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CONHECIMENTO E CIDADANIA 2

TECNOLOGIA SOCIAL E
DESENVOLVIMENTO PARTICIPATIVO

INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL OUTUBRO 2007


Apresentação 04

Introdução 08

SUMÁRIO
Caminhos cruzados de Tecnologia Social 14
e desenvolvimento local: uma proposta de metodologia
O ciclo de um projeto de DLP e suas etapas

Relatos de experiências 24
1. Cidade Ipava: um bairro que se reinventa
2. São Sebastião (DF): a abertura de novos caminhos
3. Crédito às pessoas: a experiência do Banco Palmas

Perspectivas e desafios 42

Referências bibliográficas 46
APRESENTAÇÃO
N os últimos anos, questões como o combate à pobreza, o meio ambiente e o futu-
ro de nosso planeta têm tido enorme repercussão na mídia em todo o mundo. O
debate sobre as mudanças climáticas é bastante emblemático. Um dado de primordial
5

APRESENTAÇÃO
importância é que essas mudanças, que tantos riscos trazem às nossas populações,
resultam de nossos próprios atos. São as conseqüências do modelo de desenvolvi-
mento vigente, que aposta tudo no acúmulo de riquezas em detrimento da conserva-
ção do meio ambiente e do bem-estar da maioria da população mundial.
De todas as discussões, chegou-se a pelo menos um consenso: já não se pode adiar a
busca de alternativas. Pois, se milhões de pessoas já não conseguem ter garantidos os
seus direitos fundamentais – a uma vida digna, por exemplo –, se continuarmos no
mesmo caminho a tendência é de que essa situação piore nos próximos anos, com gra-
ves conseqüências para todos em poucas décadas.
Ao contrário dos fatalistas, que se prostram diante de catástrofes tidas como inevi-
táveis, o Instituto de Tecnologia Social se coloca ao lado daqueles que acreditam que é
possível reverter este quadro e construir um mundo de justiça social, bem-estar e sus-
tentabilidade. Não há dúvida de que a caminhada é longa, mas já estamos em marcha.
Neste contexto, ganham especial relevância as propostas de desenvolvimento local
participativo (DLP). Trata-se de um modo de estruturar o desenvolvimento realizado a
partir do território, no qual são introduzidas inovações, geradas ali mesmo ou trazidas
de fora, sempre com intensa participação da comunidade.
Conceber e implementar projetos de desenvolvimento local participativo e susten-
tável pressupõe uma visão sistêmica da realidade, que procure gerar propostas compa-
tíveis com a complexidade inerente à própria vida. Envolve também uma postura em-
preendedora, de quem se antecipa ao futuro e enxerga a realidade em perspectiva,
vislumbrando as oportunidades que se escondem sob os problemas.
O ponto de partida é, inevitavelmente, o estudo do território com o mapeamento
das necessidades e demandas, realizado sempre com a participação da população local,
que protagoniza cada etapa do processo. Assim, formam-se pesquisadores populares
da própria comunidade, que se tornam capazes de recolher e interpretar dados, organi-
6 zar informações e produzir os conhecimentos pertinentes. Eles utilizam conceitos de
desenvolvimento local, de sustentabilidade ambiental e econômica e todo o necessário
para elaborar e executar os projetos que julguem prioritários.
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Mas o aprendizado vai muito além do preparo técnico e dos conhecimentos adqui-
ridos. Aqueles que tomam o seu próprio destino nas mãos se transformam como seres
humanos, pois acreditam na possibilidade de superar-se e de superar os seus proble-
mas. Nesta caminhada, qualificam-se politicamente, aprendendo a administrar confli-
tos e a colaborar pelo bem coletivo.
De fato, a soma de mobilização social com o conhecimento científico dá uma quali-
dade diferenciada ao processo de desenvolvimento, ampliando as possibilidades de se
obter o apoio de governos comprometidos com a transformação dessas realidades e de
se chegar ao êxito nos projetos.
Neste caderno, apresentamos uma proposta metodológica de DLP, desenvolvida a
partir da sistematização de nossas experiências práticas. Duas delas são aqui comparti-
lhadas, a de Cidade Ipava (bairro periférico da cidade de São Paulo) e a de São Sebastião
(cidade-satélite do Distrito Federal). Nestas duas comunidades, procuramos, junta-
mente com as lideranças locais, organizadas em Conselhos, e outros parceiros, imple-
mentar projetos de DLP com Tecnologia Social. Também trazemos um relato sobre o
Banco Palmas, que por sua originalidade e sucesso tem merecido atenção especial de
todos que trabalham neste campo.
O Estado tem o papel primordial de criar um ambiente socioeconômico que favore-
ça o processo contínuo de inovação social como elemento chave para o desenvolvimen-
to. Afinal, os projetos de DLP estão mostrando que é possível gerar trabalho e renda e,
mais que isso, dignidade para as pessoas que, com organização e conhecimento, procu-
ram tornar realidade o que parecia impossível.

Boa leitura!

Irma Passoni, gerente executiva do ITS


INTRODUÇÃO
E ste caderno é o resultado de um pro-
cesso de alguns anos, envolvendo
diversos participantes em momentos de
Ribeirão Pires, criada pela prefeitura des-
te município.
Naquele momento, o objetivo princi-
9

INTRODUÇÃO
pesquisa, reflexão, prática e sistemati- pal era a formulação coletiva de um con-
zação. Seu intuito primeiro é o de com- ceito de Tecnologia Social, que fosse reali-
partilhar um pouco da experiência do zada a partir da prática das organizações e
Instituto de Tecnologia Social (ITS) na que fortalecesse a percepção de que elas
implantação de projetos de desenvolvi- também realizam ciência e tecnologia,
mento local participativo (DLP). com o explícito compromisso de transfor-
Um marco importante no percurso do mar a realidade no sentido de reduzir a
ITS foi o seminário “Tecnologia Social: desigualdade. Outros dois encontros se
Desenvolvimento Local, Participativo e concentraram nos temas “Educação” e
Sustentável nos Municípios”, realizado “Agricultura Familiar”. Um quarto en-
em maio de 2004, em São Paulo (ITS, contro foi dedicado à troca de experiência
2004a). O seminário contou com a parti- entre todos os participantes, com vistas à
cipação de 42 representantes de entidades formulação do conceito de TS.
não-governamentais, associações comu- Essa metodologia de trabalho reflete,
nitárias, poder público, universidades e afinal, o que entendemos por Tecnologia
institutos de pesquisa, todos interessa- Social. Falar em tecnologia, atribuindo a
dos em conhecer e debater as três expe- ela o adjetivo social, significa, a um só
riências de desenvolvimento local sele- tempo, postular a ampliação do que se
cionadas. Foram elas: o Banco Palmas, compreende como ciência e tecnologia e
criado pela Associação dos Moradores do reconhecer a necessidade de pensá-la a
Conjunto Palmeiras (Asmoconp); a Or- partir de critérios como democracia, jus-
ganização de Pequenos Agricultores para tiça social e desenvolvimento humano.
Geração de Trabalho e Renda, iniciativa Importante, ainda, é sublinhar que tais
da Associação de Pequenos Agricultores critérios – que são, sobretudo, princípios
do Município de Valente (Apaeb); e a e valores – não devem aparecer apenas nas
Agenda 21 Local da Estância Turística de discussões. Justamente por isso, a criação
de fóruns, ambientes de discussão e gru- produtos e serviços introduzidos no mer-
pos de trabalho torna-se meio favorável cado e com transformações marcantes na
não só para elaborar o conceito de Tecno- vida das pessoas. A tecnologia do banco
logia Social de maneira participativa, co- popular tem sido reaplicada com êxito em
mo também para consolidar uma cultura diversas localidades brasileiras. Mesmo
de ciência, tecnologia e inovação voltada em se tratando de um projeto bastante
ao desenvolvimento social. conhecido entre pessoas e organizações
Após aquele seminário, o ITS achou do chamado terceiro setor, acreditamos
que era o momento de “pôr a mão na mas- que será útil revisitá-lo, não apenas por
sa”, para buscar implementar o conheci- que forneceu subsídios aos projetos reali-
mento acumulado em pesquisas e trocas zados pelo ITS, mas também porque está
com organizações parceiras e poder sempre em transformação e expansão,
aprender com a experiência prática. Vá- sempre com novos aportes. Devido ao
rias demandas chegaram até o Instituto, intervalo de tempo entre a realização dos
10 que se reuniu com as comunidades para, encontros em 2004 e a publicação deste
juntos, estruturarem projetos de desen- caderno, foi feita uma pesquisa para atua-
volvimento local. Foi o caso da comuni- lizar dados e informações.
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dade de Cidade Ipava, bairro na Zona Sul Trazemos, também, antes de chegar
da cidade de São Paulo, e de São Sebastião, aos relatos de experiências, no capítulo
município localizado no Distrito Federal. “Caminhos cruzados de Tecnologia Social
Em ambos os casos havia organizações e Desenvolvimento Local: uma proposta
com histórico de mobilizações comunitá- de metodologia”, uma breve introdução às
rias que representavam o substrato inicial relações entre TS e DLP e o resumo da
para os projetos de DLP. A existência de metodologia utilizada em Cidade Ipava, já
articulações locais e lideranças sensíveis revista em função da experiência prática.
aos problemas de suas comunidades foi Embora saibamos que não existem fór-
condição determinante para que se ini- mulas prontas para o DLP, alguns traços
ciassem estes projetos. Além disso, a parecem ser comuns às iniciativas de
demanda foi levantada pelas próprias maior êxito. Estas etapas, adaptadas às rea-
comunidades, evitando-se que o projeto lidades locais e referendadas pela comuni-
fosse feito “de cima para baixo”. dade representam um grande avanço
Apresentamos, então, a experiência de neste campo de estudos. A metodologia
DLP dessas duas localidades, que são pro- apresentada indica alguns desses passos
cessos em curso, estando no presente mo- que podem orientar o processo de desen-
mento em diferentes fases de implemen- volvimento a partir das potencialidades e
tação. Acreditamos que possam servir resolução das demandas sociais mais
como material de reflexão e discussão para urgentes em cada localidade.
empreendedores sociais que trabalhem
em contextos similares a estes.
Dos casos apresentados e debatidos
em 2004, será aqui relatado o do Banco
Palmas. Trata-se de uma iniciativa que já
completou um ciclo importante, com
CAMINHOS CRUZADOS
DE TECNOLOGIA SOCIAL
E DESENVOLVIMENTO
LOCAL: UMA PROPOSTA
DE METODOLOGIA
N esta seção, vamos procurar entender
melhor como se formulam conceitu-
almente os processos de desenvolvimen-
11. processos participativos de planeja-
mento, acompanhamento e avaliação;
12. construção cidadã do processo
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TECNOLOGIA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL


to local (DL) quando pensados levando democrático.
em conta os valores da Tecnologia Social
(TS). Para isso, será interessante retomar Mais do que um rótulo que se possa
brevemente algumas considerações feitas atribuir a uma ou outra tecnologia, perce-
no primeiro número da série de cadernos be-se que a TS implica um modo próprio
“Conhecimento e Cidadania”, dedicado à de pensar e agir que leva em conta alguns
Tecnologia Social (ITS, 2007). valores, como a inclusão social, o respeito
Naquele caderno, a TS foi descrita por ao meio ambiente e o processo democrá-
meio de um conjunto de 12 características, tico. Se a tecnologia é um meio, ela só pode
que são as seguintes: ser social na medida em que seja pensada
em função de um fim preciso: a transfor-
1. compromisso com mação da sociedade atual em uma que se-
a transformação social; ja mais justa, democrática e sustentável.
2. criação de um espaço de descoberta A partir daí, uma primeira constatação
de demandas e necessidades sociais; é a de que não existe nem pode haver uma
3. relevância e eficácia social; fórmula fixa e imutável de metodologia
4. sustentabilidade de TS em DL. No entanto, há um conjun-
socioambiental e econômica; to de características ou propriedades que
5. inovação; deverão estar presentes em todo projeto
6. organização e sistematização; de DL para que esteja em sintonia com a
7. acessibilidade e apropriação TS. Veremos que, quando estes dois ca-
das tecnologias; minhos se cruzam, falamos necessaria-
8. um processo pedagógico para mente de um desenvolvimento local par-
todos os envolvidos; ticipativo e sustentável.
9. diálogo entre diferentes saberes; Nesta perspectiva, algumas das for-
10. difusão e ação educativa; mas como foi concebido e realizado o “de-
senvolvimento” devem ser entendidas como Karl Marx, que desvendou a lógica e
criticamente. Com efeito, a história das as contradições do capitalismo. Esses au-
diferentes variações do desenvolvimento tores possuíam uma visão ampla do que
revela significativas dissonâncias em re- se devia entender por desenvolvimento,
lação ao conceito de Tecnologia Social, ou incluindo nele aspectos como o que hoje
seja, nem sempre os valores mencionados entendemos por bem-estar, qualidade de
são efetivamente levados em conta. vida e realização humana.
Como exemplo notório disso, temos No decorrer da história ocidental mo-
experiências de crescimento que geram derna, as formas predominantes de fazer
exclusão social ou que privilegiam so- o desenvolvimento passaram por várias
mente alguns aspectos da dimensão eco- transformações. Na primeira revolução
nômica, como a expansão do capital – o industrial – que ocorre primeiramente na
crescimento do Produto Interno Bruto Inglaterra, na segunda metade do século
(PIB) –, em detrimento do bem-estar e da XVIII – houve forte ênfase na mecaniza-
16 qualidade de vida das pessoas e de fatores ção do processo produtivo, na industriali-
sociais e ambientais. De fato, os proble- zação, em particular no setor têxtil, e no
mas e aspectos negativos foram detecta- uso de energia térmica (que movia moto-
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dos em numerosas experiências de de- res a vapor) tanto nas fábricas quanto no
senvolvimento. O que comprova que este transporte ferroviário. Dessa época, ficou
conceito é algo em construção, que nunca uma marca que predominaria até mo-
se formula sem se referenciar em um con- mentos bem recentes: industrializar-se
texto e sem que se possa desprender valo- seria a forma predominante, o ideal, e o ca-
res ou interesses sociais de seu bojo. minho a percorrer, em várias etapas, para
os países que se propuseram a se desenvol-
ver. Essa perspectiva, com algumas novas
Formação do atual contexto de de- conotações, se prolongaria durante a se-
senvolvimento gunda revolução industrial. Ela, que co-
O conceito de desenvolvimento, encon- meça no início do século XX e tem os
tra-se na atualidade em profunda discus- Estados Unidos da América como epicen-
são e revisão. Após a Segunda Guerra tro, e atingindo o seu explendor entre as
Mundial, a partir das diferentes experiên- décadas de 50 e 70, caracteriza-se pelo
cias de desenvolvimento que ocorreram “modelo fordista de desenvolvimento”,
em diferentes países, fossem estes chama- com o surgimento das linhas de monta-
dos de “desenvolvidos” ou “em desenvol- gem e da automação, com maior especiali-
vimento”, e, sobretudo, desde o novo ce- zação da mão-de-obra. É o momento em
nário da globalização, têm aumentado em que se busca a massificação da produção e
muito as preocupações com o que fazer do consumo, assim como o reconheci-
para impulsionar o desenvolvimento. mento legal dos sindicatos, o direito de
O desenvolvimento foi tema impor- greve e a negociação coletiva. Mas isso se
tante dos pioneiros da ciência econômica deu de maneira muito desigual.
e de autores clássicos como Adam Smith, Por quê? Porque o consumo de massa,
que se propôs “uma investigação sobre a o reconhecimento de direitos trabalhistas
natureza e causa da riqueza das nações”, e e a valorização do salário como mola pro-
pulsora da economia crescente em produ- Tudo isso conformou o que se consi-
tividade, na verdade, se viabilizaram ape- deraria uma nova revolução industrial, a
nas nos países centrais, que ficaram com o terceira, que trouxe muitas incertezas e
“filé mignon” do processo. Para os países inseguranças. Às vezes chamada de toyo-
“periféricos”, como o Brasil, que se inseri- tista, ou de pós-fordista (Lipietz, 1998),
ram subordinadamente nesse modelo, so- ela foi também caracterizada como de
braram os “ossos”. Quer dizer, as fortes “acumulação flexível” (Harvey, 1993) ou
desigualdades sociais e, também, dispari- como a “sociedade da informação e do co-
dades regionais no desenvolvimento em nhecimento”. Vista a partir de outros
termos de infra-estrutura, parques indus- pressupostos, como por exemplo o de-
triais e geração de riqueza. Isto, sem esque- semprego que provocou, recebeu a alcu-
cer da indução de fortes migrações, da rígi- nha de “horror econômico” (Forrestier,
da disciplina fabril e, sobretudo, da 1997) e, a partir de sua dinâmica espacial,
perversa exclusão dos frutos do desenvol- pela expansão da moradia precária, de
vimento para uma grande parcela da po- “planeta favela” (Davis, 2006). 17
pulação, associada a uma “caricatura” – se Não se trata aqui de entrar em detalhes
comparado com os países centrais – do quanto a cada uma dessas denominações.

TECNOLOGIA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL


Estado do bem-estar social. O fato é que, como ficaram muito confusas
Apesar da contradição intrínseca, não é suas lógicas ou seus jeitos de funcionar, is-
de estranhar que isso ocorresse, uma vez to é, seu regime de acumulação, seu modo
que, nesses tempos, ao se planejar e realizar de regulação deu um nó nas perspectivas,
o desenvolvimento, tinha-se em mente, de caminhos ou fatores de sucesso. Tornou-se
modo preponderante, a identificação do necessário estudar os casos de sucesso,
desenvolvimento com o mero “crescimen- tendo em vista sobretudo as seguintes per-
to” do PIB, com a “explosão do acúmulo”. guntas: quais seriam “as regiões que ga-
Essa concepção tem sido justa e dura- nham” e por que isso acontece? Como, afi-
mente criticada, não apenas pelo reducio- nal, orientar o desenvolvimento, em que
nismo a que submete o desenvolvimento, direção e com quais finalidades e meios?
mas sobretudo, por suas perversas conse-
qüências sociais. Amartya Sen, por
exemplo, caracteriza essa forma de de- Ênfases atuais do desenvolvimento
senvolvimento como sendo de “sangue, O que ficou mais claro após todos esses
suor e lágrimas”, um “processo inerente- processos é que, hoje, o desenvolvimento
mente cruel” e uma “versão impiedosa do não pode mais ser concebido apenas co-
processo de desenvolvimento” (1998). mo crescimento econômico, algo que se
As conseqüências negativas dessas for- expressa pelo indicador PIB per capita. Já
mas de “desenvolvimento” se fizeram mais se defende que sua finalidade principal é
notórias desde a década de 70, quando se es- promover universalmente a qualidade de
gota o “modelo fordista” e surgem novos vida, o bem-estar, a educação, a saúde etc.
componentes como o toyotismo, a microe- Celso Furtado, por exemplo, sempre de-
letrônica, a globalização, a flexibilidade, a fendeu que, se o desenvolvimento não
desregulação, a precarização do trabalho, o chegasse para toda a sociedade, não pode-
desemprego estrutural e assim por diante. ria ser considerado um autêntico desen-
volvimento. Para Amartya Sen, a melho- que não foram capazes de garantir sua
ra das condições de vida deve ser o mais própria continuidade no tempo.
essencial dos objetivos do desenvolvi- Ao mesmo tempo, o desenvolvimento
mento (Sen, 1988). deve ser integrado, pensado de maneira
Nessa perspectiva, em 1990, a Organi- sistêmica, em toda a sua complexidade
zação das Nações Unidas, no âmbito de seu (Alburquerque, s.d.). Já não faz sentido, a
projeto de Desenvolvimento (Pnud/ menos que se despreze a dignidade huma-
ONU), criou o Índice de Desenvolvimento na, conceber um modelo que não leve em
Humano (IDH), com o intuito de estipular conta a melhoria da qualidade de vida das
medidores para o nível de desenvolvimen- pessoas como finalidade última. Por essa
to humano dos países. Os indicadores refe- razão, e também pela sustentabilidade
rem-se a educação (alfabetização e taxa de mencionada acima, uma mudança de en-
matrícula), longevidade (expectativa de foque com relação ao meio ambiente faz-
vida ao nascer) e renda (PIB per capita). se absolutamente necessária. O ser huma-
18 Ao mesmo tempo, considera-se que as no deixa de ser aquele que busca o controle
pessoas, os cidadãos comuns, devem ter o sobre a natureza para enxergar-se como
que dizer a respeito de como consideram parte dela; o planeta Terra não é mais uma
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que deveria ser o desenvolvimento, que simples fonte de recursos, é a nossa mora-
rumos querem dar ao seu futuro e ao do da; e a qualidade do meio ambiente é um
seu território. Quer dizer, de alguma for- fator de primeira importância na qualida-
ma os aspectos de cidadania – de direito a de de vida.
participar no próprio desenvolvimento – Por fim, o desenvolvimento deve ser
devem ser reconhecidos aos cidadãos. participativo, pois isto significa, em últi-
Trata-se, então, também de uma questão ma instância, que o processo democráti-
de poder. E, em conseqüência, de conhe- co está se fortalecendo, o que tem repre-
cimento e empoderamento. sentado uma das principais garantias
Dentro dessas linhas, o desenvolvi- com relação ao desenvolvimento huma-
mento é pensado com algumas ênfases, no de um país ou comunidade. A demo-
que fazem com que ele deva ser entendido cracia é o processo em que as diferentes
como local, sustentável, integrado, am- vozes de uma sociedade conseguem ma-
biental e participativo. nifestar-se e são respeitadas. Num con-
O desenvolvimento é local porque de- texto destes, dificilmente os direitos
ve ser endógeno, puxado “de dentro para fundamentais como a segurança alimen-
fora”, com a participação direta da popu- tar e a vida deixarão de ser respeitados.
lação local. Muitos planos centralizados, Neste sentido, o fracasso de modelos de
que procuravam massificar um modelo desenvolvimento que se concretizam de
num âmbito nacional ou regional, chega- forma autoritária ou centralizada nas
ram a produzir crescimento econômico, mãos de elites ou tecnocratas não é ca-
mas não desenvolvimento, como men- sual. Não raro, pessoas foram (e são) des-
cionado. Acabaram causando inúmeros respeitadas, tratadas como objetos que
problemas, sejam eles sociais ou ambien- podem ser manipulados conforme o in-
tais. Daí também a ênfase na sustentabili- teresse de alguns, desestabilizadas, obri-
dade: muitos processos fracassaram por- gadas a migrar e assim por diante.
O desenvolvimento local profundamente alterado, por um fortale-
O desenvolvimento local pode ser consi- cimento das instituições democráticas e
derado como uma modalidade de desen- dos canais de participação nas questões de
volvimento. Ele pode ser concebido como interesse público local.
um processo orientado e promovido a Alguns fatores cruciais para impulsio-
partir do território, no qual são introduzi- nar o DL podem ser denominados como
das inovações, sejam elas técnicas ou so- quatro formas de capital: natural, intelec-
ciais. Tendo isto em vista, podemos des- tual e humano, social e, por fim, em-
crever esse processo como o conjunto de preendedor e econômico.
ações ocorridas a partir do território vi- O capital natural são os recursos físi-
sando a um aumento na criação de valor e cos ou ambientais do território.
na economia, geração de trabalho e renda O capital intelectual e humano são os
e melhoria no bem-estar e qualidade de vi- conhecimentos, as habilidades, a cultura, a
da dos moradores (Alburquerque, 2003). educação e os valores dos habitantes locais.
O nível de acesso à educação formal (esco- 19
laridade) pode ser determinante em mui-
Inovação social tos casos, embora esta forma de capital não

