles o olhavam e apenas enxergavam o filho de Nathan. Descobrir que ele havia
escolhido uma vida em fuga ao invés de uma vida sedentária com outra família criminosa lhe rendeu
pontos com mais de um federal.

Duas vezes, no domingo, eles mencionaram novamente o Programa de Proteção a Testemunhas,


entretanto, Neil recusou ambas às vezes. Ele estava lhes dando tudo o que precisavam para construir
um caso, e se dispôs a depor se conseguissem colocar qualquer pessoa de Nathan no banco do réls.
Até então, ele queria ficar como estava. Se eles o colocassem contra sua vontade, ele simplesmente
soltaria sua coleira e retornaria a Palmetto. Andrew dissera que as Raposas nunca o deixariam
desaparecer em silêncio. Eles criariam uma comoção e pressionariam através da mídia até que
alguém o devolvesse. Os agentes os chamavam de egoístas e imprudentes, mas Neil e Andrew
resistiram.

Neil não sabia que haviam vencido a discussão até que Browning soltou algumas aplicações na
mesa à sua frente. O primeiro foi um pedido oficial para mudar de nome, o segundo e o terceiro um
passaporte e uma carteira de motorista, e o último foi para o cartão da previdência social reemitido
por causa do primeiro. Uma foto que Neil reconheceu vagamente foi integrada a segunda página com
um clipe; Era uma fotografia que Wymack tirara dele no verão passado, para o histórico escolar. Ele
ainda tinha cabelos e olhos castanhos, e seu rosto sem a tatuagem de Riko. Apesar da foto, sua
aparência já indicava que a cor natural de seus olhos era azul. Neil imaginou que a foto seria
diminuída até ninguém notar a discrepância.

Ficou tão distraído com a foto que levou um momento para entender o significado do que lhe fora
dado. No topo de cada página estava o nome Neil Josten. Tudo o que Neil tinha que fazer era assinar
as linhas pontilhadas.

– Considere isso um contrato conosco –, informou Browning, parecendo tão irritado quanto antes.
Ele esperou que Neil o olhasse antes de continuar. Depois de assinar, iniciaremos o processo para
instaura o Neil Josten como um membro válido e funcional a sociedade. – Isso significa que você não
terá mais que fugir e não haverá mais identidades falsas. Você será Neil a partir de agora até a sua
morte. Você não tem permissão para mudar de ideia. Até se você pedir um café decorado sob um
pseudônimo, teremos um problema sério.

– Caneta –, disse Neil, estendendo a mão. Quando Browning não se moveu rapidamente, ele disse:
– Entendi. Só me dê uma caneta para que eu possa assinar.

Browning jogou-a sobre a mesa. Andrew a pegou antes que pudesse cair e entregou-a. Neil
rabiscou seu nome ao longo de cada linha pontilhada e devolveu a pilha. Browning os conduziu a
outra pessoa e considerou a mesa cheia de arquivos.

– Terminamos aqui –, disse Browning. – Se pensarmos em mais outra coisa, nós iremos informá-lo.

– Tenho certeza que vão.

Neil se levantou e espreguiçou, fazendo seu alongamento diário. A sala de depoimentos que
ocupavam não tinha janelas, mas o relógio na parede dizia que eram nove e meia. Eles estavam ali há
quase treze horas. O dia pareceu longo enquanto se arrastava, mas, o fato de saber quantas horas
havia perdido o levou de cansado para totalmente exausto. Ele cuidadosamente roçou as palmas das
mãos contra os olhos e abafou um bocejo.

– Stetson vai te dar uma carona –, avisou Browning, quando Neil baixou as mãos.

Stetson era um homem sem senso de humor que tinham visto ocasionalmente durante o dia. Neil
não se importou com ele tanto quanto com Browning, porque Stetson não direcionara uma única
palavra a eles. O fim do interrogatório não foi motivo suficiente para quebrar esse silêncio,
aparentemente. Ele os pegou com um olhar e levou-os para o carro. Neil sentou-se no banco de trás
com Andrew e brincou com as bandagens em seu rosto. Andrew deu um tapinha em sua cabeça ao
perceber o que estava fazendo e ignorou a carranca feita por Neil.

Stetson acompanhou-os até o quarto do hotel. As Raposas haviam se separado na ausência. Passar
a noite necessitaria de camas suficientes para todos. Este quarto com suas duas camas King Size
agora abrigava apenas Abby e Wymack. Wymack olhou para Neil e depois para Andrew, depois voltou
sua atenção para Stetson.

– Você me leva até o ônibus? – Ele perguntou. E esperou um aceno de cabeça, em seguida,
sinalizou para que Andrew e Neil se sentissem em casa. – Volto já. Vou descobrir se ficamos ou vamos
embora.

Ele fechou a porta atrás de si.

Neil ouviu o som fraco de passos nas escadas através da madeira, depois trancou a porta e puxou
o trinco de corrente. Abby sentou-se no meio de uma das camas e estendeu as duas mãos para Neil
quando se afastou da porta.
– Deixe-me dar uma olhada em você.

Neil não conseguiu se arrastar pela cama em direção a ela, ou se empurrar com as mãos, então
tirou os sapatos e subiu na cama. Deu alguns passos instáveis em direção a ela e sentou-se antes que
pudesse cair. O colchão se remexeu quando Andrew se aproximou por trás dele. Neil deixou sua
sacola de remédios onde Abby poderia pegar os antibióticos, se necessário, mas ela tinha o kit de
primeiros socorros excepcionalmente bem abastecido em sua mesa de cabeceira. Ela se inclinou para
pegá-lo, colocou-o de lado e tirou as bandagens do rosto.

Ela trabalhou em silêncio. Nem precisou falar, quando sua expressão dizia o suficiente. Quando
terminou, começou a desembrulhar as ataduras da mão direita de Neil. Andrew se aproximou um
pouco mais, pois ainda não tinha visto as mãos nuas de Neil, no entanto, Neil manteve os olhos em
Abby. O pesar e indignação lutaram para dominar o rosto de Abby, mas ela mordeu a língua até
alcançar o braço de Neil.

Ela engoliu em seco.

– Oh meu Deus, Neil.

Neil finalmente arriscou um olhar em seu braço. Sua pele fora cortada com linhas paralelas,
negras e com cicatrizes sangrentas, mas não profundas o suficiente para exigir pontos. Lola enchera
os espaços entre eles com queimaduras superficiais, círculos perfeitos que iam do cotovelo até o
pulso. Ele havia ferido seus pulsos nas algemas, de uma maneira que não podia ser costurada; a pele
estava esculpida em uma linha rasa ao longo das cicatrizes que Riko lhe dera alguns meses atrás.
Hematomas escuros formavam uma faixa grossa ao redor de seu pulso e se estendia ao polegar. Seus
dedos estavam tão queimados que Neil teve que flexioná-los para garantir que funcionavam.

Por meio segundo, estava de volta, no carro com a faca de Lola em sua pele e nenhum lugar para
ir exceto três metros abaixo do solo. Neil não se atentou ao som que fez, pois os dedos de Andrew
foram um peso súbito e implacável em sua nuca. Andrew o empurrou para frente e o segurou. Neil
tentou respirar, embora seu peito estivesse tão apertado quanto um elástico prestes a arrebentar.

– Acabou –, disse Abby, arrastando os dedos levemente pelo cabelo dele. – Acabou. Você vai ficar
bem. Nós estamos com você.

Neil respirou, inspirou e expirou, muito superficial para alcançar seus pulmões, rápido demais
para lhe ajudar. Flexionou os dedos novamente, em seguida, apertou-os, sabendo que abriria as
feridas, sabendo que estava repuxando a carne queimada, que estava tentando com todas as suas
forças curar-se, mas era necessário saber que ainda estava no controle. Precisava saber que seu pai
e Riko haviam perdido, que ele poderia fugir disso e voltar para a quadra como Neil Josten. Por um
momento, essa determinação foi suficiente para lhe dar alguma clareza, e Neil ficou
desesperadamente grato por não ter fôlego para rir. Ele sabia o quão assustado soaria.

– Chega –, irrompeu Andrew, como se fosse tão simples assim.

Não conseguiu, o emaranhada de raiva e exasperação foi suficiente para causar soluços em sua
respiração ofegante. Isso interrompeu o ritmo frenético o suficiente para Neil respirar fundo. Ele
inspirou uma segunda vez, o mais profundamente, depois uma terceira tão lentamente quanto pôde
aguentar. Suas entranhas ainda tremiam até o sexto suspiro, estava absorto de tudo e seguro nas
mãos de Andrew. Neil já não se importava em estar a dois segundos de ficar violentamente em crise.
Ele perdeu as forças e deixou Andrew levantá-lo novamente. Olhá-lo era mais seguro do que encarar
os danos novamente, então Neil estudou o perfil de Andrew e deixou Abby trabalhar.

Abby estava prestes a terminar com o braço esquerdo quando Wymack retornou. Andrew teve de
se levantar para deixá-lo entrar, e voltou. Wymack ficou entre as camas, examinando o desastre. Sua
expressão era ilegível, embora seus olhos semicerrados fossem sombrios, e Neil sabia como ler a
raiva em cada centímetro do corpo de um homem mais velho. Neil fechou a mão em um punho, uma
promessa silenciosa de que suas mãos ainda estavam em boas condições. O gesto nada fez para
aliviar a tensão nos ombros de Wymack.

– Vamos passar a noite aqui? – perguntou Wymack.

– Odeio Baltimore –, rasgou Neil. – Podemos ir embora?


Wymack assentiu e olhou para Abby.

– Quanto tempo vai precisar?

– Dez minutos, talvez –, respondeu ela. – Quando todos estiverem prontos e no ônibus já teremos
terminado.

– Vou avisá-los –, disse Wymack. – Eles não vão incomodá-lo até estarmos de volta ao campus.

– Eu prometi respostas a eles –, disse Neil.

– O ônibus não está preparado para uma conversa como essa. Vai ser muito difícil para todos ouvi-
lo facilmente. O vestiário tem uma acústica melhor. Tire uma soneca no caminho para o estádio e lide
com eles em um lugar familiar.

– A chave do quarto tá na cômoda –, disse Abby a Wymack.

Wymack recolheu sua papelada e foi procurar as Raposas. Abby terminou de limpar e re-enfaixar
os braços de Neil, que, junto a Andrew, esperou enquanto ela arrumava sua bolsa. Neil engoliu
alguns analgésicos a seco antes de lhe entregar o remédio, para a viagem de volta. A equipe não
chegara a Baltimore com muita bagagem, apenas o necessário para a partida em Nova York, mas
Neil checou cada gaveta para se certificar de que nada seria deixado para trás.

O ônibus esperava por eles abaixo, com a porta aberta e as luzes acesas. Matt colocava a última
bolsa de equipamento no compartimento de armazenamento quando se aproximaram.

– Perdi meu equipamento em Nova York –, disse Neil.

– Andrew o encontrou enquanto procurava por você –, disse Abby. – Sua bolsa estava a poucos
metros quando a polícia resolveu à revolta. Tudo parece um pouco pior por causa do desgaste, mas
pelo menos tudo é justificável.

Matt bateu as portas, puxou as alças, certificando de que as fechaduras estavam seguras e deu
uma olhada em Neil.

– Ei – disse ele. – O treinador nos fez prometer que iríamos te deixar em paz, mas você está bem?

– Não –, respondeu Neil, – mas acho que ficarei.

Ele entrou no ônibus e encontrou as Raposas sentadas uma em cada assento. Geralmente,
deixavam espaço entre os veteranos e o grupo de Andrew, mas naquela noite, Nicky, Aaron e Kevin
haviam se acomodado atrás de seus colegas veteranos. Neil teria pegado o assento atrás de Kevin,
exceto que Andrew foi para seu lugar habitual, no fundo. Neil seguiu-o e sentou-se à sua frente,
deixando um espaço de dois lugares entre ele e o resto das Raposas.

Sentir-se confortável era quase impossível, graças às feridas no rosto. Ele teve que dormir de
costas, embora o assento não fosse longo o suficiente para se esticar completamente. Seus
pensamentos o mantiveram acordado a maior parte da noite, porém conseguiu cochilar
ocasionalmente. Esses trechos roubados de descanso faziam quase mais mal do que bem, mas era
algo melhor que nada.

Neil soube que se aproximavam assim que Wymack estacionou em frente a um posto de gasolina.
Foram necessárias três Raposas para trazer cafés suficientes para todos, e não houve incomodo ao
distribuí-lo. Alguns minutos depois, o Foxhole surgiu em frente à janela de Neil.

Vê-lo foi um choque de adrenalina necessário.

E Neil arrastou suas juntas enfaixadas pela vidraça gelada da janela.

– Neil Josten –, murmurou, – Número dez, atacante titular, estádio do Foxhole.

Mesmo que os Moriyamas rejeitassem a proposta de Stuart e viessem atrás dele, o processo havia
dado inicio. Neil Josten estava no sistema para se tornar uma pessoa real. Ele não morreria como
uma fraude.
Wymack desligou o motor, e Neil sentou-se cuidadosamente. As Raposas desceram do ônibus e
recolheram seus pertences. Neil procurou por sua bolsa, encontrou-a dependurada sobre o ombro de
Matt. Tentou pegar uma bandeja de café, porém Dan lançou-lhe um olhar penetrante em suas mãos,
ignorando sua oferta silenciosa.

Eles entraram e se acomodaram na sala. Dan, Renee e Allison distribuíram bebidas. Wymack tinha
uma sacola cheia de petiscos, tudo, desde rosquinhas com açúcar de confeiteiro a batatas fritas, e
colocou sobre a mesa para que todos pudessem pegar. Nicky pegou uma barra de proteína da
mistura e entregou a Neil. Neil tentou abrir a embalagem e sibilou entre os dentes cerrados, com a
queimação nos nós dos dedos. Andrew pegou a barra, abriu-a rapidamente e colocou-a nas mãos de
Neil.

Kevin inclinou-se para frente, olhando além de Andrew, em direção a Neil. Ele falou em um
francês calmo, mas urgentemente disse:

– Temos que conversar.

– Nós vamos.

– Sobre isso –, disse Kevin, enfaticamente tocando sua tatuagem.

– Agora não –, esquivou-se Neil. – Mais tarde.

– Neil.

– Disse que não.

Andrew não conseguia entendê-los, mas decifrou a calorosidade na voz de Neil. Ele pôs a mão
sobre ombro de Kevin e o empurrou de volta a seu encosto. Kevin abriu os lábios, para argumentar,
no entanto, se conteve. Pressionou uma mão cuidadosamente em sua garganta manchada e desviou o
olhar. Wymack foi o último a sentar-se e, de repente, Neil voltou a ser o centro das atenções.

Ele olhou ao redor da sala e disse, incerto:

– Não sei por onde começar.

– Do início? – sugerido Dan.

Eles não tinham tanto interesse em seu pai quanto no próprio Neil, e ainda não precisavam ou
queriam o nível de detalhe que ele havia dado ao FBI. Kevin compartilhara algumas da verdades
durante a viagem de Nova York a Maryland, mas Neil não sabia tudo o que lhes havia dito. Era
provável que estivesse repetindo um ou dois detalhes, entretanto ninguém o interrompeu.

Contou-lhes quem eram seus pais na realidade. Admitiu que havia jogado na liga infantil de Exy
por alguns anos sob um nome e em uma posição diferente. Contou-lhes sobre a decisão abrupta de
sua mãe de fugir, os terríveis oito anos em fuga e o confronto que terminara com a sua morte. Contou
como acabara em Millport e por que entrara no time de Exy local.

Contou-lhes o porquê arriscara tudo para estar ali, o que sentiu ao descobrir sobre os Moriyamas
e quantas vezes pensara em fugir antes de estragar as coisas tão perto. Ele jurou que, até o banquete
de outono, não tinha conhecimento do que seu pai realmente era para os Moriyamas e que, mesmo
agora, entendida apenas vagamente a complexa hierarquia entre as ramificações dos Moriyama e o
circulo dos Wesninski. E sabia menos como seu tio se encaixava.

Contou sua intenção de terminar o ano letivo, como esperava, pelo menos, passar o campeonato e
ter uma revanche com Riko, mas percebera, meses atrás, que não voltaria no ano seguinte. Foi a
resposta que eles provavelmente mereciam. Aquelas decisões fatalista havia colorido todas as outras
interações com o grupo, anteriormente, e alimentado sua determinação de não deixá-los se
aproximarem.

Eles ouviram tudo, sem interrompê-lo, e ficaram em silêncio por um longo tempo. Possíveis
perguntas eram inevitáveis e Neil respondeu a tudo. Eles pareciam, inicialmente, assustados com a
honestidade, não importando qual história tivesse sido contada, e foram encorajados por suas
respostas sem hesitação. Renee nada disse até que a curiosidade de todos diminuísse
temporariamente, e, então, de algum modo, ela fez um som urgente, quase gentil.

– Você disse que seu tio está negociando uma proposta com Kengo. O que acontece se ele não
conseguir?

Neil não perdeu tempo suavizando sua resposta.

– Eles vão se livrar de mim.

– Você não está falando sério –, disse Matt, alarmado.

– Sou uma ponta solta –, disse Neil. – Perigoso o suficiente em um dia bom e imperdoável quando
Kengo está morrendo. Os Moriyamas não vão aceitar vazamentos estando prestes a mudar tanto
poder de mãos.

– O quanto você sabe? – perguntou Dan.

– Tio Stuart disse que entraria em contato comigo quando terminasse de consertar as coisas.

– Não se preocupe –, Nicky o tranquilizou, com uma tentativa fracassada de alegrá-lo. – Andrew
vai proteger você.

Kevin o fitou horrorizado.

– São os Moriyamas, Nicky. Não é Riko e o Mestre; Eles não são o pai de Neil. Andrew não pode...

– Eu sei –, Nicky o interrompeu irritado. – Só cale a boca.

Eles caíram em um silêncio desconfortável.

Wymack fitou-os consideravelmente, antes de dizer:

– Mais uma coisa: se a imprensa ainda não apareceu até agora, é inevitável que apareçam.
Browning me contou as medidas que estavam tomando para esconder seu nome, mas se alguém os
segui do hospital para o hotel, vão descobrir. Não importa se o ônibus não estivesse no local; Se
viram algum de nós trocando de quarto, então nos seguiriam até você.

– Esta aparência –, ele apontou para o próprio rosto, – será toda a resposta que terão. O FBI pode
pedir-lhes que levem sua segurança em consideração antes de começarem a publicar artigos, mas,
como você rejeitou sua proteção, não tem como eles saberem quanto peso suas palavras terão.
Resolva o mais depressa possível até que ponto pode suportar para estipularmos um limite.

– Geralmente, é melhor dar as respostas que eles querem –, disse Allison. – Se você satisfazer a
curiosidade, eles não terão que recorrer a métodos mais vigorosos. Além disso, a imprensa serve a
mente volúvel do interesse público. Eles não vão se concentrar em você por muito tempo. Algo mais
irá distraí-los.

– O público em geral, talvez –, disse Dan, – mas os fãs de Exy vão se lembrar dele muito depois de
todos terem se esquecido. Eles vão envolver as outras equipes e permitirão que digam o que
quiserem sobre você. Vai ser como nosso primeiro ano, só que pior.

– A menos que encontremos alguma coisa, eles vão sempre querer mais –, disse Neil.

– Tipo o que? – indagou Matt. – É uma história difícil de mascarar.

Neil se inclinou para frente, fitando Kevin.

Ele respondeu em francês:

– A imprensa não vai se importar nem um pouco com meu pai quando descobrirem quem é o seu.
Para eles, você sempre será uma notícia mais importante do que eu.

Os lábios de Kevin comprimiram-se em uma linha de desaprovação.

– Não é o momento.
– Torne o momento. Eu preciso da sua ajuda, e você deveria ter dito há eles anos atrás –, Neil o
acusou. Quando Kevin não respondeu, Neil interpretou como o acordo relutante que ele queria. Ele
se aprumou e voltou para o inglês. – Vamos dividir atenção da mídia entre nós. Kevin vai contar quem
é o pai dele.

– Espera, você sabe quem é? – Nicky perguntou a Kevin, surpreso.

– Descobri –, respondeu Kevin, com uma rouquidão em suas palavras. – Minha mãe escreveu uma
carta ao Mestre quando descobriu que estava grávida. Peguei a carta da casa dele, e a escondi no
estádio há alguns anos.

– E eu a encontrei em Evermore –, disse Neil. E deu de ombros ao olhar surpreso que Kevin o
lançou. – Jean me mostrou onde ela estava. Eu a roubei, para que você pudesse fazer algo sobre isso.

– Então, quem é? – indagou Dan.

– Vou contatar a vocês antes de qualquer outra pessoa –, disse Kevin. – A pessoa merece um aviso
prévio.

Renee olhou para Neil e disse:

– O que vai precisar de nós, Neil?

Não demorou muito para pensar nisso.

– Tudo o que eu precisei, vocês já deram a mim. Vocês me deixaram ficar.

O sorriso de Renee foi lento e doce.

Dan se levantou, atravessou a sala e abraçou Neil cuidadosamente. Ela não o abraçou como Abby,
achando que ele poderia cair sem um apoio. Havia uma ferocidade silenciosa em seus dedos
enquanto ela segurava seus braços, ele podia sentir a tensão em seu corpo onde ela se inclinou
contra ele. Não era consolo; era algo pouco mais que protetor e desafiador. Ela estava reivindicando-
o como parte de seu time. De alguma forma, foi o suficiente para aliviar o estresse do último dia.
Essa paz tão necessária só fez Neil perceber o quão exausto ele ainda estava, e mal conseguiu
reprimir um bocejo.

Dan soltou-o e recuou quando Neil finalmente relaxou.

– Vamos. Tem sido um dia longo e estou pronta para acabar com isso. Vamos dormir e descobrir
de manhã como proceder a partir daqui. Talvez todos nós nos juntemos para o café da manhã ou algo
do tipo. Tudo bem?

– Tudo bem –, concordou Neil, e as Raposas se levantaram.

Abby entregou-lhe o remédio.

– Deixe-me vê-lo novamente amanhã, mas tenha cuidado quando tomar banho, tá bem? Cubra
seus braços se puder. Se o sabão tocar essas queimaduras, vai doer.

Neil assentiu, olhou para Wymack uma última vez antes de seguir seus companheiros de equipe.
Seus carros ainda estavam no estacionamento, onde os haviam deixado alguns dias atrás. Andrew
destrancou o carro e Nicky abriu a porta do passageiro para Neil. Neil subiu e não se incomodou em
lutar com o cinto. Assim que seus membros ficaram fora do caminho, Nicky fechou a porta e entrou.
Os veteranos se amontoaram na caminhonete de Matt, que saiu logo trás de Andrew.

Era meia noite, no entanto, geralmente, algo sempre acontecia no campus. O terreno estava
morto, Neil demorou um instante para lembrar que eram as férias de primavera. A compreensão foi
rapidamente seguida por um lampejo de culpa; os outros haviam planejado viajar no domingo de
manhã. Eles haviam perdido seus voos para ficar em Baltimore com ele. Ele perguntou a Dan sobre
isso, quando se encontraram novamente na Torre da Raposa, mas ela rejeitou como se fosse algo sem
importância.

Ninguém tocou no assunto, contudo, de alguma forma, todos acabaram no quarto de Neil e Matt.
Matt e Aaron empurraram o sofá para fora do caminho, e as meninas apareceram minutos depois
com cobertores. A sala de estar não caberia nove pessoas dormindo, mas, de alguma forma, eles
fizeram caber. As Raposas entraram e saíram enquanto pegavam os travesseiros e vestiram seus
pijamas. Todavia, por um momento, Neil e Matt estavam sozinhos. Matt cuidadosamente apertou o
ombro de Neil.

– As coisas poderiam ter ido muito pior –, tranquilizou Matt suavemente. – Fico feliz por eles
terem cedido. Se quiser algo, se precisar de algo, avise-nos. Tudo certo?

– Tudo –, assentiu Neil.

– Estou falando sério –, enfatizou Matt.

– Eu sei –, replicou Neil. – Estou cansado de mentir para vocês, Matt. Eu juro.

Matt suspirou, parecendo mais cansado que cético.

– Gostaria que não precisasse de tudo isso para você chegar a essa conclusão, mas acho que
entendi. Na real, muitas coisas sobre você fazem sentido agora. Com uma exceção notável, –,
acrescentou Matt, secamente –, mas vou deixar Allison lidar com essa conversa. Ela vai me esganar
se eu tirar o mérito dela.

– Ótimo –, disse Neil. Matt sorriu ao seu tom indiferente. Neil pensou que, talvez, fosse melhor
não saber, mas perguntou: – Então, significa que você foi contra em ambas as apostas?

– Apostei no que sabia sobre você, mas sem ele –, esclareceu Matt, e deu de ombros ao olhar
surpreso de Neil. – Sou seu colega de quarto, você nunca falou sobre garotas, nem mesmo quando
Seth e eu costumávamos falar sem parar. Notei, mas achei que você diria algo se quisesse que
soubéssemos. Só para você saber, eu não me importo nem um pouco, – disse Matt, – exceto que só
tive certeza sobre seu gosto alguns dias atrás.

Neil adivinhou que a tendência territorial de Andrew em Baltimore tivera muito a ver com a
mudança de opinião de Matt.

– Ele realmente enforcou o Kevin?

– Precisou três de nós para livrar o Kevin –, assentiu Matt.

Neil não soube o que dizer.

Matt deu-lhe um minuto, e, depois um tapinha no ombro antes de ir trocar de roupa. Neil pensou
em se despir, decidiu que exigiria muito esforço e se sentou em seus cobertores para esperar pelo
resto das Raposas. Ele acabou no centro da sala, com Andrew de um lado e Matt do outro. Seus
pensamentos deveriam tê-lo mantido acordado a noite toda, entretanto, com seus amigos tão
próximos, Neil não conseguiu se preocupar com nada. Neil estudou o rosto de Andrew até não poder
mais manter os olhos abertos.

Ele sonhou que encarava seu pai em uma quadra de Exy, e, em seu sonho, as Raposas foram
vitoriosas.
CAPÍTULO QUINZE

Os planos para o café da manhã de segunda-feira foram adiados para um almoço, pelo quão tarde
eles tinham acordado. Os refeitórios estavam fechados durante as férias de primavera, mas havia um
restaurante a dez minutos de carro que servia café da manhã o dia todo. As Raposas se dispersaram
para se arrumar, tirando os cobertores e travesseiros da sala. Kevin foi o único a ficar para trás.

Neil conhecia o motivo, ele ainda estava cansado demais para ter essa conversa.

Ele lutou para se levantar, e seguiu Matt até a cozinha com sua sacolinha de remédios. Eles
comeriam em uma hora, no entanto, aparentemente, era tempo de mais para esperar pelo café. Matt
enxaguou a panela sob a pia e começou a enchê-la.

Neil pegou uma xícara no armário e tirou o remédio da sacola. Então parou, porque só conseguia
imaginar o quanto machucaria seus dedos para desatarraxar a tampa. Procurou por algo que
facilitasse seu trabalho, e, enxergou Kevin esperando na porta.

Kevin olhou de Neil para Matt e falou em francês.

– Quando Riko descobrir o que seu pai fez no seu rosto, ele vai se vingar em você.

Até então, Matt estava acostumado a ouvi-los tagarelar em línguas estrangeiras ao seu redor. Ele
não deu nenhum sinal de que os ouvia ou se importava com o que estavam dizendo, apenas tirou os
grãos de café e os filtros do armário. Neil lutou consigo mesmo, o coração batendo apressadamente
com nervos aflorados. Ele estudou o perfil de Matt, até Matt pegar o moedor, depois olhou para
Kevin.

– O que ele poderia fazer? – indagou Neil em inglês.

Matt congelou, com o filtro próximo a cafeteira. Na porta, Kevin ficou tenso de incompreensão ou
desaprovação. Neil sentiu os olhos de Matt sobre ele, contudo não retribuiu seu olhar. Na noite
passada, ele dissera a Matt que acabaria com as mentiras. Não poderia esperar que Matt acreditasse
se cochichasse pelas costas. Os veteranos já conheciam toda a história agora, de qualquer forma,
então não havia razão para esconder essa inevitável complicação.

– A essa altura, Kengo sabe que meu pai está morto e eu vivo. Pior ainda, ele sabe que o FBI já
conversou comigo. Ele vai ter que tomar uma decisão sobre mim, de uma forma ou de outra. Acha
que Riko vai correr o risco de dar o primeiro passo?

Kevin deu a Matt um olhar mordaz, obedientemente mudando a conversa para o inglês.

– Eles tocaram no que nunca deveriam. Quando apagaram sua tatuagem, basicamente, disseram
que ele era insignificante. Riko não vai tolerar isso. – Kevin levantou sua mão esquerda, como um
excelente exemplo do violento complexo de inferioridade de Riko. – Se ele achar que pode, ele vai
passar por cima do próprio pai para pegar você, e ele vai.

– Que tente. Ele sabe onde me encontrar.

– Sua falsa presunção não vai ajudar em nada.

– Nem a sua covardia –, revidou Neil. – Só estava com medo de Riko porque ele sabia quem eu
era. O que ele pode ter contra mim agora que todos sabem a verdade?

Neil deu a Kevin um momento para digeri suas palavras e depois continuou:

– Andrew disse que os Corvos têm que deixar essa disputa seguir seu curso nesta primavera,
então, Riko não pode nem sonhar em atacar o resto de vocês, ainda. Eles podem tacar pedras e
espernear, mas vocês estão a salvo deles, por agora.

– Acredita nele? – questionou Matt.


Neil deu de ombros.

– Tetsuji acalmou seus fãs loucos dizendo que os Corvos cuidariam de nós na quadra. Ele vai ter
que cumprir, então sim, eu acredito em Andrew. Mas, ei, já que as mãos de Riko estão atadas –, disse
Neil, olhando para Kevin. – É a hora perfeita para tirar isso do seu rosto.

Kevin demorou um segundo para entendê-lo e se debateu como se tivesse sido atingido.

– Nem brincando.

– Não estou. Allison disse que me emprestaria dinheiro para tirar a minha. Talvez ela faça o
mesmo por você agora que eu não preciso da ajuda dela.

– Sem dúvida –, disse Matt. – Ela adora um bom escândalo.

– Parem –, ordenou Kevin. – Calem a boca.

– Significa que você deveria ser o segundo melhor –, disse Neil.

– Experimente.

Kevin fez um gesto cortante sobre o pescoço e saiu. Ele não se incomodou em fechar a porta, e
Neil entendeu quando Andrew chegou um segundo depois. Andrew trouxe com sigo um rolo de fita
adesiva e alguns sacos de lixo, atravessou a cozinha e se sentou nos cobertores de Neil. Neil fechou a
porta do quarto e foi encontrá-lo na sala. Andrew esperou até que ele estivesse sentado antes de
levantar o moletom de Neil. Ergueu quatro ou cinco centímetros, depois checou a outra extremidade
e finalmente colocou a mão sob a borda.

– Não estou vestindo uma camisa por debaixo –, disse Neil.

Andrew aceitou em silêncio e se preparou para esperar. Neil passou uma mão enfaixada pela fita
e pelas sacolas, no entanto, Andrew desviou o olhar e o ignorou. Matt terminou na cozinha e passou
por eles. Quando a porta do banheiro se fechou atrás dele e abriu o chuveiro, Andrew gesticulou para
o moletom de Neil. Neil tentou não estremecer quando desabotoou os botões. Puxou o moletom até
os cotovelos antes de respirar e descansar as mãos doloridas. Andrew deu-lhe apenas um segundo
antes de retirar as mangas de seus braços, uma a uma.

Andrew envolveu um saco de lixo em cada braço, cortou o excesso das bordas. Puxou ambas as
sacolas, verificando se estavam soltas e acrescentou outra camada de fita adesiva para ter certeza.
Quando terminou com os braços de Neil, começou em seu rosto. Pegou uma das sobras de plástico
que havia cortado, dobrou-a várias vezes e colou-a em uma das bochechas de Neil, como uma
atadura preta e brilhante. Embora Neil estivesse certo de que Andrew colocara mais fita do que
plástico em seu rosto, e ele não reclamaria. Andrew terminou a outra face e inspecionou seu
trabalho. Neil supôs que estava satisfeito com o resultado final, pois Andrew jogou a tesoura e o rolo
de lado.

Puxou o cobertor de baixo deles e colocou-os sobre os ombros de Neil, como um manto. Neil
tentou segurar as pontas sobre o peito, mas não conseguiu com os sacos envoltos na mão. Andrew
observou-o tentar duas vezes, afastou-lhe as mãos e o fez por ele. Então não havia nada a fazer,
exceto esperar Matt terminar. Matt saiu do banheiro para o quarto sem diminuir a velocidade, e se
vestiu em tempo recorde. Em vez de vagar até a pia do banheiro para arrumar o cabelo e espetá-lo
de gel, levou um pente para a sala e olhou entre eles. Neil olhou em sua direção, no entanto, Andrew
não manifestou sua atenção.

– Eu vou ver se Dan precisa de ajuda para reagendar seu voo –, disse Matt. – Venha quando
estiver pronto.

– Tá bom –, assentiu Neil.

Andrew levantou-se, seguindo Matt até a porta. Neil supôs que ele estaria indo tomar banho em
seu próprio quarto, então se levantou e foi ao banheiro. Largou o cobertor assim que ouviu a porta se
fechar, o próximo estalo da fechadura foi definitivamente do lado de dentro. Neil olhou para trás,
curioso, porém Andrew não estava à vista.
Neil acendeu a luz do banheiro. A sacola em torno da mão grudou nos azulejos molhados da
parede. Fitando o chuveiro, indagou-se: se poderia pular essa parte. Os sacos protegiam suas feridas
e ataduras, mas também tornavam todo esse processo cem vezes mais complicado. No entanto, ele
não tomava banho desde a noite de sexta-feira, sendo assim, não tinha muitas opções.

Os pés descalços de Andrew foram silenciosos sobre o tapete, entretanto, Neil enxergou o
embaçado de cores refletido no espelho e virou-se. Andrew estudou seu peitoral com um olhar
entediado, mas seus dedos pressionados contra as cicatrizes de Neil eram pesados e persistentes.
Neil esperou para ver se tinha algo a dizer, pois Andrew não falara com ninguém desde que saíram
do hotel em Baltimore. Neil duvidava que os outros tivessem notado, já que Andrew raramente
conversava com Kevin ou Nicky agora que estava sóbrio, no entanto Neil não estava acostumado a
tratamento silencioso.

– Ei – começou Neil, apenas para fazer Andrew olhá-lo.

Neil inclinou-se para beijá-lo, precisando saber se Andrew retribuiria ou se afastaria. Andrew
aceitou os lábios de Neil sem hesitar, deslizou a mão por seu peito até a garganta. Beijá-lo fez suas
bochechas queimadas doerem. Neil lutou para ignorar aquela dor latejante. Havia se passado apenas
alguns dias desde aqueles beijos no ônibus, mas, neste momento, parecia uma eternidade.

Neil lembrava muito bem da sensação de dizer adeus. Lembrou de como foi dizer oi novamente.
Uma pontada do pânico e indignação da sexta-feira fisgou seu peito, quente o suficiente para
queimar o ar em seus pulmões.

