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Revista InterAção —
Artigos
INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL: A GARANTIA DA
Emerson de Lima Pinto 1 SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
Mariana Kovara Jung 2
CONSTITUTIONAL INTERPRETATION:
THE GUARANTEE OF CONSTITUTION SUPREMACY
Resumo: Abstract:
É da essência do Direito a criação de mecanis- It is of the essence of the Law the creation of
mos que permitam e facilitem a convivência mechanisms that allow and facilitate the coe-
em sociedade. A Constituição foi elaborada por xistence in society. The Constitution was dra-
meio da análise social, evidenciando a necessi- fted through social analysis, highlighting the
dade do estabelecimento de limites para que need to set boundaries for individuals to res-
os indivíduos se respeitassem entre si. Neste pect each other. This paper intends to address
trabalho, pretende-se abordar os elementos the elements that guarantee the supremacy of
que garantem a supremacia do texto constitu- the constitutional text over the other norms
cional frente às demais normatizações perten- that belong to the legal system. Interpretation
centes ao ordenamento jurídico. A interpreta- is described as a relevant part of law, in which
ção é descrita como uma relevante parte do it is intended for the understanding of normati-
Direito, que se destina ao entendimento dos ve texts.
textos normativos
1. A CIÊNCIA DO DIREITO
Preliminarmente, busca-se conceituar, cada um dos seus membros. [...], quem age em
mesmo que sucintamente, a amplitude que a pala- conformidade com essas regras comporta-se direi-
vra Direito possui. Largamente, posto de maneira to; quem não o faz, age torto” (REALE, 2002, p. 1).
coloquial, a ideia de Direito subentende fazer algo Consoante a Miguel Reale, Direito pode ser
de forma correta, aquilo que diverge do “errado” conceituado como direção, ligação e obrigatorie-
ou se remetermos à justiça, Direito é o justo, é o dade de um comportamento, consequentemente,
regramento que influencia os indivíduos a agirem é um fato ou fenômeno social, pois advém da soci-
de modo sociável, impondo certos limites para que edade e não existe fora dela. Destarte, o Direito se
um não afete a vida do outro. Comumente, apresenta “sob múltiplas formas, em função de
“Direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de re- múltiplos campos de interesse, o que se reflete em
gras obrigatórias que garante a convivência social distintas e renovadas estruturas normati-
graças ao estabelecimento de limites à ação de vas” (REALE, 2002, p. 2-3).
1
Professor e pesquisador no Curso de Graduação em Direito na Universidade FEEVALE e CESUCA. ersonlp@terra.com.br
https://orcid.org/0000-0002-8514-5801
2
Acadêmica do curso de Direito do CESUCA Faculdade. mariana.kovara@gmail.com
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uma conduta humana que tem a morte de um GEL, 2001, p. 22-23) anuncia que “nossa concep-
ser humano como efeito. A morte em si, po- ção do direito visa a combinar numa ideia de justi-
rém, não é uma conduta humana, mas um
processo fisiológico. Toda regra jurídica obriga
ça considerações tiradas da moral e da equidade e
os seres humanos a observarem certa conduta considerações de utilidade social e de eficácia ma-
sob certas circunstâncias. Essas circunstâncias terial [...]”. A partir desta consideração, pode se
não precisam ser atos da conduta humana; dizer que o Direito serve como uma espécie de ba-
podem ser, por exemplo, o que chamamos de lança, com a proposta de ponderar aquilo que diz
eventos naturais [...] os fatos que não são fatos
da conduta humana tendem a fazer parte do
respeito ao vivido e qual o resultado que sua con-
conteúdo de uma regra jurídica. No entanto, duta pode trazer à sociedade.
eles podem sê-lo apenas na medida em que A utilidade do Direito corresponde à máxi-
estejam relacionados com a conduta humana, ma de alcançar a satisfação do maior número de
como sua condição ou como seu efeito pessoas possível, buscando evitar dor e sofrimento
(KELSEN, 1998, p. 6).
