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A Garota dos olhos de ouro

Autora:- Margaret May


Título original:- The Emerald Coast
Publicado em 1983

Resumo
No orfanato, todos diziam que Liane era uma garota de sorte por ter
um rico protetor que queria levá-la para sua casa na Sardenha. Mas ela
estava amedrontada: quem seria esse sr. Malaspina de quem nunca tinha
ouvido falar? O que esperava em troca da vida de luxo que lhe oferecia?
Viajou com o coração pesado de desconfiança, sabendo que ia se sentir
um patinho feio naquele ambiente de milionários. A realidade, porém, era
ainda mais cruel do que imaginava. O rico italiano tinha mesmo um
motivo secreto para mandar buscá-la. E seu filho Marcello humilhou Liane
desde o primeiro dia. Para ele, ela não passava de uma aproveitadora, e o
lindo tom dourado de seus olhos era o brilho da cobiça!

CAPÍTUL
OI

Liane não estava ansiosa para sair do Orfanato St, Morrow. Sabia
muito bem o que significava aquele chamado à sala da sra. Morton: o
aviso de que o orfanato, sua casa durante tantos anos, ia se
transformar numa recordação.
Hesitante, bateu à sólida porta de carvalho, depois abriu-a e entrou.
Liane era uma garota magra, de expressão amedrontada, grandes
olhos de um castanho-dourado, cabelos levemente ondulados.
Parou diante da enorme mesa e cruzou as mãos, nervosa.
— Não fique com tanto medo — Lucy Morton disse suavemente.
— Tenho boas notícias para você.
— Encontrou algum lugar para onde eu possa ir? A mulher sorriu e
pegou uma carta.
— Você é uma jovem de muita sorte. Não é sempre que alguém aqui
consegue essa chance. Na verdade, durante os trinta anos que passei
dirigindo este lugar, acho que nunca vi nada parecido.
Liane gostaria que a sra. Morton fosse diretamente ao assunto. Não
conseguia imaginar por que estava tão animada.
— Sente-se. Acho que vai levar um susto.
— O que é, afinal, tia Lucy?
— Você vai para a Sardenha!
— Sardenha! — Liane repetiu, depois de um longo silêncio.
— Mas. . . por quê. . . ? Quem. . . ? — Não estava entendendo. Não
gostaria de ir para o exterior. Não queria sair do orfanato e, muito
menos, ir embora da Inglaterra. Era um pensamento que a amedron-
tava. Arregalou os olhos, sem acreditar no que tinha ouvido. — Do
que está falando?
— Disto. — A diretora sorriu. — Chegou uma carta do sr. Malaspi-
na. Ele convida você para se hospedar em sua casa pelo tempo que
quiser. É uma ótima chance, Liane, e estou muito satisfeita. A garota
empalideceu.
— Sr. Malaspina? Quem é e!e? Por que me escolheu?
— É o seu benfeitor, garota. É quem manda aqueles
lindos presentes.
Durante toda a vida, no dia do aniversário e no Natal, sempre recebia
presentes caros e misteriosos. Isso acabara causando inveja às
outras crianças e uma situação delicada para Liane, que fora se
tornando cada vez mais tímida.
— Foi uma surpresa também para mim, mas tinha algumas espe-
ranças. Investiguei um pouco a vida do sr. Malaspina. Ele é um
homem muito rico, Liane, com negócios no mundo inteiro. Tem muita
sorte que ele a aceite em casa. Nenhuma das outras crianças teve
essa oportunidade.
— Mas se ele me conhecia, por que esperou até agora para me
convidar?
A sra. Morton deu de ombros.
— Não sei. Não está contente? Percebe que é a grande chance de
sua vida?
— Sim. tia Lucy — Liane respondeu, um pouco em dúvida, tentando
sorrir. Sentia-se aterrorizada, mas era do tipo que se controla em
situações difíceis. Além do mais, não podia dizer à sra. Morton que
não queria aceitar o convite.
A próxima visita que Liane fez ao escritório da sra. Morton foi no dia
em que saiu do orfanato. Na véspera, Lucy Morton havia avisado que
o sr. Malaspina estava chegando para buscá-la, e desde aquele
momento Liane mal conseguira dormir.
Antes de entrar na sala da diretora, ouviu a voz do sr. Malaspina,
alta, profunda. E a intimidava! Não era o tipo benevolente de velho
que ela havia imaginado.
Quase virou-se e saiu correndo, mas a porta da sala da sra. Morton
se abriu e a diretora a chamou.
— Entre, Liane. Parece que o sr. Malaspina não estava passando
bem e mandou o filho buscar você.
Olhando para aqueles olhos frios, Liane sentiu uma vontade ainda
maior de fugir. O homem a olhava como se não gostasse dela.
Parecia profundamente aborrecido com sua missão.
Parou humildemente diante dele e baixou os olhos, sentindo que ele a
analisava.
— Está pronta? — a sra. Morton perguntou. — O sr. Malaspina não
pode perder tempo. — Estendeu a mão para a garota. — Vou sentir
sua falta. Escreva de vez em quando, contando como está passando.
— Virou-se para o homem. — Até logo, sr. Malaspina. Por favor,
mande minhas recomendações a seu pai. Espero que ele melhore
logo.
Um carro enorme, com chofer, esperava lá fora. Liane entrou
ansiosa, sabendo que estava sendo observada e se sentindo pouco à
vontade com aquele homem a seu lado.
Ele não parecia italiano. Os cabelos eram castanhos, alourados, e
tinha a pele bronzeada. Era alto, forte, e os olhos revelavam uma
determinação que a perturbava.
Liane tinha sido feliz no orfanato. Não havia pensado muito no dia em
que teria que sair de lá. Detestava conhecer novas pessoas,
principalmente quando pareciam não gostar dela.. . como aquele
homem a seu lado.
Ele estava sentado rigidamente e não a olhava; parecia não se
importar nem um pouco com ela. O carro vencia a distância, e Liane
ficava menos à vontade a cada minuto.
Quando não conseguiu aguentar mais o silêncio, disse:
— Desculpe, mas acho que não está gostando da idéia de eu ir
morar com vocês. Sinto muito. Queria que soubesse que não fui
consultada sobre esse assunto.
— Então, somos dois — ele disse, friamente. — Quando meu pai tem
uma idéia, ninguém consegue mudá-la.
Ele não tinha nenhum sotaque. Se não fosse aquele nome estranho,
ela acharia que era inglês. Imaginou se o pai não seria inglês. Talvez
a mãe fosse italiana. Ninguém falara na sra. Malaspina. Talvez o sr.
Malaspina fosse viúvo e por causa disso tivesse adiado o convite para
ela ir morar em sua casa. Nenhum homem quer viver com uma
garotinha.
— Como seu pai soube da minha existência? Sempre fiquei imagi-
nando de onde vinham os presentes...
— Ele lhe dirá pessoalmente. Não tenho nada a ver com isso.
— Lamento ter perguntado. — Mergulhou no silêncio mais uma vez.
Nunca o tempo tinha passado tão devagar. Parecia que jamais
chegariam ao aeroporto.
Quando a sra. Morton lhe dissera que ia andar de avião, Liane se
sentira nervosa. Mas agora estava mais animada. Tentou esquecer a
presença daquele homem frio e distante e pensar apenas na viagem
que ia fazer.
Sua imaginação cresceu, vendo um avião nos céus voando como um
enorme pássaro. Devia ser uma delícia estar lá dentro. E ver Londres,
lá embaixo, desaparecendo, os edifícios cada vez menores...
Talvez voassem acima das nuvens, onde o mundo devia ser diferente,
com nuvens cor de pérola, um sol dourado, a sensação do infinito.
De repente, voltou à realidade, quando o sr. Malaspina lhe tocou o
braço. Tinham chegado ao aeroporto de Heathrow.
O silencioso chofer abriu a porta e ela desceu depressa. Seu com-
panheiro estalou os dedos e um carregador apareceu, pegando as
malas dela.
— Isso é tudo que você tem? — o homem perguntou, ríspido. Liane
fez que sim, com um ar de quem pede desculpas.
Ele ficou sério e dispensou o carregador.
— Eu mesmo levo. — Liane viu que na outra mão ele carregava uma
maleta muito elegante, com as iniciais M. M. em dourado.
Depois de despachar as malas, ele perguntou:
— Quer um café, srta. Chandler? Temos que esperar meia hora.
Liane ainda estava tentando adivinhar o nome dele. Já tinha
pensado numa lista enorme de nomes ingleses, como Martin e Mark.
Mas depois achou que devia ser um nome italiano. Olhou bem: tinha
jeito de Mário.
Demorou algum tempo para perceber que ele havia feito uma
pergunta. Ninguém a chamava de srta. Chandler; fazia com que
parecesse mais velha. Aos dezoito anos, tinha convivido apenas
com
meninos e meninas bem mais jovens, e só naquele momento
percebeu que não era mais uma criança.
— Costuma sonhar acordada, srta. Chandler?
Ele parecia aborrecido e Liane sentiu vontade de se esconder.
— Desculpe — murmurou, com os olhos tão grandes e tristes que
pareciam ocupar todo o rosto.
— Em que está pensando?
— Em nada. Nada de importante. Ele ficou ainda mais zangado.
— Vamos tomar uma xícara de café.
Que homem esquisito! Não gostara dele desde o começo, mas,
quanto mais tempo passava em sua companhia, menos o apreciava.
Será que o pai era igual? Esperava que não. Não aguentaria conviver
com dois homens tão detestáveis.
Enquanto esperava o café, sentada ao lado dele na mesa, ela o olhou
discretamente. Tinha uma expressão autoritária e um queixo bem
definido. O paletó de camurça modelava os ombros largos. Parecia
um homem importante, cheio de dinheiro e que sabia como aprovei-
tá-lo. Não havia nele nenhum calor, nem a sugestão de que poderia
ser um bom amigo. Era duro e amargo, a julgar pela seriedade do
rosto. Liane estremeceu de repente e desviou os olhos, observando
os outros passageiros que também esperavam o café.
O contraste era marcante. Por toda parte havia risos, espontaneidade
e conversas. O homem da mesa ao lado, que devia ter mais ou
menos a idade do sr. Malaspina, conversava com uma garota de uns
dezoito anos, sorrindo muito e explicando que era uma bobagem o
medo que ela sentia de aviões.
Por que não tinha a sorte de viajar com alguém parecido? .
Seu acompanhante colocou a xícara sobre o pires.
— Você não parece muito feliz por ir viver com meu pai na Sardenha.
Devia estar agradecida por esta chance que ele está lhe oferecendo.
Ela o olhou rapidamente, sabendo que não poderia afastar do olhar o
ressentimento que sentia.
— Não pedi para ir para lá, sr. Malaspina. — Havia um certo
desafio em sua voz, o que não era um comportamento comum.
Porém, aquela não era uma situação comum.
— Mesmo assim, acho que devia se mostrar um pouco mais entu-
siasmada. Meu pai está doente, e não quero que ele se arrependa da
decisão que tomou.
De repente, Liane lamentou seu desabafo. Devia mesmo se sentir
agradecida. Cruzou as mãos por baixo da mesa, num gesto infantil.
Oh, Deus, por favor, faça com que o pai dele seja diferente! Depois,
disse:
— Tudo é muito estranho e novo para mim. Nunca viajei de avião;
portanto, é natural que me sinta nervosa.
Ele pareceu satisfeito com a resposta e voltou a atenção para a xícara
de café. Será que estaria com vergonha de ser visto junto com ela?
Sabia que, ao lado das roupas caras dele, seu vestido feito em casa
devia estar parecendo pouco elegante.
Como o vestido, a maior parte das roupas que levava na mala tinha
sido feita no orfanato. Liane gostava de costurar. Era um passatempo
que a acalmava, Gostava também de ler e de escrever poesias. O que
o sr. Malaspina diria, se visse suas poesias?
— Alguma coisa me diz que você é uma idealista — o homem a seu
lado falou de repente — e que, se não gosta das situações que está
vivendo, se isola num mundo à parte, um mundo que você mesma
cria.
Os olhos dela brilharam.
— Verdade. Como adivinhou? Sempre passei muito tempo sozinha e
acho que era o único jeito de me divertir.
— Não tinha companhia? Pelo que sei, o orfanato está cheio de
meninos e meninas.
— Eles não gostavam muito de mim. De certa forma, a culpa não era
deles, mas de seu pai.
Ele ficou ainda mais sério. Suas sobrancelhas escuras se juntaram.
— Por quê?
— Por causa dos presentes. As crianças não entendiam por que eu
recebia presentes caros, quando elas não tinham nada. Costumavam
tomá-los de mim. No fim, acabei não mostrando mais nada. Na ver-
dade, gostaria que nunca tivessem me mandado nada.
Ele sorriu cinicamente.
— Vou dizer isso a meu pai. Ele vai custar a acreditar que seus
presentes não foram apreciados.
— Prefiro que não conte nada. Não quero que ele pense que sou
uma ingrata.
Ele ficou quieto e ela achou melhor mergulhar no silêncio novamente.
Minutos depois, uma voz anunciava pelo microfone que os
passageiros do vôo para a Sardenha deviam se apresentar no portão
12. Eles se levantaram em direção ao avião, que esperava na pista.
Liane estava animada demais para pensar no homem difícil que a
acompanhava. Olhou pela janelinha do avião e sentiu-se ansiosa para
partir.
Era tudo como havia imaginado. O avião subiu como um pássaro
gigante e em poucos segundos, estavam acima das nuvens.
Ela se virou para o companheiro, com uma expressão de contenta-
mento, e esqueceu por um momento que ele devia ser um viajante
experiente.
— Não é maravilhoso?
Seu entusiasmo pareceu diverti-lo.
— Como você é infantil!
O encanto sumiu. Abaixou a cabeça, ressentida com a crítica que
percebeu no olhar dele. Eram olhos de leão, um leão que sente um
prazer intenso em destruir a presa.
Virou-se para a janela, procurando controlar as lágrimas. Não impor-
tava o que acontecesse, não ia deixar que o sr. Malaspina a visse
chorando. Isso só confirmaria sua opinião de que ela não passava de
uma criança.
Durante um período que pareceu uma eternidade, ficou observando o
céu, e só voltou sua atenção para dentro do avião quando lhe
trouxeram uma refeição.
Comeu automaticamente, mal sentindo o sabor da comida. Aquele
homem horrível estava estragando todo o seu divertimento. Voar
teria sido uma experiência fascinante, se ele não estivesse ali. Sua
presença tinha transformado a viagem em pesadelo.
Depois da refeição, ele fechou os olhos e não os abriu até que o
comandante anunciou que se aproximavam de Roma.
Como Liane gostaria de conhecer Roma! Tinha lido muito sobre as
obras de Michelangelo, na Capela Sistina, sobre a praça São Pedro,
no Vaticano. Era um mundo que a fascinava. E agora que parecia
estar tão próxima de tudo, estava, na verdade, completamente
distante. Só tinham uma hora de espera, antes de seguirem viagem.
— Quer tomar alguma coisa? — ele perguntou. Era a primeira vez
que falava nas últimas duas horas.
— Aceito uma limonada.
Novamente, ele deu aquela risadinha irritante.
— Não, acho que vou tomar um café — ela corrigiu depressa. Ele não
disse nada, mas Liane percebeu o que pensava. Ficou com
raiva outra vez, Não precisava ficar com aquele ar condescendente!
Foi com alívio que ouviu a chamada para o próximo vôo. Aos poucos,
o céu escurecia. Não dava para ver nada pelas janelas. Teve que
voltar sua atenção para o interior do avião.
0 sr. Malaspina lia uma revista, mas colocou-a de lado quando
percebeu que ela havia parado de olhar pela janela.
— Por que não tenta dormir? Ainda temos uma hora antes de
chegarmos a Alghero.
— Não estou com sono. — Mas parece cansada.
Obrigada pela cortesia, ela pensou, seu queixo se erguendo num ar
de desafio. Mas não disse o que pensava, comentando apenas:
— Não tenho dormido bem, ultimamente. Só isso. Mas não estou
cansada.
— Vai estar, antes de chegarmos. Teremos ainda que viajar mais
dois quilómetros de carro, cruzando a ilha, antes de chegar a Porto
Cervo.
Isso significava que não chegariam à casa do sr. Malaspina antes da
madrugada. Não tinha imaginado que a viagem fosse demorar tanto.
Sentiu-se desanimada.
— Você mora em Porto Cervo? A sra. Morton não me disse nada.
Como é a cidade? Fica à beira-mar?
— É na extremidade nordeste da ilha. Fica na chamada Costa
Esmeralda. Era quase despovoada, há bem pouco tempo, mas agora
se transformou no parque de diversões da alta sociedade. A região foi
desenvolvida por Aga Khan nos anos 60, e agora é ocupada por
tropas do Exército para evitar sequestros. Você vai ver todo tipo de
pessoas: nobres, estrelas de cinema, milionários e até reis.
Agora ela sabia por que ele a havia olhado com ar de pouco caso.
Para que tipo de mundo estava sendo levada? Será que ia se
adaptar?
— Acho que ficou espantada, mas devia ser avisada.
— Estou contente que tenha me avisado. — Pelo menos, era melhor
do que ser atirada de cabeça no desconhecido. Talvez devesse ter
adivinhado que não ia viver numa casa comum. Os presentes caros já
tinham sido um indício de que a família Malaspina era rica, e aquele
homem tinha um ar tão importante quanto o dos artistas de cinema.
Liane já imaginara muitas vezes como seria viver num mundo em
que o dinheiro não era problema, onde era natural ter um armário
cheio de vestidos novos, uma casa linda com jardins e piscina.
Mas isso tinha sido apenas sonho. Nem mesmo em seus momentos
mais loucos de fantasia, pensara que acabaria morando num lugar
assim. Coisas desse tipo não aconteciam com órfãs.
— Acha que não vai se acostumar?
— Não sei.
— Claro que vai ser uma vida completamente diferente da que
teve até agora.
— Já percebi isso.
— Pode ter dificuldades em se adaptar.
— Acho que sim. — Suspirou, entendendo o que ele estava tentando
lhe dizer. Já tinha deixado bem claro que ela ia para a Sardenha
contra sua vontade. Bem, não era novidade.
— Apesar de tudo, acho que meu pai vai ficar encantado. Você tem o
ar de garota desprotegida de que ele tanto gosta. Parece mesmo a
orfãzinha desamparada que é.
Realmente, ele não fazia nenhum esforço para ser gentil.
— Desculpe se não sou o que você esperava.
— Oh, está enganada. É exatamente o que eu esperava.
O vôo parecia não ter mais fim. Ela procurou se entreter, olhando os
outros passageiros e imaginando o que iriam fazer na Sardenha.
Passar férias, talvez? O homem de terno do lado esquerdo carregava
uma maleta; certamente, estava viajando a negócios. De qualquer
maneira, todos pareciam ansiosos para chegar. Provavelmente, se
sentiam mais felizes do que ela.
Seu acompanhante começou a ler uma revista. Liane olhou-o de lado
e notou que tinha mãos bonitas e unhas bem cuidadas. O punho
branco da camisa estava preso por uma abotoadura de ouro. Tudo
nele era muito elegante. Sentiu o perfume suave da loção de barba e
associou-o ao perfume de um homem. A masculinidade dele a
envolveu docemente. Percebeu, de repente, que era um homem
muito atraente. E isso foi uma descoberta, o contato com alguma
coisa muito nova
em sua vida.
Não que o fato dele ser atraente fizesse alguma diferença. Conti-
nuava a ser detestável e não demonstrava o menor interesse por ela.
Mas por algum motivo inexplicável, tornou-se muito consciente da
presença dele, sentindo um certo calor e uma vibração estranhos
quando seu ombro tocava o dela. Percebeu que a observava.
— E qual é sua opinião? — perguntou, divertido e com um brilho
intenso no olhar.
— Não sei o que quer dizer.
— Você me observou atentamente, nos últimos minutos. Não chegou
a nenhuma conclusão?
Liane sentiu-se embaraçada. Ele era esperto.
— Nem percebi que estava olhando para você.
— Não?
— Bem... é que não havia mais nada para fazer. Oh, desculpe!
Não quis ser indelicada.
— Não me importo. Só queria saber que pensamentos passaram
pela sua cabeça.
— Eu estava admirando suas roupas. Ele a olhou, arrogante.
— Comparando-as com as suas, sem dúvida?
— Minhas roupas foram perfeitamente adequadas até agora, sr.
Malaspina.
— Ainda bem que reconhece o "até agora". Isso mostra que percebe
uma coisa: elas não são adequadas para conviver com as pessoas
que conhecerá daqui para a frente.
— Pior para elas. — Aquele homem não tinha nenhum direito de
tratá-la como uma pessoa inferior. Só porque havia nascido numa
família rica, não era melhor do que ela.
— Não gosto de sua atitude, srta. Chandler. Devia ser mais agrade-
cida.
— Também não posso dizer que gosto de suas atitudes — respondeu,
com os olhos castanho-dourados lançando chispas de fúria. — E, na
verdade, não sei por que deveria ser agradecida. Parece que
vou ser tudo, menos feliz.
Ele ficou tenso e seus olhos cor de âmbar escureceram,
— Ah, essas desamparadas mal-agradecidas...
Liane respirou fundo. Nunca, em toda sua vida, alguém tinha lhe
falado assim.
— Como se atreve? — gritou, sem perceber que havia levantado a
voz. Depois viu que os outros passageiros olhavam os dois e se calou.
— Tenho todo o direito — ele disse, calmamente. — E por favor, olhe
para mim quando eu falar com você.
O olhar dela estava cheio de ressentimento.
— Desculpe, sr. Malaspina. Sei que não devia ter respondido,
— A ironia não combina com você, menina.
Devia contar que nunca tinha falado com alguém como falara com
ele? Lucy Morton ficaria chocada, se a ouvisse. Sempre achara Liane
uma das garotas mais comportadas do orfanato.
— Acho que agora você vai emburrar e ficar em silêncio.
Os olhos dele estavam fixos nela. Eram bonitos, apesar de frios.
— Nunca fico emburrada.
— Ótimo. Não aguento gente que não pode ouvir certas verdades.
Liane respirou fundo e contou até dez. Verdades eram uma coisa;
insultos, outra.
— Nós teremos que conviver, depois que chegarmos em casa?
— Posso perguntar por que está fazendo essa pergunta?
— E claro que não combinamos, sr. Malaspina, Pelo que vi, acho
melhor ficarmos longe um do outro.
— Concordo plenamente. Mas vai ser difícil; estou sempre em casa.
— Não trabalha?
— Vamos dizer que trabalho em casa. Temos um computador insta-
lado lá e posso entrar em contato com nossas empresas sem sair de
minha cadeira.
Liane tinha visto documentários na televisão mostrando essas coisas.
Mas imaginara que eram máquinas do futuro.
— Vejo que não está acreditando. Mas garanto que é verdade. Meu
pai vai lhe mostrar tudo. Ele gosta disso,
O que mais estaria reservado para ela? Tinha tido uma surpresa por
minuto até então. O que a perturbava era perceber que não escaparia
daquele homem. A vida ia ser difícil, um contraste completo
com a que conhecia.
A variedade é o tempero da vida, disse a si mesma. Sabia que teria
que enfrentar grandes mudanças, que ia ver muitas coisas novas. Só
não sabia se seriam mudanças para melhor.
Logo em seguida, aterrissaram no aeroporto de Fertilia, e um carro
esperava por eles.
Liane estava curiosa a respeito daquele estranho país, mas só
conseguia ver os nomes das cidades passando nas placas da estrada.
Primeiro passaram por Alghero, cujas luzes brilharam entre
palmeiras. Depois o caminho começou a subir, e seu acompanhante
explicou que estavam indo para o interior, a região dos vales.
Logo passavam por Sassari, a segunda cidade da ilha em impor-
tância: um lugar digno de ser visitado.
Agora o sr. Malaspina parecia mais afável. Liane imaginou se ele se
sentiria assim por estar chegando o momento de entregá-la ao pai.
A próxima cidade foi Tempio; depois, Olbia. Em seguida, passaram
por uma rocha onde estava escrito "Costa Esmeralda". Estavam
quase
em casa.
Momentos depois, chegavam a Porto Cervo. O carro parou Liane,
que havia cochilado, abriu os olhos e descobriu, horrorizada, que
tinha encostado a cabeça no ombro do sr. Malaspina.
— Uma criança cansada — ele disse, irônico.
Ela não respondeu. Desceu do carro e olhou ao redor com interesse.
As luzes lá fora iluminavam um pátio. Das sombras surgia uma casa
que parecia afundada na rocha. Não conseguiu distinguir comple-
tamente os contornos.
O sr. Malaspina caminhou a seu lado e o motorista os seguiu com
as malas. Liane notou que agora sua mala parecia ainda mais velha e
que suas roupas não combinavam com coisa alguma, ali. Sentiu-se
desajeitada e insegura.
Desejou não ter vindo. Tinha sido tudo um erro. Devia ter dito à sra.
Morton que não queria sair da Inglaterra. Mesmo que tivesse que
morar numa das pensões que detestava tanto, seria melhor do que
aquilo.
E então, de dentro da casa, surgiu um velho. Parecia doente e usava
um roupão sobre o pijama. Sorriu, lhe dando as boas-vindas, e seu
sorriso a compensou de todo o sofrimento que tinha enfrentado.
— Liane! — Ele estendeu os braços. — Até que enfim! — Abraçou-a
com força e ela se permitiu relaxar de encontro a ele, sentindo que
sua alegria era sincera.
Quando a afastou gentilmente, Liane viu que havia lágrimas em
seus olhos.
— Você é linda como uma pintura. Exatamente como sua mãe.
Ela arregalou os olhos.
— Conheceu meus pais? — Aquilo a surpreendeu. Nunca tinha
pensado nisso. Mas, é claro, ele devia conhecer seus pais; senão,
como saberia de sua existência?
— Conheço você mais do que imagina. Mas acho que está cansada,
depois dessa longa viagem. E deve estar com fome também. Vamos
conversar mais tarde, depois que tiver descansado. Marcello, leve
Liane para o quarto dela. O jantar está servido na sala. Encontro
vocês dois lá.
Marcello! Então era esse o nome dele. Parecia muito italiano.
Mas, olhando-o, ela podia jurar que era inglês.
Ele se parecia com o pai. Ambos tinham o mesmo tipo de corpo, o
maxilar firme e o nariz reto. Só os cabelos eram diferentes. Os do pai
eram pretos, e a pele, mais escura.
Fácil ver de quem Marcello tinha puxado os traços marcantes. O
velho tinha a aparência de um homem duro, e o filho parecia
respeitá-lo.
Esta observação surpreendeu Liane. Ele dava a impressão de ser o
tipo de pessoa que não respeita ninguém. De certa forma, sentiu-se
satisfeita. Seria agradável ouvir alguém falar com ele no mesmo tom
que usara para conversar com ela.
Estava ocupada demais, comparando os dois homens, e nem perce-
beu que tinham parado diante de uma porta. Marcello abriu-a.
As paredes de tijolos estavam nuas; a cama, baixa e simples, tinha
apenas uma colcha, e a penteadeira e o guarda-roupa eram de
mogno
encerado. Apesar da simplicidade, era um quarto gostoso. Havia uma
janela enorme em uma das paredes e alguns quadros enfeitavam as
outras.
— Há um banheiro ali — ele disse, indicando uma porta. — Eu a
encontro na sala, lá embaixo, dentro de alguns minutos.
Antes que Liane respondesse, ele já tinha saído. Ela fechou a porta,
sentindo-se muito cansada.
Talvez um banho a fizesse relaxar, antes do jantar com sr. Malas-
pina. No banheiro, ficou chocada com a própria aparência. Parecia
mesmo a órfã desamparada a que Marcello havia se referido.
Seus olhos estavam enormes e com olheiras; os cabelos, oleosos e
despenteados. Tinha um ar patético e se sentia assim- Lágrimas
começaram a descer pelo rosto.
Em vez de tomar um banho, simplesmente lavou o rosto; depois,
despiu-se e vestiu uma camisola. Em seguida, entrou na cama. Não
ia conseguir enfrentá-los novamente, naquela noite. Não podia. Em
alguns minutos, tinha adormecido.
Quando acordou, estava claro. O sol se filtrava pela janela, chegando
até a cama. Ela deu um pulo e foi até a janela, olhando a paisagem lá
fora.
Estavam no alto de uma montanha que dava para uma floresta. Lá
embaixo, o porto cheio de iates. E um mar incrivelmente azul, pon-
tilhado de ilhotas. Era lindo demais, diferente de tudo o que tinha
visto antes.
Tomou um banho, vestiu-se, escovou os cabelos e viu que seus olhos
brilhavam. A escada levava ao hall, todo enfeitado com plantas e com
uma mobília simples. Desceu uma escadinha e chegou à saleta onde
estava servido o café da manhã.
O dono da casa já estava lá. Olhou-a carinhosamente quando entrou.
— Buon giorno. Liane, perdoe-me se não me levanto. Espero que
tenha dormido bem. Estava muito cansada, ontem.
—Desculpe não ter descido para o jantar.
— Eu entendo. — Mas ela achou que ele não compreendia. Não tinha
sido apenas o cansaço. Era também medo do futuro, medo da
grandiosidade daquele lugar, medo de não combinar com tudo aquilo.
— Venha, sente-se. Tenho certeza de que deve estar com fome.
Temos pãezinhos e frutas. Ou será que prefere o café da manhã à
inglesa?
— Pãozinho está ótimo. O senhor tem uma linda casa. Nunca
imaginei que fosse assim.
— É um pouco diferente dos ambientes a que estava acostumada,
mas espero que seja feliz aqui. Marcello me disse que você ficou um
pouco apreensiva, durante a viagem.
Imaginou o que exatamente o filho teria contado. Havia uma certa
meiguice no velho; parecia realmente contente em vê-la e não se
importava que não vestisse roupas bonitas.
— Foi estranho, porque eu nunca tinha viajado de avião. Achei muito
gostoso.
— Também acho. E como se deu com meu filho?
Liane desviou os olhos, observando as árvores pela janela, o sol
brilhando nos ramos verdes e fazendo sombras no chão da sala.
— Parece que não quer me contar — ele insistiu.
Ela suspirou. Seria rude dizer que não tinha gostado do filho dele,
mas devia mentir?
— Acho que ele não gostou da idéia de me ver morando aqui.
— Bobagem. Marcello gosta de garotas. Não há motivo para não
gostar de que você more aqui.
Liane achou que seria mais prudente mudar de assunto.
— Vai me dizer como conheceu meus pais? Eu nunca soube disso.
Por que não entrou em contato comigo antes?
— Eu amei sua mãe e sempre pensei que você poderia ter sido
minha filha. Talvez, um dia, você consiga se imaginar nessa posição.
— Se a amava, por que não casou com ela? Ele sorriu tristemente.
— Porque ela preferiu seu pai. Ela veio passar as férias aqui... Foi
assim que nos conhecemos. Para mim, foi um romance de férias que
significou muito, mas ela voltou para a Inglaterra e me esqueceu.
Quando não respondeu mais às minhas cartas, fui para a Inglaterra e
descobri que tinha ficado noiva de seu pai. Ela o conheceu no avião,
na viagem de volta. Apesar disso, continuamos amigos. Casei com
uma inglesa como ela, uma loura de temperamento ardente que me
abandonou depois de dois anos e fugiu com um americano. Os dois
morreram num acidente de iate.
— Que história triste!
— Tudo aconteceu há já muito tempo. A única lembrança que tenho
dela é Marcello. Ele se parece muito com a mãe, algumas vezes.
— E meus pais, como eram? Só me lembro de que mamãe era uma
pessoa feliz, que estava sempre rindo. Mas não me lembro de meu
pai.
— Tenho uma fotografia; mais tarde, mostro a você. — Parecia
cansado, e Liane imaginou de que doença estaria sofrendo. — Deve
estar curiosa de saber por que a deixei passar toda a vida no
orfanato, por que não mandei buscá-la antes, não é?
— Estou.
— Vou lhe dizer. Eu a queria. Queria muito. Mas havia algo que eu
queria muito mais.
— O que era?
— Casar meu filho!