Já não sabia o que era essa coisa entre eles.

Não sabia o que queria ou precisava que fosse.

Sabia apenas que deveria mantê-lo o maior tempo possível.

– Você é uma bagunça –, disse-lhe Andrew contra os seus lábios.

– Alguma novidade?

Andrew se afastou, tirou Neil do caminho. Ligou o chuveiro e estendeu a mão sob a corrente,
verificando a temperatura. Neil pisou na bainha de sua calça para começar a tirá-las, no entanto,
Andrew fez a maior parte desse trabalho; despindo-o. Estar nu diante de outra pessoa pareceu
estranho, com suas cicatrizes e hematomas à vista, mas a onda desconfortante no estômago de Neil
foi se dissipando, pouco a pouco, com a maneira desinteressada que Andrew o manuseou. Neil entrou
no chuveiro, tenso, em preparação para a dor, foi um alivio os revestimentos em seus braços e rosto
permanecerem. De cabeça baixa, deixou a água cair em seu crânio. Dava-lhe uma desculpa para
fechar os olhos e encontrar seu equilíbrio mental.

Uma mão em seu cabelo o sacudiu de seus pensamentos, e rapidamente abriu os olhos para ver
Andrew, em pé, a sua frente. Andrew não se incomodou em se despir, a não ser pelas braçadeiras e
os sapatos. A água atingiu sua camisa preta, colando-a sobre o corpo, pequenos riachos corriam por
suas têmporas, descendo pelas bochechas até pingar no queixo. Neil estendeu a mão até ali,
lembrou-se dos sacos bem na hora e franziu o cenho um pouco irritado. Andrew afastou sua mão e
puxou a cortina do chuveiro.

Andrew conseguiu lavar os cabelos de Neil com eficiência, se não suavemente, mas ao se
aproximar do corpo de Neil, houve mais beijos do que limpeza. Andrew cometeu o erro de virar o
rosto em certo ponto, então Neil perseguiu a água escorrendo ao lado de seu pescoço. Os dedos de
Andrew se apertaram convulsivamente nas laterais de Neil quando um tremor sacudia suas
estruturas.

Andrew tentou se recuperar replicando:

– Seu fetiche por pescoço não é atraente.

– Você gosta –, disse Neil, sem arrependimento. – Gosto que você goste.

Ele mordeu-o, mostrando estar certo, e Andrew virou o rosto de encontro a ele com um sibilo
agudo. Neil sorriu, um sorriso que Andrew não pôde enxergart. Talvez sentisse o roçar de lábios
contra sua pele hipersensível, pois cravou os dedos no cabelo de Neil e o afastou. Andrew pôs uma
mão espalmada sobre o abdômen de Neil, o empurrou até sair de baixo da ducha, o pressionando
contra os ladrilhos suaves e escorregadios.

Perguntou Andrew, próximo ao queixo de Neil:

– Sim ou não?

– Com você sempre será SIM –, respondeu Neil.

– Exceto quando for NÃO –, replicou Andrew.

Neil levou um dedo embrulhado em plástico ao queixo de Andrew, guiando a cabeça para outro
beijo.

– Se você tiver que continuar perguntando... Vou responder quantas vezes você perguntar. Mas a
resposta sempre será sim.

– Não venha com essa de sempre.

– Não pergunte a verdade se for enfraquecê-la.

Andrew colocou a mão sobre a boca de Neil, manteve-a até estar de joelhos, isto é, até não poder
alcançá-lo mais. Levemente Andrew beijou o quadril de Neil, antes de engoli-lo por inteiro. Neil
agarrou o cabelo de Andrew, mas suas feridas e o plástico tornaram a aderência difícil. Em vez disso,
segurou-se contra a parede, porém estava escorregadio demais para oferecer apoio. Andrew o
prendeu contra a parede com uma mão no quadril, o que ajudou, mas Neil ainda sentia que estava
escorregando. E escorregou, logo depois, embora estivesse descendo, deslizou pela a parede até o
chão, ofegante e atordoado pela necessidade ardente.

– Você quer...? – Ele começou, sua voz rouca.

Andrew o beijou para silencia-lo. Neil fez uma pequena careta ao sabor na língua de Andrew, mas
ficou feliz em removê-lo. Andrew segurou seu antebraço contra a parede, mantendo um espaço
confortável entre seus corpos. Neil deixou-o que fizesse essa lacuna, no entanto cruzou os braços
doloridos atrás da cabeça de Andrew para mantê-lo mais perto. Neil não notou a ausência da outra
mão de Andrew, até Andrew parar de respirar contra seus lábios. Isso o confundiu por um segundo, a
ponto de ser burro o suficiente de se afastar e olhar para baixo.

Fazia semanas desde que beijar Andrew tornara-se algo normal, embora todas as noites
terminassem da mesma forma: com Andrew o fazendo gozar e depois o dispensando. Nem mesmo
desabotoava as calças se Neil ainda estivesse por perto. Neil não sabia se essa quebra na rotina era
uma confiança relutante ou uma determinação de não deixar Neil fora de sua vista novamente. Neil,
neste momento, não se importava, desde que Andrew permanecesse onde estava. Neil murmurou
algo entre os lábios de Andrew, algo que poderia ter sido aprovação, poderia ter sido apoio,
recebendo um ligeiro grunhido em resposta.

Andrew não gostou desse incentivo de Neil, mas tampouco se zangou o bastante para se afastar.
Neil se manteve firme até Andrew finalmente ficar estático. Andrew demorou alguns segundos para
recuperar o fôlego, depois afastou-se. Neil obedientemente abaixou os braços e o soltou. Andrew
lavou a mão com a água do chuveiro antes de se levantar e ajudar Neil a ficar de pé.

Neil saiu do chuveiro, deixando água por toda parte e enrolou a toalha na cintura. Andrew se
inclinou para fora do chuveiro, abriu a porta e fechou-a quando Neil saiu. Demorou tempo suficiente
até Neil ouvir o golpe das roupas encharcadas de Andrew contra o chão, depois foi para o quarto
secando-se ao ar. Havia comprado apenas uma toalha, isso quando se mudara para o campus no
verão passado, mas Matt tinha algumas sobrando para os dias de lavanderia e as ocasionais festas do
pijama com Dan. Neil tirou uma limpa do armário de Matt e pendurou-a na maçaneta da porta do
banheiro, para Andrew.

Ele ainda estava molhado quando Andrew apareceu, e deu de ombros ao olhar que Andrew lhe
lançou. Andrew secou-o, cuidadosamente em torno de seus ferimentos, e vigoroso no resto do corpo.
Retirou as sacolas dos braços e rosto de Neil. Andrew correu um dedo pelas bandagens no braço
esquerdo de Neil antes de ajudá-lo a vestir as roupas mais soltas que tinha. Seria ótimo usar mangas
compridas, porém não por muito mais tempo. Essas feridas cicatrizariam onde todos pudessem vê-
las. As cicatrizes eram melhores do que estar morto, então Neil se imaginou recebendo olhares
eventualmente.

Neil emprestou roupas a Andrew, para que não tivesse que voltar a seu quarto usando apenas
uma toalha, mas não ficou enquanto Andrew se vestia. Em vez disso, foi até a cozinha pegar o
remédio e encher três canecas com café. Andrew entrou enquanto Neil devolvia a cafeteira e pegava
uma das canecas. Neil pegou as outras duas e suas pílulas, contudo hesitou na porta de entrada.

– Estou sem minhas chaves –, disse ele.

Ele as colocara em sua bolsa antes da viagem a Nova York, mas não tocara em seus equipamentos
desde então. Sabia que Matt levara sua bolsa para o estádio, porém ninguém havia se dado ao
trabalho de desfazê-la depois de sua história na noite anterior. Neil mal podia acreditar que tinha
esquecido de verificar suas coisas. Não sabendo se deveria atribuí-lo ao cansaço ou ao trauma de
encontrá-la vazia. Talvez pudesse culpar Renee e Dan, cujos gestos no final daquela conversa
dolorosa o fizeram se sentir seguro demais para se importar com qualquer outra coisa.

Andrew se virou, sem comentar, pegou as chaves de Matt na gaveta da escrivaninha. Só depois de
voltar a seu lado que Neil lembrou-se: Matt as havia deixado lá na noite anterior, depois de trocar de
roupa. Neil invejou a memória perfeita de Andrew, por um momento; Andrew já havia dito que as
memórias de sua infância eram desagradáveis. Neil também não tinha muitas boas lembranças, mas
pelo menos sabia que havia esquecido algumas das primeiras injustiças e tragédias. Sem conseguir
imaginar como seria lembrar-se de cada golpe e de todas as palavras fortes.

Pensou em perguntar a Andrew se tinha alguma boa lembrança, no entanto teria que perguntar o
que alguém tão taciturno considerava bom. Em vez disso, disse:

– O nosso joguinho acabou, não foi?

– Ainda é minha vez –, destacou Andrew.

– Depois disso? – indagou Neil. – Não tenho mais segredos para trocar.

– Pense em outra coisa.

– O que vai querer?

– O que você vai me dar?

– Não faça perguntas na qual você já sabe a resposta –, Neil o repreendeu.

Andrew deu-lhe um olhar entediado, nada impressionado por ter usado suas próprias palavras
contra ele. Neil encostou um ombro na porta antes que Andrew pudesse abri-la e disse:

– Acho que eu deveria ganhar algumas rodadas extras, considerando que você recebeu todas as
suas respostas de graça.

– Você deu de boa vontade.

– As circunstâncias meio que forçaram isso.

Andrew olhou para ele em silêncio. Neil se recusou a entender a pista ou se mover, feliz por jogar
o jogo do espera. Demorou alguns minutos, mas finalmente Andrew levantou um dedo e disse:

– Uma pergunta grátis.

– Uma? – repetiu Neil. – Quanto menos você me der, mais vai odiar o que eu vou pedir.

– De qualquer maneira, odeio tudo relacionado a você –, revidou Andrew. – Nem vou notar.

Neil se afastou da porta.


– Te aviso quando algo acontecer comigo.

Andrew abriu a porta e fechou-a atrás deles. Neil levantou o dedo mindinho da caneca, deixando
Andrew pendurar o chaveiro. Neil foi para a próxima porta, mas Andrew continuou pelo corredor até
seu próprio quarto. Neil não tinha a mão livre para tocar, então deu um pontapé de leve. Foram
necessárias três tentativas antes que alguém o ouvisse ou percebesse que alguém estava pedindo
para entrar. Quando Matt abriu a porta, Neil indicou uma das canecas.

– Você esqueceu isso.

– Ah, obrigado. – Matt pegou e se afastou para deixá-lo entrar.

Dan e Renee já estavam prontas. O espaço vazio do sofá entre elas certamente era o lugar de
Matt, contudo, Dan gesticulou para Neil se sentar. Matt sentou-se no braço do sofá, à esquerda de
Dan e passou o braço sobre seu ombro. Ela entrelaçou os dedos com os dele e estudou as ataduras de
Neil. Neil deixou-a olhar, esperou para ver se surgiram novas perguntas da noite para o dia.

No entanto, tudo o que lhe ocorreu foi:

– Como se sente?

– Não sei –, disse ele. Achava que deveria estar um pouco preocupado por não ter notícias de
Stuart, mas não conseguia pensar em nenhuma preocupação.

As Raposas tinham enfrentado seus segredos e apenas se aproximado mais. Como poderia temer
algo com todos eles o protegendo? Do que poderia se arrepender enquanto ainda sentisse os beijos
de Andrew em sua boca?

– Agora estou bem, eu acho.

O som abafado de um secador de cabelo dizia que Allison terminara com o banho e seguia o lento
processo de se preparar para o dia. Eles esperaram por ela em silêncio, confortavelmente. O café de
Neil havia acabado há muito tempo, sua caneca esfriado quando Allison apareceu. Não importava
que fosse primavera ou que estivessem saindo para comer ovos; Allison estava vestida de maneira
impecável, como de costume, e deixou um rastro de perfume do banheiro até a sala. Deu a volta ao
redor do sofá para fitar Neil, as mãos nos quadris e o salto estalando contra o assoalho.

– Vai sair? – Ela perguntou.

– Ainda não vi as notícias –, disse Neil.

Ela olhou por cima do ombro, como se pensasse em ligar a televisão, mas Dan se levantou e disse:

– Estou morrendo de fome. Vamos

Eles pegaram o grupo de Andrew na porta ao lado. Neil não perdeu os olhares que os veteranos
lhe enviaram quando viram o que Andrew usava, contudo, estava mais interessado nas reações dos
primos. Os ombros de Nicky estavam tensos, e um espaço notável entre ele e Andrew. Neil imaginou
a língua de Nicky escapando e dizendo algo sobre Andrew ter tomado banho no quarto de Neil. Essa
falta de filtro na língua seria a causa de sua morte, algum dia.

Aaron estava ainda mais para trás, os braços cruzados sobre o peito e os olhos em Neil. Neil
esperava ver censura ou desgosto em sua expressão, considerando a dor de cabeça que Aaron dava a
Nicky devido a sua sexualidade, porém seu o olhar era pesado e ilegível.

Matt ofereceu-se para levar todos em sua caminhonete, depois se retratou imediatamente após se
lembrar de que Neil não conseguia nem subir na cama. Neil sentou-se no banco do passageiro do
carro de Andrew, relegando silenciosamente Kevin para o banco de trás com Nicky e Aaron, e
observou o campus vazio passar pela janela. Nicky ficou quieto durante a maior parte da viagem, mas
se recuperou antes de chegar ao estacionamento. Felizmente, foi inteligente o suficiente para não
tocar em assuntos pessoais e, em vez disso, divagou sobre seu histórico pessoal de comer panquecas.

O almoço foi um evento turbulento. As Raposas se reuniram da única maneira que sabiam:
seguindo como se o fim de semana não tivesse acontecido. A disposição de Neil, caso precisasse de
alguma coisa, mas não se intrometeriam e não ser atrasariam em pequenos acidentes. O único
momento desconfortável foi quando a garçonete, tentando fazer uma conversa fiada, perguntou a
Neil sobre suas ataduras.

– Andado de Skate –, disse Matt ao mesmo tempo que Dan. – Ele caiu em um tanque de piranhas.

Allison fez um gesto em despedida, entediada, quando a garçonete lhes lançou um olhar perplexo,
e disse-lhe em tom conspiratório:

– Termino de namoro conturbado.

– Fim de semana difícil –, deduziu a garçonete, e seguiu seu caminho.

Dan seguiu exatamente de onde haviam parado: descobrir como reorganizar seus planos para as
férias de primavera. Remarcar seus voos era viável, embora um pouco cara, mas Dan não estava mais
interessada em voltar para o norte. Sem ser óbvio sobre não quer deixar Neil fora de sua vista, mas
aludiu tão insensatamente que Neil soube o que ela queria dizer. Em sua visão, não havia nada que
valesse a pena no campus nesta semana, com absolutamente tudo fechado, e, atentou-se as ideias
dos outros.

– Você tinha planos de fazer alguma coisa? – Matt finalmente pensou em perguntar a Neil. – Além
do óbvio, quero dizer.

Neil não tinha certeza se Matt estava se referindo a Exy ou Andrew, sem tentar adivinhar, ele
respondeu:

– Estava planejando uma viagem. – A julgar pela expressão em seus rostos, foi a última coisa que
esperavam vindo dele. Neil deu de ombros desconfortavelmente e continuou: – Minha mãe e eu
viajávamos para sobreviver. Nunca fui a lugar algum apenas por querer. Queria saber como era.

– Você nunca tirou férias? – indagou Dan, em seguida, surpreendeu-se com expressão de pesar e
um: – Ignore. Esqueça que eu disse isso.

– Aonde você quer ir? – perguntou Renee.

– Não sei –, admitiu Neil. – Eu não olhei em volta ainda.

Allison levou as unhas bem cuidadas aos lábios, pensativa, e, então acenou para Matt.

– Um Resort?

– Não parece a praia dele –, disse Matt, – e é cedo demais para ir à praia. Cabana, talvez?

Allison parecia disposta a discutir, mas pensou melhor.

– Montanha Blue Ridge?

– Nunca estive lá, ainda –, disse Matt, – mas ouvi dizer que é incrível.

– Neil? – perguntou Allison.

– O que? – replicou, perdido.

– Sim ou não? – sugeriu Allison, não acreditando em sua falta de atenção. – Nós vamos para as
montanhas durante a semana.

– Nós –, repetiu Kevin. Quando Matt fez um movimento com o dedo para indicar a todos, Kevin fez
um gesto brusco. – Não. Independentemente do que aconteceu neste fim de semana, ainda estamos
no meio do campeonato de primavera. Nós precisamos...

Kevin parou de falar abruptamente e abaixou o olhar. Neil não pôde ver o que enxergava, embora
pudesse adivinhar. Uma das mãos de Andrew estava fora de vista, debaixo da mesa, junto à faca
faltando ao lado de seu prato. O queixo de Andrew posicionado em sua outra mão, enquanto olhava
para o outro lado, para nada em particular. Kevin olhou fixamente para o alto da cabeça de Andrew,
como se considerasse o blefe. No final, franziu a cenho e aquietou-se. Neil não sabia o que o
convencera: os hematomas escuros que ainda lhe rodeavam a garganta ou os gestos desesperados
que Nicky fazia ao lado de Neil.

– De qualquer forma... –, disse Allison deliberadamente.

– Não é muito em cima da hora para fazer reserva, certo? – perguntou Dan.

– Estamos em março –, disse Allison, como se tivesse explicando tudo. Tirou o celular brilhante da
bolsa e apontou para Neil. Foi a última chance de recusar sua oferta, Neil adivinhou, porque um
segundo depois ela assentiu e apertou alguns botões. – Vou ver se Sarah encontra algo para nós.
Sarah? – Ela disse em seu celular antes que Neil pudesse perguntar. –Eu preciso de algo, em Blue
Ridge, para nove pessoas. De preferência com cinco quartos ou mais. Sim, hoje noite até domingo de
manhã, é melhor. Sim, vou esperar.

Ela desligou. Deixando o celular de lado.

– Sarah? – indagou Nicky.

– A agente de viagens dos meus pais –, respondeu Allison. Nicky lançou-lhe um olhar estranho.
Allison pareceu quase ofendida. – Você não acha que reservo minha própria viagem, acha? Quem tem
tempo para isso?

– Qualquer pessoa no mundo real –, disse Dan secamente.

– Estou surpreso que seu pai a deixe contatá-la depois de deserdar você –, disse Nicky. Foi um
lembrete rude de que Allison havia perdido a maior parte de sua herança abandonando os sonhos de
seus pais. Até Nicky sabia o quão ruim soava, a julgar por seu recuo. – Isso soou errado. Só queria
dizer...

– Eu sei o que você quis dizer –, retrucou Allison, um pouco fria. – Ele não sabe.

– Sinto muito. – Nicky deu a Neil um olhar suplicante para salvá-lo de sua falta de reflexão.

Neil não precisou intervir, pois Allison seguiu o olhar frenético de Nicky em direção a Neil.

– Você gosta de montanhas, certo?

– Fui uma vez. Nós não ficamos. Tá tudo realmente bem?

– Isso, se tá realmente bem –, disse Dan, – parece como se não tivéssemos convidado todo mundo
para suas férias.

– Precisa que ajudemos na despesa? – Renee perguntou a Allison.

Allison a dispensou.

– Não se preocupe com isso.

A garçonete e os dois garçons apareceram com seus pratos, e a conversa se afastou


temporariamente quando todos ajudaram a pegar os pedidos. No meio do almoço, Allison recebeu
uma chamada de confirmação para uma cabana de cinco quartos em Smokies. Eles podiam pegar as
chaves no escritório principal a qualquer momento antes das oito, o local ficava a pouco mais de duas
horas de carro. Allison olhou para o relógio do celular enquanto transmitia os detalhes a seus colegas
e acenou com satisfação.

Tinham tempo de sobra para fazer as malas e pegar a estrada.

Quando começaram arrastar a hora da partida, Neil precisou dizer-lhes:

– Tenho que ver Abby antes de sairmos.

– Oh –, espantou-se Dan, – então não se apresse, tome o tempo que for preciso. Nós vamos fazer
as malas enquanto ela faz os curativos.

Ter um plano e um destino significava que ninguém estava interessado em demorar mais.
Dispensaram as sobras do café e chamaram a garçonete para pegar a conta. Neil não sabia quando
Dan tinha furtado o cartão de compras da equipe, que ficava com Wymack, mas pagou pela comida e
pela gorjeta. O celular de Neil ainda estava na bolsa, no estádio, então Nicky ligou para Abby a
caminho do estacionamento.

– Oi –, disse Nicky. – Quando você quer ver o Neil? Decidimos que todos sairemos da cidade
durante a semana. Assim que você der o sinal verde podemos ir. Sim, está tudo bem, vejo você em um
estante.

Nicky desligou e subiu no banco de trás. Quando estavam na estrada, se inclinou entre os
assentos da frente para dizer:

– Ela vai encontrá-lo no estádio, para pegar todos os materiais. Disse que o treinador já está lá,
tentando reescrever as cartas de recrutamento. Com sorte, ele assinará com todos antes que as
notícias os assustem.

– Posso dirigir? – Neil perguntou a Andrew.

Andrew não respondeu, dirigindo para o dormitório em vez do estádio. Neil saiu junto com os
outros e deu a volta pelo capô. Quando se virou, enxergou Kevin subir no banco do passageiro.
Andrew olhou para trás, quando percebeu que Kevin não estava com ele, mas não parou e não
perguntou, seguiu seu caminho para o dormitório.

Assim que Kevin se instalou, Neil os conduziu de volta a estrada. Os carros de Abby e Wymack
estavam estacionados lado a lado na calçada em frente do Foxhole. Neil discou o mais novo código de
segurança e seguiu pelo corredor. Ao se aproximarem do vestiário, olhou para Kevin e disse:

– Me deixe conversar com ele primeiro. Ele não vai querer falar com mais ninguém quando você
terminar com ele.

Kevin manteve os olhos no chão sem dizer nada.

Abby já esperava por eles, sentada no salão. Começou a se levantar, mas Kevin foi até ela, dando
tempo a Neil para ir ao escritório de Wymack. A porta de Wymack estava aberta o suficiente para
Neil enxergar sua mesa. Cercado por seu caos habitual de papel e com seu telefone no ouvido. Ele
não se incomodou em remover os itinerários de seu teclado antes de tentar digitar com uma mão.
Olhou para o movimento na porta e gesticulou para Neil entrar.

Neil fechou a porta ás sua costa e puxou uma das cadeiras em frente à Wymack para esperar.
Levou apenas mais alguns minutos para Wymack conseguir seu voo. Neil ouviu Columbus e soube
que Wymack estava de olho no atacante que havia escolhido. Finalmente, Wymack desligou e colocou
o telefone no suporte. Alguns toques no teclado bloquearam seu monitor e Wymack sentou-se para
dar a Neil toda a sua atenção.

Neil retornou seu olhar, de repente, perdido. Ele era fluente em dois idiomas, quase lá em um
terceiro, e podia falar algumas frases úteis de sobrevivência em meia dúzia de outros. Todavia, com
toda a verdade nua e crua entre eles, Neil não tinha as palavras certas para dizer.

– Você deveria ter jogado fora meu arquivo –, disse-lhe Neil finalmente. – Deveria ter ido embora
quando recusei o contrato. Mas você teve uma chance comigo e me trouxe aqui. Você salvou minha
vida Três vezes. Você salvou minha vida. Não consigo dizer apenas obrigado por isso.

– Não é necessário –, disse Wymack. – Eu te trouxe aqui, mas você salvou a si mesmo. Foi você
quem decidiu ficar. Foi você o único que parou de ter medo por tempo suficiente para perceber que
poderia se reestabelecer aqui. Você trilhou seu próprio caminho...

– De qualquer forma –, continuou Wymack quando Neil tentou argumentar: – Eu deveria te


agradecer. Você nos disse ontem à noite que pretendia terminar o ano morto ou em custódia federal.
Poderia ter ignorado tudo e todos para se preocupar com você este ano. Em vez disso, você
concordou em ajudar Dan a consertar esta equipe. Você está salvando os dois que eu pensei que não
poderíamos alcançar, você é um exemplo vivo para Kevin seguir. Ele nunca costumava olhá-lo –, disse
Wymack, – mas está de olho em você desde dezembro, tentando descobrir como você se mantém
firme.
– Não é algo que pode ser ensinado –, disse Neil.

– Isso é o que você pensa –, replicou Wymack. – De onde estou sentado, você está fazendo um
progresso real.

Poderia ter sido uma ilusão, exceto que Wymack tinha uma forma de enxergar as coisas através
de todos eles. Neil acreditou nele, porque queria acreditar que Kevin poderia ser alcançado.
Precisava ver o dia em que Kevin tiraria o número de seu rosto e vencesse Riko em seu próprio jogo.
Precisava que Kevin acreditasse que poderia usurpar o trono de Riko e sobreviver. Até que Kevin
acreditasse nessa possibilidade, ele nunca acreditaria plenamente na capacidade das Raposas de
chegar às finais.

– Neil –, disse Wymack depois de um minuto, – está em todos os noticiários. Nós tentamos ficar
em nossos quartos e fora de vista enquanto você estava com o FBI, mas eles estavam esperando do
lado de fora. Eles têm fotos do ônibus e todos nós carregando coisas antes de partir. Não demorou
muito tempo para juntar as peças. Meu telefone tocou a manhã toda entre a imprensa, a diretoria e o
Chuck. A reitoria da universidade vai querer conversar com você antes de voltar às aulas.

Neil sabia que isso aconteceria, no entanto, por um momento, pensou em vomitar o café da
manhã.

– Tudo bem. Quer que eu jogue o joguinho do sem comentários com a imprensa? Se você puder,
eu... – Neil hesitou, mas pensou no conselho de Allison e na promessa relutante de Kevin de ajudá-lo
a lidar com a tempestade, – falarei com eles na próxima semana. Você pode dizer a eles.

– Terça? – indagou Wymack. – Terça ou quarta-feira, quero que você use a segunda-feira para lidar
com todas as reações no campus. Vou agendar um horário e ver o que posso fazer para distraí-los
nesse meio tempo. Talvez eu diga a eles que você concordou em ser vice-capitão no próximo ano.

– Não estou qualificado para isso –, disse Neil. Ele apontou para os arquivos dos recrutas
espalhados sobre a mesa de Wymack. – Todos eles têm mais experiência do que eu e não querem
seguir o filho de um gangster.

– Andrew também não queria segui-lo –, disse Wymack. – Veja como isso acabou.

Você descobrirá algo, de um jeito ou de outro.

Neil olhou para suas mãos. Contara sua vida e perdas em seus dedos apenas algumas semanas
atrás. Agora eram coisas que estavam no ar, esperando apenas na capacidade de Stuart de
influenciar os moriyamas. Wymack estava pedindo a Neil para se comprometer com um futuro que
nenhum deles tinha certeza de que realmente teria. A praticidade dizia-lhe para esperar até que
tivessem certeza. Todavia, depois de um momento, Neil cerrou a mão em um punho e focou no
caminho que buscava seguir.

– Farei o melhor que eu puder – disse ele.

– Ótimo – assentiu Wymack. – Agora vá em frente. Dan me ligou para dizer que todos vocês estão
de saída da cidade. Afaste-se de tudo isso por um tempo, respire um pouco de ar fresco e volte pronto
para fazer o impossível acontecer.

– Sim, treinador.

Kevin levantou-se assim que Neil voltou. Neil via a tensão nos ombros de Kevin e a linha dura em
seus lábios e soube que Kevin adiaria a revelação até eles voltarem. Kevin o olhou, depois passou por
ele, em direção à porta aberta de Wymack, e abriu a boca prestes a dar uma desculpa da qual Neil
não quis ouvir.

– Não faça – aconselhou Neil.

Kevin hesitou, Neil sabia que havia vencido. Abby olhou entre eles, sem entender. Neil não
esperou que ela descobrisse, cortou para a porta seguinte, para o escritório dela. Abby se juntou a
ele um momento depois, ainda confusa. Neil não explicou, porém ouviu o som abafado da porta de
Wymack se fechando. Só então pôde relaxar e voltar sua atenção a Abby.
Enfrentar suas feridas não foi mais fácil. Neil rapidamente desviou o olhar do desastre em seus
braços quando Abby desenrolou suas ataduras. Abby segurou o rosto de Neil em uma mão antes de
começar. Então, preparou um kit de viagem para ele levar para as montanhas e deu-lhe um beijo de
despedida na testa. Neil se levantou da maca e foi até o carro para esperar.

Vinte minutos depois, Kevin apareceu abatido e derrotado. Começou a abrir a porta do passageiro
e entrou. Neil nada disse, apenas girou a chave na ignição. Foi uma curta viagem de volta a Torre das
Raposas, e Kevin não saiu quando Neil estacionou. Neil esperou apenas um minuto antes de entender
e começou a andar em direção à porta. A dois passos do carro, se virou e abriu a porta novamente.
Kevin estava com o cotovelo no peitoril da janela e o rosto na mão.

Neil repensou no que dizer.

– Vou contar a eles, para você não precisar fazer.

Kevin fez um gesto com a mão livre. – Algo que poderia ser “Saia” ou “não me importo”, porém
nada como “Não se atreva” – Nada disse; Neil não achou que pudesse. Fechou a porta e deixou-o em
sua miséria.

Neil pegou Nicky e os gêmeos de seu quarto e levou todos para o quarto ao lado, para o quarto de
Dan. Uma pilha de mochilas e bolsas de viagem no meio da sala de estar dizia que eles estavam
prontos para sair. Matt e Allison estavam sentados no sofá, enquanto Renee desconectava os
eletrônicos da sala. Renee trouxe Dan para fora do quarto a pedido de Neil. Dan afundou no espaço
entre Matt e Allison e pegou uma caneca da mesa de café. Neil esperou até que todos estivessem
acomodados antes de olhar para Dan e ao redor da sala.

– O treinador é o pai de Kevin.

Dan cuspiu o café no meio da mesa, engasgando-se com o pouco que não saiu da boca. Matt fitou
Neil por um minuto interminável, boquiaberto, um segundo antes de perceber que Dan tossia, e,
então deu-lhe um golpe entusiasmado nas costas. Dan tentou dizer algo, no entanto, saiu em uma
rouquidão ininteligível. Allison e Renee olharam para Neil como se uma segunda cabeça lhe tivesse
crescido, e Aaron encarou Andrew, como se Andrew devesse tê-los alertado em algum momento. Se
Andrew notou a atenção, não a retribuiu; Ele só tinha olhos para Neil.

– De jeito nenhum! – explodiu Nicky. – De jeito nenhum! Fala sério? Você não pode está falando
serio. Quando diabos isso aconteceu?

– A mãe dele ensinou Exy para o Treinador –, Neil o lembrou.

– É o que? Ele não percebeu que ela estava grávida? – questionou Aaron.

– Ela disse a ele que Kevin não era dele –, respondeu Neil. – Ela conhecia o desejo do treinador de
ter uma equipe na NCAA um dia. Ela pensou que ele abandonaria seus sonhos para ajudá-la a criar
Kevin. Não era o que ela queria, e também não queria desistir do que estava fazendo e se mudar para
os Estados Unidos. Então ela mentiu. A única pessoa a quem ela contou foi o técnico Moriyama.

Dan finalmente retomou sua voz.

– Quanto tempo Kevin sabe?

– Apenas há alguns anos –, lembrou-se Neil.

– Há alguns anos –, repetiu Dan, em um tom nada suave –, e ele não contou nada?

– Ele estava tentando protegê-lo –, disse Neil. – Se o treinador soubesse que Kevin era seu filho,
ele teria tentado tirá-lo de Edgar Allan.

Nicky fez uma careta.

– Eles nunca deixariam Kevin ir embora.

– Mesmo assim, deveria ter dito algo quando fugiu –, insistiu Dan. – Ele está aqui há um ano e
meio. Ele não tinha o direito de manter algo assim do Treinador por tanto tempo. Pai do céu, ele não
fez... – A voz de Dan embargou-se um pouco, mais em pesar do que indignação, Neil presumiu que
ela imaginara a reação de Wymack à verdade. – Não é certo. Não é justo.

– Não –, concordou Neil calmamente, – mas pelo menos o Treinador sabe agora.

– Droga –, disse Matt. – Como ele reagiu?

– Não estava presente na hora –, disse Neil, – mas não acho que tenha ocorrido bem.

Dan fez um barulho horrível e levantou-se do sofá. Matt se aproximou dela apenas para ter sua
mão afastada. Dan correu para o quarto e fechou a porta ás suas costas. Matt pareceu atordoado por
aquela rejeição violenta, no entanto, Renee pegou o lugar vazio de Dan e deslizou seu braço por ele.
Apesar dessa silenciosa demonstração de apoio, Renee olhava para Allison.

O olhar que trocaram parecia cansado.

– Ela nunca vai perdoar ele por isso –, disse Allison.

– Quando o treinador chegar a um consenso, muito menos –, disse Renee.

Allison nada disse; seu olhar cético disse o suficiente. Neil concordou silenciosamente com
Allison. Ele passara tempo suficiente com os veteranos para saber o tanto Dan admirava Wymack. Ele
era a única figura paterna que ela já tivera. Ele era tudo o que ela aspirava ser na vida. Dan perdoara
muitas injustiças durante seus anos com as Raposas, porém, grande parte desses insultos fora
dirigida a ela e a seus amigos. Perdoar alguém por ferir Wymack era mais do que poderia suportar.

– Vão ficar de olho nela? – indagou Neil.

– Claro –, disse Renee.

Neil foi até ao quarto para fazer as malas. Não demorou muito, porém não retornou a seus amigos
quando acabou. Em vez disso, se sentou no sofá e esperou que seus companheiros se recuperassem
novamente. Matt apareceu quinze minutos depois, passaram-se vinte minutos antes de Nicky
procurar por eles. Matt dependurou a bolsa de Neil em um ombro e a sua no outro e deixou Neil
fechar o quarto. Em algum momento, Kevin havia entrado, parecendo completamente exausto ao lado
de Andrew. Obviamente, Dan ainda estava brava, como um cão selvagem, onde se manteve longe de
todos os outros. Ela nem sequer olhou para Matt quando ele se aproximou, apenas se dirigiu para as
escadas.

As Raposas desceram as escadas em fila dispersa e jogaram suas malas na traseira da


caminhonete de Matt. Andrew foi o único que manteve a sua, e Matt não tentou levá-la. Matt tinha
uma rede de elástico escondida sob o banco do passageiro e, em apenas alguns minutos, prendeu as
bagagens a traseira. Com as malas presas, as Raposas se separaram entre a caminhonete e o carro
de Andrew, e pegaram a estrada.

Andrew encaminhou-se para uma loja de conveniência no caminho para a interestadual. Nicky
entrou sozinho, voltou quinze minutos depois com uma quantidade obscena de garrafas. Sem as
bagagens no porta-malas, havia espaço suficiente para carregá-las. Andrew abriu o zíper e despejou
sua bolsa. Estava cheia de suéteres, uma escolha estranha para as montanhas, até Neil perceber que
estariam usando as camisas para encobrir as garrafas. Neil esperava que Andrew tivesse guardado
algumas mudas mais práticas junto às coisas de Nicky ou Kevin.

