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TECNOLOGIA SOCIAL E
DESENVOLVIMENTO PARTICIPATIVO
Introdução 08
SUMÁRIO
Caminhos cruzados de Tecnologia Social 14
e desenvolvimento local: uma proposta de metodologia
O ciclo de um projeto de DLP e suas etapas
Relatos de experiências 24
1. Cidade Ipava: um bairro que se reinventa
2. São Sebastião (DF): a abertura de novos caminhos
3. Crédito às pessoas: a experiência do Banco Palmas
Perspectivas e desafios 42
Referências bibliográficas 46
APRESENTAÇÃO
N os últimos anos, questões como o combate à pobreza, o meio ambiente e o futu-
ro de nosso planeta têm tido enorme repercussão na mídia em todo o mundo. O
debate sobre as mudanças climáticas é bastante emblemático. Um dado de primordial
5
APRESENTAÇÃO
importância é que essas mudanças, que tantos riscos trazem às nossas populações,
resultam de nossos próprios atos. São as conseqüências do modelo de desenvolvi-
mento vigente, que aposta tudo no acúmulo de riquezas em detrimento da conserva-
ção do meio ambiente e do bem-estar da maioria da população mundial.
De todas as discussões, chegou-se a pelo menos um consenso: já não se pode adiar a
busca de alternativas. Pois, se milhões de pessoas já não conseguem ter garantidos os
seus direitos fundamentais – a uma vida digna, por exemplo –, se continuarmos no
mesmo caminho a tendência é de que essa situação piore nos próximos anos, com gra-
ves conseqüências para todos em poucas décadas.
Ao contrário dos fatalistas, que se prostram diante de catástrofes tidas como inevi-
táveis, o Instituto de Tecnologia Social se coloca ao lado daqueles que acreditam que é
possível reverter este quadro e construir um mundo de justiça social, bem-estar e sus-
tentabilidade. Não há dúvida de que a caminhada é longa, mas já estamos em marcha.
Neste contexto, ganham especial relevância as propostas de desenvolvimento local
participativo (DLP). Trata-se de um modo de estruturar o desenvolvimento realizado a
partir do território, no qual são introduzidas inovações, geradas ali mesmo ou trazidas
de fora, sempre com intensa participação da comunidade.
Conceber e implementar projetos de desenvolvimento local participativo e susten-
tável pressupõe uma visão sistêmica da realidade, que procure gerar propostas compa-
tíveis com a complexidade inerente à própria vida. Envolve também uma postura em-
preendedora, de quem se antecipa ao futuro e enxerga a realidade em perspectiva,
vislumbrando as oportunidades que se escondem sob os problemas.
O ponto de partida é, inevitavelmente, o estudo do território com o mapeamento
das necessidades e demandas, realizado sempre com a participação da população local,
que protagoniza cada etapa do processo. Assim, formam-se pesquisadores populares
da própria comunidade, que se tornam capazes de recolher e interpretar dados, organi-
6 zar informações e produzir os conhecimentos pertinentes. Eles utilizam conceitos de
desenvolvimento local, de sustentabilidade ambiental e econômica e todo o necessário
para elaborar e executar os projetos que julguem prioritários.
INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL
Mas o aprendizado vai muito além do preparo técnico e dos conhecimentos adqui-
ridos. Aqueles que tomam o seu próprio destino nas mãos se transformam como seres
humanos, pois acreditam na possibilidade de superar-se e de superar os seus proble-
mas. Nesta caminhada, qualificam-se politicamente, aprendendo a administrar confli-
tos e a colaborar pelo bem coletivo.
De fato, a soma de mobilização social com o conhecimento científico dá uma quali-
dade diferenciada ao processo de desenvolvimento, ampliando as possibilidades de se
obter o apoio de governos comprometidos com a transformação dessas realidades e de
se chegar ao êxito nos projetos.
Neste caderno, apresentamos uma proposta metodológica de DLP, desenvolvida a
partir da sistematização de nossas experiências práticas. Duas delas são aqui comparti-
lhadas, a de Cidade Ipava (bairro periférico da cidade de São Paulo) e a de São Sebastião
(cidade-satélite do Distrito Federal). Nestas duas comunidades, procuramos, junta-
mente com as lideranças locais, organizadas em Conselhos, e outros parceiros, imple-
mentar projetos de DLP com Tecnologia Social. Também trazemos um relato sobre o
Banco Palmas, que por sua originalidade e sucesso tem merecido atenção especial de
todos que trabalham neste campo.
O Estado tem o papel primordial de criar um ambiente socioeconômico que favore-
ça o processo contínuo de inovação social como elemento chave para o desenvolvimen-
to. Afinal, os projetos de DLP estão mostrando que é possível gerar trabalho e renda e,
mais que isso, dignidade para as pessoas que, com organização e conhecimento, procu-
ram tornar realidade o que parecia impossível.
Boa leitura!
INTRODUÇÃO
pesquisa, reflexão, prática e sistemati- pal era a formulação coletiva de um con-
zação. Seu intuito primeiro é o de com- ceito de Tecnologia Social, que fosse reali-
partilhar um pouco da experiência do zada a partir da prática das organizações e
Instituto de Tecnologia Social (ITS) na que fortalecesse a percepção de que elas
implantação de projetos de desenvolvi- também realizam ciência e tecnologia,
mento local participativo (DLP). com o explícito compromisso de transfor-
Um marco importante no percurso do mar a realidade no sentido de reduzir a
ITS foi o seminário “Tecnologia Social: desigualdade. Outros dois encontros se
Desenvolvimento Local, Participativo e concentraram nos temas “Educação” e
Sustentável nos Municípios”, realizado “Agricultura Familiar”. Um quarto en-
em maio de 2004, em São Paulo (ITS, contro foi dedicado à troca de experiência
2004a). O seminário contou com a parti- entre todos os participantes, com vistas à
cipação de 42 representantes de entidades formulação do conceito de TS.
não-governamentais, associações comu- Essa metodologia de trabalho reflete,
nitárias, poder público, universidades e afinal, o que entendemos por Tecnologia
institutos de pesquisa, todos interessa- Social. Falar em tecnologia, atribuindo a
dos em conhecer e debater as três expe- ela o adjetivo social, significa, a um só
riências de desenvolvimento local sele- tempo, postular a ampliação do que se
cionadas. Foram elas: o Banco Palmas, compreende como ciência e tecnologia e
criado pela Associação dos Moradores do reconhecer a necessidade de pensá-la a
Conjunto Palmeiras (Asmoconp); a Or- partir de critérios como democracia, jus-
ganização de Pequenos Agricultores para tiça social e desenvolvimento humano.
Geração de Trabalho e Renda, iniciativa Importante, ainda, é sublinhar que tais
da Associação de Pequenos Agricultores critérios – que são, sobretudo, princípios
do Município de Valente (Apaeb); e a e valores – não devem aparecer apenas nas
Agenda 21 Local da Estância Turística de discussões. Justamente por isso, a criação
de fóruns, ambientes de discussão e gru- produtos e serviços introduzidos no mer-
pos de trabalho torna-se meio favorável cado e com transformações marcantes na
não só para elaborar o conceito de Tecno- vida das pessoas. A tecnologia do banco
logia Social de maneira participativa, co- popular tem sido reaplicada com êxito em
mo também para consolidar uma cultura diversas localidades brasileiras. Mesmo
de ciência, tecnologia e inovação voltada em se tratando de um projeto bastante
ao desenvolvimento social. conhecido entre pessoas e organizações
Após aquele seminário, o ITS achou do chamado terceiro setor, acreditamos
que era o momento de “pôr a mão na mas- que será útil revisitá-lo, não apenas por
sa”, para buscar implementar o conheci- que forneceu subsídios aos projetos reali-
mento acumulado em pesquisas e trocas zados pelo ITS, mas também porque está
com organizações parceiras e poder sempre em transformação e expansão,
aprender com a experiência prática. Vá- sempre com novos aportes. Devido ao
rias demandas chegaram até o Instituto, intervalo de tempo entre a realização dos
10 que se reuniu com as comunidades para, encontros em 2004 e a publicação deste
juntos, estruturarem projetos de desen- caderno, foi feita uma pesquisa para atua-
volvimento local. Foi o caso da comuni- lizar dados e informações.
