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O MUNDO DE

QUEM NÃO LÊ

ENTREVISTA

Fabiano Caruso
por Emilia Sandrinelli
e Rodolfo Targino (Che)

OPINIÃO

Múltiplas mediações da informação


por Jonathas Carvalho

(Des)valorização profissional sem


debate
por Rodolfo Targino

ARTIGOS

Procrastinação não é lerdeza


por Moreno Barros

Foursquare em bibliotecas públicas


por William Okubo

Empresas júnior de biblioteconomia


1
por Samuel Alves Monteiro Monteiro
A N O 3 – N. 4 - A B R. 2 0 1 3 – I S S N: 2 2 3 8 – 3 3 3 6

S U M Á R I O E XP E D I E N T E
ARTIGOS EDITOR CHEFE

Chico de Paula
Procrastinação não é lerdeza
4 por Moreno Barros EDITORA EXECUTIVA

Foursquare em bibliotecas públicas Emilia Sandrinelli


7 por William Okubo
EDITORA DE CRIAÇÃO
Empresas júnior de biblioteconomia Hanna Gledyz
9 por Samuel Alves Monteiro Monteiro

EDITOR ADJUNTO
Noites Urbanas
11 por Mara Vanessa Torres Rodolfo Targino
REVISORES:

REPORTAGENS Isis Brum


Vanessa Souza
13 O mundo de quem não lê, por Thiago Cirne

17 Video Games e Bibliotecas, por Emilia Sandrinelli COLABORADORES FIXOS:

Thiago Cirne
Adriano da Silva
ENTREVISTA
Fabiano Caruso, CHARGISTA
20 por Emilia Sandrinelli e Rodolfo Targino (Che) Aldo Henrique

COLUNISTAS:
OPINIÃO Agulha
COLUNA DO AGULHA3AL
Cássia Furtado
26 O alcance de nossas ações não pode ser quantificado Claudio Rodrigues
COLUNA DO JONATHAS CARVALHO Janda Montenegro
29 Múltiplas mediações da informação Jonathas Carvalho
COLUNA DA SORAIA MAGALHÃES Ronison Laeber
31 Além da imaginação e o “tempo suficiente” Soraia Magalhães
COLUNA DO CLÁUDIO RODRIGUES
34 Bajular com categoria
COLABORARAM NESTA EDIÇÃO:

EMILIA SANDRINELLI Mara Vanessa Torre


36 Lobos na Biblioteca
Moreno Barros
RODOLFO TARGINO (CHE) Samuel Alves Monteiro Monteiro
38 (Des)valorização profissional sem debate
William Okubos

WWW.BI BLIOO.IN FO
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APRISIONADAS ESTÃO NOSSAS MENTES
por Emilia Sandrinelli

O mês de abril começou com uma notícia triste sobre o assassinato de um jovem de 19
anos por outro de 17 anos. O episódio trouxe a tona o debate sobre a maior idade penal
de uma maneira assustadora. Sem discutir o que leva crianças e adolescentes ao crime,
pessoas ficam sentenciando como em um bingo que idade acham adequada para se
prender alguém: 16!, 14!, 12!... 10! gritam alguns.

A situação dos menores infratores é, como todas as outras questões sociais, o resultado
de inúmeras mazelas cultivadas ao longo dos anos em uma sociedade injusta e desigual.
O projeto de lei entregue ontem pelo governador Geraldo Alckmin (que consta de
propostas para endurecer as punições previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente
- ECA) dificilmente solucionará o problema de segurança, enquanto outras áreas como
educação e saúde não recebem a devida atenção.

Embora as mais diversas ideias estejam voltadas para a reforma do Capítulo IV da


ECA, que dispõe sobre as possíveis punições para “a prática de ato infracional”, seu
título “Das Medidas Sócio-Educativas” pouco aparece nas discussões como medida para
possibilitar reintegração do infrator à sociedade e de escolhas melhores no futuro.

Assegurar a segurança da população é tão prioritário quanto assegurar direitos


fundamentais a menores carentes e/ou abandonados para que não só eles não acabem
obrigados a se voltar para crime, como também eles tenham enfim a oportunidade de ter
uma infância e vida adulta digna, como os outros cidadãos. Afinal, como dispõe o artigo
4 do capítulo I do Estatuto da Criança e do Adolescente:

“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder


público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.”.

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PROCRASTINAÇÃO
NÃO É LERDEZA
OU COMO GANHAR O TEMPO E PERDER A VIDA
por Moreno Barros

Irmãos, quero deixar meu testemunho. poderiam ser consideradas “dentro do tempo”. Quase
tudo tem de chegar a algum momento desesperador
Eu inicio todos os meus dias bem cedo no para eu finalmente tratar de resolvê-lo. Como quando
computador do trabalho, eliminando todas as tarefas esperei até o último dia possível para apresentar a
pendentes: emails de usuários, pedidos de artigos, minha tese de doutorado, a declaração do imposto de
inscrições de alunos, etc. Logo depois me concedo renda ou a renovação do contrato de aluguel, tendo
uma merecida pausa. E é o fim. O fim de qualquer tido três anos, três meses e três semanas
produtividade. Eu acabo clicando em alguma coisa na respectivamente de prazo de entrega. No final, levou
internet, em seguida tenho que ir para o meu segundo cerca de 1 mês, 1 dia ou 1 hora pra resolver a
emprego, voltar para casa para as atividades pendência, mas evidentemente que eu precisava estar
domésticas, limpar, lavar louça, então assistir a um prestes a ser jubilado, preso ou despejado a fim de
pouco de futebol na tv, em seguida tentar trabalhar de fazê-lo.
novo e então me distrair novamente. Daí resolvo
esperar até depois do jantar para escrever algumas Que os meus contratantes não pensem que sou um
coisas, então começo a ler emails, já passa da meia exemplo da falta de ética no trabalho. Eu realizo
noite e finalmente, decido recomeçar no dia seguinte minhas tarefas. Eu simplesmente evito as tarefas
um pouco mais cedo. Tenho esperanças e planos de importantes. Crio trabalho secundários para que eu
resolver as pendências no final de semana, mas olho não tenha que confrontar as coisas que realmente
no relógio, já são 22:39h de domingo e percebo que importam.
perdi. Quem nunca?
As coisas importantes são legadas a segundo plano,
Não sou preguiçoso. No entanto, eu demonstro um pelo menos não antes das minhas tendências para a
consistente falha em trabalhar com minhas tarefas do procrastinação criarem uma consequência óbvia e
dia-a-dia, recados e projetos de qualquer maneira que iminente por não fazê-las: ter que pagar uma multa

4
por atraso na biblioteca, deixar alguém decepcionado Ultimamente tenho sofrido com uma constante
ou ser demitido, por exemplo. sensação de que existe "algo mais" que eu deveria
estar fazendo. Se eu não estivesse fazendo o que
Eu convivo com esse retardamento de produtividade faço, eu estaria fazendo algo muito melhor.
por muitos anos, mas só recentemente me ocorreu
que não se trata da constante falta de tempo. Depois A maneira como as outras pessoas (a maioria) fazem
de pesquisar um pouco na biblioteca, ficou claro pra algumas coisas me deixa irritado, tudo é sempre
mim que eu tenho um problema de procrastinação. muito lento, muito míope, não resolvendo o problema
Também aprendi que procrastinação não é causada real. Torna a minha vida difícil, porque estou
por lerdeza ou desorganização, mas por questões perdendo tempo fazendo e refazendo as mesmas
psicológicas mais profundas. coisas, ou discutindo e rediscutindo tudo, para
resolver o mesmo problema que eu resolvi milhões
De acordo com as leituras de aeroporto que fiz e os de vezes antes.
TED talks que assisti, a procrastinação não é
tipicamente uma função de preguiça, apatia ou O conselho que me é tradicionalmente dado é o
ausência ética no trabalho, como pode muitas vezes “deixa pra lá” ou me tornar um mercenário em
considerada. É um comportamento neurótico de auto- relação ao problema. "Não é a sua
defesa que desenvolvemos para proteger nosso senso biblioteca/empresa/projeto", "faça o seu melhor,
de auto-estima. A ideia é evitar começar qualquer receba sua grana, não precisa se importar". É um
coisa, porque terminar e enviar certos trabalhos conselho que nunca adoto. Porque mesmo que eu não
significa o mesmo que sujeitar a si próprio (e não me importasse com o trabalho, eu ainda estaria
apenas seu trabalho) à provações. E quem gosta de desperdiçando meu tempo trabalhando nele. Eu
ser provado e reprovado? deveria estar fazendo coisas incríveis e não estar
distante delas por causa das decisões erradas de
Mas na vida real não posso simplesmente evitar fazer outras pessoas.
as coisas. Tenho que ganhar a vida, pagar meus
impostos, ter conversas difíceis às vezes. A vida E se apenas fosse um problema nas bibliotecas: o
humana requer o enfrentamento ao risco e à sistema de transporte público é uma merda porque
incerteza, de modo que a pressão aumenta. me atrasa de fazer coisas incríveis. Tempo para as
Procrastinação oferece às pessoas uma sensação pessoas chatas me aborrece porque eu poderia estar
temporária de alívio a partir desta pressão de "ter que fazendo coisas incríveis. “Não fazer nada” por um
fazer" as coisas, se transformando em um dia me confunde, porque eu deveria estar fazendo
comportamento auto-gratificante. Por isso, continua a coisas incríveis.
ser o caminho normal para responder a essas
pressões. Se você está errado sobre alguma coisa, e eu tenho
que perder meu tempo dizendo como e por que você
Irmão, se você procrastina no trabalho e na vida, eu está errado, você está tirando meu tempo precioso.
te entendo.

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Irmão, não me faça perder meu tempo. Eu poderia
estar fazendo coisas incríveis se não perdesse o Me desculpem pelo pessimismo, egocentrismo,
tempo que perco. niilismo.
........
Só consigo pensar agora nO tempo, de Mario
Tudo muito bom, tudo muito bem, exceto que eu não Quintana.
tenho nada melhor para fazer.

Eu não tenho ideias brilhantes. Não tenho uma O tempo


perspectiva nova e surpreendente que resolva todos A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
os problemas da biblioteconomia. E mesmo que eu
Quando de vê, já é sexta-feira!
tivesse, não é provavelmente mais importante do que
Quando se vê, já é natal...
o que eu já tenha feito ultimamente. Eu imagino que Quando se vê, já terminou o ano...
eu ficaria entediado em reuniões sobre o progresso da Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
biblioteconomia, porque eu deveria estar Quando se vê passaram 50 anos!
construindo-o. Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava
o relógio.
Então a procrastinação me protege das coisas
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a
importantes que eu deveria estar fazendo, mas não
casca dourada e inútil das horas...
tenho nada importante para fazer. E a procrastinação Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o
acaba com o tempo que eu preciso para, bem, amo...
procrastinar. Me confundi. E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à
falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser
Uma das coisas que me intriga é como eu e muitas
feliz.
outras pessoas são capazes de passar horas no
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente,
facebook, gastando tempo. A mim sempre pareceu
nunca mais voltará.
que a internet em geral fosse como uma grande visita
ao museu: uma obra de arte a cada passo. Uma
espiral de consumo de tempo.