Eles voltaram à estrada alguns minutos depois. Passaram-se um pouco mais de duas horas do
campus até as montanhas, embora parecesse uma viagem curta para atletas acostumados a viajar
antes das partidas. Neil pensou que alcançariam a picape de Matt em algum momento, porém, os
veteranos chegaram por primeiro ao local. Matt enviou uma mensagem a Neil com instruções do
posto principal, de sua cabine e uma confirmação de que tinha todas as chaves.

Dez minutos depois, Andrew parou na estrada de terra em frente à sua cabana, um pouco
distante. A enorme cabana parecia rústica por fora e refinada por dentro, com paredes lisas de
madeira e piso de madeira polida. A sala principal possuía tapetes pesados espalhados por toda
parte, ossos decorativos e arte nas paredes. A cozinha estava equipada com eletros novos, e um
enorme ímã na geladeira anunciava a hora em que as refeições eram servidas no posto. A sala dos
fundos dispunha uma mesa de pebolim e uma mesa de sinuca. Havia também uma televisão embutida
à parede.

Um quarto no andar de baixo. Os outros quatro no andar de cima. Dois quartos já tinham as
bagagens, significava que o grupo de Andrew se dividiria entre os andares. Nicky votou
imediatamente, para que Neil e Andrew ficassem com o quarto privado no andar térreo, e nem Aaron
nem Kevin o contestaram. Neil quase denotou algo, pois o quarto do andar de baixo tinha apenas
uma cama king size, mas como Andrew não discutiu, ele manteve a boca fechada.

Os quatro cômodos do andar superior tinham portas que levavam a uma varanda que cercava todo
o edifício. Duas portas dos fundos do andar térreo levavam a um deck que rodeava os dois lados do
edifício, com vista para a encosta da montanha e um trecho, aparentemente interminável, de árvores.
Cadeiras de balanço decoravam a varanda e pequenas lanternas em intervalos no corrimão. Havia
uma banheira de hidromassagem, instalada no canto do deck, em formato de L, e foi lá que
encontraram os veteranos. Já vestidos em roupas de banho e sentados dentro da banheira enquanto
enchia.

– Não é incrível? – perguntou Matt. – Quero me mudar para cá.

– É muita... natureza –, disse Nicky. – Moraria aqui só se pudesse ficar lá dentro.

Allison revirou os olhos e se inclinou um pouco mais contra o encosto da banheira.

– Só falta uma Margarita.

– Engraçado você mencionar isso –, disse Nicky, e os quatro veteranos se viraram para olhá-los.
Nicky fingiu surpresa, depois condolências, pondo a mão no peito dramaticamente. – Sério, pessoal?
Parece que vocês não nos conhecessem.

– Nós tentamos –, denotou Allison.

Ao mesmo tempo, Matt perguntou:

– O que vocês trouxeram?

– Han – Nicky fez uma careta para Allison. – O que não trouxemos, você quer dizer?

– Eu consegui as cabanas –, disse Allison. – Vocês preparam as bebidas. Tem um liquidificador na


cozinha.

– Dois, na verdade –, disse Renee. – Vi um reserva no armário acima da geladeira.

Nicky atentou-se rapidamente aos pedidos, e recrutou Aaron e Kevin para ajudá-lo a carregar as
bagagens para dentro. Neil e Andrew foram até a cozinha para investigar. O freezer tinha uma
máquina de gelo embutida e o balde estava cheio, então Andrew colocou-o no balcão e puxou o
segundo liquidificador. Neil saiu do caminho enquanto os outros descarregavam as bebidas, e
observou, com interesse vago, enquanto Andrew e Nicky trabalhavam com os liquidificadores. Kevin
e Aaron sentaram-se à mesa e abriram uma garrafa de vodka.

– Vai fazer para Renee? – indagou Nicky, enquanto terminava a primeira bebida. – Vai contra a
minha religião fazer drinks sem batizá-los.

Andrew não respondeu, entretanto Neil sabia que ele cuidaria disso. Nicky recrutou Kevin para
levar as bebidas enquanto terminavam. Kevin e Aaron pareciam bem, bebendo suas doses, Nicky
misturou algo colorido para si quando terminaram com todos os outros. Ele seguiu Aaron e Kevin
para o deck, supondo que Neil e Andrew não ficariam muito longe deles.

Andrew ficou para limpar os liquidificadores, em seguida, pegou dois copos de cristal do armário.
Encheu ambos até a borda com uísque e entregou um a Neil.

Neil olhou para Andrew.

– Não bebo –, Neil o lembrou.

– Você não bebia porque tinha medo de perder o controle –, disse Andrew. – O que você tem a
esconder agora?

A rápida acusação foi provocatativa. Neil fitou a bebida novamente. Andrew aproximou-se, e Neil
segurou o copo. Andrew ergueu o seu, um pouco desafiador, ou convidativo, e beberam ao mesmo
tempo. O whisky queimou a garganta de Neil a baixo. Ele pensou nas várias noites na estrada e
várias contusões. Pensou em Wymack ajudando-o em seu apartamento em dezembro e o deixando
manter seus segredos. Ele hesitou entre os extremos, sem saber se o calor que se acumulava em seu
estômago era náusea ou alívio.

Andrew tirou um maço de cigarros do bolso de trás e o trocou pelo copo vazio de Neil que sacudiu
o maço sentindo o peso característico de um isqueiro e partiu logo em seguida. Estava a meio
caminho da varanda, distante da jacuzzi, para que os outros não sentissem o cheiro do cigarro, e o
acendeu. Ele rolou o cigarro entre as mãos, vagamente consciente da conversa animada dos outros,
mais consciente do gosto em sua boca. Passando a língua sobre os dentes, imaginando o que pensar.

Por fim, o cigarro foi suficiente para equilibrar a balança. Andrew cheirava a cigarro e uísque na
noite em que entregou a chave de sua casa e lhe disse para ficar. Neil sempre carregaria seu passado
com sigo, mas não precisaria se sentir oprimido por ele. Com tempo suficiente, poderia suavizar as
partes dolorosas e substituir seus traumas por boas memórias.

Andrew se aproximou, deixando a garrafa de uísque a seus pés. Neil deslizou seu maço no
corrimão de madeira, em direção a ele. Em troca, Andrew pôs um copo cheio no espaço entre eles.
Neil observou a luz do sol refletida na superfície, sacudindo, e jogou cinzas na terra, a cerca de cinco
metros abaixo. Manteve o cigarro fora do caminho ao pegar o copo e bebeu o whisky em um único
gole. Foi tão difícil quanto à primeira, no entanto, dessa vez, não teve gosto de morte.

– Ai meu Deus –, disse Nicky, estridente demais. – Isso é álcool? Você acabou de dar álcool a Neil,
e ele realmente bebeu? Não me lembro do memorando sobre Neil começar a beber com a gente?

Apesar da aprovação atordoada de Nicky, Andrew não deu a Neil uma terceira rodada. Eles
terminaram seus cigarros longe dos outros, se aproximaram para que Neil pudesse participar da
conversa.

O posto abriu as portas para o jantar às oito horas, então todos caminharam por uma estrada de
terra até o prédio principal. Havia mais do que suficiente para satisfazer o grupo de atletas famintos,
e os proprietários estavam prontos para cumprimentar cada grupo de hóspedes que chegavam. Os
olhos escurecidos de Neil, hematomas e ataduras múltiplas atraíram mais do que alguns olhares
curiosos, mas a equipe foi educada o suficiente para manter a boca fechada.

Durante o caminho de volta, Dan parou Kevin. Neil ouviu Matt dar um aviso de que não batesse
em Kevin, pois deixaria marcas, no entanto havia resalvas sobre se Dan ouvira ou não. Matt acendeu
à lareira quando voltaram para a cabana, e as Raposas se aconchegaram nos sofás e cadeiras de
balanço para ver as chamas dançarem. Allison contou histórias de resorts que visitara, e claro, com
comentários obrigatórios da insignificância de cada comparado as propriedades de sua família. Ela e
Matt começaram um debate, sobre como as Raposas deveriam comemorar quando conquistassem o
primeiro lugar no campeonato. Neil não sabia se tudo era uma piada ou se estavam realmente
fazendo planos; teria suposto o primeiro, se não fosse pela facilidade com que Allison lhes assegurara
a cabana.

Enquanto seus companheiros discutiam cruzeiros contra Havaí ou Las Vegas, ele pensou no
dinheiro escondido no cofre, em seu quarto. Neil concluíra a fuga de seu pai que, obviamente, nunca
recuperaria a grana. Já não conseguia pensar em nada melhor para fazer com o dinheiro do que
retribuir seus companheiros pela amizade. Ele não se pronunciou, sem certeza do que pensariam das
férias compradas com dinheiro sujo de sangue. Assim ouviu atentamente as férias dos sonhos
vencedora do debate. Seus planos se tornaram mais elaborados conforme bebiam, até Neil ter
certeza de que nenhum se lembraria do debate pela manhã.

Neil se levantou com outro copo de água quando a conversa se direcionou a assuntos mais
normais. Quando fechou a pia e se virou, encontrou Aaron esperando por ele no meio da cozinha.
Aaron indicou com queixo, em uma ordem silenciosa, para segui-lo e saiu em direção à porta dos
fundos. Neil deixou a bebida de lado e seguiu-o em direção à varanda. Fechou a porta o mais
silenciosamente e encostou-se ao parapeito. Aaron nada fez para ocupar a lacuna entre eles.
– Nicky é um pouco idiota –, disse Aaron. – Ele cometeu o erro de dizer alguma coisa a Andrew em
vez de esperar até que pudesse ficar sozinho. Andrew quase cortou a cara dele quando não entendeu
o aviso rapidamente. – Ele olhou sobre o ombro, para a porta dos fundos, talvez certificando-se de
que a cozinha ainda estava vazia antes de virar para Neil. – Isso o deixa comigo, já que Andrew não
considerou apropriado me avisar para ficar longe de você.

– Quando foi à última vez que Andrew decidiu falar com você?

– Na última quarta-feira –, lembrou-se Aaron.

Não era a resposta esperada. Ele havia preparado o alicerce para a terapia dos irmãos, fazia
semanas desde que Aaron havia participado pela primeira vez de uma das sessões de Andrew, mas
essa era a primeira pista de que eles estavam realmente fazendo alguma coisa naquele momento. A
atitude terrível de Aaron naquela primeira quarta-feira foi a única reação que eles receberam dos
irmãos. Neil logo acreditou que ambos não haviam chegado a lugar nenhum de imediato. Seu triunfo
foi um calor silencioso e quente em seu estômago que rapidamente morreu pelas próximas palavras
de Aaron.

– Então agora você vai bater um papinho comigo –, disse Aaron, – e eu vou lhe dar exatamente
uma chance para me dizer a verdade. Você está realmente comendo o cu do meu irmão?

Ele esperou um segundo, quando Neil simplesmente apenas retribuiu seu olhar, em silêncio,
perguntou:

– Você segue exemplos de gente morta?

– Como?

– Só estive imaginando, como você desceu do seu pedestal “não gosto de ninguém” para cair na
cama de Andrew –, disse Aaron. – Ou você estava mentindo, para esconder o fato de que você é um
chupa pica, ou você viu Drake estuprar Andrew e percebeu que ele é uma presa fácil.

Neil acertou-lhe um soco –, um erro terrivelmente grotesco, uma vez que acabou curvando-se pela
mão dolorida. Aaron recuou alguns passos, extremamente apáticos, para fora do alcance de Neil e,
calmamente, checou o canto da boca com o polegar. Cuspiu para o lado e se abaixou para fitar o
rosto de Neil. Apesar de suas palavras cruéis, sua expressão parecia calma e indagadora. Neil teve a
nítida sensação de provocação, o que não acalmou sua indignação.

– Vá se foder –, cuspiu em um tom feroz. – Vaza daqui enquanto pode.

– Nicky acha que não passa de tensão sexual causada pelo ódio –, Aaron continuou, como se Neil
sequer tivesse o alertado. – Estou fechando minhas apostas em outra coisa. Saberemos muito em
breve, não é?

– Fique fora disso.

– Não vou –, replicou Aaron. – Você queria que eu lutasse por ela. Acha mesmo que ele vai lutar
por você?

– Não –, respondeu Neil.

Aaron deu de ombros, levantou-se e entrou sem trocar mais palavras. Neil esperou até que a
queimação em sua mão se tornasse um rugido ensurdecedor, em seguida, relaxou e checou suas
ataduras. Havia claridade o suficiente, filtrada através da porta de vidro, para que pudesse ver a
gaze limpa. Estava sem acreditar que algo pudesse doer tanto sem deixar marcas.

Puxando a respiração lentamente, conteve sua raiva prolongada e se dirigiu para dentro. Seu
copo estava onde o deixara, e Aaron estava de volta à sua cadeira quando Neil entrou na sala. Aaron
não direcionou seu olhar para Neil novamente naquela noite. Neil estava feliz em fingir a não
existência de Aaron.

Kevin e Dan apareceram pouco depois. Neil não enxergou nenhum novo hematoma aparente em
nenhum deles. Todavia, pareciam ter passado por uma crise emocional. Nicky se levantou sem ser
solicitado e pegou algumas garrafas na cozinha. Quando voltaram, Kevin encarou um por um e Dan,
praticamente, lançou-se ao colo de Matt. Dan e Kevin estavam mais interessados em ficar bêbados do
que em contribuir para a conversa, desse modo, seus companheiros de equipe preencheram o
silêncio da melhor maneira possível.

Quando as Raposas foram dormir, a maioria deles estava instável sobre seus pés. Felizmente,
Renee estava sóbria o suficiente para ajudar os mais sorridentes pelas escadas. Neil quase a seguiu,
antes de lembrar que seu quarto estava no andar de baixo. Como se Allison pudesse ler sua mente,
ela se inclinou perigosamente sobre o corrimão e apontou.

– A cabana não é à prova de ruído. Não me deixe acordada. Isso vale para vocês dois também –,
disse ela, e direcionou o dedo acusador para Dan e Matt. Dan tentou olhá-la inocentemente, mas
estava bêbada demais para consegui-lo. Allison moveu o dedo para enfatizar. – Não fodam fazendo
barulho. Não é justo para nós que estamos na seca.

– Talvez, se você pedir a Kevin com carinho... –, Nicky começou.

O olhar mordaz de Kevin foi quase tão escandaloso quanto o barulho indignado de Allison. Neil
meneou a cabeça e se dirigiu para o quarto. Andrew não estava muito atrás dele e, juntos,
conseguiram que Neil se trocasse para dormir. Neil olhou para a cama com alguma consternação. A
única pessoa com quem dividira a cama fora sua mãe. Ela se espremia no mesmo colchão estreito
junto a ele, para que sempre soubesse onde ele estava; Era a única maneira que conseguia dormir à
noite. No entanto, a hesitação não ajudou nenhum deles, por isso Neil escolheu um dos lados e puxou
os cobertores o mais cuidadosamente.

Apesar de suas reservas, havia algo dolorosamente familiar sobre o peso de outro corpo em sua
cama. Menos familiar era a sensação de ser empurrado o mais fundo no colchão, as mãos de Andrew
em seus ombros e a língua em sua boca, no entanto, algo que Neil poderia definitivamente se
acostumar.

Ele permitiu-se não se preocupar com as palavras desagradáveis de Aaron, no entanto, a


suposição de Nicky, de não passa de uma atração alimentada pela raiva, não foi assim tão fácil de
ignorar. Nicky estava mais certo do que Neil queria que estivesse, porém Neil não tinha motivos para
se ressentir. Sabia, antes de mergulhar de cabeça, o que Andrew pensava dele – sua apatia era
precisamente a razão pela qual decidira aceitar os avanços de Andrew.

Mas não era tão simples, e não sabia por que, quando, ou onde tudo mudou. Sabia muito menos o
que fazer sobre. Teria que avisar Andrew em algum momento, mas agora não era a hora. Ele
enterrou profundamente sua inquietação e confusão. Passou os dedos enfaixados pelo cabelo de
Andrew. Não se importando com o quanto doía, contanto que conseguisse deixar Andrew mais perto,
e deixou que Andrew o dominasse na cama até não conseguir mais pensar.
CAPÍTULO DEZESSEIS

As Raposas passaram grande parte do dia seguinte ao ar livre, percorrendo as trilhas próximas e
se inscrevendo para cavalgar à tarde. Montar a cavalo fez cada corte queimar nos braços Neil, o
fazendo gritar de dor, no entanto, Neil era teimoso demais para ficar de fora. Ele teve tempo de
recuperar o fôlego quando montou na sela e rangeu os dentes contra a dor latejante. Quando
terminaram a cavalgada de duas horas, ele quase se esquecera de seus ferimentos. Descer do cavalo
foi um lembrete infeliz e, quando voltaram à cabana, ele tirou as ataduras e os antibióticos da bolsa.
Andrew trouxe Renee quando viu o que Neil estava fazendo.

– Eu consigo –, disse ele, quando Renee sentou a sua frente de pernas cruzadas sobre a cama.

– Eu sei que você consegue –, assentiu Renee. – Mas talvez seja mais fácil se alguém te ajudar.

Ele poderia ter argumentado mais, mas não havia vitória contra Renee, então se submeteu a sua
assistência. Ela não desviou olhar das feridas horríveis que encontrou, ou perdeu tempo com
desculpas e perguntas. Simplesmente inclinou a cabeça, focando o local, e limpou cada corte e
queimadura com o maior cuidado possível.

Então ela perguntou:

– Vai deixar suas feridas descobertas?

– Deveria –, respondeu Neil, – mas não quero que vejam.

– Vou pedir para eles não dizerem nada –, disse Renee, acertando corretamente a preocupação de
Neil. Quando Neil não discutiu, ela se levantou da cama e saiu do quarto. Allison estava certa sobre o
barulho na cabana; Neil ouviu cada palavra de Renee dita as Raposas, isso com dois quartos entre
eles.

Neil teria ficado onde estava, mas Andrew se cansou de esperá-lo. Fez sinal para Neil segui-lo e
foi em busca de Kevin. Neil suspirou pesadamente e foi atrás dele. Ele se preparou para as reações
de seus companheiros quando entrou na cozinha, com todos os ferimentos expostos. Nicky
estremeceu e desviou o olhar, enquanto Aaron examinava os danos com grande interesse. Dan abriu
a boca, mas se conteve bem a tempo. Matt passou de choque para raiva em milésimos de segundos, e
Allison desviou o olhar o mais rápido. Renee observou seus amigos com um sorrisinho nos lábios e
um olhar tranquilo, pronta para intervir caso algum deles falhasse com sua palavra.

Todavia, Kevin foi o primeiro e único, e sua reação foi previsível.

– Consegue jogar?

– Claro –, respondeu Neil, antes que alguém pudesse socar Kevin. – Vai doer, e se os Furões forem
muito agressivos na semana que vem eu vou ter alguns problemas, mas ainda estou sobre controle. –
Ele mirou um soco em direção a Kevin, como prova, e, cuidadosamente, sem estremecer com a
sensação de rasgo ao longo de seu punho. – Só preciso ser um pouco mais cuidadoso.

– Definitivamente não –, disse Dan. – Você não vai jogar. Acha que o treinador vai deixar você
entrar em quadra enquanto estiver assim? Vou substituí-lo, Neil. Renee pode ajudar Allison mais uma
vez, não pode? – Ele olhou para Renee, por tempo suficiente, para ver o aceno de Renee. – Confie em
nós, vamos segurar a linha ofensiva. Concentre-se na sua melhora, para que possamos tê-lo nas
semifinais.

O primeiro instinto de Neil foi argumentar sobre ser injusto, dizer que não havia sobrevivido aos
abusos de seu pai e de Lola para apenas ficar no banco, para protestar que precisavam de toda a
ajuda que pudesse obter. Então olhou para os braços e fez uma avaliação realista de suas
possibilidades. Foi decepcionante saber que ela estava certa, mas de alguma forma era o correto.

– Eu confio em vocês - disse ele. – Obrigado.


– Nossa, uau –, disse Nicky. – Quem tá humanizando quem nessa relação, afinal?

Casualmente, Andrew pegou o porta facas de madeira. Renee o tirou de seu alcance sem piscar e
sorriu ao olhar que Andrew lhe deu pela interferência. Nicky aproveitou a distração de Andrew,
escondendo-se fora da vista por trás da pessoa mais alta, de Kevin. Neil não perdeu o olhar que
Aaron enviou a Andrew, e uma nova explosão de raiva o fez cerrar o punho novamente. A dor em seus
dedos avisou-o para relaxar, então, Aaron lançou um olhar irônico em Neil, o que fez Neil querer
acertá-lo.

A dor valeria a pena.

– Falando nisso –, começou Allison, – ainda estou esperando por uma explicação, Neil. Quando
vamos conversar sobre isso? – Ela gesticulou os dedos para Neil e Andrew.

– Aparentemente, nunca –, intrometeu-se Nicky, um pouco carrancudo.

– Não seja ridículo –, disse Allison.

Neil desviou o olhar de Aaron com grande esforço.

– Não tão cedo –, disse ele, e quando Allison pareceu ofendida, explicou: – Passei o fim de semana
inteirinho contando a todos os segredos que guardei e terei de fazer isso novamente assim que
voltarmos ao campus. Acho que preciso espairecer essa semana, não acha?

Allison abriu a boca como se quisesse discutir, mas não disse nada. Depois de uma eternidade,
olhou para Dan e Renee. Dan deu um pequeno aceno com o queixo; Renee apenas sorriu. Allison fez
cara feia para as duas antes de se virar para Neil.

– Que seja. Continue sendo mesquinho, por enquanto. Vamos arrancar os detalhes de você, de
qualquer forma.

Todos mataram o tempo restante antes de o posto abrir para o jantar, então eles foram para a sala
dos fundos. Kevin foi diretamente à televisão e mudou de canal, até encontrar um canal esportivo.
Dan e Allison ficaram com a mesa de pebolim, então os outros se dividiram em equipes para jogar
sinuca. Neil não tinha ideia do que estava fazendo, porém Renee e Nicky o guiaram. Falhou
miseravelmente, entretanto, Andrew e Renee puderam se defender contra Matt e os primos.

Neil enfaixou os braços antes de ir jantar. Dan e Matt desapareceram logo após, e Nicky e Aaron
foram para a jacuzzi com Renee e Allison. Kevin se acomodou ao lado da lareira com um livro de
história, então Andrew e Neil acabaram na cozinha. Andrew preparou bebidas e permitiu que Neil as
entregasse a seus companheiros. Andrew lhe deu uma assim que terminou a última rodada. Andrew
ofereceu um brinde silencioso, e beberam juntos. O beijo de Andrew era mais quente que o uísque e
mais do que suficiente para arrancar a mordida em sua língua.

Quando Dan e Matt voltaram, a equipe se entocou com mais bebidas. Passaram outra noite
conversando sobre qualquer coisa no mundo, exceto Exy. A combinação de ar fresco e álcool fez Neil
adormecer mais cedo do que pretendia, mas não foi o único a cair em um sono precoce. Renee e
Aaron subiram as escadas assim que Neil desistiu de ficar acordado. Andrew ficou para trás, de olho
em Kevin, Neil foi sozinho para o quarto e se acomodou no seu lado da cama. Acordou quando
Andrew entrou, porém adormeceu assim que Andrew se acomodou.

Unhas batendo na porta acordaram ambos, tempo depois. Neil agarrou algo que servisse de arma
e cutucou o braço de Andrew. Andrew olhou para ele antes de sair da cama. A cabana estava
praticamente escura, sendo tarde da noite, do lado onde Andrew dormia seria um golpe certeiro até
a porta. Neil não conseguia enxergar quem estava do lado de fora, então, a voz calma de Renee foi
inconfundível.

– Desculpe – disse ela. – Preciso do seu carro emprestado. Trago de volta antes de irmos embora.

– Luz –, disse Andrew.

Neil estendeu a mão cegamente para o abajur na mesa de cabeceira. Ele a encontrou na quinta
tentativa, protegendo os olhos do brilho repentino. Andrew olhou para isso com descontentamento
antes de ir para sua bolsa. Renee estava completamente vestida na entrada, parecia completamente
acordada e sombria.

– Renee? – Neil perguntou, porque era óbvio que Andrew não a forçaria a explicar.

As palavras de Renee foram um choque:

– Kengo está morto.

Neil a fitou sem expressão, mas logo descobriu o resto.

– Jean?

– Riko o machucou –, disse Renee. – Vou buscá-lo.

– Não vão deixar você entrar em Evermore –, disse Neil.

O sorriso que Renee deu não tocou seus olhos.

– Sim, eles vão.

Andrew apertou as chaves na palma de sua mão. Renee assentiu com gratidão e foi embora.
Andrew a seguiu, provavelmente para trancar a porta da frente após sua partida. Neil ouviu o motor
zumbindo do lado de fora, e os faróis iluminando a janela do quarto enquanto ela partia pela estrada
de cascalho. Andrew voltou, sozinho, e fechou a porta a caminho da cama. Neil o esperou até estar
debaixo das cobertas antes de apagar as luzes novamente. Ouviu a respiração suave de Andrew, essa
noite não conseguiria mais dormir. Sem conseguir parar de pensar em Riko, Jean, Tetsuji e Evermore,
e o que a morte de Kengo significaria para a trégua com seu tio.

Explicar a ausência de Renee no dia seguinte, de alguma forma, caiu sobre as costas de Neil.
Kevin recebeu a notícia tão bem quanto Neil pensou, se trancando na sala do segundo andar para ter
um ataque de pânico. A manhã começou com café irlandês para todos. A tarde foi um pouco melhor,
até perceberem que Renee havia desligado o celular. As Raposas confiavam em seu juízo, porém suas
férias não eram as mesmas sem ela.

Renee retornou no meio da manhã de domingo, pois precisavam dos dois carros para retornar à
Carolina do Sul. Neil estava na varanda dos fundos com Andrew, assistindo um cigarro queimar até
ouvir pneus sobre os cascalhos. Nicky cochilava em uma das cadeiras de balanço, com uma caneca
de café esquecida em uma das mãos frouxamente. Neil o embalou para cima e para baixo.

Os outros haviam ouvido o carro e rapidamente se agruparam. No momento em que Renee entrou
pela porta, todos estavam a sua espera.

– Ah –, disse ela. – Bom Dia.

– Como ele tá? – perguntou Kevin.

– Nada bem –, disse Renee, – mas Abby está fazendo o que pode.

– Sério, você não sequestrou Jean? –, indagou Dan.

– Nem precisei. – Renee tirou o casaco e colocou-o nas costas de uma cadeira. – O presidente de
Edgar Allan mora no campus, então parei em sua casa e pedi a ele que intervisse.

– Você não fez isso –, disse Allison, olhando para ela, perplexa.

– O coloquei na linha com Stephanie –, disse Renee, referindo-se a sua mãe adotiva. – Ela foi clara
nas duas opções: ela poderia resolver o caso secretamente entre nós ou fazer todos os seus amigos
na indústria espalharem a notícia sobre o trote violento em Evermore. Ele escolheu a que menos
afetaria sua universidade, ou pelo menos tentou. O técnico Moriyama não pôde apresentar Jean
quando o Sr. Andritch perguntou a ele, então fizemos uma viagem inesperada ao estádio. Sabia que
nem o presidente tem acesso ao estádio? Desinformação sobre o código de segurança atualizado é
que não era. Ele teve que pedir o novo código dos seguranças. De qualquer maneira, os Corvos não
esperavam por nós.
– Isso soa um pouco leve de mais –, disse Matt secamente.

– O mestre teria encoberto os rastros –, disse Kevin. – Se soubesse que Andritch estava
procurando por Jean, por algum motivo, ele teria encontrado uma maneira de escondê-lo de vista.

– O treinador Moriyama não estava lá. Ele estava em Nova York –, disse Renee. Kevin olhou para
ela com descrença. Renee balançou a cabeça e disse: – Ele foi convidado para o funeral. Riko não.

Kevin estremeceu de corpo inteiro.

– Não.

Riko era o filho de seu pai apenas pelo nome; Ele havia se distanciado de seu pai e irmão a vida
toda. Apesar disso, Riko sempre acreditara que poderia ganhar a atenção e aprovação de seu pai
através de seus sucessos em quadra. A morte de Kengo foi um golpe desastroso para os sonhos de
Riko, e Kevin havia avisado a Neil que a reação de Riko seria cruel. Ichirou ter comunicado seu tio e
ignorado completamente seu irmão era como ácido derramado sobre uma ferida aberta. Sem
ninguém para intervir a mão de Riko ou distraí-lo de sua dor furiosa, Jean não teve a menor chance.

– O Sr. Andritch me permitiu levar Jean quando viu o estado em que ele estava –, continuou
Renee. – Deixei meu número e prometi manter contato enquanto a universidade investigaria. Abby
também prometeu mantê-los informados de sua recuperação. Infelizmente, – ou não – Jean não está
disposto a citar nomes ou a denúncias. Ele não está contente por estar na Carolina do Sul. Já tentou
ir embora duas vezes.

– Ir para aonde? – indagou Nicky. – Não de volta a Evermore. Ele pirou?

– É autopreservação –, disse Neil. – Se Riko e Tetsuji suspeitassem que ele estivesse apontando o
dedo do meio por suas costas, eles o matariam. Até mesmo isso pode ser considerado um desafio, já
que ele não está no lugar onde deveria.

– Perceberam o quão inoportuno isso parece? – indagou Matt. – A universidade quebrou o contrato
de Kevin quando se machucou.

– Eles não tinham outra opção. Eu não podia jogar –, disse Kevin. – Se Jean se recuperar, eles
ainda podem reivindicá-lo e não há nada que possamos fazer em relação a isso.

– Mas o presidente está envolvido, certo? – insinuou Nicky – Então a diretoria vai se envolver, em
alguma hora, eles farão o que for preciso para abafar o caso. Um escândalo mataria sua preciosa
reputação caso acontecesse.

– Se Jean não envolver ninguém, e minha mãe concordar em ficar quieta, eles podem deixá-lo se
transferir para outra universidade –, disse Renee. – Esse é o melhor cenário, de qualquer maneira.

– Jean não vai concordar –, disse Kevin suavemente.

– Talvez você possa convencê-lo –, disse Renee. – Eu agradeceria a ajuda.

– Ele não ficará seguro conosco –, continuou ele. – Eu não lhe darei falsas esperanças.

– Um resquício de esperança é melhor do que nada –, disse-lhe Renee. – É o mesmo tratamento


que oferecemos a você, e você ainda está aqui.

– Eu fiquei por Andrew –, refutou Kevin.

– E eu não vou aceitar mais nenhum refugiado –, esclareceu Andrew.

– Eu sei –, assentiu Renee. – Jean é problema meu, não seu. As consequências e fracassos serão
meus, prometo.

– Ele não tem uma família com quem possa ficar? – perguntou Dan.

– Seus pais o venderam aos Moriyamas para pagar uma dívida –, disse Kevin. – Os corvos são tudo
o que ele tem.
Neil meneou a cabeça.

– Kevin vai falar com ele quando voltarmos.

– Eu não disse isso –, protestou Kevin.

– Mas você vai fazer –, insistiu Neil. – Você o deixou para trás uma vez, sabendo o que Riko faria
com ele em sua ausência. Não faça isso de novo. Se você não protegê-lo agora, a morte dele será sua
culpa.

– Caramba, Neil –, disse Nicky. – Isso não foi pesado de mais?

Neil o ignorou.

– Renee já fez a parte mais difícil. Ela o tirou de lá. Você tem que ser firme e mantê-lo conosco.
Você possui nível superior a ele na hierarquia imaginária de Riko. Ele vai te ouvir.

– Sim –, disse Matt. – Vocês não foram amigos uma vez?

Kevin abriu a boca, fechou-a novamente e desviou o olhar.

– Isso foi há muito tempo.

– Kevin –, insistiu Renee. – Por favor.

Kevin calou-se por tanto tempo que Neil achou que ele recusaria.

Finalmente, Kevin disse:

– Farei o que puder, mas não prometo nada.

– Obrigado –, agradeceu Renee, e olhou para Neil, para incluí-lo nisso. Kevin acenou com a mão
em despedida e se virou.

– Vou arrumar minhas coisas.

Neil o observou subir as escadas, vagamente ciente de que Dan e Allison conversavam com
Renee, com mais perguntas. Quando Kevin estava fora de vista e seus passos pararam em seu quarto,
Neil caminhou em direção a ele. Subiu as escadas o mais silenciosamente que pôde, mas a cabana
não fora projetada com furtividade em mente, e ele sabia que Kevin o ouvira se aproximar. A porta do
quarto estava aberta, Neil a fechou ás suas costas. Kevin estava sentado em sua cama, com um joelho
apertado ao peito, olhando vagamente, distante de tudo. Neil sentou-se de pernas cruzadas no final
da cama e esperou.

Não demorou muito. Kevin apoiou o queixo no joelho e disse:

– Como você consegue? – Kevin estalou os dedos como se estivesse frustrado com sua própria
imprecisão e continuou: – Depois de tudo o que aconteceu este ano, depois de Riko, seu pai e o FBI, e
sabendo que Ichirou o descobriu, por que você não tem medo?

– Eu tenho –, disse Neil. – Mas tenho mais medo de ir embora do que ficar.

– Não entendo.

– Foi o que você fez, ou não teria confiado em Andrew e no treinador em primeiro lugar. O
problema é que você se coloca nas mãos deles e se recusa a se comprometer além disso. Você
sempre acredita que Riko vai machucá-lo por sua petulância, então você tenta não ficar muito fora da
linha. Mas esse meio termo não vai te salvar para sempre.

– Kevin –, Neil o chamou, e esperou que Kevin finalmente o olhasse. – Imagine o que você mais
quer, mais do que qualquer coisa, aquilo que você morreria caso a perdesse. É isso que está em jogo
se você deixar Riko vencer. Calcule o custo do seu medo. Se for demais, você precisa lutar. Não é
melhor morrer tentando em vez de nunca tentar?

– De qualquer forma, ainda vai ser a morte –, destacou Kevin.


– Morrer livre ou como um fracassado –, disse Neil. – A escolha é sua, mas escolha seu lado antes
de ver Jean novamente. Se ele acha que você está mentindo, você nunca vai convencê-lo.

Kevin não disse nada, então Neil levantou-se da cama e o deixou. Os outros conversavam sobre o
café da manhã, enquanto ele descia as escadas. Renee passara por um fast-food durante a volta, mas
estavam adiando o café da manhã até entregar as chaves no posto principal. Fazer as malas era o que
restava, sendo assim, se separaram em seus quartos e tiraram as malas de seus armários.

Encheram os carros e caminharam para o prédio do posto pela última vez. Renee bebeu chá
enquanto os outros se deliciavam com ovos e bacon. Ninguém disse uma palavra sobre Jean, onde
pudessem ouvi-los, embora fosse questionável se alguém na sala de café da manhã soubesse quem
eles eram e pudessem juntar tudo. Devolveram as chaves quando saíram e se separaram entre os
carros. Andrew pegou estrada primeiro, e iniciaram a viagem de voltar ao campus.