INSTITUTO DE TECNOLOGIA SOCIAL
dade de Cidade Ipava, bairro na Zona Sul Trazemos, também, antes de chegar
da cidade de São Paulo, e de São Sebastião, aos relatos de experiências, no capítulo
município localizado no Distrito Federal. “Caminhos cruzados de Tecnologia Social
Em ambos os casos havia organizações e Desenvolvimento Local: uma proposta
com histórico de mobilizações comunitá- de metodologia”, uma breve introdução às
rias que representavam o substrato inicial relações entre TS e DLP e o resumo da
para os projetos de DLP. A existência de metodologia utilizada em Cidade Ipava, já
articulações locais e lideranças sensíveis revista em função da experiência prática.
aos problemas de suas comunidades foi Embora saibamos que não existem fór-
condição determinante para que se ini- mulas prontas para o DLP, alguns traços
ciassem estes projetos. Além disso, a parecem ser comuns às iniciativas de
demanda foi levantada pelas próprias maior êxito. Estas etapas, adaptadas às rea-
comunidades, evitando-se que o projeto lidades locais e referendadas pela comuni-
fosse feito “de cima para baixo”. dade representam um grande avanço
Apresentamos, então, a experiência de neste campo de estudos. A metodologia
DLP dessas duas localidades, que são pro- apresentada indica alguns desses passos
cessos em curso, estando no presente mo- que podem orientar o processo de desen-
mento em diferentes fases de implemen- volvimento a partir das potencialidades e
tação. Acreditamos que possam servir resolução das demandas sociais mais
como material de reflexão e discussão para urgentes em cada localidade.
empreendedores sociais que trabalhem
em contextos similares a estes.
Dos casos apresentados e debatidos
em 2004, será aqui relatado o do Banco
Palmas. Trata-se de uma iniciativa que já
completou um ciclo importante, com
CAMINHOS CRUZADOS
DE TECNOLOGIA SOCIAL
E DESENVOLVIMENTO
LOCAL: UMA PROPOSTA
DE METODOLOGIA
N esta seção, vamos procurar entender
melhor como se formulam conceitu-
almente os processos de desenvolvimen-
11. processos participativos de planeja-
mento, acompanhamento e avaliação;
12. construção cidadã do processo
15
dos em numerosas experiências de de- res a vapor) tanto nas fábricas quanto no
senvolvimento. O que comprova que este transporte ferroviário. Dessa época, ficou
conceito é algo em construção, que nunca uma marca que predominaria até mo-
se formula sem se referenciar em um con- mentos bem recentes: industrializar-se
texto e sem que se possa desprender valo- seria a forma predominante, o ideal, e o ca-
res ou interesses sociais de seu bojo. minho a percorrer, em várias etapas, para
os países que se propuseram a se desenvol-
ver. Essa perspectiva, com algumas novas
Formação do atual contexto de de- conotações, se prolongaria durante a se-
senvolvimento gunda revolução industrial. Ela, que co-
O conceito de desenvolvimento, encon- meça no início do século XX e tem os
tra-se na atualidade em profunda discus- Estados Unidos da América como epicen-
são e revisão. Após a Segunda Guerra tro, e atingindo o seu explendor entre as
Mundial, a partir das diferentes experiên- décadas de 50 e 70, caracteriza-se pelo
cias de desenvolvimento que ocorreram “modelo fordista de desenvolvimento”,
em diferentes países, fossem estes chama- com o surgimento das linhas de monta-
dos de “desenvolvidos” ou “em desenvol- gem e da automação, com maior especiali-
vimento”, e, sobretudo, desde o novo ce- zação da mão-de-obra. É o momento em
nário da globalização, têm aumentado em que se busca a massificação da produção e
muito as preocupações com o que fazer do consumo, assim como o reconheci-
para impulsionar o desenvolvimento. mento legal dos sindicatos, o direito de
O desenvolvimento foi tema impor- greve e a negociação coletiva. Mas isso se
tante dos pioneiros da ciência econômica deu de maneira muito desigual.
e de autores clássicos como Adam Smith, Por quê? Porque o consumo de massa,
que se propôs “uma investigação sobre a o reconhecimento de direitos trabalhistas
natureza e causa da riqueza das nações”, e e a valorização do salário como mola pro-
pulsora da economia crescente em produ- Tudo isso conformou o que se consi-
tividade, na verdade, se viabilizaram ape- deraria uma nova revolução industrial, a
nas nos países centrais, que ficaram com o terceira, que trouxe muitas incertezas e
“filé mignon” do processo. Para os países inseguranças. Às vezes chamada de toyo-
“periféricos”, como o Brasil, que se inseri- tista, ou de pós-fordista (Lipietz, 1998),
ram subordinadamente nesse modelo, so- ela foi também caracterizada como de
braram os “ossos”. Quer dizer, as fortes “acumulação flexível” (Harvey, 1993) ou
desigualdades sociais e, também, dispari- como a “sociedade da informação e do co-
dades regionais no desenvolvimento em nhecimento”. Vista a partir de outros
termos de infra-estrutura, parques indus- pressupostos, como por exemplo o de-
triais e geração de riqueza. Isto, sem esque- semprego que provocou, recebeu a alcu-
cer da indução de fortes migrações, da rígi- nha de “horror econômico” (Forrestier,
da disciplina fabril e, sobretudo, da 1997) e, a partir de sua dinâmica espacial,
perversa exclusão dos frutos do desenvol- pela expansão da moradia precária, de
vimento para uma grande parcela da po- “planeta favela” (Davis, 2006). 17
pulação, associada a uma “caricatura” – se Não se trata aqui de entrar em detalhes
comparado com os países centrais – do quanto a cada uma dessas denominações.
que deveria ser o desenvolvimento, que simples fonte de recursos, é a nossa mora-
rumos querem dar ao seu futuro e ao do da; e a qualidade do meio ambiente é um
seu território. Quer dizer, de alguma for- fator de primeira importância na qualida-
ma os aspectos de cidadania – de direito a de de vida.
participar no próprio desenvolvimento – Por fim, o desenvolvimento deve ser
devem ser reconhecidos aos cidadãos. participativo, pois isto significa, em últi-
Trata-se, então, também de uma questão ma instância, que o processo democráti-
de poder. E, em conseqüência, de conhe- co está se fortalecendo, o que tem repre-
cimento e empoderamento. sentado uma das principais garantias
Dentro dessas linhas, o desenvolvi- com relação ao desenvolvimento huma-
mento é pensado com algumas ênfases, no de um país ou comunidade. A demo-
que fazem com que ele deva ser entendido cracia é o processo em que as diferentes
como local, sustentável, integrado, am- vozes de uma sociedade conseguem ma-
biental e participativo. nifestar-se e são respeitadas. Num con-
O desenvolvimento é local porque de- texto destes, dificilmente os direitos
ve ser endógeno, puxado “de dentro para fundamentais como a segurança alimen-
fora”, com a participação direta da popu- tar e a vida deixarão de ser respeitados.
lação local. Muitos planos centralizados, Neste sentido, o fracasso de modelos de
que procuravam massificar um modelo desenvolvimento que se concretizam de
num âmbito nacional ou regional, chega- forma autoritária ou centralizada nas
ram a produzir crescimento econômico, mãos de elites ou tecnocratas não é ca-
mas não desenvolvimento, como men- sual. Não raro, pessoas foram (e são) des-
cionado. Acabaram causando inúmeros respeitadas, tratadas como objetos que
problemas, sejam eles sociais ou ambien- podem ser manipulados conforme o in-
tais. Daí também a ênfase na sustentabili- teresse de alguns, desestabilizadas, obri-
dade: muitos processos fracassaram por- gadas a migrar e assim por diante.
O desenvolvimento local profundamente alterado, por um fortale-
O desenvolvimento local pode ser consi- cimento das instituições democráticas e
derado como uma modalidade de desen- dos canais de participação nas questões de
volvimento. Ele pode ser concebido como interesse público local.
um processo orientado e promovido a Alguns fatores cruciais para impulsio-
partir do território, no qual são introduzi- nar o DL podem ser denominados como
das inovações, sejam elas técnicas ou so- quatro formas de capital: natural, intelec-
ciais. Tendo isto em vista, podemos des- tual e humano, social e, por fim, em-
crever esse processo como o conjunto de preendedor e econômico.
ações ocorridas a partir do território vi- O capital natural são os recursos físi-
sando a um aumento na criação de valor e cos ou ambientais do território.
na economia, geração de trabalho e renda O capital intelectual e humano são os
e melhoria no bem-estar e qualidade de vi- conhecimentos, as habilidades, a cultura, a
da dos moradores (Alburquerque, 2003). educação e os valores dos habitantes locais.