(BERGEL, 2001, p. 23). Para que tal máxima seja
atingida, o Direito consiste em avaliar critérios
O Direito, conforme Reale (2002, p. 18), cor-
qualitativos das ações sobre as consequências para
responde à exigência essencial e indeclinável de
a vida social ou individual. Miguel Reale (2002, p.
uma convivência ordenada, pois nenhuma socieda-
62) menciona, em sua obra, que o Direito é um
de poderia subsistir sem o mínimo de ordem, de
sistema de normas ou regras jurídicas que expres-
direção e solidariedade. É notável que, desde as
sam comportamentos, expondo aos homens for-
formas mais rudimentares de vida social, já havia
mas e possibilidades de agir.
uma intenção de ordem jurídica, mesmo sem pro-
O Direito, de acordo com Ferraz Junior
por significados lógicos ou morais. Reale (2002, p.
(2018, p. 7), é concebido como uma ciência que
18) assegura que foi somente num estágio mais
protege o homem do poder arbitrário dos seus de-
maduro de civilização que as regras jurídicas adqui-
tentores. É um fator que postula a estabilidade
riram estrutura e valor próprios, independente-
social, compilando ideais que, algumas vezes, di-
mente das crenças religiosas ou normas costumei-
tam não-ações, que são regramentos que conde-
ras. Nesse momento histórico, a humanidade pas-
nam aqueles que praticam condutas opostas a
sou a considerar o Direito como algo merecedor de
convivência social. Diante das possíveis funções
estudos autônomos. Esse marco assinalou um mo-
do Direito, é possível salientar que a criação de um
mento crucial e decisivo para a espécie humana.
ordenamento jurídico se torna a principal delas,
Bergel (2001, p. 22) afirma que é frequente
pois, basicamente, o ordenamento jurídico é um
que as funções do Direito sejam deixadas de lado,
sistema de normas (KELSEN, 1998, p. 161). Reale
apenas objetivando as eficácias imediatas das solu-
(2002, p. 190-192) explana que o ordenamento
ções. Todo ordenamento jurídico busca descobrir
jurídico é um “sistema de normas”, atualizado con-
o sentido de sua existência por meio de valores
forme as mudanças da sociedade, que não pode
sociais, e estes pregam, por exemplo, a justiça, a
apresentar lacunas e deve ser “vigente e eficaz”.
segurança jurídica, o progresso social, e outros ide-
Isso quer dizer que o ordenamento jurídico é a re-
ais que representam características para se alcan-
gulamentação social, que, por meio das fontes do
çar uma sociedade com possibilidades de cresci-
Direito e de seu próprio conteúdo, constitui nor-
mento da sua população (BERGEL, 2001, p. 8).
mas jurídicas com a finalidade de preencher as fa-
O raciocínio jurídico não pode ser reduzido
lhas e dar limites ao poder discricionário.
a uma mera dedução lógica de sentido, pois, na
De acordo com Kelsen (1998, p. 21), a
realidade, é um constante confronto analítico en-
“sociedade nada mais é que uma ordem social”,
tre o valor de uma solução e a coerência que este
visto que é mediante a sociedade que são impos-
determinado valor possui para o mundo jurídico.
tos os comportamentos permitidos e quais medi-
Ainda há de se ressaltar o que R. David (apud BER-
das de coerção caso seja violada alguma proibição.
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Desse modo, pode-se dizer que o Direito é uma afirmar que a paz do Direito só é eficaz quando os
ordem coercitiva (REALE, 2002, p. 27). Dito, então, indivíduos seguem a ordem jurídica estabelecida,
que uma comunidade social é uma ordem social, e respeitando os interesses comuns a todos, como
que esta delimita a atuação dos indivíduos por vida, saúde, segurança, liberdade, propriedade.
meio de regras, vê-se aí o surgimento do ordena- Destarte, o Direito é um ordenamento que regula-
mento jurídico. menta a conduta humana, atribuindo a cada um
Kelsen (1998, p. 31) aduz que o Direito sua posição na comunidade e seus deveres. Por-
“assegura uma paz relativa, [...] na medida em que tanto, aquele que não cumprir o seu dever, será
priva os indivíduos do direito de empregar a força, punido por meio da técnica, do ato de coerção,
mas reserva-o à comunidade”. Diz ainda que a paz do por meio de uma sanção.
Direito não é estabelecida mediante a ausência da
força, mas, sim, pelo seu direcionamento a um centra- 3. A CONSTITUIÇÃO
lizador que monopolize a força da comunidade.