CAPÍTULO II

Liane ficou pálida. Olhou horrorizada para o sr. Malaspina.


— Eu achei que ia se assustar, mas, depois que pensar melhor no
assunto, verá que a idéia não é má. Você vai ganhar uma família e eu
terei a filha que sempre quis. Você é igual a sua mãe... mais nova,
menos experiente, mas se parece com ela, e é ísso o que importa. Eu
a quero em minha casa, Liane, pelo resto de minha vida.
— Mas não preciso casar com seu filho para isso, não é? Viverei aqui
muito satisfeita. Gosto deste lugar, gosto do senhor. Só não gosto de
seu filho. Além disso, ele deve ter muitas namoradas mais conve-
nientes do que eu.
— É esse o problema. Ele tem muitas garotas. Não aprovo mas não
digo nada. Ele é maior e sabe o que faz. Espero que, com você aqui
em casa, Marcello esqueça as outras. Foi por isso que não
mandei buscá-la antes. Se crescesse aqui, ele a veria como uma
irmã, e não é isso o que eu quero.
— Acho que está me pedindo o impossível. Seu filho não gosta de
mim e deixou isso bem claro durante a viagem.
O velho franziu as sobrancelhas e ficou com uma expressão dura.
— Ele foi rude com você?
— Não exatamente, mas acho que não me considera de sua classe.
O homem pareceu ficar furioso: os olhos faiscaram e as mãos
tremeram ligeiramente, quando segurou a xícara.
— Como se atreveu? Vou ter uma conversa com ele. Gostaria que
você tivesse me dito isso ontem à noite.
— Eu não devia ter dito nada, sr. Malaspina, mas fui forçada. Por
favor, não fale nada com ele, senão vai pensar que estive
reclamando.
— Vou garantir a ele que não foi nada disso. — Levantou o queixo no
mesmo gesto agressivo do filho. — E, por favor, Liane, me chame de
Roberto. Quero que sejamos amigos.
Ele estendeu a mão sobre a mesa, com a palma virada para cima. E
ali ela colocou a sua. Sorriu, trêmula.
— Muito bem. . . Roberto — disse, com dificuldade.
— E vai chamar meu filho de Marcello ou Marc, se quiser. Espero que
possamos ser uma família feliz.
Ela duvidava que fosse dar certo. Duvidava muito. Mas fez que sim e
sorriu, esperando que ele se sentisse satisfeito. Minutos depois
aparecia Marcello.
— O que é isso? Ainda estão tomando café? Não sabe que já está
quase na hora do almoço?
Roberto olhou friamente para o filho.
— Eu deixei que Liane dormisse. . . a viagem foi muito cansativa.
— Desculpe, eu não sabia que era tão tarde.
— Claro que não sabia, garota. — Roberto sorriu confiante. — Não
preste atenção a meu filho. Creio que ele acha divertido humilhar
você. Vou ter uma conversa com ele.
Marcello olhou preocupado para o pai.
— O que é isso? — Ele transferiu o olhar cheio de suspeita para
Liane.
— Não tem nada a ver com ela — disse o velho, rispidamente.
— Está claro que você não se sente feliz com a situação atual.
— Eu lhe disse isso, antes de ir buscá-la — Marcello respondeu,
também ríspido.
— Já chega. Enquanto Liane estiver em minha casa, você Vai
tratá-la com toda a gentileza.
Marcello franziu as sobrancelhas e seu olhar endureceu mais, mas
não disse nada.
— E espero que você a leve a passear, que a apresente a seus
amigos e que a faça se divertir. E não se esqueça de que ela tinha
um estilo de vida muito diferente.
O jovem olhou-a pensativo e seus olhos se estreitaram.
— Vou levar Luísa para fazer compras, mais tarde. Talvez você
queira vir conosco.. .
— Luísa Rossi? Eu já disse que não aprovo essa jovem. E não
acho que. ela seja companhia para Liane.
— E desde quando você escolhe minhas amigas, papai? Eu gosto
dela... apesar de você achar isso estranho. Aliás, você parece ter
mesmo um gosto excelente...
Roberto desatou a falar em italiano, depois disse à moça:
— Perdoe, querida. Há momentos em que meu filho e eu não nos
entendemos. Vi que você só trouxe uma mala. Talvez algumas roupas
novas sejam uma boa coisa, não?
Ela gostaria de alguns vestidos novos, é verdade, mas preferia
escolhê-los sozinha. Não gostaria de ir fazer compras com uma amiga
de Marcello.
— Eu preferia ficar aqui, hoje, e descansar.
— Descansar? — Marcello riu. — Você acabou de se levantar! Bem,
só sairemos às cinco horas. As lojas fecham durante a tarde.
Então o velho disse:
— Veja como você se sente mais tarde, Liane. Compreendo que
queira ficar aqui hoje. Tudo é novo demais, Por outro lado, quero que
faça amigos.
— Mas não Luísa — Marcello disse num tom amargo.
— Chega! — O pai respondeu. — Você sabe como me sinto e não
vou falar mais nada.
O jovem saiu com raiva. Liane tomou o resto do café e faiou:
— Acho que gostaria de dar uma olhada em tudo, Roberto. Posso dar
uma volta pela casa?
— Claro, garota. Eu mesmo a acompanharei.
— Tem certeza de que. quer isso? — volveu Liane. Ele parecia muito
pálido. Não tinha o rosto de um homem saudável.
Segurando as mãos dela. Roberto disse:
— Sua chegada me deu vida nova. Me sinto uma pessoa diferente.
— Estou contente com isso. — Ela o beijou no rosto, satisfeita. —
Nunca tive ninguém que se importasse comigo. Obrigada por ter
mandado me buscar.
Ele sorriu, contente.
— Sinto que vamos nos dar muito bem. Agora, por onde
começamos?
A casa era fascinante. Começaram pela cozinha, espaçosa, ciara e
tipicamente italiana, com jarras, panelas de cobre, cebolas e alhos
pendurados no teto. Roberto apresentou-a ao cozinheiro, Giorgio, que
só falava italiano e um pouco de espanhol. Ele cumprimentou Liane
com o mesmo calor e cortesia do patrão.
A sala do computador era enorme. As portas de entrada eram de
vidro e se abriam para uma linda varanda, muito fresca, cheia de
plantas.
— A casa foi planejada para ser fresca no verão e quente no
inverno. O sol baixo do inverno brilha diretamente dentro dela;
assim, temos o melhor das duas estações.
Havia dez níveis diferentes, cada um atingido por escadinhas de
poucos degraus ou rampas em espiral. O quarto de Roberto dava
para um terraço lá em cima, cheio de plantas coloridas.
— Ê tudo tão lindo!
— Eu também acho — ele disse, sorrindo, sentando numa das
poltronas e indicando outra a ela.
Liane viu que ele estava ofegante; talvez não devessem ter andado
tanto.
— Quer beber alguma coisa? — ela lhe sugeriu. — Vou pedir a
Giorgio um suco de laranja. Ou prefere café?
— Suco de laranja está ótimo. — Roberto recostou-se e fechou os
olhos. Apesar de conhecê-lo há poucas horas, Liane sentia que havia
um laço afetivo entre eles, como se fossem amigos há muito tempo.
A praia era visível dali e ela observou os iates que deslizavam
pelas águas.
— Marcello deve levá-la para velejar, um dia desses. Você vai
gostar. Há muita coisa para se fazer aqui, garota. Estou começando a
me sentir culpado por tê-la deixado em St. Morrow por tanto tempo,
mas acho que foi para o seu bem.
Ele ficou em silêncio e Liane percebeu que pensava nos planos de
casá-la com o filho. Ficou preocupada novamente. De jeito nenhum
poderia casar com um homem tão perturbador como Marcello!
De qualquer modo, não estava pronta para o casamento. Ainda se via
como uma criança. .. Roberto também a via assim, pois a chamara
várias vezes de garota. Ela precisava de mais experiência, antes de
pensar em criar sua própria família. Sempre achara que um dia iria
casar. Afinal, este é o sonho de toda menina, mas até então não
havia se interessado pelo sexo oposto.
— Marcello falou a você sobre a ilha?
— A Costa Esmeralda? Sim, disse que foi desenvolvida pelo Aga
Khan e que é habitada por pessoas muito ricas.
— Mas ele disse que há um controle rígido sobre quem compra as
terras e sobre as construções?
Ela sacudiu a cabeça.
— Ninguém pode construir em mais do que dez por cento da terra
que comprou. Todas as plantas são cuidadosamente removidas antes
da construção e depois são replantadas. As linhas de telefone e os
fios elétricos são subterrâneos, não há nenhum esgoto sendo
despejado no mar e todas as casas devem ter uma arquitetura que
combine com a paisagem. A maior parte das casas são térreas e têm
jardins no telhado. Até mesmo os hotéis e lojas devem ser
construídos de modo a se integrar na paisagem.
— Isso nunca será estragado — Liane comentou.
— Ê por isso que este lugar é lindo. Eu nunca conseguiria morar em
outra parte.
Logo entraram na casa. O sol estava ficando quente e lá dentro a
temperatura era mais fresca.
— Temos um piscina, se você quiser nadar. Não a usamos muito,
pois Marcello prefere o mar, mas daqui até a praia é um pouco longe.
— Eu adoraria nadar. Quer vir comigo e ficar olhando?
— Eu ficarei olhando daqui de dentro. O calor está demais para mim.
Liane vestiu o maio e saiu correndo, mergulhando na piscina.
Aquilo foi um bálsamo contra o calor e ela nadou bastante, mer-
gulhando até o fundo. Era uma excelente nadadora e se sentia à
vontade na água. Cruzou várias vezes a piscina antes de sair.
Entretanto, seu prazer cessou quando viu Marcello de pé, ao lado da
piscina. Há quanto tempo ele estaria ali? Por que não tinha falado
nada?
Ele segurou a toalha e a olhou de modo insolente, analisando a pele
branca de seu corpo.
— Estou vendo que você faz alguma coisa bem, apesar do maio
antiquado. É assim que se vestia lá no orfanato de onde veio?
A ligeira ênfase na palavra "orfanato" fez Liane estremecer.
— Eu não sei o que tem a ver com isso, sr. Malaspina. Pode me dar a
toalha, por favor?
— Venha pegá-la — ele disse, com os olhos brilhando.
Ela deu um passo para a frente e estendeu a mão, mas, inesperada-
mente, ele puxou a toalha e ela caiu contra seu corpo. Com um dedo,
ele lhe levantou o queixo e, antes que Liane soubesse o que ia
acontecer, Marcello beijou-a.
O choque a deixou imóvel. Estava completamente rígida. Nenhum
homem a tinha beijado antes. Ondas de medo percorriam o seu corpo
e ela sentiu que alguma coisa formigava dentro dela. Fechou os
olhos.
No minuto seguinte, ele a soltou.
— Um beijo gelado, mas o que eu poderia esperar? Aqui, pegue. —
Ele atirou a toalha. — Cubra seu corpo puro antes de começar a
gritar que foi estuprada. Vejo que ficou ofendida.
— Seu pai está olhando.
— Meu pai não é minha babá. Eu faço o que quero e, se ele é louco o
suficiente para trazer uma jovem virgem para cá, deve saber quais as
consequências disso.
O coração de Liane disparou. Ela podia ser inocente, mas não teve
nenhuma dificuldade para entender o que ele queria dizer.
— Eu acho que não iria magoar seu pai tanto assim.
— Você é mais esperta do que eu pensava. Está certa, eu não faria
nada. Mas não digo que a idéia de descobrir como você é não
me atraia.
— Talvez atraia você, mas não atrai a mim. Você não é meu tipo,
sr. Malaspina.
— Pode me chamar de Marc. É menos formal.
— Marc, Marcello. .. não há diferença. O que importa é que você não
vai me fazer de boba.
— Talvez você esteja certa. Meu gosto é mais sofisticado. Liane ficou
vermelha, diante do insulto.
— Desculpe. Vou trocar de roupa. — Saiu, deixando-o de pé na beira
da piscina.
Quando ficou sozinha no quarto, não pôde deixar de se lembrar do
beijo. Só de pensar, sentia-se quente. Será que isso sempre
acontecia quando um homem beijava uma garota? Não gostava de
Marcello; seu beijo não deveria tê-la deixado fria? Então, por que
havia tido aquela reação? Revolta, talvez? Devia ser. Não havia outra
explicação.
Quando ela voltou, o almoço estava pronto, Marcello e o pai a
esperavam.
— Você nada bem — Roberto disse. — Gostaria de estar bem de
saúde para acompanhá-la.
— Talvez logo você possa me acompanhar. Disse que estava se
sentindo melhor.
— E estou. Estou mesmo, por sua causa. Vamos sentar? Eu estava
dizendo a Marcello que ele deveria ter nadado com você. Ele também
nada muito bem. Teriam feito um lindo par.
Será que ele havia visto o filho beijá-la? Tinha certeza que sim. Teria
ficado contente? Devia estar pensando que seus planos iam dar certo
muito antes do que imaginara.
— Vou levar Liane para nadar no mar — Marcelo disse inesperada-
mente. — É muito melhor. Mas primeiro ela precisa comprar um
biquini. Não dá para ir com o maio que ela estava usando hoje de
manhã.
— Me pareceu ótimo — disse o pai.
— Você está por fora da moda. Parece um daqueles maios obriga-
tórios em competições... não tem nenhuma classe.
Liane concordava. Claro que não podia ir à praia vestida daquele
jeito. Iam rir, e ela não pretendia se humilhar.
Durante a refeição, ela ficou em silêncio, apreciando a comida. Havia
linguiça defumada da Sardenha e ravióli, maçãs assadas, vinho e um
queijo picante chamado pecorino sardo, feito de leite de ovelha.
Depois de terminarem, Roberto avisou que ia repousar durante
algumas horas.
— Eu aconselho que faça o mesmo — Marcello disse —, se quiser
estar pronta para as compras desta tarde. O calor é muito cansativo
e deixa as pessoas nervosas, principalmente as que não estão
acostumadas a ele.
Liane foi para o quarto. Ali estava bem fresco; ela tirou o vestido,
deitou e dentro de pouco tempo estava dormindo.
Acordou com batidas apressadas na porta.
— Está acordada, Liane? — Era Marcello.
— O que você quer?
— E hora de se aprontar.
— Não quero ir. — A idéia de comprar roupas com ele a aterrorizava.
A porta se abriu e ela gritou:
— Saia! Saia! Você não tem nenhum direito de entrar aqui.
— Dio! Eu vi você de maio, hoje de manhã. Que diferença faz? — Ele
parecia zangado, mas de repente sorriu. — Estou contente em ver
que o sutiã e a calcinha são mais femininos. Você me deixou
preocupado...
Liane pegou o travesseiro e o atirou nele.
— Se você não sair, vou chamar seu pai! Ele pegou o travesseiro no
ar.
— Eu só estou dizendo que é hora de se levantar. — Ele se aproxi-
mou da cama e ela se encolheu, arregalando os olhos.
— Relaxe, estou só devolvendo o travesseiro. — Mas, durante alguns
minutos, ele ficou olhando para ela e Liane experimentou novamente
uma sensação esquisita.
Ficou aliviada quando ele saiu. Tomou um banho rápido, envergou
seu melhor vestido, de saia franzida e todo abotoado na frente.
Quando entrou na sala, Marcello sorriu, irónico.
— Ah, a virgem pura! Está tentando ganhar um ponto, não é? Luísa
vai ficar impressionada.
Como gostaria de escapar daquele passeio! Se era tão importante
que tivesse roupas novas, preferia escolhê-las sozinha.
— Onde está seu pai?
— Ele vai dormir mais uma hora. Se está pronta, vamos. Luísa
odeia esperar.
Agora Marcello dirigia. Era um carro esporte, aberto, e ele corria
como um louco, fazendo Liane se agarrar na beirada do banco.
Luísa morava em Olbia, onde iam fazer as compras. Ela já estava
esperando, quando chegaram. Cumprimentou Marcello
calorosamente, mas seu sorriso desapareceu quando viu a garota ao
Sado dele.
Disse alguma coisa em italiano. Marcello segurou-a pelo braço e
respondeu em seu inglês perfeito:
— Ela é a amiga de meu pai. Você se lembra? Eu lhe falei sobre ela.
— Lembro, mas não pensei que fosse tão. . . jovem. — Os olhos
escuros da moça brilharam e ela jogou para trás os cabelos negros
num gesto orgulhoso.
— Apresente-me, Marcello.
— Luísa, esta é Liane Chandler. Liane, esta é Luísa, uma grande
amiga minha. — Ele olhou para a morena e havia uma tal intimidade
entre eles que Liane se sentiu aborrecida.
— Você veio fazer compras conosco, Liane?
— A pequena orfãzinha precisa de vestidos — Marcello sorriu — e eu
achei que você poderia ajudá-la a escolher alguma coisa.
O comentário fez Liane estremecer e as coisas não melhoraram
quando Luísa disse:
— Claro que posso fazer isso, querido. Onde você comprou essa
coisa horrível, menina?
— Lamento que você não goste — Liane respondeu, furiosa. — Eu
gosto muito. Se não se importa, Marcello, vou esperar no carro.
Resolvi que não preciso de nada.
Começou a se afastar, tremendo de raiva. Estava profundamente
humilhada. Nunca ninguém lhe havia falado daquele jeito antes. Será
que eles não tinham educação? Podiam ser ricos, mas não tinham a
consideração das pessoas que ela havia conhecido na Inglaterra.
A mão de Marcello desabou em seu ombro e ele a forçou a encará-lo.
— Não vire as costas para mim! — O rosto dele estava sombrio. —
Você vai fazer compras comigo e com Luísa, querendo ou não. Não
vamos voltar para casa até que tenha um guarda-roupa perfeito.
A morena não parecia zangada, mas indiferente. Ou estaria se
divertindo?
— Não seja duro com a menina, Marc. Ela está certa. O vestido é
bonito. Foi você que fez, querida?
Aparentemente ela estava sendo simpática, mas o tom de voz era
pior do que as palavras duras de Marcello. Liane se sentiu
desanimada. Toda a vontade de brigar tinha desaparecido. Olhou
para o chão e esperou o próximo ataque.
Ele suspirou lentamente e a segurou pelo braço.
— Vá na frente, Luísa. Você sabe aonde vamos,
Com Luísa caminhando na frente e ele praticamente arrastando
Liane, os três saíram andando. Liane estava resolvida a não se entu-
siasmar com nada, mesmo que fosse o vestido mais fantástico do
mundo.
A loja era diferente de todas as que conhecia, luxuosa e finamente
decorada. Os vestidos foram trazidos e Liane viu que não gostava
deles, antes mesmo de experimentá-los.
O estilo sofisticado das roupas combinava com Luísa, mas ela sentia
que elas iriam transformá-la em algo que não era. Mas sabia que era
melhor não discutir. Marcello escolheu uma porção delas, embora
Liane soubesse que nunca as usaria.
Depois vieram os biquinis. Luísa insistiu em que precisava de pelo
menos quatro, mais as saídas-de-praia. Eram tão pequenos que Liane
nunca deixaria ninguém vê-la vestida com aquilo.
Quando terminaram as compras, sentia-se exausta e suada. Estava
resolvida a nunca mais ir fazer compras com os dois.
— Acho que você está precisando beber alguma coisa — Marcello
disse. — Está exausta, não é? Mas a maior parte das garotas ficaria
deliciada com tantas coisas novas.
Liane o olhou friamente.
— Sei que deveria me sentir agradecida; lamento não estar. Seu pai
é muito gentil. Vou pagar a ele assim que puder.
— Ele não vai gostar disso. É tudo um presente; aceite de bom
grado, garota.
Garota! Quando o pai dele a chamava assim, era um elogio. Mas
quando ele dizia isso, era um insulto. Os olhos dela ficaram
vermelhos de raiva.
Na calçada do café, encontraram outros amigos, algumas garotas que
olharam com curiosidade para Liane.
— É uma orfãzinha que meu pai adotou — ,ele disse como apre-
sentação.
Ela o olhou furiosa, antes de conseguir sorrir para os outros. A maior
parte das garotas usava o sutiã do biquini e short, e estavam bem
bronzeadas.
Olharam para ela como se fosse algo que ninguém tivesse visto
antes. Observaram sua pele clara, seu vestido e o corpo delicado.
Então, uma delas disse alguma coisa em italiano e as outras caíram
na gargalhada. Liane sentiu lágrimas nos olhos e tudo ficou muito
pior quando Luísa falou:
— A pobre garota não tem nada para usar, Nós a levamos para fazer
compras. Garanto que vocês vão ficar espantadas, quando a virem da
próxima vez.
Outra frase em italiano e mais gargalhadas. Então Liane disse a
Marcello:
— Acho que prefiro ir para casa.
— Ainda é cedo. Vamos sentar. O que você quer: um milk-shake ou
um suco de frutas?
Um milk-shake está bem — ela respondeu, baixinho, se mexendo
nervosa na cadeira que uma das garotas tinha trazido. A conversa
prosseguiu. Tentou parecer à vontade. Gostaria que conversassem
em inglês. Achava que todos estavam falando dela, em italiano.
De vez em quando percebia que Marcello a olhava, como se estivesse
pensando em alguma coisa. No que seria? Será que ele desejava
convencer o pai a mandá-la embora?
Ela sentia que não combinava com aquele grupo. Todos tinham muita
confiança em si, eram sofisticados, ricos e não tinham nada a fazer a
não ser gastar dinheiro e se divertir.
Ficou aliviada quando Marcello sugeriu que fossem embora. Nunca
tinha passado uma hora tão terrível.
Todos protestaram quando ele se levantou.
— Tem mesmo que ir, Marc? Há um baile no Tênis Clube e nós
vamos mais tarde. Venha conosco.
Ele olhou preocupado para Liane.
— Eu sei voltar sozinha — ela disse depressa. — Não estrague seu
programa.
— Meu pai não gostaria disso. Talvez eu me encontre com vocês
depois.
— Depois que tiver descarregado "o pacote" em casa?
Estava claro que ele não ia misturá-la com os amigos.
— Preciso cuidar para que nada aconteça a ela — ele disse,
fingindo uma preocupação exagerada. — Meu pai jamais me
perdoaria.
— Eu nunca vi você brincando de babá, Marc — uma das moças
disse.
— Nem eu, e lhe garanto que isso não vai acontecer muitas vezes.
Liane desejava ter tido a coragem de dizer ao grupo que tinha a
idade deles e não precisava de nenhuma babá. Mas devia se
controlar. Tinha tido uma educação diferente. Sabia as boas
maneiras. Não ia insultar ninguém.
Ela começou a se afastar, ignorando as despedidas. Minutos depois
Marcello a seguiu.
— Você foi muito ríspida, saindo sem se despedir.
— E você não acha que eles foram ríspidos comigo? Não posso
deixar de ver quem sou e não precisam fazer pouco caso de mim.
Você também não ajudou muito.
Ele deu de ombros.
— Acho que agora vai chegar em casa e contar tudo a meu pai.
— Eu não vou contar nada, mas, se me recusar a sair com você e
seus amigos novamente, não fique surpreso. Você é quem terá de
dar explicações a Roberto.
Quando chegaram ao carro, ele sentou-se a seu lado e desta vez
dirigiu com calma, deixando-a apreciar a paisagem.
Era um passeio lindo, entre fazendas e sítios, bosques e montanhas
rochosas. Frequentemente viam o mar e as praias de areia branca.
Ela gostaria que seu acompanhante fosse uma pessoa diferente,
alguém com quem pudesse conversar, com quem pudesse dividir o
encantamento da paisagem.
Quando entraram na Costa Esmeralda, Liane compreendeu o que
Roberto havia falado sobre a arquitetura da ilha. As vilas, lojas e
hotéis pareciam ter nascido da paisagem. Todos os materiais usados
eram naturais.
Ela tinha quase conseguido esquecer o homem a seu lado. Mas,
quando chegaram a Porto Cervo, ele apontou para a casa em que
morava, agora visível no alto das árvores que cresciam na encosta da
montanha, e ela se lembrou de que não estava sozinha.
— Roberto deve estar imaginando por onde andamos — ela disse.
— Duvido. £ normal que eu fique fora à tarde e à noite.
— Lamento, se teve que mudar seus planos por minha causa.
— Pelo amor de Deus, pare de dizer que lamenta! Eu só ouvi isso o
dia inteiro. — Marcello, furioso, parou o carro diante da casa e pulou
para fora, sem abrir a porta.
Encontraram Roberto na saleta. Ele pareceu surpreso.
— Não esperava vocês de volta tão cedo. Marcello, por favor, avise a
Giorgio que vamos jantar os três juntos.
— Eu vou sair outra vez, papai. Roberto franziu as sobrancelhas.
— Então, por que voltou? Por que não levou Liane junto com você?
Marcello olhou para Liane. Ela o encarou impassível, imaginando que
desculpa ele iria dar.
— Liane não quis ir conosco. Acho que as compras a deixaram muito
cansada.
— Ah, roupas novas! — Roberto exclamou. — Os pacotes já
chegaram. Você vai ficar em casa, meu filho. Liane vai usar um dos
vestidos e vamos jantar juntos. Afinal, é o primeiro dia que ela passa
conosco.
Marcello pareceu zangado, mas não discutiu.
— Eu vou avisar Giorgio — disse, saindo.
— Vai ser bom ele ficar. Sempre sai com uma garota ou outra. O que
achou de Luísa?
Liane sorriu com um ar de conspiradora.
— Não gostei dela.
— E ela não fez nada para que você se sentisse à vontade, não é?
— Não. Nem os outros amigos dele. Roberto pareceu surpreso.
— Eu não sabia que tinha se encontrado com eles. Lamento que não
tenha se entrosado. Gostaria que você tivesse amigos de sua idade.
Talvez, com o tempo, eles aceitem você. As pessoas sempre
desconfiam de estranhos, principalmente de estrangeiros.
— Espero que esteja certo.
— Talvez você queira trocar de roupa. Os vestidos novos já estão em
seu quarto. Maria colocou-os nos armário.
Em seu quarto, ela olhou distraída para o armário, Estava cheio de
roupas novas e ela sabia que devia se sentir animada, mas não
estava.
Nenhum dos vestidos lhe ficava bem, apesar de serem muito bonitos.
Ficariam ótimos em Luísa ou em qualquer uma das outras garotas,
mas não nela.
Relutante, depois do banho experimentou um, depois outro, mas não
conseguiu decidir qual usaria. No final, escolheu um azul muito vivo,
de duas peças, com blusa solta e saia franzida. Era o tipo de vestido
adequado para uma festa, e não para um jantar em casa, ela pensou,
mas era a roupa menos exótica do guarda-roupa.
Tinha entrado na saleta, quando ouviu as vozes deles vindo da sala
de jantar. Parou de repente, se escondendo, quando percebeu que
falavam dela.
— Não entendo por que não a manda de volta no primeiro avião. —
Era a voz de Marcello.
Liane respirou fundo e recostou-se na parede. Não sabia que ele a
detestava tanto.
— Você precisa dar tempo para ela se adaptar. Prometi aos pais dela
que, se algo acontecesse a eles, eu cuidaria da garota. Não posso
faltar com minha palavra.
Liane quase deu um grito. Ela tinha confiado em Roberto! Sentiu
lágrimas nos olhos e torceu as mãos. Roberto tinha dito que havia
amado sua mãe, por isso queria ajudá-la! Como podia ter sido tão
tola?
Era apenas o dever, nada além disso, que o fazia cuidar dela. Devia
ter adiado aquele momento durante anos, mas agora, como estava
doente, tinha percebido que, se não agisse logo, seria tarde demais.
Ela ficou tão chocada que, por um momento, não ouviu o que diziam.
Então ouviu Roberto falando de novo:
— Você deve deixá-la conviver com seus amigos e com você,
Marcello. É o mínimo que pode fazer.
— Mas, papai, você não entende. Ela é um patinho feio, não
combina. Meus amigos vão rir dela.
— Você não quer que ela combine.
— Na verdade, papai, não quero, mesmo.
Liane sentiu vontade de morrer. Tinha sido humilhada antes, mas
agora sentia que estava completamente arrasada. Ali estava ela, num
país estranho e com pessoas que não a queriam, e não tinha jeito de
escapar.
Estava com os olhos tão cheios de lágrimas que não viu Marcello se
aproximar, até que ele quase lhe deu um encontrão.
— Talvez você tenha ouvido tudo. Bem, agora sabe que não é
desejada aqui. Se não tiver dinheiro, eu pagarei de boa vontade sua
passagem de volta para a Inglaterra.