O nível de acesso à educação formal (esco- 19
laridade) pode ser determinante em mui-
Inovação social tos casos, embora esta forma de capital não
n
n
Elaborar o
Monitorar pré-diagnóstico:
e avaliar necessidades
a implantação e potencialidades
dos projetos
n
n
Criar a estrutura
Captar recursos social da
financeiros participação
e humanos para
os projetos
n
n
DIAGNOSTICAR
Planejar E PLANEJAR
os projetos
prioritários
n
n
Recolher
e produzir as
IMPLANTAR, informações
MONITORAR, necessárias
AVALIAR
n
Escolher os
n
projetos prioritários
Aprovar em
n Elaborar o
n diagnóstico e o
assembléia o plano
com os projetos e a plano de
agenda local desenvolvimento
pois isso pode resultar em maior credibi- mento, a estratégia de desenvolvimento,
lidade ao projeto e o início do envolvi- fruto do consenso entre os atores locais,
mento prático das pessoas. Retardar a im- que explicite os objetivos gerais de longo
plantação para depois de aprovado o prazo, o modelo de desenvolvimento ado-
Plano pode significar perder a oportuni- tado e as formas que adotará.
dade ou momento propício. 3. Escolher os projetos prioritários, consi-
derando aqueles com maior viabilidade,
nas diferentes áreas. Seu horizonte tem-
Segunda etapa: poral poderá ser anual, com o objetivo de
Diagnosticar e planejar serem mais factíveis de monitoramento e
O objetivo desta etapa consiste na visuali- avaliação. O Plano deve conter também as
zação de um futuro para a comunidade lo- formas e instrumentos de comunicação a
cal, por meio da elaboração de um Diag- serem adotados para que a população es-
nóstico e Plano de Desenvolvimento Local. teja a todo tempo informada do anda-
22 Trata-se de um único documento, com- mento do projeto.
posto de duas partes em referência mútua 4. Realizar ampla aprovação e adesão ao
– Diagnóstico e Plano –, que deve conter os Plano, o que pode ser feito mediante uma
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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
Em Cidade Ipava há um histórico de
movimentos e organizações sociais.
Pessoas que ainda hoje vivem no bairro
Os primeiros passos estiveram presentes em muitas lutas por
A Zona Sul da cidade de São Paulo é carac- direitos e melhorias das condições de vi-
terizada por uma diversidade de espaços da, tendo participado na organização das
geográficos, entre eles, áreas de proteção reivindicações de sua região desde o pe-
ambiental e de mananciais como as repre- ríodo da ditadura militar. Essa trajetória
sas Billings e Guarapiranga. Este é um da- de cidadania foi um fator importante para
do determinante a se considerar, quando que a população local se envolvesse como
se buscar reduzir os índices de desigual- protagonista na promoção de um projeto
dade e exclusão social da região, um dos de desenvolvimento orientado a partir do
mais graves do município. Um dos bair- território e capaz de atender às necessida-
ros da Zona Sul, localizado às margens da des da população.
represa Guarapiranga, com carência de No final de 2004, lideranças comunitá-
obras de infra-estrutura e grande desi- rias procuraram o Instituto de Tecnologia
gualdade social, é Cidade Ipava. Social (ITS) com a intenção de criar, con-
Por estar situado em área de manancial, juntamente, ações para enfrentar os pro-
o bairro tem na regularização fundiária, blemas locais, valorizando o potencial hu-
saneamento e permeabilidade do solo mano, ambiental, cultural e econômico do
preocupações constantes, além de proble- bairro. Neste primeiro momento, tinham
mas comuns a outros bairros da periferia clareza de querer iniciar um processo que
paulistana relacionados a trabalho e renda, recuperasse e desse um novo sentido à
transporte, escolarização e acesso a cultu- mobilização de pessoas e organizações
ra e lazer, entre outros. Quanto aos índices com a finalidade de melhorar a qualidade
de criminalidade, que até pouco tempo de vida da população. A partir disso, o ITS,
em parceria com a Secretaria da Ciência e nadas a este objetivo (educação ambiental)
Tecnologia para Inclusão Social do e uma compreensão deste tema como
Ministério da Ciência e Tecnologia transversal a todo o planejamento que se
(Secis/MCT), discutiu com estes mem- viesse a fazer para promover o desenvolvi-
bros da comunidade a proposta de um mento local. A necessidade de difundir a
projeto de desenvolvimento local partici- idéia de DLP junto à população e a integra-
pativo. Para ter sucesso, porém, a chave es- ção com bairros vizinhos foram apontadas
taria em ter no ITS um apoio e não o motor como passos importantes.
central. Todo o histórico de participação Para orientar o processo e se relacionar
social precisaria ser aproveitado, fortale- com possíveis parceiros, entre eles, o poder
cendo o protagonismo da comunidade. público, discutiu-se a formação de um
Em novembro daquele ano foi promo- Conselho de Desenvolvimento Local
vida uma reunião para levantar informa- Participativo dentro da comunidade, que
ções sobre Cidade Ipava e avaliar a possibi- tomasse para si essas responsabilidades.
26 lidade de se utilizar métodos de Tecnologia Procurou-se sensibilizar outras lideranças
Social (TS) neste projeto. O grupo elabo- e moradores antigos do bairro. O Conselho
rou um primeiro diagnóstico, levantando foi então constituído com seis membros.
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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
rio mínimo, viabilizada pela Secis/MCT, 1.163 domicílios, o equivalente a um quar-
por meio de sua parceria com o ITS. A se- to dos cerca de 20 mil moradores do bair-
guir, cinco destes pesquisadores passa- ro. A pesquisa de atividades econômicas
ram por uma segunda capacitação, volta- funcionou como um censo, já que todos
da para a digitação dos dados e sua os 144 pontos de comércio e serviços par-
organização em gráficos e tabelas. ticiparam da pesquisa.
A opção por capacitar pessoas da co- Os dados revelaram, como pontos for-
munidade favoreceu que os conhecimen- tes de Cidade Ipava, a tranqüilidade, os
tos gerados nesta primeira etapa do proje- baixos índices de violência e o meio am-
to permanecessem no local. Além disso, biente preservado. Esporte, turismo e la-
resultou em ampla aceitação em respon- zer apareceram com destaque entre as ati-
der à pesquisa, que terminou com um ín- vidades que poderiam ser incentivadas. A
dice de recusas próximo a zero, aumen- necessidade de projetos de geração de tra-
tando também o grau de confiabilidade balho e renda decorreu da combinação de
dos dados. Depois do trabalho de campo, alguns dados da pesquisa, que apontou,
a comunidade passou a ver os pesquisa- por exemplo, uma taxa de 40% de desem-
dores como referências do projeto, a prego ou ocupações informais. Dentre os
quem podiam recorrer para tirar dúvidas empregos, apenas 17,5% eram gerados no
e saber como ele iria continuar. próprio bairro. Do total de entrevistados,
Os questionários foram aplicados por 32% eram empreendedores, em sua maio-
duplas de pesquisadores, constituídas ria familiares, do ramo de supermercados
sempre de um jovem e um adulto. Há aí e mercearias. A pesquisa identificou tam-
uma diferença em relação às formas con- bém a demanda por um posto de serviços
vencionais de pesquisas socioeconômicas, bancários e por formação profissional –
nas quais os pesquisadores atuam indivi- 64% desejavam se capacitar –, com desta-
dualmente. Essa forma de organizar a cole- que para a área de informática.