Fizeram uma parada na casa de Abby, para que Kevin pudesse ver Jean. Abby havia deixado a
porta da frente aberta, como sempre, então a equipe entrou sem bater. Dan gritou uma saudação a
caminho, deixando Abby ciente de que tinha convidados, e Abby respondeu do outro lado do
corredor.

Eles encontraram Abby e Wymack sentados à mesa da cozinha. Pratos e guardanapos


amarrotados sobre a mesa disseram que acabaram de terminar o almoço. Abby limpou a bagunça e
levou Kevin pelo corredor, onde Jean descansava. Neil olhou para Wymack, a procura de um possível
trauma ocasionado pela confissão de Kevin. A máscara impassível de Wymack era infalível. O que não
impediu Dan de olhá-lo como se pudesse enxergar através dela.

– Chegaram a um consenso? – perguntou Wymack quando ouviu a porta fechar.

– Ele pode se esconder conosco até ficar melhor –, disse Dan. – O que ele fizer depois disso
depende dele.

Wymack assentiu.

– Neil, o conselho sabe que você estará de volta hoje.

– Eles querem conversar –, disse Neil, sem ser realmente uma pergunta.

– Me pediram para ligar para você assim que estivesse de volta –, disse Wymack. – Você tá de
volta?

Era tentador aceitar aquela oferta sutil e se esconder um pouco mais, embora estivesse sem
tempo. As férias de primavera haviam terminado. As aulas começariam de novo amanhã e seus
colegas de classe teriam ouvido as notícias de uma semana atrás. Em um dia ou dois, Neil teria que
enfrentar a imprensa e confirmar tudo o que já haviam descoberto.

Inexplicavelmente, Neil indagou-se como o treinador Hernandez reagira às notícias. Se indagou


ainda mais, se os jornalistas o teriam ligado à procura de informações. Seus ex-companheiros de
equipe certamente teriam muito a dizer. Cidades pequenas se expandiam em fofocas.

– Sim –, respondeu Neil. – Estou de volta.

Wymack saiu para fazer a ligação.

Abby voltou sozinha e olhou para o time.

– Jean não consegue lidar com tantos convidados.

– Só viemos deixar Renee e Kevin –, disse Matt.

Abby se recostou na cadeira e olhou para as Raposas.

– Renee disse que a cabana era adorável.

Eles caíram em si novamente, descrevendo a bela cabana. Aaron teve pouco a contribuir, pelo
menos parecia estar atento à conversa. Tinham terminado de contar sobre o passeio quando Wymack
retornou. Ele parou na entrada, em vez de voltar para sua cadeira. Neil pegou a pista, se dirigindo
até ele. Andrew ficou para trás, sabendo o que Neil faria; Kevin precisaria mais de Andrew do que
Neil hoje.

Charles Whittier, presidente da Palmetto State University, vivia em uma casa grande, próximo aos
portões de entrada do campus. Wymack e Neil seguiram pela calçada de pedra ao redor do edifício
até a porta, e Neil parou quando Wymack tocou a campainha. Wymack havia ligado antes, então
Whittier atendeu quase que imediatamente.

– Chuck –, disse Wymack em vez de olá.

– Treinador –, disse Whittier olhando além de Wymack, em direção a Neil. – Entrem.

Passaram por uma sala de estar, que poderia acomodar todo o apartamento Wymack, e uma sala
de conferência, maior que o quarto de Neil. O escritório de Whittier ficava nos fundos, perto da
cozinha. Ele gesticulou para eles se sentarem e fechou a porta atrás deles. Sua mesa estava livre de
qualquer coisa, exceto um computador e um telefone próximos a uma travessa contendo xícaras de
chá gelado. Ele entregou duas a Wymack, que entregou uma a Neil e o conduziu para a cadeira. Neil
agarrou à bebida como se estivessem lhe dando a coragem de que precisava para encarar o que
vinha.

Whittier ainda olhava para ele como se Neil estivesse explodindo em outro minuto, mas no final
disse:

– Vamos começar.

Ele tocou o botão do mouse e, um segundo depois, o telefone tocou. Uma voz robótica autorizou o
sistema de conferência. Depois de digitar seu código de acesso, Whittier disse:

– Há vinte chamadas conectadas, incluindo a sua. – Uma série de bipes foi ouvida quando todos se
conectaram.

– Aqui é o Whittier –, disse Whittier. – Já estou com o técnico David Wymack e... Neil Josten –,
disse ele, depois de uma breve hesitação, e olhou para Wymack – aqui comigo. Com quem estamos
fazendo sinal?

Houve uma salva de apresentações, oferecendo nomes e cargos. Neil sentia-se como se todo o
departamento administrativo tivesse aparecido para essa chamada; as pessoas presentes, todos onze
membros do Conselho Administrativo, variaram de Assuntos Estudantis a Relações com Ex-alunos.
Depois que todos foram apresentados e contabilizados, Whittier iniciou.

O que se seguiu foi uma das mais longas horas da vida de Neil. Logo ficou óbvio que essa não fora
a primeira chamada feita desde a verdade exposta; Estavam tendo esta conversa desde a última vez
que se falaram, fazendo referencias aos últimos argumentos de Wymack. Neil apresentou seu caso, e
Wymack o endossou incondicionalmente quando o Conselho o bombardeou com perguntas e
exigências.

Quando terminaram com ele, iniciaram uma lutar entre si. Discutindo os riscos de manter Neil por
perto, no entanto, todos pareciam igualmente interessados em publicidade: com quais olhos
enxergariam sua dispensa VS como enxergariam sua permanência? Neil queria lembrá-los de que
ainda os ouvia. Em vez disso, contou até dez e tomou seu chá. Wymack não parecia nada satisfeito
com seus cálculos insensíveis e tolerou-os apenas por mais alguns minutos.

– Olhem –, ele interrompeu, ignorando o gesto de Whittier para ficar fora do assunto. –Olhem –,
disse novamente, mais alto, quando os outros continuaram falando sobre ele. Wymack deu-lhes
alguns segundos e começou a falar em voz alta de qualquer maneira:

– Desde o primeiro dia vocês questionaram todas as minhas decisões. Repetidas e repetidas vezes
mostrei sempre saber o que era melhor para esse time, tanto para os jogadores quanto para os
interesses da universidade. Não é verde?

– Essa reunião deveria ser mais fácil quanto a que tivemos sobre a contratação de Andrew –,
Wymack continuou, sem esperar por um acordo. – Com Andrew, pedi a vocês que tivessem confiança
e paciência, porque eu sabia que levaria tempo, mas que veriam que seus endossos seriam lucrativos.
Desta vez, os resultados estão ai. Vocês estão colhendo os benefícios da presença de Neil desde
agosto.

– Neil é um membro importante na minha equipe –, reforçou Wymack, apontando o dedo contra a
mesa, enfatizando seu argumento. – Podem perguntar a qualquer um nessa minha formação e todos
concordarão: não estaríamos onde estamos hoje se ele não estivesse aqui conosco. E nos
encontramos hoje a beira das finais. Estamos a quatro jogos, – quatro! – de sermos campeões na
NCAA. Estamos prestes a ser o primeiro time do país a vencer Edgar Allan. Temos uma formação que
se transformará em profissionais da área, e Estrelas renomadas. Estamos remodelando a maneira
como todos olham o Exy de Palmetto. Tirar Neil da equipe não vai salvar seus status e certamente
não é a decisão mais inteligente. O tiro vai sair pela culatra com tanta força que vocês nunca mais
vão querer ver um repórter.

Todos ficaram mudos, por um minuto, em seguida, começaram a discutir entre si novamente.

Finalmente o puseram em votação, e votaram a favor de Neil.

– Obrigado –, agradeceu Wymack, em um tom que claramente mostrava estar mais chateado pela
teimosia do que grato pelo apoio. – Agora que já está resolvido, eu tenho outra coisa a dize, contanto
que eu tenha todos do meu lado. Vocês precisam saber antes de verem nos noticiários.

– O que mais agora? – Perguntou um dos curadores.

– Recentemente fui surpreendido com a notícia de que tenho um filho –, disse Wymack. Mantendo
seu tom e expressão neutra, embora parecesse tenso em sua cadeira. – Estou agendando um teste de
paternidade agora que estamos de volta ao campus, porque quero as documentações nos conformes.

– Meus parabéns –, alguém disse, soando mais obrigatório do que qualquer outra coisa.

Wymack abriu a boca, fechou-a e tentou novamente.

– É o Kevin Day.

O silêncio que se seguiu foi profundo. Finalmente alguém conseguiu irrompê-lo.

– Como é?

– Ele me contou na semana passada. Ele estava... inspirado –, disse Wymack depois de uma breve
busca por palavras, – por causa da situação de Neil, para ser mais claro. Estou lhes contando porque
ele pretende ir a público esta semana. Vamos usá-lo para ajudar a combater a criticas negativa em
torno de Neil. Gostaria de deixar claro que essa descoberta não terá impacto no meu treinamento.

– Entendido –, disse uma mulher, parecendo insegura, pouco antes de outro argumento irromper.
Este foi mais curto, focado principalmente em como a universidade reagiria publicamente às notícias.
Finalmente, tudo fora despejado e a conferência chegou ao fim. Enquanto cada pessoa desligava, a
linha apitou, indicando a saída dos presentes. Whittier esperou até todos estarem off.

– Isso foi inesperado –, confessou Whittier, com um longo olhar para Wymack. Neil considerou que
ele estivesse procurando por um sinal de que Wymack estivera guardando esse segredo há anos em
vez de uma semana.

Wymack não teve dificuldade em interpretar esse olhar, mas em vez de declarar sua inocência,
simplesmente disse:

– Acima de tudo sou o treinador.

Whittier assentiu com a cabeça.

– Falando de presidente para treinador, é exatamente o que eu quero ouvir e espero que você
mantenha sua palavra. Falando de Chuck para David, me desculpe. Não deve ter sido uma
descoberta fácil.

– Obrigado –, disse Wymack depois de um momento.

Whittier levantou-se e acompanhou-os até a porta.


Wymack trouxera Neil ao dormitório, de carona. Neil enviou-lhe um olhar através da janela,
perguntando-se se deveria dizer alguma coisa. No final, decidiu confiar em Abby e Dobson para ficar
de olho em Wymack. Ele se contentou com um seco “obrigado” quando Wymack o deixou na calçada,
sem olhar para trás e antes de entrar.

Segunda-feira significava aulas, embora Neil estivesse feliz em sua cama. Seus hematomas
atraíram olhares mais persistentes do que poderia suportar, e alguns colegas de classe foram
ousados o suficiente para pressioná-lo por fofocas. Não havia sentido em mentir sobre, mas ninguém
dissera que deveria contar a verdade também. Ele ignorou todas as perguntas com um insistente:

– Não quero falar sobre isso, – que ficava mais intenso a cada vez que alguém ignorava o aviso.

Quando o sinal tocou ao final de sua última aula, o alívio que Neil sentiu quase o paralisou. Saiu
da sala e seguiu os alunos barulhentos para fora do prédio e desceu as escadas. Deixou uma
distância significativa do prédio antes que alguém o parasse. Neil estava acostumado a se esquivar
de corpos no campus, então se esquivou com cuidado e continuou andando.

Um homem o chamou durante sua passagem.

– Pare ai.

Neil realmente não pensou que seria abordado, olhar para trás foi instintivo. Ele se arrependeu
imediatamente e se arrepiou, fazendo uma parada brusca. O homem que falara era japonês, mais
velho do que os estudantes estrangeiros que passavam por eles, vestido casualmente para não se
destacar. Ele considerou Neil, como se fosse a ruína de sua existência e fez um gesto, não em
convite, mas uma ordem.

– Estamos de saída.

Neil quase perguntou para onde eles estariam indo, mas pensou melhor no último segundo. Ele
seguiu o estranho até o estacionamento da biblioteca. Um carro estava estacionado na calçada e Neil
entrou no banco de trás quando alguém abriu a porta para ele. Sua escolta fechou a porta ás suas
costas e sentou-se no banco do passageiro.

Ninguém disse uma palavra.

Neil olhou pela janela, observando onde estavam indo, para o caso de precisar encontrar o
caminho de volta, mas não se prolongou em pensamentos. Eles o levaram para o canteiro de obras do
outro lado do campus. Neil enxergou carros estacionados e equipamentos inativos. Nenhum operário
a vista, Neil preferiria algumas testemunhas.

Havia apenas mais outro carro, estacionado nos fundos. O motorista estacionou ao lado do carro
onde estava e desligou o motor, ninguém se mexeu. Neil percebeu a insinuação depois de um minuto
de silêncio, tenso, e saiu. A porta a sua frente estava destrancada. Ele abriu, porém, hesitou ao
entrar assim que viu quem estava a sua espera.

À primeira vista, não se parecia muito com Ichirou Moriyama. Sua roupa de seda preta ostentava
sua riqueza excessiva, entretanto sua característica jovial enfraquecia tal pretensão. Ele só tinha
alguns anos a mais que Neil, sua genética o fazia parecer ainda mais jovem. Parecia apenas outro
homem de negócios esperançoso, talvez, outro jovem CEO rico vivendo uma vida de extravagâncias.
Neil se enganou por um segundo: momento esse que o levou a encontrar os olhos de Ichirou.

Não era como o pai de Neil, com seu temperamento, capangas e má reputação. Não era como
Riko, com sua crueldade egoísta e suas birras infantis. Era um homem que poderia manter ambos
sob controle com apenas um olhar, um homem criado para governar. O poder dos Moriyamas em
vida, vívido e, com a morte de seu pai, sentado sozinho e intocável em seu trono.

Neil considerou dar meia-volta e ir embora, mas suspeitou que fosse uma boa maneira de levar
um tiro pelas costas. Não sabia o motivo de sua presença, pois nem mesmo Riko conhecera seu irmão
pessoalmente, no entanto sabia que um passo em falso anularia a negociação esperançosa de seu tio.

Neil desesperadamente revirou sua memória, a procura algum conselho sobre como lidar com
esse encontro. Neil não poderia enfrentar Ichirou como Neil Josten; teria que enfrentaria Ichirou
como um Wesninski. Cada palavra deveria ser a verdade, e esta tinha que ser a maior mentira que
Neil já havia contado. Ele engoliu suas dúvidas e o primeiro lampejo de pânico e disse, com muita
cautela:

– Posso entrar?

Ichirou gesticulou dois dedos, em comando silencioso, e Neil entrou no carro. Fechou a porta
atrás de si, com firmeza, mas não forte, e fixou seu olhar no ombro de Ichirou.

– Sabe quem eu sou? – Ichirou perguntou.

– Sim –, assentiu Neil, e hesitou por meio segundo enquanto encontrava o título apropriado.
“Senhor” não tinha o respeito necessário, mas Kevin havia se referido a Kengo mais de uma vez como
“Mestre”. Era um termo obsoleto e desajeitado, mas tudo o que tinha naquele momento. – Você é o
Senhor Moriyama.

– Sim –, disse Ichirou, com uma calma moderada na qual Neil não confiava nem por um segundo.

– Deve saber que meu pai está morto? Não ouvi seus pêsames ainda.

– Oferecer meus pêsames soaria presunçoso –, disse-lhe Neil. – Indicaria que o Senhor valoriza
minhas palavras, mas sou apenas um ninguém.

– Você não é um ninguém –, disse Ichirou. – É por isso que estou aqui. Entende.

Não foi uma pergunta, mas Neil abaixou a cabeça e disse:

– Meu pai foi morto pelas mãos do meu tio e o FBI está investigando o que restou de seu círculo.
Sou uma ponta solta que deve ser tratado de qualquer forma.

– Posso dar um fim nisso –, disse Ichirou, e Neil acreditou nele. Não importava que o FBI já
tivesse caixas cheias de depoimentos e nomes fornecidos por Neil. Se Ichirou quisesse que histórias
morressem e rumores fossem encobertos, ele poderia fazê-lo com alguns telefonemas e dinheiro
suficiente. – Em vez disso, estou aqui. Gosto de saber o valor das coisas antes de jogá-las fora, para
saber como compensar a perda.

– Já não tenho valor agora –, disse Neil, – mas, se tivesse tempo e oportunidade conquistaria de
volta, eu pagaria à sua família pelas inconveniências que causei. Um jogador regular profissional
ganha três milhões de dólares por ano. Não preciso de todo esse dinheiro. Deixe-me doar para sua
família. Posso encaminhá-lo através de transições e instituições de caridade que você tenha herdado.

– Uma tentativa sutil de comprar sua liberdade.

– Meu senhor –, disse Neil, – estou tentando corrigir um erro e cumprir uma promessa quebrada.
Eu deveria pertencer ao seu tio, para ser um Corvo. Meu potencial de renda sempre pertenceu a
vocês. Voltei a jogar Exy assim que minha mãe morreu, porque conheço meu propósito.

– E, mesmo assim, não voltou para o meu tio –, retrucou Ichirou.

Parecia um teste, onde uma falha significaria a morte. Neil conhecia uma resposta segura, mas
um pensamento perigoso queimou sua língua. Seu pai servira Kengo, para manter tanto um território
como poder, Kengo teria de confiar nele. Nathan tinha por direito levar ameaças e possíveis
complicações para a atenção de Kengo. Neil não tinha essa autoridade, porém ele tinha que tentar.

– Sei que você não tem nenhum motivo para confiar na minha palavra –, disse Neil, com muito
cuidado, – e sei que não mereço sua atenção ou consideração. Mas sou um Wesninski. Minha família
serve a sua. Por favor, acredite em mim quando digo que eu nunca arriscaria a segurança do seu
império. Jogar em Edgar Allan vai contra tudo o que minha família deveria representar.

Ele hesitou, como se tivesse medo de continuar e cruzar um limite frágil. Ichirou esperou que ele
tomasse uma decisão. Neil desejou poder ler alguma coisa, qualquer coisa, no rosto de Ichirou, no
entanto sua expressão era serena e seu tom não mudara desde que essa conversa horrível começara.
Neil não sabia se estava traindo Ichirou, e se faria diferença, mesmo que pudesse.

Neil, finalmente, respirou fundo e disse:

– Seu irmão vai acabar com tudo o que é seu, a menos que alguém o coloque rédeas.

Foi o suficiente para ganhar um leve sorriso de Ichirou. Foi tudo o que Neil pôde fazer para não
estremecer quando Ichirou disse:

– É muita ousadia.

– Sim –, concordou Neil, – mas é a verdade.

Ichirou não disse nada por tanto tempo que Neil se perguntou se deveria sair do carro e ir
embora. Finalmente, Ichirou gesticulou para ele continuar.

– Riko passou toda a sua vida com o objetivo de ser o melhor jogador – disse Neil –, quando sente
que sua superioridade está ameaçada, ele ataca sem se preocupar com as consequências. Ano
passado foi a prova de sua crescente instabilidade.

– Kevin Day foi o segundo maior investimento de seu tio, mas Riko o arruinou por causa de seu
orgulho ferido. No início de seu segundo ano, Kevin tinha uma fortuna de sete dígitos com seu
contrato, um lugar na seleção nacional e privilégios. Ele poderia ter ganhado para sua família vinte
milhões por ano após a formatura. Agora Kevin está começando do zero.

– Riko matou um dos meus companheiros de equipe em agosto e confessou em público –, expôs
Neil. – Em novembro, ele interferiu no o sistema judicial em Oakland e deixou um rastro de dinheiro
da Califórnia até a Carolina do Sul, tudo para ferir um outro companheiro de equipe, e, em dezembro
comprou um psiquiatra no Easthaven, em Columbia, para continuar com a tortura. No feriado
Natalino, devolveu minha aparência natural para que os capangas do meu pai pudessem me
encontrar e me matar. Ele armou o confronto em Maryland, que terminou com a morte do meu pai e
toda essa investigação federal.

– Na semana passada, ele reagiu à morte de seu pai, espancando um de seus colegas de equipe e
por pouco não o matou. Ele tem sorte por ter sido Jean Moreau, Jean conhece sua família e nunca
deporia contra Riko. Mas Jean está sob nossa custódia. Agora, enquanto ele se cura, a Universidade
de Edgar Allan começou uma investigação minuciosa sobre os Corvos. Vão descobrir sobre o trote e
seu tio será responsabilizado. O que aconteceria se tropeçassem em evidências das manipulações de
Riko durante essa investigação?

– Não estou dizendo que seu irmão está fora da linha –, mentiu, – só não está sendo cuidadoso. Ele
continua porque se sente ameaçado, mas há muitas pessoas de olho em nós agora. Vão chegar até
ele, tenho medo do que vai recair sobre você. Não posso me juntar tendo tantos riscos, então não
posso jogar pelo seu tio em Edgar Allan. Sinto muito.

Outro silêncio sem fim se seguiu. Pareceu que um dia, uma semana, um ano, haviam se passado
antes Ichirou dizer:

– Me olhe nos olhos e escute com atenção. – Neil arrastou o olhar para o rosto de Ichirou. O
sorriso de Ichirou desaparecera há muito tempo, seus olhos de cor carvão pareciam perfurar Neil. –
De onde eu venho, a palavra de um homem vale tanto quanto seu nome, e seu nome ganha peso com
o sangue que derramou pela minha família. Você não foi posto à prova. Você não vale o ar que
respira. Riscaria seu saldo negativo de minha lista com sua morte, consideraria um pagamento justo.

No entanto, Ichirou continuou:

– Você é filho do seu pai, e seu pai era alguém para mim. Ele é a razão pela qual eu vim aqui,
quando eu poderia ter enviado alguém para falar com você. Sabe o que eu vou fazer se achar que
você está perdendo meu tempo? Sabe o que farei com as pessoas que o conhecem? Vou matar todo
mundo que já te apoiou e farei com que todas as mortes durem o bastante.
Não parecia uma ameaça; Soava como uma promessa.

– O que posso fazer para convencê-lo de que estou dizendo a verdade? – indagou Neil.

– Nada –, respondeu Ichirou, e disse algumas palavras em japonês para os dois homens sentados à
frente.

O passageiro da frente tirou um celular do bolso. Neil não conseguia entender as palavras ditas,
mas entendeu muito bem o tom zangado. Por um momento inculto, pensou que o homem estaria
organizando mortes confusas para todas as Raposas.

Ele cerrou os dentes contra uma pontada de pânico e olhou para o assento vazio entre ele e
Ichirou. O passageiro observou, para frete e para trás, por vários minutos, em seguida, desligou e
guardou o celular. Seu tom foi respeitoso quando disse algo para Ichirou.

Quaisquer que fossem as notícias, a expressão de Ichirou não mudou. Ichirou batucou o polegar
no tornozelo enquanto pensava. Neil não sabia quanto tempo ficaram sentados em silêncio, dez
minutos ou dez vidas, mas tinha certeza de que morreria antes que Ichirou finalmente tomasse uma
decisão.

– Talvez sua vida tenha um preço, afinal –, disse Ichirou. – Oitenta por cento dos seus ganhos
durante toda a sua carreira será suficiente. Espero dízimos semelhantes de Day e Moreau, é
razoável, considerando que minha família financiou seu treinamento. Alguém entrará em contato
para tomas providências. Se você falhar em entrar na liga profissional, depois da formatura, o acordo
é cancelado e você será executado. Entendeu?

Incredulidade arrancou o ar em seus pulmões; o alívio foi tão intenso que Neil pensou por um
momento que ficaria tonto. De alguma forma manteve seu tom, mesmo quando disse:

– Entendido. Eu vou falar com Kevin e Jean imediatamente. Nós não vamos falhar com você.

Ichirou o fitou com olhar mordaz.

– Então, por enquanto, está dispensado.

Foi tão abrupto que Neil quase se esqueceu de dizer:

–Obrigado

Tentou sair do carro sem dar a impressão de que estava enlouquecendo, sem ter certeza se tinha
conseguido. Ele fechou a porta atrás de si e ambos os motoristas ligaram os motores. Neil
permaneceu imóvel enquanto os carros se afastavam, observou aturdido quando eles o perderam de
vista. Saber que haviam ido embora, nada fez para que se sentisse mais seguro. Neil caiu de joelhos
no asfalto. Passou os dedos pelo jeans, o esticado sobre os joelhos, e lutou para controlar seu coração
palpitando.

Quando pensou que poderia ficar de pé sem cair, seguiu a Perimetral descendo o campus até o
prédio onde Kevin tinha sua aula de história. O relógio de seu celular dizia que faltavam quinze
minutos para o próximo período, por isso Neil encostou-se à parede externa da porta e esperou.
Kevin foi um dos últimos a sair e ficou em silêncio quando viu Neil.

– Vamos para a casa da Abby –, disse Neil em francês. – Temos que falar com o Jean.

– Não agora –, disse Kevin.

– Agora sim –, Neil estendeu um braço quando Kevin parecia pronto para se afastar. – Ichirou veio
nos ver.

Kevin engasgou com sua primeira recusa. Sua segunda tentativa foi rouca de descrença.

– Não brinque com essas coisas. – Neil olhou para Kevin em silêncio, até que Kevin estremeceu e
recuou meio passo. – Não. Riko não estava. Ele não viria aqui.

– Vamos logo –, insistiu Neil.


Ele enviou uma mensagem para Andrew, a caminho da Torre das Raposas, Andrew esperava por
eles, sentado sobre o porta-malas de seu carro. Um pacote pequeno em uma mão e um cigarro na
outra. O cigarro foi jogado de lado quando se aproximaram, e destrancou as fechaduras. Foi uma
curta distância de carro do dormitório para a casa de Abby. Neil bateu na porta, embora estivesse
destrancada, e Abby respondeu alguns segundos depois. Ela franziu o cenho quando os viu na porta
de sua casa, porém se afastou para deixá-los entrar.

– Vocês não tem aula agora?

– Não –, respondeu Neil. – Onde está Jean?

– Ele estava dormindo da última vez que fui vê-lo.

– É super importante –, disse Neil. – Vou acordá-lo.

Abby estudou a expressão sombria de Kevin um momento antes de se afastar. Neil levou Kevin e
Andrew pelo corredor, deixando Abby os olhando, e bateu a porta do quarto rapidamente. Jean ficou
assustado ao ouvir o estrondo e começou a se sentar. Mover-se foi um erro, a julgar pelo som que fez
quando afundou de volta sobre o colchão. Neil aproveitou sua distração e examinou o trabalho de
Riko a caminho da cama. O rosto de Jean era mais ou menos uma contusão inchada. Ambos os olhos
estavam enegrecidos, cortesia de um nariz quebrado, pontos remendavam seu queixo e bochecha.
Punhados de cabelo haviam sido arrancados de seu couro cabeludo, deixando lacunas calvas e
cascões duros por toda parte.

Neil se obrigou a recuar inesperadamente e sentou-se na beira do colchão.

– Oi, Jean –, Neil o cumprimentou.

– Vaza –, disse Jean, sua voz crua de ódio. – Não tenho nada para lhe dizer.

– Mas você vai me ouvir –, retrucou Neil, – porque acabei de dizer a Ichirou onde você está.

Foi o suficiente para captar toda a atenção de Jean. Kevin sentou do outro lado de Jean, seu rosto
sem cor novamente ao som do nome de Ichirou. Neil olhou para trás, se certificado de que Andrew
ouvia, e depois contou-lhes sobre a visita de Ichirou: o por que ele viera, como decidira poupar suas
vidas e o que lhes custaria em retribuição. Kevin e Jean ouviram tudo sem dizer uma única palavra.

– Não é anistia e não é realmente liberdade, mas é proteção. – Neil observou de um rosto chocado
para o outro. – Agora somos propriedades da família principal. O Rei perdeu todos os seus Peões e
não há nada que ele possa fazer sem esbarrar em seu irmão. Estamos a salvos... Para sempre.

Jean fez um som agonizante e enterrou o rosto entre as mãos. Kevin abriu a boca, fechou-a
novamente e lançou um olhar atordoado para Jean. Neil esperou, mas nenhum dos dois parecia capaz
de reagir além disso. Finalmente, Neil levantou-se da cama e os deixou em questionável conforto
mútuo. Andrew o acompanhou para fora do quarto, Neil agarrou sua manga enquanto fechava a
porta atrás deles. Andrew obedientemente se virou para ele.

– Como se sente ao acabar de se vender? – indagou Andrew.

– Valendo cada centavo –, respondeu Neil. – Deixe ele ficar com tudo o que quiser. Eu não preciso
do dinheiro. Tudo que preciso é o que ele me deu: uma promessa de que tenho futuro. Tenho
permissão – não, ordens – para viver minha vida como eu bem entender. Vou me formar em Palmetto
e jogar Exy até que me forcem a me aposentar. Talvez eu até morra de velhice.

– A cada dia você se parece mais com eles –, disse Andrew.

Neil supôs que ele se referia a seus companheiros de equipe, os mais otimistas.

– Vai precisar inventar algo próprio para se agarrar. Tenho certeza que Kevin não precisará mais
de sua proteção, Nicky vai voltar para Erik e Aaron terá Katelyn. O que vai fazer? Do que vai viver
sem ter nós para você agir feito um cão pastor?

– Aaron não vai ter Katelyn.


– Negação não combina com você. Já conversamos sobre isso.

– Você falou –, disse Andrew. – E eu não dei ouvido.

– Faça sua escolha –, disse Neil. Foi o suficiente para silenciar Andrew, talvez apenas por um
segundo, mas Neil aceitaria qualquer abertura que obtivesse. – Kevin vai retomar sua posição em
campo antes de se formar. Ele acredita que eu posso evoluir com bastante prática e tempo. Venha
conosco. Vamos todos jogar juntos nas Olimpíadas um dia. Nós seremos imbatíveis.

– Essa obsessão é sua, não minha.

– Pegue-a emprestado até você ter algo de sua vontade. – Neil se agarrou à manga de Andrew
quando este começou a se soltar. – Não é divertido? Ter um lugar, ter uma equipe, uma cidade
diferente a cada semana e cigarros e bebidas no meio? Não quero que acabe.

Andrew se soltou.

– Tudo tem um fim.

Ele empurrou o pacote contra o peito de Neil e seguiu pelo corredor. Andrew já havia cortado a
fita das extremidades, então Neil abriu a aba sem muita dificuldade ou dor. Sacudiu a caixa na palma
da mão, mas nada caiu. Ele teve que puxar o conteúdo com os dedos e considerou os tecidos
amarrotados com uma pontada de decepção. Não havia entendido, até estender ambas e deixar as
extremidades se desenrolarem. Estava segurando um conjunto de braçadeiras, idênticas às de
Andrew. Eram longas o suficiente para esconder as bandagens e as novas cicatrizes em seus
antebraços.

Ele olhou para a chegada de Abby. Ela olhou para a porta do quarto, fechada, e viu o presente que
Neil estava segurando.

– Tudo bem?

Neil pensou sobre a resposta, mas não por muito tempo.

– Nunca esteve melhor.


CAPÍTULO DEZESSETE

As Raposas reagiram às notícias de Neil com uma quase unanimidade de entusiasmo. Até mesmo
Aaron pareceu animado o suficiente para oferecer parabéns. No entanto, Kevin não conseguiu
recompor-se tão rapidamente, de ter seu mundinho virado de cabeça para baixo, e se distraiu a tarde
toda. Errou tiros que normalmente acertaria de olhos fechados e passou o descanso sozinho na
arquibancada. Wymack não disse nada sobre seu mau desempenho e acalmou Dan quando ela tentou
lhe dizer algo.

Dan conduziu todos ao Downtown, para um jantar comemorativo. Conversar sobre o acordo de
Ichirou em público era desaconselhável, mas podiam e fizeram, comentando sobre tudo o que veio à
mente. Todos notaram as novas braçadeiras de Neil, mas, depois de algumas provocações bem-
humoradas, eles mantiveram a palavra de ficar fora do relacionamento de Neil e Andrew.

Neil passou a maior parte da refeição observando Kevin e Andrew. Kevin não disse nada a
ninguém, apenas fitou o prato enquanto brincava com a comida. Andrew se inclinou para frente, em
seu assento entre os dois atacantes, as mãos entrelaçadas e pressionadas no rosto para esconder a
boca. Ele assistiu a todos com um olhar semicerrado e nada teve a acrescentar. Quando alguém
cometia o erro de tentar incluí-lo, ele os encarava até que continuassem.

Neil enxergou a estafada troca de olhares entre Matt e Dan, uma óbvia decepção estampada na
carranca de lábios repuxados. Eles haviam feito um verdadeiro progresso nas montanhas, ou assim
acreditavam, porém Andrew havia se fechado novamente sem aviso prévio. Neil queria avisá-los, de
que Andrew estava reservando toda a sua energia para o surto silencioso de Kevin, mas não sabia
como proceder sem despertar a ira de Andrew.

Finalmente, voltaram para o dormitório. Neil seguiu Nicky até o quarto dos primos. Kevin passou
direto para o banheiro, deixando a porta aberta atrás dele. Neil olhou de seu aperto na beirada da
pia, deixando os dedos brancos, para o reflexo de Kevin. Ele não sabia o que colocara aquele olhar
intenso no rosto de Kevin, a menos que estivesse olhando para o número em sua bochecha. Kevin
tinha sido o segundo melhor e de segunda classe toda sua vida. Agora ele tinha a liberdade de
alcançar o posto que sempre merecera e sempre tivera medo de desejar. Neil não o culpava por seu
medo, embora precisasse vê-lo superá-lo.

Quando Kevin deu sinais de que não sairia tão cedo, Neil teve que desistir. Andrew estava sentado
em sua mesa, então Neil sentou ao lado dele. Nicky e Aaron pegaram os puff e jogaram um jogo.
Jogaram três níveis antes de Kevin reaparecer.

Kevin olhou de Neil para Andrew e disse:

– Me leve para o estádio.

Era óbvio que ele não se importava com qual deles faria isso, no entanto, Neil olhou para Andrew.
Andrew tinha a janela aberta, para que ele pudesse soprar a fumaça do cigarro através dela. Estava
apenas na metade, mas não hesitou em apagá-lo no peitoril da janela. Deixou a guimba no canto,
para mais tarde, e deslizou para fora da mesa. Quando estava do outro lado da sala, Neil se levantou
em convite. Kevin não pareceu notar, e Andrew aceitou sua presença com um breve olhar. Nicky se
despediu, uma despedida eufórica e voltou a massacrar monstros.

Eles deixaram Kevin no vestiário e seguiram em direção à quadra. Neil estava próximo à parede,
estudando o piso polido e as brilhantes patas de raposa. Andrew se sentou no banco do time sem
dizer nada. Kevin não os fez esperar muito, apareceu com um balde de bolas em uma das mãos e a
raquete na outra. Neil observou-o atravessar a quadra vazia até a linha do primeiro quarto. Kevin
deixou o balde, ajustou as luvas e começou a atirar no gol vazio.

Andrew tolerou o espetáculo apenas até o balde estar vazio, e, então, se levantou entediado:

– Ele é realmente patético.


– E nós todos não somos? – Neil retrucou sem desviar os olhos de Kevin.

Kevin inspecionou a bagunça ao redor, brandindo a raquete de um lado para o outro. Usou o cabo
da raquete para aproximar algumas bolas perdidas, em seguida, passou a raquete da mão direita
para a esquerda. Neil esperava vê-lo voltar a sua mão direita antes de começar uma segunda rodada.
Em vez disso, Kevin alcançou a bola mais próxima, porém, pegou-a com a mão direita.