Os críticos dizem que a internet é cheia de bobagens,


como harlem shakes, gatos, rafinhas bastos e MORENO BARROS é
discussões sem sentido. Mas se se tudo é tão bobo bibliotecário do Centro de
assim, por que perdemos as horas que perdemos Tecnologia da UFRJ.
imersos naquele ambiente? Não temos nada melhor a Graduado pela UFF, mestre
fazer? em Ciência da Informação pelo IBICT e
doutorando em História das Ciências na UFRJ.
Irmãos, quem sou eu pra julgar?

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FOURSQUARE EM
BIBLIOTECAS PÚBLICAS
COMETÁRIOS QUE SERVEM PARA IDENTIFICAR O QUE UMA BIBLIOTECA TEM DE BOM.
por William Okubo

“Os perdedores lançam websites certamente também podem servir para identificar o que
Os vencedores lançam comunidades vibrantes uma biblioteca tem de bom e o que precisa ser
Os perdedores constroem jardins murados melhorado ou implantado a partir dos elogios, críticas e
Os vencedores constroem praças públicas sugestões postados pelos freqüentadores.
Os perdedores inovam internamente
Os vencedores inovam com os seus utilizadores” Como bom maníaco por trabalho, ao entrar no site do
Tapscott & Williams. How Mass Communication Changes Foursquare depois da leitura do artigo fui direto para a
Everything área de pesquisa e comecei a digitar nomes de
bibliotecas públicas (claro!) e centros culturais. Depois
de clicar aleatoriamente em várias bibliotecas, foquei a
Para começar, informo que utilizo a rede social avaliação em alguns espaços que já conhecia, é
Foursquare no meu tablet, mas ainda não havia pensado interessante descobrir que minhas impressões não são
em como ela pode ser utilizada no contexto das muito diferentes da maioria dos usuários que postaram
bibliotecas e, muito menos, havia entrado no site e seus comentários, tanto que consegui identificar
pesquisado os locais frequentados pelos usuários. Só algumas dessas impressões semelhantes (lembro que a
agora ao ler artigo na Revista da ACB (revista da ótima coleta não foi feita de forma científica) em relação a
Associação Catarinense de Bibliotecários!) é que caiu a alguns espaços:
ficha do uso desta ferramenta em bibliotecas.
- Não vi uma crítica à Biblioteca de São Paulo,
Além do fato de divulgar um local para seus amigos inaugurada em 2010, é a biblioteca pública mais nova
que é o objetivo principal da rede e o uso dela como na cidade de São Paulo (só perde em idade para as
"diferencial estratégico em marketing", como proposto bibliotecas das Fábricas de Cultura, projeto que também
Jorge Prado em seu certeiro artigo, vislumbro também a é do governo do Estado). Claro que essas avaliações
possibilidade de análise dos comentários que não demonstram perfeição, mas o seu jeitão moderno

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impressiona tanto que só uma análise mais aprofundada infelizmente terá de fazê-lo não de forma tão moderna
detecta suas falhas e caminhos de evolução; como é disponibilizado pela Biblioteca de São Paulo,
por exemplo)
- Os espaços e principalmente os acervos das 2) o calor no espaço Circulante - área de empréstimos
bibliotecas do Centro Cultural São Paulo, foram de livros e estudos - onde por decisão de escopo
elogiados, bem como todo o "arsenal" de serviços ali econômico (seria preciso mais um chiller, equipamento
disponíveis, e claro, se manifestou um pouco de que custa uns R$500.000,00 + mais instalação) e erro
preconceito típico do paulistano contra os freaks; de cálculo dos arquitetos (onde se acumula vidros sob o
sol o calor tende a aumentar) um sistema de ar
- Os elogios à programação do Centro Cultural da condicionado ou circulação de ar frio não foi
Juventude demonstram que é um espaço "em implantado após a reforma encerrada em 2012.
construção", foi inaugurado em 2006, cuja programação
tem idéias bacanas e busca uma aproximação com a Enfim, fica claro que dados de uma rede social ainda
cultura periférica do bairro onde está instalado no não muito disseminada como o Twitter ou o Facebook,
famoso bairro da Brasilândia (nasci ali, por sinal), na podem trazer dados que não exigem grande esforço para
zona norte de São Paulo; coleta, muito pelo contrário, a partir da postagem
autônoma dos usuários, de forma rápida e fácil, através
- A Biblioteca Nacional é elogiada, mas o problema de de uma consulta semanal ou mensal, os bibliotecários
preservação e do ar condicionado que a imprensa gestores podem identificar pontos fortes e fracos dos
informa são vistos a olhos nus por quem a visita; equipamentos onde desenvolvem suas atividades, e
como são dados provenientes da sociedade, podem
- Pesquisei várias outras bibliotecas, mas o número de constar em seus relatórios de gestão, e ser utilizados
check-ins ainda são pequenos, casos das Bibliotecas como argumentos para resolver com mais rapidez
Parques de Manguinhos e Rocinha, Biblioteca Monteiro problemas e detectar acertos e prospectar novos
Lobato, a de Guarulhos, Bibliotecas Viriato Correia, serviços demandados pelos usuários ou visitantes destes
Hans Christian Andersen, Alceu Amoroso Lima e espaços de cultura e educação.
Mário Schemberg (essas últimas são todas bibliotecas
municipais de São Paulo);

- Por fim, não poderia deixar de pesquisar a Biblioteca


Mário de Andrade. A análise dos comentários
demonstrou que uma pesquisa com o público realizada
meses atrás foi representativa, pois vários comentários WILLIAM OKUBO é graduado
em Biblioteconomia pela Escola de
positivos e negativos aparecem também no Foursquare.
Comunicações de Artes da
As duas reclamações recorrentes que li sobre a Mário Universidade de São Paulo. Atua
de Andrade e a explicação de quem tem algumas há 11 anos em Bibliotecas Públicas
e atualmente trabalha na Biblioteca
informações vão a seguir: Mário de Andrade, e tem
1) a falta de Wi-Fi (digo que a Biblioteca está em briga passagens pela Biblioteca Infantojuvenil Monteiro
Lobato e pelo serviço de Ônibus-Biblioteca da cidade
com a PRODAM para colocar em funcionamento, e
de São Paulo.

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EMPRESAS JÚNIOR
DE BIBLIOTECONOMIA
O EMPREENDEDORISMO ACADÊMICO AMPLIANDO MERCADOS
por Samuel Alves Monteiro Monteiro

A Empresa Júnior, é um movimento estudantil A existência de empresas júnior na área de


surgido em universidades francesas, cujo objetivo Biblioteconomia é recente, sendo a considerada a
é o de congregar estudantes com um mesmo primeira experiência formalizada, datada do ano
interesse em desenvolver os conceitos e estudos de 2004 quando um grupo de estudantes de UFSC
apreendidos em sala de aula, aplicando-os (Universidade Federal de Santa Catarina),
antecipadamente ao mercado de trabalho futuro. É fundaram a Biblio Junior. Porém existem outras
gerenciada essencialmente por estudantes empresa juniores, como a CGI (Consultoria para
universitários que realizam projetos e prestam Gerência da Informação) formada por alunos de
serviços em suas áreas de graduação, Biblioteconomia e Ciência da Informação da
principalmente para micro e pequenas empresas. UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais);
Não tem finalidade econômica e pratica preços a empresa júnior da UFSCar (Universidade
abaixo do valor de mercado, todos os seus projetos Federal de São Carlos), a EGID Jr., empresa
e serviços seguem a orientação de professores ou júnior formada por alunos do curso de Gestão da
profissionais na área, com o objetivo de sempre Informação e Documentação da UNESP
garantir um padrão de qualidade elevado. Segundo (Universidade Estadual Paulista), dentre outras
a confederação brasileira de empresas júnior, a empresas.
Brasil Júnior, existem cerca de 1,2 mil empresas
no país, que se posiciona na liderança mundial em A presença do movimento de empresas júnior está
empresas juniores. concentrado fundamentalmente nas regiões sul e
sudeste do país, porém, o interesse por esse
9
movimento influenciou a região Nordeste, profissional é de sobremaneira indispensável à
resultando na criação da primeira empresa júnior formação dos estudantes, além de proporcionar de
oficialmente formalizada dessa região, cuja forma direta, a valorização do papel do
denominação se afirma como AGIR Consultoria bibliotecário na sociedade.
Jr. – Empresa Junior de Biblioteconomia da
Universidade Federal do Ceará - campus Cariri,
situada na cidade de Juazeiro do Norte, interior do
estado do Ceará. A AGIR surgiu a partir
inquietude de estudantes do curso de
Biblioteconomia que visualizaram a necessidade
da prática nas aulas do curso, além do interesse em
ampliar o mercado de trabalho do bibliotecário
nessa região do país.