CAPÍTULO III

Liane não conseguia falar. Ficou olhando para Marcello, tentando


imaginar por que ele não tolerava sua presença.
— Não vai dizer nada?
Ela sabia que, se abrisse a boca, iria desmoronar completamente. As
lágrimas tremiam em seus Olhos, ameaçando descer, e ela virou o
rosto.
Espantado, ele se afastou, mas, antes que ela pudesse sair correndo
para o quarto, Roberto apareceu. Ele olhou seu rosto cheio de
angústia e sua terrível palidez.
— Você ouviu? Ela fez que sim.
— Oh, lamento, eu não tinha a intenção...
Liane virou-se zangada. Ele era igual ao filho e ela não queria nada
deles.
— Confiei em você, Roberto. Lamento que tenha se sentido na
obrigação de me trazer para cá. Vou embora assim que você quiser.
Ele estava com o rosto sombrio. Apoiou-se na parede, como se não
conseguisse ficar em pé.
— Liane, eu preciso de você. — Ele estava rouco de emoção e falava
com dificuldade.
— Para que eu case com seu filho? Não precisa continuar com essa
história. Ouvi o suficiente para saber que não me querem. —
Ela ficou triste por falar com ele daquele jeito. Roberto parecia um
homem gravemente enfermo, mas a tinha magoado mais do que
imaginava. Os dois a tinham magoado e ela queria se livrar deles,
queria voltar para a segurança do St. Morrow e para sua querida tia
Lucy.
Claro que em sua vida lá tinha havido altos e baixos. Nem tudo havia
sido maravilhoso. Ela fora tão feliz quanto uma criança órfã poderia
ser.
Tinha esperado ansiosamente pelo dia em que deixaria o orfanato.
Mas nem em seus sonhos mais loucos podia ter imaginado que seria
tão infeliz quanto naquele momento.
Sabia que ia se sentir sozinha, que ia ter dificuldades em fazer novos
amigos, mas aquilo era o desmoronamento completo de suas ilusões,
do futuro maravilhoso previsto por Lucy Morton.
Quando Roberto Mataspina caiu no chão, com os olhos fechados e
respirando pesadamente, ela esqueceu sua própria angústia e come-
çou a chamar Marcello, desesperada, ajoelhando-se ao lado do velho.
Não tinha idéia do que havia acontecido, Ele não falara nada sobre
sua doença, mas o que a fazia sofrer mais era vê-lo daquele jeito, e
tudo por sua causa.
Se ele não tivesse discutido com Marcello, nada daquilo teria
acontecido. De certa forma, era tudo culpa sua. Se partisse, será que
as coisas iam melhorar? Bem, ele parecia sinceramente contente pelo
fato de ela estar ali.
Isso a deixava muito confusa. Se estava contente, por que tinha dito
ao filho que fazia isso para cumprir uma promessa?
Vendo que Marcello não aparecia, ela foi procurá-lo. Encontrou-o ao
lado da piscina e, a princípio, ele pareceu não ouvir, quando ela o
chamou de volta para casa.
— E seu pai! — ela insistiu. — Ele está desmaiado! Venha logo!
Então, ele saiu correndo, numa velocidade que a surpreendeu. Lá
chegando, agarrou o pai pelos braços e o estendeu num sofá largo,
na saleta. Então os olhos do velho se abriram.
— Vá buscar um copo de água — Marcello ordenou.
Liane afastou-se depressa, voltando um minuto depois e sentindo-se
aliviada ao ver Roberto sentado. Mas ele ainda estava terrivelmente
pálido.
— Quer que eu chame o médico? — ela perguntou baixinho a
Marcello.
— Não. Logo ele estará melhor. Não é a primeira vez que isso
acontece. Ele devia ficar calmo, aceitar melhor as coisas. Não é bom
para ele ficar aborrecido.
Ela queria dizer: bem, você começou tudo isso, mas percebeu que a
frase só iria aborrecer o velho novamente.
Liane sentou-se ao lado dele, segurando o copo de água e olhando-o
ansiosamente.
Ele levantou a mão, muito fria, e tocou a dela.
— Por favor, não nos deixe, Liane. Você é como a brisa do verão
inglês, como uma rosa. Eu estava tão ansioso para que viesse, não
vou aguentar que vá embora, agora.
Sem perceber, ela levantou os olhos para Marcello. Ele parecia
preocupado. Deixava bem claro que a escolha seria dela.
E Liane sabia que, apesar de infeliz, precisava ficar. A fraqueza de
Roberto a comovia. Ele precisava de cuidados, não importavam os
motivos que tivesse para chamá-la ali.
Ela lhe apertou a mão.
— Vou ficar — ela disse, baixinho, e foi recompensada pelo brilho
que viu surgir nos olhos dele. Marcello virou-se e saiu apressado. Mas
ela não ficou surpresa. Sem dúvida, sua resposta não lhe agradara.
A recuperação de Roberto foi rápida. Meia hora depois ele anunciava
que estava pronto para o jantar.
— Não gostaria que eu trouxesse seu jantar aqui? — ela perguntou
gentilmente.
— Ainda não estou aleijado. Vamos jantar na sala. Procure Marcello
e avise que estou esperando.
Liane procurou peia casa toda, mas não encontrou o rapaz.
— Ele deve ter saído.
— Então, vamos jantar sem ele. Você está encantadora, em seu
vestido novo.
— Obrigada, Roberto. Foi muita gentileza sua gastar tanto dinheiro
comigo. Os meus outros vestidos serviriam muito bem.
— Bobagem, menina. Todas as mulheres adoram vestidos novos e
acho que você não é uma exceção,
Liane sentiu que era melhor não dizer mais nada. Pelo menos naquele
momento. O desmaio de Roberto a tinha deixado com medo. Daí em
diante ia tentar cuidar para que ele não se aborrecesse.
Depois do jantar, ela insistiu para que Roberto fosse para a cama.
— Eu estarei bem. Vou procurar um livro e provavelmente dormirei
cedo também.
Ela estava sentada sozinha há mais de uma hora quando ouviu
Marcelto entrar. Seu coração deu um pulo. Por que ele tinha voltado
tão cedo? Talvez pudesse fugir lá para cima antes que ele a visse.
Mas, no momento seguinte, descobriu que não se tratava de
Marcello, e sim, de um estranho que ficou parado, olhando-a,
sorrindo com um ar de admiração.
Não era tão alto quanto Marcello, mas muito bonito, moreno como
grande parte dos moradores da Sardenha.
— Acho que hoje é meu dia de sorte — ele disse. — Ninguém me
falou sobre você. Posso perguntar quem é?
Ele sorria amigavelmente e, depois do susto que tinha tomado, Liane
viu que falava com ele cheia de entusiasmo.
— Sou Liane Chandler. Vim morar com Roberto e o filho. Lamento,
mas Roberto não está passando bem, foi para a cama e Marcello saiu.
Quer deixar algum recado e seu nome?
Ele sorriu e estendeu a mão.
— Sou Raffaele Bruschi, vim fazer uma visita. Sou primo de
Marcello.
— Eles estavam esperando você?
Ele tomou sua mão e a segurou por mais tempo do que seria
necessário. Mas ela não se importou. Achou-o muito agradável e ele
deixou bem claro que ela o interessava. Isso era uma ótima
mudança, depois do tratamento de Marcello.
— É uma surpresa. Se eu soubesse de sua presença, teria vindo
mais cedo. Há quanto tempo está aqui?
— Cheguei ontem.
— Então ainda não teve tempo de dar uma olhada por aí. Deixe-me
ser seu guia. A Sardenha é um dos lugares mais lindos do mundo.
Temos muito a oferecer.
Ela riu.
— Alguém está pagando para você falar isso?
— Não, mas é a verdade. Espere e verá. Você vai ficar surpresa, ao
ver que um país pequeno tem tantas coisas bonitas. — Ele puxou
uma poltrona para perto da dela e olhou confiante em seus olhos. —
Por que Marcello saiu e deixou sozinha uma garota linda como você?
— Não sou linda. Você está me lisonjeando.
— A beleza está nos olhos de quem olha — ele disse. — Para mim,
você é a moça mais linda do mundo. Como conheceu a família
Malaspina? Acho que nunca os ouvi falarem de você.
O calor dos olhos dele era um calmante para os nervos agitados de
Liane. Ela sentiu que seu rosto ficava vermelho. Ele era encantador.
Ninguém a tinha tratado assim antes e ela descobriu que suas
atenções eram muito estimulantes.
— Eu nunca tinha ouvido falar de nenhum dos dois, até poucas
semanas atrás, mas parece que Roberto conheceu minha mãe antes
de eu nascer. Infelizmente, meus pais morreram quando eu tinha seis
anos e passei o resto da vida em um orfanato. Agora Roberto decidiu
me aceitar em sua casa.
— Tio Roberto é um homem bom. Pena que não esteja bem. Por isso
vim até aqui. Como está ele?
O rapaz parecia preocupado e Liane sentiu que gostava dele.
— No momento, está bem, mas às vezes parece muito mal.
— É bom que você esteja aqui. Ele precisa dos cuidados de uma
mulher. Marcello não serve para isso, está sempre saindo com as
garotas.
O modo como Raffaele falou fez Liane pensar que ele também estava
sempre preocupado com o sexo oposto. Mas não tinha nada com isso.
Ele era apenas a boa companhia de que ela precisava agora.
— Será que pode me arranjar alguma coisa para comer? Acho que
Giorgio já foi embora e estou morrendo de fome. Liane sorriu e
levantou-se.
— Vou ver o que encontro.
Ela não esperava que ele a seguisse e ficou surpresa ao vê-lo entrar
na cozinha.
— Do que você gosta? Não sou boa em comidas italianas.
— Vou lhe mostra o quê. — Os olhos dele brilharam maliciosamente.
— Vou fazer o jantar. Você fique olhando e aprenda, e talvez da
próxima vez possa preparar algo para mim.
Ela riu e concordou. Ele era divertido. Era também um bom
cozinheiro. Colocou o espaguete numa panela com água fervente,
depois fritou ovos e bacon e, quando terminou, anunciou:
— Spaghetti alia carbonaral Quer comer comigo?
— Eu já comi há muito tempo. Mas vou tomar um café. Estavam
sentados à mesa da cozinha, Raffaele comia esfomeada-
mente, conversando o tempo todo, falando sobre as belezas da
Sardenha. Liane tinha os olhos brilhantes e ria feliz, quando Marcello
entrou.
— Que diabo você está fazendo aqui? — ele falou, olhando direta-
mente para Raffaele.
O outro pareceu surpreso e pouco à vontade.
— Eu vim ver o tio Roberto. Ouvi dizer que ele está doente.
— Aposto que veio mesmo. Não pense que me engana, nem por um
segundo.
Liane desejou saber o que estava acontecendo. Tinha achado aquela
visita uma gentileza de Raffaele.
— Se já terminou de comer, pode ir embora — Marcello continuou,
olhando ameaçadoramente por cima da mesa. Liane sentiu que estre-
mecia, perturbada.
— Mas eu ainda não vi o tio Roberto.
— Como eu pensei. Você não está interessado na saúde dele. Tem
apenas um ponto de vista mercenário. Saia daqui e vá para o diabo
antes que eu o atire lá fora.
Liane sentiu que precisava dizer alguma coisa. Tinha gostado de
Raffaele e não podia entender por que Marcello falava com ele
daquele jeito.
— Eu acho que Roberto não ia gostar, se soubesse que seu primo
veio aqui e não o viu. Pelo menos você deveria deixar que ele
passasse a noite.
Marcello virou-se para ela, parecendo surpreso ao vê-la defender o
outro, e disse friamente:
— Você não tem nada a ver com isso. Não sabe do que está falando.
— Acontece que acredito nele. Acho que veio mesmo ver seu pai.
Pelo menos dê a ele o benefício da dúvida.
Raffaele sorriu e ela continuou;
No lugar de Roberto, eu ficaria aborrecida, se descobrisse que você
mandou embora meu sobrinho sem que eu o visse. Você não se
importa com os laços de família? — Para ela, devia ser algo mara-
vilhoso, pois não tinha família, nenhum tio, nem tia, nem primos,
irmã ou irmão.
— Laços de família, . . Você não tem idéia do que está falando.
Deixe que eu cuido disso do meu jeito.
Mas Liane estava resolvida a não desistir. Sem saber por que, achava
importante defender o primo, que, para sua surpresa, não dizia nada.
— Se o mandar embora, vou contar a Roberto. Você sabe que
ele não aguenta mais aborrecimentos.
Marcello fez um gesto aborrecido e ela procurou ganhar vantagem.
— Claro, uma noite não vai fazer diferença. Vejo que não há
amizade entre vocês, mas a saúde de seu pai é mais importante do
que qualquer aborrecimento passageiro.
Raffaele levantou-se confiante.
— Obrigado, Liane. Eu não podia ter me explicado melhor. Devo
dormir no quarto de sempre, Marcello? Boa noite para vocês dois
Marcello fez que sim, mas Raffaele já estava saindo dali, sem olhar
para Liane novamente.
— Você foi muito rude com ele — ela disse, quando ficaram
sozinhos.
— Se você conhecesse meu primo como eu conheço, também seria
rude. Oh, claro que ele parece encantador. Eu não duvido disso, mas
Raffaele é um mau-caráter e seria bom você se lembrar disso.
Liane arregalou os olhos com hostilidade.
— Eu prefiro descobrir as pessoas por mim mesma, e Raffaele
parece muito agradável.
— Você é uma ingênua. Não teve nenhuma experiência na vida, ficou
fechada lá naquele buraco... Acredite em mim, Liane, eu sei
exatamente do que estou falando. Fique longe de Raffaele, ele não é
de seu tipo.
— Nem você. E então, o que me sobra? Pelo menos ele foi gentil e
amigável. De você já não posso dizer o mesmo. Esta última hora que
passei com ele foi a mais feliz, desde que cheguei aqui.
— Você sabe o que pode fazer, não é? Não precisa ficar aqui.
— Vou ficar por causa de Roberto. Ele me pediu, Este é o único
motivo.
O sorriso dele agora era de pouco caso.
— Tem certeza de que não é porque gostou da boa vida? Por acaso
não estará pensando que meu pai vai colocá-la em seu
testamento?
— Como você é desprezível! Eu nunca pensei nisso. O dinheiro não
me interessa, mas sim, a saúde de seu pai. Talvez você devesse
prestar um pouco mais de atenção a ele.
— E você talvez deva tomar mais cuidado com o que diz!
Ela sentiu que sua fúria aumentava. Aquele homem não tinha
nenhum direito de falar daquele jeito! Antes que percebesse, seu
braço já se havia levantado e dado um tapa no rosto dele.
— Meu Deus! — ele exclamou, em italiano.
Imediatamente ela sentiu sua reação. Ele lhe devolveu o tapa. Ela
levou a mão ao rosto e sentiu que queimava. Sentiu-se horrorizada,
chocada e arregalou os olhos, mas continuou firme, sem se afastar.
— Você se sente bem, batendo numa mulher?
— Espero que responda ao mesmo tipo de pergunta. Mas devo
admitir que você me pegou de surpresa. Não esperava isso. Você
escondeu seu fogo. Vejo que terei que observá-la melhor, no futuro.
Ela tinha surpreendido a si mesma.
— Não acontecerá novamente — ela disse tensa. Sentia o rosto
quente, sob os dedos. A única satisfação que tinha era saber que
Marcello devia estar sentindo a mesma coisa. O rosto dele estava
vermelho e isso fez com que ela se sentisse melhor.
De repente, ele sorriu de um modo estranho.
— Não posso garantir que não vou gritar com você outra vez.
— Então tenho que manter meu terrível temperamento sob con-
trole. Talvez, senhor, esteja interessado em saber que eu
desconhecia ter um temperamento assim, até encontrá-lo.
O rosto dele pareceu ficar mais suave.
— Acho que há muitas coisas que não sabe sobre si mesma, Liane.
Está começando a ser mulher e tem muito a aprender.
— Espero que não pretenda ser o meu professor. O sorriso dele era
muito perturbador.
— Até que não seria má idéia.
Ela se lembrou daquele beijo rápido na beira da piscina. Uma
sensação estranha surgiu na boca de seu estômago. Sentiu um nó na
garganta,
— Como já disse que não sou nem um pouco atraente, acho que
seria uma idéia terrível.
— Talvez você prefira alguém como Raffaele... — Havia uma certa
ironia nas palavras dele, como se soubesse que a resposta ia ser sim
e não gostasse disso.
— Pelo menos, ele é um cavalheiro.
— Na aparência, apenas. Você não o conhece.
— Devo dizer que os poucos momentos que passei na companhia
dele foram muito mais agradáveis do que o tempo que passei com
você?
— Ele tentou lhe dar uma cantada?
— Que diferença isso faz? Marcello ficou mais sério.
— Raffaele é o último homem que eu sugeriria para lhe ensinar os
fatos da vida.
Ela fingiu uma risada.
— Eu não sou tão inocente assim! Eu sei que... — Era difícil
continuar com aquele homem olhando para ela com uma curiosidade
tão intensa. Mas ela sabia o que acontecia na vida, mesmo sem ter
experimentado. Tinha lido muitos livros, visto muitos filmes, sabia o
que acontecia entre um homem e uma mulher.
— Claro que você sabe. Mas sabe como a gente se sente ao fazer
amor? Tem uma idéia das sensações que um homem pode despertar
numa mulher?
— Nem sei se quero saber.
Quando ele a segurou pelos ombros, ela foi pega de surpresa. Ele a
apertou de encontro a seu corpo e ela sentiu que seu coração
disparava. Quase perdeu o fôlego e dobrou a cabeça para trás, para
poder olhá-lo, para poder protestar.
Foi um erro. Ele segurou seu rosto com as duas mãos e beijou seus
lábios gentilmente. Tremores de emoção a sacudiram, começando na
garganta e percorrendo todo o corpo até as pontas dos dedos.
Ela estremeceu e ele a afastou, murmurando algo suave em italiano.
Então abraçou-a com força outra vez e desta vez seus lábios foram
mais exigentes, procurando uma resposta, deixando que os beijos
explorassem a pele suave do pescoço dela.
Liane sentiu que escorregava para uma mistura de êxtase e de
vontade de resistir. Mas era uma experiência maravilhosa e, quando
os lábios dele procuraram os dela novamente, ela não conseguiu se
controlar.
Apesar de odiá-lo, sentia que ele estava despertando desejos que
tinham permanecido adormecidos nela até aquele momento. Sentia-
se deliciosamente feminina, e desejada, e fraca, encostada junto ao
corpo dele, satisfeita com seus beijos, abrindo os lábios
involuntariamente, desejando que aquele momento não terminasse
nunca.
Quando os beijos se tornaram mais ardentes, ela sentiu um arrepio
de medo. Ele era perturbador. Sabia exatamente o que queria e como
conseguir. Tinha uma espécie de poder mágico que fazia com que ela
não pudesse resistir, mesmo sabendo que devia.
Há quanto tempo o conhecia? Dois dias, não mais. Entretanto, ali
estava ele, virando seu mundo de cabeça para baixo, mostrando-lhe
um outro lado da vida, do qual até então não tinha notícias.
O coração dela começou a bater como um tambor, seus ouvidos
latejavam e ela sentiu falta de ar. Novamente ele beijou seus ombros
nus. Mas quando colocou a mão por baixo de sua blusa de seda,
segurando um de seus seios, ela lutou para se libertar e deu um
grito.
— Afaste-se de mim. Como se atreve?!
— Você demorou muito para me mandar parar. Por quê? Estava
gostando? Não. . . não responda. Eu sei que estava. E isso é só uma
amostra dos prazeres que a aguardam. Avise-me quando quiser outra
lição.
Disse isso e se afastou imediatamente, deixando-a morta de vergo-
nha. Como devia achá-la vulgar! Por que não o havia empurrado?
Como permitira que a manipulasse daquele jeito? Seu corpo parecia
agir por conta própria. Tinha se tornado mais vivo do que nunca,
como se uma fonte de prazer borbulhasse lá dentro, impedindo que
ela controlasse suas emoções.
Tinha tido sorte de voltar ao bom senso a tempo. O que podia ter
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acontecido, se não o impedisse? Será que aquilo era amor? Ou
seriam apenas sensações físicas?
Não podia amar um homem como ele! Então como havia gostado de
suas carícias? Céus, ela tinha ouvido falar de outras garotas que
dormiam com qualquer um, apenas pelo prazer do sexo! Esperava
que não fosse como elas. Mas por que tinha gostado tanto dos beijos
de Marcello, se não o amava?
Estava espantada com o que tinha acontecido. Ficara chocada com
sua própria sensualidade. Aquilo não podia acontecer novamente. Ela
nunca mais devia permitir que ele se aproximasse. Ele era um
homem perigoso.
Seu coração ainda batia com força quando foi para a cama. Antes foi
dar uma olhada em Roberto, mas ele dormia calmamente e ela
sentiu-se agradecida por ele não ter testemunhado a cena na
cozinha.
Mal conseguiu dormir, naquela noite. Ainda sentia os lábios de
Marcello sobre os seus, a rigidez de suas coxas. Ao pensar nisso, seu
coração bateu com mais força.
Ficou aliviada quando a manhã surgiu. Enquanto tudo ainda estava
quieto, ela saiu da cama, vestiu um dos biquinis novos e foi para a
piscina.
A água estava gelada e ela quase perdeu o fôlego. Depois de algumas
braçadas, começou a ficar mais calma. Com uma toalha nos ombros,
ela voltou para o quarto. Marcello estava ao lado da porta do quarto
dela. Vestia apenas as calças do pijama e tinha cruzados os braços.
— Buon giorno! Dormiu bem? — os olhos dele tinham um ar
brincalhão.
Liane sentiu que estremecia, ao vê-lo. Ele era um homem atraente e
era fácil perceber por que tinha tantas admiradoras.
— Muito bem — ela mentiu.
— Estou contente. Ia odiar ser a causa de uma noite de insônia. —
Não se preocupe. Dormi bem e me diverti muito nadando.
apesar de a água estar um pouco fria. Com licença, vou me vestir,
antes que pegue um resfriado.
Quando ela tentou passar por ele, Marcello pegou sua toalha.
— Você não deixou que eu a visse experimentando os biquinis.
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Ele olhou insolentemente seu corpo, demorando na curva dos seios
coberta levemente com o tecido fino.
— Agora está muito melhor do que com aquele maio. Este é mais
revelador. .. hipnotizante. — Ele levantou a mão e tocou levemente,
com as pontas dos dedos, o braço dela, mas seu olhar parecia
distante.
Liane levantou a mão, mas dessa vez ele a segurou com força pelo
pulso.
— Já esqueceu o que aconteceu na primeira vez em que você me
deu um tapa?
— Nunca vou esquecer.
— Estou contente por ter causado uma impressão tão marcante.
— Não ia ficar contente se soubesse o que eu pensei.
— Então talvez seja melhor eu lhe devolver isso. — Ele estendeu a
toalha, mas, quando Liane a segurou, ele a puxou para si e seus
lábios se encontraram durante alguns segundos.
— Assim você não vai esquecer isto também — ele murmurou. Com
o coração batendo mais forte, Liane correu para o quarto,
fechando a porta. Aquele homem era terrível. E ela não tinha idéia de
como lidar com ele.
Quando se vestiu e já estava recuperada do susto, desceu. Os outros
já a esperavam.
Roberto parecia melhor do que nunca.
— Liane — ele disse logo —, Marcello já ia chamar você. Ele disse
que já a tinha visto antes e que você não estava dormindo.
— Desculpe se estou atrasada. — Ela o beijou. — Como se sente
esta manhã, Roberto? — Sentou-se à mesa, evitando olhar
para Marcello.
— Melhor, muito melhor — ele disse, alegre. — Eu acredito que você
tenha conhecido Raffaele na noite passada, não? Foi bom ele ter
vindo me ver, não acha? Mas eu lhe garanti que não estou tão
mal quanto pensou.
Raffaele olhava para Liane. Ela se sentiu pouco à vontade, sabendo
que Marcello observava os dois. Será que ele achava mesmo que o
primo tinha tentado conquistá-la na noite passada? Será que por isso
a tinha beijado nesse dia?
Aquele pensamento não lhe tinha ocorrido antes, mas podia ser a
resposta. Antes de Raffaele aparecer, ele não tinha mostrado o
menor interesse por ela.
— Eu vou levar Liane para um passeio — Raffaele estava dizendo.
— Não se importa, tio? Prometi que mostraria a ela nosso maravi-
lhoso país.
— É uma boa idéia. Meu filho parece ter muitas coisas para fazer;
não pode lhe dar atenção. Eu gostaria de estar bom para levá-la eu
mesmo.
— Vai ser um prazer para mim — Raffaele disse. — Quer que eu lhe
sirva o café?
Marcello ficou em silêncio e Liane continuou quieta, sem dizer nada,
como se tivesse medo de falar. Assim que o café terminou, ele
desapareceu.
Liane vestiu um dos vestidos novos, de algodão lilás e com alcinhas.
Era um dos vestidos mais simpáticos que Luísa tinha escolhido e
Liane sentia que nele não parecia muito mais velha.
— Encantadora — Raffaele disse —, completamente encantadora
— e ela sentiu-se satisfeita, sabendo que aquele ia ser um dia feliz.
Rafaelle tinha carro, não um modelo esporte como o do primo,
mas um carro bonito, cinza-prateado, com teto solar e ar
condicionado. Ela se sentia muito bem, sentada ao lado dele, mais
relaxada do que nunca.
— Aonde você está me levando?
— Para a Grotta Nuova. É um lugar que você não pode perder. Gosta
de grutas?
— Sim, gosto muito. É longe?
__ Uma hora de viagem, talvez duas. Depende do que vamos fazer
no caminho.
Ela sentiu uma espécie de sinal em sua cabeça, mas ignorou-o.
Estava sendo excessivamente sensível, disse a si mesma. Tinha
suspeitas demais. E tudo por culpa de Marcello.
O caminho que ela escolheu passava por Olbia e pela estrada
costeira, de onde se via o azul do Mediterrâneo. Passaram pelo
Castelo de Fava, do século XII, com suas torres imponentes, por
plantações de milho e de pinheiros, e chegaram a um lugar chamado
Dorgali, onde ficaram uma hora olhando as lojas que vendiam
cerâmica, terracota, tapetes e artesanato de couro.
Liane gostou de um burrinho de terracota e Raffaele lhe deu de
presente. Não sabia como agradecer, porque nunca tinha recebido
um presente de um homem. Ele passou o braço por sua cintura,
sentindo o seu embaraço, e puxou-a para si. Ela não fez nenhuma
objeção.
De volta ao carro, viajaram mais um pouco em direção a um porto
chamado Cala Gonone. Ali, tomaram um barco com gente de todas as
idades e nacionalidades, todos ansiosos para ver a famosa gruta.
Raffaele continuou com o braço ao redor do corpo de Liane e ela
olhou para ele interessada.
— Está se divertindo?
Ela fez que sim e a pressão do braço dele aumentou. Liane desejou
que ele não se tornasse aborrecido. Estava confiando em Raffaele
como num amigo, não mais do que isso. Não tinha a menor experiên-
cia em colocar os homens em seus lugares, quando eles faziam
avanços amorosos.
O barco ancorou junto a uma escarpa pedregosa. Havia uma porção
de pequenas cavernas, visíveis só para eles, que poderiam ser atingi-
das por uma escada que saía da rocha. Parecia um lugar muito
perigoso e Liane sentiu que não tinha a menor vontade de se
aventurar por ali.
Meia hora depois, o barco entrou numa abertura e parou perto de um
ancoradouro de concreto. O guia conduziu-os à entrada da famosa
gruta.
Lá dentro, à esquerda, ficava a Grotta del Blue Marino. Blue Marino
era o nome de uma foca, mas não havia focas à vista. Depois viraram
à direita e entraram na Grotta Nuova.
Para surpresa de Liane, as cavernas eram quentes e secas. O guia ia
na frente, iluminando o caminho, e Raffaele segurava a mão dela com
força, perguntando frequentemente se estava gostando do passeio.
À medida que entravam mais fundo na encosta da montanha, pas-
savam por arcos encantadores e cavernas menores, até chegarem a
um grande salão conhecido como Salão de Baile. Depois cruzaram
uma ponte pequena, com água do mar de um lado e água doce do
outro, e entraram numa pequena câmara onde novas estalactites
estavam se formando. Era muito bonito e Liane virou-se para
Raffaele com os olhos brilhando:
— É lindo. Estou contente por ter vindo.
Em resposta, ele a beijou de leve nos lábios.
— Também estou gostando muito — ele disse. — É incrível a
diferença que a boa companhia faz num passeio.
Ao contrário do de Marcello, o beijo dele não lhe causou nenhuma
reação, apenas a certeza de que ele estava feliz e alegre como ela.
Depois, abraçados pela cintura, continuaram o passeio.
Mais profundamente, no interior da caverna, havia lagos que bri-
lhavam à luz da tocha levada pelo guia. Havia também certas formas
curiosas, parecendo rostos, entalhadas pela natureza na superfície
das pedras. Muitas não eram bonitas e davam até medo. Liane
estremeceu, sentindo que sua imaginação disparava. Aquilo tudo
correspondia à idéia que tinha do inferno. Como se percebesse seus
pensamentos, Raffaele a apertou com mais força e ela pressionou seu
corpo contra o dele.
Liane sentiu-se contente, quando saíram. Os turistas eram um grupo
feliz e sorridente, e o entusiasmo do guia era contagiante. Logo ela
estava rindo também. Mas disse a Raffaele:
— Lá embaixo é como o inferno de Dante.
— Vejo que você é romântica e só gosta de coisas lindas e de
sonhos.
— Fiquei contente por você estar comigo. Raffaele parecia satisfeito.
— Vamos encontrar algum lugar para comer. — Havia vários
restaurantes na Cala Gonone e ele escolheu o menos cheio. Dali se
tinha uma vista ótima de uma prainha branca e calma, onde as águas
azuis refletiam o céu.
Liane suspirou feliz. Tudo era tão diferente da Inglaterra e de St.
Morrow! Ela tinha tido muita sorte. Durante um momento esqueceu
Marcello e também a frase de Roberto que a tinha deixado arrasada
na noite passada. Ali havia paz e a companhia de um homem que só
desejava sua amizade.
Comeram frutos do mar e tomaram uma garrafa de vinho branco,
que logo subiu à cabeça de Liane. Ela começou a rir e falar mais do
que normalmente.
Quando tomaram o caminho para a Costa Esmeralda, Liane sentia-se
muito feliz.
— Não vamos voltar ainda — ela disse, com a mão no braço de
Raffaele. Sabia que, se voltasse à realidade agora, seria desastroso,
não estava pronta para encontrar Marcello.
Ele colocou o carro numa das entradas da praia, que estava deserta
naquela hora do dia. Depois abriu uma esteira sobre a areia e ficaram
lá deitados, ouvindo o mar e o canto dos pássaros.
Liane queria que aqueles momentos durassem para sempre. Fechou
os olhos e sentiu-se deliciosamente sonolenta. Dormiu e sonhou que
Marcello estava a seu lado. Mas era um Marcello diferente, amoroso,
que a beijava com paixão meiga. Ela retribuía a seus beijos, amando-
o e querendo fazer amor com ele.
Quando abriu os olhos, viu que era Raffaele quem a beijava. Ficou
tensa e ia empurrá-lo, quando percebeu que seria ingratidão, depois
daquele dia maravilhoso que ele lhe havia proporcionado.
Então deixou que ele continuasse a beijá-la, deitada, quieta, sem
corresponder nem rejeitar. Era estranho, mas não tinha a mesma
sensação que experimentava com Marcello. O que queria dizer isso?
Gostava de Raffaele muito mais do que do outro. Por que então seu
coração não se acelerava? Tudo aquilo levava à mesma resposta.
Marcello a repelia. Tinha que ser isso. Suas emoções descontroladas
eram um modo de lhe dizer que devia lutar contra ele. Ficou chocada
quando Raffaele disse:
— Marcello beijou você? — Ele parecia estar com ciúme e isso era
muito surpreendente.
— Marcello? — perguntou indignada. — Não aguento aquele
homem!
Só não sabia por que tinha evitado responder à pergunta dele.