O primeiro Estado Moderno é absolutista,
O Direito, com certeza, é uma ordenação que
fruto do rompimento e fragmentação da forma
tem como fim a promoção da paz, na medida
em que proíbe o uso da força nas relações en- estatal medieval. Streck (2018, p. 1) afirma que o
tre os membros da comunidade. Contudo ele absolutismo gerou condições para o surgimento de
não exclui absolutamente o uso da força. O formas para controlar o poder, por meio de meca-
Direito e a força não devem ser compreendi- nismos para delimitar os poderes do príncipe. Nes-
dos como absolutamente antagônicos. O Direi-
se contexto, as limitações ocorreram na Inglaterra,
to é organização da força. Porque o Direito
vincula certas condições para o uso da força no decorrer do século XVII, na França, no fim do
nas relações entre os homens, autorizando o século XVIII e com a Declaração de Independência
emprego da força apenas por certos indivíduos das colônias americanas, que motivaram a Consti-
e sob certas circunstancias. O Direito autoriza tuição de 1787.
certa conduta que, sob todas as outras circuns-
Diante desse limitar de atos, o movimento
tâncias, deve ser considerada “proibida”; ser
considerada proibida significa ser a própria constitucionalizador se deu por diferentes formas
condição para que tal ato coercitivo atue como e em diversos Estados, agarrando-se em cada mo-
sanção. O indivíduo que, autorizado pela or- tivação histórica. Nas palavras de Streck (2018, p.
dem jurídica, aplica a medida coercitiva (a san- 1), o autor esclarece o que é constitucionalismo:
ção) atua como um agente dessa ordem ou – o
que equivale dizer o mesmo – como um órgão
[...] O constitucionalismo, pelas suas caracterís-
da comunidade constituído por ela. Apenas
ticas contratualistas, vai se firmar como uma
esse indivíduo, apenas o órgão da comunidade,
teoria que tem a Constituição como lei funda-
está autorizado a empregar a força. Por conse-
mental apta a limitar o poder, porém, mais do
guinte, pode-se dizer que o Direito faz o uso da
que isso, limitar o poder em benefício de direi-
força um monopólio da comunidade. E, preci-
tos, os quais, conforme a evolução histórica,
samente por fazê-lo, o Direito pacifica a comu-
vão se construindo no engate das lutas políti-
nidade (KELSEN, 1998, p. 30).
cas (direitos de primeira, segunda, terceira e
quarta dimensões, que demonstram as diver-
Destarte, Kelsen (1998, p. 40) e Venosa sas fases pelas quais passou o Estado de Direi-
(2019, p. 86) asseguram que ordenamento jurídico to a partir da revolução francesa até os dias
é o Direito positivo, ou seja, o ordenamento são as atuais). O constitucionalismo é, assim, um mo-
vimento que objetiva colocar limites no políti-
normas jurídicas legislativas, judiciais, consuetudi-
co. E essa limitação assume diferentes matizes,
nárias e convencionais. Bergel (2001, p. 15) escla- chegando ao seu ápice no segundo pós-guerra,
rece que o positivismo jurídico é o reconhecimen- a partir da noção de Constituição dirigente e
to do valor das regras vigentes no Estado. compromissória e da noção de Estado Demo-
Assim, diante de tais alegações, é possível crático de Direito.
De um modo geral, entende-se Constituição: indivíduos. Dessa forma, ela nasce como um siste-
ma assegurador de liberdades e direitos fundamen-
[...] como sistema de normas jurídicas, produzi- tais e de institucionalização da separação de pode-
das no exercício do poder constituinte, dirigi- res, organizada por normas que formulam compro-
das precipuamente ao estabelecimento da
missos e apresentam necessidades sociais que o
forma de Estado, da forma de governo, do mo-
do de aquisição e exercício do poder, da insti- Estado deve observar (MENDES, 2014, p. 55).
tuição e organização de seus órgãos, dos limi- Streck (2017, p. 111) conceitua que “a
tes de sua atuação, dos direitos fundamentais Constituição nasce como um paradoxo, porque, do
e respectivas garantias e remédios constitucio- mesmo modo que surge como exigência para con-
nais e da ordem econômica e social (MORAES,
2019, p. 78).
ter o poder absoluto do rei, transforma-se em um
indispensável mecanismo de contenção do poder
Hesse (2009) argumenta que as funções da das maiorias”. Nessa perspectiva, tem-se que a
Constituição são aplicáveis à vida em comunidade, Constituição é tanto o ser, bem como o dever ser,
principalmente no que se refere às tarefas fundamen- ela significa mais do que apenas o texto transcrito.
tais de formação e manutenção da unidade política e Conforme Hesse (1991, p. 15), a Constituição bus-
a criação e manutenção do ordenamento jurídico. ca expressar ordem e conformação à realidade po-
lítica e social.