TECNOLOGIA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL


Os processos de DL podem surgir como diga respeito apenas a isso. Trata-se do po-
iniciativa própria de comunidades ou de tencial de gerar valor e transformação so-
instâncias representativas locais ou regio- cial a partir do conhecimento, o que se po-
nais, mas também podem ser induzidos de encontrar em diferentes contextos.
pelo poder público, como parte de uma O capital social – muitas vezes não le-
política de desenvolvimento. Neste últi- vado em conta, pela pouca importância
mo caso, é imprescindível que antes de que se dá, em ocasiões, ao processo demo-
iniciar a elaboração dos projetos de desen- crático participativo – pode ser descrito
volvimento nas regiões, municípios ou como o grau de confiança, organização
comunidades, se disponha de meios ou social, participação cidadã e política, as-
instrumentos que possam ser alocados. sociação, mobilização e articulação entre
Ou seja, é preciso garantir previamente pessoas, setores e grupos sociais, a facili-
que, em maior ou menor grau, haverá re- dade das pessoas e grupos para trabalha-
cursos financeiros e técnicos que possam rem juntos, para cooperar em objetivos
viabilizar o projeto, isto é, a visão de futuro comuns etc. Muitas vezes, a carência de
de um território. Sem essas pré-condições, capital social é o que põe a perder iniciati-
o risco de fracasso ou de se produzir “mui- vas de grande potencial.
to barulho e pouco resultado” é altíssimo. Por fim, o capital empreendedor e eco-
As ações de DL interferem em áreas nômico são os recursos financeiros dispo-
como a economia – com criação de valor, níveis, sejam eles públicos ou privados, e
geração de trabalho e renda, ampliação do o parque de empresas (de indústria, co-
comércio e dos empregos etc. –, a educa- mércio, serviços) no local.
ção, a moradia, a saúde, a segurança, o la-
zer, o saneamento e conseqüentemente, a
qualidade de vida. Por fim, também o as-
pecto fundamental da cidadania pode ser
O CICLO DE UM PROJETO ção de um futuro partilhado e adminis-
DE DLP E SUAS ETAPAS trar os conflitos de interesses; identificar
alguma entidade interna ou externa à co-
É oportuno salientar que a Tecnologia munidade com experiência e acúmulo
Social para elaboração de um projeto de técnico, teórico e prático, em projetos de
desenvolvimento local participativo não desenvolvimento local, que possa asses-
corresponde à idéia de uma seqüência rí- sorar este processo.
gida nem de um processo linear, que per- 2. Elaborar o pré-diagnóstico: necessidades
mitisse afirmar que, uma vez concluída e potencialidades. Recomenda-se, para
uma determinada fase, ela não estaria tanto, que as atividades realizadas com es-
presente nas seguintes. Expressa-se me- ta finalidade (reuniões e seminários, entre
lhor a dinâmica das diferentes etapas me- outras) tenham como ponto de partida a
diante a idéia de um ciclo contínuo e pro- identificação dos principais problemas e
gressivo que vai se alimentando e cujas necessidades da comunidade nas diferentes
20 etapas, de alguma forma, o perpassam áreas, assim como suas potencialidades.
por inteiro, porém com diferentes inten- Diversas metodologias de incentivo à par-
sidades e modalidades de presença, con- ticipação (como Visão Futuro e FOFA) e o
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forme se indica no quadro ao lado. conhecimento de outras experiências de


sucesso poderão ajudar nesta fase. O im-
portante aqui é que aconteça, de fato, um
Primeira etapa: processo educativo na comunidade, em re-
Sensibilizar, motivar e mobilizar lação à orientação e promoção do desen-
O objetivo desta etapa é que a comunidade volvimento, com um aumento do empo-
tenha estruturas sólidas para que o proje- deramento local.
to de desenvolvimento local possa encon- 3. Criar a estrutura social da participação.
trar viabilidade. Para orientar e promover Isso pode se dar pela constituição de um
o desenvolvimento integral, é fundamen- Conselho de Desenvolvimento Local, que
tal uma comunidade motivada e mobili- seja a referência na comunidade e o impul-
zada, ou seja, um conjunto de pessoas e sionador do processo. Este conselho (ou
instituições locais capazes de imprimir di- instância similar) fará a gestão participati-
namismo ao processo. Os passos desta va do Projeto de Desenvolvimento Local.
primeira etapa do ciclo são: Quanto mais densa e ampla a representati-
1. Dinamizar a cidadania ativa da comu- vidade social do conselho tanto mais pos-
nidade, para que ela possa impulsionar sibilidades se abrem, em princípio, para o
seu próprio desenvolvimento. Compre- sucesso do projeto. Convém elaborar um
ende: identificar os diferentes atores lo- regimento interno, um mecanismo de
cais (lideranças, empresariado local, consenso e concertação, de regulação de
igrejas, movimento sindical, poder polí- conflitos, definição de papéis e fixação dos
tico local, movimentos sociais, ONGs procedimentos. Ele deverá ser discutido e
etc.); analisar sua capacidade de mobili- aprovado por todos os participantes.
zação, sua história de lutas; analisar a dis- Se, durante este processo, algum pro-
ponibilidade dos diferentes atores para jeto com viabilidade for identificado, re-
cooperarem entre si em relação à constru- comenda-se sua implantação imediata,
SENSIBILIZAR,
MOTIVAR, Dinamizar
Realimentar
MOBILIZAR a cidadania
a participação em
ativa da
todas as etapas n
do processo
n comunidade

n
n

Elaborar o
Monitorar pré-diagnóstico:
e avaliar necessidades
a implantação e potencialidades
dos projetos

n
n

Criar a estrutura
Captar recursos social da
financeiros participação
e humanos para
os projetos

n
n

DIAGNOSTICAR
Planejar E PLANEJAR
os projetos
prioritários
n
n

Recolher
e produzir as
IMPLANTAR, informações
MONITORAR, necessárias
AVALIAR
n

Escolher os
n

projetos prioritários
Aprovar em
n Elaborar o
n diagnóstico e o
assembléia o plano
com os projetos e a plano de
agenda local desenvolvimento
pois isso pode resultar em maior credibi- mento, a estratégia de desenvolvimento,
lidade ao projeto e o início do envolvi- fruto do consenso entre os atores locais,
mento prático das pessoas. Retardar a im- que explicite os objetivos gerais de longo
plantação para depois de aprovado o prazo, o modelo de desenvolvimento ado-
Plano pode significar perder a oportuni- tado e as formas que adotará.
dade ou momento propício. 3. Escolher os projetos prioritários, consi-
derando aqueles com maior viabilidade,
nas diferentes áreas. Seu horizonte tem-
Segunda etapa: poral poderá ser anual, com o objetivo de
Diagnosticar e planejar serem mais factíveis de monitoramento e
O objetivo desta etapa consiste na visuali- avaliação. O Plano deve conter também as
zação de um futuro para a comunidade lo- formas e instrumentos de comunicação a
cal, por meio da elaboração de um Diag- serem adotados para que a população es-
nóstico e Plano de Desenvolvimento Local. teja a todo tempo informada do anda-
22 Trata-se de um único documento, com- mento do projeto.
posto de duas partes em referência mútua 4. Realizar ampla aprovação e adesão ao
– Diagnóstico e Plano –, que deve conter os Plano, o que pode ser feito mediante uma
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objetivos e metas, uma visão da população grande assembléia comunitária ou em


sobre seu território e uma concepção es- reunião massiva. Pode acontecer pela
tratégica. Sugere-se um planejamento de aprovação de uma Agenda de Desenvolvi-
em torno de cinco anos. Os diversos parti- mento Local, de um compromisso social
cipantes devem reconhecer-se na propos- ou de um pacto. Freqüentemente, sobre-
ta, que deve ser aprovada em assembléia. tudo se há ampla divulgação e participação
Os passos dessa etapa são: nos trabalhos de elaboração do Plano, cos-
1. Recolher e produzir as informações ne- tuma acontecer uma ampliação dos parti-
cessárias que sirvam de base para o diag- cipantes. Se conveniente, então, pode-se
nóstico/plano. As duas principais áreas de re-fundar ou ampliar o Conselho.
análise são (1) a base socioeconômica e o
meio físico e (2) a capacidade da comuni-
dade para o desenvolvimento local. Neste Terceira etapa:
contexto, realizar pesquisas com envolvi- Implantar, monitorar, avaliar
mento de pessoas da própria comunidade, O objetivo desta etapa é levar à realidade
diretamente orientadas para subsidiar o a visão de futuro concretizada no Plano
plano de desenvolvimento, pode ser um de Desenvolvimento. Trata-se de fazer
fator-chave. Para isso, pode ser necessário acontecer e realizar a gestão do Plano. No-
capacitar pesquisadores locais, tendo co- vas competências e habilidades serão ne-
mo base a formação em TS em DL. cessárias nesta etapa, porque se passa a
2. Elaborar o documento de Diagnóstico operar com realidades complexas sobre as
(apontando necessidades, potencialidades quais não se possui governabilidade com-
e recursos ou capacidades) e Plano de pleta e que dependem de muitos fatores.
Desenvolvimento Local, identificando os A existência ou constituição de um grupo
objetivos gerais e específicos, a estratégia técnico que se reporte ao Conselho é fun-
geral e os projetos prioritários. Neste mo- damental, para as tarefas de acompanha-
mento, monitoramento e avaliação dos agência de desenvolvimento, comissão
projetos. executiva, equipe gestora etc.).
As comunidades locais, sobretudo 2. Captar recursos financeiros e humanos
aquelas que pela sua realidade econômica para implantação de cada projeto. As fon-
possuem escassa capacidade de investi- tes de recursos financeiros e as pessoas de
mento para financiar os projetos do fora da comunidade que participam da
Plano, poderão precisar de mecanismos implantação do projeto devem com-
de financiamento externo do desenvolvi- preender bem os princípios da Tecnologia
mento local. Os financiamentos têm a ca- Social e estar comprometidos com os ob-
pacidade de catapultar ou elevar a novos jetivos do projeto.
níveis as potencialidades locais, median- 3. Implantar, gerir, monitorar e avaliar ca-
te a introdução no território de novos re- da projeto. É importante documentar os
cursos e instrumentos para o desenvolvi- avanços, as inovações e os resultados que
mento. Este é um papel fundamental do os projetos estão produzindo no territó-
poder público – federal, estadual e muni- rio e elaborar um programa de comunica- 23
cipal –, que se for executado nos princí- ção permanente com a população local.
pios da TS em DL oferecerá ótimas garan- Neste contexto, deve-se buscar formas

TECNOLOGIA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL


tias de sucesso. Sobretudo se comparado periódicas de estimular e ampliar a parti-
com financiamentos de desenvolvimen- cipação em todas as etapas do processo de
tos realizados no molde tradicional: de ci- desenvolvimento local. A avaliação pe-
ma para abaixo e de fora para dentro, que riódica permite tomar decisões embasa-
tantos problemas acarretaram. das no encaminhamento dos projetos.
Um elemento particularmente relevan- Se possível, elaborar um programa
te nesta etapa, que se tornará permanente permanente de inovação tecnológica, que
no território, consiste em estabelecer estru- seja inclusivo e vise à criação de uma dinâ-
turas ou sistemas que trabalhem a inova- mica de produção de conhecimento e ino-
ção, pois dela depende em grande medida a vação social.
progressão e os saltos de qualidade. As in- Esta metodologia, embora apresenta-
cubadoras, os parques tecnológicos e a cola- da didaticamente de forma linear, deve
boração universidade–empresa consti- ser lida como uma estrutura de referência.
tuem os modelos típicos deste aspecto do Quando se lida com a realidade local, seja
desenvolvimento. Recomenda-se a incor- de um bairro, uma comunidade, um mu-
poração de Tecnologia Social a esses siste- nicípio ou pequena região, as característi-
mas ou redes de inovação tecnológica. Os cas específicas podem ser determinantes
passos desta etapa são os seguintes: na mudança da ordem ou do peso dos pro-
1. Planejar cada projeto prioritário (indi- cedimentos a tomar.
cando objetivos, recursos necessários, a
equipe responsável, prazos, ações princi-
pais, metodologia etc.). Se não foi criada
anteriormente, pode-se criar neste mo-
mento o órgão de caráter técnico ou pro-
fissional, que será responsável pela execu-
ção dos projetos (grupo de trabalho,
RELATOS
DE EXPERIÊNCIAS
1. CIDADE IPAVA: atrás eram alarmantes no distrito do 25