CAPÍTULO IV

Marcello não apareceu para o jantar e Liane achou que Raffaele se


comportava como um filho, com Roberto, pelo menos em sua
presença. Era atencioso com o velho e muito gentil com ela, como se
já tivesse se tornado alguém especial.
Liane gostou daquilo, teve uma sensação agradável de calor humano.
Nunca tinha pertencido a ninguém e nunca ninguém se interessara
por ela. Aquilo lhe fazia bem.
— Não preciso perguntar se você se divertiu — Roberto disse. —
Vocês dois parecem extremamente satisfeitos.
Depois, Raffaele sugeriu um passeio ao porto para ver os iates.
Sabendo que Roberto não se importava, ela aceitou e começaram a
descer pela encosta da montanha.
Havia uma praça só para pedestres, cheia de lojas e apartamentos.
Passaram uma hora examinando os souvenirs. Raffaele falou sobre as
esculturas de bronze, cópias dos nuragos um tipo de fortaleza cons-
truídas em época anterior à dos romanos.
— Há milhares delas pela ilha. A mais famosa é a ruína de Su
Nuraxi. Eu a levarei lá... amanhã, se você quiser.
Liane disse qualquer coisa que não a comprometesse e continuou
olhando os tapetes e bolsas, as bonecas vestidas com as roupas
típicas da Sardenha. Achava que não devia passar muito tempo com
Raffaele. Roberto estava doente, queria que ficasse por perto. Já era
muito ruim que Marcello sempre estivesse fora de casa.
Da praça passaram para uma ponte de madeira que cortava um dos
canais. Os iates ficavam ancorados mais longe. Eram magníficos,
diferentes de tudo o que ela já havia visto antes. Ficou encantada.
Enquanto observavam, um iate que vinha se aproximando lenta-
mente ancorou no porto. Só havia duas pessoas a bordo. Liane viu
que eram Marcello e Luísa, que usava o short mais curto que ela já
havia visto.
Ele franziu as sobrancelhas, quando a viu com Raffaele,
— O que está fazendo aqui?
— Fazendo o seu trabalho — Raffaele disse —, mostrando a ilha a
Liane.
— Achei que sua visita era para meu pai.
— Acho que nem ele esperaria que eu fosse passar lodo o tempo
dentro de casa.
— Alguma coisa me diz que você não passou nenhum tempo lá. —
Olhou profundamente de um para o outro; estavam de mãos dadas e
ele pareceu zangado ao ver aquilo. — Onde vocês estiveram?
Liane olhou para Raffaele e deu de ombros, como se perguntasse:
preciso mesmo dizer a ele? Depois virou-se para Marcello e
respondeu:
— Fomos a uma gruta magnifica. Foi como se estivéssemos em outro
mundo.
— Aposto que sim, mas agradeceria muito se voltasse para casa
agora. Não gosto que meu pai fique sozinho.
— Nesse caso — Raffaele disse ríspidamente —, por que você saiu?
— Porque achei que vocês dois ficariam lá.
Liane sentiu que aquele não era o único motivo do aborrecimento
dele.
— Vamos — ela disse baixinho para Raffaele. Na verdade, tinha uma
sensação de culpa por ter deixado Roberto sozinho, principalmente
depois de terem ficado fora o dia inteiro.
Raffaele não pareceu satisfeito, mas concordou. Ela se
sentiu aliviada ao ver Roberto sentado na varanda, lendo. Ele
levantou os olhos quando os dois entraram.
— O passeio foi curto.
— Eu fiquei preocupado com você, tio — Raffaele disse depressa. —
Não devíamos ter saído à noite. Se algo acontecesse...
— Não estou assim tão mal. E gostaria muito de tomar um drinque.
Talvez vocês dois queiram me acompanhar.
Os três ficaram bebendo e conversando, Liane se sentindo cada vez
mais à vontade naquele novo país e na nova casa.
Logo depois Marcello chegou em casa. Era cedo ainda, Liane esperava
que ele passasse a noite fora. Até Roberto se surpreendeu, ao ver o
filho.
— O que é isso? Brigou com a namorada?
Marcello não pareceu achar a observação divertida. Serviu-se de um
copo de uísque e bebeu tudo de um gole, dizendo:
— Vou trocar de roupa. Desço daqui a pouco.
Quinze minutos depois, estava de volta. Tinha tirado o short e a
camisa azul-marinho e agora vestia uma calça elegante e uma camisa
de seda cor de areia. Parecia muito bem disposto. Seu cabelo,
molhado do banho, estava mais escuro do que normalmente.
Ele se serviu de outro drinque e sentou-se perto de Liane. Imediata-
mente ela sentiu a falta de ar característica de quando ele se
aproximava.
Depois das dez, Roberto íoi para a cama, mas os dois homens
continuaram na sala, como se nenhum deles pretendesse deixar
Liane sozinha. Pela primeira vez em sua vida, ela achou divertido ser
uma mulher e ter homens interessados nela. Estava crescendo.
Finalmente, anunciou que ia dormir. Raffaele levantou-se.
— Eu também — disse, se espreguiçando. Então, Marcello falou
baixinho:
— Eu gostaria de conversar com você, Liane... a sós. Raffaele
franziu as sobrancelhas, mas saiu dizendo a Liane que, se
ela quisesse, poderiam ver as fortalezas no dia seguinte.
Durante um momento, depois da saída de Raffaele, os dois ficaram
em silêncio. Então Marcello falou:
— Eu não gosto que você saia com Raffaele.
— Eu sei. Já percebi.
— Então, o que vai fazer?
— Nada. Por que deveria fazer alguma coisa? Sou livre e acho seu
primo uma ótima companhia.
— Raffaele pode encantar uma mula, se resolver fazer isso. Ele tem
a habilidade de fazer as pessoas pensarem que é diferente do que
realmente é.
— E acha que ele está fazendo isso para ser simpático comigo? Por
que faria isso?
— Eu não esperava mesmo que entendesse. Ele não contava com
você, com alguém com quem pode passar algumas horas agradáveis,
enquanto não atinge seu objetivo.
— E qual é esse objetivo?
— Ele quer parecer simpático a meu pai a fim de ser incluído no
testamento do velho.
Liane riu. Tudo parecia muito engraçado, mas Marcello pareceu
magoado.
— Qual é a graça?
— Você. Primeiro você me acusou de querer o dinheiro de seu pai,
agora acusa Raffaele. Oh, Marcello, você deve ler algum, problema
com isso, Nenhum de nós está interessado nesse testamento. Tudo
vai ser seu, quando ele morrer. Não estamos querendo tirar nada do
que é seu. Eu pelo menos não estou, mas sinto que posso falar por
seu primo também.
— Eu não estou pensando só em mim e você não conhece meu
primo como eu. Ele não vem sempre aqui. Na verdade, acho que nem
me lembro de quando apareceu a última vez. Mas agora que soube
da doença de meu pai...
— Oh, Marcello, pare com isso! É tudo imaginação sua. Se seu pai
não quer Raffaele aqui, ele que o mande embora. Afinal, a casa é
dele.
— Você não compreende, você não consegue entender. Não conhe-
ceu Raffaele em seu mundinho, só pessoas simpáticas. Você é
confiante demais. Deixe que eu julgue, Liane. Fique longe dele. Sei
do que estou falando.
— Quer saber o que eu penso? — Ela o olhou duramente durante
algum tempo. Seus olhos estavam muito escuros.
— Diga.
— Acho que você está com ciúme. Ele tentou falar, mas ela o
impediu.
— Você não me quer, mas não gosta que outros homens me achem
atraente. Raffaele disse que sou bonita, sabia?
— Raffaele diria qualquer coisa.
Aquelas palavras irônicas foram como uma ducha de água fria. Ela
sabia que não era bonita, mas ele não precisava deixar isso tão claro.
— Se você já terminou o que tinha a dizer, eu gostaria de ir para a
cama.
— Ainda não terminei. Gostaria de ter sua companhia durante
uma hora mais ou menos.
— E por quê? — De repente, Liane se sentiu apreensiva. Havia
alguma coisa nele que a deixava nervosa. O que estaria querendo?
— É preciso haver um motivo?
— Com você, sim. Não confio em você.
— Por que não tenta?
Houve um momento de silêncio entre os dois. Marcello indicou o lugar
a seu lado, no sofá, e dirigiu-se a ela com suavidade:
— Sente-se.
Nervosa, Liane sentou, mantendo-se o mais longe possível dele.
Ele estendeu a mão e pegou a dela, olhando a palma e traçando-lhe
as linhas delicadas com os dedos. Liane respirou fundo, imaginando o
que ia acontecer em seguida e procurando desesperadamente contro-
lar suas emoções.
Estava mais convencida do que nunca de que ele tinha ciúme de
Raffaele. Senão, por que todas aquelas atenções? Mas, quando ele
falou, não foi sobre ela e Raffaele, mas sobre Roberto.
— Estou preocupado com meu pai. Ele tenta fingir que não está
doente, mas você viu o que aconteceu ontem à noite. A menor
contrariedade o deixa arrasado.
— O que há de errado com ele?
— Exaustão, nervosismo, stress. Algum tempo atrás, ele não parava
aqui, viajava pelo mundo todo para controlar suas empresas. Então,
um dia, teve um colapso e o médico disse que, se ele não se acal-
masse, morreria em seis meses.
— E ele se acalmou?
__ Sim, de certa forma. Eu tento fazer a maior parte do trabalho,
mas, com aqueles malditos computadores, ele está lá todos os dias,
controlando, verificando tudo. Acha que ninguém sabe dirigir
as
firmas melhor que ele. Tento mantê-lo em contato com tudo, infor-
má-lo sobre os negócios, mas não sei se ele acredita em mim.
— Estou contente por ter me contado isso — ela disse, desejando
que ele soltasse sua mão. Não era fácil pensar, naquela situação.
— Talvez você possa ajudar. Papai gosta de você e talvez a escute.
— Claro que ajudarei. Não conheço nenhum de vocês dois há muito
tempo, mas já gosto muito de Roberto e farei qualquer coisa por ele.
— E eu? O que sente por mim?
— Eu ainda não tive tempo de formar uma opinião.
— Mas já sabe o que sente por meu pai.. ,
— Com você é diferente.
— Quer dizer que ele não a perturba, como eu?
Não havia resposta para aquela pergunta. Ele já tinha descoberto
muito. No momento seguinte, levou a mão dela aos lábios, beijando-
a ternamente e observando-a enquanto fazia isso, como se estivesse
curioso para conhecer sua reação.
Liane procurou se acalmar, mas Marcello se aproximou mais,
movendo os lábios sobre o braço dela. Ele parecia hipnotizá-la.
Não tinha a menor dúvida de que ele se comportava assim com todas
as garotas. Apesar disso, não conseguia fazer nada para impedi-lo.
Deixou a cabeça cair de encontro ao encosto do sofá, com os olhos
fechados e os lábios separados, esperando.
De repente, ele a soltou, falando apressado:
— Agora, é melhor você ir para a cama, do contrário não me
responsabilizo pelo que acontecer,
Mas Liane tinha sentido o doce veneno daquelas carícias e não
aguentava pensar que ele ia deixá-la assim.
— Por favor, beije-me mais um pouco, Marcello.
— Dio! Você não sabe o que está pedindo.
— Eu sei e quero provar que não vou desapontá-lo.
— Liane! Liane! — Ele a abraçou com força. Ela sentiu seu coração
disparar de encontro ao dele e então seus lábios se encontraram. Era
um beijo exigente, forte, que a machucava e exigia uma resposta.
Aquela brutalidade a chocou. Quando ele a beijara, antes, tinha sido
gentil. Aquilo era diferente.
Ele percebeu o choque. Então parou e olhou profundamente nos olhos
dela.
— Era isso o que você queria?
— Eu não sei. Pensei que fosse, mas agora. . . Furioso, Marcello se
afastou.
— Você é uma criança! Não sabe nada sobre os desejos de um
homem. Pense, antes de me pedir que a beije de novo, Liane. Eu
posso não ser tão paciente na próxima vez.
Ela baixou os olhos. Ele sempre conseguia humilhá-la. Como tinha
sido tola! Como podia ser tão idiota, pedindo, implorando os beijos
dele?
Estava pálida, quando finalmente se levantou.
— Boa noite, Marcello. Ele não respondeu.
No espelho do quarto ela viu que tinha os olhos fundos e a pele muito
pálida. Estava com vergonha de si mesma. Entrou no chuveiro,
levantando o rosto para a água.
Depois do banho, sentiu-se melhor. Mas. demorou para dormir. Ficou
muito tempo olhando a noite, o céu estrelado.
Não podia entender por que o temperamento de Marcello era tão
variável. Num minuto estava zangado com ela e no minuto seguinte,
ansioso para acariciá-la. Depois, quando ela tinha, de certa forma, se
oferecido a ele, incapaz de controlar seus sentimentos, ele a
recusara.
Devia estar agradecida, na verdade. As carícias poderiam ter esca-
pado de seu controle. E ela não queria nada além de alguns beijos.
Não era difícil adivinhar o que Marcello teria feito, se não tivessem
parado a tempo.
Comparando-o com o primo, concluiu que gostava mais de Raffaele.
Pelo menos, nunca discutiam. E tudo o que acontecera entre eles
tinha se limitado a uns poucos beijos leves. As coisas nunca sairiam
do controle, com Raffaele.
Perdida nesses pensamentos, só conseguiu fechar os olhos quando já
amanhecia.
Apesar disso, foi a primeira a descer para o café. Serviu-se de uma
xícara e ficou esperando os outros.
Roberto parecia cansado, quando desceu. Liane se aproximou dele:
— Não está se sentindo bem?
— Não é nada. Onde está Marcello? Preciso falar com ele.
— Não sei. Quer que o procure? — Mas, enquanto faiava,
Marcello entrou na sala.
Olhou rapidamente para Liane e depois se dirigiu ao pai:
— Você esteve trabalhando com os computadores outra vez?
Roberto fez que sim.
— Há um problema com a Plástica Malaspina de Nova York. Você
precisa ir lá.
— Papai, eles podem resolver o problema sozinhos. Por que insiste
em querer controlar tudo? Eles são tão capazes quanto você.
— É a minha empresa. Eu a construí, não quero vê-la desmoronar
por falta de supervisão.
— Segal é um ótimo homem. Você mesmo o escolheu. Ele saberá
lidar com qualquer situação. Posso verificar o problema mais tarde,
se isso o deixa satisfeito, mas tenho certeza de que não precisam de
mim lá.
— Marcello está certo — Liane disse. — Você precisa aprender a
confiar nas pessoas,. Roberto. Não pode ficar para sempre por trás
delas.
— Mas são os meus bebês... Eu os alimentei, eu os vi crescendo.
Meu coração arrebentaria, se perdesse qualquer um deles, agora.
— Não vai perder nada — Marcello disse com firmeza. — A empresa
está seguindo estritamente o planejamento. Deixe-a com Segai e ele
resolverá tudo.
— E se não resolver? Teremos perdido a maior encomenda que já
recebemos. — Roberto parecia completamente desesperado.
— Então eu vou ver isso pessoalmente.
— Se já não for tarde demais.
— Quer um café? — Liane perguntou, ansiosa.
— Prefiro alguma coisa mais forte.
— Vou servir um conhaque. — Marcello sorriu para Liane ao passar
por ela.
Roberto tomou o drinque lentamente e a cor voltou a seu rosto, mas
ele continuava com o pensamento nos negócios.
— Vamos, coma alguma coisa — Liane disse, segurando-o pelo
braço e puxando-o para a mesa.
Ele sorriu, distraído, e pegou um pãozinho.
— Vou entrar em contato com Segal e descobrir exatamente o que
está acontecendo. — Marcello encerrou a conversa, saindo da sala.
— Deve aceitar as coisas com calma. — Liane sorriu para ele. —
Deixe que Marcello se preocupe; você já fez a sua parte, é tempo de
esquecer os problemas.
Ele acariciou a mão dela.
— Você é uma boa menina, mas não entende. Não é fácil se desligar
de tudo, depois que se passou a vida inteira construindo um
império.
— Acho que entendo melhor do que você. Prefiro ter a minha vida e
nenhuma riqueza a trabalhar demais e me enterrar cedo. — Aquilo
parecia cruel, mas talvez fosse o que ele precisava ouvir.
Durante um momento, Roberto ficou quieto; depois disse:
— Até você vir para cá, Liane, não me importava viver ou morrer.
Meu trabalho era a minha vida e, se não podia fazê-lo, nada mais me
interessava. Quando fiquei doente, Marcello me convenceu a comprar
os computadores e instalá-los aqui. Assim, poderia controlar
tudo de casa. Mas não é a mesma coisa. Eu gostaria de estar lá.
Agora... tenho que pensar em você. Gosto de você, Liane, e quero
vê-la casada com Marcello. Quero ver meus netos.
Ela achou que ele estava indo longe demais, mas não teve coragem
de interrompê-lo.
— Você me deu um motivo para viver e talvez esteja certa. Eu devo
largar as rédeas. Droga, Liane, Marcello pode fazer todo o trabalho
em vez de ficar por aí, caçando mulheres!
— Talvez a culpa tenha sido sua. Se você o tivesse deixado segurar
as rédeas antes, talvez estivesse dirigindo seu império, agora. Mas,
se não der uma oportunidade a ele, nunca saberá se é capaz.
Marcello voltou sorrindo.
— O pânico já acabou. Foi tudo resolvido. O pedido será atendido.
Roberto deu um suspiro e apertou a ruão de Liane com força. Ela
o beijou na testa.
— Viu, Roberto? Você não tinha motivos para se preocupar.
Ele devolveu o sorriso e olhou para o filho.
— Liane e eu estivemos conversando. Acho que vou passar toda a
direção para você... o controle, o estoque, tudo.. .
Marcello olhou preocupado de um para o outro.
— Que ótima notícia! O que fez você mudar de idéia tão de repente?
O velho olhou sorridente para Liane.
— Esta garota. Ela é ótima para mim, Marc. Devíamos tê-la trazido
para cá há muitos anos. Sabe, acho que vou comer um pouco de
bacon com ovos. Vou ver se Giorgio pode prepará-los.
— O que aconteceu? — Marcello perguntou, quando ficaram
sozinhos. — Você conseguiu numa manhã o que eu persigo há anos.
— Eu simplesmente disse a ele a verdade.
Ele sacudiu a cabeça, como se ainda não conseguisse acreditar.
— Bem, não importa o que disse, o importante é que deu certo e
estou agradecido. O mais engraçado é que praticamente já estou
dirigindo tudo, só que ele vive se metendo e se preocupando desne-
cessariamente,
— Não importa como aconteceu, também estou contente. Depois que
ele aprender a relaxar, não haverá motivos para que não viva muito.
— Eu subestimei você, Liane. Deixe-me levá-la para um passeio,
hoje, para comemorar.
— Ela já prometeu sair comigo — Raffaele disse, entrando na sala.
A mudança de expressão de Marcello foi completa. Num segundo
deixou de ser o homem sorridente e amigável de minutos atrás para
se transformar na imagem da raiva. Liane estremeceu, diante do
olhar dele.
— Neste caso — ele disse, tenso —, não há nada que eu possa
fazer.
— Se quer um encontro com Liane, sugiro que se coloque na fila.
Marcello saiu da sala sem dizer mais nada. Raffaele sorriu, confiante.
— Um mau perdedor, mas acho que foi uma novidade, para ele, não
poder sair com a garota que quer.
— Acho que ele não me queria. Eu lhe fiz um favor e ele só queria
me mostrar sua gratidão.
— Que tipo de favor?
— Eu convenci Roberto a se desligar um pouco dos negócios.
Marcello agora é o encarregado de tudo.
— Você fez o quê? — Agora era Raffaele quem parecia muito
zangado. — Que direito você tinha de meter o nariz nisso? Não sabe
de nada do que está acontecendo aqui.
— Sei que Roberto é um homem doente. Se não se desligar dos
negócios, não verá seu próximo aniversário.
— Mas ele ficará feliz, sem fazer nada? Acho que não pensou nisso.
O tédio pode ser tão fatal, para um homem, quanto o excesso
de trabalho.
— Ele não vai ficar entediado, pelo menos enquanto eu estiver
aqui. Vou mantê-lo entretido.
— Vai ser a queridinha do velho?
Ela não gostou da insinuação e seus olhos brilharam de raiva.
— Você me dá nojo, Raffaele!
— Eu não quis dizer nada de mau, Liane. Foi só uma brincadeira.
Naturalmente que estou contente, muito contente que tenha
convencido tio Roberto a se desligar dos negócios. Na verdade, não
foi isso que eu também pedi a ele?
Ela levantou o queixo e olhou-o, cheia de suspeitas.
— Não me olhe assim. Eu amo meu tio e por isso estou aqui. Fiquei
preocupado. É a melhor coisa que você poderia ter feito. — Seus
olhos castanhos eram suaves e ela sentiu que relaxava. Finalmente,
sorriu para ele.
— Acredito em você, Raffaele, apesar de achar que não devo.
— E irá passear comigo, hoje?
Ela pensou em Marcello, em sua raiva fria. Mas isso agora não faria
diferença. Mesmo que se recusasse a sair com Raffaele, não
recuperaria a amabilidade de Marcello.
— Mas não vamos ficar fora o dia inteiro. Não quero deixar
Roberto sozinho por muito tempo.
— Não, claro que não. Eu entendo.
O café estava terminado, quando Roberto voltou com seu bacon com
ovos. Parecia muito contente e Liane ficou espantada ao ver que ele
tinha se reconciliado com a nova realidade, tão facilmente. Sentia-se
muito contente também e disse baixinho:
— Você já parece melhor, Roberto.
— É como se eu tivesse tirado um grande peso dos ombros. Mas não
sei se teria feito isso, se você não estivesse aqui, Liane. Sua
companhia compensará o fato de eu não ter nada para fazer.
Ela mordeu o lábio e olhou-o preocupada, depois disse a Raffaele:
— Acho que não vou sair com você.
— Bobagem — Roberto falou, sorrindo. — Se já fizeram planos,
podem ir. Não pretendo manter nenhum dos dois amarrado a meu
lado.
— Tem certeza, tio? Nós podemos ficar, se quiser.
Liane estava começando a conhecer Raffaele e percebeu um tom
falso na voz dele. Será que Marcello estava certo? Ele estaria mesmo
procurando agradar para receber algum benefício depois? Se ela
pudesse fazer alguma coisa, Roberto ainda ia viver muito tempo.
Raffaele ia cansar de esperar.
— Saiam — Roberto pediu. — Tenho um livro muito interessante que
quero terminar de ler.
Apesar disso, Liane foi contrariada. O passeio, dessa vez, foi para as
montanhas que dominavam o centro da ilha.
— Elas se chamam Gennargentu — Raffaele explicou —, que quer
dizer Portão de Prata. Receberam esse nome por causa da neve que
cobre os picos. Escondido dentro das montanhas há um labirinto de
rios e cavernas. Dizem que uma manada de cavalos selvagens
também vive por lá, mas ninguém ainda conseguiu vê-la.
Ela não sabia que o passeio seria longo. Quando Raffaele parou para
o almoço, ainda não tinham chegado a seu destino.
— Eu não sabia que era tão longe. Não teria vindo, se soubesse. Por
que não me disse?
— Porque, como você disse, não teria vindo, e eu a queria só para
mim, Liane. Você se importa?
— Claro que sim. Você me enganou, Raffaele. Sabe como estou
preocupada com Roberto. Aliás, pensei que você também estivesse.
— Estou, mas o que poderíamos fazer? Ele está passando bem. Por
que não sentamos, já que estamos aqui? Há tantas coisas, na ilha,
para você ver!...
— Vai haver tempo para isso. Roberto vai começar a pensar que não
quero ficar em casa cora ele. Acho que não seria justo. Eu gostaria
de voltar.
— Desculpe, Liane. Eu devia ter lhe dito. Mas sabia que, se deixasse
você lá, Marcello chegaria e acabaria com as minhas chances. Eu
nunca tenho chances, quando ele está por perto.
— Marcello não gosta de mim. Ele segurou as mãos dela.
— Por favor, Liane, não fique zangada. Vamos passear, hoje.
Depois só sairemos quando você quiser. O olhar dele implorava,
parecia tão arrependido que ela concordou.
— Por que eu sempre tenho que concordar com você, Raffaele?
— Porque eu sou irresistível.
— Você é incorrigível — ela respondeu. Na verdade, era bobagem se
preocupar com Roberto. Ele estava ótimo e, além disso, Marcello
estava por perto.
Pararam em um dos restaurantes, decorado com quadros alegres de
cenas da cidade. As mesas estavam postas e as cadeiras eram con-
fortáveis.
Comeram presunto da ilha, servido com vinho rose. Depois, pediram
um ravióli acompanhado de um vinho mais forte. Em seguida vieram
as carnes e, como sobremesa, panquecas doces. Terminaram o
almoço
com um licor.
Antes de ir para a Sardenha, Liane jamais bebera. Apesar de gostar
da sensação que o vinho proporcionava, já não sabia com certeza se
queria mais. Sentia-se extraordinariamente alegre.
— Vamos — Raffaele disse. — Você pode dormir no carro, se
quiser.
— Acho que farei isso. Depois de comer e beber tanto, não vou
conseguir fazer mais nada.
Mas ela não dormiu. Colocou a cabeça no ombro de Raffaele e fechou
os olhos. Meia hora depois, seguiram para Barumini, perto de Su
Nuraxi. Liane aprendeu que os nuragos tinham sido descobertos há
trinta anos apenas, quando uma chuva fortíssima varreu a encosta
das montanhas revelando as fortalezas e também um grande
povoado escondido na base. Dele, restaram ruínas. Mas dava para
perceber o que antigamente tinham sido ruas, casas, lojas e a praça
central.
— Está gostando? — Raffaele perguntou, segurando a mão dela. Ela
não teve coragem de dizer que não se impressionava nada
com aquelas pedras antigas, que teria preferido alguma coisa mais
moderna e movimentada. Mas fez que sim com a cabeça.
— É fascinante.
Um guia os levou a um passeio pelas fortalezas. Subiram por uma
escada de madeira e ferro, entre duas torres, e depois penetraram no
túnel que levava a um pátio interno.
Depois chegaram à câmara central. Era escura e o guia acendeu uma
tocha. Liane estremeceu, agarrando-se a seu acompanhante.
Raffaele a abraçou. Depois, levantou o rosto da moça e, na
escuridão, pressionou seus lábios contra os dela. Liane desejou que
ele não tivesse feito isso, mas não queria causar confusão, diante do
grupo de turistas e do guia.
Raffaele não percebeu a falta de entusiasmo dela e continuou a
abraçá-la com força, enquanto continuavam a visita.
Liane ficou aliviada quando subiram uma escadaria e saíram para um
pátio externo, de onde podiam olhar o que havia sobrado do vilarejo.
O ar parecia fresco e ela decidiu que não queria visitar mais nenhum
nurago. Depois de conhecer o interior de uma das casas, resolveram
ir embora.
Raffaele queria ainda levá-la para visitar uma igreja exótica do século
XVI, em Barumini, mas Liane recusou.
— Precisamos voltar. Avisamos Roberto que não íamos demorar e
você sabe que ele não pode se preocupar.
Mas Raffaele não tinha pressa, parando a todo momento para
admirar a paisagem e aborrecendo Liane com isso.
— Acho que está fazendo isso de propósito. Não se importa com seu
tio?
Raffaele a olhou longamente e parou o carro outra vez. Com uma
rapidez que a surpreendeu, ele a puxou para seus braços.
— Não posso resistir, Liane. Você me sobe mais à cabeça do que o
vinho que tomamos no almoço. — Ele a beijou antes que ela
pudesse empurrá-lo. — Vamos, beije-me.
— Eu não quero este tipo de relacionamento com você, Raffaele.
— Por causa de Marcello?
— Não é por causa de ninguém. Quero ser apenas sua amiga, nada
mais.
— Então, por que me encorajou?
— Foi você quem esteve me caçando.
— Mas você não me desencorajou. — Ele estava zangado e com o
rosto vermelho. Liane sentiu o medo percorrer sua espinha.
— Gosto de você como amigo. Desculpe se pensou que íamos chegar
a alguma coisa diferente.
Como se não pudesse acreditar no que ela dizia, Raffaele a beijou de
novo. Suas mãos possessivas começaram a explorar seu corpo e ela
sentiu que o rejeitava.
— Eu farei com que goste de mim — ele disse, rouco.
Liane começou a lutar desesperadamente, tentando empurrá-lo, mas
não tinha forças suficientes.
— Deixe-me em paz. Vamos para casa.
Mas ele não estava disposto a ceder. Então Liane fez a única coisa
que podia: arranhou-o no rosto furiosamente, sem sentir pena. Ele
gritou e se afastou.
— Sua gata selvagem! Por que fez isso?
— Não quero que me beije, Raffaele. Por favor, não faça isso
outra vez.
Furioso, ele deu partida no carro e saiu dirigindo como um louco.
Liane teve que se segurar na beirada do banco para não cair.
Chegaram logo em casa, para alívio dela. Marcello foi encontrá-los
na porta.
— Onde vocês estiveram?
Parecia preocupado e zangado, e Liane disse, tensa;
— Aconteceu alguma coisa com Roberto?
— O que você acha? Ele está doente de preocupação, achando que
vocês sofreram um acidente. Está na cama. É melhor ir vê-lo.
CAPÍTULO V