A PESQUISA NOS DOMICÍLIOS REVELOU QUE:
A articulação se amplia
n A população é jovem: 24,5% tem 10 anos ou menos; 35,6% A apresentação à comunidade dos re-
tem entre 21 e 40 anos. sultados da pesquisa popular, em maio de
n Mais da metade dos entrevistados (66%) reside em 2005, realizou-se na sede de uma das orga-
Cidade Ipava há seis anos ou mais; apenas 7% da popu-
nizações não governamentais do bairro,
lação, há mais de 20 anos.
n Quase metade da população entrevistada (49%) afirma Conviver é Viver. Desde a seleção da equi-
gostar muito do bairro. pe de pesquisadores, o Conselho desem-
n Mais de 700 entrevistados na pesquisa domiciliar disse- penhou um papel importante na divulga-
ram gostar do bairro devido à sua tranqüilidade, em
ção dos objetivos do desenvolvimento
seguida, com pouco mais de 500 respostas, aparecem
como fatores positivos a natureza e as pessoas do bairro. local e no esclarecimento à comunidade
n A maioria dos chefes de família (82%) declarara ter casa sobre a função do pesquisador popular.
própria, o que indica disposição de permanecer no bairro. Isso acontecia em espaços tradicionais de
n 87% das famílias disseram ganhar até cinco salários encontro e circulação, como a igreja e o co-
mínimos por mês. Isto significa que a circulação econô-
mica em Cidade Ipava é maior do que se esperava ini- mércio. A reunião foi também uma opor-
cialmente. tunidade de ampliar essa divulgação e ini-
n Do total de entrevistados, 71% fazem suas compras den- ciar a construção de propostas, tendo
tro de Ipava e 84% acreditam nas cooperativas como
como base os dados levantados e sistema-
uma solução para o desenvolvimento local.
n Uma parte considerável dos moradores (38%) participa tizados na pesquisa.
de comunidades religiosas. Neste momento, também ocorreu a
n Quase metade dos entrevistados afirma que nunca parti- ampliação do Conselho, com a adesão de
cipou de atividades comunitárias, mostrando que são
quatro novas instituições: as organiza-
necessárias atividades que venham a incentivá-las.
ções não governamentais Sociedade Be-
neficente Guainumbi e Conviver é Viver, a
Biblioteca São Lucas e a Subprefeitura do
M’Boi Mirim, responsável por adminis-
trar os distritos do Jardim Ângela – onde se
encontra Cidade Ipava – e Jardim São Luiz.
Isso representou, entre outras coisas, uma
aproximação com o poder público, princi-
palmente no encaminhamento de reivin-
dicações históricas da população, como
eram os casos do asfalto e do esgoto em
Cidade Ipava e nos bairros vizinhos Jardim
Aracati e Vila Gilda.
A mobilização popular e a sistematiza-
ção resultante da pesquisa tornaram as
demandas locais mais “visíveis” para a
subprefeitura, que considerou esta com-
binação importante para uma atuação
mais eficaz da gestão pública, ajudando a
estabelecer prioridades, validadas pela
comunidade organizada, direcionar re-
cursos de forma planejada e evitar a dis-
persão de esforços. Assim, a subprefeitu- Com a formação de um público interessa-
ra assumiu a sua responsabilidade de pa- do em informática, possibilitada pelo
vimentar 15 km de ruas do bairro, incluin- Telecentro, duas LAN houses foram inau-
do as principais avenidas, e articulou-se guradas. Algumas oportunidades foram
com a Companhia de Saneamento Básico inesperadas, como, por exemplo, a inau-
de Estado de São Paulo (Sabesp) para que guração de dois estabelecimentos de lava-
as obras fossem conjugadas com a instala- rápido, que antes seriam inviáveis, já que
ção da rede de esgoto. Atualmente, o es- o barro que tomava as ruas nos dias de
goto atinge a totalidade das casas. chuva e a poeira intensa nas temporadas
Quanto à demanda por capacitação em secas tornavam a tarefa de lavar o carro in-
informática, já na reunião de apresentação grata. Esses e outros novos negócios ins-
dos resultados da pesquisa levantou-se a talados nas ruas asfaltadas (mercearias,
proposta de criação de um telecentro co- farmácias, lojas de roupas) contribuíram
munitário. Encampada pelo Conselho e os para dinamizar a economia do bairro e ge-
moradores ali presentes, as atividades de raram cerca de 100 empregos diretos, se- 29
preparação do projeto começaram. O Con- gundo estimativas do ITS.
selho escolheu um espaço apropriado (a Como fruto deste contexto que veio se
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
sobreloja de uma farmácia conhecida no criando e se fortalecendo a partir da orga-
bairro), buscou empresas que pudessem nização popular, a subprefeitura propôs a
doar computadores (obteve, afinal, com a implantação de um pólo de desenvolvi-
empresa Suzaquim, de reciclagem de pi- mento social em Cidade Ipava/Jardim
lhas e baterias) e o ITS capacitou dois mo- Aracati, que previa ações em parceria com
nitores, selecionados entre os pesquisado- organizações da sociedade civil, com foco
res populares. Assim, em outubro de 2005, na promoção da cultura, educação, assis-
inaugurou-se o Telecentro Comunitário tência social, esportes e lazer, entre ou-
de Cidade Ipava, com o objetivo inicial de tros. A iniciativa era parte de uma política
oferecer cursos básicos de informática – a pública da prefeitura, que previa a criação
chamada alfabetização digital. de dez pólos como este em áreas de vulne-
Buscando dar sustentabilidade ao rabilidade social (escolhidas levando em
Telecentro, optou-se pela cobrança de uma conta dados como índice de desenvolvi-
taxa de matrícula de R$ 20 e uma mensali- mento humano, áreas de risco e infra-es-
dade de R$ 15, recursos que pagam o salário trutura urbana, entre outros), dois deles
dos monitores e as contas (luz, água, tele- na Zona Sul. A prefeitura lançou editais
fone, xerox de apostilas etc.). Um super- para selecionar projetos elaborados por
mercado do bairro – cujo proprietário, José organizações da sociedade civil, sintoni-
Alves de Lima, é também membro do zados com os objetivos do pólo. Em
Conselho de Desenvolvimento Local Cidade Ipava e Jardim Aracati, as entida-
Participativo – assumiu o aluguel da sala. des Sociedade Beneficente Guainumbi,
Até setembro de 2007, 150 moradores ha- Conviver é Viver e Biblioteca São Lucas,
viam concluído o curso básico de informá- junto com os demais membros do
tica e outros 78 estavam em formação. Conselho e agentes de saúde locais e con-
As inovações introduzidas no bairro tando com a assessoria do ITS, se articula-
trouxeram oportunidades econômicas. ram para formular uma proposta conjun-
ta, reforçando o contexto de colaboração e matamento e a exploração ilegal de recursos
parceria. A iniciativa representou uma naturais (areia, minério), a necessidade de
inovação, contrastando com uma prática fiscalização eficiente e de conscientização
verificada em outras regiões, nas quais as da comunidade sobre o impacto de suas
entidades concorreram entre si, com pro- ações na área de manancial.
jetos bastante parecidos. Ao discutir estratégias que fortaleces-
A proposta foi então selecionada e, de sem o papel da população na preservação
janeiro a julho de 2006, as entidades de do manancial da Guarapiranga, o
Cidade Ipava e Jardim Aracati realizaram Conselho e o ITS chegaram à proposta de
quatro projetos. O Projeto Ecologia capa- um projeto de arborização urbana e edu-
citou 350 alunos das escolas da região, da cação ambiental, chamado Um Lugar
faixa etária de dez a 18 anos, em educação Melhor para Viver. Selecionado em um
ambiental e reciclagem de resíduos e pro- edital da Secretaria Municipal do Verde e
moveu visitas técnicas às margens da re- do Meio Ambiente (SMVA), o projeto re-
30 presa e às nascentes espalhadas pelo bair- cebeu recursos do Fundo Especial do
ro. A Horta Escola ensinou 60 pessoas de Meio Ambiente e Desenvolvimento
15 a 50 anos a cultivar alimentos orgâni- Sustentável (Fema) e teve início em feve-
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cos. O Alimente-se Bem por R$ 1 ofere- reiro de 2007. Seu objetivo é o plantio de 4
ceu a 40 pessoas cursos de culinária de mil árvores nas principais vias públicas de
baixo custo, com aproveitamento de ta- Cidade Ipava e bairros vizinhos – Jardim
los, folhas e cascas de alimentos. E o Aracati e Vila Gilda –, de forma planejada,
Brasileiro, Mostra a sua Cara congregou envolvendo a população.
imigrantes, originários principalmente A primeira forma de envolvimento é
do Nordeste, em eventos de música, dan- por meio dos agentes de defesa do meio
ça e culinária. ambiente. Trata-se de um grupo de seis
Mudanças no cenário político da cida- moradores – dois deles participantes da
de, no entanto, interferiram nos rumos primeira equipe de pesquisa – capacita-
do projeto. Em meados de 2006, a prefei- dos em técnicas de plantio, conceitos bá-
tura suspendeu as verbas dos pólos de de- sicos de educação ambiental e, também,
senvolvimento social. Ainda assim, nos em pesquisa popular. Este grupo saiu a
três projetos, além do público atendido, campo para consultar os moradores e sen-
foram contratados 15 monitores. sibilizá-los para que adotassem uma mu-
da na frente de suas casas ou comércios.