UM BAIRRO QUE SE Jardim Ângela, onde se situa Cidade Ipava,


no bairro são historicamente mais baixos.
REINVENTA

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
Em Cidade Ipava há um histórico de
movimentos e organizações sociais.
Pessoas que ainda hoje vivem no bairro
Os primeiros passos estiveram presentes em muitas lutas por
A Zona Sul da cidade de São Paulo é carac- direitos e melhorias das condições de vi-
terizada por uma diversidade de espaços da, tendo participado na organização das
geográficos, entre eles, áreas de proteção reivindicações de sua região desde o pe-
ambiental e de mananciais como as repre- ríodo da ditadura militar. Essa trajetória
sas Billings e Guarapiranga. Este é um da- de cidadania foi um fator importante para
do determinante a se considerar, quando que a população local se envolvesse como
se buscar reduzir os índices de desigual- protagonista na promoção de um projeto
dade e exclusão social da região, um dos de desenvolvimento orientado a partir do
mais graves do município. Um dos bair- território e capaz de atender às necessida-
ros da Zona Sul, localizado às margens da des da população.
represa Guarapiranga, com carência de No final de 2004, lideranças comunitá-
obras de infra-estrutura e grande desi- rias procuraram o Instituto de Tecnologia
gualdade social, é Cidade Ipava. Social (ITS) com a intenção de criar, con-
Por estar situado em área de manancial, juntamente, ações para enfrentar os pro-
o bairro tem na regularização fundiária, blemas locais, valorizando o potencial hu-
saneamento e permeabilidade do solo mano, ambiental, cultural e econômico do
preocupações constantes, além de proble- bairro. Neste primeiro momento, tinham
mas comuns a outros bairros da periferia clareza de querer iniciar um processo que
paulistana relacionados a trabalho e renda, recuperasse e desse um novo sentido à
transporte, escolarização e acesso a cultu- mobilização de pessoas e organizações
ra e lazer, entre outros. Quanto aos índices com a finalidade de melhorar a qualidade
de criminalidade, que até pouco tempo de vida da população. A partir disso, o ITS,
em parceria com a Secretaria da Ciência e nadas a este objetivo (educação ambiental)
Tecnologia para Inclusão Social do e uma compreensão deste tema como
Ministério da Ciência e Tecnologia transversal a todo o planejamento que se
(Secis/MCT), discutiu com estes mem- viesse a fazer para promover o desenvolvi-
bros da comunidade a proposta de um mento local. A necessidade de difundir a
projeto de desenvolvimento local partici- idéia de DLP junto à população e a integra-
pativo. Para ter sucesso, porém, a chave es- ção com bairros vizinhos foram apontadas
taria em ter no ITS um apoio e não o motor como passos importantes.
central. Todo o histórico de participação Para orientar o processo e se relacionar
social precisaria ser aproveitado, fortale- com possíveis parceiros, entre eles, o poder
cendo o protagonismo da comunidade. público, discutiu-se a formação de um
Em novembro daquele ano foi promo- Conselho de Desenvolvimento Local
vida uma reunião para levantar informa- Participativo dentro da comunidade, que
ções sobre Cidade Ipava e avaliar a possibi- tomasse para si essas responsabilidades.
26 lidade de se utilizar métodos de Tecnologia Procurou-se sensibilizar outras lideranças
Social (TS) neste projeto. O grupo elabo- e moradores antigos do bairro. O Conselho
rou um primeiro diagnóstico, levantando foi então constituído com seis membros.
INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL

os principais problemas do bairro, assim


como suas potencialidades, recursos e vo-
cações, o que foi um exercício importante Conhecer para transformar
para perceber o que a articulação de atores Para conhecer mais a fundo a visão dos
locais seria capaz de impulsionar. moradores sobre os problemas e poten-
Os pontos identificados incluíam o cialidades de Cidade Ipava, o Conselho,
atendimento de todo o bairro pela rede de junto com o ITS, decidiu realizar uma
esgoto, a pavimentação das ruas, a instala- pesquisa. A expectativa era de que este le-
ção de serviços de saúde, escola de ensino vantamento, ao reunir e organizar os da-
médio, coleta seletiva de lixo e iniciativas dos sobre a realidade local, incentivasse
de regularização fundiária. O turismo foi um olhar crítico sobre o território e aju-
apontado como uma das vocações do bair- dasse a comunidade a definir os projetos
ro a ser aproveitada para gerar trabalho e prioritários, as ações de curto, médio e
renda de forma sustentada, desde que se longo prazos e as parcerias necessárias pa-
garantissem para isso recursos e uma in- ra viabilizar cada etapa. Ao mesmo tem-
fra-estrutura adequada, em conformida- po, era importante que a própria pesquisa
de com a legislação ambiental específica funcionasse como uma preparação para
(Lei dos Mananciais), com a criação de os moradores diretamente envolvidos
áreas de lazer e a revitalização de espaços para assumir a condução do projeto.
que, no passado, haviam sido utilizados Tendo em vista esses objetivos, a pes-
para recreação, mas se encontravam aban- quisa foi estruturada segundo uma meto-
donados. Esta atividade econômica pode- dologia de Tecnologia Social, como uma
ria constituir ainda, na visão dos morado- pesquisa popular. Foram elaborados dois
res, um meio para ampliar a consciência da questionários, um familiar e outro co-
preservação ambiental para o conjunto da mercial. Para aplicá-los, selecionaram-se
população, exigindo, assim, ações direcio- 11 moradores de Cidade Ipava, entre os 35
que se candidataram. Juntamente com os ta de dados: 1) proporciona credibilidade –
membros do Conselho, eles receberam uma vez que os pesquisadores não são pes-
formação em desenvolvimento local, soas “de fora”, mas membros da comuni-
educação ambiental e cidadania. A convi- dade, que transmitem a convicção de que a
vência dos pesquisadores populares com pesquisa é algo valioso, realizada “por nós”
os representantes da comunidade, a e “para nós”; 2) facilita o controle de quali-
quem devem prestar contas do seu de- dade – pois os membros da dupla se ajudam
sempenho estimulou não só a participa- mutuamente na abordagem das pessoas e
ção no curso de formação, como também no registro e organização das respostas; e 3)
o exercício da responsabilidade perante o favorece a comunicação – já que pessoas de
futuro do bairro. A experiência despertou diferentes gerações se vêem na situação de
a vontade de se envolver na construção do trabalhar em parceria, discutindo juntos
desenvolvimento. como abordar pessoas e apresentar o proje-
Os pesquisadores foram capacitados to, e ampliam-se as possibilidades de co-
em técnicas de entrevista e coleta de da- municação com a diversidade de morado- 27
dos e, durante o trabalho de campo (dois res que vão responder a pesquisa.
meses), receberam uma bolsa de um salá- O estudo foi feito por amostragem, em

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
rio mínimo, viabilizada pela Secis/MCT, 1.163 domicílios, o equivalente a um quar-
por meio de sua parceria com o ITS. A se- to dos cerca de 20 mil moradores do bair-
guir, cinco destes pesquisadores passa- ro. A pesquisa de atividades econômicas
ram por uma segunda capacitação, volta- funcionou como um censo, já que todos
da para a digitação dos dados e sua os 144 pontos de comércio e serviços par-
organização em gráficos e tabelas. ticiparam da pesquisa.
A opção por capacitar pessoas da co- Os dados revelaram, como pontos for-
munidade favoreceu que os conhecimen- tes de Cidade Ipava, a tranqüilidade, os
tos gerados nesta primeira etapa do proje- baixos índices de violência e o meio am-
to permanecessem no local. Além disso, biente preservado. Esporte, turismo e la-
resultou em ampla aceitação em respon- zer apareceram com destaque entre as ati-
der à pesquisa, que terminou com um ín- vidades que poderiam ser incentivadas. A
dice de recusas próximo a zero, aumen- necessidade de projetos de geração de tra-
tando também o grau de confiabilidade balho e renda decorreu da combinação de
dos dados. Depois do trabalho de campo, alguns dados da pesquisa, que apontou,
a comunidade passou a ver os pesquisa- por exemplo, uma taxa de 40% de desem-
dores como referências do projeto, a prego ou ocupações informais. Dentre os
quem podiam recorrer para tirar dúvidas empregos, apenas 17,5% eram gerados no
e saber como ele iria continuar. próprio bairro. Do total de entrevistados,
Os questionários foram aplicados por 32% eram empreendedores, em sua maio-
duplas de pesquisadores, constituídas ria familiares, do ramo de supermercados
sempre de um jovem e um adulto. Há aí e mercearias. A pesquisa identificou tam-
uma diferença em relação às formas con- bém a demanda por um posto de serviços
vencionais de pesquisas socioeconômicas, bancários e por formação profissional –
nas quais os pesquisadores atuam indivi- 64% desejavam se capacitar –, com desta-
dualmente. Essa forma de organizar a cole- que para a área de informática.
A PESQUISA NOS DOMICÍLIOS REVELOU QUE:
A articulação se amplia
n A população é jovem: 24,5% tem 10 anos ou menos; 35,6% A apresentação à comunidade dos re-
tem entre 21 e 40 anos. sultados da pesquisa popular, em maio de
n Mais da metade dos entrevistados (66%) reside em 2005, realizou-se na sede de uma das orga-
Cidade Ipava há seis anos ou mais; apenas 7% da popu-
nizações não governamentais do bairro,
lação, há mais de 20 anos.
n Quase metade da população entrevistada (49%) afirma Conviver é Viver. Desde a seleção da equi-
gostar muito do bairro. pe de pesquisadores, o Conselho desem-
n Mais de 700 entrevistados na pesquisa domiciliar disse- penhou um papel importante na divulga-
ram gostar do bairro devido à sua tranqüilidade, em
ção dos objetivos do desenvolvimento
seguida, com pouco mais de 500 respostas, aparecem
como fatores positivos a natureza e as pessoas do bairro. local e no esclarecimento à comunidade
n A maioria dos chefes de família (82%) declarara ter casa sobre a função do pesquisador popular.
própria, o que indica disposição de permanecer no bairro. Isso acontecia em espaços tradicionais de
n 87% das famílias disseram ganhar até cinco salários encontro e circulação, como a igreja e o co-
mínimos por mês. Isto significa que a circulação econô-
mica em Cidade Ipava é maior do que se esperava ini- mércio. A reunião foi também uma opor-
cialmente. tunidade de ampliar essa divulgação e ini-
n Do total de entrevistados, 71% fazem suas compras den- ciar a construção de propostas, tendo
tro de Ipava e 84% acreditam nas cooperativas como
como base os dados levantados e sistema-
uma solução para o desenvolvimento local.
n Uma parte considerável dos moradores (38%) participa tizados na pesquisa.
de comunidades religiosas. Neste momento, também ocorreu a
n Quase metade dos entrevistados afirma que nunca parti- ampliação do Conselho, com a adesão de
cipou de atividades comunitárias, mostrando que são
quatro novas instituições: as organiza-
necessárias atividades que venham a incentivá-las.
ções não governamentais Sociedade Be-
neficente Guainumbi e Conviver é Viver, a
Biblioteca São Lucas e a Subprefeitura do
M’Boi Mirim, responsável por adminis-
trar os distritos do Jardim Ângela – onde se
encontra Cidade Ipava – e Jardim São Luiz.
Isso representou, entre outras coisas, uma
aproximação com o poder público, princi-
palmente no encaminhamento de reivin-
dicações históricas da população, como
eram os casos do asfalto e do esgoto em
Cidade Ipava e nos bairros vizinhos Jardim
Aracati e Vila Gilda.
A mobilização popular e a sistematiza-
ção resultante da pesquisa tornaram as
demandas locais mais “visíveis” para a
subprefeitura, que considerou esta com-
binação importante para uma atuação
mais eficaz da gestão pública, ajudando a
estabelecer prioridades, validadas pela
comunidade organizada, direcionar re-
cursos de forma planejada e evitar a dis-
persão de esforços. Assim, a subprefeitu- Com a formação de um público interessa-
ra assumiu a sua responsabilidade de pa- do em informática, possibilitada pelo
vimentar 15 km de ruas do bairro, incluin- Telecentro, duas LAN houses foram inau-
do as principais avenidas, e articulou-se guradas. Algumas oportunidades foram
com a Companhia de Saneamento Básico inesperadas, como, por exemplo, a inau-
de Estado de São Paulo (Sabesp) para que guração de dois estabelecimentos de lava-
as obras fossem conjugadas com a instala- rápido, que antes seriam inviáveis, já que
ção da rede de esgoto. Atualmente, o es- o barro que tomava as ruas nos dias de
goto atinge a totalidade das casas. chuva e a poeira intensa nas temporadas
Quanto à demanda por capacitação em secas tornavam a tarefa de lavar o carro in-
informática, já na reunião de apresentação grata. Esses e outros novos negócios ins-
dos resultados da pesquisa levantou-se a talados nas ruas asfaltadas (mercearias,
proposta de criação de um telecentro co- farmácias, lojas de roupas) contribuíram
munitário. Encampada pelo Conselho e os para dinamizar a economia do bairro e ge-
moradores ali presentes, as atividades de raram cerca de 100 empregos diretos, se- 29
preparação do projeto começaram. O Con- gundo estimativas do ITS.
selho escolheu um espaço apropriado (a Como fruto deste contexto que veio se