Neil socou a parede da quadra com as mãos, em alerta. As reverberações enviaram ardência
constante em cada ferida em cicatrização sobre seus braços, o fazendo soltar um dolorido:

– Andrew.

Kevin ignorou os golpes e deslizou a bola na rede de sua raquete. Deu em sua raquete um
movimento experimental, em seguida, atirou no gol. Neil pensou que ele estaria mirando no mesmo
lugar que esteve acertando nos últimos cinco minutos, mas a bola caiu a meio metro de distância.
Kevin sacudiu a raquete com óbvia irritação e pegou outra bola. Ele fez outro tiro, ainda assim
aterrissou longe do alvo. Kevin sistematicamente atirou o restante das bolas alcançando uma curta
distância. Ele fez seu gol na quinta tentativa, depois, organizou as próximas quatro bolas exatamente
no mesmo lugar.

Neil olhou por sobre o ombro. Andrew se virou para olhar o chamado de seu nome, a expressão
em seu rosto era indecifrável. A contração no canto da boca poderia ter sido desprezo, embora Neil
não estivesse convencido. Finalmente, Andrew se virou abruptamente e saiu. Neil olhou para a
quadra, enquanto Kevin lançava as bolas. Ele cerrou os dentes, preparado para a dor e bateu na
parede novamente.

Kevin apontou sua raquete para Neil, em uma ordem clara para deixá-lo. Neil ignorou o modo
como sua mão pulsava e esquentava, acenando com a mão esquerda para Kevin. Kevin gesticulou em
desprezo voltando a sua tarefa. Neil resistiu à vontade de entrar e esganar Kevin por sua
imprudência, estava quase no limite. Em vez disso, observou Kevin lentamente ganhar velocidade,
indo até as bolas posicionadas para tiros seguidos. Kevin correu em direção as bolas quando elas
rebateram na parede, tentando rebatê-las o mais rápido possível. Desenhou duas cruzes na parede do
gol, os quatro pontos cardeais seguidos pelos quatro cantos, e acerto o centro do gol com cada bola
depois disso.

Neil sentiu calafrios por todo o corpo ao observá-lo, sem saber se era o medo de que Kevin
lesionar-se de novo ou espanto. Ele sempre soubera que Kevin era o melhor, no entanto quase
esquecera como Kevin costumava a ser em seu auge.

Um vulto laranja em sua visão periférica foi o suficiente para distraí-lo de Kevin, e Neil fitou
Andrew colocar o capacete no banco das Raposas. Andrew obviamente notara a atenção, porém
concentrou-se em apertar as luvas. Ele não ia oferecer uma explicação, então Neil perguntou:

– Vai jogar com ele?

– Alguém tem que ficar de olho nesse idiota – respondeu Andrew.

Ele puxou a última trava no lugar, prendeu o capacete e se dirigiu para a porta. Ele não se
incomodou em dar um aviso antes de abrir a porta da quadra, mas Kevin estava de frente para a
porta e parou quando o viu entrar. Ele dirigiu um rápido olhar para Neil. Seu protetor de rosto e a
distância entre eles tornaram impossível ver sua expressão, no entanto, Neil podia adivinhar que
havia algo de acusador. Ele sacudiu a cabeça e deu de ombros exageradamente, tentando transmitir
sua inocência. Andrew fechou a porta atrás de si e se dirigiu para o gol.

Kevin posicionou as bolas novamente na linha do primeiro quarto. Andrew fez um gesto
expansivo, abrindo os braços, ao que quer que Kevin tenha lhe dito e colocou sua raquete
descuidadamente sobre o ombro. Ele se recusou a se mexer, mesmo quando Kevin indicou que estava
pronto. Kevin ficou com a raquete por mais alguns segundos, depois desistiu e deu um tiro. Andrew
nem sequer se mexeu, e a bola passou direto pelo capacete. O gol ficou iluminado em vermelho.
Kevin deu outro tiro, e outro, ficou impaciente e mirou em Andrew. O tiro acertou o capacete de
Andrew que, finalmente, se posicionou em uma posição disposta.

Na vez seguinte em que Kevin atirou no gol, Andrew rebateu diretamente em sua direção. Kevin a
pegou, mas tendo que sair de sua posição. Assim que retornou, apontou para o gol novamente.
Andrew rebateu nos joelhos de Kevin, que se esquivou a tempo. Eles permaneceram nesse jogo de
rebotes por um tempo, antes de Kevin marcar novamente. Kevin marcou mais duas vezes em rápida
sucessão, porém, depois disso, Andrew desviou os tiros com lances impossíveis. Isso fez a velocidade
aumentar.

Já não era mais um treino; era uma batalha. Andrew estava tentando cortar Kevin no rebote, e
Kevin estava desafiando Andrew a manter o ritmo de alguma forma. Exy tinha sido um ponto morto
entre eles desde que se conheceram. Era a parte crítica de sua amizade que Andrew se recusava a
aceitar e Kevin não conseguia consertar, um sonho em que Andrew não acreditava e ao qual Kevin
não poderia desistir. Neil mal podia respirar enquanto os observava duelar. Neil podia enxergar seus
temperamentos começarem a incendiar por pequenas coisas: um empurrão da raquete de Kevin aqui
e ali e a crescente crueldade nas defesas de Andrew.

Era inevitável que Kevin vencesse. Mesmo canhoto, Kevin colocara muito de si em seus treinos
para perder para Andrew aqui. Andrew tinha todo um talento bruto para ser um campeão, mas nada
de delicadeza; ele não superaria Kevin com força bruta solitária. Quando Kevin acertou cinco tiros
seguidos, soltou a raquete e caminhou em direção ao gol. Andrew dependurou sua raquete em seu
ombro e observou-o se aproximar.

Neil esperava que Kevin começasse a gritar. Em vez disso, Kevin agarrou a grade do capacete de
Andrew e o acertou contra a parede do gol. Neil estremeceu, indo em direção à porta, sabendo que
seria tarde demais para impedir Andrew de estripar Kevin, mas precisava tentar. Parou no meio do
caminho, porque Andrew não se mexeu. Seu punho estava ao seu lado em um soco abortado, ele nem
mesmo havia empurrado Kevin. Ele simplesmente ficou lá, parado, e ouviu o que Kevin rosnou em
seu rosto. No final, Kevin o soltou e foi embora. Andrew empurrou-o pelas costas com a cabeça da
raquete, forte o suficiente. Kevin tropeçou e se aproximou da linha do gol novamente.

Alguns segundos depois, estavam de volta como se nada tivesse acontecido, e continuaram até
que Kevin finalmente teve de se sentar. Neil recolheu as bolas da quadra enquanto tomavam banho e,
sabiamente, não disse nada a nenhuma deles. A viagem de volta a Torre das Raposas permaneceu em
silêncio e Kevin foi direto para a cama. Andrew pegou a guimba de cigarro da janela, acendeu e fitou
o campus escuro. Neil observou-o alguns minutos antes de retornar ao seu quarto.

Kevin estava em seu habitual no dia seguinte, dominante e cáustico como sempre. Ele também
retornou à sua mão direita e nada comentou dobre o treino da noite anterior. Neil pensou que, talvez,
ele tivesse forçado a mão pressionando Andrew com tanta obstinação, porém havia retornado à sua
mão esquerda assim que ficou sozinho na quadra naquela noite. Andrew o seguiu novamente, sem
hesitar, e os dois duelaram como se já tivessem esquecido o resultado de ontem. Neil foi relegado a
segundo plano, sem se importar muito. Ele enxergava o futuro em cada disparo e defesa, cada ponto
roubado e frustrado, e ele mal podia respirar através de seu entusiasmo.

Na quarta-feira à tarde, a imprensa apareceu para fazer entrevistas e filmagens. Neil se lembrou
do conselho de Allison, para ser honesto, tentando responder tudo o que pôde suportar. Ele evitou
algumas das perguntas mais cruéis, lembrando-lhes que ainda havia uma investigação em curso
sobre seu pai. Ele não esperava que eles recuassem, no entanto entenderam a dica depois de
algumas tentativas e pularam para outros topcos. Como esperado, perguntaram sobre a gravidade de
seus ferimentos. Neil confirmou que estaria fora do jogo de sexta-feira, mas que voltaria a quadra
para as semifinais. Sua confiança inabalável na capacidade das Raposas arrancou um sorriso por
aqui e um aceno de cabeça ali e estabeleceu que, Nathaniel ou Neil, ou seja lá quem for, o novato das
Raposas era a mesma pessoa que sempre fora. Quando terminaram com ele, continuaram com o
restante das Raposas, até mesmo encurralaram Abby e Wymack. Finalmente, saíram e deixaram as
Raposas se concentrarem em seus treinos.

Na quinta-feira, Neil encontrou Andrew do lado de fora de sua turma. Andrew saiu sem dizer uma
palavra, sabendo que Neil iria segui-lo. Neil ficou contente em acompanhá-lo até perceber que
estavam indo para a biblioteca. Nicky dissera que, no outono passado, Andrew evitara a biblioteca a
todo custo. Neil o tinha visto lá apenas uma vez, em janeiro do ano passado, quando Andrew o
buscou para o treno. Ele poderia ter perguntado o que estavam fazendo ali, mas Andrew falou
primeiro. Estavam a apenas à quatro degraus do segundo andar quando Andrew se virou para Neil.

– Pegue ou eu vou usá-las - disse ele, estendendo as mãos.

Neil olhou para as palmas das mãos vazias, perplexo, em seguida, procurou sob as bainhas das
mangas compridas de Andrew e puxou as bordas das braçadeiras. Ele sabia que havia outra camada
nas braçadeiras de Andrew, as havia manipulado antes, porém o peso ainda o pegou de surpresa.
Enfiou as braçadeiras com suas armas escondidas em sua bolsa. Andrew observou até Neil fechá-la e
dependurá-la sobre o ombro novamente antes de se virar.

Havia apenas uma razão pela qual Andrew entregaria suas facas aqui, na qual Neil não conseguia
acreditar. Ele não se atrasou em pensamentos.

A parede da direita estava equipada de computadores e, ao lado dos computadores, havia grandes
mesas de estudos. Na metade do caminho, Katelyn estava sentada com três estudantes
desconhecidos. O garoto à sua direita gesticulava para seu livro enquanto falava. Katelyn passou uma
caneta pelos cabelos enquanto escutava. Andrew estava a apenas duas mesas de distância quando
ela percebeu, e deu um sobressalto com tanta força que deixou a caneta cair. Andrew lançou-lhe um
olhar frio e continuou. Neil fez uma pausa, para se certificar de que ela compreendia tal mensagem.

Seus colegas trocaram olhares estranhos, assustados com sua reação violenta. Katelyn se virou na
cadeira para olhar Andrew, seguindo um olhar nervoso para Neil. Neil apenas inclinou a cabeça e um
gesto para seguir Andrew.

Katelyn se levantou.

–Volto já.

Andrew deveria ter revisado o mapa da biblioteca antes de vir, pois percorreu em direção a uma
seção tão escura que não havia alunos. Neil notou o isolamento imediatamente, contente por Andrew
lhe ter entregado as facas. Andrew virou no final da fileira, examinando o canto vazio a apenas
alguns passos, e esperou Neil e Katelyn alcançá-lo.

Katelyn cometeu o erro de parar próxima a ele. Mal teve tempo de gritar antes de Andrew agarrá-
la pelo ombro e jogá-la contra a parede. Neil estremeceu ao som que ela fez quando colidiu contra a
parede. Ela tropeçou, mas não caiu e se virou para olhá-lo com os olhos arregalados.

– Por favor – ela disse. – Por favor, eu...

– Cale a boca –, disse Andrew. Ele estendeu o braço, criando uma barricada, batendo sua palma
contra a parede raspando a cabeça dela, a fazendo se encolher. – Não fale. Sua visão é intolerável por
si só. O som da sua voz deixa as coisas a seu favor.

Neil deu um passo cuidadoso em direção a eles, tentando transmitir apoio, apoio silenciosos, no
entanto Katelyn estava com muito medo de Andrew para olhar Neil. Andrew se inclinou para frente,
encarando seu rosto e passando um dedo pela têmpora dela.

– Você é como um tumor – disse ele. – Deveria ter te cortado e jogado fora quando você ainda era
benigno. Agora é tarde demais, então aqui estamos. Não se atreva a falar –, ameaçou Andrew, a voz
selvagem, quando Katelyn abriu a boca. Katelyn franziu os lábios e finalmente lançou um olhar
aterrorizado para Neil. Andrew segurou seu queixo, forçando a voltar sua atenção para ele. – Não me
ignore. Sua vida depende de quão bem você consegue ouvir. Consegue ouvir?

Ela assentiu freneticamente, mas Andrew não a soltou.

– As condições para sua sobrevivência são simples: nunca confunda isso com aceitação e nunca,
nunca, fale comigo. Você faz parte da vida dele, nunca fará parte da minha. Se você esquecer, eu vou
lembrá-la, e você não vai sobreviver à lição. Entendeu?

Andrew esperou que ela assentisse novamente antes de soltá-la. Ele considerou sua mão por um
momento, em seguida, enxugou os dedos na calça, como se pudesse apagar a sensação de sua pele.
Ele lançou um longo olhar para Katelyn, afastando-se da parede e saiu de seu espaço.
– Espero que vocês dois sejam infelizes juntos.

Com isso, ele se virou e foi embora. Neil o seguiu logo atrás, Katelyn soltou um soluço silencioso
atrás dele. Ele hesitou e olhou para ela novamente. Ela cobriu a boca com as duas mãos, abafando o
barulho, mas Neil pôde ver seus ombros tremendo. Neil não era bom em consolar pessoas e, para
começar, não gostava muito de Katelyn, entretanto sentia-se compelido a fazer um esforço grosseiro
vendo que parte disso fora culpa sua.

– Você venceu – disse Neil. Ela apenas o fitou com olhos brilhantes de lágrimas. – Aaron não está
na aula agora, caso você queira ligar para ele.

Ele se virou e a deixou lá, com seu choque e medo. Andrew não hesitou para ver se Neil o seguia.
Neil correu atrás dele e chegou às escadas. Andrew saiu pela porta da frente para uma tarde
ensolarada. Neil o deixou seguir alguns passos, só até o corrimão de entrada que oferecia uma vista
do campus, antes de agarrar seu cotovelo. Andrew se desvencilhou, mas parou.

Neil ficou onde podia enxergar o rosto de Andrew.

– O que fez você mudar de ideia?

Andrew o ignorou. Neil encostou as costas no corrimão e olhou além de Andrew, para a biblioteca.
Ele revirou o que acabara de acontecer em sua cabeça, imaginando como Aaron reagiria quando
Katelyn o ligasse aos prantos. Tinha grande potencial de tornar o treino desconfortável, embora Neil
duvidasse que Aaron pudesse aguentar sua irritação por muito tempo. Aaron sabia, de antemão,
como os métodos de Andrew eram insensíveis e que ele, finalmente, havia conseguido o que queria.
Se os fins justificassem os meios, para ele, então confortaria Katelyn adequadamente, mas nunca
celebraria tais ameaças de seu irmão.

– Isso me fez lembra, agora é um mau momento para eu aproveitar meu bônus? – Neil interpretou
o silêncio de Andrew como bem entendeu e disse: – Quem disse “por favor” que te fez odiar tanto a
palavra?

Andrew olhou para ele em silêncio por um minuto.

– Eu disse.

Neil não sabia qual resposta esperava, mas não era essa. Ele sentiu o palpitar em seu peito, afiado
e surpreendente. Abriu a boca prestes a dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas o que poderia dizer
sobre algo dessa natureza?

Andrew tolerou seu olhar vazio por apenas alguns segundos antes de descartá-lo como
inconsequente e desinteressante.

– Ele disse que iria parar se eu falasse isso.

– E você acreditou nele – adivinhou Neil.

– Eu tinha sete anos – disse Andrew. – Acreditei nele.

– Sete – repetiu Neil estupidamente.

Andrew permaneceu na casa dos Spears até os doze anos. Antes de Drake transformar a vida de
Andrew no inferno. Andrew passara por doze casas diferentes, Andrew dissera a Neil, na semana
passada, que nenhuma delas foram boas. Neil não perguntara o quão ruim haviam sido; ele supôs
que, de longe, Drake era o pior de todos.

Neil se arrependeu de perguntar, porém, era tarde demais para voltar atrás.

– Você... – começou Neil, mas as palavras falharam.

Ele procurou pela mentira no olhar calmo de Andrew, não a encontrou. Andrew quase tinha
matado quatro homens por agredir Nicky e teria quebrado o pescoço de Allison por bater em Aaron,
mas quando se tratava de crimes contra sua própria pessoa, Andrew não se importava. Ele mantinha
sua vida com menos consideração do que qualquer outra coisa. Neil odiava essa atitude com uma
ferocidade nauseante.

– Depois de tudo o que fizeram com você, como você consegue me suportar? – indagou Neil. Ele
não estava disposto a colocar os detalhes em palavras com tantas pessoas ao redor. Ele duvidava que
alguém estivesse prestando atenção, mas não ia se arriscar. Ele gesticulou entre eles, sabendo que
Andrew entenderia. – Como isso é possível?

– Não é “isso” – refutou Andrew.

– Não é o que estou perguntando. Você sabe que não é. Andrew, espere –, ele insistiu, porque
Andrew estava se afastando como se não conseguisse mais ouvir Neil.

Neil estendeu a mão até ele, não querendo deixá-lo ir sem uma resposta sincera.

– Não –, disse Andrew, e a mão de Neil congelou no braço de Andrew.

Andrew também ficou parado, ambos ficaram parados, em silêncio por um minuto terrível.
Finalmente, Andrew olhou para ele, mas por um momento Neil não sabia para quem estava olhando.
No espaço de uma respiração, a expressão de Andrew ficou tão sombria e distante que Neil quase
recuou. Então voltou, tão calmo e indiferente como sempre, e agarrou o pulso de Neil empurrando a
mão para o lado. Os dedos cravados antes de soltá-lo, não forte o suficiente para machucá-lo, e disse:

– É por isso.

Neil parou quando Andrew lhe pediu. Não foi muito, porém mais do que suficiente. Neil conseguiu
acenar com a cabeça, entorpecido demais para falar, e observou Andrew se afastar dele.

Kevin jogaria com a mão direita esta noite, sexta-feira. Neil começou a dizer algo sobre isso, no
entanto, o olhar de reprovação que Kevin lhe enviou matou suas perguntas. Dan confundiu a
expressão de Neil com preocupação, o parando na entrada para tranquiliza-lo.

– Vamos conseguir - ela prometeu.

– Eu sei –, assentiu ele, e o sorriso de Dan foi de orelha a orelha.

Dan foi para a meia-área como o segundo atacante das Raposas, o restante se posicionaram atrás
dela assim que seus nomes foram chamados. Renee e Nicky foram deixados de canto com Neil, como
reservas da noite. Renee entraria para substituir a defesa, já que os Furões partiriam para cima dos
defensores, e Andrew permaneceria no gol durante toda a partida.

Os Furões de Binghamton pisaram na quadra com arrogância palpável. Neil não os culpava por
seu excesso de confiança, considerando o estado lastimável das Raposas esta noite, embora também
não precisasse perdoá-los. O estádio rugiu animadamente enquanto os últimos dez segundos
diminuíam. Os Furões fizeram o primeiro saque e o jogo ficou violento no primeiro minuto. Neil levou
dez minutos para perceber que os Furões estavam tentando eliminar outro jogador. As Raposas já
eram uma equipe desfalcada. A baixa em mais outro jogador acabaria com suas oportunidades.

Os palavrões de Wymack, ao seu lado, diziam que ele entendia o porquê cartões amarelo estavam
aparecendo em todos os cantos. Abby descarregou o kit de primeiros socorros e esperou o primeiro
ferido. Nicky rimava versos irritados e gritava insultos criativos aos Furões pelas paredes. Renee
tentou calá-lo quando ele ficou muito exaltado, mas não disse mais nada. Neil tentou se alimentar da
calma de Renee, embora ele pudesse sentir seu sangue começar a ferver enquanto assistia Allison
cair novamente. Por trás dessa indignação crescente, estava o frio do inevitável. As Raposas só
podiam tolerar esse tipo de jogo por algum tempo. Eles foram ignorados e pisoteados a maior parte
de suas vidas; a quadra era o último lugar onde tolerariam esse tipo de insulto. Seth teria desferido
um soco oito minutos atrás. Os outros surtariam em pouco tempo.

Exceto pelos minutos que se passaram, dois Furões foram expulsos com cartões vermelhos, e as
Raposas permaneceram calmas. Eles permitiram que os tiros fossem laçados, raquetes caíssem e
cederam espaço quando pressionados. Matt nem sequer revidou quando o atacante, a quem marcava,
lhe deu um soco. Abaixou os braços e deixou os socos o acertarem até que os árbitros os separaram.
Dan marcou no tiro de falta e abraçou Matt em seu caminho de volta para a meia-área. Neil observou
a breve troca e finalmente relaxou.

Hoje à noite, As Raposas haviam escolhido a vitória acima de seu orgulho.

Foi um sacrifício necessário, que lhes custou todo o peso físico e emocional. Eles passaram a
maior parte do intervalo fumegando, muito zangados com seus oponentes para apreciar o quão bem
estavam indo. Wymack suavizou sua recapitulação no intervalo, não querendo aflorar os ânimos de
alguém com sua atitude brusca de sempre. Se eles entenderam, não deram nenhum sinal disso.

Wymack olhou em volta quando terminou e perguntou:

– Alguém mais tem algo a dizer?

Dan bateu a ponta de sua raquete contra o chão.

– Estamos na metade do caminho. Vamos limpar o chão com a cara desses idiotas e depois ficamos
bêbados. Digam que alguém tem bebida no quarto. A ABC vai tá fechada quando o jogo terminar e eu
só tenho meio litro de cerveja sobrando.

Nicky fez uma careta ao olhar de expectativa que Dan lhe enviou.

– Não é suficiente para compensar. Nós bebemos a maior parte na segunda-feira.

– Já é melhor que nada, eu acho – disse Matt, um pouco abatido.

– Katelyn tem algumas –, disse Aaron, sem atentar-se ao ajuste que fazia em sua rede. – Com ela e
as Volpinas, eu acho que conseguimos algumas grades.

A surpresa apagou a decepção dos rostos de seus companheiros de equipe; as Raposas olharam
rapidamente para Aaron e Andrew enquanto esperavam por uma reação. Andrew estava, como
sempre, parado sozinho no outro extremo da sala. Sem dizer nada, sua expressão entediada não fez
nada além de se contrair ao som do nome de Katelyn.

Aaron finalmente levantou o olhar, olhando para Dan, não para Andrew.

– A menos se você não quiser?

Dan olhou para Andrew cautelosamente.

– Hum, sim. Claro. Se elas têm alguma coisa para compartilhar, quanto mais, melhor. Tudo bem?

Essa última foi dirigida a Andrew, uma indireta cuidadosa aguardando uma reação violenta.
Andrew olhou para o espaço e continuou ignorando a todos.

Aaron acenou com a cabeça, como se não fosse uma estranha reviravolta nos acontecimentos, e
abaixou a raquete.

– Vou contar quantas pessoas quando voltarmos. Podemos emprestar a sala de estudo do porão de
novo.

– Eh –, disse Matt.

– Não –, disse Neil, o cortando antes que Matt pudesse perguntar o óbvio.

Nicky seria o mais difícil de calar a boca, dando uma cutucada em Aaron. Aaron o dispensou com
um rápido e entediado movimento de mãos. Nicky lançou um olhar, de olhos arregalados para
Andrew, que não devolveu. Felizmente, o sinal de alerta soou antes que a língua de Nicky o colocasse
em apuros.

Wymack fez suas Raposas se levantarem.

– Levantem e saíam. Temos uma equipe para mandar para casa chorando. Vocês podem fofocar no
tempo livre.
O segundo tempo foi tão duro quanto o primeiro, contudo o intervalo tinha restaurado o ânimo
das Raposas. Enviar Aaron e Nicky juntos para começar o segundo tempo foi a melhor decisão
tomada por Wymack durante a noite inteira. Aaron jogou com energia e foco que Neil nunca tinha
visto antes, e a empolgação de Nicky lhe deu uma vantagem necessária. Andrew permaneceu firme
atrás deles, observando seus pontos cegos. O trabalho de equipe impecável permitiu que o ataque se
mantivesse pressionado no quarto quarto. Quando Matt e Renee entraram em quadra, aos vinte e
cinco minutos, Dan e Kevin partiram com tudo.

O sinal final anunciou uma vitória de sete a cinco, vitória das Raposas. Neil e os substitutos
invadiram a quadra assim que os árbitros abriram a porta. As Raposas reservaram apenas alguns
segundos de comemoração; eles haviam aturado o suficiente dos Furões para permanecer por mais
tempo e prefeririam aproveitar seu sucesso com garrafas em suas mãos. Ambos fizeram o apertos de
mão o mais rápido que podiam.

Aaron foi um dos primeiros a sair de quadra. Empurrou a raquete para Nicky e largou o capacete
e as luvas a caminho das líderes de torcida. Katelyn jogou seus pompons de lado quando ele se
aproximou e pulou em seus braços para beijá-lo. As Volpinas saltaram ao redor deles, aplaudindo e
acenando para a multidão.

– Puta que pariu! – exclamou Nicky, desviando deles para o semblante inexpressivo de Andrew. –
Caralho, eu to sonhando?

Foi a vez de Kevin de lidar com a imprensa, antes, enviando a Neil um olhar significativo. Neil não
tinha nada a acrescentar, uma vez que havia ficado fora de ação a noite toda, mas se aproximou, caso
Kevin precisasse redirecionar qualquer coisa de seu modo. Kevin ofereceu seu melhor sorriso, pronto
para as câmeras, antes de apontar para Andrew, para que se aproximasse. Andrew ocupou uma
posição ao lado de Neil, sem olhar para os repórteres. A entrevista começou previsível, com
comentários sobre o jogo e os pontos impressionantes que Kevin havia marcado.

Neil não se ateve muito à entrevista, até Kevin ser questionado sobre as semifinais. Os Furões
voltaram para casa como a equipe de menor pontuação nesta rodada eliminatória. Em duas semanas,
as Raposas enfrentariam duas das Três Grandes.

– Estou ansioso para jogar contra os Troianos novamente – declarou Kevin. – Não tenho falado
com Jeremy ou com o técnico Rhemann desde que me transferi, a equipe deles é sempre incrível. A
temporada deles foi quase impecável este ano. Temos muito o que aprender com eles.

– Você ainda é o maior fã deles –, brincou a entrevistadora. – Vocês também vão enfrentar Edgar
Allan novamente, na maior revanche do ano. Alguma ideia sobre isso?

– Não quero mais falar sobre os Corvos –, respondeu Kevin. – Desde que minha mãe morreu tem
sido os Corvos isso os Corvos aquilo. Não sou mais um Corvo. E nunca serei um novamente. Para ser
honesto, acima de tudo, eu nunca deveria ter sido um. Eu deveria ter ido diretamente ao treinador
Wymack no dia em que descobri que ele era meu pai e pedir para iniciar meu primeiro ano na
Palmetto State.

– O dia... – A repórter ficou sem palavras, depois disse: – Você disse que o treinador Wymack é seu
pai?

– Sim, foi o que eu disse. Descobri quando estava no ensino médio –, disse ele, – mas não contei a
ele porque achava que queria ficar em Edgar Allan. Naquela época, eu achava que a única maneira
de ser um campeão seria sendo um Corvo. Cai nessa mentira de que eles me tornariam o melhor
jogador. Eu não deveria ter acreditado; Tenho usado esse número há bastante tempo para saber que
não era o que eles queriam para mim.

– Todo mundo sabe que os Corvos estão tentando serem os melhores. Melhor dupla, melhor
formação, melhor equipe. Isso é jogado na sua cara dia após dia, fazem você acreditar, fazem você
esquecer que no final o melhor vai ser apenas um. Fazem você omitir coisas, torcedores praticando
vandalismo ou o ERC envolvido nos seus esquemas. Eles não estão mais a fim de jogar, eles já vão
pulando direto para a rodada eliminatória. Sabia que eu nunca fui esquiar? Gostaria de tentar um
dia.
Era informação de mais para ela entender o significado daquele último comentário, no entanto
levaria alguns segundo para processar a informação. Neil entendeu imediatamente, e a adrenalina
que inundou suas veias fez com que ele cambaleasse um pouco. Ele lançou um rápido olhar para
Andrew, que não retornou, mas estava definitivamente prestando atenção. O olhar que ele havia feito
atrás de Kevin era intenso.

Kevin não esperou até que ela o entendesse.

– Avise aos Corvos para estarem preparados para nós, você poderia? Estamos prontos para eles.

Kevin deu às costas e foi embora. A entrevistadora olhou para ele por um momento interminável,
depois virou-se para a câmera e começou a divagar sobre tudo o que Kevin acabara de dizer. Neil e
Andrew não ficaram para assistir o resumo, ou especulações, seguindo logo trás de Kevin.

Kevin não parou nem olhou ao redor, atravessando em direção ao vestiário, passou direto por seus
companheiros comemorando no saguão. Largou o capacete e as luvas no caminho pelo vestiário e
agarrou a borda da pia. Ele cambaleou um pouco como se suas pernas quisessem se render, suas
mãos tremiam com tanta violência que Neil podia vê-la da porta. Em vez de cair, ele se inclinou para
frente, encostando a testa no espelho.

– Nós todos vamos morrer –, disse Kevin por fim.

– Não, não vamos –, refutou Neil.

Kevin pensou nisso por um minuto, depois se aprumou. Depois de encarar seu reflexo por uma
eternidade, levantou a mão e cobriu a tatuagem no espelho. O resultado enviou um tremor estranho
ao longo dos ombros de Kevin. Neil não sabia se era aprovação ou medo. A única coisa que importava
era que Kevin assentiu e se virou para eles. Primeiro olhou para Neil e depois para Andrew.

– Temos muito trabalho a fazer.

– Amanhã –, disse Andrew, ignorando a forma como Neil olhou para ele.

Kevin aceitou a promessa com um aceno de cabeça. Ele e Andrew foram para o chuveiro. Neil
estava limpo, então voltou ao saguão, encontrando o restante de seus companheiros. Eles se
acalmaram um pouco com a chegada.

Dan gesticulou passando por Neil em direção ao vestiário.

– O que aconteceu?

Neil contou nos dedos.

– Kevin contou que o treinador é seu pai, disse que nunca voltaria a Edgar Allan e chamou os
Corvos de duas caras. Ah, – ele disse, erguendo o olhar de sua mão –, e insinuou que sua lesão não foi
um acidente. Em poucas palavras, mas não vão demorar muito para descobrir o que ele quis dizer.

Dan ficou boquiaberta.

– O que?

– Ótimo! – disse Wymack. – Ele está se transformando em outro você. Era exatamente o que eu
estava precisando.

– Pelo menos você pode pagar um seguro de vida legal para um deles –, comentou Nicky.

– Vaza –, cuspiu Wymack. – Todos, caiam fora. Tomem um banho antes que essa catinga me mate.

Neil esperou com Wymack e Abby no salão enquanto as Raposas tomavam banho e se vestiam.
Wymack ligou a televisão e viu o resumo pós-jogo com partes da entrevista de Kevin. Um
comentarista esportivo chamou a declaração de invejosa e sensacionalista; outro se referia à
facilidade com que Edgar Allan permitira que Kevin saísse e por quanto tempo Kevin e Riko
permaneceram fora de vista depois do suposto acidente. O terceiro foi mais neutro, porém relembrou
o programa de Kathy Ferdinand, em agosto. Kevin ficara cauteloso e quieto assim que Riko
aparecera, talvez eles finalmente tivessem uma explicação para o inesperado antagonismo de Neil e
a firme defesa de Kevin.

Wymack desligou a televisão enquanto suas Raposas começavam a entrar. Quando todos estavam
sentados, deu uma breve olhada.

– Vou ser breve. Vocês têm uma festa bem merecida. Vamos rever os detalhes essenciais e
ridículos na segunda-feira de manhã, como de costume. Este não foi o jogo mais limpo que vocês já
jogaram, mas foi de longe o mais maduro. Fizeram o que tinham que ser feito e saíram por cima.

– Além disso: bem-vindos às semifinais. Vocês, Troianos e Edgar Allan. Vamos enfrentar o que
restou dos Três Grandes. Não, não façam essa cara –, disse Wymack, pois Dan empalideceu um pouco
antes daquele lembrete. – Não tenham medo. Sejam encrenqueiros. Fiquem orgulhosos. Ninguém
pensou que vocês chegariam tão longe –, ninguém exceto as pessoas nesta sala. É mérito de vocês.
Vocês conquistaram –, ele enfatizou, com outro olhar ao redor. – Agora saiam e se acabem.

– Com cuidado –, aconselhou Abby. – Fora da estrada, longe de vista, longe de problemas. De
acordo?

– Sim, mãe –, brincou Nicky.

– Não vamos sair do quarto –, prometeu Dan.

O congestionamento fez a viagem de volta a Torre das Raposas interminável. O silêncio sepulcral
no carro de Andrew não ajudou. Aaron parecia feliz, encostado na janela, e Nicky praticamente
vibrando de emoção, porém ninguém comentou.

Sair do carro novamente foi quase um alívio, e Neil ajudou seus companheiros a carregarem o que
havia sobrado de bebida a uma das salas do porão. No momento em que Matt e Nicky limparam as
mesas, as Volpinas começaram a aparecer. Andrew observou a chegada agarrando a alça da garrafa
de vodca e saindo novamente.

– Aham –, disse Nicky, cutucando com o cotovelo. Neil tentou um olhar neutro que não enganou
Nicky. – Sacou que vamos ficar fora do quarto por algumas horas, certo? Vá logo.

– Estou bem, aqui –, disse Neil.

– Tchau –, lhe disse Dan, aparecendo do nada do outro lado de Neil. – Primeira regra de namorar
na faculdade: nunca desperdice um quarto vazio.

Neil queria dizer-lhe que eles não estavam namorando, e Andrew poderia aceitar ou ignorar sua
presença a qualquer momento. Ele queria ficar e celebrar o brilhante sucesso de seus companheiros.
Queria assistir como Aaron se tornara uma pessoa completamente diferente e com Katelyn ao seu
lado. Todavia, metade do esquadrão de lideres de torcida já estava presente, ocupando o quarto com
risadas estridentes e perfume cítrico, e o barulho no corredor dizia que mais alunos estavam a
caminho. Neil não tinha nada contra as lideres de torcida, no entanto, se pudesse escolher entre
brincar de ser amigável com conhecidos de vista por horas ou irritar Andrew em particular, a última
era a escolha óbvia.

– Vocês foram incríveis esta noite, – disse Neil, porque eles mereciam pelo menos isso antes de
perderem a sobriedade. – Todos vocês.

– Sem essa –, disse Dan alegremente, mas seu sorriso mostrava que havia apreciado o elogio, de
qualquer maneira. – Nós vamos conversar sobre o jogo na segunda-feira, lembra? Esta noite é para
beber loucamente. Agora saia daqui e vá dar uns amassos.

– Falando em dar amassos –, disse Nicky em alemão, voltando-se para Aaron, que o olhou. – Como
de repente ele concordou? O que diabos você fez?