Esta Constituição determina primeiro as deci-
sões que levam à unidade política, segundo as A Constituição adquire força normativa na me-
quais esta se deve executar e se devem levar a dida em que logra realizar essa pretensão de
cabo as tarefas estatais. Tais decisões são, se- eficácia. Essa constatação leva a outra indaga-
gundo a Lei Fundamental, a inviolabilidade da ção, concernente às possibilidades e aos limi-
dignidade humana como princípio supremo do tes de sua realização no contexto amplo de
ordenamento constitucional, a república, a interdependência no qual esta pretensão de
democracia, o postulado do Estado social de eficácia encontra-se inserida (HESSE, 1991, p.
Direito, e a organização territorial em termos 16). (grifos do autor)
de Estado federal. Nas concreções posteriores
de tais decisões, a Constituição ordena a orga- Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2018, p. 217)
nização e o procedimento de formação da uni- argumentam que assim como o Direito em geral, a
dade política e da ação estatal; estabelece limi-
tes à ação dos poderes públicos. Positiva nor-
Constituição também deve ser compreendida, pois
mas segundo as quais se hão de constituir os o texto constitucional não é um texto autoeviden-
órgãos do Estado, se há de determinar a orien- te, de forma que “a interpretação das normas
tação política global e se hão de decidir as constitucionais situa-se no contexto mais amplo da
questões pendentes. É essa mesma Constitui- interpretação das normas jurídicas”, de modo a
ção que regula as competências desses órgãos
e, a grandes traços, o procedimento com que
observar suas peculiaridades ou métodos e princí-
elas se hão de exercitar. E é ela também que pios diferenciados de interpretação.
estabelece o procedimento com que se hão de
superar os conflitos que surjam dentro da co- Muito embora se deva refutar uma autonomia
munidade (HESSE, 2009, p. 7). da interpretação constitucional, até mesmo
por exigência da unidade do sistema jurídico,
Sobre a Constituição Federal Brasileira, Gil- integrado pelas normas constitucionais, tam-
bém é verdade que a posição ocupada pela
mar Mendes (2014, p. 55) declara que seu conceito constituição na ordem jurídica, no plano da
versa sobre a justificativa da necessidade de uma hierarquia das fontes do direito, por si só já
doutrina jurídica específica para uma realidade indica que a interpretação constitucional impli-
constitucional da sociedade. A Constituição é a so- ca uma atenção especial (SARLET; MARINONI;
ma de fatores reais que coexistem, incluindo os in- MITIDIERO, 2018, p. 217).
teresses e as condições que permeiam a vida dos
ção formal com a sua função de integração da co- Nesse contexto, Barroso (2018) salienta
letividade, o que exige a identificação da realidade que o emprego dos princípios de interpretação
que concretiza esta última, com seus valores e as- constitucional está voltado diretamente ao intér-
pirações” GARCIA, 2015, p. 516). Por fim, o méto- prete, e não propriamente ao conteúdo ou estru-
do concretizador estabelece que o intérprete deve tura. Os princípios devem ser entendidos como
individualizar o problema concreto que pretende “premissas conceituais, metodológicas ou finalísti-
superar. Garcia (2015, p. 537) afirma que é possí- cas que devem anteceder, no processo intelectual
vel que os elementos estruturais do método con- do intérprete, a solução concreta da questão pos-
cretizador – “(a) a importância atribuída ao proble- ta” (BARROSO, 2018, p. 93). Dito isso, o autor dis-
ma, (b) a necessária relação entre programa e âm- põe que são seis princípios que permeiam a inter-
bito da norma e (c) a adstrição do intérprete aos pretação constitucional, sendo eles: unidade da
balizamentos oferecidos pelo texto” – sejam usa- Constituição, supremacia da Constituição, inter-
dos durante a utilização do método axiológico da pretação conforme a Constituição, presunção de
interpretação constitucional. constitucionalidade das leis e atos, razoabilidade
Consoante os métodos abordados, Barroso ou proporcionalidade e efetividade.