Roberto estava pálido e angustiado, mas seu rosto se iluminou


quando Liane entrou no quarto. Ela foi diretamente para a cama dele,
abraçando-o, preocupada.
— Roberto, desculpe, eu não sabia que Su Nuraxi era tão longe.
— Su Nuraxi? Se eu soubesse que ia lá, teria esperado você só no
fim do dia. Da próxima vez me diga aonde vai.
— Avisarei. Eu não queria que se preocupasse por nada no mundo.
Como está se sentindo? Se eu fiz você piorar. . .
— Querida! — Ele a abraçou com força. — Eu não devia ter me
preocupado, mas é mais fácil falar do que fazer. Não se aborreça, já
estou melhor agora, com você em casa.
— Não vou sair mais. Não pensei no que estava fazendo. Fui tão
descuidada!
— Você tem o direito de se divertir, principalmente depois da
vida que levou. Na verdade, eu só queria uma coisa. . .
— O que é?
— Que Marcello tivesse saído com você, e não Raffaele.
— Acho que Marcello não. . . se aproximou de mim como você
gostaria. Por favor, não espere muito de seus planos. . . de casá-lo
comigo.
— É esta a minha ambição. Não me importo com o que você diz.
Marcello vai voltar atrás, um dia, você verá. Primeiro ele tem que se
acostumar com você aqui. É uma grande mudança ter uma mulher
nesta casa. Está acostumado a ir longe para perseguir suas
conquistas. Ele é um conquistador, mas vai perceber que a moça
mais bonita do mundo está aqui mesmo, debaixo deste teto.
— Roberto, não sou bonita. Meus olhos são grandes demais e
sou muito magra.
— Você vai engordar logo, logo, com os pratos de Giorgio. E seus
olhos, eles são diferentes. Você tem tudo para ser deslumbrante
como sua mãe.
— Você é muito gentil, Roberto.
— É a verdade, garota. Abra aquela gaveta. Lã dentro vai encontrar
um álbum de fotografias. Traga para mim.
Era estranho olhar para a fotografia de sua mãe, de quem mal podia
se lembrar. Seu coração ficou cheio de amor e ela olhou a foto
durante muito, muito tempo. Roberto estava certo, Era uma mulher
linda. Não parecia mais velha do que Liane naquele momento, tinha
cabelos mais longos e ondulados, soltos sobre os ombros. Os olhos
eram os mesmos.
— Obrigada, Roberto, por me deixar ver isto. Que pena que ela
não casou com você. . .
— Eu também acho. Mas isso faz parte do passado. Agora tenho
você no lugar dela e a amo muito. — Então não me trouxe para
cá só porque havia prometido a meus pais?
— é verdade, eu prometi, mas teria trazido você de qualquer
modo. Está esquecendo que amei muito sua mãe, mais até do que a
minha mulher. Tenho certeza de que será muito feliz aqui.
Liane sentiu-se muito contente. Sabia agora que não era indesejada
naquela casa.
— Estou cansado — ele disse. — E você deve estar com fome.
— Estou. Não comi nada desde o almoço. Tenha bons sonhos,
Roberto. Eu o verei amanhã. Vamos passar o dia inteiro juntos.
— Você é uma boa menina. Estou feliz em tê-la aqui.
Ela foi para o quarto e tomou um banho. Olhou no espelho e sentiu
que estava desabrochando. Talvez, dentro de alguns meses, ficasse
atraente como sua mãe.
Para seu espanto, quando desceu, encontrou Raffaele com um olho
inchado, além do rosto arranhado.
— O que aconteceu?
— Dei um soco nele — Marcello respondeu, tenso.
— Por quê? — Ela se virou para Raffaele. — Por que ele deu um
soco em você?
Raffaele sacudiu a cabeça, evitando o olhar dela.
— Por causa do que ele fez a você — Marcello respondeu.
— Mas ele não fez nada. ..
— Então, por que você o arranhou?
— Porque eu não queria que ele me beijasse.
— Exatamente. Se ele fosse um cavalheiro, teria parado quando
você pediu.
— Por que você contou a ele? — ela perguntou a Raffaele, em voz
baixa.
Mas foi Marcello quem respondeu novamente:
— Ele não contou nada, tentou me convencer de que tinha arra-
nhado o rosto num galho de árvore. Mas eu conheço a marca das
unhas de uma mulher. Já as senti em minha pele. Raffaele vai em-
bora amanhã. É melhor você se despedir agora, porque ele já terá
partido, quando acordar.
— Ele está certo, Liane. Obrigado pelos bons momentos. Lamento
que não possamos nos conhecer melhor.
Liane sentiu que tudo aquilo estava acontecendo por sua culpa.
— Eu também lamento, Raffaele. Podíamos ser bons amigos. Dê
notícias, venha visitar Roberto outra vez.
Raffaele olhou para Marcello, depois disse num tom de desafio:
— Acho que farei isso. Buona noite, Marcello.
— Você precisava mesmo dar um soco nele? — ela explodiu,
depois que Raffaele saiu. — Não havia necessidade disso. Acho que
ele já tinha entendido. . .
— A diferença entre mim e Raffaele é que eu nunca forcei nada com
ninguém. Quando faço amor com uma mulher, é porque ela
também quer.
Ela sabia que era verdade. Marcello tinha um charme especial que
fazia qualquer garota sucumbir, querendo ou não. Era muito mais
experiente do que Raffaele. Nunca teria se comportado com ela como
o primo. Primeiro ele se certificaria de que a mulher era uma parceira
disposta a colaborar.
Mas não ia admitir isso com Marcello.
— Eu não sei o que é pior: os seus conceitos ou o ataque de
Raffaele.
— Sei que estou certo. Como está meu pai?
Ela ficou contente com aquela mudança de assunto.
— Está muito melhor, agora. Desculpe se o deixei preocupado.
Não pretendia ficar fora tanto tempo.
— A culpa não é sua; é daquele meu primo desagradável. Ele
devia saber aonde estava levando você e quanto tempo ficaria fora.
Por que não avisou ninguém?
— Eu não sei que diferença isso faz, agora que ele está indo
embora. Vou sentir sua falta; era uma boa companhia.
— Apesar do comportamento dele?
— Eu sei lidar com ele.
— Está ficando experiente, não? A menininha ingênua começa
a conhecer o mundo.
— Não se pode evitar, com homens como você por perto. Por que
não me deixa em paz? Só quero fazer companhia a seu pai.
— É bom não exagerar, para que ele também não comece a avançar.
Você se parece muito com sua mãe; portanto, tome cuidado.
— Não seja desagradável! — Era espantoso como estava ficando
desinibida. Fazia apenas três dias que partira da Inglaterra,
mas nesse tempo tinha deixado de ser uma garota tímida. Era
alguém que não temia dar a ele uma resposta agressiva. O que tia
Lucy diria,
se a visse agora?
— É verdade. Meu pai era muito bonito, quando jovem, e acho que
ainda conserva parte de seu encanto. Agora tem muito tempo livre
e não sei do que é capaz.
— Acho que já chega desta conversa. — Olhou para ele e percebeu
que sorria; era brincadeira. Ficou mais furiosa ainda.
— Estou com fome. Com licença.
— Eu também não comi. Vou fazer companhia a você. Nunca sabia
quando Marcello estava falando sério ou brincando.
Desde o primeiro encontro, ele não escondera o fato de que não
gostara dela. Agora tinha abandonado a agressividade inicial por
outro tipo de comportamento: divertia-se às custas dela. Era um
homem horrível e ela o odiava. Jamais casaria com ele, mesmo que
este fosse o maior desejo de Roberto.
A mesa já estava posta. Ela imaginou o que Raffaele estaria fazendo.
Teria ido dormir cedo?
Durante alguns momentos comeram em silêncio; Marcello olhava
intensamente para Liane. Aos poucos, a moça foi ficando constran-
gida. O ambiente parecia carregado de tensão.
Quando não conseguiu mais aguentar o embaraço, ela disse:
— Agora que está encarregado dos negócios de seu pai, vai passar
mais tempo fora de casa?
— Você gostaria disso, não é? Desculpe, mas não acontecerá com
frequência, se eu puder evitar. Posso organizar tudo pelo compu-
tador. É a melhor coisa que já foi inventada.
— Acho que deixa as pessoas preguiçosas.
— Está querendo dizer que vou ficar gordo?
Ela sacudiu a cabeça. Nunca poderia imaginar que ele perdesse
aquele corpo bonito, sem nenhuma carne supérflua.
— Eu faço meus exercícios — ele disse. — Tenho até um jogo de
tênis marcado para amanhã. Gostaria de ir comigo?
E deixar que ele se divertisse às custas dela na frente dos amigos?
— Desculpe, mas já prometi a seu pai passar o dia com ele.
— Fique à vontade. Mas saiba que meus convites não são frequen-
tes. Escolho muito bem as pessoas com quem jogo tênis. Você sabe
jogar?
Liane fez que sim. Na verdade, jogava muito bem. Ele não disse
mais nada e ela achou melhor assim. Mas. na manhã
seguinte, durante o café, ele se virou para o pai e disse:
— Agora que Raffaele já foi embora, você se importaria se eu
levasse Liane a um jogo de tênis?
— Claro que não, meu filho. Vai fazer muito bem a ela. Liane sabia o
que Roberto estava pensando. Iria encorajar Marcello a sair com ela
em todas as oportunidades.
— Eu disse que ia ficar com você — ela protestou. — Talvez, uma
outra vez.
— Eu posso ir até a quadra com vocês. Sinto-me maravilhosa-
mente bem, esta manhã.
Liane estava preocupada, meia hora depois, quando vestiu o short e
a camiseta brancos. Felizmente, tinha trazido um par de ténis. . . ou
seria infelizmente?
O mesmo pessoal que ela tinha conhecido em Olbia estava no Tênis
Clube de Porto Cervo. Novamente sentiu-se desajeitada, ao lado
daquelas pessoas sofisticadas.
Ficou perto de Roberto, apesar de ele encorajá-la a ficar com os
outros.
— Não quero que se preocupe com um velho como eu.
— Eu disse que ia fazer companhia a você, hoje. Com quem vai
conversar, se eu sair daqui?
— Posso tomar um drinque e olhar o jogo. Me faz bem ficar com
você, Liane. Mas quero que tenha amigos de sua idade.
— Há muito tempo para isso. Eu farei amigos, Roberto, mas não me
apresse.
Enquanto observavam Luísa e Marcello, que jogavam, Liane pensou
que não estava ao nível dele. Faria picadinho dela, no jogo.
Luísa estava aguentando bem. O jogo foi longo e no fim ele perdeu
por um ponto,
— Você me deixa exausta — ela riu, aproximando-se de Marcello.
Em vez de responder, ele chamou Liane.
— Agora é sua vez. Desça. Vamos ver como joga.
— Não quer descansar primeiro?
Mas ele não parecia cansado. Estava suado, só isso. Nem a respi-
ração tinha mudado de ritmo.
Relutante, Liane desceu para a quadra, consciente dos olhares dos
amigos dele cm cima dela.
Começou primeiro e a bola bateu na rede. Na segunda tentativa, a
mesma coisa.
— Estou sem prática — ela gritou, já começando a ficar com
vergonha.
— Vá com calma. — Ele colocou a raquete no chão e cruzou os
braços, sorrindo complacente. Ela sentiu vontade de atirar a raquete
nele. Estava tão zangada que a bola seguinte atingiu o ponto certo e
pegou Marcello desprevenido.

— Quinze, amor! — gritou uma das amigas dele, deliciada. —


Pegou você fora de forma, Marc?
Por algum estranho golpe de sorte, Liane conseguiu fazer mais uma
bola passar por ele. A turma aplaudia.
Marcello não gostou daquilo e, durante o resto do jogo, Liane foi
pressionada a se manter sem perder pontos. Acabou perdendo, mas
conseguiu fazer um bom jogo. Tinha sido uma adversária à altura
dele, tirando partido de ser pequena e leve.
Ele ganhou também o jogo seguinte, mas o terceiro e o quarto foram
vencidos por Liane, A essa altura, o pessoal já torcia por ela.
Sem dúvida, ele achou que ia vencê-la logo, que ia humilhá-la diante
dos amigos. Talvez fosse esta a idéia dele, o tempo todo.
No fim da partida, Liane estava exausta. Tinha sido uma batalha dura
e Marcello havia ganhado oito games contra seis.
Foi aplaudida por todos e Marcello teve que aguentar os comentários
brincalhões. Só Luísa não parecia satisfeita. Pegou Marcello pelo
braço e se afastou com ele, olhando para Liane com um ódio frio.
Roberto também fez seus cumprimentos:
— Não conheci ninguém, até hoje, que quase vencesse Marc.
Você joga muito bem, Liane. Com mais um pouco de prática, ele vai
ter que tomar cuidado, senão você ganhará todas as vezes.
— Foi apenas sorte. Não sou assim tão boa. Na verdade, não sou
nem mesmo uma adversária à altura de Marc.
Era meio-dia quando chegaram em casa. O calor estava insuportável.
Comeram uma salada que Gioigio tinha preparado e cada um foi para
seu quarto. Até Marcello, que geralmente não fazia a sesta, dessa vez
resolveu se deitar.
Ele estava muito quieto desde que tinham chegado. Será que estava
aborrecido por quase ter perdido o jogo?
Quando Liane acordou, eram quase cinco horas. Encontrou Roberto
sentado na varanda que dava para a saleta.
— Onde está Marcello? — ela perguntou, sentando-se ao lado
dele numa das cadeiras de lona. .
— Saiu. . . Eu não perguntei aonde ia. Duvido que apareça ainda
hoje.
Giorgio trouxe unia bandeja com o chá, biscoitos e bolos, e Liane
disse:
— Õtimo! Finalmente vamos poder passar algumas horas juntos.
Era delicioso ficar sentada ali, observando borboletas que pousavam
nas flores lá embaixo, sentindo o perfume dos botões desabrochando.
Ao longe, os iates entravam e saíam do porto, e ela pensou que
Marcello talvez estivesse em um deles.
A vida ali era diferente de tudo o que ela havia imaginado. Sabia que
era muito feliz por ter Roberto como amigo.
— Eu preciso escrever para a tia Lucy — ela disse, depois de
algum tempo. — Prometi contar a ela tudo o que está acontecendo.
— Então, vá buscar papel e escreva aqui. Como é a sua tia Lucy?
Marcello falou muito pouco sobre ela.
— É gentil. Era uma verdadeira tia para as crianças. Todos nós a
amávamos e eu sei que, se não tivesse vindo para cá, ela teria feito
o possível para encontrar um lugar para onde eu pudesse ir e ser
feliz.
— Espero que esteja feliz aqui.
— Estou, muito feliz! É tudo tão lindo e diferente. . . Eu nem
tenho palavras para dizer o que sinto.
— Gostaria de ficar para sempre aqui? Fazer desta casa o seu lar
para o resto da vida?
— Por favor, não fique me empurrando para Marcello. Mas sim, claro
que eu gostaria de viver aqui... para sempre. É algo com
que_sempre sonhei. Mas nunca pensei que pudesse acontecer
comigo. Acho que tive muita sorte e tenho que agradecer a você por
ter me trazido para cá.
— Fui eu quem teve sorte. A sua vinda para cá trouxe muitas
mudanças. Foi uma pena o que aconteceu com Raffaele. Marcello me
contou. De certo modo, lamento a partida dele. Parecia preocupado
com a minha saúde. . . mas quanto a você. ..
— Eu me sinto um pouquinho culpada. Se não tivesse arranhado o
rosto dele, nenhum de vocês teria desconfiado de nada.
— Mas você poderia ter sido. . . forçada por ele. . . e eu não ia
aguentar isso, minha querida. Você é muito inocente. Bem, agora
você e Marcello podem tratar de se conhecer melhor.
Ela não pôde evitar uma risada.
— Você não desiste, não é. Roberto? Vou buscar meu bloco.
Quando terminou a carta, muito longa, era hora de jantar. Contara a
Lucy Morton tudo o que acontecera desde que tinha saído de St.
Morrow, omitindo apenas os atritos com Marcello e, evidentemente,
as sensações eróticas que ele tinha despertado nela.
A comida estava deliciosa, e quando terminaram, conversaram e
ouviram discos até a hora de dormir. Marcello ainda não linha
voltado.
Na manhã seguinte, ainda sem vê-lo, Liane escutou a voz dele na
sala:
— Onde está a órfã?
Mas Roberto respondeu rispidamente:
— Já chega disso! — Então viram Liane se aproximando, —
Bom dia, querida. Marc estava perguntando por você. Acho que ele
quer levá-la para um passeio.
— Eu ouvi. — Liane olhou de lado para o jovem, mas o rosto dele
parecia uma máscara de indiferença. Não demonstrou se incomodar
por ela ter ouvido. Então, ela continuou: — Não parecia que ele
estivesse interessado em minha companhia.
— Na verdade, estou — Marcello respondeu friamente. — Você agora
é uma heroína, no Tênis Clube. Querem que você volte lá hoje.
Todos querem jogar com você.
— Prefiro descansar, se você não se importa.
Ela olhou para Roberto, querendo pedir ajuda, mas ele estava do lado
do filho.
— Mostre a eles que é uma boa jogadora, Liane. — Eu gostaria de
ficar com você.
— Não seja infantil — Marcello interrompeu. — Jogo é jogo. Se você
perder, ninguém vai se importar. Todos nós temos os nossos dias
ruins.
Quando chegaram ao clube, foram recebidos pelos amigos dele.
Todos queriam dar os parabéns a Liane pela quase vitória do dia
anterior. Apenas Luísa estava fria e indiferente. Liane ficou surpresa
quando a moça a convidou para o primeiro jogo. Sabendo como ela
era boa jogadora, Liane hesitou, mas os outros a encorajaram e ela
finalmente decidiu ir.
Luísa ganhou os primeiros quatro games sem problemas. Liane fez o
melhor que pôde, mas sabia que não era suficientemente boa para
vencer.
A torcida estava quieta e ela sentiu que havia desapontado a turma.
Quanto mais queria atacar, pior jogava. Antes do fim do primeiro set.
Luísa pediu para pararem um pouco para tomar um suco de laranja.
Marcello aproximou-se de Luísa, que lhe sorriu vitoriosa.
— Eu não disse? Foi por pura sorte que a sua orfãzinha ganhou,
ontem. Ela não tem chances. Espere até que eu termine os dois
próximos games.
Liane estava sentada sozinha, infeliz, sabendo perfeitamente o que a
outra queria dizer. Mas só quando ouviu a resposta de Marcello foi
que seu sangue começou a ferver:
— Não seja dura demais com ela, Luísa. A pobrezinha pode não
aguentar.
Não aguentar! Ela ia mostrar a ele! Terminou o suco e voltou para a
quadra, esperando Luísa. Era a vez de Liane começar e ela atirou a
bola com toda a força. A outra não respondeu.
Na segunda vez, Luísa conseguiu mandar a bola de volta para uma
das extremidades da quadra, Liane correu e conseguiu devolvê-la,
mas a outra pegou a bola e ganhou um ponto.
Depois disso, a luta entre as duas foi furiosa. A torcida começou a se
animar e aos poucos foi ficando do lado de Liane.
Incentivada, ela ganhou ponto após ponto. Cada vez que pensava no
ar condescendente de Marcello, dizendo que não ia aguentar, ficava
ainda mais furiosa. Aguente isso, ela pensava, ao atirar as bolas, e
mais isso e mais isso!
Logo as duas estavam empatadas em seis games. Depois Liane
ganhou oito e meio e lutou desesperadameníe pelo ponto final que
lhe daria o game.
A oportunidade surgiu quando Luísa olhou triunfante para Mar-cello e
perdeu sua concentração durante um segundo. Liane mandou uma
bola que caiu fora de seu alcance.
A torcida aplaudiu gritando. Liane sentia-se mais feliz do que quando
tinha jogado com Marcello. Caminhou para o círculo dos amigos dele
e aceitou os parabéns, ignorando os olhares furiosos de Luísa.
Não ficou surpresa, portanto, quando a outra a desafiou para um
novo jogo. Mas Liane não aceitou:
— Acho que devemos dar a chance a outros. Não podemos ocupar a
quadra a manhã inteira. Além do mais, quero voltar para ver como
está Roberto.
— Eu irei com você — Marcello disse, para surpresa dela.
— Não precisa. — Liane olhou para Luísa e viu que ela não tinha
ficado contente com a sugestão dele. — Você deve ficar com Luísa.
Eu volto a pé. Não me importo.
Mas Marcello parecia não ter intenção de ficar com a amiga. Segurou
Liane pelo braço e a levou até o carro. Depois de entrarem, ela disse:
— Acho que Luísa não ficou muito satisfeita com sua atitude.
— Ela tem muitos amigos — ele disse, dando de ombros. — Por que
eu devia me preocupar com isso?
— Eu achei que ela era sua namorada.
— Ela gosta de pensar que é e eu gosto de sua companhia, mas não
significa mais do que as outras, para mim.
Talvez ele se sentisse mais seguro mantendo um grande número de
namoradas. Liane se perguntou por que ele ainda não tinha casado.
Aos trinta e quatro anos, a maioria dos homens já se acomodou e
tem família. Não devia ser por falta de garotas. A maioria das moças,
ali, o olhava com enorme interesse. Ele só precisaria estalar os dedos
e elas viriam correndo.
Roberto ficou contente ao vê-los de volta.
— E como está a minha encantadora Liane, esta manhã?
Ela sorriu encabulada.
— Eu ganhei de Luísa.., e acho que ela não ficou satisfeita.
— Que ótimo! — Roberto disse, satisfeito.
Depois do almoço, quando Roberto já tinha ido para o quarto fazer a
sesta, Marcello disse:
— Gostaria de vir ao meu barco hoje, Líane? No mar está mais fresco
e você vai gostar do passeio.
Ela ficou espantada com o convite- Seria um loque de amizade?
— Eu gostaria muito. — Depois um pensamento lhe passou pela
cabeça. — Luísa vai estar lá? — Ela não queria de jeito nenhum
fazer uni passeio a três.
— Não. Só você e eu.
Havia um brilho de desafio nos olhos dele e durante um momento ela
ficou imobilizada por aquele olhar. Depois um arrepio lhe passou pela
espinha e e!a desviou os olhos,
— Traga seu biquini — ele disse. — O deck do barco é o lugar ideal
para um banho de sol.
Ela pensou em deitar seminua diante de Marcello e ficou nervosa.
Mas acabou colocando o biquini, vestindo por cima uma túnica sem
mangas e short. Estava começando a se acostumar com aquelas rou-
pas sem se sentir envergonhada diante de Marcello, como no início.
Principalmente agora que tinha adquirido um bronzeado cor de mel,
sentia-se satisfeita com a própria aparência. Já não era mais a garota
pálida que havia saído da Inglaterra. A mudança era notável.
Estacionaram no porto e subiram a bordo do luxuoso iate de Marcello.
Ele ligou o motor e Liane ficou observando a ilha que se afastava
mais e mais.
— Nós vamos voltar — ele disse, rindo sobre o ombro dela. — Você
está olhando como se estivesse vendo a ilha pela última vez!
— Eu nunca estive num barco antes. É fascinante. — Não sentia
medo, provando, em vez disso, uma grande sensação de felicidade.
Depois de algum tempo, Marcello se aproximou dela no deck.
— Por que não está tomando banho de sol?
Ele tinha desligado o rnotor e tudo era silêncio ao redor, a não
ser pelo ruído do mar batendo no barco. Não havia vento e o iate
balançava lentamente sobre as águas verdes.
Ele tirou a camisa e deitou-se. Liane deitou também. Eslava inten-
samente perturbada com a presença dele a seu lado, com aquele
corpo forte e viril, bronzeado, com pêlos ligeiramente mais escuros
do que os cabelos, espalhados pelo peito.
Sentiu uma vontade enorme de tocá-lo e teve que se controlar,
fechando os olhos. Aquilo seria o estímulo que Marcello queria.
Quando abriu os olhos, ele estava apoiado num cotovelo, observan-
do-a. Seus olhos cor de âmbar pareciam procurar alguma coisa,
— Você precisa de um creme. Esta brisa do mar pode estragar sua
pele,
Liane sentou-se e pegou, na sacola, um tubo de loção que Luísa tinha
recomendado no dia em que fizeram as compras.
Retirou a tampa e aplicou generosamente a loção nos braços, sen-
tindo-se pouco à vontade com o olhar dele interessado no que fazia.
Quando ela começou a passar a loção nas costas, ele tirou o tubo das
mãos dela.
— Deixe que eu passo. — E ela teve que se controlar outra vez para
ficar quieta, enquanto ele espalhava a loção em seus ombros e
costas.
Seu toque era muito sensual. Parecia que ele a estava acariciando.
Seu corpo inteiro passou a vibrar. Era preciso toda a sua força de
vontade para não tremer, e ela ficou zangada consigo mesma por
reagir daquele modo.
Dos ombros, as mãos dele se moveram para o pescoço. Depois fez
com que ela se recostasse em seu joelho. Em seguida começou a
aplicar a loção na pele delicada dos seios.
Suas mãos eram incrivelmente suaves, mas Liane sentia como se
elas fossem uma tocha acesa. Respirou fundo e. antes que pudesse
se controlar, passou os braços ao redor do pescoço de Marcello.
Sentia uma necessidade desesperada de ficar perto dele, tocar sua
pele, sentir o calor de seu corpo.
Ele a abraçou, gentilmente a princípio, acariciando-lhe os cabelos e
sorrindo. Mas quando ela levantou os lábios para seu beijo. Marcello
gemeu, e ela sentiu que o desejo dele também era intenso.
De repente, foi como se ele a devorasse, como se quisesse possuir
seu corpo e seus pensamentos.
Com um movimento rápido, Marcello tirou o sutiã do biquini dela e
começou a lhe acariciar os seios. No fundo da mente de Liane, uma
voz dizia que devia resistir, mas o bom senso a tinha abandonado.
Tudo o que ela queria era aquele homem, que lhe trazia coisas dife-
rentes de tudo o que já havia experimentado.
Podia estar errado, mas era delicioso! Ela abriu os lábios e se
entregou a ele.
Quando Marcello a deitou e começou a beijá-la no pescoço, descendo
até os mamilos, o prazer dela foi tão intenso que sentiu vontade de
morrer.
Ele lhe beijou o ventre e depois a curva suave dos quadris. Um
desejo desesperado aumentava cada vez mais dentro dela.
Agarrou com força os cabelos dele, puxando-o para mais perto, como
se estivesse a ponto de explodir.
Ele lhe acariciou a parte interna das coxas, abrindo suas pernas.
— Liane! — A voz dele estava mais rouca do que nunca e seus olhos
pareciam mais fundos. — Liane! Eu quero fazer amor com você.
Ela não respondeu. Dobrou a cabeça e estendeu a mão para segurá-
lo,
— Você me quer também?
Ela sacudiu a cabeça, dizendo que sim. Então, ele começou a lhe (irar
a parte de baixo do biquini. Mas, de repente, sem que ela entendesse
por que, ele parou.
— Droga! Não posso! Não posso fazer isto com você, Liane. Eu iria
me odiar, depois.
— Marc, por favor! Nunca me senti assim antes. . . — Ela o abra-
çava desesperadamente.
— Sei disso. E é esse o problema. Você não sabe no que está se
envolvendo.
— Mas claro que sei, Marc. — Ela parecia implorar.
— Não, Liane. Não posso. Seria um absurdo.
— Não acredita que meus sentimentos são tão profundos quanto os
seus? — Os olhos dela estavam cheios de lágrimas.
— Não duvido. Mas seria errado possuir você. . . já que não significa
nada para mim.
Com um soluço sufocado, ela o empurrou. A última frase tinha sido
calculada para magoar e ele havia conseguido o que queria. Liane
chegara a pensar que ele estava começando a se interessar por ela.
Como havia sido tola!
Marcello só estava tentando ver até onde podia ir.