A diversidade de serviços prestados por essas


empresas partem desde os serviços base da
atividade bibliotecária, até serviços considerados
mais aprofundados da práxis bibliotecária, que
exigem um maior conhecimento do prestador, no
caso dos estudantes. São serviços como
normalização de trabalhos acadêmicos; consultoria Samuel Alves Monteiro
em implantação, organização e gestão de Monteiro é graduado em
bibliotecas; consultoria em gestão da informação; Biblioteconomia pela
elaboração de tesauros; catalogação de materiais, Universidade Federal do Ceará
dentre outros serviços que permeiam as ações das (UFC) – campus Cariri. Mestrando em Ciência da
empresas juniores na área de Biblioteconomia. Informação pelo programa de pós-graduação em
Ciência da Informação da Universidade Federal da
O fruto das ações das empresas juniores de Paraíba (UFPB). Atua nas áreas de administração
Biblioteconomia podem ser aferidos pela estratégica da informação com interesse temático
influência delas na vivência acadêmica e em gestão da qualidade, gestão de unidades de
profissional dos estudantes que participam desse informação e bibliotecas universitárias.
movimento. O enriquecimento pessoal e

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NOITES URBANAS
DANIEL PIZA, UM HOMEM QUE PROVOU SER FEITO DE ESSÊNCIAS
por Mara Vanessa Torres

Alguns livros e autores são traduções de seu tempo. sonhos que ainda não se perderam, lembranças,
Algumas vezes, eles ficam escondidos ou não são impressões e reflexões para o futuro. Das 28
reconhecidos em um momento imediato. Mas o histórias, 10 são contos inéditos (em sua maioria) e
tempo, senhor dos destinos e criador de nossas 18 são minicontos publicados na coluna Sinopse,
histórias, tem provado que seu dedo em riste ainda é que o jornalista assinava no O Estado de São Paulo.
um divisor de águas na compreensão do homem Daniel Piza adotou o estilo indireto livre, mesclando
sobre si mesmo. E é com enorme alegria que leio e primeira e terceira pessoas, sempre tateando entre o
releio as obras do saudoso jornalista Daniel Piza, um que é real e o que é sugestionável. A leitura de
homem que provou ser feito de essências, e não de 'Noites Urbanas' é como andar no escuro dentro de
instantaneidades. Tive o prazer de conhecê-lo e uma casa desconhecida, com medo crescente de
registrar esse momento tão especial, assim como derrubar algum vaso ou topar em algum móvel.
tenho tido o vigor renovado em ter suas publicações.
De todas as histórias, destaco a excelente "Educação
"Noites Urbanas" (editora Bertrand Brasil, pág. pelo outono", publicada anteriormente no livro
176), é o décimo sétimo livro de Daniel em uma "Contos para ler ouvindo música" (2005,
carreira de quase vinte anos. A obra traz 28 contos organização de Miguel Sanches Neto, editora
que têm como plano de fundo a cidade de São Paulo Record), com a emocionante vivência de Suzana,
e a relação conflituosa que os paulistanos de fato e uma garçonete "ambígua", pois está em um lugar e
os de coração nutrem pela cidade. Em meio ao caos ao mesmo tempo não está. Ao ler o conto, me
do trânsito, poluição, correria, falta de educação, identifiquei bastante com a protagonista e fiquei
indiferença e frieza, milhares de luzes criativas, pensando em quantas vezes eu tive (e ainda tenho)

11
que deixar o meu corpo em um espaço físico e vagar história de amor que se baseia em "fugas, e não em
com minha mente, alma e coração para outro. Vale a fatos".
pena ler o conto ouvindo as Gymnopédies (1888),
composição de Erik Satie e indicada no livro por É difícil apontar preferências diante de tanta coisa
Piza. boa. Daniel Piza era um homem de ideias, de
opiniões, de reflexão. Todo o talento com as
Ressalto também os contos "Golpe de Vista", onde palavras e informações jornalísticas encontrava
um jogo de futebol é um verdadeiro depoimento espelho também em seus livros, com a observação
sobre os sentimentos e ambivalências da vida; "Dois necessária de quem capta, pensa e depois escreve,
filhos", com os traumas que podem surgir dentro do sem 'achismos' ou clichês.
processo educacional familiar; "Ledinha",
uma homenagem a Machado de Assis, um gênio
brasileiro, e ao seu romance universal Dom
Casmurro; "A rainha", revelando o drama da mulher
moderna e seu corre-corre ininterrupto e nem sempre
sinônimo de felicidade; "Calor de chuva", expressão Edição: 1
Editora: Bertrand Brasil
que o autor reconhece como tipicamente paulistana, ISBN: 8528614476
Ano: 2010
mas que preciso abrir um parênteses para dizer que Páginas: 176
Veja o livro no skoob
aqui na minha cidade, Teresina (PI), essa é uma
expressão conhecida e que igualmente expressa o
mormaço e clima abafado que precedem a chuva. A
narrativa mostra como detalhes simples podem se
transformar em grandes momentos de alívio e até de
percepção. As menções honrosas que Daniel Piza
registrou ao longo dos contos são, como ele próprio
era, inspirações silenciosas, um panegírico sem
pirotecnia. Prova disso são os excelentes "Circuito
interno", inspirado no conto The Enormous Radio,
Mara Vanessa Torres é
de John Cheever, e "O último monólogo do grande
jornalista, pesquisadora e tradutora.
ator", fruto de um convite do lendário Paulo Autran,
Trabalha freelancer com redação e
que pretendia usar o texto de Piza em uma
edição de textos jornalísticos e
encenação no palco. Outro conto que merece ser
literários. Entusiasta de três palavras mágicas: sonho,
sublinhado é o interessantíssimo "Saquê", com a galáxia e saudade.

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O MUNDO DE
QUEM NÃO LÊ
APESAR DOS ESFORÇOS DE BIBLIOTECÁRIOS, PROFESSORES E
PEDAGOGOS, A CONSTATAÇÃO É SIMPLES E CLARA: O BRASIL
AINDA ESCONDE UM PAÍS SEM O HÁBITO DA LEITURA.
por Thiago Cirne

13
RIO - A cena se repete: um indivíduo com 20, 30, 40 anos e um histórico de leitura
“zerado”. Esse é o quadro de grande parte dos brasileiros que não leem livros. “E não é
necessária a busca por números exorbitantes, levantados por instituições de pesquisa,
para chegar a essa conclusão (embora sejam de grande importância os estudos nesse
sentido). A realidade pode estar bem próxima, pois muitas vezes os próprios amigos e
parentes são os que dão o tom a essa estatística.

Para não deixar os números oficiais de fora, cita-se a recente pesquisa Retratos da
Leitura no Brasil, da Fundação Pró-Livro, que apontou queda no índice de leitura de
crianças e adolescentes. Mas o problema vai além, como ressaltamos: os não leitores.

As dificuldades no hábito da leitura podem ser amenizadas pelo incentivo. De acordo


com a professora Amanda Oliveira, do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da
Silveira, “Cabe tanto aos pais quanto aos professores despertarem desde cedo o gosto da
leitura nas crianças, pois, quando somos pequenos, estamos completamente abertos para
receber o novo, além da curiosidade para o desconhecido ser muito grande. É nesse
momento que pais e professores devem apresentar a experiência da leitura fazendo
surgir uma nova consciência, muito mais rica e dinâmica, que poderá mesmo
transformar o nosso país”.

Para a estudante Marcela Oliveira, a questão está na falta de interesse. “Não existem
desculpas, pois está cada vez mais fácil encontrar aquilo que se deseja”. Outras questões
são abordadas pelo especialista em educação João Vitor Costa: “A maior parcela da
população não apresenta satisfação na leitura, na busca do conhecimento. Lê somente o
obrigatório à procura de uma informação ou para a realização de uma atividade, que na
maioria das vezes é efetuada de forma incorreta por não haver uma interpretação
adequada”.

“A falta de estímulo é cultural. O Brasil vem dos nativos, da senzala, do trabalho braçal
sem leitores. Inserimos a indústria e, hoje, a era digital e permanecemos sem leitores,

14
pois o incentivo é para a utilização da escrita informal através das redes sociais, ao uso
de passatempos eletrônicos, programas específicos voltados para o mercado e à
comunicação rápida e objetiva”, comenta o especialista.

Estímulo: importante fator para o hábito da leitura (Imagem: divulgação)

A falta de estímulo também pode ser verificada no dia a dia das bibliotecas escolares.
Samantha Andrade, bibliotecária do Centro Federal de Educação Tecnológica
(CEFET/RJ), observa que o número de cadastro nas bibliotecas ainda é pequeno.
“Temos alguns casos de alunos que concluem o curso sem cadastro”. Samantha também
chama a atenção aos assuntos procurados: grande parte dos alunos só lê se há solicitação
do professor.

THIAGO CIRNE é graduado em Biblioteconomia pela Universidade


Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Pós graduando em
Jornalismo Cultural pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), bibliotecário do Centro de Estudos Jurídicos da
Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ), atua em Acervos de Memória e Coleções
Especiais.

15
VIDEOGAMES E BIBLIOTECAS
SÃO UMA BOA MISTURA
Texto de Rob LeFebvre

Tradução por Emilia Sandrinelli

Você entra em uma biblioteca e, claro, vê livros,


materiais de referência, jornais, revistas e todos
os tipos de impressão. Pode também ver
quadrinhos, mangás e outras literaturas menos
tradicionais. Hoje em dia, encontramos filmes,
televisão, música, computadores com internet e
outras mídias digitais. Mas videogames?

16
Bibliotecas emprestam videogames, e já há um bom tempo. Podem até achar que
videogames não tem nada a ver com instituições públicas. Alguns artigos na internet
dizem que os leitores vão se contorcer quando souberem que isso está acontecendo. No
entanto, bibliotecas e bibliotecários surpreendentemente apoiam a prática.

A American Library Association (Associação Americana de Bibliotecas) apoia o


videogame, colocando-o em uma classe semelhante à dos jogos de tabuleiro. A
associação deixa claro sobre quando crianças devem jogar videogames nas bibliotecas:
“Videogames nas bibliotecas encorajam jovens usuários a interagirem uns com os
outros, trocar experiências, inclusive com adultos, e desenvolver novas estratégias de
jogo e de aprendizado”.

Videogames são formas de fazer crianças – e adultos – a aprenderem a interagir


socialmente. “Aprender novas regras, aprender novos símbolos, ler os textos nos jogos
de RPGs tem tanto valor educacional quanto ler um livro. É diferente, mas ainda é
válido. Um com certeza não substitui o outro”, diz Emily Reeve, uma bibliotecária de
Denver.

“Jogar em bibliotecas, seja sentado em um computador com um jogo online, seja


reunido com os amigos com um jogo de tabuleiro, é uma experiência social,
especialmente para crianças”, ela diz para GamesBeat.

Bibliotecas são espaços públicos

Bibliotecas modernas, segundo ela, estão virando mais um espaço público do que
meramente espaço para livros. O conceito do que é a biblioteca continua evoluindo,
com café dentro de bibliotecas, espaços jovens, programas antecipados de competência
informacional e coleções de novas mídias. Videogrames são uma extensão lógica disso,
com os pais interagindo com seus filhos na escolha dos jogos e pedindo ajuda para a
equipe da biblioteca. “É interesse das bibliotecas encontrar as necessidades da
comunidade e criar uma relação com seus membros”, diz Reeve.

17
“Bibliotecas vivem em um momento em que devem decidir se incluem mídias
populares em suas coleções”, escreve Brian Mayer em Libray Gamer. “Dessa forma, o
desenvolvimento de coleções inclui mais do que os usuários querem, agregando os
desejos da comunidade.” Assim como novas mídias, os esforços iniciais trazem consigo
preocupações – ou mesmo medo, levando algumas bibliotecas a conter a ideia dos
videogames.