(2009, p. 128) afirma que é notável que “a interpre- O princípio da unidade da Constituição, ex-
tação constitucional é um fenômeno múltiplo”, que posto por Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2018, p.
sofre diversas influências para sua apreciação. Ain- 222), “implica no âmbito da interpretação consti-
da neste campo, é imperioso destacar a presença tucional cada norma constitucional deve ser inter-
dos princípios inerentes à interpretação constituci- pretada e aplicada de modo a considerar a circuns-
onal, pois são eles as “normas eleitas pelo consti- tância de que a Constituição representa uma uni-
tuinte como fundamentos ou qualificações essenci- dade, um todo indivisível”.
ais da ordem jurídica” (BARROSO, 2009, p. 155).
O problema maior associado ao princípio da
unidade não diz respeito aos conflitos que sur-
5. OS PRINCÍPIOS GARANTIDORES DA gem entre as normas infraconstitucionais ou
SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO entre estas e a Constituição, mas sim às ten-
sões que se estabelecem dentro da própria
Constituição. De fato, a Constituição é um do-
De acordo com Sarlet, Marinoni e Mitidiero cumento dialético, fruto do debate e da com-
(2018, p. 222), os princípios da interpretação cons- posição política. Como consequência, abriga no
titucional designam técnicas e diretrizes para asse- seu corpo valores e interesses contrapostos.
gurar uma metodologia racional e controlável ao Nesses casos, como intuitivo, a solução das
colisões entre normas não pode se beneficiar,
processo de interpretação e aplicação das normas
de maneira significativa, dos critérios tradicio-
da Constituição. nais (BARROSO, 2018, p. 93).
De acordo com Sarlet, Marinoni e Mitidiero tudo o tribunal constitucional, preserve a validade
(2018, p. 228), o princípio da supremacia da Consti- de uma lei que, na sua leitura mais óbvia, seria in-
tuição situa-se “no topo da hierarquia do sistema constitucional” (BARROSO, 2018, p. 92).
normativo”, uma vez que é por meio da Constituição Segundo Barroso (2018, p. 92), o princípio
que os direitos fundamentais estão consagrados. da presunção de constitucionalidade das leis e atos
normativos dispõe que, para que haja validade dos
Com a promulgação da Constituição, a sobera- atos praticados pelo Poder Público, devem ser rea-
nia popular se converte em supremacia consti- lizados conforme os ditames da Constituição. So-
tucional. Do ponto de vista jurídico, este é o
principal traço distintivo da Constituição: sua
bre o Poder Público, o autor argumenta: “sua atua-
posição hierárquica superior às demais normas ção se funda na legitimidade democrática dos
do sistema. A Constituição é dotada de supre- agentes públicos eleitos, no dever de promoção do
macia e prevalece sobre o processo político interesse público e no respeito aos princípios cons-
majoritário – isto é, sobre a vontade do poder titucionais, inclusive e notadamente os que regem
constituído e sobre as leis em geral – porque
fruto de uma manifestação especial da vonta-
a Administração Pública (art. 37)” (BARROSO,
de popular, em uma conjuntura própria, em 2018, p. 93).
um momento constitucional” (BARROSO, 2018,
p. 92). (grifos do autor) [...] Em um Estado constitucional de direito, os
três Poderes interpretam a Constituição. A
presunção de constitucionalidade, portanto, é
Nessa lógica, Barroso (2018) leciona que,
uma decorrência do princípio da separação de
para que seja assegurada a supremacia do texto Poderes e funciona como fator de autolimita-
constitucional, o ordenamento jurídico concebeu ção da atuação judicial. Em razão disso, não
mecanismos para análise da eficácia de atos que, de devem juízes e tribunais, como regra, declarar
certo modo, tenham contradições à Constituição, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
conhecidos como controle de constitucionalidade. quando: (i) a inconstitucionalidade não for
patente e inequívoca, existindo tese jurídica
razoável para preservação da norma; (ii) seja
No Brasil, esse controle é desempenhado por possível decidir a questão por outro funda-
meio de dois ritos diversos: (i) a via incidental, mento, evitando-se a invalidação de ato de
pela qual a inconstitucionalidade de uma nor- outro Poder; e (iii) existir interpretação alter-
ma pode ser suscitada em qualquer processo nativa possível, que permita afirmar a compati-
judicial, perante qualquer juízo ou tribunal, bilidade da norma com a Constituição
cabendo ao órgão judicial deixar de aplicar a (BARROSO, 2018, p. 93).