Também difundiu informações sobre os
Arborização cuidados necessários para garantir um
A degradação do meio ambiente na região crescimento adequado das árvores e co-
decorre do acúmulo de problemas que exi- mo recorrer à equipe em caso de perda ou
gem o planejamento de ações integradas, depredação. Assim, também foram res-
capazes de dar conta das especificidades lo- ponsáveis por ampliar a participação da
cais (área de proteção ao manancial) e res- comunidade no projeto. O plantio está
ponder a questões mais amplas e comple- em andamento, com a supervisão de um
xas, como o adensamento urbano nas engenheiro agrônomo e da SMVA. O pro-
margens da represa Guarapiranga, o des- jeto prevê ainda a capacitação de 30 pro-
fessores de escolas públicas da região para
trabalharem a educação ambiental com QUADRO DE RESULTADOS
seus alunos.
INFRA-ESTRU- n Saneamento básico: Ampliação
TURA da rede de esgoto para 100%
Fortalecer o empreendedorismo das residências. Antes, atingia
apenas 50%.
Como visto anteriormente, a ampliação n Pavimentação: 15 km de ruas
do asfalto gerou novas oportunidades asfaltadas, passando de 20% para
econômicas e deu impulso à geração de 70% das ruas do bairro.
trabalho e renda em Cidade Ipava. A quali-
ficação dos pequenos empreendimentos PROJETOS n Telecentro comunitário: Primeiro
do bairro permaneceu, em 2007, uma de- IMPLANTADOS telecentro comunitário auto-sus-
manda para a qual os agentes de desenvol- OU EM FASE DE tentável. 150 pessoas formadas e
IMPLANTAÇÃO outras 78 em formação
vimento local participativo também de-
n Pólo de Desenvolvimento Social:
veriam formular respostas. O Conselho
1) Projeto Ecologia, 350 alunos de
buscou, então, uma parceria com o Sebrae 10 a 18 anos capacitados; 2) Horta
com o objetivo de oferecer aos empreen- Escola, 60 pessoas de 15 a 50 anos
dedores locais um curso que os preparasse capacitadas em cultivo de horta
orgânica; 3) Alimente-se Bem por
para lidar com ferramentas de gestão e pla-
R$ 1, 40 pessoas de 15 a 50 anos
nejamento, visando à sustentabilidade capacitadas em culinária de baixo
dos negócios. Em setembro de 2007, o cur- custo; e 4) Brasileiro, Mostra sua
so Aprendendo a Empreender teve início, Cara, programação cultural com
imigrantes residentes no bairro.
com 45 participantes e a colaboração de
n Um Lugar Melhor Para Viver:
um morador, que cedeu um espaço de sua arborização urbana (total de 4 mil
casa para a realização das atividades. Para o árvores) e educação ambiental
futuro, um dos desafios será conceber es- (seis agentes de defesa do meio
ambiente e 30 professores da rede
tratégias que integrem os empreendimen-
pública capacitados).
tos, fortaleçam os segmentos econômicos n Aprender a Empreender: 45
considerados prioritários (como o ecotu- empreendedores locais capacita-
rismo) e possam resultar em um impacto dos em gestão e plano de negó-
cios, com metodologia do Sebrae.
significativo na economia local e na vida
da população.
ATIVIDADES n Inauguração de postos de
ECONÔMICAS comércio e serviços nas ruas
Próximos desafios E EMPREGOS asfaltadas.
CRIADOS n Criação de cerca de 100 novos
As lideranças comunitárias comprometi-
OU INDUZIDOS postos de trabalho.
das com o desenvolvimento local partici-
pativo em Cidade Ipava costumam referir-
se a ele como uma caminhada. Sabem que, AUTONOMIA A comunidade está mais preparada
assim como as lutas iniciadas no período para conduzir seu próprio processo
da redemocratização do país não se perde- de desenvolvimento.
ram naquele momento da história, mas se
estendem e se fazem presentes hoje, no
cotidiano das pessoas, também a constru- reflexão sobre a prática, de modo contínuo
ção do DLP é um processo que, uma vez e progressivo. Este enfoque é característi-
que é dada a partida, de modo estruturado co da metodologia de Tecnologia Social
e sistêmico, não se esgota numa ação ou em DLP. O que se destaca é sua contribui-
em um projeto. Não termina com a obten- ção para fortalecer a capacidade coletiva de
ção do asfalto e do esgoto, com a inaugura- produzir, sistematizar e fazer a gestão de
ção do Telecentro Comunitário ou com o conhecimentos, com o objetivo de solu-
plantio de mudas de Mata Atlântica ao lon- cionar as necessidades fundamentais da
go das vias públicas. Estes são alguns re- população local, e gerar uma cultura de
sultados concretos do DLP, assim como o inovação permanente. Quando incorpo-
são todas as pessoas capacitadas (mem- rada ao território, ela se torna parte de sua
bros do Conselho, pesquisadores popula- riqueza e um elemento chave na sustenta-
res, empreendedores locais, agentes de bilidade do processo de desenvolvimento.
defesa do meio ambiente e professores da
32 rede pública, entre outros), que assumi-
ram o projeto perante sua comunidade e
os parceiros. Hoje essas pessoas estão mais
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RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
dores da construção civil e olarias, que fa- do bairro de Cidade Ipava, na Zona Sul de
bricaram tijolos para as obras na nova ca- São Paulo.
pital federal. São Sebastião tornou-se Como vimos anteriormente, a meto-
uma cidade-dormitório e o núcleo urba- dologia prevê uma etapa de mobilização
no cresceu. da comunidade, a formação de uma ins-
Mais recentemente, multiplicaram- tância que possa gerir o projeto (como um
se os condomínios residenciais e a espe- conselho) e coordenar as ações e parcerias
culação imobiliária começou a mudar a dentro do território, a elaboração de diag-
paisagem local. Desde o ano 2000, o cres- nóstico local participativo com a capacita-
cimento populacional é, em média, de ção de pesquisadores populares, e o uso
10% ao ano e São Sebastião se expande de instrumentos de planejamento e ava-
com novos loteamentos que se aproxi- liação, que ajudam a comunidade a definir
mam, cada vez mais, de áreas do cerrado, prioridades, implementar projetos e
consideradas de proteção ambiental. acompanhar seu andamento, buscando
Esse processo foi intensificado em 2004, resultados concretos.
com a construção da ponte Jucelino Ku- Como primeiro passo, as lideranças do
bitschek, que reduziu o tempo para se CCAV articularam-se com a Associação
deslocar até o Plano Piloto. dos Moradores do Bairro Bela Vista e a
Além da exclusão e desigualdades so- ONG Moradia e Cidadania, além de mo-
ciais, a cidade convive com um problema radores interessados em agir coletiva-
de habitações precárias, inclusive com mente pela melhoria da qualidade de vi-
áreas sob risco de inundações e desaba- da. Formaram, assim, o Conselho de
mentos. Os órgãos de saúde locais regis- Desenvolvimento Local Participativo de
tram casos de hantavirose, leishmaniose São Sebastião.
e febre maculosa, doenças relacionadas A proposta do projeto de Desenvolvi-
aos assentamentos impróprios. mento Local Participativo foi apresentada
à comunidade, em uma reunião que con- ma de organização do trabalho. Esses da-
tou com a presença de cerca de 100 pes- dos indicaram que alternativas de traba-
soas. Em seguida, o Conselho selecionou lho e renda com base na cooperação e au-
42 moradores, que foram capacitados pa- togestão, adotadas e validadas por
ra fazer a pesquisa popular em São diversas experiências de DLP, no caso de
Sebastião. Eles entrevistaram pessoas em São Sebastião exigiriam, como primeiro
1.990 domicílios e 447 postos de comér- passo, uma ação de difusão de informa-
cio e serviços, com o objetivo de mapear ções à população e ampla discussão, para
as demandas da comunidade e as poten- que esta pudesse refletir e, eventualmen-
cialidades para o desenvolvimento. Em te, optar por esta alternativa. Quanto à
seguida, parte da equipe recebeu capaci- demanda por capacitação, a área mais ci-
tação para digitar as respostas e organizar tada foi informática, seguida por admi-
os dados em gráficos e tabelas. nistração e estética. Ao mesmo tempo, a
Os resultados foram apresentados e maioria dos entrevistados manifestou o
34 discutidos em três reuniões comunitá- desejo de transformar suas habilidades –
rias, nos dias 2 de dezembro de 2005, 19 de como culinária, artesanato e confecção e
janeiro e 4 de março de 2006. A análise costura – em fonte de renda.