CAPITULO VI

A volta para casa foi cheia de tensão. Ele manobrou o iate e tomou o
rumo de Porto Cero, enquanto Liane tentava se recompor, perturbada
com tudo o que tinha acontecido. Não acreditava ser capaz de sentir
emoções tão primitivas. Ela havia desejado Marcello com uma
necessidade tão grande que estava assustada agora. Tremia e tinha
medo de olhar para ele.
Mas o que magoava mais era saber que não significava nada. Tinha
sido apenas uma experiência agradável. Achou incrível que ele pu-
desse fazer amor com uma mulher pela qual não sentia nada.
Como os homens eram horríveis! Mas será que ela era melhor?
Também o tinha desejado, não conseguira lutar contra a sensação
que a dominava.
Será que aquele iate era usado apenas para encontros de amor?
Será que ele tinha saído com Luísa, na véspera, com o mesmo pro-
pósito? Olhou-o de lado e viu que o rosto dele estava tenso.
Apesar de odiá-lo, ela não pudera controlar o desejo que ele lhe
despertava. Marcello tinha um enorme magnetismo, capaz de destruir
o controle de qualquer mulher.
E, ao contrário de Luísa, que sabia exatamente como lidar com ele,
Liane não soubera dominar a situação. Tinha declarado abertamente
os seus sentimentos e passara, por isso, por uma grande humilhação.
Procurou concentrar sua atenção nas ondas que batiam no barco,
incapaz de olhar para mais longe e de conter seu próprio desejo. No
minuto seguinte, ele eslava a seu lado, tenso, alto, poderoso.
— Fique longe de mim! — ela gritou. — Não quero que me
loque novamente. — Por que mentia outra vez, quando só sentia
vontade de se atirar nos braços dele?
— Liane, não fique assim.
— Como espera que eu fique? Fui uma idiota, ao pensar que você
estava começando a gostar de mim... Caso contrário, nunca deixaria
que... — Ela engasgou, sem condição de continuar. Na verdade,
sentia que ia tornando as coisas piores, falando assim.
— E é assim tão importante que eu goste de você?
— Acho errado um homem e uma mulher. .. fazerem o que está-
vamos fazendo. . . sem sentirem nada um pelo outro.
— Uma porção de gente tem casos sem estar apaixonada. Mas se
pensa assim, por que me pediu que não parasse? Será que você está
se apaixonando por mim?
— Esse é o problema. Eu não gosto nada de você. Então, por que me
comportei assim?
Marcello tentou disfarçar um sorriso e ela desejou que o chão se
abrisse e a engolisse. Por que tinha dito aquilo? Ele ia pensar que ela
era uma ingênua idiota.
— Não se preocupe, menininha. Os seus sentimentos são comple-
lamente naturais; qualquer mulher teria se comportado do mesmo
jeito, naquelas circunstâncias.
Liane se sentia pior a cada segundo. Ele parecia vê-la como uma
colegial tendo seu primeiro caso. O que aliás, era a pura verdade. Só
que ele não precisava deixar as coisas assim ião claras.
De repente, a raiva ferveu dentro dela.
— E por acaso você é um entendido nesse assunto? — A emoção já
tinha passado; agora ela o via friamente e sem paixão. Seus oihos
brilharam e ela levantou o queixo com ar de desafio.
— Acho que eu posso me classificar assim — ele disse
suavemente.
— Bem, eu acho você desprezível. E qualquer garota que se envolver
com você deve estar maluca. Fique sabendo que não vai me colocar
naquela situação comprometedora novamente!
— Sabe, eu não aceito com tranquilidade declarações desse tipo.
— E eu não aceito com tranquilidade ameaças à minha virgindade!
Fique longe de mim.. .
De repente, no ar pairou uma estranha excitação, quando os olhos
deles se encontraram. Então, ele colocou as mãos no pescoço dela.
forçando-a sobre o parapeito do barco.
— Sabe o que estou pensando em fazer?
Liane engasgou e sacudiu a cabeça, pedindo que ele parasse.
— Em levar você lá embaixo, para a cabine, e lhe ensinar como é
este jogo. E não parar até você implorar que eu a possua.
Liane já não conseguia falar. Estava com os olhos arregalados, fixos
no rosto dele, imaginando que aquilo tudo era um terrível pesadelo
do qual logo ia acordar.
— Eu adoraria cada minuto de minha conquista. . . e você também.
Ele deixou que suas palavras ecoassem, imperturbável com a ex-
pressão de susto dela. Depois, soltou-a, e ela caiu no deck, humi-
lhada, lutando contra as lágrimas. Ela o odiava furiosamente.
Felizmente, não teve que falar com ele outra vez. Marcello ligou o
motor e saiu a toda velocidade com o barco, como se cada minuto
fosse muito importante.
A garganta de Liane doía e ela desejou que o deck se abrisse e a
engolisse.
Escondendo-se dele, ela desceu para a cabine, para lavar o rosto.
Ficou espantada, diante da tristeza que viu em seus próprios olhos.
Estava pálida e novamente parecia a menininha abandonada que
tinha saído da Inglaterra.
Quando saiu da cabine, evitou olhar para Marcello, sentindo-se grata
por não haver mais ninguém por perto para vê-la.
Mas a sorte não estava de seu lado. Quando chegaram em casa,
Roberto foi encontrá-los na porta.
Olhou profundamente o rosto dos dois. O de Marcello parecia urna
máscara de tensão e Liane estava pálida e preocupada. Percebendo o
olhar do pai, Marcello deu um sorriso forçado e, num olhar carinhoso,
abraçou Liane pelos ombros.
— Levei Liane para dar uma volta em meu iate. Acho que devíamos
ter deixado um bilhete.. . Desculpe, papai.
— É por isso que você está tão pálida, menina? Talvez o mar não lhe
tenha feito bem...
— Acho que sim — ela conseguiu dizer com voz trêmula. — im-
porta-se que eu vá direto para meu quarto? — Ela não aguentava
que Marcello a tocasse por mais um segundo.
— Faça como preferir — Roberto disse. — Deite-se durante uma
hora, e então se sentirá melhor.
Ela subiu as escadas, sentindo-se aliviada quando fechou a porta do
quarto e ficou sozinha. Viu que estava tremendo e que seu rosto
tinha a brancura da neve.
Afundou na cama, fechou os olhos e tentou controlar seus pensa-
mentos. Como Marcello podia ser tão odioso?
Aos poucos, o tremor passou e ela foi se acalmando. O único consolo
em tudo aquilo, era que não havia amor de nenhum dos lados,
Marcello também a odiava.
Não teve consciência de quanto tempo ficou deitada, de olhos fe-
chados. Sabia que devia tomar um banho e trocar de roupa, mas não
tinha energia suficiente para se colocar de pé.
Quando a porta se abriu, ela esperava que fosse Roberto. Ficou
furiosa ao ver Marcello entrando.
— Saia daqui! — ela berrou, antes que ele pudesse falar.
— Acho que você deve descer. Papai está preocupado. Eu lhe
disse que não há nada errado, mas, quando tem alguma dúvida, você
sabe como ele fica.
— Ele ainda acha que estou enjoada por causa do mar? Marcello fez
que sim.
— Não vi nenhuma razão para dizer a ele outra coisa.
— Se soubesse a verdade, ele não se orgulharia de você, não é?
— Meu pai sabe que não sou nenhum santo, mas com você as
coisas são diferentes. Ele não ficaria nada satisfeito com o
que aconteceu.
— E se eu contar a ele?
— Você não seria tão tola. Sabe o que isso causaria a ele.
— Espero que não esteja sugerindo que vai brincar comigo sempre
que quiser, acreditando que eu não contarei nada.. .
— Não. A não ser que você me provoque com esses seus olhos
grandes e inocentes. Eles são muito perigosos, sabia? São cheios de
pureza e de paixão escondida. Uma arma que pode tirar um homem
de seu bom senso.
— Se você sair daqui, eu descerei daqui a pouco. Mas ele
permaneceu no quarto, olhando-a.
— Eu disse saia! — ela gritou.
— Eu ainda a perturbo, não é? É melhor tomar cuidado, garotinha,
não é sempre que consigo dominar meus desejos. — A porta se
fechou suavemente e ela ouviu que ele ria enquanto descia para
a sala.
Vestiu uma de suas velhas roupas. Não era muito elegante e a fazia
parecer desajeitada e malcuidada. Talvez isso afastasse Marcello.
Olhos perigosos! O único perigo era o ódio que sentia por ele.
Roberto levantou os olhos, ansioso, quando ela entrou na saleta.
Parecia analisar todos os detalhes.
— Você está pálida, Liane. Talvez devesse ter ficado na cama. Ela
sorriu, confiante.
— Agora estou melhor, Roberto, Foi uma tolice passar mal da-
quele jeito.
— Nem todos nascem com o estômago apropriado para o mar.
Marcello devia tê-la trazido de volta ao primeiro sinal de que não
estava se divertindo.
Ela olhou para Marcello. Ele se divertia com as palavras do pai.
— Eu odeio causar problemas — ela disse, num tom firme e
educado.
— Esta agora é sua casa — Roberto respondeu. — Você deve dizer
exatamente o que pensa.
— Claro — Marcello confirmou, os olhos com uma expressão
cínica.
Durante o jantar, Marcello agiu como se nada tivesse acontecido. Era
cômico, Liane pensou. Ninguém podia imaginar que aquelas duas
pessoas tão distantes tinham trocado intimidades há poucas horas.
A atitude dele agora era a de um irmão mais velho, levemente
brincalhão e condescendente. Ela procurava reagir do mesmo jeito,
mas só sentia vontade de gritar com ele.
— E o que vocês dois pensam em fazer, esta noite? — Roberto
perguntou, enquanto tomavam café na varanda,
— Eu vou ficar em casa com você — Liane disse, apressada.
— E eu tenho um encontro com Luísa — Marcello falou. Em
seguida olhou para o relógio e levantou-se rápido. — Já devia ter
saído. Ela não gosta de esperar.
O pai franziu as sobrancelhas, mas não disse nada. Ficou apenas
observando, enquanto Marcello saía da sala. Então voltou-se para
Liane.
— Estou contente por ver que esteja se dando melhor com Marc.
Gostei de saber que saíram, esta tarde. Mas estavam tão tensos
quando voltaram! Você não sabe como fiquei aliviado ao saber que
era só um enjôo causado pelo mar.
— Eu gostaria que você não desse tanta importância ao fato de
sermos ou não amigos.
— É meu maior desejo. Não quero que sejam só amigos, mas
muito mais. Perdoe-me se estou sendo rude, Liane, mas esse ves-
tido. .. Você nunca vai atrair Marcello, vestida assim. . .
Liane sabia muito bem disso. O vestido era sua defesa, sua arma-
dura. Marc a tinha olhado de perto durante o jantar e sabia que ela
escolhera aquela roupa deliberadamente.
— Não posso jogar fora meus vestidos velhos. Não vou sair com
eles, se você insistir, mas são muito confortáveis para usar em casa.
Ele não ficou satisfeito, mas não insistiu. Silenciosamente, tomou o
café, observando um iate que navegava ao longe.
Liane desejou fervorosamente que ele não pretendesse casá-la com
Marcello. Mesmo porque não haveria jeito de conseguir aquilo. Mar-
cello não a amava. Nunca a amaria. Não ia casar com uma órfã sim-
ples e ingênua como ela. Olhava para mulheres de posições muito
mais altas.
Na verdade, Luísa era a mulher ideal para ele. Tinha o mesmo
passado, os mesmos gostos e. o mais importante, estava apaixonada
por ele. Os sentimentos de Marcello eram discutíveis. Ele tinha dito
que Luísa não significava nada, mas poderia ser apenas um disfarce,
porque ele a tratava como se fosse uma pessoa muito especial.
Quando Giorgio veio buscar as xícaras, os dois estavam conversando
calmamente, mas, durante o tempo todo, Liane sentia que Roberto
pensava em outra coisa. De repente, ele disse:
— Eu tomei uma decisão. Meu advogado veio esta manhã e eu
coloquei mais uma condição em meu testamento. Claro que, se eu
morrer, Marcello vai herdar todos os meus negócios.
— Por que está me dizendo isso, Roberto? Eu não sei o que isso tem
a ver comigo.
Os olhos dele estavam escuros e misteriosos.
— Mas, se ele não estiver casado aos trinta e cinco anos, não
herdará nada. Nada.
— E isso é justo? — ela perguntou, gentilmente. — Ele está com
trinta e quatro anos, agora. Você não está lhe dando muito tempo.
— Três meses. Se isso não for suficiente, então eu lavo minhas
mãos. Ele teve pelo menos dez anos para escolher uma boa esposa.
— E você já informou Marcello dessa nova cláusula?
— Não, caso contrário ele pode casar com a garota errada. Talvez
eu esteja sendo duro demais com ele, mas Marcello já brincou muito.
E hora de se acomodar. Eu já lhe disse isso, ele sabe exatamente o
que penso.
— Mas é tão importante que ele case antes do próximo aniversário?
Pense bem, Roberto. Não gostaria que todo o império que construiu
ficasse para um estranho, não é? Marcello conhece tudo sobre os
negócios. Ele pode cuidar deles melhor do que ninguém.
— Eu já pensei nisso e estou decidido. Seria uma pena realmente,
depois de todo o trabalho que tive durante tantos anos, mas não vou
estar aqui para ver. Portanto. . .
Mas Liane sabia que ele se importava, que seu coração queria que
Marcello herdasse tudo. Sabia também que não ia adiantar discutir
com ele, Roberto tinha chegado a uma decisão, e ponto final.
— Espero que tudo dê certo.
O olhar dele era triste e ela sabia que a estava observando. Mas,
mesmo que fosse simpática com Marcello, que mostrasse que o
achava atraente, isso não significava necessariamente que ele iria
pedi-la em casamento, Ele a levaria para a cama, claro, mas chegaria
apenas até aí. Não a queria para esposa.
Alguns momentos depois, Roberto resolveu ir dormir. Liane não se
sentia cansada, apesar do dia cheio, e permaneceu na varanda depois
de ele se retirar.
Estava tudo calmo e quente, mas havia uma agradável brisa. As luzes
apareciam e desapareciam, no porto. Ela pensou se Marcello estaria
lá. Provavelmente tinha ido para o Tênis Clube encontrar seus
amigos. Sem dúvida. Luísa estaria lá, agarrada possessivamente ao
braço dele.
O que diria ela, se soubesse da cláusula do testamento de Roberto?
Não era difícil imaginar. Ia fazer o maior esforço para que Marcello
propusesse casamento. Sem dinheiro, talvez ele não a interessasse
mais.
Não se podia chamar isso de amor, Liane pensou. Se amasse um
homem, não se importaria se ele tivesse dinheiro ou não. Era a
pessoa que interessava, e não a conta bancária.
Um som atrás de si fez com que ela desse um pulo.
— Marcello! Eu nunca ouço seu carro.
— Quer dizer que você não estaria aqui, se tivesse ouvido? Era como
se ele lesse seus pensamentos.
— Na verdade, estava pensando em ir para a cama, Roberto já foi
dormir há horas.
— Eu achei que talvez você estivesse me esperando.
— E por que eu faria isso? Não há nada para dizermos um ao outro.
— Eu não diria isso. Mas, antes de mais nada, quero saber por que
está usando esse vestido ridículo. Está querendo se defender de mim,
fazendo tudo para que não a ache atraente?
— Pode ser. Mas também não vejo motivo para jogar fora todas as
minhas roupas só porque tenho outras novas.
Ela se levantou para sair, mas ele a segurou pelo pulso e fez com
que sentasse de novo.
— Quero sua companhia. Desejava muito encontrá-la
ainda acordada.
— Não sei por quê.
— Quero pedir desculpas pelo que aconteceu à tarde. Ela o olhou
cheia de suspeitas.
— Eu não tinha o direito de dizer o que disse.
— Eu já tinha esquecido.
— Você está mentindo e não me convence.
— Você também não está me convencendo. Não lamenta o que
disse nem o que fez.
— Talvez eu não lamente, mas achei que, se pedisse desculpas,
você se sentina melhor.
— Bem, não me sinto. Vou me sentir muito melhor se você não
mencionar o episódio outra vez. E agora, por favor, posso ir para a
cama?
— Tome um drinque comigo. — Ele a conduziu de volta à saleta.,
sem parar para pensar que ela poderia recusar.
Talvez o drinque a ajudasse a dormir, ela pensou. Precisava de algo
que a acalmasse. Tinha sido um dia agitado e parecia que ainda não
tinha acabado.
Ele lhe estendeu um copo com um líquido cor de âmbar. Era da cor
dos olhos dele, ela pensou, sentando-se na beira de uma poltrona.
— Luísa não ficou muito contente por você ter ganhado o jogo, esta
manhã. Ninguém tinha feito isso com ela antes. Muito menos outra
mulher, Ela era nossa campeã.
— E o que eu devo dizer? Que lamento muito? Que não vai acontecer
de novo?
— Não seja tão sensível. Acho que você deve entrar para o Tênis
Clube. Precisamos de um talento como o seu.
— E o que Luísa iria dizer disso?
— Faz alguma diferença o que ela diga? — Eu não quero fazer
inimigos.
— Bobagem. Ela logo vai superar isso. Na verdade, já desafiou você
para outro jogo amanhã.
— Não, obrigada. Vou ficar aqui com seu pai.
— Por quê? Há algo errado com ele?
— Não, eu simplesmente penso que o estamos deixando muíto
sozinho. Agora que ele se desligou dos negócios, não tem com que
ocupar o tempo.
— Ele não se opõe a que você se divirta.
— Eu sei, mas não é isso que importa. Na verdade, acho que você
também devia prestar mais atenção ao trabalho que está fazendo,
em vez de se comportar como um playboy.
— O que papai andou dizendo?
— Ele não disse nada. é minha opinião.
— Então eu agradeceria se a guardasse para si. O que eu faço é
problema meu. Você não sabe de nada.
Ela terminou o drinque e levantou-se.
— Se você me fez ficar aqui para discutir. . .
— Eu tinha a intenção de ter uma conversa agradável, e não de ouvir
um sermão sobre o que devo ou não devo fazer. Sente-se.
Ela ficou surpresa ao ver que obedecia. Ele pegou seu copo e tornou
a enchê-lo. Quando o devolveu, seus dedos incidentalmente tocaram
os dela. Liane afastou a mão e a bebida se derramou.
— Está com medo de mim?
— Não, claro que não — ela respondeu, sem conseguir olhá-lo. Ele
colocou a mão firme sob o seu queixo, forçando-a a levantar os
olhos.
— Mas eu a perturbo, não é?
Ela fez que sim, timidamente. E!e era um estranho, mas, quando a
tocava, seu corpo se derretia. Um beijo, e ela se entregava com-
pletamente.
Como desejava já ter ido para a cama! Era loucura ficar sentada ali,
daquele jeito. Marcello sabia o poder que possuía. Não importava o
que tinha dito antes; se resolvesse fazer amor com ela, não havia
nada que pudesse impedi-lo.
— E não gosta do que eu faço com você?
— Eu não sei por que nem como, mas você sabe e eu gostaria que
não fizesse mais nada.
— Por quê? Está errada. Isso faz parte do crescimento, — Ele
acariciou os lábios de Liane num movimento sensual e seus olhos
mergulharam nos dela.
A moça estremeceu, querendo se afastar, mas, estranhamente, foi
tomada por uma doce sensação de prazer. Era como um fogo que
começasse a queimar, um calor que subia por todo seu corpo.
De repente, passou por sua cabeça a vontade que Roberto tinha de
que casasse com aquele homem e, naquele exato momento, isso não
lhe pareceu má idéia. Pelo menos, sexualmente se dariam bem. Mas,
e o resto?
Ele não me ama, ela pensou, e eu não o amo. . . pelo menos, penso
que não. A sombra da dúvida a surpreendeu. Ela não poderia estar se
apaixonando por ele! Não por Marcello!
— O que está pensando?
A pergunta a pegou de surpresa. Ele tinha parado de lhe acariciar os
lábios e agora estava parado, com os braços cruzados e uma sombra
de sorriso,
— Nada que interesse a você.
— Pelo contrário.. . Alguma coisa a deixou chocada. Eu gostaria de
saber o que é.
Como ele ia rir, se ela contasse! Já lhe parecia completamente
ridículo.
— Não é nada. Um pensamento bobo, apenas.
Ele deu de ombros e olhou para a mancha na saia dela, onde a
bebida se havia derramado.
— Acho que essa mancha não vai sair. Você terá que jogar o
vestido fora.
— Você gostaria disso, não é? Mas a mancha pode muito bem ser
lavada. Você nem saberá onde a bebida caiu. E agora, eu vou mesmo
para a cama, Marcello.
Ele não se moveu e ela foi forçada a esbarrar nele quando lhe passou
por perto.
— Um beijo de boa-noite? — ele sugeriu, sorrindo, e antes que ela
pudesse negar, estava em seus braços, seus lábios procurando os
dele.
O fogo dentro dela se transformou numa chama imensa. Mas dessa
vez Liane pretendia lutar contra o desejo. De jeito nenhum ia deixar
que ele a colocasse em outra situação desagradável, em que o
coração dominava a razão.
Ela permitiu um beijo de poucos segundos. Depois dobrou os joelhos
e escorregou para baixo, antes que ele tivesse tempo de perceber o
que estava acontecendo.
— Buona notte, Marc — ela disse, sem olhar para trás. Achava que
não ia dormir, mas, assim que deitou, mergulhou num
sono sem sonhos.
De manhã, ela e Roberto tomaram café sozinhos.
— Acho que Marcello já tomou café — Roberto disse. — Está na sala
do computador, fazendo seu trabalho do dia.
Trabalho do dia! Aquilo era muito engraçado. Mas ela guardou seus
pensamentos e disse:
— E eu não tenho dúvidas de que você gostaria de estar lá
com ele.
Roberto deu um sorriso iluminado.
— Você lê meus pensamentos muito bem, menina.
— É por isso que vou ficar com você, hoje. O que vamos fazer? Ele
pensou durante algum tempo.
— Eu vou ver você nadar, depois vou ensiná-la a jogar xadrez.
Depois do almoço, após nossa sesta, vamos ouvir um pouco de
música. Parece muito aborrecido?
— Parece perfeito, Roberto.
— E você minha menina, é perfeita. Já pensou no que conversamos
na noite passada?
— Não havia muito em que pensar. Eu não posso forçar Marcello a
casar comigo.
— Mas você não é contra a idéia, é? Você... gosta de meu filho?
— Estou aprendendo a gostar — Liane admitiu, sentindo que en-
rubescia. — Mas não sei o que ele pensa de mim. Algumas vezes é o
companheiro perfeito, mas em outras somos totalmente opostos.
— E a maioria das pessoas não é assim? Acho que, afinal, as coisas
estão começando a funcionar.
Na hora do almoço, Marcello apareceu e Liane ficou surpresa ao
descobrir que ele tinha passado toda a manhã na sala do
computador. Seria por causa do que ela havia dito na noite passada?
— Está tudo bem? — o pai perguntou automaticamente.
— Você não consegue se desligar, não é? — Marcello respondeu,
sorrindo. — Sim, está tudo bem. Não há problemas em parte alguma.
Eu me sinto perfeitamente dispensável, como se estivesse metendo
o nariz onde não sou chamado.
— A engrenagem está bem lubrificada e funciona sozinha. O que
você pretende fazer esta tarde? Não adianta responder que vai des-
cansar; conheço você muito bem. Por que não leva Liane a um
passeio?
— Roberto! — Liane protestou. — Nós já fizemos nossos planos.
— Que podem ser mudados. Tenho certeza de que meu filho saberá
distraí-la melhor do que eu.
— Depende do que você espera. Eu preferiria ficar aqui, se você não
se importa.
— Como quiser. Agora vou fazer minha sesta. Vejo vocês mais
tarde.
— A não ser que eu a convença a sair — Marcello interrompeu
preguiçosamente.
— Eu ficaria muito feliz se você conseguisse — o pai respondeu, —
Sei que Liane se sente culpada por me deixar sozinho, mas fico infeliz
ao vê-la presa a ruim.
— Você sabe que eu não me importo de ficar — Liane protestou.
— É esse o problema. Você é muito generosa, menina. Pense em
você mesma, para variar.
Estou pensando em mim, ela refletiu em silêncio, e é por isso que
prefiro ficar aqui.
Depois que Roberto saiu, Marcello disse:
— E então? Vem comigo?
— E Luísa? Acho que ela não ficaria muito contente.
— Luísa não é uma boa companhia, neste momento.
— Por minha causa?
— Pode-se dizer que sim.
— Então você só está piorando as coisas. Além disso, é claro que só
está me convidando porque não tem outra companhia. Portanto, a
resposta ainda é não.
Ele parecia zangado, mas ela estava resolvida a resistir. Que tipo de
tarde teria, sabendo o tempo todo que ele preferia a companhia
da outra?
— Você é uma tola — ele disse de repente, furioso, saindo da sala.
Não entendeu por que ele ficara tão aborrecido. Talvez não estivesse
acostumado a ver recusados os seus convites. Ela deu de ombros e
também saiu. O calor era terrível, naquela hora do dia.
Liane não viu Marcello novamente durante alguns dias. Haviam
surgido alguns problemas na Espanha e ele tinha ido até

resolvê-los.
Naturalmente, Roberto ficou preocupado e Liane fez o que pôde para
distraí-lo. Sabia que ele ia até a saía do computador, todos os dias,
verificar o que estava acontecendo, e compreendeu isso. Era difícil se
desligar completamente do trabalho que tinha sido sua razão de
viver,
Liane usava sempre a piscina e agora Roberto gostava de ir lá olhá-
la. Passavam muitas horas conversando e o assunto favorito era
a mãe dela.
Ele se admirava de como Liane se parecia mais com ela a cada dia.
— Você realmente me deu um motivo para viver — ele repetia,e ela
cada vez mais gostava dele. Já não conseguia imaginar a vida
sem ele.
O orfanato agora parecia muito distante, uma coisa de um outro
mundo. Havia momentos em que parecia ter passado toda a sua vida
ali na Sardenha.
O bronzeado dela se acentuava dia a dia; cada vez passava mais
tempo ao sol. Depois de nadar, de manhã, ela deitava numa esteira
ao lado da piscina, com os olhos fechados, ouvindo o ruído distante
dos insetos, o canto dos pássaros e o barulho das folhas das árvores.
Naquele dia, Roberto não tinha ido se encontrar com ela. Por algum
motivo, parecia diferente, e ela tinha insistido para que ele ficasse na
cama por mais uma ou duas horas.
Liane devia ter adormecido na beira da piscina, pois de repente ouviu
passos e percebeu que alguém a olhava. Uma sensação esquisita lhe
percorreu a espinha. Não era difícil adivinhar quem estava ali.
Lentamente, abriu os olhos. Tinha esquecido como Marcello era
bonito. O sol transformava seus cabelos num halo dourado. Ele devia
ter chegado há algum tempo, pois vestia apenas o calção de banho.
Era impossível afastar os olhos daquele corpo musculoso e
bronzeado. Ele era um homem muito atraente, do tipo que ela tinha
visto apenas em revistas. Ombros largos, equilibrados com os quadris
estreitos, pernas longas e fortes.
De repente, lhe ocorreu que havia sentido muita falta dele. Tinha
apreciado a paz e a tranquilidade da casa, mas estava faltando al-
guém: Marcello!
Involuntariamente sorriu, um sorriso que iluminou todo o seu rosto.
— Eu não sabia que você já tinha voltado.
— Se eu soubesse que você ficaria tão contente por me ver, teria
voltado antes,
— E por que acha que estou contente?
— Por causa desse sorriso. Foi muito revelador. O que acha de nadar
comigo?
Ela sentiu vontade de recusar, mas precisava refrescar seu corpo,
quente por um calor que não era totalmente causado peio sol.
Marcello estendeu a mão e, hesitante, ela a segurou, deixando que
ele a ajudasse a se levantar. Seu coração bateu mais depressa.
Havia uma tensão esquisita entre os dois, mas ele se virou depressa
e mergulhou. Sentindo-se inexplicavelmente desapontada, ela o se-
guiu e, nos minutos seguintes, nadaram de um lado para o outro na
piscina.
Depois de algum tempo, Liane sentiu-se exausta e avisou que ia sair.
— Covarde! — Marcello gritou, vindo por trás dela. — Está com medo
de mim?
— Não. Eu só estou cansada. Você pode continuar; para mim já
chega.
Mas ele a segurou pela cintura e puxou-a para a água, que se fechou
sobre es dois. Abraçados, eles afundaram e Liane sentiu os lábios de
Marcello nos seus.
Depois voltaram à superfície, ainda se beijando, e ela lutou para
respirar.
— Senti saudades de você — ele disse, e parecia muito sincero.
Segurou o rosto dela com as duas mãos. — Você mudou, Liane.
Parece ter desabrochado. Não é mais a garota tímida e simples que
chegou aqui. Agora, é uma linda mulher.
Ele também tinha mudado. Parecera muito arrogante e autoritário no
primeiro encontro. Agora... o que ele era agora? Ainda um estranho,
às vezes, cheio de frases inesperadas. Mas outras vezes, como agora,
era o companheiro perfeito, lisonjeador, atencioso, capaz de fazer
uma mulher se sentir desejada e bonita.
De repente, Liane sentiu que queria que aquele momento durasse
para sempre.
As pernas dele se enroscaram nas dela. Como se obedecessem a um
sinal, seus lábios se encontraram. Rolaram para a água outra vez,
esquecidos por um momento de tudo, do lugar onde estavam e do
que faziam, sabendo apenas que precisavam desesperadamente
um do outro.
Liane sentiu que seus pulmões estouravam, quando finalmente
voltaram à superfície. Respirou várias vezes, depois disse:
— Vamos sair.
Marcello também parecia cansado e, durante algum tempo, per-
maneceram deitados lado a lado, contentes com a presença um do
outro, sem sentir necessidade de falar.
Mas o silêncio dos dois foi quebrado, quando Giorgio chegou correndo
e gritando:
— Seu pai, Marcello! Acho que ele teve um ataque de coração!