norma indigitada ao caso concreto, se conside-
rar fundada a arguição; e (ii) a via principal,
pela qual algumas pessoas, órgãos ou entida- Embora não esteja expresso na Constituição,
des, constantes do art. 103 da Constituição o princípio da razoabilidade ou da proporcionalida-
Federal podem propor uma ação direta peran- de fundamenta-se nos ideais constitucionais do de-
te o Supremo Tribunal Federal, na qual se dis- vido processo legal e na própria justiça. Esse princí-
cutirá a constitucionalidade ou inconstitucio-
nalidade, em tese, de determinada lei ou ato
pio é visto como uma proteção aos direitos funda-
normativo (BARROSO, 2018, p. 92). mentais do indivíduo e do interesse público, permi-
tindo que a discricionariedade dos atos do Poder
A interpretação conforme a Constituição se Público seja controlada (BARROSO, 2018, p. 94).
destina às normas infraconstitucionais, obrigando-
as a seguirem os precedentes normatizados no Em resumo sumário, o princípio da razoabilidade
permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou
texto constitucional, a fim de preservar a validade administrativos quando: (i) não haja adequação
dos bens jurídicos por ela tutelados. Esse princípio entre o fim perseguido e o instrumento emprega-
é associado ao mecanismo de controle de constitu- do (adequação); (ii) a medida não seja exigível ou
cionalidade, pois “permite que o intérprete, sobre- necessária, havendo meio alternativo menos gra-
voso para chegar ao mesmo resultado tendimento dos textos normativo. O texto norma-
(necessidade/vedação do excesso); (iii) os custos tivo, sem a devida interpretação, nada mais é do
superem os benefícios, ou seja, o que se perde
com a medida é de maior relevo do que aquilo
que apenas um aglomerado de palavras dispostas
que se ganha (proporcionalidade em sentido estri- em uma frase. Entretanto, quando passa pelo pro-
to). O princípio pode operar, também, no sentido cesso interpretativo, o texto é analisado conforme
de permitir que o juiz gradue o peso da norma, sua disposição gramatical, e, juntamente com a
em uma determinada incidência, de modo a não investigação do momento histórico em que foi ela-
permitir que ela produza um resultado indesejado
pelo sistema, fazendo assim a justiça do caso con-
borada e seus preceitos sistemáticos e teleológi-
creto (BARROSO, 2018, p. 94). (grifos do autor) cos, o intérprete possui condições de apurar o sen-
tido que o legislador tentou transmitir e captar o
O último princípio, o da efetividade, significa a significado, transformando o texto em realmente
realização do Direito. É “a aproximação tão íntima normativo, pois possui a essência de emitir direito
quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser ou obrigação.
da realidade social” (BARROSO, 2019, p. 94). Diante A interpretação constitucional tem o con-
dessa concepção, Barroso (2018, p. 94) declara: dão de ratificar o texto magno do país. Por meio
de seus métodos e princípios de apreciação nor-
[...] O intérprete constitucional deve ter com- mativos, fica evidente que toda e qualquer legisla-
promisso com a efetividade da Constituição: ção infraconstitucional deve ser lida e compreendi-
entre interpretações alternativas e plausíveis, da à luz da Constituição. Por meio da interpretação
deverá prestigiar aquela que permita a atuação
constitucional, os direitos fundamentais, individu-
da vontade constitucional, evitando, no limite
do possível, soluções que se refugiem no argu- ais e coletivos são reassegurados e disseminados a
mento da não autoaplicabilidade da norma ou todas as áreas do Direito.
na ocorrência de omissão do legislador.
REFERÊNCIAS
É visto que todos os princípios referentes à
interpretação constitucional destinam-se ao mes- BARROSO, Luís Roberto. Interpretação constitucio-
mo objeto, que é a manutenção da supremacia do nal como interpretação específica. In: CANOTILHO,
seu texto. Embora os princípios assemelhem-se J. J. Gomes. Comentários à Constituição do Brasil.
em definições, é notável que cada um visa a abran- 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Disponí-
ger uma possível lacuna, dificultando o surgimento vel em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/
de brechas que prenunciem discórdias à Constitui- #/books/9788553602377/. Acesso em: 15 ago. 2019.
ção tanto na presença de divergência em seu texto
quanto no entendimento das normas infraconsti- BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação
tucionais. da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. 7. ed. rev. São Pau-
CONCLUSÃO lo: Saraiva, 2009.