“Jogos merecem seu lugar entre as outras mídias culturais significativas do nosso
tempo, junto com televisão e quadrinhos,” diz o Dr. Guy Berthiaume, CEO da
Bibliothèque ET Archives nationales Du Québec (BAnQ). Em uma postagem em
CultMontreal, ele diz que fornecer videogames pode ajudar jovens a entenderem que as
bibliotecas também são abertas para eles.

Reeve concorda e vai além, dizendo que bibliotecas públicas existem para atenderem às
necessidades de sua comunidade. “Assim como fornecer acesso à internet permite aos
usuários acesso a mais informações, fornecer acesso a outras mídias permite aos
usuários acesso a outros materiais para aumentar a sua capacidade literária,” afirma. “É
apenas outro formato, outra maneira de engajar pessoas seja como puro entretenimento
ou não.”

Orçamentos, direitos autorais, a verdadeira questão

E quanto aos direitos autorais? Emprestar jogos para um usuário de cada vez parece não
violar o contrato de licença (end-user license agreements - EULA), afirma Reeve. “Pelo
que entendo, bibliotecas podem circular jogos como qualquer outro item com o
argumento de que os jogos são comprados legalmente e usados por uma pessoa de cada
vez. Bibliotecas e bibliotecários não são responsáveis se os itens são reproduzidos
ilegalmente, da mesma forma que qualquer outra mídia poderia ser.”

Exibições públicas de jogos multiplayer (múltiplos jogadores), como Guitar Hero, da


Activision, ou Madden, da Electronic Arts, precisam de uma licença especial ou acordos
adicionais, de acordo com o artigo na School Library Journal.

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“Uma biblioteca que procura sediar um evento desses deveria entrar em contato com a
empresa para um acordo à parte,” afirma John Reseberg, diretor sênior da EA Corporate
Communications. “No entanto, não é nenhum problema – cuidamos de cada pedido
individualmente, mas um acontecimento desse tipo seria normalmente aprovado, desde
que não houvesse dinheiro envolvido.”

Finalmente, fornecer jogos de videogames não é diferente de filmes, jogos de tabuleiro


ou outros itens de recreação que não sejam livros. Poderia até atrair novos usuários que
talvez não visitassem a biblioteca pública ou requerer o cadastro. “As empresas
seguiram a tendência da jogabilidade e proporcionaram guias de jogos e algumas até
desenvolveram ficções baseadas em universos de jogos específicos,” afirma Reeve. “Se
as bibliotecas estão dispostas a ter esses itens, as pessoas vão querer saber o que são. É
lógico que o simples ato de trazer pessoas para dentro das bibliotecas faz com que
pensem em livros ou filmes e outros itens ou serviços que podem ser interessantes.”

Se sua biblioteca tem jogos de videogame para serem emprestados, isso já deve estar
contido no orçamento. Parece que enquanto a maioria dos bibliotecários e acadêmicos
não tem problema com bibliotecas emprestando jogos de videogames de forma geral, os
orçamentos para bibliotecas públicas continuam diminuindo. Incluir uma coleção de
jogos significativa para uma biblioteca já com o orçamento estourado poderia ser um
mau negócio. Segundo Reeve, “Com o orçamento instável das bibliotecas públicas nos
últimos anos, seria irresponsabilidade começar a desenvolver a coleção sem fundos
seguros e contínuos.” As coleções devem incluir jogos novos e eles precisam funcionar
nos sistemas que os usuários possuem em casa; as coleções precisam ter jogos que
funcionem sem defeito, pois a substituição custa caro.

Esse texto foi traduzido de: Video games and libraries are a good mix

EMILIA SANDRINELLI é editora executiva da Revista Biblioo.

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FABIANO CARUSO
"ERA DAQUELES ADOLESCENTES QUE AO INVÉS DE INTERAGIR NA QUADRA DE
ESPORTES NOS INTERVALOS, FUGIA PARA A BIBLIOTECA"

RIO – O bibliotecário e mestrando em Ciência da Informação pela Universidade

Federal Fluminense (UFF), Fabiano Caruso, fala com exclusividade a Revista

Biblioo sobre questões que envolvem o seu interesse pela Biblioteconomia, sua

formação e seu objeto de pesquisa, a Ciência Aberta, que está sendo

desenvolvida nos estudos do mestrado. Em um bate-papo bem descontraído,

Caruso relembra experiências vividas nos encontros estudantis e comenta a

respeito da criação do ExtraLibris e dos desafios da área de Biblioteconomia na

atualidade.

20
Rodolfo Targino: Como você se interessou por para ler – com a matrícula de uma namorada que
Biblioteconomia? Suas expectativas a respeito da cursava pedagogia – pensei que era tudo o que
profissão mudaram durante da graduação? queria fazer. Como tinha familiares morando em
Fabiano Caruso: O meu interesse pela Florianópolis, avós, madrinha, e o curso de
biblioteconomia foi por um conjunto de fatores. biblioteconomia era noturno, mudei-me para
Frequentei boas bibliotecas na infância e na Florianópolis em 2001 na crença que passaria no
adolescência bibliotecas públicas. Era daqueles vestibular e iniciaria as aulas em 2002 –
adolescentes que ao invés de interagir na quadra curiosamente a minha colação de grau aconteceu
de esportes nos intervalos, fugia para a biblioteca. no mesmo dia, 5 anos depois que cheguei em
Depois de um tempo que comecei a trabalhar, Florianópolis – 16 de Setembro de 2006. Quando
paguei pelo acesso à internet em casa. Mas, na entrei para o curso, os primeiros semestres foram
época, não existiam plataformas de redes sociais ótimos, as disciplinas eram sobre fundamentos, as
fechadas como o facebook. A internet era possibilidades de atuação etc. Mas quando
dominada por portais de notícias e conteúdo. Foi comecei as disciplinas mais técnicas, entrei em
quando descobri as listas de discussão – isso era um conflito porque a minha visão era que a
em 1996 para se ter uma ideia. Ou seja, o uso da atuação poderia e deveria ser mais que isso.
internet ainda era muito elitista, com muita gente Então, a partir do meio do curso comecei a ler
que só tinha acesso do trabalho ou universidade. muitas coisas de outras áreas, artigos publicados
Então passei por esta fase de espectador com uma em periódicos estrangeiros, e direcionei a minha
ideia romântica da academia, como um lugar que formação para os problemas dos ambientes
as pessoas usavam a internet para trocar ideias de digitais, distanciando-me até do modelo de
alto nível. Só que com a minha formação e a atuação em bibliotecas. Isso, claro, após ter
necessidade de trabalhar, não dava para estudar aproveitado a graduação para experimentar um
para um concorrido curso em uma universidade pouco de tudo na área, cheguei a trabalhar um
pública. Acabei pagando uma faculdade ano em uma biblioteca escolar em uma
particular de direito e, mais uma vez por falta de comunidade carente, com programas de leitura
recursos, precisei trancar o curso. Então comecei para as crianças e até tentei criar oficinas de
a procurar algum curso em uma universidade que xadrez pela biblioteca (mas roubaram o
não fosse tão concorrido, e precisava ser a noite tabuleiro). Mas pelos anos finais do curso a
para que eu pudesse trabalhar durante o dia. Em minha preocupação passou a ser: o que um
paralelo a esta busca, já estava muito influenciado bibliotecário poderia fazer fora de bibliotecas? O
pela cultura digital, e acabei lendo artigos da área, meu trabalho de conclusão de curso foi sobre esta
depois que peguei o “as tecnologias da tentativa, de posicionar o bibliotecário como uma
inteligência” do Pierre Levy na biblioteca da UFF espécie de consultor informacional. Mesmo que

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hoje em dia já não defenda tanto que a retornei do evento tive uma ideia de criar algum
informação seja o foco. As bibliotecas para mim blog na internet voltado para estes estudantes, que
eram os lugares para potencializar o intelecto das estavam espalhados pelo Brasil para estimular a
pessoas e o bibliotecário atuando fora delas, produção na área. Então, enviei um email para
deveria trabalhar com esta mesma problemática algumas pessoas que havia conhecido no ENEBD
“liberal e humanista”. e, na época existia este blog, o Bibliotecários sem
Fronteiras (BSF), e enviei um email para eles
Emilia Sandirnelli: Você está sempre envolvido também. Algumas pessoas responderam que
em projetos como o Extra Libris, como surgem queriam participar. Então houve reuniões com
essas ideias? Em quais projetos você está algumas pessoas, mas ativamente quem
envolvido atualmente? participou além de mim foi o, Alex Lennine,
F. C.: Estas perguntas de surgimento de ideias Gustavo Henn, Moreno Barros e Rodrigo Galvão.
são bem difíceis responder, porque as ideias Começamos uma lista de discussão para
surgem quando você tem um problema que tenta organizar tudo no final de 2004 e colocarmos no
resolver e começa a experimentar sem medo de ar a primeira versão da ExtraLibris no começo de
errar. Então, especificamente da ExtraLibris, o 2005. A primeira versão era uma revista temática,
problema era que estava assistindo outras pessoas depois surgiram os blogs associados. Tentamos
usando a internet para fazer coisas interessantes e agregar outras pessoas. A Isadora Garrido – que
sentia a necessidade de criar algo para que outros nem cursava Biblioteconomia, a encontrei no
estudantes como eu, pudessem publicar na orkut na comunidade de Biblioteconomia – foi
internet. Ela começou a tomar forma depois da uma delas que ajudou muito com as traduções de
minha ida ao Encontro Nacional dos Estudantes artigos. Depois fomos nos formando, precisando
de Biblioteconomia, Documentação, Gestão e buscar formas mais concretas para se sustentar.
Ciência da Informação (ENEBD) de Curitiba em Mas o que acabou dando mais certo da
2003, quando uma ministrante de oficina não ExtraLibris foi a proposta do Gustavo Henn para
apareceu e me ofereci para dar a oficina dela de concursos. Ou seja, queríamos inicialmente
“clipping”. Só que ao invés de focar o clipping no formar uma comunidade para agregar estudantes
meio tradicional, apresentei às pessoas algumas para pensar o futuro da atuação, mas o que mais
ferramentas digitais para a organização e atraiu foi a questão dos concursos públicos. No
gerenciamento de informações pessoais. O ano passado resolvi retornar com a ExtraLibris
Moreno Barros estava nesta oficina, não orientada para capacitação à distância – agora
interagimos no evento depois dela, só por email e com o Cauê Araújo. A ExtraLibris sempre
durante anos. Também conheci o Alex Lennine, funcionou como uma incubadora para várias
Gustavo Henn e Rodrigo Galvão. Quando ideias. A minha atuação sempre foi tentar apoiar