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
sobreloja de uma farmácia conhecida no criando e se fortalecendo a partir da orga-
bairro), buscou empresas que pudessem nização popular, a subprefeitura propôs a
doar computadores (obteve, afinal, com a implantação de um pólo de desenvolvi-
empresa Suzaquim, de reciclagem de pi- mento social em Cidade Ipava/Jardim
lhas e baterias) e o ITS capacitou dois mo- Aracati, que previa ações em parceria com
nitores, selecionados entre os pesquisado- organizações da sociedade civil, com foco
res populares. Assim, em outubro de 2005, na promoção da cultura, educação, assis-
inaugurou-se o Telecentro Comunitário tência social, esportes e lazer, entre ou-
de Cidade Ipava, com o objetivo inicial de tros. A iniciativa era parte de uma política
oferecer cursos básicos de informática – a pública da prefeitura, que previa a criação
chamada alfabetização digital. de dez pólos como este em áreas de vulne-
Buscando dar sustentabilidade ao rabilidade social (escolhidas levando em
Telecentro, optou-se pela cobrança de uma conta dados como índice de desenvolvi-
taxa de matrícula de R$ 20 e uma mensali- mento humano, áreas de risco e infra-es-
dade de R$ 15, recursos que pagam o salário trutura urbana, entre outros), dois deles
dos monitores e as contas (luz, água, tele- na Zona Sul. A prefeitura lançou editais
fone, xerox de apostilas etc.). Um super- para selecionar projetos elaborados por
mercado do bairro – cujo proprietário, José organizações da sociedade civil, sintoni-
Alves de Lima, é também membro do zados com os objetivos do pólo. Em
Conselho de Desenvolvimento Local Cidade Ipava e Jardim Aracati, as entida-
Participativo – assumiu o aluguel da sala. des Sociedade Beneficente Guainumbi,
Até setembro de 2007, 150 moradores ha- Conviver é Viver e Biblioteca São Lucas,
viam concluído o curso básico de informá- junto com os demais membros do
tica e outros 78 estavam em formação. Conselho e agentes de saúde locais e con-
As inovações introduzidas no bairro tando com a assessoria do ITS, se articula-
trouxeram oportunidades econômicas. ram para formular uma proposta conjun-
ta, reforçando o contexto de colaboração e matamento e a exploração ilegal de recursos
parceria. A iniciativa representou uma naturais (areia, minério), a necessidade de
inovação, contrastando com uma prática fiscalização eficiente e de conscientização
verificada em outras regiões, nas quais as da comunidade sobre o impacto de suas
entidades concorreram entre si, com pro- ações na área de manancial.
jetos bastante parecidos. Ao discutir estratégias que fortaleces-
A proposta foi então selecionada e, de sem o papel da população na preservação
janeiro a julho de 2006, as entidades de do manancial da Guarapiranga, o
Cidade Ipava e Jardim Aracati realizaram Conselho e o ITS chegaram à proposta de
quatro projetos. O Projeto Ecologia capa- um projeto de arborização urbana e edu-
citou 350 alunos das escolas da região, da cação ambiental, chamado Um Lugar
faixa etária de dez a 18 anos, em educação Melhor para Viver. Selecionado em um
ambiental e reciclagem de resíduos e pro- edital da Secretaria Municipal do Verde e
moveu visitas técnicas às margens da re- do Meio Ambiente (SMVA), o projeto re-
30 presa e às nascentes espalhadas pelo bair- cebeu recursos do Fundo Especial do
ro. A Horta Escola ensinou 60 pessoas de Meio Ambiente e Desenvolvimento
15 a 50 anos a cultivar alimentos orgâni- Sustentável (Fema) e teve início em feve-
INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL

cos. O Alimente-se Bem por R$ 1 ofere- reiro de 2007. Seu objetivo é o plantio de 4
ceu a 40 pessoas cursos de culinária de mil árvores nas principais vias públicas de
baixo custo, com aproveitamento de ta- Cidade Ipava e bairros vizinhos – Jardim
los, folhas e cascas de alimentos. E o Aracati e Vila Gilda –, de forma planejada,
Brasileiro, Mostra a sua Cara congregou envolvendo a população.
imigrantes, originários principalmente A primeira forma de envolvimento é
do Nordeste, em eventos de música, dan- por meio dos agentes de defesa do meio
ça e culinária. ambiente. Trata-se de um grupo de seis
Mudanças no cenário político da cida- moradores – dois deles participantes da
de, no entanto, interferiram nos rumos primeira equipe de pesquisa – capacita-
do projeto. Em meados de 2006, a prefei- dos em técnicas de plantio, conceitos bá-
tura suspendeu as verbas dos pólos de de- sicos de educação ambiental e, também,
senvolvimento social. Ainda assim, nos em pesquisa popular. Este grupo saiu a
três projetos, além do público atendido, campo para consultar os moradores e sen-
foram contratados 15 monitores. sibilizá-los para que adotassem uma mu-
da na frente de suas casas ou comércios.
Também difundiu informações sobre os
Arborização cuidados necessários para garantir um
A degradação do meio ambiente na região crescimento adequado das árvores e co-
decorre do acúmulo de problemas que exi- mo recorrer à equipe em caso de perda ou
gem o planejamento de ações integradas, depredação. Assim, também foram res-
capazes de dar conta das especificidades lo- ponsáveis por ampliar a participação da
cais (área de proteção ao manancial) e res- comunidade no projeto. O plantio está
ponder a questões mais amplas e comple- em andamento, com a supervisão de um
xas, como o adensamento urbano nas engenheiro agrônomo e da SMVA. O pro-
margens da represa Guarapiranga, o des- jeto prevê ainda a capacitação de 30 pro-
fessores de escolas públicas da região para
trabalharem a educação ambiental com QUADRO DE RESULTADOS
seus alunos.
INFRA-ESTRU- n Saneamento básico: Ampliação
TURA da rede de esgoto para 100%
Fortalecer o empreendedorismo das residências. Antes, atingia
apenas 50%.
Como visto anteriormente, a ampliação n Pavimentação: 15 km de ruas
do asfalto gerou novas oportunidades asfaltadas, passando de 20% para
econômicas e deu impulso à geração de 70% das ruas do bairro.
trabalho e renda em Cidade Ipava. A quali-
ficação dos pequenos empreendimentos PROJETOS n Telecentro comunitário: Primeiro
do bairro permaneceu, em 2007, uma de- IMPLANTADOS telecentro comunitário auto-sus-
manda para a qual os agentes de desenvol- OU EM FASE DE tentável. 150 pessoas formadas e
IMPLANTAÇÃO outras 78 em formação
vimento local participativo também de-
n Pólo de Desenvolvimento Social:
veriam formular respostas. O Conselho
1) Projeto Ecologia, 350 alunos de
buscou, então, uma parceria com o Sebrae 10 a 18 anos capacitados; 2) Horta
com o objetivo de oferecer aos empreen- Escola, 60 pessoas de 15 a 50 anos
dedores locais um curso que os preparasse capacitadas em cultivo de horta
orgânica; 3) Alimente-se Bem por
para lidar com ferramentas de gestão e pla-
R$ 1, 40 pessoas de 15 a 50 anos
nejamento, visando à sustentabilidade capacitadas em culinária de baixo
dos negócios. Em setembro de 2007, o cur- custo; e 4) Brasileiro, Mostra sua
so Aprendendo a Empreender teve início, Cara, programação cultural com
imigrantes residentes no bairro.
com 45 participantes e a colaboração de
n Um Lugar Melhor Para Viver:
um morador, que cedeu um espaço de sua arborização urbana (total de 4 mil
casa para a realização das atividades. Para o árvores) e educação ambiental
futuro, um dos desafios será conceber es- (seis agentes de defesa do meio
ambiente e 30 professores da rede
tratégias que integrem os empreendimen-
pública capacitados).
tos, fortaleçam os segmentos econômicos n Aprender a Empreender: 45
considerados prioritários (como o ecotu- empreendedores locais capacita-
rismo) e possam resultar em um impacto dos em gestão e plano de negó-
cios, com metodologia do Sebrae.
significativo na economia local e na vida
da população.
ATIVIDADES n Inauguração de postos de
ECONÔMICAS comércio e serviços nas ruas
Próximos desafios E EMPREGOS asfaltadas.
CRIADOS n Criação de cerca de 100 novos
As lideranças comunitárias comprometi-
OU INDUZIDOS postos de trabalho.
das com o desenvolvimento local partici-
pativo em Cidade Ipava costumam referir-
se a ele como uma caminhada. Sabem que, AUTONOMIA A comunidade está mais preparada
assim como as lutas iniciadas no período para conduzir seu próprio processo
da redemocratização do país não se perde- de desenvolvimento.
ram naquele momento da história, mas se
estendem e se fazem presentes hoje, no
cotidiano das pessoas, também a constru- reflexão sobre a prática, de modo contínuo
ção do DLP é um processo que, uma vez e progressivo. Este enfoque é característi-
que é dada a partida, de modo estruturado co da metodologia de Tecnologia Social
e sistêmico, não se esgota numa ação ou em DLP. O que se destaca é sua contribui-
em um projeto. Não termina com a obten- ção para fortalecer a capacidade coletiva de
ção do asfalto e do esgoto, com a inaugura- produzir, sistematizar e fazer a gestão de
ção do Telecentro Comunitário ou com o conhecimentos, com o objetivo de solu-
plantio de mudas de Mata Atlântica ao lon- cionar as necessidades fundamentais da
go das vias públicas. Estes são alguns re- população local, e gerar uma cultura de
sultados concretos do DLP, assim como o inovação permanente. Quando incorpo-
são todas as pessoas capacitadas (mem- rada ao território, ela se torna parte de sua
bros do Conselho, pesquisadores popula- riqueza e um elemento chave na sustenta-
res, empreendedores locais, agentes de bilidade do processo de desenvolvimento.
defesa do meio ambiente e professores da
32 rede pública, entre outros), que assumi-
ram o projeto perante sua comunidade e
os parceiros. Hoje essas pessoas estão mais
INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL

preparadas para conduzir o seu projeto de


futuro e afirmam, em muitos depoimen-
tos, que participar desta caminhada teve
um efeito transformador em suas vidas.
Em Cidade Ipava, a comunidade pro-
curou celebrar alguns dos resultados con-
solidados com as primeiras ações. O
Conselho reconhece a necessidade de
avaliar cada uma das ações do DLP, identi-
ficando pontos fortes e as dificuldades
encontradas até aqui, para poder confir-
mar ou reformular as estratégias, envol-
vendo a comunidade neste aprendizado e
tendo em vista a continuidade do que já
foi implementado.
Assim, os resultados também são con-
siderados como momentos de um proces-
so. Cada etapa que se consolida e é divulga-
da, comunicada para o conjunto dos
moradores, é apenas uma estação nesta ca-
minhada, em que se toma fôlego para
prosseguir com esperanças renovadas e a
alegria de colher os frutos do trabalho. O
processo se realimenta, mobiliza novas
forças e pode se reinventar, a partir de co-
nhecimentos que nascem da prática e da
2. SÃO SEBASTIÃO (DF): Diagnóstico
A ABERTURA DE Em 2005, as lideranças do Centro Cultural
Alan Viggiano (CCAV), que vivem em São
NOVOS CAMINHOS Sebastião desde sua fundação e há muitas
décadas se engajam em ações para a melho-
A 1 4ª das 19 regiões administrativas ria das condições de vida da comunidade,
do Distrito Federal é São Sebastião, si- buscaram apoio da Secretaria da Ciência e
tuada a 26 km do Plano Piloto. Até 1993, Tecnologia para Inclusão Social do Minis-
quando foi alçada a esta condição, era tério da Ciência e Tecnologia (Secis/ MCT),
uma agrovila, e ainda hoje, com cerca de com a intenção, inicialmente, de fortalecer
90 mil habitantes, apresenta fortes ca- o trabalho que a instituição já realizava nes-
racterísticas rurais. ta cidade-satélite. O ITS foi chamado, pela
O início da ocupação da área se deu parceria que mantém com a Secis/MCT,
com grandes fazendas. Com a construção para assessorar a implementação da meto-
de Brasília, nos anos 1950, e a desapro- dologia de Desenvolvimento Local Parti- 33
priação de parte dos terrenos, a ocupação cipativo com Tecnologia Social, que havia
humana se intensificou, com trabalha- sido sistematizada a partir da experiência