CAPÍTULO VII

Era tarde da noite. Liane e Marcello sentaram-se no quarto de


Roberto. Ele estava acordado e a cor voltava a seu rosto. Os dois
estavam desesperadamente preocupados, antes de o médico garantir
que tinha sido um pequeno ataque e que em breve o doente estaria
recuperado.
— Claro que ele tem que repousar muito — o médico continuou. —
E não se preocupar com nada.
— Ele já está fazendo isso — Liane disse. — Marcello assumiu a
direção de todos os negócios.
— Isso é ótimo — disse o médico. — Mas.. . há alguma coisa que o
preocupa. Por favor, façam com que a vida dele corra o mais
tranquilamente possível. Ele já sofreu muito, nesses últimos meses,
e o esgotamento está começando a causar efeitos.
Depois de o médico sair, Marcello interrogou Liane:
— O que meu pai esteve fazendo em minha ausência? Você não
deixou que ele se envolvesse com os negócios de novo, não é?
Ela parecia aborrecida.
— Quem você pensa que sou? Gosto de Roberto e estou tão abor-
recida quanto você por vê-lo assim. Ele, naturalmente, ficou preo-
cupado com o problema na Espanha, mas vocês já tinham conver-
sado sobre isso.
— E foi só? Ela fez que sim.
— A não ser que alguma coisa o esteja preocupando e ele não tenha
me contado — Liane disse, depois de um momento em silêncio.
Ela não sabia se Marcello acreditava no que tinha dito. Claro
que havia a nova cláusula do testamento de Roberto, mas ele queria
que isso continuasse em segredo.
Depois disso, o relacionamento entre os dois ficou estremecido.
Roberto era muito querido pelos dois e não queriam que nada acon-
tecesse a ele. Marcello tinha suspeitas. Achava que Liane sabia de
alguma coisa que não queria contar e isso estragou o relacionamento
terno que havia começado a se desenvolver entre os dois.
— Vou fazer um café — Liane disse, depois de terem passado uma
hora em completo silêncio.
Ele a seguiu.
— Não se incomode comigo. Vou tomar um uísque.
— Acha que deve? Você precisa ficar alerta. Seu pai pode precisar de
você.
— Não me diga o que tenho ou não tenho que fazer.
— Eu simplesmente achei que. ..
— Bem, não ache nada. Eu faço o que gosto de fazer. Afinal, estou
em minha própria casa.
— Faça o que quiser. Mas se seu pai tiver um novo ataque, não
poderá agir depressa. Então, acabará se culpando.-
— Diabos! De que você está falando? Já tomei uísque suficiente em
minha vida para conhecer o efeito e no momento preciso de um. E o
que quer dizer com um novo ataque? O médico disse que ele está se
recuperando perfeitamente. Só precisa de repouso.
— E isso ele não vai ter, se ouvir que estamos discutindo.
— Foi você quem começou tudo. Qualquer um ia pensar que é um
membro da família, em vez de uma coitadinha que meu pai resolveu
proteger por piedade.
— Acho que significo mais do que isso para ele. Ele me vê como a
uma filha. Se você não gosta, desculpe, mas não posso fazer nada.
Por que estavam discutindo numa ocasião como aquela? Ela se sentia
muito magoada, mas era como se um demónio a fizesse continuar.
— Acho que deveria se olhar. Você é quem está numa posição que
pode ser perturbada.
No momento em que acabou de dizer aquilo, ela se arrependeu.
Bateu com a mão na boca e correu para a cozinha.
Marcello a seguiu, agarrou-a pelo pulso e fez com que se virasse para
ele. Colocou as mãos nos ombros dela e lhe ordenou:
— Explique-se. . . logo!
Ela gemeu, mas olhou-o com ar de desafio.
— Solte-me e eu explicarei.
— Você vai me dizer exatamente o que quis insinuar, mesmo
que eu tenha de sacudi-la até a explicação sair,
Liane encarou-o, ao mesmo tempo que pensava no que poderia dizer
em lugar da verdade. Mas ela não era mentirosa. Se mentisse. e!e
descobriria.
A dor em seus ombros aumentou.
— Vamos! Diga-me! — ele berrou.
— Você está me machucando! — As lágrimas começaram a surgir
nos olhos de Liane, não só por causa da dor, mas também porque
estava sendo forçada a revelar um segredo. O que Roberto diria, se
descobrisse?
— Dio, acho que vou matar você! — ele gritou, e sacudiu-a vio-
lentamente, como se fosse uma boneca de pano. — O que meu pai
lhe disse?
Os dentes dele estavam cerrados como os de um animal furioso e
seus olhos brilhavam selvagemente. Liane sentiu medo. Não havia
outra escolha a não ser contar a ele.
— Eu lhe dou cinco segundos! — Ele respirava fundo e suas
narinas pulsavam, dilatadas, no rosto pálido.
— Eu vou lhe dizer. — Liane suspirou e disse depressa: — Seu pai
mudou o testamento.
Ele pareceu parar de respirar, parar de se mexer. A única indicação
de que tinha ouvido foi seus olhos se estreitarem. As pupilas
pareciam dois pontinhos, naquelas profundezas cor de âmbar.
— Continue — ele disse leníamente, e a voz saiu diferente, dura,
gutural, amedrontadora!
— Só. . . só se você estiver casado em seu próximo aniversário. ..
ele. . .
Como poderia continuar? Fechou os olhos. Por favor, Roberto,
perdoe-me, ela pediu em silêncio.
Novamente as mãos de Marcello estavam em seus ombros, sem
piedade, apertando-a, fazendo com que gritasse de dor.
— Você não terá nada — ela continuou —, pelo menos, nada dos
lucros dos negócios. Ele disse que vai vendê-los... que já é
tempo de você se acomodar.
As últimas palavras saíram misturadas com um soluço.
— Você está inventando tudo isso?
— Não, é verdade. Desculpe. Ele não queria que você soubesse. . .
mas.. .
— Mas, como toda mulher, você não conseguiu guardar um se-
gredo. E você. ,. onde entra em tudo isso? Não tente me dizer que
ele não vai lhe deixar nada.
— Ele não falou — ela disse, sabendo que Marcello não estava
acreditando. — Mas eu não quero o dinheiro dele. Quero Roberto, e
não as recordações. Pela primeira vez em rainha vida, eu tenho
alguém para amar. Não vou aguentar, se acontecer alguma
coisa com ele.
— Ele se preocupa por eu não estar casado? Ela fez que sim.
— Ele gostaria de viver para ver os netos.
— Mas se isso o incomoda tanto, por que ele não me disse?
— Porque não quer que você case com a mulher errada.
— Então, por que a exigência? Por que não deixou que eu es-
colhesse dentro de meus prazos?
— Você já tem trinta e quatro anos!
— E daí? Não sou nenhum débil mental. Ele é um estúpido. Na
verdade, não quer é abrir o jogo. O que estará planejando?
— Eu não sei. Fiquei tão surpresa quanto você.
— Estou completamente estarrecido. Acha que foi isso que causou o
ataque de coração dele? Acha que está se preocupando demais
com isso?
— Acho que ele não gosta do que fez, mas pensa que essa atitude é
necessária.
— Se eu já precisava daquele uísque antes, agora preciso mais
ainda. Sirva-me uma dose, Liane.
Dessa vez, ela não discutiu. Foi até a saleta e encheu um copo para
ele.
— Não consigo entender meu pai. Por que não me disse nada? Meu
Deus, se você não tivesse deixado escapar, eu nunca teria sabido que
devo casar até dezembro. Ele ia ficar arrasado, ao perder tudo o que
levou a vida inteira construindo. Liane, o que vou fazer? Não posso
demonstrar que sei, já que você não devia me contar.
— Só precisa casar, e tenho certeza de que Luísa ficará muito
contente em aceitar seu pedido,
— Luísa que se dane. Papai não gosta dela. Isso não ajudaria
em nada.
— Vou ver se ele já acordou — ela disse, sentindo que era melhor
deixá-lo a sós por alguns instantes. Ele estava com um problema
difícil e naquela hora não podia contar com a ajuda de ninguém.
Roberto estava acordado e ficou contente em vê-la. — Roberto, como
está se sentindo? — ela disse, segurando a mão dele.
Seu sorriso ainda era fraco, mas ele estava mais corado.
— Desculpe — sussurrou. Ela o abraçou com força.
— Você não pôde evitar. Pense apenas em ficar bom logo.
— Onde está Marc?
— Lá embaixo. Tomando um drinque. Quer que eu vá chamá-lo? —
Não ainda. Fique um pouco aqui.
Ele segurou a mão dela e não disse mais nada, apenas olhando-a
intensamente. Aos poucos, voltou a dormir, mas antes murmurou:
— Minha filha!. . .
Então, ele ainda estava pensando em casá-la com Marcello! Se isso o
acalmasse, talvez devessem casar... Talvez ela devesse ter dito
também isso a Marcello.
Ao pensar em tal possibilidade, enrubesceu violentamente.
Mas, se fosse para Roberto melhorar de saúde, não valeria a pena?
Podia se divorciar, mais tarde, quando. . . Não, ela não podia ima-
ginar a vida sem Roberto.
Além do roais, se ele ficasse satisfeito e em paz consigo mesmo,
poderia viver mais dez ou vinte anos... e como ela e Marcello
ficariam? Cora um casamento de conveniência? Não! De jeito
nenhum. Seria uma situação insuportável.
Ela foi para a cama sem ver Marcello outra vez.
Poucos dias depois, Roberto teve permissão para se levantar. Liane
passava a maior parte do tempo sentada ao lado dele. O filho tam-
bém já não saía tanto, passava horas na sala do computador e de vez
em quando se juntava a Liane e ao pai.
Marcello tinha um ar preocupado, naqueles dias, e ela achou que era
por causa da revelação que havia feito. Havia momentos em que se
imaginava dizendo a Roberto que Marc sabia sobre o testamento.
Depois percebia que isso faria mais mal do que bem a ele.
Quando se sentiu melhor, Roberto voltou a insistir para que ela e
Marcello saíssem e se divertissem.
— Vocês já ficaram comigo muito ternpo. Quero que saiam, nem que
seja por algumas horas.
— Roberto, você sabe que não me importo de ficar com você, e
Marcello também. — Ela olhou para o jovem, percebendo que ele
tinha se tomado muito distante, naqueles dias. O que estaria se
passando em sua cabeça?
— Claro que não — o filho disse atenciosamente, mas sem convencer
o pai.
— Eu insisto. Vou ficar bem; Giorgio está aqui, se eu precisar de
alguma coisa... Por favor, saiam. Principalmente você, Marc.
Está esquisito, nestes últimos dias. Não sei o que aconteceu com
você.
— Estava preocupado, papai, mas já melhorei. Talvez a gente
aceite a sua sugestão.
— Se realmente não se importa — Liane disse —, eu vou adorar sair
com Marcello. — Ela sabia que isso ia deixar Roberto feliz e ignorou o
olhar curioso de Marc.
Mas só na manhã seguinte Marcello fez referência ao passeio.
— Se você estiver pronta, vamos sair logo depois de comermos. Meu
pai vai tomar o café na cama, mas já nos deu sua bênção.
Liane sentiu que seu coração disparava. Durante os últimos dias,
enquanto Roberto estivera doente, ela mal tinha pensado em
Marcello. Agora, a idéia de passar o dia inteiro com e!e lhe causava
um turbilhão de emoções.
Imaginou em que estado de espírito ele estaria. Será que seria terno
e atencioso como antes? Ou estaria frio e distante, preocupado com a
doença do pai e a mudança do testamento?
— Aonde vamos? — ela perguntou, sentindo-se entusiasmada, no
carro.
Ele parecia ligeiramente divertido,
— A La Maddalena. É uma ilha na extremidade norte da Sardenha,
a maior base de treinamento naval da Itália. Foi usada tanto por
Napoleão como por Nelson. Ela não pareceu se animar.
— Gostaria de ir a algum outro lugar?
— Não, eu não me importo. É bom sair um pouco, para variar. —
Talvez você preferisse ficar com meu pai.
— Claro que gosto. Por favor, não me entenda mal.
— Você está sempre ansiosa para agradar. Como você é boazinha!
Liane ficou vermelha, mordeu os lábios e continuou em silêncio.
Se aquele seria o comportamento dele durante o resto do dia, ela
teria feito melhor ficando em casa.
— Nem um pouco. Mas se está me levando para passear só para
agradar a seu pai, e não porque tem vontade, não precisava
se incomodar.
— E por que você acha que convidei você?
— É fácil perceber. Você não me quer com você. Aposto que
preferia estar ao lado de Luísa, se não estivesse preocupado com a
saúde de seu pai. Desculpe se estou causando tantos problemas.
Podemos voltar, se você preferir assim.
— E me arrisco a aborrecer meu pai?
Ela esperava essa resposta, mas foi o ponto final em seu entusiasmo.
Afundou no assento e ficou triste, olhando a paisagem, fazendo o
possível para ignorar aquele homem a seu lado.
Passaram por algumas construções pintadas de marrom, ferrugem e
rosa. Ao longe, surgiam as montanhas verdes e um rochedo com o
formato estranho de uma tartaruga, que terminava num fiorde.
Finalmente chegaram a Palau, um vilarejo encantador onde pegaram
a balsa para La Maddalena.
A viagem por mar levou menos de quinze minutos e, quando
chegaram à ilha, Marcello tomou a direção da cidade. Havia por ali
um ar de descuido, mas Liane não ficou impressionada.
Ele praticamente ignorou Liane e cada vez mais ela preferia ter ficado
com Roberto. Sentia que, por algum motivo esquisito, ele a culpava
pela doença do pai e pela decisão repentina de mudar o testamento.
Era loucura, porque não sabia de nada até o próprio Roberto lhe
contar.
Será que Marcello pretendia enfrentar o pai, contando que ela havia
traído a confiança do velho? Ou será que estaria pensando em casar
com alguém para não perder a herança?
Uma coisa era clara: Liane não constava daqueles planos! Ele estava
muito distante, como na época em que tinham se conhecido. O que o
deixara mais meigo agora parecia ter desaparecido comple-tamente,
desde que ela avisara sobre a mudança no testamento do pai.
Depois de comerem, ele dirigiu até uma das várias praias de La
Maddalena. Mas começou a soprar um vento fresco que os impediu
de tomar banho de sol.
Caminharam em silêncio pela areia, cada um mergulhado em seus
próprios pensamentos. Mas Liane não aguentou aquele silêncio muito
tempo:
— Eu gostaria de voltar para casa.
— Ainda é cedo. O que papai diria?
— E isso importa? — ela perguntou, tensa, apesar de saber que
importava. Devia haver um motivo para que Roberto os mandasse
sair juntos e, apesar de Marcello não perceber, ela sabia que, se
voltassem para casa, frios e indiferentes um com o outro, Roberto
ficaria desapontado. Poderia até ter outro ataque de coração!
— Foi idéia dele — Marcello disse. — Talvez pense que isso. .. — Ele
parou de repente, com uma expressão estranha no rosto, como se
achasse difícil acreditar no que estava pensando.
— Pense o quê? — Liane perguntou, mas não precisava ter feito a
pergunta. Marcello tinha adivinhado. De repente, ele sabia exata-
mente o que estava se passando na cabeça do pai.
E, o que era pior, sabia que ela sabia!
— Dio! É impossível! — Ele a olhava como se casar com ela fosse a
última coisa que desejasse fazer na vida.
Estava vermelho de fúria, e ela virou o rosto depressa. Tinha
caminhado alguns metros antes que ele a alcançasse e as lágrimas
escorriam por seu rosto.
De repente, percebeu que o que pensara ser imaginação sua era
realidade. Amava Marcello! E a rejeição dele a tinha ferido como uma
facada.
— Desculpe, Liane.
Ela parou de caminhar. Sentia que tinha parado de viver.
— Não é culpa sua.
Ele notou que ela estava chorando e lhe ofereceu um lenço.
— Papai sabe o que é para o meu bem.
Ela tentou sorrir e deu um soluço que fez seu rosto parecer muito
jovem.
— Acho que a maioria dos pais tem planos para os filhos.
— Mas nem sempre dão certo.
— O que você vai fazer? — Ela o olhou demoradamente. — Não há
nada que eu possa fazer.
— Talvez fosse melhor eu ir embora.
— Oh, não! É a última coisa que ele quer. Seria o fim dele. —
Marcello a segurou pelos ombros e a puxou para si, enquanto cami-
nhavam lentamente para o carro. — Deve haver uma solução. Talvez
possamos chegar a um acordo, não?
— Está querendo dizer. . . que poderíamos casar. . . só por causa
dele? — Era a solução em que ela havia pensado, mas não tinha Lido
coragem de a propor.
Marcello fez que sim com a cabeça.
— Eu não posso, eu não posso! — Casar com um homem que não a
amava seria sua própria destruição, principalmente porque
teriam que fingir amor diante de Roberto.
— Claro, eu compreendo. Devia ter pensado melhor, antes de sugerir
isso.
Ela achou que ele parecia aliviado.
— Vamos até Caprera — ele disse, mudando de assunto de repente.
— Depois talvez possamos voltar sem causar alarme a papai.
O passeio pela base naval deu a Liane tempo de se controlar me-lhor.
Estava satisfeita por Marcello não ter descoberto o verdadeiro motivo
de suas lágrimas;
Em Passo della Moneta, o estreito entre as duas ilhas era banhado
por ondas espumantes que rodopiavam ao redor de rochas redondas.
Do outro lado do estreito havia uma estrada margeada por tama-
rindos que conduzia diretamente à casa de Giuseppe Garibaldi, o
herói italiano do século XIX. Mas Liane não ficou com vontade de
entrar. Seguiram e, numa esquina, havia uma casa com uma vista
soberba para a praia. Marcello apontou para as construções discretas
do Clube Mediterrâneo, com telhados cobertos de sapé e portas e
paredes de madeira. Os chalés tinham sido construídos num bosque
de eucaliptos. Parecia um lugar muito calmo. Um roseiral crescia ali
perto, com rosas que chegavam até a altura da cintura,
Liane teria escolhido um lugar assim para se afastar de tudo.
— Há um clube de veleiros lá. Gostaria de fazer uma visita? Liane
lembrou-se da última vez que tinha estado no iate dele e
sacudiu a cabeça.
— Não, obrigada. Acho que é hora de voltarmos.
Nunca Unha se sentido tão desconfortavelmente junto dele, nem no
começo. Mas agora, sabendo o que ele pensava a respeito de casar
com ela, estava arrasada.
A viagem de volta foi feita sob tensão, apesar de Marcello tentar
colocá-la à vontade.
— Talvez papai mude de idéia — ele disse, sorrindo —, quando
perceber a situação desagradável que está causando.
Ela não pensava assim. Roberto estava resolvido. Se Marcello não
casasse cedo, não herdaria nada. Era uma decisão clara e simples.
Será que ela não estaria sendo egoísta demais, recusando a suges-
tão de Marcello de casarem por causa de Roberto? Achava que não
Seria impossível manter as aparências numa situação desagradável
para Marcello e para ela.
Chegaram e encontraram Raffaele conversando com Roberto,
Marcello franziu as sobrancelhas, sem se importar de disfarçar seu
aborrecimento.
— O que você está fazendo aqui? Raffaele olhou-o com ar distraído.
— Soube que titio estava doente outra vez. . . Ele ficou contente
com minha visita, principalmente porque vocês o tinham deixado
sozinho.
— Por sugestão dele — Marcello respondeu.
— Não aborreça seu pai — Liane cochichou. Ele deu de ombros e
saiu da sala.
Liane aproximou-se de Roberto e abraçou-o.
— Que bom você ter companhia... Como está se sentindo?
— Bem, muito bem — ele disse, abraçando-a. — Raffaele é muito
gentil, apesar do que Marc disse. Eu pedi a ele que ficasse algum
tempo aqui em casa. Assim, se você e Marc quiserem sair, não pre-
cisarão se preocupar comigo. Onde estiveram hoje?
— Fomos a La Maddalena e a Caprera, mas não são os lugares mais
bonitos da Sardenha.
— Há uma ilhota calma, na costa leste, que lhe agradaria muito —
Raffaele interrompeu. — É um lugar quieto, romântico, perfeito. Eu a
levarei lá.
Apesar de tudo, ele ainda lutava pelas atenções dela.
— Vamos ver, Gostaria de alguma coisa, Roberto, antes que eu
suba para trocar de roupa?
Ele sacudiu a cabeça e fechou os olhos, recostando-se numa cadeira
e parecendo cansado. Liane saiu da sala e Raffaele a seguiu.
— Quer ir comigo, Liane?
— Foi por isso que você voltou?
— Claro que não. Eu vim ver o titio. . . mas, enquanto estou
aqui! — Ele levantou os ombros e estendeu as mãos, num gesto
expressivo. — Você não pode me culpar por tentar, não é?
Ele sempre parecia tão inocente! Ela, como sempre, caiu
na gargalhada.
— Querido Raffaele, como você é persistente! Mas já deve ter
visto que Roberto não está nada bem e eu não tenho intenção de
deixá-lo sozinho.
— Mas fez isso hoje.
— Porque o próprio Roberto sugeriu, mas garanto que não acon-
tecerá de novo.
— Você e Marcello estavam entretidos um com o outro. Eu pensei,
quando vocês entraram, que.. .
— Está enganado. Nós achamos errado deixar Roberto sozinho.
Não há jeito de saber se ele terá ou não outro ataque.
— Pobre titio. . . — Raffaele parecia sinceramente preocupado. —
Acho que ele pode morrer a qualquer momento.
— Como pode dizer uma coisa dessas? Diz que gosta dele e, no
entanto...
— Precisamos encarar os fatos. Essas coisas acontecem.
— E é por isso que está aqui?
— Estou aqui para fazer tudo o que puder.
Ou ele era um ótimo ator ou Marcello o havia julgado mal. Liane não
sabia o que pensar. Preferia escolher a última hipótese, mas, por
outro lado, Marcello conhecia o primo muito melhor.
— Vou me aprontar para o jantar.
Vestiu-se calmamente e, quando voltou, os três homens estavam
sentados, Raffaele ao lado de Roberto, Marcello na outra extremidade
da mesa.
Ela sentou-se perto de Marcello, olhando rapidamente seu rosto sério.
Raffaele parecia completamente à vontade e Roberto também estava
muito feliz, muito mais do que nos últimos dias.
— Desculpem-me se fiz vocês esperarem — ela disse, sorrindo
para todos, tentando transmitir a Marc a idéia de que não devia
causar nenhuma preocupação ao pai naquele momento.
Se ele a entendeu ou não, ela não sabia, mas Marc procurou manter
a conversa sobre assuntos gerais, incluindo Liane em seus co-
mentários e fazendo com que ela quase esquecesse o insulto que lhe
dirigira à farde.
Roberto sacudia a cabeça feliz, quando o filho fazia algum co
mentário em voz baixa para Liane. Todo mundo diria que eram dois
namorados. A atenção dele a deixava atrapalhada e, mesmo sabendo
que era tudo uma encenação, não conseguia controlar o calor que
sentia dentro do peito.
Era assim que seria, se Marcello realmente a amasse! Sabia que
estava sendo uma tola, ao pensar dessa forma, mas não conseguia
se conter. Seu corpo estremecia com a proximidade do dele e seus
olhos brilhavam cada vez mais.
Depois, na saleta, ela e Marcello sentaram juntos no sofá, tomando
licor e café, enquanto Roberto e Raffaele conversavam na varanda.
Novamente a proximidade dele a fez tremer e, dessa vez, Marcello
percebeu. Ele franziu as sobrancelhas e se afastou.
— Desculpe. Não percebi que sentia tanta repulsa de mim.
Então era isso que ele pensava! Que ela ainda o odiava! Natural-
mente, lhe dissera isso muitas vezes. Estava certo. Não tinha motivos
para pensar que ela tinha mudado de idéia.
É claro que agora ele estava fingindo por causa do pai.
— Não sinto repulsa por você. — Não?
Os dois ficaram em silêncio novamente e ouviram fragmentos da
conversa dos outros dois:
— Foi algo que eu tive que fazer, Raffaele não tive outra escolha. —
Roberto dizia.
Ela sentiu que Marcello ficara tenso. Seus ouvidos estavam atentos.
Ele sabia o que o pai estava falando.
— Entendo, tio — foi a resposta de Raffaele.
Marcello respirou fundo e disse qualquer coisa em italiano.
— Mas a sua idéia é boa. Eu gostaria de manter tudo na família.
Os negócios! Seria sobre isso que os dois falavam? Será que ele
estava oferecendo as empresas a Raffaele?
Liane olhou para Marcello com os olhos arregalados, horrorizada. Não
havia dúvida de que ele tinha achado a mesma coisa.
Marcello levantou-se, zangado, e já tinha dado uns passos em dire-
ção à varanda, quando ela percebeu o que ele pretendia fazer.
— Não, Marcello! Não vai ajudar em nada.
Ele parou e voltou-se. Estava com o rosto tenso e preocupado.
— Não tem nenhuma sugestão melhor?
Ela sacudiu a cabeça com um ar de desculpa.
— Nós dois podemos estar errados. Eles podem estar conversando
sobre qualquer outra coisa. Pense como você pareceria tolo.
— Não sei do que mais eles conversariam. Raffaele está aqui por um
único motivo. Ele é como uma ave de rapina, espera os despojos.
Está esperando que meu pai morra.
— Marcello!
— E está tentando conquistar cada vez mais espaço. Pode não
saber, mas chegou no momento certo. Se jogar direitinho, vai ganhar
muito.
Ela nunca tinha ouvido Marcello falar com tanta amargura. Ele estava
angustiado e parecia ainda mais sério e pálido.
Liane sentiu vontade de confortá-lo. Queria ter o direito de abraçá-lo,
de lhe garantir que nada ia acontecer, que o império do pai seria
dele, um dia, com todo o direito.
Mas como poderia dizer isso se o próprio Roberto já tinha estabe-
lecido as regras do jogo? Só com o casamento Marcello herdaria
tudo. E ele era um homem orgulhoso demais para casar apenas por
aquele motivo.
Segundos depois, Raffaele e Roberto se juntaram aos dois. O primo
parecia muito satisfeito consigo mesmo. Roberto estava pálido e
Liane se aproximou dele.
— Acho que deve ir para a cama. Quer que o acompanhe? Ficou
surpresa quando ele deixou que o conduzisse para o quarto.
Devia estar se sentindo bem doente!
Sabendo que Marcello os olhava preocupado, ela sorriu para ele.
— Eu posso ajudá-lo. Você, se quiser, fique conversando com
Raffaele.
Ela ajudou Roberto a subir as escadas e chegar ao quarto. Não sabia
o que Marcello estaria dizendo a Raffaele. Será que ia perguntar ao
primo sobre a conversa que tinham escutado? Ou será que ia tentar
extrair dele a verdade sem que Raffaele percebesse?
A respiração de Roberto estava difícil, quando chegaram ao quarto.
Liane ficou ainda mais preocupada. Talvez ele devesse ter ido para
um quarto do andar de baixo. Ela sabia que o dele era o melhor, com
a vista mais bonita, mas naquele momento a saúde era o mais
importante.
— Acho que vou pedir a Marcello que mude sua cama lá para baixo,
até que você esteja melhor. O caminho até aqui é muito longo. Até
eu estou sem fôlego.
— Eu já pensei nisso. . , Odeio dar trabalho.
— Não está dando trabalho nenhum. Na verdade, seria mais fácil,
para nós, cuidarmos de você lá embaixo, e poderia deitar sempre
que tivesse vontade.
Ela o ajudou a ser despir e logo depois ele deitou. Parecia muito
melhor.
— Diga-me agora como foi seu dia — ele disse, olhando-a de
perto, sem disfarçar o que queria saber.
— Muito bom — ela mentiu, sorrindo sonhadoramente e espe-
rando que ele acreditasse,
Roberto sacudiu a cabeça satisfeito, fechou os olhos e logo estava
dormindo.
Liane estava com medo de voltar para os dois homens... mas
encontrou Raffaele sozinho.
— Onde está Marcello?
— Quem sabe? Provavelmente foi se consolar com Luísa.
— Por quê? O que você andou dizendo?
O rosto dele era a imagem da inocência, os olhos escuros pareciam
magoados.
— Eu? Só disse a ele a verdade. 1Í2
Ela já imaginava qual era essa verdade. Mas achou melhor não
falar sobre suas suspeitas.
— Roberto está dormindo.
— Não quer saber o que estávamos discutindo?
— Eu gostaria que Marcello trouxesse a cama do pai para baixo,
amanhã. Ele não pode continuar subindo as escadas todos os dias.
— Eu o ajudarei. Você não está mesmo interessada em saber o
que eu disse a Marcello?
Ela o olhou friamente, depois serviu-se de um drinque, procurando
aparentar coragem.
— Deveria estar? Não sou membro da família. Se tem algo a discutir
em particular com seu primo, isso não é da minha conta.
A confiança dele parecia ter sumido. Claro que devia estar louco para
contar, mas a indiferença dela o tinha deixado sem jeito.
— Vou lhe dizer do mesmo modo.
— Claro que vai. Mas, na verdade, acho que posso adivinhar o que é.
O rosto dele ficou tão engraçado que ela quase riu.
— Como pode saber? A não ser que tio Roberto tenha dito alguma
coisa.
— Não.
— Então você não sabe de nada.
— Não? Tem alguma coisa a ver com o testamento de Roberto? Os
movimentos dele ficaram mais agitados. Olhou-a durante um
longo tempo.
— Como você sabe?
— Marcello e eu ouvimos a conversa de vocês.
— Ele não disse nada.
— Podíamos estar enganados. Então, Marcello esperou que você
lhe dissesse e obviamente você não o desapontou, não é?
— Ele está numa situação bem crítica. Se não casar, não vai herdar
nada. E eu me apresentei como uma alternativa. Titio ficou bem
impressionado, disse que não sabia quanto eu estava interessado em
seus negócios.
Será que Roberto era assim tão estúpido?, ela pensou.
— O que me confunde — Raffaele continuou — é que Marcello não
pareceu chocado, ao ouvir a notícia sobre a nova cláusula do tes-
tamento do pai. Tio Roberto me contou que não tinha dito nada a ele.
— E não disse. Fui eu. E, se quer saber, Raffaele, de me pediu em
casamento. Portanto, parece que seus planos não vão dar certo.
O rosto de Raffaele era a imagem do desespero, e ela não se im-
portou de consolá-lo. Sorriu docemente e saiu, mas, quando chegou
ao quarto, sentiu-se despedaçada.