– Eu devolvi o favor –, disse Aaron com um olhar frio na direção de Neil. – Neil usou Katelyn
contra mim, então eu usei Neil contra ele. Depende do seu ponto de vista, Neil violou o nosso acorde
envolvendo Katelyn. Andrew poderia quebrar o nosso acordo e me deixar livre, ou romper as coisas
com Neil.

Neil falava alemão fluentemente, ainda assim, a pronúncia de Aaron era desastrosa que ele
sequer conseguiu entender. Aaron havia avisado Neil que ele estava pronto para lutar por Katelyn,
porém, se Neil fosse a munição que Aaron diz ter usado, Aaron deveria ter perdido. Deveria de ser
um mal-entendido, ou uma visão distorcida de Aaron sobre as intenções de Andrew.

Nicky falou primeiro.

– Espere, ele escolheu Neil em vez de você? Soa um pouco sério de mais para ser só uma
aventura, estou errado? – Nicky olhou de rosto inexpressivo e Neil hesitou. – Novidades para você
também, hein?

Aaron ignorou Nicky e jogou uma chave para Neil.

– Você vai trocar de quarto comigo amanhã. Agora posso levar Katelyn para o quarto, e não vou
enfiá-la no mesmo quarto que Andrew, se eu puder evitar. Mesmo ele concordado em se afastar, eu
ainda acredito nas ameaças dele.

– Vou fazer as malas de manhã –, disse Neil.

Aaron se virou para Katelyn.

Nicky ainda olhava para Neil como se fosse o maior mistério do mundo. Neil escapou antes que
Nicky dissesse mais alguma coisa e subiu as escadas. A porta de Andrew estava trancada, no entanto,
a chave de Aaron o deixou entrar. Encontrou Andrew enterrado em um puff com a garrafa de vodka
na mão. A televisão desligada, mas Andrew estudava a tela como se pudesse enxergar algo em sua
superfície escura. Ele não perguntou como Neil havia entrado. Talvez ele e Aaron já tivessem
conversado sobre as seguintes mudanças.

Neil fechou a porta e atravessou a sala, ao lado de Andrew.

Andrew permitiu-o que tomasse a vodka sem questionamentos ou resistência. Neil enroscou a
tampa e colocou-a onde nenhum deles poderia derrubá-la. Andrew estava pronto, quando Neil se
virou para ele, agarrando a gola de Neil para derrubá-lo. Neil cravou uma mão no carpete áspero,
mantendo-se afastado do corpo de Andrew. A outra enterrou no puff. Andrew deslizou a mão pelo
braço de Neil, do ombro até o pulso.

– Da última vez que verifiquei, você me odiava –, começou Neil, entre os lábios de Andrew.

– Tudo relacionado a você –, concluiu Andrew.

Neil levantou-se um pouco.

– Não sou tão idiota quanto você pensa que sou.

– E eu não sou tão inteligente quanto pensava –, disse Andrew. – Deveria saber quando fiz isso de
novo. Talvez seja o traço autodestrutivo em mim?

Se não fosse por esse “de novo”, Neil pensaria que tivesse relação com a terrível conversa de
quarta-feira. Neil revisou todas as possíveis explicações o mais rápido, desde os avanços rejeitados
por Roland, dos complicados problemas familiares de Andrew, até as Raposas e Drake. A pressão em
seu pulso finalmente levou seus pensamentos para onde deveria estar. Em uma ocasião, Neil
perguntou a Andrew se ele o mataria se contasse alguma coisa. Deveria ter pensado melhor do que
dizer uma coisa dessas depois de ver as cicatrizes de Andrew.

Andrew havia quase se matado tentando permanecer com Cass Spear, mas ainda assim, mesmo
assim, ele a havia perdido no final.

– Não sou uma mera ilusão –, disse Neil. – E eu não vou a lugar nenhum.

– Eu não te perguntei.

– Pergunte –, insistiu Neil – ou fique tempo suficiente para descobrir sozinho.

– Logo vou ficar entediado de você.

– Tem certeza? – indagou Neil. – Dizem por ai que sou bastante interessante.
– Não acredite em tudo que você ouve por ai.

Neil ignorou a rejeição, porque Andrew já estava o derrubando sobre o chão novamente. Eles se
beijaram até Neil se sentir tonto, até que não tivesse certeza de que poderia aguentar mais, e então
Andrew puxou a mão de Neil para longe do puff. Ele a manteve, longe deles por uma eternidade,
então a pressionou lentamente contra seu peito e a soltou. Andrew ficou tenso sob a mão de Neil,
relaxando antes que Neil pudesse se afastar.

Neil não se deixou enganar. Andrew deixara bem claro, na primeira vez que o beijou, o quão
importante era um sim verdadeiro. Esta rendição casual não era um consentimento genuíno. Andrew
estava a fazendo por causa do que haviam dito na quarta-feira, mas Neil não sabia ao certo qual
deles Andrew estava tentando convencer. Apenas três meses se passaram desde o abuso de Proust, e
quatro meses desde o ataque de Drake. Neil não sabia quando Andrew ficaria bem com isso, embora
soubesse que não seria hoje. Neil manteve a mão em Andrew, recusando-se a movê-la daquele lugar.

– Não vou ser como eles –, disse Neil. – Não vou deixar que você me veja como eles.

– Cento e um –, retrucou Andrew, – indo para cento e dois.

– Você é um péssimo mentiroso –, acusou Neil, e Andrew beijou-o em silêncio.


CAPÍTULO DEZOITO

No sábado de manhã, Wymack chegou à Torre das Raposas com uma convidada. A porta do
quarto de Andrew estava escancarada, enquanto Neil e Aaron trocavam de quartos, mesmo assim
Wymack se contentou em bater no batente da porta. Neil voltou-se para o primeiro sinal de
movimento, mas esqueceu o que diria assim que viu a mulher ao lado de Wymack.

Theodora Muldani era uma antiga defensora dos Corvos, que agora jogava pelo Houston Sirens e
na Seleção Nacional. Seu cabelo negro e grosso estava trançado e repuxado para trás, o iluminador
nude cintilante parecia surpreendentemente brilhante em sua pele escura. Sua expressão dura era a
mesma que dava às câmeras quando os flagrava filmando-a. O vestido curto não cobria suas pernas
longas e torneadas e braços esculpidos. Ela aparentava conseguir sustentar uma briga contra Matt.
Neil apostou que ela deveria ser o inferno absoluto em jogo, um tanque imóvel, indiferente aos
atacantes oponentes, estúpidos o suficiente para se opor a ela.

– Kevin –, Neil o chamou.

Kevin estava plantado diante da televisão, com o laptop aberto no colo, enquanto observava a
repercussão dos comentários incendiários da noite anterior. Nenhum deles esperava grande coisa. Os
Corvos negaram tudo, é claro, no entanto, somente comentários sobre o que eles realmente
acreditavam. A equipe estava acostumada a uma hierarquia violenta e punições severas, mas ferir
voluntariamente um deles – de todos, ferir Kevin Day – parecia improvável até mesmo para eles.
Ninguém nos Corvos estava presente quando Riko fraturou a mão de Kevin. Jean fora a única
testemunha, e, também, o único que a imprensa ainda não havia encontrado para entrevistar.

– Kevin –, Neil o chamou novamente, no entanto, Thea não esperou por mais tempo.

Ela passou por Wymack e atravessou a sala até Kevin. Kevin estava muito absorvido para se
preocupar com quem se aproximava, então Thea pegou seu laptop e o jogou de lado. Kevin ergueu
um olhou surpreso, a boca aberta com uma resposta fulminante que ele abortou assim que
reconheceu a convidada. Thea agarrou seu pulso esquerdo e puxou seu braço onde ela podia ver as
cicatrizes nas costas de sua mão. Kevin deixou-a tocar, atordoado demais para se defender. Thea
examinou as linhas brancas através de sua pele clara e lançou um olhar semicerrado para Neil.

– Fora daqui.

Neil não sabia exatamente o que havia chamado à atenção de Andrew, o ruído de laptop de Kevin
jogado no tapete ou a voz feminina desconhecida, ele se materializou no batente da porta um
segundo depois. Olhou de Thea para Kevin, e vice versa, sem intervir. Neil não deveria ter ficado
surpreso; Renee só sabia sobre o relacionamento de Thea e Kevin por causa de Andrew. Andrew
sabia que Thea não era uma ameaça real para ninguém ali.

Thea foi menos tolerante e voltou seu olhar para Andrew.

– Você também, fora.

Andrew a olhou como se ela nem tivesse aberto a boca.

– Thea –, Kevin finalmente disse, e se levantou. – O que você está fazendo aqui?

Thea cortou um olhar duro de Kevin para a TV, mas tudo o que ela disse foi:

– Ou eles vão sair ou eu vou ter que tirá-los. Não vou falar com você na presença de estranhos.

– Nós somos estranhos –, disse Kevin. – Eu não sou mais um Corvo.

Ele não disse “E você também não é”. Mesmo Thea tendo se formado em Edgar Allan, há quase
três anos atrás, ainda usava o número de sua camisa em um pingente em volta do pescoço. Isso fez
Neil se perguntar como os Corvos agiam depois que deixavam o Ninho. Talvez demorassem anos para
se recuperar. Talvez nunca consegam. Talvez carreguem os cacos de Evermore com eles pelo resto de
suas vidas.

O olhar no rosto de Thea mostrou que ela não estava nada impressionada com a lógica de Kevin.

– Vou contar até três. Um.

– Pare com isso –, Kevin a interrompeu. – Vamos conversar.

– E agora você quer conversar –, disse Thea, um pouco sarcástica. – Dois.

– Eu sempre quis contar, mas foi complicado.

– Complicado –, repetiu Thea. As aspas que ela fez com os dedos pareciam sarcásticas e ferozes. –
“Complicado” foi descobrir em uma entrevista que você havia quebrado sua mão e deixado o time.
“Complicado” está sendo descobrir, da pior maneira, que você se desconectou do seu antigo número
e ter que ouvir de Jean que você não quer mais ligação com nenhum de nós. Não se atreva a usar
“complicado” comigo. Mereço algo melhor que isso. Três.

Ela se virou para sair, mas Kevin segurou seu pulso.

– Jean –, disse Kevin, e, de alguma forma, respondeu a todas as acusações dela. A contração nos
lábios de Thea era mais de raiva do que incompreensão. Kevin sacudiu a cabeça e insistiu: – Se você
for acreditar em mim, precisa ver Jean primeiro.

– O que sobrou dele, de qualquer maneira –, comentou Wymack. Ele ignorou o olhar penetrante
que Thea lhe enviou e olhou para Kevin, atrás dela. – Vim trazê-la ao dormitório, mas ela tinha
pegado um carro alugado no aeroporto. Vá com ela até a casa da Abby, quero entender o que diabos
está acontecendo aqui.

Thea hesitou por um momento, em seguida, se livrou de Kevin que gesticulou para segui-la.
Wymack se afastou para que pudessem sair e os observou desaparecer no corredor. Neil sabia que
eles estavam fora de vista quando Wymack voltou-se para o quarto. Wymack examinou a bagunça que
Neil e Aaron haviam feito no local, suas coisas em pilhadas quase que organizadamente por toda a
sala, e ergueu uma sobrancelha para Andrew.

– Liguei para Nicky antes de vir, para me certificar de que vocês estavam aqui –, disse Wymack. –
Quando ele me contou o que Neil e Aaron estavam fazendo, eu pensei que ele estava de putaria com
a minha cara.

Não era uma pergunta, então Andrew apenas o fitou em silêncio.

Wymack continuou um segundo depois.

– Vou enviar os pedidos de quartos dentro de algumas semanas. Com nove homens e seis
mulheres na equipe, é mais fácil conseguir cinco quartos de três pessoas. Eu havia preparado um
discurso para conversamos sobre isso, mas suponho que perdi meu tempo. Devo supor que seja
melhor para Nicky ficar longe de você?

– Quem tá supondo que ele vai sobreviver até o verão é você –, disse Andrew.

– Machuque ele e você vai ficar me devendo um defensor novo –, disse Wymack.

– Você tem um na casa da Abby.

Wymack meneou a cabeça.

– Jean não vai ficar no próximo ano. Eu já sugeri isso antes, mas ele e Kevin sabem que não podem
jogar juntos novamente. Há muitas coisas acontecendo entre eles, boas, más e horríveis, para
fazerem as coisas corretamente. Vamos descobrir o que fazer com ele em breve.

Neil o considerou antes de olhar para o lado de Wymack, em direção à porta.

– Você não acha que Kevin vai contar a Thea toda a verdade, acha?
– Improvável –, respondeu Wymack. – Temos muitos olhos em cima de nós agora e a maioria não é
amigável. Não acho que ele vá colocá-la em risco assim.

Wymack esperou um minuto, para ver se Neil tinha mais alguma coisa a dizer, depois começou a
se virar para sair. Ele só deu um passo antes de retornar.

– Ah, acabo de me lembra. – Ele tirou algo do bolso. Talvez sabendo que Andrew não faria o
esforço de pegá-lo, então ele o jogou no chão perto de seus pés. As chaves tilintaram ao atingirem o
tapete e Neil olhou incrédulo. Não podia estar certo, exceto que no último verão Wymack lhe dera
três chaves também: para todas as portas importantes do Foxhole. As suspeitas de Neil foram
confirmadas quando Wymack disse: – Kevin disse para lhe dar essas.

Ele saiu sem esperar por uma resposta.

Andrew considerou um minuto até que finalmente pegou as chaves e guardou-as no bolso. Neil
sabia o suficiente, ainda assim, seu coração estava acelerado quando fitou sua mesa. Ele imaginou
um mundo em que Andrew realmente se importava em jogar. Imaginou mais quatro anos com as
Raposas e um contrato profissional depois disso. Imaginou disputar por uma vaga na Seleção
Nacional e enfrentar o melhor que o mundo tinha para oferecer, com Kevin ao seu lado e Andrew a
tiracolo.

Sonhar acordado era distorção de mais, mas, por fim, Neil conseguiu acomodar tudo em seu novo
quarto. Ainda faltavam horas para Kevin voltar, e Neil já estava dormindo sobre um livro em sua
mesa. O som da porta abrindo o acordou e Neil aprumou-se, analisando a expressão relaxada de
Kevin. Neil supôs que significava que havia convencido Thea do papel de Riko no “acidente”.

Kevin não adentrou o suficiente na sala, olhando de Neil para onde Andrew estava enterrado em
um puff.

– Vamos.

Neil olhou para Andrew, sem precisar se preocupar. Andrew se levantou sem comentar ou
argumentar, e juntos seguiram Kevin até o Foxhole.

Os estádios dos Troianos e Raposas eram de magnitude similar, mas a combinação de vermelho
escuro e dourado fazia o estádio da USC parecer consideravelmente menor. De qualquer maneira,
essa ilusão em nada ajudou as Raposas se sentirem melhor dentro do pátio interno. Eles tinham se
certificado de chegar meia hora antes da abertura dos portões para o grande público, precisando de
tempo para se estabilizarem mentalmente para a próxima partida. Por enquanto, eles estavam
sozinhos. Em noventa minutos, eles enfrentariam a equipe número dois do país.

– É –, disse Matt, o primeiro a falar desde que a segurança os deixou entrar. – Sem problemas.

Nem mesmo Kevin tinha algo a dizer, mas certamente por estar muito ocupado absorvendo a
euforia de estar novamente ao território dos Troianos. Sua expressão feliz estava em total desacordo
com o nervosismo e temores evidentes nos rostos de seus companheiros. Neil queria dizer-lhe para
abaixar a bola, no entanto não conseguia se lembrar da última vez em que vira Kevin de bom humor.

Os portões se abriram, deixando a multidão entrar como um mar sem fim. Wymack mandou suas
Raposas de volta ao vestiário. Um dos membros de comissão da USC, uma moça, passou logo depois
para lhes dar um resumo das perspectivas dessa noite. Os ingressos para o jogo estavam
completamente esgotados: transmitido para seis estações, doze recrutadores das grandes ligas de
verão e profissionais da érea estariam assistindo. Obviamente, ela sabia que nenhum desses
representantes estaria olhando para as Raposas, mesmo assim, de qualquer forma, ela listou suas
cidades e equipes.

– Nós não temos a escalação da USC –, disse Wymack. – Alguma ideia de quando vamos ter
acesso?
– Vou ver se consigo uma cópia –, ela prometeu. – Precisam de algo mais?

– É só –, respondeu Wymack, então ela saiu. Assim que a porta se fechou atrás dela, Wymack
olhou para Dan. – Você e Kevin, comecem a pensar no que dizer no pré-jogo.

Dan esfregou os braços com força, lutando para manter a calma e dar a sua equipe a confiança
inabalável de um capitão.

– Um “Estamos animados por estar aqui”, e “Vamos fazer o nosso melhor” não seria o suficiente?

– Que tal “Nós vamos pisar nesses derrotados”? – sugeriu Nicky.

– E é por isso que você não tem autorização para falar com a imprensa –, disse Matt secamente.

Os vestiários eram construídos para acomodar equipes muito maiores, então foi tranquilo para as
Raposas se espalharem. Eles encontraram espaço para respirar, onde quer que pudessem,
precisando de alguns minutos para se preparar antes da partida. Neil não sabia o quanto isso havia
ajudado, mas quando os repórteres apareceram estavam todos sem mais tempo. Kevin e Dan
ofereceram elogios amigáveis à USC e prometeram uma partida interessante. Wymack levou a
imprensa o mais rapidamente possível e ordenou que suas Raposas se trocassem.

Eles retornaram ao pátio interno trinta minutos antes da partida. As arquibancadas estavam
amontoadas até as vigas, e o barulho que os torcedores fizeram foi um peso físico esmagador sobre a
pele de Neil contra seus ossos. Se a chegada das Raposas não foi suficiente para deixar a torcida em
um frenesi, a visão do capitão dos Troianos que se dirigia para o pequeno time sim.

Jeremy Knox já estava vestido, exceto por suas luvas e capacete. Ele havia assumido o comando
dos troianos em seu terceiro ano e havia se saído bem o suficiente para manter a posição este ano.
Neil supôs que Jeremy os qualificaria como os mais imprevisíveis e indignos candidatos a pisar em
seu estádio, porém a expressão séria do rapaz se dissolveu em um sorriso largo assim que avistou
Kevin. Kevin passou por Allison e Renee para se juntar a ele.

Jeremy teve que passar por Wymack para chegar às Raposas, então deu um aperto de mão firme à
Wymack.

– Treinador Wymack, seja bem-vindo a SoCal. Estamos felizes em recebê-lo esta noite. Kevin, seu
idiota maluco –, disse ele, menos formalmente, e deu-lhe um tapinha alegre no ombro. – Você nunca
para de surpreender. Você tem uma queda por equipes controversas, eu acho, mas gosto muito mais
dessa do que a anterior.

– Eles são medíocres, na melhor das hipóteses, mas eles são mais fáceis de conviver –, disse
Kevin.

– O mesmo velho Kevin, implacável e detestável de sempre –, disse Jeremy, mas seu tom era
afetuoso. – Algumas coisas nunca mudam, hem? Outras sim. – Seu sorriso desapareceu, dando a
Kevin um olhar indagador. – Falando no seu último time, você, humm, criou um grande caso com o
que disse há duas semanas. Sobre a sua mão, quero dizer, e o que pode não ter sido um acidente.

Duas semanas depois, as pessoas continuavam comentando sobre isso, embora um pouco menos
do que antes. Kevin não tinha mais nada a dizer sobre, e os Corvos mantiveram sua inocência e
indignação com as alegações. Era um beco sem saída que não satisfazia ninguém, porém era tudo o
que poderiam conseguir.

Kevin não disse nada por um minuto, como se debatesse quanto confiar em Jeremy, e, depois
acabou por dizer:

– Tenho um defensor para vocês. Vocês têm vagas na formação do próximo ano?

Não era a resposta que Jeremy esperava. Kevin puxou Jeremy para fora do alcance das Raposas
antes de explicar. O sorriso de Jeremy tinha desaparecido no momento em que Kevin terminou seu
discurso. Jeremy fez gestos expansivos: entre eles, para o campo além de Kevin e para as
arquibancadas acima de suas cabeças. A primeira coisa que Neil pensou foi que ele estava negando o
que Kevin estava dizendo. Então Kevin deu-lhe um de seus raros sorrisos verdadeiros e Jeremy deu-
lhe um forte aperto no ombro.

Jeremy ofereceu uma folha de papel dobrada. Em vez de pegá-lo, Kevin o guiou de volta até as
Raposas. Jeremy entregou-o a Wymack, que desdobrou e verificou a lista impressa.

– Nossa formação –, explicou Jeremy. – É tarde para passar para vocês, eu sei, mas estávamos
tentando evitar reações negativas na medida do possível.

– Reações negativas? –indagou Dan.

Wymack entregou-lhe a lista e viu seu rosto ficar branco. Quando ela olhou para ele novamente,
Wymack sacudiu a cabeça e se virou para Jeremy.

– A pena de vocês é um pouco equivocada. Diga ao treinador Rhemann que não queremos
caridade.

– Não é pena –, refutou Jeremy. – É sobre nós, não sobre vocês. O sucesso de vocês este ano nos
fez repensar tudo sobre como jogamos. Somos os segundo porque temos talento ou porque temos
vinte e oito jogadores na nossa formação? Somos bons o suficiente pessoalmente para enfrentá-los?
Precisamos saber.

Kevin pegou o papel das mãos de Dan e olhou para ele. Matt se inclinou por cima do ombro para
enxergar, antes de dizer:

– Tá de brincadeira. Vocês tão de brincadeira, não tão? – Ele perguntou a Jeremy com um olhar
incrédulo. Allison puxou sua manga com força, querendo uma explicação, pelo que Matt disse. – Tem
só nove nomes.

– Dois goleiros, três defensores, dois negociantes, dois atacantes –, disse Jeremy. – Vocês
chegaram até aqui com esses números. É hora de ver como vamos nos sair nessa situação. Estou
animado –, disse ele, com outro sorriso. – Nenhum de nós jogou uma partida inteira antes. Droga, a
maioria de nós não joga nem pela metade. Nós não fazemos isso porque os números estão sempre a
nosso favor.

– E você me chamou de louco –, disse Kevin. – Vocês vão perder se jogarem assim.

– Talvez –, concordou Jeremy, não se importando. – Ou talvez não. Deve ser divertido de qualquer
maneira, certo? Não me lembro da última vez que fiquei tão empolgado por um jogo. Olhem para
isso. – Ele estendeu as mãos para o grupo e riu. – Venham para cima, Raposas, porque nós vamos.

Jeremy os deixou olhando para ele, com a cabeça erguida e um sorriso sincero. Neil pensou que
finalmente entendia como os Troianos da USC haviam ganhado o Day Spirit Award por oito anos
consecutivos. Este troféu era destinado ao melhor em espírito esportivo e exigia uma votação
unânime do CRE. Os Troianos nunca receberam um cartão vermelho e nunca foram flagrados em
frente às câmeras dizendo algo rude sobre um adversário. Neil supunha que tudo era fingimento, da
mesma forma que as pessoas supunham que os padrões de recrutamento de Wymack eram um
truque publicitário.

– Retiro o que disse sobre o Terremoto –, disse Nicky fracamente. – Tenho um novo time favorito.

– Essa sempre foi a diferença crucial entre a USC e Edgar Allan –, comentou Kevin, entregando a
lista a Dan novamente. – É por isso que os Troianos conseguem mais sucesso profissional do que os
Corvos. Ambas as equipes estão obcecadas em ser as melhores, mas apenas os Troianos arriscariam
sua posição para melhorar. Eles vão jogar com tudo que eles têm, e serão os melhores. Ano que vem
vai ser interessante.

Curiosamente, interessante parecia uma palavra amena de mais para o olhar de Kevin. O sorriso
que finalmente se libertou e curvou seus lábios parecia faminto.

Wymack assentiu e olhou para o time.

– A USC acaba de nos dar uma porta aberta para a final. Não se deixem enganar e não a
desperdicem. Mesmo assim, eles vão travar uma árdua batalha e vão tomar o primeiro tempo de nós.
Vocês precisam controlar a diferença de pontos para que eles não possam ter vantagem larga no
segundo tempo. Entendido?

– Vamos mesmo vencer a USC? – Dan perguntou, olhando para Matt. – E derrotar Edgar Allan
daqui a algumas semanas?

– Que inferno, é claro que vamos.

– Acho que estou enjoada...

– Vômite depois –, cortou Wymack. – Agora, leve esses vira-latas preguiçosos para dar algumas
voltas.

Eles se aqueceram de forma agradavelmente lenta, apesar do ritmo conservado de Dan, enquanto
os corações das Raposas batiam a mil por hora. Neil olhou para o campo enquanto corria, na
esperança de que não fosse um sonho cruel. Cada curva ajudava a acalmá-lo um pouco até Neil achar
que a ansiedade o mataria. Os Troianos adentraram o pátio interno na quarta volta das Raposas; Neil
viu o primeiro clarão de vermelho e dourado ao passar por seus bancos, porém não viu a formação
completa até que as Raposas voltaram. A mascote dos Troianos passou por eles na direção oposta e
os aplausos das arquibancadas se seguiram.

Eles se alongaram no vestiário e trocaram de roupa. Neil imaginou que Dan não vomitara, porque
ela beijou Matt antes de guiar sua equipe à quadra para mais exercícios. Esta noite, apenas nove
troianos jogariam, no entanto todos os vinte e oito entraram para apertos de mãos. Eventualmente,
os árbitros expulsaram todos da quadra exceto os capitães. Neil bebeu água no banco quando o
locutor finalmente explicou o desafio da USC. A resposta da multidão foi ensurdecedora e indignada:
os torcedores não estavam tão felizes com o truque quanto os próprios Troianos.

– Ouviram isso? – Disse Wymack. – A própria torcida sabe que eles estão mortos. Nós vamos nos
manter organizados e vencer essa coisa.

Era mais fácil falar do que fazer.

Os primeiros quarenta e cinco minutos foram uma luta feroz, a segunda melhor equipe do país
contra a minúscula equipe do sul. Não importava o quanto as Raposas lutassem, a USC estava a
vários passos à frente deles. A frustração e a impotência provocaram um calor nauseante nas veias
de Neil, forçando-o ir mais e mais rápido contra a linha defensiva dos Troianos, mas nada do que ele
fizesse parecia fazer diferença. Eles eram criancinhas brincando no grande playground, era
dolorosamente óbvio que estavam destoantes do resto.

Allison e Dan recuaram várias e várias vezes, mais interessadas em ajudar a proteger Renee e
tirar bolas de rota do que em fazer gols. Apesar de seus melhores esforços coletivos, os Troianos
fizeram sete gols contra quatro das Raposas. A linha defensiva chegou ao intervalo tão exaustos que
mal conseguiam respirar. Neil não se lembrava da última vez que Matt parecia tão exausto.

– Porra –, disse Matt fracamente. – O que aconteceu?

– Desculpa –, lamentou Renee.

– Não, não –, disse Nicky rapidamente. – A culpa é nossa, não tem nada haver com você. Eles são
muito bons.

– Eles são ótimos –, corrigiu Wymack, – mas estão condenados. Eles não sabem como se preparar
para uma partida completa. Não sei se vocês conseguiram enxergar de lá, mas eles estavam
começando a desacelerar quando chegamos há trinta minutos. O segundo tempo vai matá-los.

– Espero que sim –, desejou Dan, com um olhar sombrio para Kevin e Neil. – A diferença de pontos
é maior do que desejávamos. Vamos conseguir nos aproximar?

– Nós não somos o problema –, acusou Kevin, indicando entre Neil e ele. Nicky estava cansado
demais para ficar zangado com a acusação, porém Aaron lançou um olhar amargo para Kevin, e Matt
franziu o cenho. Kevin não se importou com quem ofendeu e manteve os olhos em Dan. – Se você
realmente passasse a bola para nós, podíamos ter feito algo com ela.

Matt olhou para Andrew.


– Algum dia você precisa me deixar socar a cara dele.

Andrew olhou para ele em um silêncio nada impressionado.

O sinal os chamou de volta para o pátio interno, e as equipes convocadas para o segundo tempo.
Neil sabia que estava se aproximando, mas ainda era desagradável ver os mesmos rostos olhando
para ele. Os únicos jogadores novos em quadra foram os goleiros, Andrew nas Raposas e Laila
Dermott nos Troianos. Por trás daquele raio de surpresa, houve uma emoção repentina, porque os
Troianos pareciam cansados.

Eles tiveram quinze minutos para recuperar o fôlego, então o segundo tempo começou de maneira
uniforme. E não permaneceu assim por muito tempo. As Raposas funcionaram melhor dessa vez. Não
importava o quanto haviam lutado no primeiro tempo, seus instintos subconsciente eram o gás
reserva para o último empurrão. Agora não havia razão para se conter, e a cada minuto sucessivo se
aprofundavam em seus desesperos e determinação.

Aos vinte e cinco minutos, as Raposas finalmente diminuiram a diferença. Laila foi um pesadelo
no gol, mas Kevin e Neil tiveram uma vantagem que poucas equipes que enfrentaram os Troianos
tiveram: um pesadelo em seu próprio gol com o qual treinavam diariamente. Eles haviam passado um
ano inteiro tentando superar o melhor goleiro do sul. Eles não tinham muito tempo para descobrir a
tática de Laila, e nem precisaram. A defesa de Laila desmoronou rapidamente à sua frente e ela não
aguentou manter o gol sozinha. Kevin e Neil combinaram o trabalho tático das Raposas e corvos para
quebrar a marcação e acertarem gols um após o outro.

A USC poderia ter assumido o controle do jogo em um piscar de olhos, se apenas reconsiderassem
sua estratégia. Se eles colocassem três de seus reservas no jogo, a noite das Raposas acabaria. Mas
os Troianos já haviam tomado uma decisão e não voltariam atrás. Em vez de interferir, o resto do
time ficou ombro a ombro e observou o lento colapso de seus companheiros de equipe. Seus quatro
treinadores estavam logo atrás, tomando notas e conversando entre si. Neil podia ouvir a multidão
perdendo a cabeça através das paredes do campo, mas os Troianos pareciam alheios àquele coro de
traidores.

O sinal final soou em uma vitória de treze a nove, a favor das Raposas. Neil parou e tirou o
capacete, precisando ver o placar sem a viseira no caminho. Não importava quantas vezes piscasse, o
placar permaneceu o mesmo.

– Terminou? – arfou a defensora que marcava Neil. – Graças a Deus.

Neil olhou para Alvarez e sentiu-se abatido ao vê-la sorrir. Ela estendeu uma mão enluvada em
sua direção, mesmo quando suas pernas tremeram e cederam. Neil a agarrou, de alguma forma, e
ajudou-a a se levantar. Ela se inclinou contra ele, lutando sem sucesso contra a trava do capacete.
Demorou algumas tentativas antes de ela perceber que seus dedos estavam muito dormentes para
lidar com isso. Ela desistiu e bateu seu capacete contra o de Neil.

– É assim que é morrer? – Ela perguntou, e chamou por cima do ombro. – Baby, eu acho que estou
morrendo. Ainda tenho pernas? Não consigo olhar para baixo. Parece que não tenho nada. Acho que
não vou conseguir andar de novo.

– Uh hu hu –, sibilou Laila, saltitando em direção a eles. – É melhor você fazer algum esforço,
porque você é muito pesada para eu carregar você do campo.

– Grossa.

Alvarez procurou cegamente o ombro de Laila até que sua parceira passou um braço em volta
dela e afastou-a de Neil. Alvarez ainda sorria, um olhar extasiado e meio louco que lembrava um
pouco Lola e um pouco Nicky. Neil tentou se lembrar se ela havia sido atingida na cabeça em algum
momento, mas as Raposas haviam mantido a violência dentro de limites justificáveis. Parecia justo,
considerando os bons atletas que os Troianos eram.

– Isso foi fantástico –, disse Alvarez. – Quero fazer de novo. No próximo ano, talvez, quando
minhas pernas voltarem a crescer.

– Pare de ser tão bebêzona –, reclamou Laila.


– Ignore ela –, disse Alvarez a Neil. – Ela tá azeda porque perdeu nove gols em quarenta e cinco
minutos. Não sei porque, não é um novo recorde pessoal ou... ohhh, é sim. Nossa, isso deve doer um
pouco. Principalmente por ser sua primeira grande meta.

– Sua vaca –, disse Laila sem qualquer calorosidade.

– É o que você recebe por me chamar de gorda –, disse Alvarez. Ela olhou para Neil e apontou
para ele. – Ops, parece que a festa começou sem você. Vá! Vá! Vá!

Neil espiou sobre o ombro, para as Raposas comemorando na meia-área. Ele começou a se virar
em direção a eles, depois olhou para Alvarez e Laila.

– A sua equipe é assustadora –, disse ele, inspirado pelo entusiasmo de Alvarez para ser honesto. –
Vamos torcer por vocês na semana que vem.

Alvarez fez um sinal de positivo com o polegar, então Neil correu de encontro a sua equipe. Ele
ouviu Alvarez perguntar como alguém ainda conseguia correr depois do “jogo mais longo do mundo”,
mas supôs que fora direcionado a Laila e não parou para escutar a resposta. Dan viu Neil chegando e
libertou-se das Raposas para fugir até ele. Ela explodiu quase todas as vértebras da coluna de Neil
com o quão forte ela o abraçou e não parecia ser capaz de soltar. Um segundo depois, eles foram
inundados pelo restante da equipe; as Raposas tinham obedientemente transferido sua estridente
comemoração para Neil e Dan.

Foi preciso muito esforço para se comportarem durante o aperto de mão pós-jogo. Toda a
formação dos Troianos entrou na quadra, no entanto os nove que haviam jogado esta noite
dificilmente conseguiram formar uma fila. Ao invés do tradicional, as Raposas foram até eles. Jeremy
tinha um sorriso exausto e nada além de elogios. O parceiro de Alvarez na defesa, que passou a
maior parte da noite de olho em Kevin, sentou-se quando os viu se aproximando, mas estendeu a mão
para eles. Assim que Neil passou pelo último dos Troianos, seguiu seus companheiros de equipe para
fora do campo. As arquibancadas já estavam em um terço vazio, embora Neil não soubesse quando os
alunos começariam a atacar.

Neil não se importou com a quantidade de corações eles haviam partido naquela noite. Eles
haviam vencido a USC. Quando os Troianos perdessem para os Corvos na próxima semana, eles
seriam eliminados do campeonato.

As Raposas estavam na final e essa era a única coisa que importava.

Como as Raposas haviam passado a noite de sexta-feira fora, e a guerra fria entre Andrew e Aaron
tinha terminara, Andrew estava livre para voltar à Columbia pela primeira vez em meses. No entanto,
tiveram um atraso, de início, já que Neil e Kevin queriam assistir ao jogo da USC contra Edgar Allan.
Os troianos lançaram-se contra os Corvos, mas não foram bons o suficiente. Eles perderam, embora
pela menor margem já alcançada.

Jeremy levou a perda de bom ânimo em sua entrevista pós-jogo, sem se arrepender de como as
coisas aconteceram. Ele evitou todas as oportunidades de falar sobre o estilo de jogo dos Corvos,
ficando animado quando falaram sobre o quão perto eles chegaram da vitória.