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
dores da construção civil e olarias, que fa- do bairro de Cidade Ipava, na Zona Sul de
bricaram tijolos para as obras na nova ca- São Paulo.
pital federal. São Sebastião tornou-se Como vimos anteriormente, a meto-
uma cidade-dormitório e o núcleo urba- dologia prevê uma etapa de mobilização
no cresceu. da comunidade, a formação de uma ins-
Mais recentemente, multiplicaram- tância que possa gerir o projeto (como um
se os condomínios residenciais e a espe- conselho) e coordenar as ações e parcerias
culação imobiliária começou a mudar a dentro do território, a elaboração de diag-
paisagem local. Desde o ano 2000, o cres- nóstico local participativo com a capacita-
cimento populacional é, em média, de ção de pesquisadores populares, e o uso
10% ao ano e São Sebastião se expande de instrumentos de planejamento e ava-
com novos loteamentos que se aproxi- liação, que ajudam a comunidade a definir
mam, cada vez mais, de áreas do cerrado, prioridades, implementar projetos e
consideradas de proteção ambiental. acompanhar seu andamento, buscando
Esse processo foi intensificado em 2004, resultados concretos.
com a construção da ponte Jucelino Ku- Como primeiro passo, as lideranças do
bitschek, que reduziu o tempo para se CCAV articularam-se com a Associação
deslocar até o Plano Piloto. dos Moradores do Bairro Bela Vista e a
Além da exclusão e desigualdades so- ONG Moradia e Cidadania, além de mo-
ciais, a cidade convive com um problema radores interessados em agir coletiva-
de habitações precárias, inclusive com mente pela melhoria da qualidade de vi-
áreas sob risco de inundações e desaba- da. Formaram, assim, o Conselho de
mentos. Os órgãos de saúde locais regis- Desenvolvimento Local Participativo de
tram casos de hantavirose, leishmaniose São Sebastião.
e febre maculosa, doenças relacionadas A proposta do projeto de Desenvolvi-
aos assentamentos impróprios. mento Local Participativo foi apresentada
à comunidade, em uma reunião que con- ma de organização do trabalho. Esses da-
tou com a presença de cerca de 100 pes- dos indicaram que alternativas de traba-
soas. Em seguida, o Conselho selecionou lho e renda com base na cooperação e au-
42 moradores, que foram capacitados pa- togestão, adotadas e validadas por
ra fazer a pesquisa popular em São diversas experiências de DLP, no caso de
Sebastião. Eles entrevistaram pessoas em São Sebastião exigiriam, como primeiro
1.990 domicílios e 447 postos de comér- passo, uma ação de difusão de informa-
cio e serviços, com o objetivo de mapear ções à população e ampla discussão, para
as demandas da comunidade e as poten- que esta pudesse refletir e, eventualmen-
cialidades para o desenvolvimento. Em te, optar por esta alternativa. Quanto à
seguida, parte da equipe recebeu capaci- demanda por capacitação, a área mais ci-
tação para digitar as respostas e organizar tada foi informática, seguida por admi-
os dados em gráficos e tabelas. nistração e estética. Ao mesmo tempo, a
Os resultados foram apresentados e maioria dos entrevistados manifestou o
34 discutidos em três reuniões comunitá- desejo de transformar suas habilidades –
rias, nos dias 2 de dezembro de 2005, 19 de como culinária, artesanato e confecção e
janeiro e 4 de março de 2006. A análise costura – em fonte de renda.
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dos dados mostrou que quase metade da


população (47%) tinha até 20 anos, sete
em cada dez entrevistados haviam estu- Estratégias e realizações
dado, no máximo, até o ensino funda- Com o resultado da pesquisa popular em
mental, indicando baixa escolaridade, e mãos, os moradores puderam traçar pro-
mais da metade da população é atingida postas de projetos e ações que permitis-
pelo desemprego e subemprego. sem enfrentar as principais demandas
Um hospital, um cemitério, áreas de reveladas pelo estudo. A comunidade de-
lazer, posto policial, asfalto, regulariza- finiu dois projetos como prioritários: um
ção de loteamentos, água encanada e es- curso preparatório para o vestibular e um
goto eram as principais demandas levan- centro de capacitação em informática.
tadas pela pesquisa. O estudo constatou Outras demandas que se destacaram fo-
que 55% das famílias tinham renda men- ram a organização da coleta seletiva e reci-
sal de até dois salários mínimos e 27% clagem, o fomento à agricultura orgânica,
eram atendidas pelos programas de trans- o fortalecimento dos empreendimentos
ferência de renda do governo federal. locais, com acesso a microcrédito e capaci-
Mesmo com a situação de pobreza retra- tação em gestão de negócios, a criação de
tada pela pesquisa, a maioria dos entre- uma incubadora no setor de confecção e
vistados possuía casa própria. costura e o desenvolvimento do turismo
Em uma das perguntas, os entrevista- rural, aproveitando a existência de cháca-
dos disseram acreditar que um grande ras nos arredores do núcleo urbano de São
empreendimento, como uma indústria, Sebastião. No total, foram levantadas 11
por exemplo, seria a solução para os pro- frentes.
blemas econômicos de São Sebastião. A pesquisa também deu visibilidade
Quase três quartos dos entrevistados des- para reivindicações antigas da comunida-
conheciam o cooperativismo como for- de, em especial a construção de um cemi-
tério e um fórum de Justiça em São plinas do ensino médio, além de inglês e es-
Sebastião. As reuniões que se seguiram à panhol, em um curso gratuito que, só no pri-
apresentação da pesquisa motivaram que meiro ano, teve 200 alunos inscritos. O
a comunidade organizasse um abaixo-as- CCAV cedeu salas de sua sede tanto para a
sinado para pressionar o poder público no realização desta atividade quanto para a ins-
atendimento a essas demandas. Além talação do centro de informática.
disso, resultou em uma campanha a favor O processo de desenvolvimento local
da educação básica, com o lema “Nenhu- participativo, em São Sebastião e Cidade
ma Criança Fora da Escola em 2006”, e Ipava, vem mostrando que a organização
uma parceria com a Embrapa-DF, que das demandas da comunidade com uso de
realizou uma oficina sobre a fabricação de método científico e a capacitação da po-
conservas e o cultivo de hortaliças, da pulação para participar de todas as etapas
qual participaram também os pesquisa- da pesquisa e do planejamento facilita a
dores populares. Meses depois, as obras criação de consensos sobre as prioridades
do fórum de Justiça começaram. coletivas, a definição de estratégias, por 35
Estes foram os primeiros resultados al- exemplo, na hora de buscar parcerias e a
cançados, como conseqüência da divulga- compreensão das responsabilidades par-

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
ção dos dados da pesquisa popular e das tilhadas entre os diferentes atores que in-
prioridades e propostas definidas nos en- teragem no projeto. Isso gera novas opor-
contros com a comunidade. Este esforço se tunidades no território e um ambiente
revelou fundamental para realizar parce- favorável à inovação, que deverão ser con-
rias que viabilizaram, por exemplo, um siderados na continuidade do DLP.
centro de capacitação em informática, com Em 2007, a comunidade de São Se-
computadores doados pela Caixa Econô- bastião se reuniu novamente para discutir
mica Federal, por intermédio da ONG e planejar os passos seguintes do projeto.
Moradia e Cidadania. A instituição tam- A integração das áreas rurais da cidade-sa-
bém forneceu recursos que permitiram télite no DLP foi considerada estratégica e
iniciar outras duas parcerias – com a em- levantou-se a necessidade de uma nova
presa Microlins e a cooperativa Cooper- pesquisa popular, com questionários es-
união – com o objetivo de oferecer à comu- pecíficos, para iniciar esse processo. Antes
nidade 13 cursos profissionalizantes. que ela fosse realizada, no entanto, a asso-
A demanda por cursos de complementa- ciação dos produtores do núcleo rural de
ção escolar foi apresentada à Universidade Capão Comprido, por intermédio do
de Brasília (UnB), que já vinha implemen- CCAV, lançou a proposta de revitalizar
tando em outras cidades-satélite do Distrito um antigo galpão, que já dispõe de máqui-
Federal um programa com este objetivo, o nas de costura e fogão industrial, para ofe-
Diálogos Acadêmicos, como parte das ativi- recer cursos de capacitação em confecção e
dades de extensão universitária. Em 2006, costura e panificação, atendendo também
este programa passou a atender também a os produtores do núcleo São Bartolomeu.
comunidade de São Sebastião, integrando, A proposta da associação é que esta ativi-
dessa forma, a universidade ao desenvolvi- dade faça parte do planejamento de DLP.
mento local participativo. Estudantes uni- O que se nota é que o contexto de opor-
versitários começaram a dar aulas das disci- tunidades que vai se estruturando no terri-
tório favorece que atores “de dentro” e “de 3. CRÉDITO ÀS PESSOAS:
fora” (do bairro, cidade etc.) somem-se ao A EXPERIÊNCIA DO BANCO
processo, ao perceber novas possibilidades
PALMAS
de parcerias e de ampliação do impacto de
suas ações. O que, por sua vez, pode viabi-
lizar ainda mais oportunidades na direção
proposta pelos agentes locais. A iniciativa A formação de uma comunidade
que partiu das associações rurais é um O Conjunto Palmeiras é um bairro/favela
exemplo. Além delas, a Secis/MCT, no fi- com 30 mil habitantes, situado na periferia
nal de 2007, estudava a implantação de um de Fortaleza (CE). A história desta comuni-
centro de divulgação e demonstração de dade começa em 1973, quando chegaram os
experiências de tecnologias sociais e a rea- primeiros habitantes vindos de despejos
plicação da metodologia de desenvolvi- realizados, principalmente, na região lito-
mento local participativo com Tecnologia rânea da cidade. Isto ocorreu devido à exe-
36 Social de São Sebastião para outras duas ci- cução do plano metropolitano de urbaniza-
dades-satélite. Já a UnB planejava instalar ção, que culminou com a abertura de novas
uma unidade em São Sebastião. ruas e avenidas e com a conseqüente espe-
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As lideranças e os moradores historica- culação imobiliária. Esta população indi-


mente comprometidos com o desenvolvi- gente foi “atirada” numa área pantanosa,
mento social no bairro, cidade ou região coberta por lama e vegetação densa, de con-
onde acontece o DLP desempenham um dições inadequadas para a convivência hu-
papel central, ao orientar as ações para que mana. As primeiras formas de mobilização
sejam efetivas na resolução das demandas da comunidade remontam ao final da déca-
da população e implementadas com mé- da de 70, de quando datam a construção da
todos participativos. Como vimos, esse Casa de Parto – iniciativa de representantes
papel também é assumido por todas as de algumas quadras da favela, constituin-
pessoas que se envolvem na discussão, do-se como uma espécie de embrião da as-
planejamento e implantação do DLP, co- sociação de moradores –, a criação do
mo, por exemplo, os pesquisadores popu- Centro Social e a fundação de uma escola
lares. Ao participarem do projeto e assu- para os estudos de ensino fundamental.
mirem responsabilidades perante a A fundação da Associação dos Mora-
comunidade e os parceiros, também se dores do Conjunto Palmeiras (Asmoconp)
tornam capazes de transmitir seus objeti- ocorre em 1981, quando começa o processo
vos, o histórico de realizações, compreen- de organização das famílias. O resultado da
der suas limitações e recuperar o contexto articulação e pressão popular exercida pela
em que os projetos foram desenvolvidos e Asmoconp junto ao poder público e orga-
seu sentido coletivo. Esses conhecimen- nismos de cooperação – nacional e interna-
tos, conforme são incorporados ao terri- cional – é percebido ao se visualizar que ho-
tório, contribuem para a continuidade das je o Palmeiras dispõe de redes de água,
ações e para a ampliação da mobilização – esgotamento sanitário, telefonia e energia
de pessoas e instituições – em torno do elétrica, canal de drenagem. Também está
DLP, sendo este um dos desafios mais re- organizado por quadras e tem acesso a ou-
centes da experiência de São Sebastião. tros serviços públicos, como transporte,
escola de ensino médio e postos de saúde. era a dificuldade de arcar com os custos da
Deve-se creditar estas conquistas à capaci- melhoria urbana. Água canalizada impli-
dade de articulação da Asmoconp e de suas cou pagamento da conta mensal de consu-
1
lideranças . mo do serviço e ruas asfaltadas correspon-
diam a acréscimos no imposto predial que
também deveriam ser quitados.
Habitando o inabitável A mesma pesquisa constatou que, em
Um momento bastante relevante ocorreu 90% das residências, a renda familiar esta-
em 1991. A Asmoconp em parceria com 26 va abaixo de dois salários mínimos, 80%
organizações (Sociedade Beneficente, da população economicamente ativa esta-
Igreja, Centro Cultural e Comunitário, va desempregada e os pequenos produto-
entre outras) do Conjunto Palmeiras rea- res não tinham como empreender devido
lizaram o seminário “Habitando o inabi- à falta de acesso ao crédito e às dificuldades
tável”, com a finalidade de discutir e ela- na comercialização de seus produtos.
borar o Plano Estratégico Decenal para Durante aquele ano, a Asmoconp realizou 37
urbanizar o bairro até o ano 2000. Ao final inúmeras reuniões e seminários com os
do evento foi fundada a União das seus habitantes – entre eles o “Habitando

