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São Cristóvão/SE
2021
Anna Julia Alves Barroso
São Cristóvão
2021
ANÁLISE DE CONJUNTURA: O CASO DO LÍTIO BOLIVIANO
Introdução
O lítio, descrito primordialmente como um elemento químico de menor densidade, teve uma
demanda crescente a partir da sofisticação da industrialização, sendo usado como material
indispensável para baterias elétricas (Rodrigues, 2017).
A maioria esmagadora das reservas de Lítio encontra-se, hoje, na América do Sul dividido
entre o Salar de Uymi (Bolívia), Salar de Atacama (Chile) e o Salar del Hombre Muerto
(Argentina). Nessa análise, estudaremos especificamente o caso da exploração do Salar de
Uymi, em paralelo às políticas dos demais.
Partindo das políticas públicas atuais da Bolívia, pode-se considerar sua política em relação à
exportação do lítio nacionalista, por vezes mais conservadora que a de seus vizinhos, Chile e
Argetina - também possuintes de enormes reservatórios.(Obaya,2017)
Nesse cenário de demanda crescente desde os anos 70, a política de realinhamento com os
EUA vinda da Argentina e a neutralidade chilena fizeram crescer o fluxo de capital
estrangeiro rondando esses países. Já a Bolívia de Morales, com políticas voltadas ao Estado,
segue sendo tema de controvérsias e angariando inimigos até mesmo entre agentes privados
internacionais - a exemplo, Elon Musk, CEO da Tesla, chegou a dar declarações via redes
sociais que poderiam ser consideradas admissão de participação no golpe de Estado que
levou à renúncia de Evo Morales em 2019 (. Um ano depois, o poder foi restituído ao partido
de Evo, após um massacre indígena coordenado pela então autodeclarada “presidente
interina”, Jenine Áñes, adiamentos das eleições prometidas e crescente instabilidade, com a
eleição de Luis Arce (Greenwald, 2020)
Assim, sofrendo diversas pressões externas e sem o apoio de seus vizinhos, o Estado
Plurinacional da Bolívia segue com sua política de benefício estatal, que poderia representar
uma estratégia bem-sucedida com o auxílio de uma integração regional bem direcionada a
fim de sanar as problemáticas que representam a ação de países e empresas do centro mundial
- sobretudo EUA e empresas estadunidenses - na região.
Desenvolvimento
O Estado Plurinacional da Bolívia inicia sua caminhada em 1809, sendo ainda à época o Alto
Peru, uma das primeiras colônias a questionar o jugo europeu; como toda a América Latina,
trata-se de um caso peculiar onde os limites europeus do nacionalismo, liberalismo,
comunismo e populismo não cabem (Hobsbawn, 2016).
O cenário, como toda latinidade, sempre teve recortes específicos onde camponeses poderiam
ser revolucionários ou bandidos; militares poderiam vir na figura de caudilhos com séquitos
fiéis ou como carrascos coordenando massacres. Todos esses elementos tipicamente
latinoamericanos se amontoam sobre a sociedade boliviana, que trata-se de um país de
contrastes e difícil governança, marcado pela pouca força de suas instituições democráticas
(Teixeira e Pereira, 2006) e ademais conta com a maior população índigena do continente: o
contingente chega a 62% da população.
Assim, admirável foi a demora para que estes tivessem representação política efetiva: o
primeiro presidente indígena foi Evo Morales, eleito pela primeira vez em 2005. Tendo
herdado as consequências de um governo classificado como neoliberal - e que se encontrava
no poder desde os anos 90 - o discurso de Morales mostrava fortes traços de nacionalismo e
antiimperialismo, uma vez que “o período de reformas neoliberais (...)resultaram na piora das
condições de vida da população pobre (...) e [n]a instabilidade política presente no país entre
os anos de 2001 e 2005” (Gonçalves,2009). A partir de então,
Assim, na busca por autonomia sobre Estados que nunca estiveram sob seu jugo, ao menos
não de forma oficial, a mídia estadunidense veio a público com relatórios que contribuíram
com o golpe sofrido por Morales em 2019; quase um ano depois, em junho de 2020 os
mesmos veículos vieram a público reconhecer que existiam falhas no relatório emitido pela
OEA onde eram apontadas incongruências na reeleição do então presidente (Greenwald,
2020). Nesse cenário, observamos um movimento no mínimo curioso: além dos indícios que
a mídia norte americana orga a pressão internacional não apenas de entidades Estatais, mas
também de grandes atores privados no sistema internacional: Elon Musk, CEO da Tesla e da
SPACEX - esta última a primeira empresa privada a firmar acordo com a NASA (Knapp,
2020) - chegou a afirmar após o golpe ocorrido na Bolívia que “daremos golpes em quem
quisermos. Lide com isso”. Apesar de suas declarações cruzarem o limiar do criminoso e o
próprio Evo definir o episódio como “um golpe ao índio, ao modelo econômico e um golpe
ao lítio", nenhum órgão internacional foi à frente em investigações profundas. E torna-se no
mínimo curioso quando vem à tona que a Tesla produz carros movidos a bateria recarregável,
cuja produção seria impossível sem a matéria prima base destas: o lítio.
Declaração de Elon Musk à epóca do adiamento das eleições bolivianas de 2020,nele, inicialmente Musk
discorre sobre “outro auxílio governamental não ser o melhor para os interesses do povo” ao que é questionado:
“Você sabe o que não é do interesse do povo? O governo dos EUA organizando um golpe contra Evo Morales,
então você poderia pegar o lítio de lá”
“Nós daremos um golpe em que nós quisermos! Lide com isso”
Fonte: revista Fórum
Disponível em:
https://revistaforum.com.br/global/bilionario-elon-musk-admite-participacao-no-golpe-na-bolivia-lide-com-isso/
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Conclusão
Tendo em vista todos os aspectos apresentados, pode-se inferir que o Estado Plurinacional da
Bolívia, como toda América Latina, é uma unidade governamental em amadurecimento
buscando caminhar com as próprias pernas. Importando termos e políticas que não lhe
cabiam, por serem criadas sob regras de outras sociedades. Contudo, a região segue minada
pela influência corrosiva de países de Primeiro Mundo - sobretudo EUA - desde o fim da
Guerra Fria, onde uma dependência e um padrão de exportação e importação estabeleceu-se
(Zanatta,2017); sendo assim, tais tentativas de viver sob as regras da própria sociedade
natural, apesar de plausíveis acabam sucumbindo por pressão de atores mais poderosos no
cenário internacional.
Nessa conjuntura, surge no horizonte a promessa do lítio: o petróleo branco, uma matéria
prima tornando-se indispensável ao futuro que se constrói diante de nossos olhos, estando em
“plena fase de acumulação e concentração de capital”.
A política nacionalista da bolívia só nos soa rígida pelo costume de séculos de violenta
expoliação sofrida de nossas riquezas naturais. O clamor pelo que lhe é seu de direito é
apenas justificável, dadas as circunstâncias de necessidade e raridade do produto.
A possibilidade de cooperação no ABC (Argentina, Bolívia, Chile) do lítio (Rodrigues e
Padula, 2017) traria muito mais bônus que ônus, mesmo quando calculadas as ameaças e
represálias possíveis. Apesar disso, o que se desenha não é um futuro tão animador: tendo
sido a Bolívia acuada - mesmo ainda mantendo-se firme em outro governo do MAS - e o
Chile e Argentina cooperativos com seus exploradores, as chances de quebra dessa cadeia de
produção desigual são escassas.
Referências Bibliográficas