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ção dos dados da pesquisa popular e das tilhadas entre os diferentes atores que in-
prioridades e propostas definidas nos en- teragem no projeto. Isso gera novas opor-
contros com a comunidade. Este esforço se tunidades no território e um ambiente
revelou fundamental para realizar parce- favorável à inovação, que deverão ser con-
rias que viabilizaram, por exemplo, um siderados na continuidade do DLP.
centro de capacitação em informática, com Em 2007, a comunidade de São Se-
computadores doados pela Caixa Econô- bastião se reuniu novamente para discutir
mica Federal, por intermédio da ONG e planejar os passos seguintes do projeto.
Moradia e Cidadania. A instituição tam- A integração das áreas rurais da cidade-sa-
bém forneceu recursos que permitiram télite no DLP foi considerada estratégica e
iniciar outras duas parcerias – com a em- levantou-se a necessidade de uma nova
presa Microlins e a cooperativa Cooper- pesquisa popular, com questionários es-
união – com o objetivo de oferecer à comu- pecíficos, para iniciar esse processo. Antes
nidade 13 cursos profissionalizantes. que ela fosse realizada, no entanto, a asso-
A demanda por cursos de complementa- ciação dos produtores do núcleo rural de
ção escolar foi apresentada à Universidade Capão Comprido, por intermédio do
de Brasília (UnB), que já vinha implemen- CCAV, lançou a proposta de revitalizar
tando em outras cidades-satélite do Distrito um antigo galpão, que já dispõe de máqui-
Federal um programa com este objetivo, o nas de costura e fogão industrial, para ofe-
Diálogos Acadêmicos, como parte das ativi- recer cursos de capacitação em confecção e
dades de extensão universitária. Em 2006, costura e panificação, atendendo também
este programa passou a atender também a os produtores do núcleo São Bartolomeu.
comunidade de São Sebastião, integrando, A proposta da associação é que esta ativi-
dessa forma, a universidade ao desenvolvi- dade faça parte do planejamento de DLP.
mento local participativo. Estudantes uni- O que se nota é que o contexto de opor-
versitários começaram a dar aulas das disci- tunidades que vai se estruturando no terri-
tório favorece que atores “de dentro” e “de 3. CRÉDITO ÀS PESSOAS:
fora” (do bairro, cidade etc.) somem-se ao A EXPERIÊNCIA DO BANCO
processo, ao perceber novas possibilidades
PALMAS
de parcerias e de ampliação do impacto de
suas ações. O que, por sua vez, pode viabi-
lizar ainda mais oportunidades na direção
proposta pelos agentes locais. A iniciativa A formação de uma comunidade
que partiu das associações rurais é um O Conjunto Palmeiras é um bairro/favela
exemplo. Além delas, a Secis/MCT, no fi- com 30 mil habitantes, situado na periferia
nal de 2007, estudava a implantação de um de Fortaleza (CE). A história desta comuni-
centro de divulgação e demonstração de dade começa em 1973, quando chegaram os
experiências de tecnologias sociais e a rea- primeiros habitantes vindos de despejos
plicação da metodologia de desenvolvi- realizados, principalmente, na região lito-
mento local participativo com Tecnologia rânea da cidade. Isto ocorreu devido à exe-
36 Social de São Sebastião para outras duas ci- cução do plano metropolitano de urbaniza-
dades-satélite. Já a UnB planejava instalar ção, que culminou com a abertura de novas
uma unidade em São Sebastião. ruas e avenidas e com a conseqüente espe-
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Associações e Grupos Organizados do o inabitável II” – para discutir a condição
Conjunto Palmeiras (Uagoconp). de pobreza econômica local e suas alterna-
Até 1997, em que pesassem os avanços tivas de enfrentamento. Mais uma vez, a
na infra-estrutural local do bairro, suas comunidade se mobilizou na busca de so-
condições mais gerais de vida continua- luções para as suas dificuldades.
vam amplamente influenciadas por uma Nesta perspectiva de luta por alternati-
conjuntura política e econômica superior. vas de geração de ocupação e renda, a
Um dado alarmante – mas até esperado Asmoconp cria o Banco Palmas, em janei-
devido ao quadro socioeconômico do ro de 1998, e implanta uma rede de solida-
Conjunto Palmeiras –, obtido em uma riedade socioeconômica entre produtores
pesquisa realizada pela Asmoconp naque- e consumidores locais. Embora o termo
le ano, apontara que em torno de 20% das “economia solidária” fosse nessa época
2
famílias que participaram das campanhas desconhecido de todos , a idéia era “um
de mobilização e pressão para construção projeto de geração de trabalho e renda que
do bairro, durante mais de duas décadas, estimularia a produção local através de
não moravam mais lá. A principal causa uma linha de financiamento (microcrédi-
1. Neste processo de edificação do local, a Asmoconp contou com o apoio de algumas entidades de assessoria ao movi-
mento popular, entre outras, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a Organização Britânica de Cooperação
Internacional (Oxfam), a Coordenadoria Ecumênica de Serviços (Cese); e as ONGs cearenses – Escritório de Planejamento
Regional (Esplar) e Cearah Periferia. Da mesma forma, em respostas a sua ação reivindicatória ou à submissão de proje-
tos de desenvolvimento da comunidade, a Asmoconp teve entre os seus parceiros os governos (federal, estadual e munic-
ipal - seus ministérios, secretarias, autarquias, estatais e bancos). Entretanto, salientamos a singularidade deste caso no
sentido do papel central desempenhado pelos seus próprios moradores. Os agentes externos neste caso contribuíram,
sem dúvida, porém são as características de mobilização dos próprios habitantes neste contexto que se afirma.
2. Desde 1997 – quando se inicia a discussão em torno do projeto alternativo de geração de ocupação e renda para a
comunidade do Conjunto Palmeiras – até 2000, a equipe de coordenação do Banco Palmas não havia tomado conheci-
mento dos construtos de economia solidária. Somente, em meados do ano 2000, no I Encontro Brasileiro de Cultura e
Socioeconomia Solidária, em Mendes (RJ), é que os técnicos e a equipe de gestão da Asmoconp/Banco Palmas tem o
primeiro contato com as categorias da Economia Solidária.
to) e outra linha que estimulasse o consu- A efetivação deste projeto transfor-
mo local através de um cartão de crédito mou a atuação da Asmoconp. Depois de 25
próprio” (Melo Neto e Magalhães, 2003). anos de existência do Conjunto Palmeiras,
A proposta inicial era entender como é os moradores estavam acostumados a ge-
que se manteria uma experiência de crédi- rir as lutas sociais ou os projetos coletivos
to para os produtores do Conjunto de construção na forma de mutirão. Ou se-
Palmeiras. A partir deste ponto, se discutiu ja, na luta pela melhoria urbana, todos par-
com os comerciantes do bairro e com os só- ticipavam e todos sabiam o que fazer – na
cios. Daí apareceu a sugestão de se financiar manifestação, na passeata, na assembléia.