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
Associações e Grupos Organizados do o inabitável II” – para discutir a condição
Conjunto Palmeiras (Uagoconp). de pobreza econômica local e suas alterna-
Até 1997, em que pesassem os avanços tivas de enfrentamento. Mais uma vez, a
na infra-estrutural local do bairro, suas comunidade se mobilizou na busca de so-
condições mais gerais de vida continua- luções para as suas dificuldades.
vam amplamente influenciadas por uma Nesta perspectiva de luta por alternati-
conjuntura política e econômica superior. vas de geração de ocupação e renda, a
Um dado alarmante – mas até esperado Asmoconp cria o Banco Palmas, em janei-
devido ao quadro socioeconômico do ro de 1998, e implanta uma rede de solida-
Conjunto Palmeiras –, obtido em uma riedade socioeconômica entre produtores
pesquisa realizada pela Asmoconp naque- e consumidores locais. Embora o termo
le ano, apontara que em torno de 20% das “economia solidária” fosse nessa época
2
famílias que participaram das campanhas desconhecido de todos , a idéia era “um
de mobilização e pressão para construção projeto de geração de trabalho e renda que
do bairro, durante mais de duas décadas, estimularia a produção local através de
não moravam mais lá. A principal causa uma linha de financiamento (microcrédi-

1. Neste processo de edificação do local, a Asmoconp contou com o apoio de algumas entidades de assessoria ao movi-
mento popular, entre outras, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a Organização Britânica de Cooperação
Internacional (Oxfam), a Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese); e as ONGs cearenses – Escritório de Planejamento
Regional (Esplar) e Cearah Periferia. Da mesma forma, em respostas a sua ação reivindicatória ou à submissão de proje-
tos de desenvolvimento da comunidade, a Asmoconp teve entre os seus parceiros os governos (federal, estadual e munic-
ipal - seus ministérios, secretarias, autarquias, estatais e bancos). Entretanto, salientamos a singularidade deste caso no
sentido do papel central desempenhado pelos seus próprios moradores. Os agentes externos neste caso contribuíram,
sem dúvida, porém são as características de mobilização dos próprios habitantes neste contexto que se afirma.
2. Desde 1997 – quando se inicia a discussão em torno do projeto alternativo de geração de ocupação e renda para a
comunidade do Conjunto Palmeiras – até 2000, a equipe de coordenação do Banco Palmas não havia tomado conheci-
mento dos construtos de economia solidária. Somente, em meados do ano 2000, no I Encontro Brasileiro de Cultura e
Socioeconomia Solidária, em Mendes (RJ), é que os técnicos e a equipe de gestão da Asmoconp/Banco Palmas tem o
primeiro contato com as categorias da Economia Solidária.
to) e outra linha que estimulasse o consu- A efetivação deste projeto transfor-
mo local através de um cartão de crédito mou a atuação da Asmoconp. Depois de 25
próprio” (Melo Neto e Magalhães, 2003). anos de existência do Conjunto Palmeiras,
A proposta inicial era entender como é os moradores estavam acostumados a ge-
que se manteria uma experiência de crédi- rir as lutas sociais ou os projetos coletivos
to para os produtores do Conjunto de construção na forma de mutirão. Ou se-
Palmeiras. A partir deste ponto, se discutiu ja, na luta pela melhoria urbana, todos par-
com os comerciantes do bairro e com os só- ticipavam e todos sabiam o que fazer – na
cios. Daí apareceu a sugestão de se financiar manifestação, na passeata, na assembléia.
também o consumo como forma de dina- No entanto, gerir um projeto de concessão
mizar a economia local. Para além de uma de crédito, em formato de banco, era bas-
linha de crédito para se incentivar só a pro- tante diferente daquilo com que eles esta-
dução, surge, então, a idéia de um cartão de vam habituados a lidar até então. Parte das
crédito para estimular também o consu- pessoas que estiveram nas mobilizações
38 mo. Portanto, a semente que gerou todo o não percebeu que a gestão do viés econô-
Sistema de Microcrédito e Gestão da mico evidencia a chegada de uma dimen-
Economia Solidária, ancorado pelo Banco são de ação diferente – uma perspectiva
INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL

Palmas e comandado pela Asmoconp, foi a mais burocrática e mercantil – da que era
criação do cartão de crédito com circulação conduzida pela Asmoconp até então –
local cujo objetivo era incitar as pessoas a uma dimensão de ação mais solidária.
consumirem no Conjunto Palmeiras. Enfim, depois de 17 anos agindo como
Assim, nascia PalmaCard, o Cartão de amplificadora das lutas para minimizar as
Crédito do Banco Palmas. carências sociais da população do Conjun-
O objetivo do Banco Palmas seria, en- to Palmeiras, tendo como ferramenta o ca-
tão, garantir microcréditos para produção e pital social e como estratégia a pressão, a
o consumo local, a juros muito baixos, sem Asmoconp passou a agir, principalmente,
exigência de consultas cadastrais, compro- na intervenção e na aplicação de projetos
vação de renda ou fiador. Segundo Silva socioprodutivos de combate às desigual-
Júnior e França Filho (2005), na perspectiva dades econômicas locais. Para isso, no en-
edificada pelo Banco Palmas para o acesso tanto, teve de lidar com muitas situações
ao microcrédito, mais do que um cadastro difíceis, principalmente ter que preparar a
formal, a concessão do crédito exige um co- mentalidade dos seus líderes para esta no-
nhecimento da vida do tomador do em- va perspectiva de atuação (Silva Júnior e
préstimo na comunidade. O agente de cré- França Filho, 2005).
dito consulta assim a rede de relações da O Banco Palmas torna-se, portanto,
pessoa como fonte de conhecimento. Já a uma experiência comunitária de finanças
cobrança do crédito, por sua vez, passa pela solidária que fomenta a geração de traba-
introdução de um mecanismo de controle lho e renda, pela utilização de diversos
social extremamente original ao envolver instrumentos de viabilização de micro-
vizinhos numa espécie de aval solidário. crédito aos produtores e consumidores
São os próprios moradores que passam a ter do bairro do Conjunto Palmeiras, em
a função de estabelecer mecanismo de pres- Fortaleza (Silva Júnior, 2004). O projeto,
são moral junto aos demais vizinhos. surgido em 1998 como ação da Asmo-
conp, tem, nos últimos nove anos, criado O apoio do Instituto Banco Palmas
e aprimorado uma série de ferramentas à multiplicação dos bancos
para gerar e ampliar a renda na comunida- comunitários
de (crédito para produção e consumo com Com este modelo de tecnologia social,
garantias baseadas nas relações de proxi- o Banco Palmas vinha obtendo o reconhe-
midade, cartão de crédito local, crédito cimento de diversas organizações gover-
para agricultura urbana, clubes de trocas namentais, não-governamentais e multi-
solidárias, moeda social de circulação lo- laterais, que têm conseguido ampliar as
cal), geridos pela própria Asmoconp. oportunidades de geração de renda e redu-
À experiência do Banco Palmas atri- zir a exclusão local com uma metodologia
buiu-se o nome de banco comunitário, já completamente original, coerente, exe-
que suas características impedem o en- qüível e reaplicável. Diante disso, o Banco
quadramento numa tipologia tradicional Palmas tem buscado reproduzir esta tec-
e oficial de organizações que atuam com nologia em parceria com diversas institui-
microcrédito (sociedade de crédito ao mi- ções no Brasil. Isso ocorreu, principal- 39
croempresário (SCM), cooperativa de mente, a partir de 2003, quando foi
crédito, banco do povo) e finanças solidá- fundado o Instituto Banco Palmas de De-

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
rias (fundos comunitários, fundos rotati- senvolvimento e Socioeconomia Soli-
vos solidários, entre outras). As caracte- dária. O Instituto Banco Palmas, com sede
rísticas que, acredita-se, distinguem os em Fortaleza, tem como função difundir
bancos comunitários das demais expe- as metodologias e tecnologias sociais de-
riências de microcrédito são: i) A coorde- senvolvidas pelo Banco Palmas no Brasil e
nação do Banco e gestão dos recursos são no exterior.
efetuados por uma organização comuni- O Instituto Banco Palmas, desde então,
tária; ii) A utilização de linhas de micro- tem realizado estudos e pesquisas sobre
crédito para a produção e o consumo local tecnologias sociais e estratégias de comba-
com juros justos que possibilitam a gera- te à pobreza em territórios de baixa renda,
ção de renda e oportunidades de trabalho além de apoiar projetos de inclusão social
em toda a comunidade; iii) A concessão e em municípios e bairros populares de todo
cobrança dos empréstimos são baseados o país. No ano de 2005, a idéia de implanta-
nas relações de vizinhança e domesticida- ção de bancos comunitários começou a se
de, impondo um controle que é muito consolidar. Vários parceiros procuraram o
mais social que econômico; e iv) A cria- Instituto com o intuito de constituir uma
ção de instrumentos alternativos de in- experiência deste tipo em comunidades de
centivo ao consumo local – cartão de cré- diversas cidades do Brasil: Campo Grande
dito e moeda social circulante local – que (MS), Vila Velha (ES), Vitória (ES), Simões
são reconhecidos por produtores, comer- Filho (BA), Salvador (BA), Paracuru (CE),
ciantes e consumidores como eficazes pa- Palmácia (CE), Santana do Acaraú (CE),
ra a dinamização da economia local. Iraucuba (CE), Maranguape (CE),
(Redes, 2006a) Maracanaú (CE), Beberibe (CE), Fortaleza
Parece evidente que os bancos comuni- (CE), João Pessoa (PB) e Alcântara (MA).
tários podem perfeitamente ser conside- Todas as tecnologias sociais desenvol-
rados como uma tecnologia social. vidas em caráter de difusão pelo Instituto
Banco Palmas têm na sua origem três cerias fossem viabilizadas. Além disso,
princípios comuns: em julho de 2005, o Instituto Banco Pal-
1. Princípio da sistematização metodológica mas firmou um contrato com o Banco
– que as TSs possibilitem a sistematização Popular do Brasil para garantir o fundo de
metodológica visando à sua reaplicação; crédito do Banco Palmas e que este pudes-
2. Princípio da política pública – que as se conceder microcréditos, por meio de
TSs, em sua totalidade ou em parte, pos- uma nova linha de crédito, utilizando a es-
sam se tornar política pública assumida trutura operacional do Banco Popular do
pelos governos; Brasil. Aqui se alcançou a solução para a
3. Princípio do empoderamento comuni- falta de fundos que alimentem as linhas
tário – que as TSs sejam de fácil implanta- de crédito do banco comunitário. E o mais
ção e rápido domínio pela comunidade. importante: o recurso concedido pelo
A metodologia de bancos comunitá- Banco Popular do Brasil ao Banco Palmas
rios surge, evidentemente, também com representa a utilização de dinheiro públi-
40 estes princípios básicos. Quanto ao ter- co para viabilizar projetos econômicos lo-
ceiro princípio, o banco comunitário, cais. No momento em que contratos co-
comprovadamente, pode no período de mo este passem a ser executados com os
INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL

