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Dolores Esmeralda T.S.

Marcon

Papai entrou no meu quarto e disse, sem qualquer rodeio:


— Te prepara, guri. Amanhã vais perder o cabaço.
Dali a poucas horas, quando o relógio da sala rompesse a meia-noite, eu completaria 17
anos. Papai explicou que seria ruim me ver chegar aos 18 ainda virgem. Não conversávamos sobre
o tema, havia a distância natural que as gerações impõem, além da personalidade marcante de papai,
que sempre inibia os mais tímidos.
Então como ele poderia saber que eu ainda não conhecia o sabor da vida por completo?
Papai sentou na minha cama e explicou que essas coisas brotam dos olhos da gente contra a
nossa vontade, como lágrimas holográficas que pudessem formar cenas reveladoras, trazendo à luz
teu segredo mais oculto. Papai gostava de ler livros de física e de poesia.
— Tá tudo acertado — ele disse, e ao se levantar vi que a colcha da cama estava repleta das
cinzas do seu cigarro. — Tua festa de aniversário vai ser na curva da zona. Pode convidar uns
amigos, se quiser. Depois me deu um beijo no rosto e fechou a porta.
Eu não me importava muito com a questão. Quero dizer, de certa forma aquilo me
constrangia, mas acho que lidava bem com esse marco existencial ainda desconhecido. Nas festas,
nos passeios com amigos, nas conversas com a turma no recreio, eu ficava calado durante o relato
das experiências de caras mais novos que eu. E tentava me tranquilizar: cedo ou tarde, terei minha
vez. Eu já tinha chegado muito perto do sexo. Só me faltava o gran finale.
Que chegou na noite do meu aniversário. Papai apareceu no quarto com seu terno cinza
completo, colete e tudo, gravata borboleta e uma cigarrilha Vedette de piteira branca. Calçava
mocassins pretos reluzentes, de fivelas prateadas.
— Negra — ele gritou para mamãe no quarto — vou levar o guri pra comer um xis ali no
Komilão.
No Maverick ele perguntou se eu tinha convidado algum amigo. Respondi que não e ele
acelerou fundo pela cidade, os postes com suas velhas fluorescentes passavam rápido pelo para-
brisa e papai não parava de falar, contando sobre suas aventuras juvenis e que o vô Batata o fizera
conhecer o mesmo lugar em que estávamos indo, só que quando ele tinha 16. Quando chegamos na
boate Cuba Libre, papai foi recebido com abraços efusivos pelo segurança que ficava na porta e
tinha um tchaco na cintura, além do 38. Naturalmente fiquei um pouco atrás. Papai pegou leve, mas
decidido, no meu braço.
— Vem, guri, não te mixa.
E trovejou para o cafetão, que nos recebeu lá dentro:
— Quedêle a Dolores?
O cara, um balofo imenso que tinha uns três queixos, disse que Dolores estava atendendo.
Papai se mostrou contrariado, explicando sobre a reserva especial para a ocasião. Meu rosto ardia.
— O senhor sabe que namorado tem preferência — disse o balofo.
Dolores Esmeralda. Nunca soube ao certo a idade que Dolores tinha naquela noite. Ainda
posso sentir seu perfume adocicado, espesso e quente e avassalador como o hálito dos dinossauros,
compondo um quadro aromático singular com o suor que exalava dos seios gigantescos, montanhas
flácidas de carne sardenta percorrida por tantos aventureiros.
Mas ali, na mesa com papai, enquanto esperávamos o namorado de Dolores saciar sua
espada, eu ainda não sabia nada disso. Ainda não conhecia os encantos de Dolores Esmeralda. Papai
pediu uma cuba ao garçom. Eu uma cerveja Pérola. Minutos que pareciam séculos alongavam a
expectativa. Papai gargalhava, entre um gole e outro e o aperto na coxa de uma mulata que parecia
lhe conhecer há tempos.
Ao longe, sob as camadas de fumaça, um retângulo de luz macia se fez notar. A porta do
quarto de Dolores se abriu. Papai me olhou sério e alcançou seu copo. Nada disse. Tomei um gole
de cuba que, de tão gelado, fez doer algum ponto indefinido da parte superior do crânio. Limpei a
boca com as costas da mão, abandonei a mesa e rumei para o quarto de Dolores.

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