22
as pessoas a usar a web para executá-las. Durante Fluminense. Qual é seu objeto de pesquisa? O
os últimos anos, afastei-me um pouco da que o levou a escolher esse tema?
Biblioteconomia e atuei com formação de F. C.: O meu objeto de pesquisa é a Ciência
comunidades digitais, gestão do conhecimento e Aberta. Este tema é um conceito guarda-chuva,
aprendizagem organizacional para algumas que agrupa tendências relacionadas a
grandes empresas e instituições públicas. Desde o comunicação e colaboração na web aberta
ano passado comecei a delinear a minha volta orientada para a formação acadêmica e científica.
para a área com um projeto para o Sistema Desde a graduação havia pesquisando e
Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), como experimentando soluções neste sentido, criado
responsável pelo desenvolvimento de uma nova algumas oficinas sobre o tema em eventos da
proposta para o cadastro nacional de bibliotecas e área, e depois passei a atuar profissionalmente
programado para este ano um projeto de dentro de organizações. A minha escolha de me
mobilização social utilizando a web para apoio a envolver com este tema academicamente, é que
implementação e modernização das bibliotecas por um lado senti que voltar a academia seria um
públicas. Também existe um projeto relacionado motivo para me disciplinar a voltar a escrever e,
a Ciência Aberta patrocinado pela coordenação por outro lado, a necessidade de trazer esta
de pós-graduação da Unicamp com a criação de temática – pelo menos com a orientação que
portfólios digitais para doutores vinculados a um tenho defendido – para que os estudantes possam
departamento. E outro associado diretamente a ter materiais publicados e entender melhor algo
minha pesquisa de mestrado e ao programa de que na informalidade defendia, mas sempre que
pós-graduação da UFF com a implementação de conversava com muitos estudantes e profissionais
uma plataforma na web para a formação de uma parecia estar falando grego. Existe uma grande
rede colaborativa para estudantes e oportunidade de atuação profissional
pesquisadores. Ou seja, o meu papel tem sido desperdiçada, mas só com um blog, sem artigos
buscar projetos relacionados ao que chamo de escritos, esta oportunidade não seria explorada
inteligência colaborativa e serviços de informação em sala de aula nas universidades.
com uso de plataformas da web aberta. Com
temáticas como Ciência Aberta e Biblioteca R. T.: Com o advento das novas tecnologias da
Aberta. informação, qual a sua opinião sobre o rumo das
bibliotecas e dos hábitos de leitura?
E.S.: Você também iniciou recentemente o F. C.: A minha opinião sempre foi um pouco
mestrado no Programa de Pós-Graduação em controversa neste sentido. Nunca acreditei que o
Ciência da Informação da Universidade Federal papel das bibliotecas e dos profissionais fosse
estimular o hábito da leitura como se tem muito

23
propagado. As bibliotecas, seriam os lugares para desenvolvimento intelectual. E não apenas para a
as pessoas letradas e funcionalmente migração da representação técnica da área.
alfabetizadas, pudessem ir e encontrar o que
gostariam de ler de forma independente. Sem a R. T.: O funcionalismo público constitui
necessidade de mediadores – dos currículos atualmente uma fatia muito visada do mercado de
escolares, por exemplo – falando para elas o que trabalho na área de Biblioteconomia. Você acha
deveriam ler e porque ler. Porque esta foi a minha que a formação do bibliotecário pode estar sendo
experiência na adolescência. Sair das aulas chatas muito voltada para isso hoje em dia? De que
preparatórias para o vestibular, ou para ser um forma esse comportamento afeta a classe como
profissional obediente. As bibliotecas eram os um todo?
únicos lugares para se esconder da boçalidade F. C.: O setor público acaba sendo a opção mais
coletiva de que é importante ler para conseguir segura e viável para se atuar profissionalmente.
uma boa profissão, ser uma pessoa produtiva na De um lado existe uma falsa criação de
sociedade. O profissional “liberal e humanista” expectativas sobre as oportunidades de atuação
sempre foi para mim – mais uma vez o romântico profissional no futuro (escolhi biblioteconomia
– a formação humana em primeiro lugar. por causa delas), mas do outro lado a formação
Conseguir algum tipo de sucesso na vida não é o continua orientada para a atuação institucional. O
objetivo dos livros, mas uma consequência profissional vai ocupar um tipo de espaço e ser
indireta deles. E os livros são tecnologias né? responsável por ele. Tentaram até mudar o nome
Nada mais que isso. As novas tecnologias da deste espaço de biblioteca para unidades de
informação são apenas repetidoras de sinal e informação, acreditando que esta mudança
intensificadoras das formadoras de conexões. representaria a ampliação destes espaços. Mas o
Então o rumo das bibliotecas tão relacionado problema é que continua sendo uma mentalidade
apenas com o impacto destas novas tecnologias, territorial. Do profissional atuando como uma
mas com enviar o sinal certo para a sociedade, espécie de mediador e gestor destes espaços. E é
como permitir a formação destas conexões sem o setor público que acaba consolidando melhor
fronteiras e as limitações socioeconômicas de esta questão do território e dos espaços de
acesso às boas bibliotecas por exemplo. A atuação para a área. O que a meu ver é o grande
mudança maior não é em relação às ferramentas, desafio para a classe. Porque mesmo no setor
mas a percepção de que as bibliotecas foram público, os recursos estão mais concentrados em
sempre serviços para apoiar a formação de certos tipos de bibliotecas.
comunidades. O uso das novas tecnologias pela
área deveria ser para potencializar também esta
formação destas comunidades – orientadas para o

24
E. S.: O termo “Nova Biblioteconomia” vem bibliotecas em pequenas comunidades que não
sendo construído e desconstruído ao longo dos estão sendo vistos. Procurando periódicos
números da Revista Biblioo. Para você o que é ou relacionados a biblioteconomia lá fora, existem
o que precisa ser a “Nova Biblioteconomia”? de tudo, para várias questões pontuais. Apenas
F. C.: Não sei se existe na verdade esta “nova uma sobre serviço de referência, outra sobre
biblioteconomia”. Existem novas pessoas, com desenvolvimento de coleções etc. Os
novas ideias, tentando fazer a diferença. O que eu profissionais tem uma visão mais clara sobre o
sinto falta e justamente um modelo para a área seu papel: sou bibliotecário, atuo dentro de
baseado no reconhecimento de quem está bibliotecas, como cumprir melhor o meu papel
tentando fazer da Biblioteconomia uma prática, dentro delas neste cenário? Então escrevo sobre
um instrumento de transformação da vida das minhas práticas e troco com outros profissionais.
pessoas. E não um modelo, de meta- Por aqui temos muito esta crise de identidade
biblioteconomia. Do acadêmico que escreve graças à confusão entre biblioteconomia
sobre o futuro potencial da área, mas que não (transformação da realidade) e ciência da
lidera e não mostra como fez na prática. De que informação (compreensão da realidade). O que
adianta a cultura acadêmica de ler grandes acaba gerando uma meta-biblioteconomia. Muita
autores, se na prática não existe a materialização gente escrevendo sobre os bibliotecários, sobre
destas ideias. Quando ia para os eventos na área livros, sobre bibliotecas, ao invés de olhar para as
sentia falta desta materialização. Existem muitos pessoas, pensar o que elas realmente querem,
profissionais heroicos, operando milagres em precisam, e o que podemos fazer por elas..

Rodolfo Targino (Che) é Editor Adjunto da biblioo..

EMILIA SANDRINELLI é editora executiva da Revista Biblioo.

25
COLUNA DO
AGULHA me verem como cruel. E algumas outras mexem
tão profundamente comigo por causa das atitudes
dos protagonistas ou a cadeia de eventos que
Agulha3al é um boneco de retalhos. Costurado por causou a calamidade que nem sei explicar.
sinestesia de leituras, vivências, olhares, toques e
Vamos analisar primeiro um cenário.
distração. Tão distraído que esquece de pessoas
que foi apresentado ontem... esquece objetos,
lugares, e na maioria das vezes até como deve agir
Já tinha um texto pronto para a revista, quando
corretamente... A maior contradição é ser Anthony
Lessa, e ainda atende pelo apelido de José na terça-feira (02/04) à tarde, a seguinte noticia
Antonio, Zé e Toinho. apareceu na timeline do meu facebook: um
acidente envolvendo o ônibus da linha 328
(Bananal/Castelo) na Av. Brasil, direção centro

O ALCANCE TOTAL DE do RJ às 16h30min, estava provocando um


engarrafamento de proporções gigantescas. Aé
NOSSAS AÇÕES NUNCA PODE então, eu, que não sabia direito o que tinha

SER QUANTIFICADO acontecido, fiz o que a grande maioria faz, avisei


aos amigos que porventura iriam passar pelo
Aos 12 anos Adolf Hitler, decidiu ser pintor e se local pra encontrar outra forma de se locomover
inscreveu na escola de Belas Artes de Viena, foi na cidade.
recusado por duas vezes, talvez se tivesse sido
aceito, a Alemanha teria um pintor mediano e,
dificilmente, pessoas no mundo teria ouvindo falar
dele, a parte ruim e que, o resto dessa história é a Algumas horas depois começo a entender melhor
que você conhece... o que aconteceu e ter um olhar mais amplo da
situação: inúmeras vítimas, 7 mortos, dezenas de
feridos, milhares de pessoas afetadas, por causa
do acidente ter sido numa via extremamente
Antes de o leitor continuar a leitura da minha
movimenta da cidade. Bombeiros, grupamento
coluna nesse mês, gostaria de frisar que não sou
de busca, policiais militares e agentes da CET-
um coração mole, e que não me comovo com
Rio foram para o local auxiliar o resgate e
qualquer tragédia. As grandes calamidades
orientar o trânsito, que deveria ficar pior ainda
naturais como tsunami, erupções e terremotos
no horário de pico, que normalmente é a partir
fazem brotar em mim um lado misantrópico, e
das 18 horas. Dois helicópteros, um da policia
que fazem pessoas que não me conhecem bem

26
civil e outro dos bombeiros, foram encaminhados Os dois protagonistas que causaram todo esse
ao local para resgatar as vítimas. Reflexos do transtorno, o estudante de engenharia da UFRJ
acidente foram sentidos em vários pontos da Rodrigo dos Santos Freire, 25 anos, que já
cidade com engarrafamentos até na zona sul do possuía duas passagens na polícia, ambas por
Rio. lesão corporal e o motorista André Luiz da Silva
Oliveira, 33 anos, serão indiciados pelo delegado
por homicídio doloso e responsabilizados pela
Soma-se a isso, um sistema de transportes queda do coletivo. O delegado se respalda em
publico precário; motoristas estressados e, na depoimentos de testemunhas. Passageiros
maioria das vezes, sem treinamento adequado, contaram que André Luís foi agredido por
com dupla função, sendo trocador e motorista; Rodrigo com dois chutes no rosto.
pistas e viadutos inadequados a segurança.