seis meses até um ano ser totalmente as- demais bancos comunitários, será um
sumida pela comunidade local, sem a ne- enorme passo na consolidação desta me-
cessidade de assessoramento contínuo todologia como política pública.
posterior. Já em relação aos outros dois Em que pese esta metodologia estar
princípios, havia a necessidade de mais bem delimitada, o Instituto Banco Palmas
discussão e prática – no que se refere à sis- tem procurado torná-la mais sólida e dar-
tematização – e de negociação e vontade lhe caráter científico. Destarte, foi realiza-
política – no tocante à política pública. do em Fortaleza, em janeiro de 2006, um
Com esta iniciativa, o Instituto Banco encontro para sistematização da metodo-
Palmas busca reforçar a tecnologia social e logia de bancos comunitários, apresenta-
– com a contribuição dos parceiros na im- ção de resultados e levantamento de ex-
plementação, fundamentalmente orga- pectativas para a continuidade do Projeto
nismos governamentais – viabilizar a de Apoio à Organização de Bancos Comu-
atuação dos bancos comunitários por nitários. A primeira fase do projeto foi en-
meio de políticas públicas. Dando conti- cerrada em abril de 2006 com uma avalia-
nuidade a este esforço, em 2005, o Ins- ção que considera os objetivos específicos
tituto Banco Palmas articulou um projeto do projeto e os resultados alcançados nas
com a Secretaria Nacional de Economia etapas anteriores para verificar o seu êxito.
Solidária (Senaes/MTE) para a consolida- De acordo com a Rede de Bancos Co-
ção dos bancos comunitários e torná-los munitários (2006a), na gestão do banco
referência de política nacional de incenti- comunitário são considerados alguns in-
vo ao crédito para a produção e consumo dicadores, indispensáveis para se chegar a
local. Com este parceiro, foi possível que um entendimento do que seja satisfatório
os custos operacionais e de capacitação de no desenvolvimento territorial da comu-
agentes e gerentes de crédito fossem assu- nidade onde se instalou o banco: 1) a co-
midos pela Senaes/MTE e que novas par- munidade deve ter fortalecido seu proces-
so de organização e representação social cular – simultaneamente – produção, co-
como reforço as organizações da socieda- mercialização, financiamento e capacita-
de civil existentes e recém constituídas; 2) ção das comunidades do território.
processos de capacitação das lideranças lo- É certo que o sistema financeiro inter-
cais devem ser executados para torná-las nacional, com destaque para a América
capazes de conduzir programas e projetos Latina, tem se mostrado a cada dia mais
que promovam a geração de trabalho e excludente e promotor de desigualdades
renda; 3) a comunidade local deve ser sen- sociais. Por um lado, acumulam-se bi-
sibilizada para a necessidade de preserva- lhões nas mãos de banqueiros e, por ou-
ção do meio ambiente, criando condições tro, milhões de pessoas se encontram sem
concretas para que os seres humanos pos- acesso ao crédito, aos serviços bancários e
sam viver em harmonia com a natureza e a políticas financeiras que apontem na di-
todos seus ecossistemas; e, 4) sistemas lo- reção da distribuição de renda. Exemplo
cais de produção e consumo devem ser disso é a cidade de Fortaleza, onde 76% da
implantados – dentro dos princípios da população sequer têm uma conta bancária 41
economia solidária, do comércio justo, da (IPDC, 2006), ou ainda, o que confirma o
produção sustentável e das finanças soli- Cadastramento Nacional de Economia

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
dárias – para que o desenvolvimento local, Solidária, que identificou o acesso ao cré-
integral e sustentável esteja alicerçado na dito como um dos dois maiores proble-
distribuição de renda e das riquezas. mas apontados pelos trabalhadores desse
O último passo dado para a solidifica- setor (Senaes, 2006).
ção dos processos de gestão social desses Percebe-se, portanto, que o banco co-
bancos comunitários foi a consolidação da munitário é uma tecnologia social de fi-
Rede Brasileira de Bancos Comunitários nanças solidárias que pode contribuir
em abril de 2007, quando foi realizado o II enormemente para a minimização des-
Encontro dos Bancos Comunitários. A sas dificuldades. Constitui-se em um ser-
Rede (2006b) contribui para a troca de ex- viço comunitário que incentiva as ações
periências e saberes e para articular recur- do desenvolvimento socioeconômico
sos e parcerias para que todos os bancos nos territórios onde está implantado, fi-
comunitários possam crescer de modo nanciando produtores, comerciantes e
conjunto. Vale lembrar que se trata de um consumidores, e ampliando a capacidade
projeto de apoio às economias populares da comunidade para a incorporação dos
de territórios com baixo desenvolvimento valores e princípios da economia solidá-
socioeconômico, tendo por base os prin- ria. Em relação íntima com as políticas pú-
cípios da economia solidária e oferecendo blicas de assistência e distribuição de ren-
à população excluída do sistema financei- da dos governos federal, estadual e
ro quatro serviços: fundo de crédito soli- municipal, o banco comunitário só pode
dário, moeda social circulante local, feiras existir com o compromisso da transfor-
de produtores locais e capacitação em eco- mação social e a participação ativa das co-
nomia solidária. Assume-se, então, um munidades. Nasce das necessidades e,
destacado papel de promotor do desen- com organização e sistematização, favo-
volvimento territorial e do empodera- rece as condições para que outras inova-
mento e organização comunitária, ao arti- ções sociais continuem a florescer.
PERSPECTIVAS
E DESAFIOS
O Brasil obteve, nos últimos anos,
uma redução bastante significativa
nos índices de pobreza, miséria e desi-
derno, a Tecnologia Social e o desenvolvi-
mento local participativo estão estreita-
mente relacionados, já que apresentam
43

PERSPECTIVAS E DESAFIOS
gualdade. Isso se deveu, em grande me- pontos em comum que possibilitam uma
dida, aos programas de redistribuição de significativa coesão e articulação – não de
renda, em âmbito municipal, estadual e, forma artificial, mas por conta de suas ca-
com especial destaque, no âmbito fede- racterísticas intrínsecas. Pode-se então
ral, por meio do programa Bolsa Família. afirmar que os projetos de desenvolvi-
Milhões de pessoas passaram a receber mento local, pela sua própria dinâmica,
uma renda que lhes garante a segurança ganham força quando fazem uso de valo-
mínima necessária para reestruturar res, princípios e metodologias de TS.
suas vidas com dignidade. Contudo, o desafio está em conseguir
Há ainda muitas outras frentes de ação transformar as múltiplas experiências
governamental pela melhoria das condi- que encontramos por todo o país em
ções de vida das populações de baixa ren- uma política pública nacional estrutura-
da, como o programa Luz para Todos, a re- da. O papel do Estado neste processo é
dução no custo de materiais de construção primordial. A ele cabe prover as condi-
e da cesta básica, a ampliação do microcré- ções para o pleno desenvolvimento dos
dito etc. Tais programas precisam ser am- potenciais das comunidades, por meio
pliados, para que cheguemos o mais rápi- de financiamento adequado, da criação
do possível a erradicar, em nosso país, de um ambiente econômico e social pro-
condições de vida bastante precárias, mui- pício à inovação e do provimento de re-
tas vezes chegando a ser desumanas. cursos técnicos e humanos de alta quali-
As experiências mostram que o de- dade. Mas, se o governo deve garantir
senvolvimento local com Tecnologia acesso a direitos básicos tais como saúde,
Social tem alto potencial de gerar alterna- educação e infra-estrutura urbana, a so-
tivas de trabalho e renda, de modo inclu- ciedade civil precisa se organizar ocu-
sivo, democrático e sustentável. De fato, pando os espaços institucionais que lhes
como se depreende dos relatos deste ca- são oferecidos.
Os processos aqui apresentados têm a
característica comum de aproximar a co-
munidade do poder público e, assim, de or-
denar e definir ações prioritárias levantadas
a partir dos anseios das pessoas dessas loca-
lidades. Com efeito, a participação popular
é certamente um dos caminhos que podem
fortalecer o desenvolvimento local.
E é dentro desse contexto que se faz im-
perativo que se constitua um processo
realizado “de baixo para cima”, de modo a
não se configurar em um mecanismo cen-
tralizador. Ao contrário, deve-se favorecer
a diversidade das iniciativas e dos atores
44 sociais. Neste sentido, as TSs são um im-
portante elo para aproximar a sociedade
civil das instâncias de governo. A comuni-
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dade organiza suas demandas utilizando


técnicas de pesquisa e o conhecimento pa-
ra criar soluções que promovam o desen-
volvimento a partir da sua perspectiva,
respeitando identidades locais.
Outra condição essencial para ativar a
dinâmica da inovação social é a universa-
lização do acesso à educação pública de
qualidade. Que as escolas, as universida-
des e os centros de pesquisa dialoguem
cada vez mais com as comunidades a que
servem – ou deveriam servir –, para cons-
tituir-se em pólos de distribuição do capi-
tal intelectual. Deste modo, espera-se
que aumente o seu potencial de gerar ri-
queza por meio do conhecimento.
Por, fim, cabe salientar que a reaplica-
ção de tecnologias pode proporcionar
melhorias importantes na qualidade de
vida de uma comunidade, ou mesmo
transformar a paisagem de uma região.
Mas para que essa mesma comunidade se
fortaleça e seja capaz de caminhar com as
próprias pernas, é preciso que nela a dinâ-
mica da inovação social tenha se instaura-
do de modo profundo.
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EXPEDIENTE
Projeto de Comunicação do Instituto de Tecnologia Social apoiado pelo Ministério da Ciência
e Tecnologia – Secretaria da Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social

MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA


Ministro da Ciência e Tecnologia Dr. Sérgio Machado Rezende

SECRETARIA DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA A INCLUSÃO SOCIAL


Secretário da Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social Joe Carlo Viana Valle

INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL


CONSELHO DELIBERATIVO
Presidente Marisa Gazoti Cavalcante de Lima
Primeiro vice-presidente Roberto Vilela de Moura Silva
Segunda vice-presidente Maria Lúcia Barros Arruda
Membros Laércio Gomes Lage, Moysés Aron Pluciennik, Pascoalina J. Sinhoretto e Roberto Dolci
Conselho Fiscal Alfredo de Souza, José Maria de Sousa Ventura e Sandra Magalhães
Suplente do Conselho Fiscal Marli Aparecida de Godoy Lima
Gerente executiva Irma Rossetto Passoni

EQUIPE DE PROJETOS
Coordenador de projetos Jesus Carlos Delgado Garcia
Equipe Beatriz Mecelis Rangel, Flávia Torregrosa Hong, Gerson José da Silva Guimarães,
Marcelo Elias de Oliveira, Philip Hiroshi Ueno e Sandra Regina da Fonseca Felizatto
Secretaria Edilene Luciana Oliveira e Maria Aparecida de Souza
Estagiário Edison Luis dos Santos

CONHECIMENTO E CIDADANIA 2 – TECNOLOGIA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL


Autores Irma Rossetto Passoni (coordenação geral), Maurício Ayer (coordenação editorial),
Anselmo Massad e Beatriz Mecelis Rangel (relatoria Cidade Ipava e São Sebastião),
Jeová Torres Silva Júnior (relatoria Banco Palmas), Jesus Carlos Delgado Garcia e Philip Hiroshi Ueno
Instituto Banco Palmas Sandra Magalhães (Coordenadora de Projetos) e
João Joaquim de Melo Neto Segundo(Coordenador Geral)
Conselho de Desenvolvimento Local de Cidade Ipava Arthur Gomes Peixoto, Edson Correa da Cruz,
Fernando Gouveia, José Alves de Lima e Patricia Aparecida Ribeiro
Conselho de Desenvolvimento Local de São Sebastião Maria Aparecida de Andrade Abreu, Alan Viggiano,
Sebastião de Barros Abreu, Cristiane de Pontes, André de Oliveira, Francisco Alexandre Sther e Zélia Andrade
Projeto gráfico e diagramação Lia Assumpção
Ilustração Ohi

ITS Rua Rego Freitas, 454, cj. 73 | República | cep: 01220-010 | São Paulo | SP
tel/fax: (11) 3151 6499 | e-mail: its@itsbrasil.org.br www.itsbrasil.org.br
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