– Nós quase conseguimos, não foi? – Disse Jeremy. – Acho que ninguém esperava que nos
aproximássemos. Parece bem diferente sem Kevin e Jean na equipe.

– É a pior época do ano para se machucar –, concordou o jornalista. Tetsuji havia anunciado no
início da semana que Jean estaria fora do campo por uma contusão. – Há rumores de que Jean não
voltará a tempo para a final.

– Sim, conversei com Jean no início da semana. Definitivamente esse ano está terminado, mas ele
estará de volta no outono. Só não vai ser de preto novamente. – Jeremy mostrou seu sorriso cheio de
dentes e não esperou para dar explicações. – Ontem ele nos enviou um fax das última papelada que
precisávamos para tornar tudo oficial, então eu gostaria de lhes dizer que ele irá se transferir para a
USC em seu último ano.

– Deixe-me ter certeza de que ouvi direito –, disse o repórter. – Jean Moreau está trocando Edgar
Allan pela USC?

– Solicitamos os equipamentos dele esta manhã –, afirmou Jeremy.– Embora ele tenha que pegar
um pouco de sol neste verão! Ele é um pouco pálido para usar vermelho e dourado neste momento. –
Ele sorriu como se esta notícia não causasse um alvoroço entre os fãs raivosos de Edgar Allan. –
Infelizmente, o número dele já está em uso, mas Jean disse que podemos transferi-lo para o que
estiver disponível. Vou deixar que ele diga qual será o novo.

– Você pode nos adiantar do motivo de ele está se transferindo?

– Não posso entrar em detalhes, não tenho posição para contar seus assuntos pessoais, mas posso
dizer que estamos animados em tê-lo. Acho que temos muito a aprender um com o outro. O próximo
ano vai ser incrível. Acho que vocês verão muitas mudanças em todas as equipes. Todos temos que
dar uma olhada no que trazemos para a quadra.

Nicky pegou o controle remoto e desligou a televisão.

– Tenho uma teoria de que Renee e Jeremy são irmãos separados na maternidade. O que vocês
acham que aconteceria se eles unissem forças?

– Seriam mortos –, disse Aaron, levantando-se do outro puff. – A guerra é mais lucrativa; ninguém
se importa com a paz mundial.

Nicky fez uma cara de nojo para ele.

– Obrigado pela dose animada de realidade.

Os cinco desceram juntos em direção ao carro, e Neil ficou entre Aaron e Nicky. Andrew levou-os
primeiro para o Sweetie, para o sorvete. Nicky e Aaron estavam distraídos conversando sobre suas
provas para o quarto ano, sem parecer notar que Andrew havia ignorado o bufê de saladas e sua
tigela de bolachas. Não demoraram até o final da refeição, enquanto Aaron pagava, para
perceberem. Aaron pegou cada um dos guardanapos na mesa em busca de pó-de-anjo e fitou Andrew
com uma carranca.

– Quantos?

Andrew não dissera uma única palavra a nenhum deles a noite toda, porém finalmente desviou o
olhar da parede oposta e olhou para o irmão.

– Zero.

– Zero –, repetiu Aaron, como se fosse um número desconhecido. – O que você quer dizer com
zero?

– Não vamos receber nada? – perguntou Nicky, estupefato.

Andrew o ignorou, desinteressado em se repetir. Nicky e Aaron trocaram um longo olhar,


confusão de um lado e descrença do outro. Andrew não ficou para ser descoberto, se levantou do
banco e foi para a porta. Neil seguiu com Kevin logo atrás dele, e os primos os alcançaram no carro.
A viagem do Sweetie's para o Eden's Twilight ficou em silêncio, e Andrew os deixou na calçada, como
de costume. Kevin pegou uma credencial de estacionamento, enquanto os seguranças deram boas
vindas entusiasmadas a Nicky e Aaron. Eles foram em busca de uma mesa, enquanto Andrew se
afastava.

Ainda não havia mesas livres, mas havia espaço suficiente para uma pessoa no bar. Nicky roubou
o banquinho e acenou chamando a atenção de Roland. Roland chegou assim que terminou suas
ordens atuais.

– Muito tempo sem vê-los –, disse Roland, acrescentando: – Mais uma vez. Vocês tem que parar de
ficar fora de contato.
– Tem sido um ano conturbado –, disse Nicky.

– Pois é, ouvi –, disse Roland, e olhando de Nicky passando por Neil. – Como vai?

– Eu, estou bem –, disse Neil.

Roland parecia pronto para dizer algo a mais, mas depois de um olhar entre Nicky e Aaron,
balançou a cabeça. Ele começou a trabalhar, misturando suas bebidas, e Nicky lhe contou histórias
sobre suas férias de primavera. O clube era muito barulhento para Neil ouvir a aproximação de
Andrew, mas de repente, Andrew foi pressionado ao seu lado no meio da multidão. Roland olhou de
Andrew para Neil novamente, franzindo o cenho um pouco em preocupação disfarçada. Neil
percebeu que ele procurava um sinal de que estavam bem depois do que acontecera em janeiro.

Nicky sabia quando estava sendo ignorado e não teve dificuldade em interpretar o olhar
penetrante de Roland. Ele interrompeu sua própria história para exigir.

– Não se atreva a me dizer que você sabia sobre eles antes de mim! Ah, meu Deus –, disse ele ao
olhar surpreso e culpado de Roland. – Ah, meu Deus, você sabia. Como diabos? Nós percebemos
apenas algumas semanas atrás. Há quanto tempo você sabia que Andrew era gay?

– Eles são um casal agora? – Roland perguntou em vez de responder. Seu sorriso retornou, largo e
satisfeito, e parou de encher sua bandeja para servir shots. Sempre otimista, ele também serviu um
para Neil. Nicky distribuiu as doses e Neil aceitou a sua depois de uma ligeira hesitação. Roland
pegou um para si e levantou, em um brinde de gorjeta. – Vou tomar uma por isso. Já era hora, porra.

– Não é algo para se orgulhar –, disse Aaron.

– Homofóbico –, rosnou Nicky, e virou-se para se certificar de que Neil não estava desperdiçando
sua bebida vigiando Andrew. Eles tomaram suas bebidas como se fossem um, e Roland recolheu os
copos vazios. Nicky apontou para Roland enquanto ele misturava bebidas novamente. – A propósito,
notei que você estava evitando minhas perguntas. Você não é tão astuto. E o que você quis dizer com
já era hora, porra?

– Você pode tirar essa história de Andrew –, disse Roland.

– Conseguir respostas desses dois é como tentar tirar leite de pedra. É impossível, estou prestes a
quebrar meus dedos por tentar. Como você sabia? Seu gaydar é mais avançado que o meu ou...?

O queixo de Nicky caiu enquanto se aproximava da resposta.

– Espera. Sem chance Sem chance! Vocês dois…?

– Não –, interrompeu Aaron. – Só não diga. Eu não quero ouvir isso. Eu não quero imaginar coisas.
Eu só quero beber e fingir que não conheço nenhum de vocês.

– Pensei que nós éramos amigos –, disse Nicky a Roland. – Como você pode esconder isso de mim?

– Sou barman –, esclareceu Roland. – Eu não saio derramando bebidas ou segredos das outras
pessoas. Com essa exceção inoportuna, – ele se corrigiu com uma pequena careta para o impassível
Andrew. – A propósito, foi mal por isso. Não foi a minha intenção.

–Roland, estamos de mal agora mesmo –, bufou Nicky. – Talvez você possa recuperar minha
amizade com bebidas suficientes hoje à noite. Venha, Aaron, vamos ver se tem uma mesa por ai.

Kevin foi com eles, provavelmente para se afastar do rumo que a conversa havia tomado. Andrew
pegou o banquinho para que ninguém pudesse ficar entre ele e suas bebidas, e Neil ficou o mais
próximo possível de suas costas. Roland dividiu o conteúdo de um mixer entre dois copos altos,
serviu alguns refrigerantes para Neil e terminou. Lavou o shaker em uma pia e deslizou sua bandeja
incrivelmente cheia para perto de Andrew.

– Então, e aquelas algemas acolchoadas –, disse Roland, rindo do olhar que Andrew lhe deu.

Assim que Roland se inclinou para atender o resto de seus clientes, Andrew resolveu reorganizar
suas bebidas em uma nova ordem. Nicky ainda não havia retornado quando Andrew terminou, então
Andrew começou a beber a bebida mais próxima. De pé, olhando para ele, Neil pensou que não se
importaria de esperar por um assento a noite toda. Seu relógio ainda estava funcionando, mas seus
dias numerados seguiam um cronograma diferente agora. Neil tinha todo o tempo do mundo, e isso
deixava um calor no estômago mais forte que qualquer uísque.
CAPÍTULO DEZEENOVE

Com a derrota da USC nos dois jogos consecutivos das semifinais, o ERC cancelou a terceira
partida da semifinal. Não fazia sentido colocar Raposas e Corvos uns contra os outros quando ambos
estavam classificados para a final. No lugar da partida, ambas as equipes receberam uma semana de
folga para descansar, recarregar as energias e despistar a imprensa voraz por histórias.

As Raposas transpareciam confiança sempre que tinham um microfone ou uma câmera em seus
rostos, e nem sempre era fingimento. O ódio total em relação à Riko ajudou a acalmar seus nervos.
Os Corvos pouco tiveram a dizer sobre as Raposas, possivelmente ao fato de estarem lidando com as
consequências da transferência abrupta de Jean. Jean era o atleta mais procurado nas notícias da
NCAA atualmente, no entanto, ele se recusou a revelar seu paradeiro atual ou falar com a imprensa.
Seu silêncio não favoreceu os Corvos tão logo após a entrevista audaciosa de Kevin, especulações e
rumores começaram há tomar um rumo sombrio.

Na segunda-feira à tarde, Wymack contou à sua equipe que o último jogo seria no Castelo
Evermore. Não foi uma notícia bem recebida, mas também nenhuma surpresa. Por ser também o
estádio da seleção nacional, o tamanho do estádio de Edgar Allan tinha o dobro da metade do estádio
de Palmetto. Eles precisavam de todos os lugares que pudessem conseguir. Wymack ainda achava
que não era grande o suficiente para um jogo como este, mas, definitivamente, na Carolina do Sul
não haveria espaço para acomodar a torcida que viria assistir a final do campeonato universitário.

Ao fim de seu anúncio, Wymack passou uma prancheta. Edgar Allan iria reservar uma seção
inteira para amigos e parentes logo atrás do banco de reservas. As Raposas receberam dezoito
assentos para dividir entre os nove, e Wymack precisava de uma lista com nomes para poder
reservar os assentos o quanto antes e começar a trabalhar no planejamento da viagem até Edgar
Allan.

Dezoito não parecia muito, mas as Raposas não conseguiam preenchê-los. Ninguém no grupo de
Andrew precisaria de nenhuma, e Allison passou a prancheta sem hesitação. Renee precisava de um
assento para sua mãe adotiva e doou o segundo para Matt, para que seu pai pudesse trazer sua
amante atual. Dan foi a última, então sabia quantos assentos extras ela poderia pegar. Várias de suas
irmãs de palco haviam trocado o antigo clube por empregos mais calmos, mas era improvável que as
poucas que ainda estavam lá pudessem ter uma noite de sexta-feira livre.

Naquela noite, Nicky e Aaron apareceram para treinar sem serem convidados. Neil esperava que
Kevin os expulsasse com o discurso de “ser um pouco tarde de mais”, entretanto os colocou em
prática imediatamente. Na quarta-feira, os veteranos se uniram. Uma semana e meia não era tempo
suficiente para transformar alguém em especialista nos exercícios precisos dos Corvos, mas Kevin fez
todo o possível. Sua atitude cáustica e seu desrespeito hostil pelas habilidades de seus companheiros
de equipe não lhe favorecia durante o dia, mas à noite as Raposas se submeteram com uma
determinação silenciosa e sombria. Matt foi o primeiro a perceber que Kevin jogava com a mão
esquerda à noite, já que foi ele quem se colocou em seu caminho para bloqueá-lo.

Ter uma arma secreta contra os Corvos encorajou seus espíritos.

Ter todas as Raposas reunidas tornou mais difícil para Neil abordar Andrew sozinho depois dos
treinos, já que era mais do que óbvio que eles não iriam direto para a cama. Morar na mesma suíte
tornava ligeiramente mais fácil pegar Andrew, apenas entre as aulas. As Raposas tinham treinos tão
longos que a maioria de suas aulas ocupavam os mesmos espaço de tempo. Conseguir ficar a sós
teria sido completamente impossível se não fosse pela interferência de Nicky.

Nicky passava grande parte do seu tempo livre com o resto das Raposas em seus quartos, e
arrastando Kevin com ele sempre que possível. Assim forçou Andrew a escolher entre Neil e sua
natureza controladora. Um dia Neil ganhava; outros dias, o rancor de Andrew o fazia caçar a dupla
indisciplinada assim que percebia o que estava acontecendo.

A semana seguinte seria significativamente mais difícil de superar, em parte, pois seria a última
semana da aula. Na sexta-feira à noite, as Raposas enfrentariam os Corvos na final da NCAA; Na
segunda-feira, as provas finais começariam. Três dos professores de Neil tornaram as aulas
opcionais, o que permitiu que seus alunos se candidatassem a revisões e exames práticos ou
optassem pelo autoaprendizado em outros lugares. Neil tentou ir para sua primeira aula, mas se
desviou no meio do caminho. Ele pretendia encontrar um lugar vazio na biblioteca, no entanto, de
alguma forma acabou parando no Foxhole.

Wymack não pareceu surpreso ao vê-lo, porém fez Neil prometer que não tiraria notas vermelhas
em qualquer meteria antes de emprestar jogos para Neil assistir. Na manhã seguinte, Neil nem
sequer tentou ir para a aula. Entre os treinos, Neil correu e treinou de forma suicida. Percorreu os
degraus do estádio no início do dia para que suas pernas pudessem se recuperar antes do treino da
tarde. Ele se forçou a ir mais rápido, mais rápido e mais rápido, e ele sabia que não ajudaria.

Os Corvos pareciam relâmpagos na quadra; eles raramente carregavam a bola por mais de alguns
passos, porque haviam aperfeiçoado a arte de passes impossíveis. Eles destruíram as Raposas com
seus truques em outubro passado. Kevin passara meses ensinando Neil como jogar assim, mas não
significava nada agora. Não adiantava Neil e Kevin marcar se a defesa não conseguia defender e
controlar a diferença. Cada jogo que Neil assistiu levou seu pensamento a distancias, o que fez
considerar estar louco.

Aaron e Andrew cancelaram sua sessão de quarta-feira com Dobson para treinar a tempo, no
entanto Kevin pulou o treino da noite de quinta-feira. Ele não teve outra explicação além de “tenho
que cuidar de algumas coisas”, deixando Neil no comando. Dizer aos outros o que fazer era tão
terrível quanto Neil esperava, mas Neil não teve tempo de hesitar. Eles teriam um jogo em dois dias e
Neil era a única pessoa que conhecia todos os exercícios dos Corvos. Ele guiou seus companheiros de
equipe através deles, sabendo que eles não poderiam dominá-los em tão pouco tempo, mas
precisando saber o que eles estariam enfrentando na sexta-feira. Eles fizeram muitas perguntas, mas
sem recuar, e então, após o treino, Dan sussurrou em seu ouvido:

– Muito bem, capitão.

Eles não saíram do campo antes da uma da tarde, mas quando chegaram ao dormitório, os nervos
de Neil anularam o cansaço. Ele ficou em sua mesa, enquanto os outros se trocavam para dormir,
revisando seus livros sem realmente ler. Folheou cegamente por um de seus cadernos e depois
empurrou tudo de lado. Ele queria correr, mas também sabia que seu corpo precisava descansar
depois dos longos treinos de hoje. Se contentaria com uma caminhada, embora não quisesse que os
outros soubessem de sua ansiedade.

A ansiedade fazia a dúvida desfazer tudo o que eles estavam trabalhando.

Nicky voltou para a sala.

– Ei. Tá tudo bem?

– Estou bem. Só estou pensando.

Nicky não disse nada, um minuto se passou antes de sair. Neil tinha a luz da sala acesa, então
Nicky fechou a porta do quarto. Neil permaneceu em silêncio até que o quarto ficou em silêncio,
depois se sentou à escrivaninha e olhou para a parede. Ele ficou lá por bastante tempo, com seus
pensamentos distorcidos que nem coseguia acreditar que o céu ainda não havia se iluminado com o
amanhecer. Por fim, os pensamentos de Neil foram reduzidos a um avanço lento e ele se levantou
para dormir. Ele só ficou a poucos metros de sua mesa antes que a porta da suíte se abrisse e
deixasse Kevin entrar.

Kevin cheirava tão forte a álcool que Neil podia sentir o cheiro no meio da sala, mas Neil
esqueceu o mau cheiro no segundo em que viu o curativo no rosto de Kevin. Uma espera interminável
e impossível de acreditar, Neil congelou e o fitou fixamente. Kevin fechou a porta e cambaleou para
trás. Ele estava prestes a cair, se aprumando a tempo, e olhou para Neil com ar sombrio. Foi tudo o
que Kevin conseguiu, aparentemente, então Neil foi até ele. Kevin fez um gesto fraco perto ao lado
de seu rosto. Neil levantou um canto da fita e removeu a gaze de Kevin.

A sensação foi como cair e um pouco como flutuar; O estômago de Neil atingiu o fundo por um
segundo antes de a adrenalina inundar suas veias. Kevin usara o “dois” tatuado em seu rosto desde
seus primeiros dias sobre a cruel atenção dos Moriyamas. Riko e Kevin usaram marcadores por anos,
escrevendo sobre seus números toda vez que ameaçavam desaparecer. Assim que tinham idade
suficiente, mudaram para permanente. Agora esse número havia desaparecido, encoberto pela figura
preta de uma peça de xadrez. O conhecimento de Neil sobre xadrez era confuso na melhor das
hipóteses, mas ele sabia, com certeza, que não era o Rei.

– Você fez isso – disse Neil, atordoado demais para dizer qualquer outra coisa.

– Deixe Riko ser o Rei – disse Kevin, exageradamente em seu comportamento bêbado. – O mais
cobiçado, o blindado. Ele vai sacrificar cada peça que tiver para proteger seu trono. O que seja. Eu? –
Kevin gesticulou para si novamente, bêbado de mais para levantar a mão mais alta que a altura da
cintura. – Vou ser a peça mais mortífera do tabuleiro.

– A Rainha –, disse Andrew em algum lugar atrás de Neil. Neil não o ouvira sair da cama, mas é
claro que a batida na porta o teria despertado. Um Andrew sóbrio acordaria tão facilmente quanto
Neil, talvez mais porque Andrew estava acostumado com pessoas hostis entrando em seu quarto.
Neil olhou para ele, mas Andrew estudava Kevin. Andrew atravessou a sala, ficando ao lado de Neil e
segurou o queixo de Kevin na mão. Ele virou a cabeça de Kevin para inspecionar a nova arte. – Ele
vai ficar furioso.

– Que se foda –, cuspiu Kevin, deslizando um pouco mais para fora da porta. – Que se fodam todos
eles. Eles são um desperdício de tempo para ficar com raiva. Eles quem deveriam ter medo.

– No inferno não tem tanta fúria –, comentou Andrew.

Kevin fez um gesto débil para Neil, que colocou o curativo de volta em sua pele inchada e
avermelhada. Neil abaixou a mão e cerrou os punhos para esconder o tremor. Ele duvidava que Kevin
ou Andrew notassem; Eles estavam ocupados demais encarando um ao outro. Finalmente, Andrew
sorriu, lento e frio. Era a primeira vez que ele sorria desde que deixara as drogas, e Neil não pôde
deixar de fitá-lo.

– Agora está ficando divertido –, disse Andrew.

– Finalmente –, replicou Kevin, em medidas iguais de exaustão e irritação.

Os dois tiveram que levar Kevin para o quarto. Neil não sabia como Kevin ia subir as escadas de
sua cama, porém conseguiu, de alguma forma. Ele estava dormindo quase tão logo sua cabeça bateu
no travesseiro. Neil sentiu-se completamente recarregado enquanto olhava para o beliche de Kevin.
Ele estava de pé e instável, zumbindo demais para ficar parado. A escuridão deveria ter escondido a
ruína que ele se tornara, no entanto Andrew não se deixava enganar. Ele bateu no ombro de Neil em
seu caminho de volta para fora do quarto. Neil desviou o olhar da forma inconsciente de Kevin e
seguiu-o.

Andrew empurrou-o contra a parede com mãos pesadas e beijos duros.

– Drogado.

– Eu tava esperado por isso desde junho –, disse Neil . – Você estava esperando por mais tempo.

Andrew não se incomodou em negar. Estava quase amanhecendo quando finalmente foram
dormir, mas Neil poderia copensar no trajeto de ônibus para o norte. Ele se escondeu embaixo de seu
cobertor e sonhou com Evermore desmoronando sobre sua cabeça.

Faltando uma hora para o jogo, todo o estacionamento no campus de Edgar Allan estava cheio. O
recinto do estádio estava tomado de fãs vestidos de preto. Explosões de flashes de câmera e corpos
atarracados em ternos marcaram a chegada de celebridades renomadas. Em todos os lugares, Neil
parecia ter visto policiais, e uma seção inteira foi isolada para as vans de noticiários.

Neil fitou seus companheiros de equipe. Nicky tamborilava os dedos nos quadris enquanto
absorvia tudo. Aaron estava ombro a ombro com Katelyn, os nós dos dedos brancos do aperto que
segurava sua mão. Andrew não parecia impressionado com o asilo em que entraram, mas seu olhar
calmo seguiu a multidão em busca de ameaças. Renee estava mexendo no colar de cruz, o olhar
distante enquanto rezava. Dan e Matt estavam de braço dado atrás dela, dois pilares de força prontos
para uma luta. O estalo dos saltos de Allison contra o asfalto a tirou de sua inquietação, embora ela
possuísse um olhar de desprezo em seu rosto.

Ao lado de Neil, Kevin era intocável. Kevin exibiu sua nova tatuagem assim que entrou no ônibus.
A comemoração da equipe tornou difícil para Neil dormir, mas ele não podia rejeitar aquela
empolgação. Wymack não reagiu com mais do que um leve sorriso firme, o que significava que ele já
sabia antes de qualquer um deles. Neil pensou nas tatuagens de chamas tribais nos braços de
Wymack e imaginou se Wymack teria chamado seu próprio tatuador para fazer o trabalho. Pelo
menos, explicava como Kevin retornara ao dormitório na noite anterior, quando mal conseguia andar.

Neil não sabia qual seria a última gota que transbordaria o copo de Kevin, mas, aparentemente, o
espetáculo da noite anterior não nascera da grandeza de estar bêbado. Kevin havia se comprometido;
Não havia como voltar atrás. Ele enfrentou o Castelo Evermore, agora como se fosse mais uma
parada sem valor no caminho em direção à glória. Neil não sabia se essa determinação era genuína
ou pura força de vontade, assim como não sabia quanto desse desdém era uma fachada para a
imprensa. Neil teve a sensação de que o desafio de Kevin era pelo menos noventa e nove por cento
de verdade, e isso bastava para manter os nervos de Neil à distância.

Duas mulheres reuniram o esquadrão das Volpinas. Quatro seguranças escoltaram as Raposas do
ônibus para o estádio, enquanto outros seis ficaram de guarda ao longo do curto caminho. Era um
pouco excessivo, talvez, mas o conselho de Edgar Allan não arriscaria. As câmeras piscaram quando
as Raposas passaram, e era apenas uma questão de tempo até que alguém percebesse que a
tatuagem de Kevin havia mudado. Um grito de descrença chamou toda a atenção para o rosto de
Kevin e, de repente, dez guardas pareciam completamente inadequados. Houve um coro de vaias em
todos os lados enquanto a notícia se espalhava pela multidão, no entanto, em meio aquela
desaprovação havia alguns gritos dispersos de Rainha! Kevin suportou tudo com uma expressão
arrogante presa em seu rosto.

Foi a primeira vez de Neil no vestiário para visitantes de Evermore. Kevin os alertara na viagem,
mas as palavras não conseguiram impedir Neil de sentir que entrara em um túmulo. Era duas vezes
maior que o vestiário das Raposas, que parecia cem vezes menor que este. As paredes eram
desprovidas de qualquer decoração, tudo era completamente negro, do chão ao teto. Custou às
Raposas um preço imediato e eles se dispersaram o mais rápido que podiam, jogando bolsas laranja
em todos os cantos da sala, tentando quebrar a ilusão sufocante.

– Edgar Allan estende suas boas-vindas aos oponentes de hoje à noite –, disse um dos guardas
quando a equipe parou de se mover. – Os ingressos das arquibancadas estão esgotados, assim como
as torres. Os representantes estaduais e escolares estão na torre norte, olheiros na sul e o CRE na
oeste. Recebemos doze representantes das principais ligas e seis das equipes profissionais. Vocês
não podem se aproximar de nenhum deles, a menos que sejam convidados por um membro da minha
equipe.

Ele esperou um momento para se certificar de que haviam entendido.

– Vocês podem usar livremente o pátio interno pela próxima meia hora, assim que os Corvos
chegarem ao lado da casa vocês estarão restritos à sua metade do campo. Alguma pergunta?

Nicky levantou a mão.

– Sim. Quem está na torre leste?

– É reservada para hóspedes e clientes de negócios dos Moriyamas –, respondeu Kevin.

O guarda assentiu em confirmação, esperou por outras perguntas e saiu.

– Bem –, começou Dan, quando a porta se fechou atrás dele, – é exatamente o que estávamos
esperando.

– Vamos nessa –, assentiu Matt.


Eles deixaram o equipamento e entraram no pátio interno. Lá fora, parecia não haver ninguém do
lado das Raposas, porém as arquibancadas estavam divididas em grupos de estudantes e fãs em
diversos tons de laranja. As Raposas acenaram para todos os rostos amigáveis que conseguiram
enxergar, ganhando aplausos animados e punhos para o alto. A torcida dos Corvos foi rápida em
retaliar, levantando e rugindo vaias do fundo de seus pulmões.

No meio de cada seção havia um torcedor vestido com listras vermelhas e pretas e, um após o
outro, estenderam as mão no ar. O mais próximo ainda estava longe demais para Neil enxergar
claramente o que ele segurava, Neil achou se tratar de sino de bicicleta. Não fazia sentido, cinco
segundos depois, quando a seção inteira, do chão as vigas do teto, pulou como um só. Quando
sentaram novamente, a próxima seção saltou e uma onda estrondosa cercou o estádio. Era uma
cacofonia ensurdecedora e perturbadora da qual Neil queria que fosse. Os fãs listrados levantaram
os braços novamente quando a onda retornou a eles e fizeram uma segunda volta.

– Santo pai –, sussurrou Nicky, quase inaudível, mesmo estando atrás de Neil. – Acho que eu não
consi... Erik!

Nicky passou por Neil e correu para as arquibancadas. A primeira fileira estava vazia, com um
segurança em cada extremidade, mas um rapaz acabara de aparecer mostrando sua credencial.
Como Erik Klose ouviu Nicky sobre o barulho das arquibancadas, Neil não soube, mas ele
imediatamente se afastou do guarda e se inclinou sobre a grade de segurança para dar um abraço
feroz em Nicky. Nicky se agarrou a ele como se tivesse passado anos desde a última vez que
estiveram no mesmo recinto, alheios ou completamente indiferentes aos olhares que atraía.

O restante dos convidados das Raposas apareceu alguns segundos depois, já que Wymack havia
providenciado uma van para buscá-los no aeroporto. Wymack dispensou sua equipe, sabendo o
quanto eles precisavam de rostos amigáveis neste momento. Allison não trouxera ninguém, seguindo
os veteranos até as arquibancadas. Aaron foi até as Volpinas para conversar com Katelyn. Neil ficou
com Andrew e Kevin e simplesmente assistiu.

Quatro das irmãs de Dan vieram. Elas usavam vestidos brancos de veraneio que haviam
customizado, três escrito RA-PO-SAS. A quarta ostentava uma pata de raposa, que já começava a
perder um dedo da pata. Elas praticamente esmagaram Dan, sufocando-a com um abraço em grupo
antes de elogiá-la. Elas foram rapidamente abraçar Allison, a familiaridade em seus sorrisos sinceros
dizia que a tinham visto pelo menos uma vez antes.

Stephanie Walker estava no assento ao lado, e abraçou Renee como se fosse para sempre. Os pais
de Matt tinham os lugares ao lado dela. A trança de sua mãe estava tingida de laranja e usava um
macacão igualmente brilhante. Matt falava sobre sua mãe o suficiente para deixar Neil saber o
quanto ele a amava. De alguma forma, ele ainda parecia impressionado com o quão vergonhoso esse
amor havia sido retribuído.

Havia um orgulho feroz no sorriso de Randy Boyd que a lembrava Dan, ela brincava com o cabelo
espetado de gel que ele havia penteado. O pai de Matt era um pouco mais reservado, mas sorriu
quando deu um tapinha no ombro de Matt em saudação. A mulher que ele trouxera como
acompanhante aparentava ser pouca coisa mais velha que Matt, e nem ela nem Matt se conheciam.

Betsy Dobson foi a última a chegar. Andrew não reservara uma entrada para ela, então Neil supôs
que Wymack e Abby a convidaram. Andrew não pareceu surpreso em vê-la, se aproximou assim que
ela se acomodou. Ela sorriu ao se aproximar e gesticulou ao redor dele. Neil não podia ouvi-la no
meio da multidão, supondo que ela estava fazendo suas observações redundantes usuais. Neil
desviou o olhar antes que ela o visse e voltou sua atenção para a multidão.

– Vocês dois poderiam pelo menos dar um oi –, disse Wymack, um pouco ofendido.

– Não faz sentido –, replicou Kevin. – Eles não são nada mais que uma distração.

– Se chama apoio. Pesquise essa palavrinha.

– Thea tá assistindo da área sul –, disse Kevin, olhando para a área VIP no alto. Era muito longe e
alto demais para Neil enxergar rostos, já havia uma pequena multidão reunida em frente às paredes
de vidro. Saber que os profissionais estavam lá para vê-los jogar enviou um calafrio nas veias de Neil.
Kevin arrastou o olhar para o rosto de Wymack e disse: – E meu pai vem para todos os meus jogos. É
o bastante.

Do outro lado de Wymack, o olhar de Abby se suavizou. A mandíbula de Wymack trabalhou por
um momento antes que ele pudesse dizer em tom brando:

– Sua mãe ficaria orgulhosa de você.

– Não só de mim –, disse Kevin em um raro episódio de humanidade.

A situação estava ficando muito pessoal, ou talvez aquela pontada aguda de desconforto no peito
de Neil fosse um ataque de solidão e perda. Neil os deixou um com o outro e foi se juntar a seus
companheiros de equipe. O aperto de mão de Erik foi firme e seu sorriso largo. Neil confundiu as
irmãs quase imediatamente depois de suas apresentações alegres. O sorriso paciente de Stephanie
foi tão desconcertante quanto o comportamento pacífico de Renee, e Neil tinha certeza de que Randy
arrancara alguns de seus órgãos vitais com o quão forte ela o abraçou. O pai de Matt deu um pulo
com um simples – oi – para contar a Neil sobre um cirurgião plástico conhecido, caso Neil quisesse
que alguém harmonizasse um pouco seu rosto.

– Pai – advertiu Matt, horrorizado. – Mas que merda?

– Neil Josten –, chamou um guarda, – um tal de Stuart Hartford está aqui para vê-lo.

Neil seguiu o guarda até outra parte do pátio interno. Uma grade os separava das arquibancadas,
Stuart esperava do outro lado com os braços cruzados. Ele dispensou o guarda com um simples
acenou de cabeça e dirigiu um olhar pensativo a seu sobrinho há muito tempo perdido.

– Pensei que tivesse voltado para a Inglaterra –, disse Neil.

– Tenho andado de um lado para o outro –, respondeu Stuart. – Teria vindo atrás de você antes,
mas ele nos disse para não interferir até que ele tomasse uma decisão.

Neil não precisou perguntar a quem Stuart estava se referindo com “ele”. Stuart esperou o aceno
de Neil antes de continuar.

– A morte do seu pai deixou um vazio nada fácil de preencher. O patrãozinho está limpando a casa
e reduzindo as perdas onde pode, realocando o pessoal da Califórnia para a Carolina do Sul. Policiais,
médicos, espiões... não importa. Se houver uma pontada de resistência em suas novas regras, eles
estão mortos. É uma coisa interessante, a reformulação de um império. Sangue também.

– Tinha capangas na Carolina do Sul? – indagou Neil. Assim que foi dito, seu coração saltou. –
Espere, médicos? Médicos ou psiquiatras? Você tem nomes?

– Fico por fora dos detalhes, amenos que sejam da minha conta –, disse Stuart. Alguém em
particular, que você está procurando?

– Um psiquiatra em Columbia, Proust. Ele trabalhou no Easthaven, ele se deixou ser comprado e
usado pelo irmão errado. Eu disse a ele... o patrão –, corrigiu-se Neil depois de um momento de
hesitação. – Alguma coisa?

– Vou dar uma olhada –, prometeu Stuart. Ele lançou um olhar casual e disse: – Sabe que eles
ainda estão de olhos em você, não sabe? Estão esperando um deslize seu, esperando para ver se
alguém é estúpido o suficiente para dar uma mordida. Isca e espião em um só. Seja esperto, ok? Você
entrou nisso, o que significa que não posso protegê-lo se as coisas saírem do controle.

– Vou ter cuidado –, garantiu Neil. – Obrigado

– Queixo erguido –, disse Stuart, aprumando-se. – Olhe para frente. O patrãozinho está aqui esta
noite. Não o faça se arrepender de investir em você.

Neil não foi tão estúpido a ponto de olhar para a torre leste. Apenas assentiu e assistiu Stuart
desaparecer em meia multidão. Ele correu de volta a Wymack, decidido a não contar a Kevin sobre
quem estava presente hoje à noite. Wymack deu mais um minuto à sua equipe para se socializar e
depois levou-os ao vestiário. Eles se trocaram o mais rápido que podiam, o estado de espírito
restaurado pelo entusiasmo de seus convidados, e rodearam o pátio interno até os Corvos surgirem.

Neil achou a multidão barulhenta antes, mas as boas-vindas que deram à equipe local fizeram
seus ouvidos doerem. As Raposas se retiraram para o vestiário, para se alongarem e salvar seus
tímpanos. Gastaram o tempo equipando o resto do equipamento e se encontraram novamente na sala
principal. Wymack deu-lhes um minuto para respirar antes de enviá-los ao pátio interno mais uma
vez. Os árbitros desta noite dividiram-se entre as extremidades da quadra, no aguarde, próximos aos
portões para deixar as equipas entrar. Os Corvos foram um fluxo interminável de preto quando
entraram pelo lado oposto, e Neil tentou não olhar. O aquecimento nunca pareceu tão demorado; Em
um minuto Neil estava tomando sua posição e no próximo eles estavam sendo chamados para a
apresentação antes da partida.