"Após as provas testemunhais, não há dúvidas de


No caso do viaduto em questão, O Manual do que Rodrigo foi o agressor do motorista. E o
Dnit determina que as barreiras de concreto condutor, ao dirigir em alta velocidade, discutir
devem ter altura, capacidade resistente e perfil com o passageiro, a ponto de ser agredido,
interno adequados para impedir a queda do também contribuiu para o acidente. Por isso,
veículo desgovernado, absorver o choque lateral serão indiciados por homicídio doloso", afirma o
e propiciar sua recondução à faixa de tráfego, o delegado que cuida do caso.
que havia era somente uma grande de ferro.
Diversos elevados na cidade não atendem às
exigências do Dnit, tampouco possuem muretas Minha reflexão desse mês é sobre onde certos
— denominadas guarda-rodas — capazes de hábitos diários podem nos levar... Talvez você
evitar tombamentos de veículos. acorde um dia e não ache o que faz importante,
mas, acredite!, não temos a menor ideia de como
nossas ações cotidianas podem levar ou
E no ponto baixo mais frágil do nosso cenário, influenciar a vida de terceiros, não temos como
uma legião de passageiros submetida a viagens saber disso num pequeno, nem médio, imagine
desconfortáveis, muitas vezes perigosas, e a em prazos longos... Aos 12 anos Adolf Hitler,
horas de engarrafamento. decidiu ser pintor e se inscreveu na escola de
Belas Artes de Viena, foi recusado por duas

27
vezes, talvez se tivesse sido aceito, a Alemanha poderoso, o sol nasce e se põe em profunda
teria um pintor mediano, e dificilmente, pessoas quietude, comanda gigantescos sistemas
no mundo teria ouvindo falar dele, e o resto da planetários, mas penetra suavemente pela vidraça
história é a que você conhece... de uma janela sem quebrá-la e beija as faces de
uma criança adormecida sem acordá-la. As
estrelas e galáxias descrevem as suas órbitas com
Muito se têm discutido no Brasil sobre os estupenda velocidade pelo cosmo, mas nunca
problemas da Biblioteconomia, base curricular, deram sinal da sua presença com o mais leve
seus estereótipos e tantos outros problemas, ruído. O oxigênio, poderoso mantenedor da vida,
porém para mim uma das coisas mais valiosas penetra em nossos pulmões, circula discreto pelo
que aprendi no meu breve período do curso, foi a nosso corpo, e nem lhe notamos a presença. A
ser lento em algumas ações. Muitos têm a luz e a vida, os maiores poderes do universo,
paciência como um defeito, ela não é. Então para aturam com a suavidade de uma aparente
encerrar esse texto que já ficou longo, uso as ausência”.
palavras do sábio indiano Mahatma Gandhi que,
através da resistência pacífica (Ahimsa), derrotou
o poderoso exército inglês e libertou seu país de Que diferenças com ações aparentemente
séculos de opressão, sem dispara um tiro sequer. invisíveis você anda deixando no mundo?
Ela nos ensina sobre mansidão e poder.

“A mansidão é, por vezes, confundida com


fraqueza espiritual, apatia ou indiferença. Pensa-
se que a pessoa portadora dessa virtude está
impedida de reclamar seus direitos e deve tolerar
com passividade todos os abusos. Acredita-se
que a mansuetude não combina com o poder,
pois este tem se confundido com a prepotência, o
despotismo e a violência. Mas, na natureza,
lições preciosas nos dizem que o verdadeiro
poder anda de mãos dadas de com a mansuetude.
Na natureza tudo acontece com poder e silêncio

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MÚLTIPLAS MEDIAÇÕES DA COLUNA DO
JONATHAS CARVALHO
INFORMAÇÃO
O conceito de mediação ainda padece de uma
consistência mais efetiva
Jonathas Carvalho é professor do curso de
Biblioteconomia da Universidade Federal do
O termo mediação tem sido estudado em diversas Ceará - Campus Cariri. Mestre em Ciência da
áreas do conhecimento, com origens, delimitações, Informação pela UFPB. Doutorando em Ciência
finalidades e com enfoques convergentes, divergentes da Informação pela UFBA. Atua nos seguintes
ou complementares, como Direito, Comunicação, segmentos: epistemologia e pesquisa em
Educação, Psicologia e Ciência da Informação. Biblioteconomia e Ciência da Informação;
mediação e estudos de usuários da informação;
Na Biblioteconomia e Ciência da Informação (BCI), bibliotecas escolares, comunitárias e públicas;
o uso do conceito de mediação ainda padece de uma fundamentos sociais, políticos, éticos e
consistência mais efetiva em virtude de ter sido profissionais aplicadas a Biblioteconomia.
importado de outras áreas, como a Comunicação, no
âmbito da mediação cultural, que combina mais ampla seus contextos históricos, cognitivos e
conhecimentos de disciplinas diversas, como a sociais;
Psicologia, a Sociologia e a Linguística.
b) mediação funcionalista da informação – busca
Contudo, é possível pensar em múltiplas perceber as diversas possibilidades funcionais do
possibilidades de mediação da informação, entre as centro de informação, como pessoal, acervo,
quais destaco: serviços, uso das tecnologias e as relações entre si
para o efetivo funcionamento de suas atividades;
a) mediação positivista da informação – significa atenta para a definição das funções do centro de
dizer que a mediação positivista da informação está informação e a satisfação das necessidades de
preocupada com um procedimento sistemático e informação do usuário; pensa o centro de informação
regulador que tem como prioridade ditar normas para como um todo e suas partes de modo
o acesso à informação, seja no âmbito da interdependente; prima pela noção de integração,
organização/representação da informação, seja no permanência e estabilidade; atenta de forma vital
âmbito da proposição dos serviços que devem ser para os processos de gestão, planejamento e
oferecidos. Essa mediação positivista dainformação avaliação do centro de informação como fator de
incide sobre a perspectiva de conceber o controle, funcionamento; prima pela satisfação das
previsibilidade e certeza da informação a ser utilizada necessidades de informação desde as mais básicas até
pelo usuário da informação, sem considerar de forma as mais complexas; busca constituir uma efetiva
prática dos sistemas de recuperação de informação e

29
suas funções para uso adequado e proveitoso do sua cultura; incentivar a leitura em suportes e
usuário; assuntos diversos (a leitura está além dos livros e
além da literatura, já que o lúdico se manifesta nas
c) mediação crítica da informação – preconiza a mais diversas práticas do cotidiano dos usuários que
superação da ideia de dominação ideológica e envolve saúde, educação, entretenimento, relações
cultural, promovendo ao usuário a oportunidade de humanas, trabalho, esporte, entre outros), visando
participar do processo mediacional e escolher o que estimular a sua prática histórico-cultural; incentivar
pretende utilizar e constituindo liberdade para uma relação saudável entre os usuários da
apropriação da informação, sendo necessário informação alertando para possibilidades de
promover amplo acesso à informação contemplando apropriação e aprendizado de forma individual e
os chamados não-usuários, pois o acesso à coletiva, pois as relações sociais (e não o
informação restrito em centros de informação a uma individualismo) engendram subsídios para um
minoria da população engendra subsídios de aprendizado mais efetivo e humano; visualizar na
dominação e monopólio informacional; pesquisa um fundamento que favorece a formação de
uma função psicológica superior consciente de suas
d) mediações construtivas da informação – âmbito necessidades individuais e na contribuição para
construtivista – o desenvolvimento de bibliotecas satisfação de necessidades coletivas; solicitar
infantis e escolares é condição sine qua non para as sugestões aos usuários da informação sobre quais
proposições de uma mediação construtivista da práticas e serviços podem (ou devem) ser oferecidos,
informação, pois, se desde criança o sujeito tem a com vistas a aprimorar e tornar o processo
oportunidade de lidar com centros de informação, é mediacional mais coletivo e plural; valorizar o
possível que produza mais subsídios para o usuário como sendo ponto central da mediação, pois
aprendizado; a mediação construtivista da a base das atividades mediacionais está naquilo que o
informação deve incentivar estratégias para o usuário potencializa e em suas interações com o
letramento informacional dos usuários que centro de informação, haja vista que o centro de
corresponde ao processo de desenvolvimento de informação deve não somente ser uma ‘instituição
competências para localizar, selecionar, acessar, falante’, mas também uma ‘instituição ouvinte’ e
organizar, usar informação e gerar conhecimento, aberta a novas ideias.
visando à tomada de decisão e à resolução de
problemas; deve primar pelo incentivo a pesquisa, Enfim, observo que a mediação da informação possui
pois é um dos procedimentos mais eficientes e várias vertentes na Biblioteconomia e CI, seja
eficazes para a transformação de um conhecimento considerando questões histórico-epistemológicas com
elementar para um conhecimento superior; incentivar ênfase em diversas correntes teóricas, seja
o usuário a desenvolver seus próprios considerando questões de cunho social e de aplicação
questionamentos e descobertas; profissional, especialmente em centros de
informação.
- âmbito sócio-interacionista – estimular no usuário
da informação o entendimento sobre sua história e

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ALÉM DA IMAGINAÇÃO COLUNA DA
SORAIA MAGALHÃES
E O “TEMPO SUFICIENTE”
Uma produção que pode vir a ser bem vinda em Soraia Magalhães nasceu em Manaus, Amazonas.
Mestra em Sociedade e Cultura na Amazônia.
salas de aula ou até mesmo em mostras em
Participa do Núcleo de Estudos e Pesquisas das
bibliotecas
Cidades na Amazônia Brasileira (NEPECAB). É
Bibliotecária voluntária do Instituto Ler para
Crescer e editora do Blog Caçadores de
Bibliotecas.

sobrenatural, mas com um toque de “moral da


história”.