CAPÍTULO VIII

Liane sabia que devia ter concordado em casar com Marcello. Agora,
ele tinha ido procurar Luísa e ela não tinha a menor dúvida de qual
seria a resposta da moça.
Um casamento por conveniência era melhor do que nenhum casa-
mento. For que o recusara? Por que tinha sido tão estúpida?
Se ele casasse com Luísa, ela não poderia mais continuar ali. Seria
insuportável ver os dois juntos, principalmente sabendo que o casa-
mento tinha sido forçado por ele.
Durante a noite, ela ficou acordada, esperando a volta de Marcello,
mas só de madrugada ouviu o carro dele. Depois, percebeu que ele
andava lá embaixo, mas seu instinto a fez ficar onde estava. Mais
tarde dormiu.
Na manhã seguinte, ele parecia cansado, com os olhos vermelhos.
Ela teve medo de perguntar o que tinha acontecido. Raffaele, por
outro lado, estava muito feliz, ou pelo menos fingia estar, apesar de
olhar estranhamente para Marcello repetidas vezes.
Roberto desceu muito mais tarde. Os dois primos trouxeram a cama
do velho para baixo, para o quarto menor ao lado da saleta. Liane se
ocupou em trazer as roupas dele e a manhã passou rapidamente.
Antes que percebesse, já era a hora da sesta,
Marcello, como sempre, preferiu não descansar e surpreendeu Liane
convidando-a para sair. O primeiro impulso dela foi recusar, mas
estava curiosa de saber o que havia acontecido entre ele e o primo na
noite anterior.
Ele tomou o caminho do iate, mas só depois de estarem no mar foi
que começaram a conversar.
Ele ligou o comando automático e veio sentar-se ao lado dela no
deck.
— Raffaele contou a você o que aconteceu?
— Tentou. O que entendi foi que ele se ofereceu para tomar seu
lugar nos negócios.
— Não posso acreditar que meu pai concordou com isso. Ele sabe
que Raffaele não dá para negócios. O império todo desabaria, se fi-
casse a cargo dele.
— Ele disse que você tinha ido ver Luísa. Pediu-a em casamento? Ele
demorou muito para falar.
— Sim, eu vi Luísa, mas só por alguns instantes. Passei a maior
parte do tempo sozinho, pensando, tentando solucionar esta situação
sem causar mais preocupações a meu pai.
— E encontrou a solução?
— Acho que sim, — Ele a olhou profundamente. — Mas vamos
esquecer esse episódio desagradável por alguns momentos.
Não é certo uma jovem como você ficar infeliz por causa disso. Não
devia se envolver nessa história.
Ele sorriu, e era como se o sol voltasse a aparecer. Que mudança
brusca de humor! Ela jamais pensaria que isso fosse possível. Mas
queria que Marcello fosse feliz. Se ele ficasse triste, ela também
ficaria.
Durante as horas seguintes, Marcello foi o companheiro mais di-
vertido do mundo. Ensinou-lhe como manobrar as veias e desviar de
um recife, mostrou todo o iate e fez um chá, que tomaram sentados
juntos na pequena cabine.
Foi uma tarde extremamente agradável e Liane ficou desapontada
quando ele avisou que era hora de voltar,
— Meu pai está nos esperando para o jantar — ele disse, e de re-
pente ela se sentiu culpada. Não tinha pensado em Roberto nenhuma
vez, nas últimas horas.
Quando chegaram em casa, Marcello continuou com a farsa e o pai
pareceu satisfeito.
Raffaele observava-os de perto, imaginando -se Liane teria dito a 116
verdade. Certamente, ela e Marcello pareciam bons amigos e ela ten-
tou não pensar que logo tudo estaria acabado.
Na cama, naquela noite, ela se sentia amada e desejada, recusando-
se a imaginar que Marcello fingia. Os dias foram passando e ele
continuava a lhe dar mais e mais atenções. Ela pensou onde iria
terminar tudo aquilo.
Raffaele tinha sido esquecido. Passava muito tempo com Roberto,
mas nunca tocava no assunto que preocupava Liane.
Roberto estava satisfeitíssimo. Era notável sua recuperação. Ficava
mais forte a cada dia, encorajando os dois a saírem sempre juntos.
De certa forma, Liane estava contente, com a presença de Raffaele.
Se não fosse ele, não poderia sair tanto assim. Ela nunca se atreveria
a deixar Roberto sozinho durante tantas horas.
Aos poucos, a amizade de Marcello se transformou em algo mais
profundo. O amor dela por ele também cresceu.
Um dia, depois de passarem a manhã nadando e tomando sol
numa prainlia calma perto de casa, aconteceu uma coisa
maravilhosa.
Marcello tinha terminado de passar óleo bronzeador nela e ainda
estava com as mãos em suas costas, quando a puxou com
força
contra si.
— Liane! — Ele a beijou com uma paixão que surpreendeu os dois.
Depois do choque, Liane correspondeu aos beijos dele, acariciando-
lhe os cabelos, segurando-lhe o rosto, pressionando seu corpo contra
o dele, sentindo a urgência daquele desejo,
Era como se mais nada existisse, como se tudo tivesse sido esque-
cido. Ela o queria desesperadamente e Marcello também a queria.
A respiração dele estava pesada, quando a deitou na areia, cobrindo
o corpo dela com o seu,
— Liane, quer casar comigo?
Ela sentiu-se tonta de prazer. Dessa vez, parecia que os motivos dele
eram sinceros.
— Sei que você não me ama — ele continuou —, mas tenho certeza
de que, com o tempo, aprenderá a me amar.
Ela olhou profundamente os olhos dele.
— E você? Você me ama, Marcello?
— Dio! Eu preciso dizer? Não é evidente? Ele gemeu e a abraçou
novamente.
— Eu só queria ter certeza.
— Quer dizer que. . . concorda?
Em resposta, ela lhe ofereceu os lábios, e seus corpos ficaram mais
juntos, como se tentassem se transformar num só. Liane se sentia
delirantemente feliz. De repente, estava tudo bera.
Ela casaria com Marcello. Os negócios permaneceriam na família
Malaspina, afinal. E o mais importante de tudo era que Marcello a
amava!
Era como se um sonho se tornasse realidade. Ela abria os olhos e
olhava para ele, para ter certeza de que era tudo verdade, que
Marcello estava ali e a amava, que queria casar com ela. Nunca
tinha se sentido tão feliz. Durante o jantar, naquela noite, eles anun-
ciaram o noivado.
Roberto não continha sua felicidade.
— Parabéns aos dois. É meu maior desejo que se torna realidade.
Marcello, abra uma garrafa de champanhe. Precisamos comemorar.
Raffaele parecia chocado, mas logo se recuperou e participou do
brinde.
O jantar foi muito alegre, e Liane, naquela noite, foi dormir contente,
pensando que seu futuro seria maravilhoso. Sem dúvida, teriam seus
problemas, como todos os casais, mas desde que Marcello a
amasse, nada mais importava.
Roberto finalmente veria os netos.
Ela estava na cama há poucos minutos quando escutou baterem na
porta do quarto. Achando que era Marcello, ela o chamou para que
entrasse. Mas sua expressão mudou ao ver Raffaele.
— O que você quer?
— Conversar um pouquinho.
— Acho que você e eu não temos nada para conversar.
— Claro que temos. — Ele sentou-se na beirada da cama, com os
olhos escuros muito brilhantes. — Já pensou por que Marcello a
pediu em casamento?
— Porque ele me ama.
— Tem certeza?
— Claro!
— Mas há a cláusula do testamento.
— E daí? — Mas a dúvida já linha surgido nos olhos dela, Na
verdade, Marcello não tinha dito que a amava. "Eu preciso dizer?",
ele havia falado. "Não c evidente?"
— Acho que ele vai casar com você porque não quer ficar sem
dinheiro.
— Ou para impedir você de colocar as mãos no dinheiro.
— Eu? Já desisti dessa idéia há muito tempo e Marceilo sabe
disso. Tive uma longa conversa com tio Roberto e, quando percebi o
que estava envolvido na herança, vi que não ia conseguir administrar
tudo.
Raffaele parecia sincero. Se Marcello sabia disso, por que não havia
dito nada a ela?
— Não sei se acredito em você.
— Pergunte a meu tio. Ele lhe dirá.
Ela não queria causar problemas a Roberto. Mas, se Raffaele es-
tivesse mentindo, não iria sugerir que ela confirmasse a história com
o tio. Seria muito arriscado. Ele devia estar falando a verdade.
— Foi só isso que você veio me dizer?
— Eu queria saber se você compreendia onde estava se metendo.
Quando um homem casa com uma mulher só por causa de uma
herança, ele não é boa coisa.
— Marcello nunca faria isso. Saia daqui, Raffaele. Se quer saber,
acho que está com ciúme. Está tentando causar problemas entre nós
e acho que esta conversa com seu tio nunca aconteceu. Você quer
me indispor com Marcello; assim seria beneficiado com o testamento
de Roberto.
— Pense o que quiser, Liane. Mas verá que eu disse a verdade.
Depois que ele saiu, Liane não conseguiu dormir. Ele a tinha deixado
insegura e agitada. Não sabia mais o que era realidade ou
imaginação sua.
Raffaele podia estar falando a verdade. Parecia muito sincero. Será
que Marcello estaria casando com ela só por dinheiro? Seria tão
ambicioso para fazer isso? Da outra vez que sugerira o casa-mento,
estaria pensando só no dinheiro? Não estaria também preocupado
com a saúde do pai?
Ela queria aceitar, mas as sementes da dúvida já estavam em sua
cabeça. Percebeu que não podia continuar até o casamento se não
soubesse se Marcello a amava.
Se perguntasse, o que ele iria dizer? Será que negaria as acusações
de Raffaele? Ou diria que a amava?
Na manhã seguinte, Raffaele eslava muito distante durante o café.
Marcello sorriu amorosamente, quando ela entrou, mas franziu as
sobrancelhas quando Liane virou o rosto a seu beijo.
Por causa de Roberto, ela manteve uma aparência de amizade com
Marcello, mas, quando ficaram sozinhos, ele perguntou rispidamente:
— O que há de errado, Liane? Será que mudou de idéia?
Ela o olhou e sentiu que seu coração transbordava de amor. Que-
ria desesperadamente acreditar nele, mas como poderia?
— Eu quero saber exatamente por que você quer casar comigo.
Se a resposta dele fosse o que desejava, não teria mais problemas;
caso contrário.. . seria o fim de uma fase feliz em sua vida.
— Por que um homem geralmente quer casar tom uma moça?
Ontem você não tinha nenhuma dúvida. Por que de repente ficou
com medo?
Ela sacudiu a cabeça. Ele estava evitando uma resposta direta. As
lágrimas estavam prestes a rolar de seus olhos.
— Não posso dizer.
— Tem algo a ver com Raffaele?
A pergunta a pegou de surpresa e ela não precisou responder. Sua
expressão disse tudo.
— O que ele esteve dizendo?
Se ela contasse, sem dúvida ele ia negar tudo. Liane deu de ombros.
— Nada de importante.
— Importante o suficiente para deixar você no estado em que se
encontra. Se não me contar, eu mesmo irei perguntar a ele.
— Faça isso. Pode ser melhor.
Quando ele saiu, Roberto veio do quarto. Ela tinha esquecido que
agora ele dormia ali perto.
— O que aconteceu? Vocês dois pareciam estar discutindo.
— Desculpe, Roberto, mas isso é entre nós apenas. Uma briga de
namorados.
— Espero que não seja nada sério. Eu esperava as notícias de ontem
à noite há muito tempo.
— Acho que não é nada grave — ela respondeu, esperando que ele
acreditasse. Não se atrevia nem a pensar no que aconteceria se
Roberto descobrisse que o casamento podia ser cancelado.
Liane vinha se sentindo feliz como nunca, e ver aquela felicidade
cortada tão brutalmente era mais do que ela podia aguentar.
Talvez tivesse esperado demais. Devia saber que Marcello a estava
usando. Ela estivera cega porque o amava muito e tinha visto nele
sua única chance de felicidade.
Marcello podia ser extremamente atraente, quando queria, e aqueles
últimos dias provavam isso. Ele tinha resolvido conquistá-la e
conseguira seu objetivo. Se não fosse Raffaele, o casamento aconte-
ceria dentro de pouco tempo.
Naquele dia, Liane não viu Marcello nem Raffaele. De certa forma,
sentiu-se aliviada, mas, por outro lado, queria saber o que estava
acontecendo entre eles.
Roberto respeitou o desejo dela de não discutir o que tinha aconte-
cido, mas Liane sabia que ele estava preocupado e fez de tudo para
parecer o mais natural possível.
Na manhã seguinte veio a surpresa: Raffaele tinha partido. Mas a
novidade não ajudou em nada. Marcello deu a notícia durante o café.
Roberto balançou a cabeça como se já soubesse que aquilo ia
acontecer e voltou para o quarto.
Parecia que ela e Marcello eram estranhos novamente. Sentado à
mesa, tomando café, ele lia o jornal da manhã e nem olhou para
Liane.
Estaria tudo terminado? A consciência de Marcello tinha falado
mais alto? Talvez ele nunca a tivesse amado; tudo não tinha passado
de um jogo, um meio de atingir um objetivo.
Mais tarde, quando. Roberto sentou-se na varanda, pensativo, Liane
percebeu que ele estava preocupado e sentiu que lhe devia
um; explicação,
— Pensei que Marcello me amava. Desculpe, Roberto, eu estava
enganada. Não posso casar com seu filho.
— E o que a faz pensar que ele não a ama?
— Tenho uma confissão a fazer. Contei a Marcello que você poderia
tirá-lo do testamento se não casasse logo.
— E acha que ele quer casar com você por esse motivo? Ela fez que
sim, com ar triste.
— Meu filho não é um interesseiro. Ele chegou até aqui sem casar. E
tenho certeza de que não casaria agora, se não tivesse encontrado a
mulher certa.
— Então por que você colocou aquela cláusula no testamento?
— Para apressá-lo. Eu sabia que você ia contar a ele, mais cedo ou
mais tarde, e fiquei contente ao ver que o tinha feito tomar uma
decisão. Agora acho que estava errado. Vocês dois são um par de
idiotas! Marcello ama você, eu sei disso. Eu vejo como ele olha para
você, como fala sobre você. . . Não sei o que a faz pensar que ele
casaria simplesmente para herdar os negócios.
— Talvez não seja por causa disso. Ele pode estar fazendo isso por
você. Sabendo que nos quer ver juntos. , . E mesmo amando-o .
quanto o amo, Roberto, não quero casar com um homem dessa
forma. — Nem eu quero que case assim, garota. Esta é a última
coisa que quero que aconteça. Por que você não pergunta a ele?
Precisa ser capaz de faiar disso. Não esconda seus sentimentos,
minha pe-quena Liane, Quero que você seja feliz. Quero ver vocês
dois felizes e estou convencido de que foram feitos um para o outro.
— Entendo. Se houver oportunidade...
— Você precisa criar a oportunidade- Não deve adiar mais. Quer que
eu fale com ele?
— Não. Eu falarei com ele. Roberto, quando... quando tiver
chance.
Alguns dias se passaram .e Marcello continuou tratando-a
com indiferença, até com desprezo. Ela sentiu que estava se
desesperando. Foi Roberto quem lhe deu a oportunidade de falar. O
jantar tinha sido desagradável, com Marcello e o pai falando de
negócios e Liane comendo em silêncio tentando fingir que estava
tudo bem.
Mas estava chegando ao fim de suas forças e Roberto sabia disso.
Durante todo o jantar, ele a tinha olhado preocupado e, antes de
sair da sala, disse a Marcello:
— Acho que Liane tem algo a lhe dizer, Preste atenção, meu fifho.
Esta pode ser sua última chance.
— Do que se trata? — ele perguntou, depois de o pai sair, Durante
alguns segundos, Liane ficou em silêncio, com os olhos
no prato, sem saber como começar.
— Pelo amor de Deus! Quer falar ou não? Se não quer, já vou
saindo. Tenho um encontro com Luísa.
A coragem de Liane quase desapareceu. Achava que Luísa tinha
desaparecido da vida dele.
— Seu pai está muito infeliz porque não vamos casar.
— E eu não sei disso? Mas de quem é a culpa?
— Está tentando dizer que é minha? — Claro. Não é de mais
ninguém.
— Você não pode me culpar. . . se está, . . se está me usando. , .
— Usando? Do que está falando?
— Você quer casar comigo só para não perder a herança.
— É isso o que você pensa? Ela fez que sim.
— Então, muito obrigado, Liane. A verdade dói, mas eu não ima-
ginava que doesse tanto. E se eu lhe dissesse que pretendia casar
comigo só para garantir seu futuro?
Liane arregalou os oíhos. assustada.
— Claro que não! Quem pôs essa idéia na sua cabeça?
— Raffaele.
— E acreditou nele?
— Não vi razões para não acreditar. Ele disse que, como eu a amava,
você poderia fingir me amar também. Disse que eu a atraía
fisicamente e mais nada.
— É mentira! Tudo mentira!
— Nesse caso, por que resolveu me perguntar por que eu ia casar
com você? Se me amasse, teria confiança, não sentiria a
menor dúvida.
— Foi Raffaele — ela disse lentamente, e de repente começou a
entender. Raffaele? Ele estava no meio de tudo aquilo. Tinha delibe-
radamente resolvido colocar um contra o outro.
Os olhos de Marcello estavam ainda mais penetrantes.
— Raffaele disse que eu ia casar com você só para herdar os
negócios de meu pai?
Ela fez que sim, o que deixou Marcello mais zangado ainda.
— Eu devia ter percebido que ele não ia hesitar diante de nada para
colocar as mãos na herança de meu pai, no dinheiro...
— Mas.. . ele me disse que já tinha desistido dessa idéia, que tinha
entendido que não podia administrar tudo...
— Tudo mentira! Ele e meu pai estavam discutindo como administrar
as empresas.
— Mas Roberto ainda espera que você e eu...
— Eu sei. Ele nunca desistiu dessa idéia, mas pensava em Raffaele,
se as coisas não dessem certo entre nós.
— Pena que elas não deram — Liane murmurou, e sentiu lágrimas
nos olhos.
Marcello olhou-a durante um longo tempo.
— O que eu quero saber é por que concordou em casar comigo se
não era por causa do dinheiro.
Como poderia dizer que o amava, quando era evidente que ele não
sentia nada por ela?
— Foi por causa de Roberto — ela mentiu. — Não aguentei vê-lo tão
infeliz.
— Eu devia ter adivinhado. Mas vou pensar numa maneira de
impedir Raffaele de agarrar tudo.
— Você podia tentar, dizendo a Liane o que pensa realmente
dela. — Roberto entrou na sala, parecendo aborrecido. — Estive ou-
vindo o que vocês dois, seus estúpidos, estavam conversando. Pelo
amor de Deus, por que não dizem a verdade?! Diga que a ama,
Marcello, ou quer que eu diga isso por você?
— E de que ia adiantar?
Roberto sacudiu a cabeça impaciente.
— Porque, seu idiota, Liane o ama também, apesar de ser teimosa
demais para admitir isso.
Durante um momento, surgiu um brilho de esperança nos olhos de
Marcello.
— É verdade, Liane?
Ela fez que sim, timidamente.
Um sorriso iluminado surgiu no rosto dele. Pulou da cadeira e a
tomou nos braços.
Discretamente, Roberto saiu da sala,
— Minha Liane, por que não me disse? — Os lábios de Marcello
encontraram os dela, seus braços a abraçaram com tanta força que
ela sentiu as costelas estalarem. — Você nem imagina o que eu
passei.
— Eu também — ela murmurou, enquanto suas lágrimas se mis-
turavam aos beijos dele.
Suavemente, ele lhe limpou o rosto.
— Não chore, querida, tudo vai dar certo. Eu a amo tão deses-
peradamente que sinto até medo. Raffaele e eu tivemos outra briga e
eu lhe dei novamente um soco.
— Foi por isso que ele foi embora? Marcello fez que sim com a
cabeça.
— Não foi muito bonito. E não me fez nenhum bem. Não pude deixar
de acreditar que ele tinha dito a verdade. Como um homem pode ter
pensamentos tão diabólicos?
— Ele magoou a nós dois. Acho que devemos agradecer a seu pai.
Se não fosse ele. ..
— Ainda não consigo acreditar em minha boa sorte. — Marcello
começou a acariciá-la sensualmente e ela achou cada vez mais difícil
se concentrar no que ele estava dizendo. — Quando você descobriu
que me amava?
— No dia em que você me levou a La Maddalena. De repente, você
descobriu o que seu pai pretendia em relação a nós e ficou
horrorizado. Não sabe o quanto me magoou com aquela atitude!
— Minha querida Liane! Você entendeu tudo errado. Eu fiquei
chocado, sim, mas não porque não quisesse casar com você. Dio, eu
queria isso há muito tempo! Foi a astúcia de meu pai que me chocou.
Não conseguia entender por que ele queria nos ver casados. Sabia
que ele gostava de você, mas não que a via como a uma nora. Como
fui idiota!
Liane estava cheia de amor e ternura. Acariciou-o no queixo gen-
tilmente, estendendo a carícia até os lábios dele, depois ao nariz.
— Se você me amava, por que não me contou?
— Tive medo, minha querida. Você me disse tantas vezes que me
odiava. . .
— Porque você me tratava de um modo horrível. Você me humilhou,
fez com que eu sentisse que não era bem-vinda aqui. Odiei você por
causa disso,
— Foi uma defesa contra meus próprios sentimentos, Acho que me
apaixonei por você no momento em que a vi, naquele orfanato. Só
que não queria amar você. Você não era meu tipo.. . pelo menos era
o que ficava dizendo a mim mesmo.
— E agora?
— Você me conquistou. A cada dia que passava, eu percebia que me
apaixonava mais e mais e não podia controlar isso. O amor me fez
seu prisioneiro, Liane. Eu pertenço completamente a você.
— E eu a você. Afinal, acho que Roberto vai ver os netos.
— Era isso o que ele queria? Ela confirmou.
— Você parece ter tido uma conversa muito séria com meu pai. —
Ele é um homem maravilhoso. Me entendeu e entendeu você
também, muito mais do que imagina.
— Talvez, se eu tivesse tido uma conversa com ele, teria descoberto
há muito tempo que você me amava, sem ter enfrentado esses
problemas. Que perda de tempo!
— Está tentando me dizer que se arrepende das horas que passou
comigo?
Marcello beijou-a de novo.
— Nada disso, minha querida. Agora não vamos mais perder
tempo, Liane; não podemos desapontar papai.
— Ele ficará desapontado, se não o chamarmos para dizer que tudo
está simplesmente maravilhoso.
— Conhecendo meu pai, aposto que ele ficou ouvindo tudo o que
dissemos.
Sorrindo, Roberto entrou na sala.
— E não me pode culpar de nada, meu filho. Você pode saber como
administrar meus negócios, mas não sabe administrar sua vida.
— Acho que de agora em diante vou administrar tudo muito bem, —
Marcello apertou Liane com mais força e sorriu para ela, um sorriso
lindo e íntimo.
— Mas há outra coisa que você precisa fazer — ela disse. —
Lembro que você tinha um encontro, esta noite.
— Luísa? Oh, não. Ela já está fora de minha vida. Eu só disse aquilo
porque não queria conversar com você. Tive medo, minha pequena
Liane, medo de demonstrar meus sentimentos.
— Acho que ainda não o compreendo Marcello. Você ainda é um
estranho, em certos aspectos.
— Mas isso pode ser corrigido. Nenhum de nós confiou no outro, mas
esta fase agora já acabou. No futuro, não teremos segredos. Você é
minha e eu quero saber o que pensa em cada segundo do dia.
— E das noites? — ela perguntou ternamente, esquecendo do
pai dele naquele momento.
— Isso acontecerá quando você pertencer a mim completamente.
— Para sempre — ela murmurou, olhando-o com ar de adoração.
Depois os dois se viraram e incluíram Roberto no abraço.
Os olhos de Roberto estavam úmidos pelas lágrimas.
— Em seu amor, Liane — ele disse —, eu encontrei minha
felicidade.

FIM

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