A banda de Palmetto, a Orange Notes, havia encontrado seus lugares em algum momento, eles
tocaram a canção de guerra com orgulho petulante assim que o locutor terminou de anunciar a
escalação das Raposas. O locutor esperou até a última nota, antes de anunciar a escalação dos
Corvos. A canção de guerra de Edgar Allan soava maliciosa, como sempre, e a bateria continuou com
uma batida pesada muito depois que o resto da banda ficou em silêncio. A multidão prosseguiu até
que todo o estádio parecia estar se contorcendo em fúria. Neil não sabia se eram as reverberações de
sua loucura ou sua palpitação caótica que estava o sufocando.

Dan encontrou Riko na quadra para o lançamento de moeda e ganhou o primeiro saque pra as
Raposas. A multidão continuou, como se planejassem continuar a noite toda. Wymack teve alguns
minutos antes de iniciarem a formação necessária na quadra, então ele se aproximou de sua pequena
equipe, o suficiente para que pudessem ouvi-lo.

– Sou péssimo em conversas motivacionais, mas Abby me ameaçou com uma morte assustadora se
eu não fizesse algum tipo de esforço. Foi isso que eu pensei depois de uma hora batendo cabeça. Eu
não ensaiei, então vocês terão que fingir que é uma coisa polida e encorajadora. De acordo?

Ele olhou em torno, para todos eles, captando e segurando os olhares de cada jogador por um
momento.

– Quero que vocês fechem os olhos e pense no porquê de estarem aqui esta noite. Não me digam
revanche, porque vocês já conseguiram só de estarem aqui.

– Não é mais sobre Riko –, continuou Wymack. – Não é sobre os Corvos. Isso é sobre vocês. Isso
tudo é sobre o que vocês engoliram até chegarem aqui, tudo o que lhes custou, e todos aqueles que
riram quando vocês ousaram em sonhar com algo grande e brilhante. Vocês estão aqui porque se
recusaram a se render, se recusaram a ceder. Vocês estão aqui, onde todos disseram que nunca
chegariam, e ninguém pode dizer que vocês não ganharam o direito de jogar esta partida.

– Todos os olhos estão em vocês. É hora de mostrar a eles do que vocês são capazes. Não há
espaço para dúvida, não há espaço para suposições, não há margem para erro. Hoje é a noite de
vocês. É o jogo de vocês. É o momento de vocês. Aproveitem tudo o que vocês podem. Se livrem de
todos os obstáculos e deem tudo de si. Lutem, porque vocês não vão morrer em silêncio. Vençam
porque vocês não sabem perder. Esse tal Rei já governou por tempo suficiente... é hora de derrubar
seu castelo.

O sinal de aviso soou acima. Wymack bateu palmas e gritou:

– Vamos! Raposas!

Eles rugiram em resposta, e a escalação se dirigiu para o portão.

Os Corvos tomaram a quadra por primeiro, se estabelecendo em suas marcas. Riko foi o Primeiro
a ser apresentado, então Neil assumiu que ele jogaria esta partida como da última vez: aparecendo
durante a primeira e quarta metade do primeiro e segundo tempo. Kevin foi o primeiro a ser
anunciado das Raposas, Neil logo depois. Eles foram para suas marcas, na linha da meia-área. Neil
manteve os olhos em Riko, sabendo que Riko já deveria ter ouvido sobre a tatuagem de Kevin. E
estava certo; Neil ainda estava a seis metros de distância quando enxergou a raiva gélida no
semblante de Riko.

Riko nada disse até Kevin e Neil pararem, e finalmente cuspiu em japonês cruel. Kevin o ignorou,
até Riko dizer algo a mais, então lançou um olhar frio para Riko e respondeu. Neil não sabia o que
estava dizendo, no entanto Riko torceu as mãos enluvadas ao redor da raquete como se imaginasse
quebrando o pescoço de Kevin. Irritar Riko pouco antes de uma partida tão importante era tão
estúpido quanto estimulante. Neil já não podia mais ouvir a multidão através da corrente sanguínea
percorrendo seus ouvidos.

Ele olhou para o relógio assim que a última Raposa entrou e observou até chegarem à marca de
dez segundos. Ele olhou para o outro lado, a sua frente, além do outro atacante, para o negociante e
seu primeiro ponto, contando as cabeças ao fundo. Faltando dois, enxergou o goleiro, e imaginou o
gol florescendo em vermelho com o ponto das Raposas. Aos um segundo, o sinal tocou e Dan
disparou o primeiro saque da noite.

Fazia quase sete meses desde que Raposas e os Corvos tinham se encontrado pela última vez na
quadra, e não demorou muito para os Corvos perceberem que estavam enfrentando uma equipe
completamente diferente. No outono passado, as Raposas tomaram a partida como uma perda certa
antes mesmo de pisar na quadra. Jogaram contra os Corvos porque precisavam, olhando muito além
daquela partida, para a esperança do campeonato de primavera. Hoje à noite, animados pela
determinação e meio bêbados de desespero, as Raposas tiveram o começo mais forte que tiveram o
ano todo.

As Raposas eram ferozes, mas os Corvos estavam com sangue nos olhos. Neil podia sentir como
veneno na quadra, uma vibração ruim que fazia todos os instintos de sobrevivência estremecer.

A chacota da NCAA não deveria ter chegado tão longe, muito menos conquistado tanto.

A perda de Jean, uma investigação interna minuciosa e a dor violenta de Riko seguido da morte de
seu pai foram suportadas com êxito. O ataque de sua torcida contra Palmetto State e as acusações
veladas de Kevin causaram muita pressão. Havia rumores de que Edgar Allan fecharia o Ninho e
reintegraria a equipe com o restante dos atletas para sua própria segurança psicológica. Agora Kevin
aparecia na quadra de sorriso irônico e uma nova tatuagem, e as Raposas os atacando como se não
duvidassem de quem venceria.

As Raposas não eram o mesmo time, mas também não eram os Corvos. Eles não haviam levado as
Raposas a sério no ano passado. Agora estavam, sem desferir um único soco.

O jogo não começara violento, porém não demorou muito. Corpos se chocaram contra as paredes
da quadra e o chão; raquetes se partiram junto e por pouco não perderam suas camisas e capacetes.
O ruído de raquetes deslizando contra o chão, violentamente arrancadas de mãos enluvadas, ressoou
nos ouvidos de Neil quando ele se obrigou a ir mais rápido. A defesa e os atacantes das Raposas
lutaram com unhas e dentes para proteger o gol e interceptar a bola, mas a boa intenção e garra não
durariam muito. Os defensores simplesmente não foram rápidos o suficiente para competir. Renee
deu tudo o que tinha, mas Riko e Engle lançaram suas bolas em rápida sucessão. Toda vez que o gol
se acendia em vermelho para os Corvos, Neil estremecia.

Eles pareciam uma bagunça exausta e ansiosa no momento em que foram dispensados para o
intervalo. Nicky mal conseguiu chegar ao vestiário antes de começar a tremer. Abby colocou-o de
lado e deu-lhe bebidas. Renee estava de pé com lábios brancos e tensos no centro do vestiário.
Estavam perdendo de sete a três, e os Corvos entrariam com uma nova formação quando o sinal
tocasse. Não havia retorno seguro como contra os Troianos. O único caminho a seguir seria o
fracasso.

Renee abriu a boca, sem conseguir falar. Talvez por culpa, supôs Neil, estava estampada em seus
olhos que ela estava tentando se desculpar. Ele nunca a tinha visto tão desapontada, porém eles
nunca haviam corrido tanto em um único jogo. Renee fechou a boca, limpou a garganta e tentou
novamente. O que saiu não foram desculpas, mas um silencioso:

–tem certeza?

Neil não entendeu até Andrew responder:

– Sim.

– Então tá –, disse ela. – Com licença.


Ela se retirou da sala e uma porta se fechou atrás dela enquanto desaparecia no vestiário
feminino. Dan parecia pronta para segui-la, mas Wymack balançou a cabeça e gesticulou para que
continuasse o alongamento.

– Deixem ela em paz –, disse Wymack, deprimido. – Ela não queria jogar hoje à noite depois do
jogo contra a USC. Nós a convencemos –, disse ele, olhando para Andrew. – Andrew disse que
poderia controlar a pontuação se ela mostrasse a jogabilidade deles.

– Você deveria ter deixado ela de fora –, disse Aaron. – Ela teria sido mais útil como um quarto
defensor. Foi uma péssima goleira.

– E de quem foi a culpa? – indagou Kevin.

Aaron e Matt se eriçaram, mas permaneceram em silêncio. Nicky sugou uma respiração trêmula e
disse:

– E como devemos pará-los se eles não estiverem com a posse de bola?

– Deixando eles retraídos –, insistiu Kevin. – Mantê-los longe da nossa área para impedi-los de
fazer passes rápidos. Forcem eles a atirar de mais longe e Andrew terá uma chance melhor de
defesa.

– Grande plano –, comentou Aaron com forte sarcasmo –, exceto que eles são quase tão rápidos
quanto o seu mini clone. Não consigo pressioná-los se não conseguirmos acompanhá-los.

– Encontre um jeito –, insistiu Kevin, e foi tudo.

A pausa de quinze minutos terminou cedo de mais. Renee se encontrou com eles quando voltaram
para a quadra. Dan abraçou-lhe rapidamente, sem dizer nada, sabendo que nem mesmo
encorajamento e conforto seriam apropriados naquele momento. Câmeras esperavam na porta da
quadra a formação das Raposas, então Neil seguiu Kevin. Kevin permaneceu calmo e silencioso até
um árbitro abrir a porta para eles. Antes do primeiro passo, Kevin acertou a ponta da raquete no
chão e passou o bastão para a outra mão. Ele prosseguiu até metade da quadra de cabeça erguida
usando a mão esquerda, e a multidão foi à loucura.

Neil não foi o único a esquecer do grande auge de Kevin. Os Corvos o tinham como carta fora do
baralho assim que fraturou a mão, eles haviam se habituando a sua jogabilidade como destro até
perceberem que o encarariam de volta. Mesmo que soubessem que essa hora estaria por vir, eles não
estavam preparados, porque Kevin não tinha mais medo de Riko. Ele explorou as fraquezas de seus
ex-companheiros sempre que pode e, sem Jean por perto, usou o francês para chamar Neil por toda a
quadra. Kevin marcou apenas a três minutos do segundo tempo, e cinco minutos depois marcou de
novo.

Os Corvos se juntaram como Kevin e Neil sabiam que fariam, e o jogo se transformou em uma luta
feroz. Repetidas e repetidas vezes, acertam Matt e Aaron para atirar no gol; repetidas e repetidas
vezes Andrew bloqueou seus tiros. Andrew raramente chamou os defensores, que, talvez,
perceberam que estavam no meio do caminho para fugir, talvez concentrados demais nos atacantes
dos Corvos para se distrair com o goleiro. Neil nunca o tinha visto jogar assim, tão intenso, rápido e
determinado, mas Andrew tinha promessas de manter um gol a salvo.

Aos dezessete minutos, o placar estava oito e seis, e os Corvos finalmente perderam a paciência.
Reacher reagiu ao terceiro gol de Kevin, desferindo-lhe um soco. Ele não parou com um único golpe,
continuando. Os árbitros abriram as portas, mas as equipes foram mais rápidas em adentrar na luta.
Os únicos que não se juntaram à briga foram os goleiros, dentro das linhas demarcando seus limites,
e observavam. Precisou dos seis árbitros para acabar com luta. Reacher foi expulso com um cartão
vermelho, Kevin e Matt receberam amarelos.

Kevin marcou de falta, o que nada ajudou a melhorar o clima. Em vez de perseguir Kevin
novamente, os Corvos se voltaram para os defensores e Andrew. Matt e Aaron estavam tropeçando
mais do que o normal, pois seus marcadores os faziam tropeçar a cada momento. A irritação fez com
que Matt e Aaron recuassem um pouco mais, e Neil sabia que não demoraria muito para que um
deles perdesse a paciência. Até o momento, Allison deu voz a sua fúria gritando ameaças e insultos
para cada Corvo na quadra.
Na próxima vez que Jenkins passou por Aaron, ela atirou a bola próximo ao gol. Era óbvio que
Andrew chegaria primeiro, porém, mesmo assim, Williams disparou em direção. Quando Andrew
pegou a bola, Williams deveria ter se desviado e recuado para se reagrupar. Em vez disso, Williams
atingiu Andrew com toda velocidade o esmagando contra a parede. O gol se acendeu em vermelho
quando os sensores embutidos confundiram seu peso como um ponto. Do lado de fora, a multidão
ficou surpresa em um silêncio temporário; Eliminar o goleiro foi uma das piores ofensas na partida.
No momento em que a torcida recuperou o suficiente de juízo para rugir, Andrew já havia se
desvencilhado de Williams. Ele deu um passo para longe da parede e cambaleou. O objetivo da
armadura dos goleiros era protegê-los de bolas em alta velocidade, não de raquetes e corpos.

Andrew perdera o fôlego.

Neil preencheu o espaço entre eles como se nada estivesse em jogo. Ele não se lembrava de ter
largado a raquete, mas, de repente, tinha as duas mãos livres. Ele as cravou contra o peito de
Williams, o empurrou o mais forte que pôde para derrubá-lo. Jenkins agarrou selvagemente seu
companheiro de equipe, sem conseguir evitar sua queda, e Williams caiu de joelhos fortemente. Matt
arrastou Neil antes que pudesse ir atrás dele novamente.

– Calma! – gritou Matt, porque os árbitros pálidos já estavam a meio caminho. – Você não pode
receber cartão, entendeu? Nós não temos como substituir você. Eu sou o defensor –, ele insistiu
quando Neil abriu a boca. – É meu trabalho defender o gol, tá certo?

Neil não recebeu um cartão por seu impulso antidesportivo, no entanto, recebendo uma
advertência verbal de um dos árbitros. Neil o fitou de volta num silêncio perverso. Matt empurrou
Neil para trás, antes que fosse advertido novamente e se desculpou pela atitude. Neil virou-se para
verificar Andrew. Andrew retribuiu com um olhar entediado, em seguida, olhou ao redor, para a
confusão em volta de Williams. Os Corvos estavam recebendo outro cartão vermelho, mas não
parecia uma vitória. Tetsuji estava aproveitando o cartão para substituir seus jogadores.

O único Corvo a fazer uma segunda aparição na quadra foi Riko. Os outros dois eram novos, outro
atacante para equilibrar Riko e um negociante ofensivo que Neil se lembrava do jogo em outubro
passado. Os Corvos tentariam abrir espaçadamente a defesa das Raposas, e neste momento não
requereria muito trabalho. Estavam quase na metade do segundo tempo. Mesmo que as Raposas
fossem treinadas para jogos prolongados, eles estavam rapidamente perdendo força. Custava muito
enfrentar um time como esse.

– Eles não são rápidos o suficiente –, disse Andrew.

Ele se referia a sua linha defensiva, então Neil disse:

– Eu sei.

– Tá cansado? – Indagou Andrew.

Não era preocupante, Neil sabia, mas não tornava a questão menos confusa. Esta noite ele não
tinha recebido a bola com frequência suficiente para estar cansado, no entanto, ele não conseguira
falar com Matt a alguns metros de distância dele.

– Ainda não.

– Então é hora da minha deixa. Matt –, Andrew o chamou, e Matt se virou até eles imediatamente.
Andrew levantou um dedo da raquete para apontar para Neil. – Vamos substituir Dan na posição de
Neil e Neil vai substituir você.

Matt o fitou.

– Vamos o que?

– Você está mancando –, respondeu Andrew. Neil nem reparou, concentrado demais na bola e nos
Corvos. Ele olhou com espanto aos pés de Matt como se de alguma forma pudesse ver a origem da
dor de Matt. – Agora você não é mais útil para mim. Peça a Abby para colocar uma tornozeleira nisso.
Enquanto isso, Neil pode contê-los.
Eles haviam dito a noite toda que a velocidade era a fraqueza fatal em sua linha defensiva. Neil
era o jogador mais rápido da primeira divisão, porém Neil não fazia ideia de como Andrew achava tal
troca viável. Neil queria apontar todas as razões pelas quais seria uma má ideia, mas ele não tinha o
direito de recusar algo de Andrew.

– Comecei jogando na defesa, lembra? – Neil disse a Matt. – Os Corvos me puseram para
enfrentar Riko quando eu fiquei com eles em dezembro. Conheço a jogabilidade deles.

– Duas semanas de treino não torna você preparado para enfrentar o melhor atacante da partida.

– Kevin é quem é o melhor atacante –, Neil o corrigiu –, e eu não preciso ser o melhor defensor
para enfrentar Riko. Só tenho que ser mais rápido que ele. Nós dois sabemos que eu sou. Confie em
mim. Eu posso mantê-lo longe de Andrew enquanto você descansa.

– O treinador nunca fará isso –, disse Matt.

– Diga a ele que precisa fazer –, pressionou Andrew, como se fosse tão simples.

Talvez a convicção de Andrew tenha convencido Matt. Andrew nunca havia se importado antes, e
fazia questão de provar. Tê-lo se importando o suficiente para discutir era inesperado e sem
precedentes. Ainda havia dúvidas e argumentos na expressão preocupada de Matt, que se afastou
sem dizer outra palavra. Quando ele se dirigiu para o portão, Neil finalmente o viu mancar. Matt não
precisava mais parecer uma muralha inabalável, e assim parou de tentar esconder o quanto doía.

Matt parou na porta, discutindo com Wymack e Abby. Talvez o truque fosse invocar o nome de
Andrew, ou talvez Wymack estivesse desesperado o suficiente para tentar qualquer coisa naquele
momento. De qualquer forma, Dan entrou alguns segundos depois. Allison a fitou, presumindo que
estavam a substituindo. Dan pediu que permanecesse e tomou o a posição de um atacante.

– Você é maluco –, disse Neil a Andrew em voz baixa.

– Não é novidade para ninguém –, retrucou Andrew.

Neil meneou a cabeça e se mudou para sua nova posição, ao lado de Riko. Riko olhou dele para
Dan, para Andrew e de volta para Neil. Levou apenas um segundo para juntar tudo, o sorriso de Riko
foi frio.

Talvez ele tivesse esse direito de se sentir convencido. Não fazia a mínima diferença Neil ter
começado na defesa. Ele não havia jogado nessa posição por metade de sua vida e só nos últimos dois
anos ele havia começado a aprimorar sua habilidade como atacante. Riko tinha visto por si mesmo,
durante o feriado Natalino, como as habilidades defensivas de Neil eram precárias.

Todavia, Riko esquecera que Neil não pisara na quadra dos Corvos até Tetsuji tê-lo deixado
inconsciente. A saúde de Neil piorara consideravelmente graças aos abusos constantes de Riko.
Nesta noite Neil estava em perfeita forma, e estava furioso com os Corvos por machucarem suas
Raposas.

Andrew jogou a bola para cima e a luta para os minutos finais começou. Neil perseguiu Riko a
cada passo, usando sua raquete e corpo para arruinar os tiros de Riko e afastá-lo de Andrew. Eles
lutaram entre si na quadra, se abaixando e disparando, se esquivando e investido, quase tropeçando
um no outro em todos os momentos. Riko usou todos os truques que possuía para se esquivar de
Neil, mas não conseguiu se esquivar por muito tempo.

Minutos se estenderam sem um tiro claro para o gol. Riko rosnou algo odioso para Neil assim que
Andrew rebateu seu ultimo tiro. Neil riu dele, sabendo que só iria enfurecê-lo ainda mais. A
impaciência e a fúria de Riko eram combustível, o que deu a Neil velocidade e o fez esquecer a
queimação crescente em suas coxas e panturrilhas.

Algo estalou em seu ombro, um pouco dormente quando ele e Riko foram ao chão pela enésima
vez. Como não doeu, Neil não parou para se preocupar. Se levantou e pegou a bola antes de Riko,
passando para Allison. Allison passou para Kevin, Kevin para Dan, Dan de volta para Kevin e Kevin
marcou. E assim eles estavam empatados, oito a oito.
Ninguém pontuou por mais dez minutos, e não por falta de tentativas. Finalmente, Berger desviou
de Aaron para um tiro rápido no gol. Andrew não foi rápido o suficiente e bateu sua raquete contra a
parede quando o gol ficou vermelho. A irritação de Andrew era tão inspiradora quanto à de Riko, mas
Neil não conseguia manter a defesa sozinho e Aaron fez o máximo que pôde. Na próxima agressão
dos Corvos contra as Raposas, dando-lhes a posse, Wymack enviou Nicky e Matt.

Neil esperava ser substituído, porém Nicky trocou de posição com uma Allison exausta e Matt
assumiu a posição de Aaron. O sorriso que Matt atirou em Neil foi tanto encorajador quanto
confiante. Neil devolveu com um sorriso tenso e eles avançaram como um só. Com três defensores na
quadra, a linha defensiva finalmente teve a oportunidade de se reagrupar, e nos cinco minutos finais
a ofensiva dos Corvos foi fechada. Riko e Berger estavam mais retraídos, sem ter outra escolha, e
Andrew defendeu todas as tentativas. Do outro lado da quadra, Kevin marcou em um rebote,
empatando mais uma vez.

Estavam se encaminhando para os pênaltis, percebeu Neil, pensar em enfrentar o goleiro dos
Corvos estando tão exausto era uma perspectiva assustadora. Neil havia gasto toda a sua energia,
consumido por todo seu esforço, e continuava a se mover por uma sensação irracional de
autopreservação. Suas pernas e pulmões estavam queimando, a dormência em seu ombro havia sido
substituída por calor. Seus pulsos e braços doíam, havia machucado de tanto atingir Riko e o chão
com frequência. Seus cotovelos doloridos por constantes cotoveladas, já não conseguia mais sentir os
pés, e havia uma possibilidade de Riko ter quebrado um ou dois dedos da última vez que pisou em
seu pé.

Neil não sabia que haviam chegado ao último minuto de jogo até que a campainha tocou. Seu
corpo sabia o que aquele som significava e finalmente cedeu. Caiu de joelhos e mal conseguiu se
apoiar com as mãos. Seu estômago revirou-se dentro de si, porém sem forças para vomitar. Com
ausência de oxigênio, seus músculos pareciam estar se desintegrando, doía demais respirar. A boca
de Neil trabalhou em breves suspiros que não fizeram nada por ele.

A campainha tocou novamente e o coração de Neil parou.

Não foi somente o zumbido da campainha em seus ouvidos. Seus companheiros de equipe
estavam gritando, nenhuma palavra, gritos de bravura, de descrença e vitória. Os dedos de Neil
estremeceram de tal forma que era quase impossível desfazer as travas do capacete, mas ele
finalmente conseguiu jogar o capacete de lado. Ele piscou o suor dos olhos e olhou para o placar.

Dez a nove, a favor das Raposas – Kevin havia marcado nos últimos dois segundos.

Neil desejou poder sorrir, entretanto, precisou de toda sua força apenas para olhar Riko. O
capitão dos Corvos e Rei do Exy encarava o placar como se esperasse que mudasse. Raposas
correram umas para as outras, ainda gritando o máximo que podiam, os Corvos permaneceram
parados como pedras. Era a primeira derrota na história de Edgar Allan, e eles haviam caído para o
mais improvável dos adversários.

Neil respirou profundamente limpando o caminho de seus pulmões.

– Eu perguntaria como se sente, mas acho que você sempre soube como é ficar em segundo, seu
pedaço de bosta inútil.

Finalmente, Riko desviou o olhar do placar. Ele olhou para Neil, o rosto inexpressivo e atordoado,
então a repulsa transformou sua expressão em algo terrível. Sua raquete raspou por cima da cabeça
de Neil, que levou um segundo para perceber que Riko estava realmente tentando acertá-lo. Dan
gritou seu nome do meio da quadra, mas não havia nada que Neil pudesse fazer, a não ser ver a
raquete de Riko acertá-lo.

Ele mal tinha forças para respirar.

Se esquivar estava fora de questão.

A raquete de Riko chegou perto o suficiente para Neil ouvir o assobio do vento entre as cordas,
então uma segunda raquete surgiu do nada, grande, brilhante e laranja. Andrew usou toda sua força
restante atingindo Riko em seu antebraço. Seus ossos fizeram um estrondo nauseante quando se
quebraram. A raquete de Riko caiu inofensivamente para um lado, e Riko foi o único a gritar. Ele
tropeçou alguns passos para longe deles antes de cair de joelhos, segurando o braço contra o
abdômen. Andrew posicionou sua raquete a frente de Neil, como um escudo, observando a queda de
Riko com profundo tédio.

Neil perdeu a visão de Riko quando as Raposas o cercaram. Seus dedos enluvados acariciavam
sua cabeça e ombros, procurando por qualquer sinal de que havia se machucado. Neil ignorou suas
demandas frenéticas, mais interessado em ouvir os gritos intermináveis e agonizantes de Riko. Então
Dan segurou seu rosto em suas mãos e o sacudiu.

– Neil! –, ela o chamou, tamanho desespero e medo que Neil teve que olhar.

– Ei –, disse Neil, rouco de exaustão e inebriante de triunfo. – Nós vencemos.

Dan o abraçou e enterrou uma risada contra o seu ombro acolchoado.

– É, Neil. Nós vencemos!


EPÍLOGO

A cerimônia para que Edgar Allan passasse o troféu do campeonato para seus sucessores deveria
ter ocorrido. Em vez disso, a comemoração foi adiada para a amanhã do dia seguinte. No lugar da
cerimônia: policiais, técnicos de emergência médica e entrevistas. Neil já esperava que as Raposas
estivessem envolvidas em mais alguma coisa, porém sem saber o motivo.

Riko fora levado em uma ambulância, mas Corvos e Raposas permaneceram no estádio até às
duas e meia da madrugada. A multidão só saiu quando a polícia os forçou, e permaneceram em um
silêncio sepulcral quando deixaram os portões de Evermore. Os convidados das Raposas e as
Volpinas defenderam o direito de permanecer, entretanto recusado. Quando saíram, prometeram
encontrar as Raposas no hotel.

As Raposas permaneceram caladas, até que finalmente puderam tomar banho e trocar de roupa.
As longas horas, desde o último sinal, havia temporariamente acabado com sua bem merecida
comemoração. Eles estavam doloridos e exaustos, a ponto de que qualquer movimento parecer uma
tarefa árdua. Neil encostou-se na parede do chuveiro sabendo que não conseguiria se sentar. Ele
adormeceu sem querer, mas acordou novamente quando a água ficou gelada. Ele bocejou enquanto
se vestia e foi em busca de seus companheiros.

Um guarda o esperava do lado de fora do vestiário e o deteve.

– Neil Josten, eles têm algumas perguntas para você.

Neil seguiu em silencio atrás dele até o pátio interno. O estádio estava completamente vazio e a
polícia fora embora há muito tempo. Neil estava cansado demais para perguntar o que estava
acontecendo, então caminhou lentamente atrás do guarda em silêncio. A meio caminho estava uma
porta que os guardas usavam para se locomover entre o pátio interno e as arquibancadas. O guarda
abriu e gesticulou para Neil. O refrigerante derramado fez os sapatos de Neil grudarem no chão, e
todo o lugar cheirava a fritura e cerveja.

Passando por um lance de escadas, havia uma entrada para o túnel que permitia que os
torcedores saíssem para a área externa. Neil estivera na área externa das Raposas apenas uma vez,
já que a cerca impedia que as Raposas tivessem contato com barracas de comida e lojas de brindes.
A área externa dos Corvos se parecia muito com a do Foxhole, exceto pelos banners do campeonato
que pendiam das vigas. Uma vez fonte de orgulho, agora serviria como um lembrete visível do
fracasso desta noite.

Acima de um elevador, com letras vermelhas em negrito, se via LESTE, e Neil esqueceu dos
banners. O guarda teve que passar sua credencial e digitar um código de seis dígitos para obter
acesso. Havia apenas dois botões no interior, “térreo” e “topo”. Neil fechou os olhos durante a
viagem até o topo.

O guarda ficou para trás assim que Neil saiu, então Neil continuou sozinho. Um pequeno corredor
se abria para uma sala espaçosa que Neil reconheceu. Nove anos atrás, ele estivera ali com Riko e
Kevin, enquanto seu pai dividia um homem em cem partes.

Stuart Hartford e um homem que Neil não reconheceu estavam nos cantos mais distantes. Tetsuji
e Riko estavam sentados em um dos sofás, Tetsuji com as costas retas e o rosto pálido, Riko de cara
fechada e vazia. Neil enxergou o gesso branco saindo da tipóia que os médicos colocaram. Neil
poderia tê-lo olhado para sempre, mas Ichirou estava de pé próximo às janelas que davam para a
quadra e Neil sabia que não deveria ignorá-lo. Neil estava a meio caminho entre os irmãos e fixou os
olhos no pescoço de Ichirou.

Estava tão silencioso que Neil ouvia o relógio de alguém. Neil contou um minuto, depois dois, e
ainda ninguém dissera uma única palavra. Finalmente, Ichirou tirou uma mão enluvada do bolso e
gesticulou. O estranho trouxe uma arma para ele. Neil esperou, em silêncio e sem fôlego, que Ichirou
pusesse a arma em sua direção. Ele poderia pedir uma segunda chance, mas não havia sentido em
tentar. Suas palavras não mudariam o que aconteceria esta noite, e até mesmo Neil não podia mentir
o suficiente para convencer Ichirou de que se sentia arrependido.

Ichirou avançou, mas não para Neil. Ele ficou a frente de seu tio e falou em japonês calmo. Tetsuji
ouviu tudo em silêncio, a expressão inalterável. Quando Ichirou ficou em silêncio, Tetsuji se ajoelhou.
Ele não se sentou novamente, mesmo quando Ichirou voltou seu olhar pesado para Riko. Riko
finalmente se moveu, o suficiente para erguer o olhar, e os irmãos se encararam pela primeira vez.
Ichirou se agachou a sua frente, sem falar e lento.

– Ichirou –, disse Riko, tão sufocado pela emoção que Neil mal conseguia entender. Poderia estar
amaldiçoando o nome de Ichirou por esperar tanto tempo para entrar em sua vida. Poderia estar
pedindo justiça ou vingança. Riko abriu a boca para dizer algo mais, fechando-a novamente quando
Ichirou repousou a bochecha de Riko com sua mão livre.

Não era conforto, e Neil não percebeu até ser tarde demais. Ichirou colocou a arma na têmpora
de Riko e puxou o gatilho sem hesitar. O tiro foi tão inesperado, tão alto, que Neil saltou. O corpo de
Riko estremeceu sob a força do impacto. Sangue espirrou nas costas de Tetsuji e no sofá de couro
que compartilhavam. Ichirou retirou as mãos e deixou Riko cair.

Quando Ichirou se aprumou, o estranho deu um passo à frente. Ichirou devolveu a arma, e o
estranho se ajoelhou para pressioná-la na mão sem vida de Riko. Neil observou-o apertar os dedos de
Riko ao redor do cabo. Em um canto distante de sua mente, Neil sabia o que estava acontecendo,
neste momento Neil estava surpreso demais para ter noção.

Ichirou posicionou-se em frente a Neil.

– Você sacrificou o treinador e o capitão dos Corvos. Satisfeito?

No começo, não fazia sentido, porque Tetsuji ainda estava vivo. Quando entendeu, Neil parou de
respirar. Tetsuji Moriyama estava deixando o cargo – não necessariamente por Neil, e sim por Ichirou
estar ali vendo o que os Corvos haviam se tornado sob a orientação de Tetsuji. Stuart dissera que
Ichirou estava reduzindo as perdas.

A violência imprudente e sanidade desgastada dos Corvos tornou-os uma responsabilidade óbvia.
Ichirou não queria nenhuma relação com a reputação manchada de Edgar Allan.

De repente, Neil havia desperto.

– Seu pessoal vai estar seguro, assim como o meu. Sim, estou satisfeito.

O sorriso de Ichirou era frio e fugaz.

– Eles podem chamá-lo pelo nome que quiserem. Você sempre será um Wesninski puro. –, Ichirou
gesticulou para Neil como se enxotasse um mosquitinho. – Dispensado.

O guarda levou Neil de volta ao vestiário e o deixou na porta. Neil entrou sozinho e encontrou
todas as Raposas esperando por ele. Neil olhou de um rosto cansado para outro, os observando,
divertindo-se com tudo o que tinham feito esta noite e imaginando como reagiriam quando ouvissem
as notícias amanhã.

– O que é tão engraçado? – Nicky perguntou ao enxergar Neil na porta. Neil não percebera que
estava sorridente. – A vida?

Seu bom humor pareceu injetar um pouco de vida na sala. Dan sentou-se um pouco mais ereta, e
Matt sorriu. Kevin pressionou os dedos com força contra a nova tatuagem. Aaron e Nicky trocaram
olhares triunfantes, e Allison se aproximou para apertar a mão de Renee. Wymack assentiu; O sorriso
de Abby era de orgulho.

– Vamos dar o fora daqui –, disse Wymack. – Temos uma festa esperando por nós. Quem não
estiver no ônibus em dois minutos vai passar a noite aqui.

Em nenhum outro mundo Wymack realmente deixaria sua equipe para trás, mas as Raposas
saíram como se acreditassem. Neil esperou enquanto os outros saíam, sabendo que Andrew seria o
último. Wymack sabia que não deveria ficar e seguiu suas Raposas pelo corredor. Andrew trouxe a
bolsa de Neil. Neil pegou-a, mas deixou de lado. Andrew o estudou por um momento, dando de
ombros e estendendo a mão na parede próxima a cabeça de Neil.

– Suas reuniões estão ficando repetitivas -, disse Andrew. – Pensei que soubesse fugir.

Neil fingiu estar confuso.

– Pensei que você tivesse dito para eu parar de fugir.

– Dica de sobrevivência: ninguém gosta de espertinhos.

– Exceto você –, Neil o lembrou.

Um ano antes, Neil era um Zé ninguém assustado, se odiando por assinar o contrato com as
Raposas e contando os dias até se mudar com Wymack. Hoje à noite, ele fora o atacante titular da
equipe campeã da NCAA. Em dois anos, ele seria o capitão e, em quatro, se formaria em Palmetto
State. Neil primeiro encontraria uma equipe profissional e depois lutaria com unhas e dentes para
chegar ao status de craque. Neil já podia imaginar o peso de uma medalha olímpica em volta do
pescoço. Nem se importaria com a cor, desde que fosse dele.

Melhor que seu futuro brilhante era o que ele já tinha: uma quadra que sempre seria sua casa,
uma família que nunca desistiria dele, e Andrew, que pela primeira vez não desperdiçara seu tempo
negando que isso, essa tal coisa, entre eles pudesse significa algo para ambos. A princípio, Neil não
notou o silêncio, distraído demais em seus pensamentos vertiginosos. Agora ele não podia deixar de
sorrir e puxar Andrew para si.

Era tudo o que ele queria, tudo o que precisava e Neil nunca desperdiçaria.
AGRADECIMENTOS

" Para os adoráveis Courting Madness que se recusaram a desistir das Raposas, mesmo quando
eu poderia: O apoio de vocês significou o mundo para mim. Espero que que aproveitem o resultado
final tanto quanto adorei escrever. "

" Para KM, Amy, Z, Jamie C e Miika: obrigado por editar isso comigo. Isto seria um naufrágio
ininteligível sem a paciência e percepção de vocês. "

"Arte de capa desenhada pela minha irmã mais nova." – Nora Sakavic.

THICOSS – TRADUÇÕES

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