The Twilight Zone foi criada por Rod Serling em


1959, nos Estados Unidos. A produção em preto e
branco não apresenta grandes investimentos
contudo, chamou a atenção em seu país de origem e
em pouco tempo se espalhou por vários outros países,
inclusive o Brasil, que passou a assistir os episódios a
partir dos anos 60.Esse texto é extensivo a todos que
Certamente quem já assistiu algum episódio da se identificam verdadeiramente com a profissão e, em
série Além da Imaginação (The Twilight Zone) especial, alguns bibliotecários que marcaram a minha
concordará comigo de que se trata de um material vida, seja como usuária de bibliotecas ou como
com conteúdo da melhor qualidade, que traz profissional da informação. Nos tópicos a seguir
consigo temas com fundo filosófico, dramático e destaco quatro bibliotecárias que tiveram influência
fantasioso em meio a questões futurísticas super positiva em minha formação e peço desculpas a
carregadas de finais surpreendentes. tantas outras pessoas que não citarei porque o espaço
é curto e curto também é o tempo para escrever. Peço

Decidi escrever brevemente sobre a série por que se sintam homenageados aqueles que sabem que

acreditar que possa despertar o interesse daqueles fizeram e fazem a sua parte.

que gostam de filmes com elementos de suspense e


Sendo grande fã da série, -----sentia o desejo de
motivar mais pessoas a conhecerem os episódios

31
que de forma instigante são iniciados por Rod distribuídos em temporadas com temáticas que
Serling destacando a seguinte narrativa: enfatizavam muito do que se pensava na época e
remetem à sociedade norte-americana e seu
“Há uma quinta dimensão além daquelas cotidiano, questões relacionadas à Guerra Fria, ao
conhecidas pelo Homem. É uma dimensão tão tempo dedicado ao trabalho, temas relacionados a
vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo solidão e outros.
quanto o infinito. É o espaço intermediário entre a
luz e a sombra, entre a ciência e a superstição; e se
encontra entre o abismo dos temores do Homem e Minha intenção ao escolher “Além da Imaginação”
o cume dos seus conhecimentos. É a dimensão da para referendar aqui na Biblioo foi destacar uma
fantasia. Uma região Além da Imaginação.” produção que pode vir a ser bem vinda em salas de
aula ou até mesmo em mostras em bibliotecas.
Esse enunciado mexia com a imaginação dos Sabendo que muitos bibliotecários leem essa
interessados e trazia outros elementos, já que publicação, optei por destacar o episódio Tempo
Serling também introduzia dados básicos do que se Suficiente (Time Enough at Last), que trata sobre
desenrolaria no episódio, antes e após, inclusive paixão por leitura e tempo para viabilizar esse
apontando ao final uma reflexão sobre o oficio.
acontecido, bem ao formato dos elementos
contidos nas ações de contação de histórias.

Com duração média entre 30 a 50 minutos, a série


chegou a atingir o total de 156 episódios,
produzidos entre 1959 a 1964. Os episódios estão

32
Tempo Suficiente

O episódio, contido na primeira temporada


(1959/1960), conta a história de um homem que
tem enorme interesse por leitura, mas que não pode
usufruir do prazer de ler pois é censurado no
trabalho por seu chefe e em casa por sua própria
esposa. Trata-se do bancário Henry Bemis
(Burgess Meredith), homem franzino, que usa
óculos de lentes grossas e tem o pensamento mais
nos livros do que no trabalho que tem que
desenvolver como caixa bancário. Um dia,
pensando em fazer uma leitura sossegada, longe
dos olhos do patrão, se esconde no interior do
cofre, sem imaginar que em poucos segundos uma
bomba de alto poder destruirá toda sua cidade. Ao
se ver como único sobrevivente, sai vagando
angustiado em meio aos escombros pelas ruas da
cidade até que se depara com uma biblioteca
pública em ruínas e percebe que, apesar de todo
caos, ainda há livros, muitos livros. Bemis, então,
se dá conta de que naquelas condições terá tempo
Encerro pedindo àqueles que conhecem a série que
suficiente. Mas terá mesmo? O final dessa história
indiquem o seu episódio favorito!
você conhecerá apenas se se permitir enveredar por
um lugar “Além da Imaginação”.
Link para ver o episódio no Youtube.

Conheci Além da Imaginação em 2000 e de lá para


cá já assisti a muitos episódios. A poucos dias,
minha filha Camila me apresentou Tempo
Suficiente, que eu não conhecia. Confesso que
imaginei que bela discussão daria com um grupo
que se dispusesse a pensar a questão da leitura e do
tempo em nossos dias.

33
COLUNA DA
CLÁUDIO RODRIGUES
BAJULAR COM CATEGORIA
Nosso tempo tem instituído mecanismos que Cláudio Rodrigues é maranhense e mora no Rio
facilitam a propagação dessa arte de Janeiro. Mestre e doutor em Teoria Literária,
dá aulas para a EJA; escreveu os livros Um rei que

Durante uma aula de redação, há poucos dias, virou lenda (2009), Cirandeira do Menino-Deus
(2009), e O encontro do Corvo inglês com o
comecei a esboçar essa crônica. A proposição
Urubu brasileiro na terra do sol inclemente (2012),
apresentava uma tirinha e um artigo cujo tema era
geralmente colocados na prateleira dos
bajulação. O artigo da revista Época
infantojuvenis, mas voltados para o leitor de todas
Negócios (março de 2010, p. 71) apresentava uma
as idades.
pesquisa da Hong Kong University of Science and
Technology,demonstrando as reações do cérebro à
Embora a bajulação esteja presente em toda a
lisonja insincera. Segundo as autoras da pesquisa,
história humana (o homem das cavernas
quanto mais descaradamente você bajular, mais
provavelmente bajulava tanto quanto o homem da
êxito terá com essa atitude. Ou melhor, se for pra
Antiguidade Clássica, ou os homens com cara de
bajular, que seja com intensidade.
santo da Idade Média) nosso tempo tem instituído
mecanismos que facilitam a propagação dessa arte.
Eu gostaria de me deter, a partir do que li, no que
Com suas inúmeras redes sociais, a web tem sido o
chamo de artes da bajulação. Meu propósito
lugar perfeito para se lançar as redes do puxa-
consiste apenas em problematizar a questão. Lá
saquismo, anzóis de todo tamanho. Diga verdades
vai: numa sociedade onde todos adoram viver
no mundo virtual e você será solapado,
mergulhados no embuste, as pessoas sinceras são
sentenciado, crucificado e, talvez, deportado do
rotuladas de rancorosas, inescrupulosas até.
metier. Então internet não é lugar para verdades?
Pessoas que não suportam ter que mentir para
Em ambiente virtual, seja homo virtualis. Quantas
agradar o outro, viram alvo fácil da insegurança
pessoas, imprudentemente, não foram demitidas do
desse outro. Por isso, minta, mas não minta
seu emprego justamente por não exercerem esse
pequeno. Eleve o outro – necessitado de elogios –
ato humano?! Logo, preste atenção: não basta
ao Everest. Não, melhor é carregá-lo em suas
bajular in praesentia; faça-o virtualmente, para que
costas ao monte Olimpo, morada dos deuses. De lá,
não só o alvo de sua adulação veja, mas toda sua
da altura do ego inflado, ele lhe dará guarida. Você
rede de amigos não tão amigos assim. Sua pesca
será “para sempre” capacho do bajulado. Para
será farta.
sempre, desde que você continue alimentando-o
com insinceridades.
Do mesmo modo, nas instituições onde se deveria
promover o exercício da crítica séria e destemida, a

34
arte de elogiar falsamente só tem aumentado. Que fazer, se não tenho vocação para santidade?! É
Dificilmente você verá uma resenha crítica que preciso rezar o credo da bajulação para se dar bem
aponte problemas de uma obra, seja musical, na vida. Parece que sim. Ou você correrá o risco de
teatral ou literária (refiro-me aqui especificamente ser banido para o limbo, onde estarão todos os que
ao mundo editorial e jornalístico). Costuma-se não suportam adulação e lisonja.
pagar o resenhista para que ele seja um bajulador e,
cegando-se para as deficiências da obra, ajude a O problema maior são as instituições.
vendê-la. Escolhe-se, inclusive, o crítico pela
afinidade com o autor. Papo de irmão, brother, Muitas instituições, quando deveriam manter-se na
coleguismo institucional. E é claro que os bons isenção e aceitar humildemente críticas, por mais
críticos, aqueles que chamamos de pesquisadores, duras que elas possam parecer, aproveitando o
geralmente professores universitários, momento para um exame de consciência sobre suas
amedrontados com a repercussão de suas palavras, atitudes, acabam por blindarem-se contra qualquer
acabam por fazer uma crítica mediana, de ato ou palavra que mostrem suas falhas: “não
conchavo, quase um conclave. Tudo a portas aponte minhas feridas abertas. Deixe que eu
fechadas. Ninguém quer incomodar para não ser continue a cultivá-las”. Não é assim? Ouse dizer
incomodado. verdades e você será colocado na cadeira da santa
inquisição, tendo que, como Galileu Galilei,
Daí, cria-se um círculo vicioso onde AUTOR > contentar-se com a ideia de um mundo quadrado e
EDITORA > CRÍTICA (acadêmica ou jornalística) imóvel. Mova-se na direção da crítica e será
dançam o balé da bajulação, embalados pela punido por ter aberto a caixa onde Pandora
música cujo refrão sinaliza: “Tu és grande, se me guardava todos os males. Acho que nem a
chamares de grande. Eu te elevarei ao monte esperança ficará na caixa.
supremo, se me adorares”. A própria tentação de
Cristo no deserto do real. Crie um deus, alimente-o Eu, de minha parte, quero morar lá no limbo, onde
e ele te protegerá. Mas cuidado! Jamais mude sua não precisarei conviver com pessoas que fazem
postura jaculatória. Jamais abandone sua posição questão de ter uma imagem desfocada e irreal de si
de acólito. Senão, um dia você clamará: “deus, mesmas.
meu deus, por que me abandonastes?”. E ele,
insensível a seu clamor, responderá: “Porque você Mas o problema maior, repito, são as instituições.
deixou de me bajular”.

E agora penso que não deveria usar paródias de


textos bíblicos para falar de algo tão reprovável.