também o consumo como forma de dina- No entanto, gerir um projeto de concessão
mizar a economia local. Para além de uma de crédito, em formato de banco, era bas-
linha de crédito para se incentivar só a pro- tante diferente daquilo com que eles esta-
dução, surge, então, a idéia de um cartão de vam habituados a lidar até então. Parte das
crédito para estimular também o consu- pessoas que estiveram nas mobilizações
38 mo. Portanto, a semente que gerou todo o não percebeu que a gestão do viés econô-
Sistema de Microcrédito e Gestão da mico evidencia a chegada de uma dimen-
Economia Solidária, ancorado pelo Banco são de ação diferente – uma perspectiva
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Palmas e comandado pela Asmoconp, foi a mais burocrática e mercantil – da que era
criação do cartão de crédito com circulação conduzida pela Asmoconp até então –
local cujo objetivo era incitar as pessoas a uma dimensão de ação mais solidária.
consumirem no Conjunto Palmeiras. Enfim, depois de 17 anos agindo como
Assim, nascia PalmaCard, o Cartão de amplificadora das lutas para minimizar as
Crédito do Banco Palmas. carências sociais da população do Conjun-
O objetivo do Banco Palmas seria, en- to Palmeiras, tendo como ferramenta o ca-
tão, garantir microcréditos para produção e pital social e como estratégia a pressão, a
o consumo local, a juros muito baixos, sem Asmoconp passou a agir, principalmente,
exigência de consultas cadastrais, compro- na intervenção e na aplicação de projetos
vação de renda ou fiador. Segundo Silva socioprodutivos de combate às desigual-
Júnior e França Filho (2005), na perspectiva dades econômicas locais. Para isso, no en-
edificada pelo Banco Palmas para o acesso tanto, teve de lidar com muitas situações
ao microcrédito, mais do que um cadastro difíceis, principalmente ter que preparar a
formal, a concessão do crédito exige um co- mentalidade dos seus líderes para esta no-
nhecimento da vida do tomador do em- va perspectiva de atuação (Silva Júnior e
préstimo na comunidade. O agente de cré- França Filho, 2005).
dito consulta assim a rede de relações da O Banco Palmas torna-se, portanto,
pessoa como fonte de conhecimento. Já a uma experiência comunitária de finanças
cobrança do crédito, por sua vez, passa pela solidária que fomenta a geração de traba-
introdução de um mecanismo de controle lho e renda, pela utilização de diversos
social extremamente original ao envolver instrumentos de viabilização de micro-
vizinhos numa espécie de aval solidário. crédito aos produtores e consumidores
São os próprios moradores que passam a ter do bairro do Conjunto Palmeiras, em
a função de estabelecer mecanismo de pres- Fortaleza (Silva Júnior, 2004). O projeto,
são moral junto aos demais vizinhos. surgido em 1998 como ação da Asmo-
conp, tem, nos últimos nove anos, criado O apoio do Instituto Banco Palmas
e aprimorado uma série de ferramentas à multiplicação dos bancos
para gerar e ampliar a renda na comunida- comunitários
de (crédito para produção e consumo com Com este modelo de tecnologia social,
garantias baseadas nas relações de proxi- o Banco Palmas vinha obtendo o reconhe-
midade, cartão de crédito local, crédito cimento de diversas organizações gover-
para agricultura urbana, clubes de trocas namentais, não-governamentais e multi-
solidárias, moeda social de circulação lo- laterais, que têm conseguido ampliar as
cal), geridos pela própria Asmoconp. oportunidades de geração de renda e redu-
À experiência do Banco Palmas atri- zir a exclusão local com uma metodologia
buiu-se o nome de banco comunitário, já completamente original, coerente, exe-
que suas características impedem o en- qüível e reaplicável. Diante disso, o Banco
quadramento numa tipologia tradicional Palmas tem buscado reproduzir esta tec-
e oficial de organizações que atuam com nologia em parceria com diversas institui-
microcrédito (sociedade de crédito ao mi- ções no Brasil. Isso ocorreu, principal- 39
croempresário (SCM), cooperativa de mente, a partir de 2003, quando foi
crédito, banco do povo) e finanças solidá- fundado o Instituto Banco Palmas de De-
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
rias (fundos comunitários, fundos rotati- senvolvimento e Socioeconomia Soli-
vos solidários, entre outras). As caracte- dária. O Instituto Banco Palmas, com sede
rísticas que, acredita-se, distinguem os em Fortaleza, tem como função difundir
bancos comunitários das demais expe- as metodologias e tecnologias sociais de-
riências de microcrédito são: i) A coorde- senvolvidas pelo Banco Palmas no Brasil e
nação do Banco e gestão dos recursos são no exterior.
efetuados por uma organização comuni- O Instituto Banco Palmas, desde então,
tária; ii) A utilização de linhas de micro- tem realizado estudos e pesquisas sobre
crédito para a produção e o consumo local tecnologias sociais e estratégias de comba-
com juros justos que possibilitam a gera- te à pobreza em territórios de baixa renda,
ção de renda e oportunidades de trabalho além de apoiar projetos de inclusão social
em toda a comunidade; iii) A concessão e em municípios e bairros populares de todo
cobrança dos empréstimos são baseados o país. No ano de 2005, a idéia de implanta-
nas relações de vizinhança e domesticida- ção de bancos comunitários começou a se
de, impondo um controle que é muito consolidar. Vários parceiros procuraram o
mais social que econômico; e iv) A cria- Instituto com o intuito de constituir uma
ção de instrumentos alternativos de in- experiência deste tipo em comunidades de
centivo ao consumo local – cartão de cré- diversas cidades do Brasil: Campo Grande
dito e moeda social circulante local – que (MS), Vila Velha (ES), Vitória (ES), Simões
são reconhecidos por produtores, comer- Filho (BA), Salvador (BA), Paracuru (CE),
ciantes e consumidores como eficazes pa- Palmácia (CE), Santana do Acaraú (CE),
ra a dinamização da economia local. Iraucuba (CE), Maranguape (CE),
(Redes, 2006a) Maracanaú (CE), Beberibe (CE), Fortaleza
Parece evidente que os bancos comuni- (CE), João Pessoa (PB) e Alcântara (MA).
tários podem perfeitamente ser conside- Todas as tecnologias sociais desenvol-
rados como uma tecnologia social. vidas em caráter de difusão pelo Instituto
Banco Palmas têm na sua origem três cerias fossem viabilizadas. Além disso,
princípios comuns: em julho de 2005, o Instituto Banco Pal-
1. Princípio da sistematização metodológica mas firmou um contrato com o Banco
– que as TSs possibilitem a sistematização Popular do Brasil para garantir o fundo de
metodológica visando à sua reaplicação; crédito do Banco Palmas e que este pudes-
2. Princípio da política pública – que as se conceder microcréditos, por meio de
TSs, em sua totalidade ou em parte, pos- uma nova linha de crédito, utilizando a es-
sam se tornar política pública assumida trutura operacional do Banco Popular do
pelos governos; Brasil. Aqui se alcançou a solução para a
3. Princípio do empoderamento comuni- falta de fundos que alimentem as linhas
tário – que as TSs sejam de fácil implanta- de crédito do banco comunitário. E o mais
ção e rápido domínio pela comunidade. importante: o recurso concedido pelo
A metodologia de bancos comunitá- Banco Popular do Brasil ao Banco Palmas
rios surge, evidentemente, também com representa a utilização de dinheiro públi-
40 estes princípios básicos. Quanto ao ter- co para viabilizar projetos econômicos lo-
ceiro princípio, o banco comunitário, cais. No momento em que contratos co-
comprovadamente, pode no período de mo este passem a ser executados com os
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seis meses até um ano ser totalmente as- demais bancos comunitários, será um
sumida pela comunidade local, sem a ne- enorme passo na consolidação desta me-
cessidade de assessoramento contínuo todologia como política pública.
posterior. Já em relação aos outros dois Em que pese esta metodologia estar
princípios, havia a necessidade de mais bem delimitada, o Instituto Banco Palmas
discussão e prática – no que se refere à sis- tem procurado torná-la mais sólida e dar-
tematização – e de negociação e vontade lhe caráter científico. Destarte, foi realiza-
política – no tocante à política pública. do em Fortaleza, em janeiro de 2006, um
Com esta iniciativa, o Instituto Banco encontro para sistematização da metodo-
Palmas busca reforçar a tecnologia social e logia de bancos comunitários, apresenta-
– com a contribuição dos parceiros na im- ção de resultados e levantamento de ex-
plementação, fundamentalmente orga- pectativas para a continuidade do Projeto
nismos governamentais – viabilizar a de Apoio à Organização de Bancos Comu-
atuação dos bancos comunitários por nitários. A primeira fase do projeto foi en-
meio de políticas públicas. Dando conti- cerrada em abril de 2006 com uma avalia-
nuidade a este esforço, em 2005, o Ins- ção que considera os objetivos específicos
tituto Banco Palmas articulou um projeto do projeto e os resultados alcançados nas
com a Secretaria Nacional de Economia etapas anteriores para verificar o seu êxito.