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depender de vários fatores. O que é ótimo, pois

LOBOS NA BIBLIOTECA me põe diante de diversas situações que vão


Ou o jogo do feliz no serviço de referência. me ajudando a construir um atendimento-
padrão (mas não padronizado), cada vez
melhor. O problema é que, em um atendimento
por Emilia Sandrinelli
tête-a-tête, é tudo em tempo real, as decisões
precisam acontecer dentro de alguns segundos,
não sobrando tanto tempo assim para as
“Às vezes estamos a fazer coisas não muito
reflexões mais complexas. Somado a isso,
agradáveis, mas com um grande sorriso” disse
ainda existe o problema de que nem sempre é
o professor (que é de Portugal, podem reler
possível atender a demanda do usuário, seja
com sotaque!) de um curso que eu fiz essa
por deficiências técnicas ou devido às normas
semana.
da própria instituição. E a cereja do bolo, é
claro, são os “usuários difíceis”, provavelmente
Essa frase escapou como um exemplo no meio
aqueles que já foram mal atendidos em outro
de uma reflexão mais densa e foi rapidamente
lugar e já chegam irritados ou até mesmo
superada pelos meus colegas de curso e pelo
aqueles que simplesmente carecem de um
professor, que seguiram com o assunto
pouco de educação.
principal, mas na minha mente ela ficou
grudada. Como bibliotecária que faz muito
Por isso, fui criando algumas estratégias para
mais serviços de referência do que atividades
além daquele básico que aprendi na faculdade e
técnicas, lido com uma variedade imprevisível
que foram se tornando os meus princípios
de usuários (nem todos agradáveis) e
particulares para atendimento.
desempenho atividades bem diversificadas
(outra vez, nem todas sempre agradáveis). Esse
O primeiro deles é mostrar ao usuário que
cotidiano do serviço de referência me leva a
estou satisfeita em atendê-lo. É claro que há
uma pergunta constante: como, afinal, lidar
dias em que se está mais disposta e outros
com os usuários?
menos, mas o principal aqui é sempre tentar me
focar na ideia geral do trabalho e não naquele
Esse pequena pergunta vem acompanhada de
dia específico que pode não estar sendo o
muitas outras reflexões e sua resposta vai
melhor dos dias: estou atuando na área que eu

36
escolhi, trabalhando no lugar que eu escolhi e,
mesmo que nem tudo sejam flores, gosto de E eu respondo: “Eu sei!”
ambos. Por que, então, atender alguém de má
vontade? Às vezes o meu próprio “jogo do Feliz” me
irrita, afinal, há dias e dias… Em alguns dias,
O segundo é ter calma. Aos poucos foi os três princípios vão da teoria para a prática
entrando devagar na minha cabeça o fato de com a maior naturalidade; em outros, cada um
que o usuário que eu estou atendendo vai deles é um desafio. É um exercício e, como
embora e outro virá para que eu atenda. Não todo exercício, precisa de treino!
posso aplicar todo o meu tempo e paciência em
um atendimento e acabar sem nada para o Afinal, além de bibliotecária, eu sou uma
próximo. O usuário mal-educado não vai ficar usuária de bibliotecas e esses dois papéis estão
mais fácil de lidar se eu for mal-educada em constante embate dentro de mim: o
também e o usuário irritado por não ter sua atendimento ideal e as minhas limitações.
demanda solucionada não vai entender meus Meus dois lobos brigando entre si. E como a
motivos ou escutar as alternativas se eu fábula conta: ganha o lobo que eu decido
também estiver irritada. alimentar.

A terceira e última parte é, finalmente, o que o


professor do curso disse: o sorriso. Parece papo
de aeromoça e, de alguma forma, talvez esteja
nesse viés mesmo: um usuário, mesmo um dos
“difíceis”, acaba se tornando mais colaborativo
se bem recebido. E é verdade que ele é bem
recebido! Eu fico sinceramente feliz que, frente
a tantas opções, aquela pessoa tenha confiado
na biblioteca (e consequentemente em mim)
para auxiliá-lo. EMILIA SANDRINELLI
é editora executiva da
“Emilia, você está parecendo a Pollyanna!”, Revista Biblioo
vocês podem estar pensando. .

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(DES)VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL Política de São Paulo (FESP), onde afirma: “sem
pesquisa a área não avança e a situação das
SEM DEBATE Bibliotecas Públicas tende a se agravar, pois se
A bajulação do dia do bibliotecário no Rio de Janeiro nem os bibliotecários que estamos formando

por Rodolfo Targino (Che) entendem o que é e o que pode uma biblioteca
pública fazer para transformar a realidade de uma
determinada comunidade, que dirá os gestores
Clichê das conversas entre bibliotecários, a públicos locais e a sociedade desprovida de
(des)valorização profissional está sempre no top 10 equipamentos e serviços culturais de qualidade?”
das reclamações dos profissionais dessa área. A
classe bibliotecária sempre reclama da falta de Com a ilusão de que os questionamentos
reconhecimento por parte da sociedade em relação supracitados seriam debatidos não só pela classe,
à Biblioteconomia, mas evita ter uma postura como também pelos orgãos de representatividade
crítica a respeito dos fatores que contribuem para na comemoração do dia do bibliotecário no Rio de
essa falta de reconhecimento. Janeiro, fiz minha inscrição no evento em que o
tema era Valorização profissional.
Atualmente onde está a figura do bibliotecário nas
escolas? Por que temas como mediação de leitura, Não quero brindes, quero debates.
contação de histórias, bibliotecas comunitárias,
bibliotecas carcerárias estão praticamente fora da Sempre quando participo desse tipo de evento, fico
matriz curricular dos cursos de Biblioteconomia do bastante incomodado com toda a bajulação
Brasil? existente, com um total esvaziamento das
discussões políticas, sindicais e profissionais que
Onde estão as pesquisas sobre bibliotecas públicas norteiam a classe. A impressão é que a
na academia? Onde estão os projetos de extensão Biblioteconomia está em um mar de rosas. Como
dos cursos de Biblioteconomia? Por que temos nas edições passadas, a mesmice fez parte dos
poucos bibliotecários como protagonistas no discursos e nada de novo foi levantado.
desenvolvimento de bibliotecas, planos e políticas
de leitura? Por que não temos um bibliotecário (a) Fiquei muito preocupado com a intenção dos
na presidência da Biblioteca Nacional? organizadores do evento em suprimir o tempo dos
debates e discussões. A ponto de sugerir aos
Antes de deixar a coordenação do Sistema participantes que enviasse suas perguntas somente
Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), Elisa por escrito para ganhar tempo, por outro lado foi
Machado, concedeu uma entrevista ao blog da dado um espaço significativo para sortear brindes e
Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da apresentação de patrocinadores. Então, a lógica
Informação da Fundação Escola de Sociologia e adotada é a seguinte: vamos aumentar o tempo para

38
sortear “jabás” e deixar de lado os deboche alegando que “quem tivesse a necessidade
questionamentos, ou seja, a nossa classe prefere de falar” poderia fazer sua pergunta ao microfone.
ganhar brindes ao invés de debater questões
pontuais. Apesar da resposta recebida, não me foi passado o
microfone ou concedida a palavra. Continuei com
Não pensaram nem nos profissionais que o braço levantado esperando chamar atenção.
acompanharam o evento pela internet, não existiu Talvez pelo constrangimento causado pela minha
nenhuma preocupação em criar um espaço para insistência, finalmente tive a oportunidade de fazer
eles enviarem suas perguntas, uma conta no twitter meu questionamento.
resolveria esse problema.
A minha fala consistiu em uma abordagem crítica e
Repercussão do caso Chico de Paula solidária ao bibliotecário e amigo, Francisco de
Paula. Mencionei questões referentes a falta de
A Revista Biblioo fez uma convocação para a diálogo por parte do CRB7 e a forma como foi
classe acompanhar os debates nas comemorações conduzida a condenação do Chico. Ressaltei a
do dia do bibliotecário pelo país sobre questões minha preocupação em relação a comissão de ética
pertinentes a área de Biblioteconomia que tanto votar por unanimidade na condenação de um
nos incomodam. Participamos das comemorações bibliotecário que não fez nada além de fazer uma
no Rio de Janeiro, distribuímos o editorial e a crítica e de exercer seu direito de liberdade de
charge impressa para os participantes no auditório expressão.
Machado de Assis da Fundação Biblioteca
Nacional. Logo após a apresentadora chamou a minha
atenção em relação ao tempo. Eu deveria correr e
Além disso, procuramos debater o caso Chico de concluir porque em seguida seria feito sorteio de
Paula durante o evento de comemoração do dia do brindes e um espaço com fala para patrocinadores.
bibliotecário. Levantei considerações a respeito Acabei concluindo com a sensação que ainda tinha
durante o evento junto a mesa 3 muitos outros pontos para serem abordados, mas
intitulada, Entidades de Biblioteconomia do Estado infelizmente não foi permitido.
do Rio de Janeiro.
A resposta que tive do representante do CRB7 a
Fui surpreendido quando a apresentadora respeito do questionamento feito em relação à falta
sentenciou ao microfone que só seriam aceitas de diálogo ficou resumida na alegação que em
perguntas por escrito, ninguém tinha escrito nenhum momento a Revista Biblioo quando foi
nenhuma pergunta até o momento e, do meu lugar, fazer a publicação do editorial e da charge
questionei se não poderia fazer a pergunta ao procurou o CRB7 para um diálogo. Ficamos sem
microfone. A resposta veio com um certo ar de entender, então temos que nos reportar ao conselho

39
toda vez que desejarmos fazer algum tipo de “É contra esse déficit de cidadania, construído em
publicação? desfavor da sociedade brasileira, que os
bibliotecários precisam assumir posições. Não é
O que mais me espantou foi o silêncio da classe em brigando entre si pela criação de mais uma
relação aos questionamentos levantados, ninguém associaçãozinha, não é fragmentando a ação
se manifestou nem contra nem a favor da situação política, não é aceitando refrões sem sentido claro
discutida. para alavancar os encontros de bibliotecários, não
é desprezando o nome clássico profissional
Falas da esperança bibliotecário, não é pregando que tudo é ciência
da informação, que se vai evitar a progressiva
Mesmo com certas posturas autoritárias por parte matança do ser essencial e material da Biblioteca
de orgãos de representatividade, a esperança que Nacional, das bibliotecas públicas, das bibliotecas
nos move está nos comentários de apoio, nas escolares, etc. Em tudo que aí há de erro, se
assinaturas da petição pública que criamos considerarmos erro a fuga da atuação ideal do
solicitando a anulação do processo e na bibliotecário na sociedade, há algo sobre o que o
solidariedade que recebemos até agora. bibliotecário deve se interrogar: por que deixamos
que isso acontecesse? Que devemos fazer para
As palestras de Briquet de Lemos e do reverter essa situação? Qual o limite de nossa
professor Francisco das Chagas de Souza na fuga?
comemoração do dia do bibliotecário em Brasília
renovam os nossos ânimos. Não só pelo fato de Como está a Biblioteca Nacional, não dá para
serem falas críticas a respeito de questões pontuais continuar! Como estão os bibliotecários nesse
que envolvem posturas e atuações da classe episódio: dá para continuar?”.
bibliotecária, mas também por demonstrar que é
possível discutir questões políticas e pertinentes na
programação dos eventos de comemoração do dia
do bibliotecário.

Para finalizar deixo um trecho do artigo do


professor Francisco das Chagas de Souza
intitulado, Prática profissional e ética: o que os
bibliotecários brasileiros têm a ver com a
Biblioteca Nacional e o déficit de cidadania? para
Rodolfo Targino (Che)
refletirmos sobre nossa atual postura e atuação.
é Editor Adjunto da biblioo.

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H U M O R

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