Solidária (Senaes/MTE) para a consolida- De acordo com a Rede de Bancos Co-
ção dos bancos comunitários e torná-los munitários (2006a), na gestão do banco
referência de política nacional de incenti- comunitário são considerados alguns in-
vo ao crédito para a produção e consumo dicadores, indispensáveis para se chegar a
local. Com este parceiro, foi possível que um entendimento do que seja satisfatório
os custos operacionais e de capacitação de no desenvolvimento territorial da comu-
agentes e gerentes de crédito fossem assu- nidade onde se instalou o banco: 1) a co-
midos pela Senaes/MTE e que novas par- munidade deve ter fortalecido seu proces-
so de organização e representação social cular – simultaneamente – produção, co-
como reforço as organizações da socieda- mercialização, financiamento e capacita-
de civil existentes e recém constituídas; 2) ção das comunidades do território.
processos de capacitação das lideranças lo- É certo que o sistema financeiro inter-
cais devem ser executados para torná-las nacional, com destaque para a América
capazes de conduzir programas e projetos Latina, tem se mostrado a cada dia mais
que promovam a geração de trabalho e excludente e promotor de desigualdades
renda; 3) a comunidade local deve ser sen- sociais. Por um lado, acumulam-se bi-
sibilizada para a necessidade de preserva- lhões nas mãos de banqueiros e, por ou-
ção do meio ambiente, criando condições tro, milhões de pessoas se encontram sem
concretas para que os seres humanos pos- acesso ao crédito, aos serviços bancários e
sam viver em harmonia com a natureza e a políticas financeiras que apontem na di-
todos seus ecossistemas; e, 4) sistemas lo- reção da distribuição de renda. Exemplo
cais de produção e consumo devem ser disso é a cidade de Fortaleza, onde 76% da
implantados – dentro dos princípios da população sequer têm uma conta bancária 41
economia solidária, do comércio justo, da (IPDC, 2006), ou ainda, o que confirma o
produção sustentável e das finanças soli- Cadastramento Nacional de Economia
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
dárias – para que o desenvolvimento local, Solidária, que identificou o acesso ao cré-
integral e sustentável esteja alicerçado na dito como um dos dois maiores proble-
distribuição de renda e das riquezas. mas apontados pelos trabalhadores desse
O último passo dado para a solidifica- setor (Senaes, 2006).
ção dos processos de gestão social desses Percebe-se, portanto, que o banco co-
bancos comunitários foi a consolidação da munitário é uma tecnologia social de fi-
Rede Brasileira de Bancos Comunitários nanças solidárias que pode contribuir
em abril de 2007, quando foi realizado o II enormemente para a minimização des-
Encontro dos Bancos Comunitários. A sas dificuldades. Constitui-se em um ser-
Rede (2006b) contribui para a troca de ex- viço comunitário que incentiva as ações
periências e saberes e para articular recur- do desenvolvimento socioeconômico
sos e parcerias para que todos os bancos nos territórios onde está implantado, fi-
comunitários possam crescer de modo nanciando produtores, comerciantes e
conjunto. Vale lembrar que se trata de um consumidores, e ampliando a capacidade
projeto de apoio às economias populares da comunidade para a incorporação dos
de territórios com baixo desenvolvimento valores e princípios da economia solidá-
socioeconômico, tendo por base os prin- ria. Em relação íntima com as políticas pú-
cípios da economia solidária e oferecendo blicas de assistência e distribuição de ren-
à população excluída do sistema financei- da dos governos federal, estadual e
ro quatro serviços: fundo de crédito soli- municipal, o banco comunitário só pode
dário, moeda social circulante local, feiras existir com o compromisso da transfor-
de produtores locais e capacitação em eco- mação social e a participação ativa das co-
nomia solidária. Assume-se, então, um munidades. Nasce das necessidades e,
destacado papel de promotor do desen- com organização e sistematização, favo-
volvimento territorial e do empodera- rece as condições para que outras inova-
mento e organização comunitária, ao arti- ções sociais continuem a florescer.
PERSPECTIVAS
E DESAFIOS
O Brasil obteve, nos últimos anos,
uma redução bastante significativa
nos índices de pobreza, miséria e desi-
derno, a Tecnologia Social e o desenvolvi-
mento local participativo estão estreita-
mente relacionados, já que apresentam
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PERSPECTIVAS E DESAFIOS
gualdade. Isso se deveu, em grande me- pontos em comum que possibilitam uma
dida, aos programas de redistribuição de significativa coesão e articulação – não de
renda, em âmbito municipal, estadual e, forma artificial, mas por conta de suas ca-
com especial destaque, no âmbito fede- racterísticas intrínsecas. Pode-se então
ral, por meio do programa Bolsa Família. afirmar que os projetos de desenvolvi-
Milhões de pessoas passaram a receber mento local, pela sua própria dinâmica,
uma renda que lhes garante a segurança ganham força quando fazem uso de valo-
mínima necessária para reestruturar res, princípios e metodologias de TS.
suas vidas com dignidade. Contudo, o desafio está em conseguir
Há ainda muitas outras frentes de ação transformar as múltiplas experiências
governamental pela melhoria das condi- que encontramos por todo o país em
ções de vida das populações de baixa ren- uma política pública nacional estrutura-
da, como o programa Luz para Todos, a re- da. O papel do Estado neste processo é
dução no custo de materiais de construção primordial. A ele cabe prover as condi-
e da cesta básica, a ampliação do microcré- ções para o pleno desenvolvimento dos
dito etc. Tais programas precisam ser am- potenciais das comunidades, por meio
pliados, para que cheguemos o mais rápi- de financiamento adequado, da criação
do possível a erradicar, em nosso país, de um ambiente econômico e social pro-
condições de vida bastante precárias, mui- pício à inovação e do provimento de re-
tas vezes chegando a ser desumanas. cursos técnicos e humanos de alta quali-
As experiências mostram que o de- dade. Mas, se o governo deve garantir
senvolvimento local com Tecnologia acesso a direitos básicos tais como saúde,
Social tem alto potencial de gerar alterna- educação e infra-estrutura urbana, a so-
tivas de trabalho e renda, de modo inclu- ciedade civil precisa se organizar ocu-
sivo, democrático e sustentável. De fato, pando os espaços institucionais que lhes
como se depreende dos relatos deste ca- são oferecidos.
Os processos aqui apresentados têm a
característica comum de aproximar a co-
munidade do poder público e, assim, de or-
denar e definir ações prioritárias levantadas
a partir dos anseios das pessoas dessas loca-
lidades. Com efeito, a participação popular
é certamente um dos caminhos que podem
fortalecer o desenvolvimento local.
E é dentro desse contexto que se faz im-
perativo que se constitua um processo
realizado “de baixo para cima”, de modo a
não se configurar em um mecanismo cen-
tralizador. Ao contrário, deve-se favorecer
a diversidade das iniciativas e dos atores
44 sociais. Neste sentido, as TSs são um im-
portante elo para aproximar a sociedade
civil das instâncias de governo. A comuni-
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EXPEDIENTE
Projeto de Comunicação do Instituto de Tecnologia Social apoiado pelo Ministério da Ciência
e Tecnologia – Secretaria da Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social
EQUIPE DE PROJETOS
Coordenador de projetos Jesus Carlos Delgado Garcia
Equipe Beatriz Mecelis Rangel, Flávia Torregrosa Hong, Gerson José da Silva Guimarães,
Marcelo Elias de Oliveira, Philip Hiroshi Ueno e Sandra Regina da Fonseca Felizatto
Secretaria Edilene Luciana Oliveira e Maria Aparecida de Souza
Estagiário Edison Luis dos Santos
ITS Rua Rego Freitas, 454, cj. 73 | República | cep: 01220-010 | São Paulo | SP
tel/fax: (11) 3151 6499 | e-mail: its@itsbrasil.org.br www.itsbrasil.org.br
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