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SAÚDE E TRABALHO DO PROFESSOR NO BRASIL: UM ESTUDO

NOS TRABALHOS DA ANPED DE 2000-2010

SIQUEIRA, Ana Paula de Moraes de1 - PIBIC/PUCPR

ENS, Romilda Teodora2 - PUCPR

Grupo de Trabalho – Formação de Professores e Profissionalização Docente


Agência Financiadora: PIBIC/PUCPR

Resumo

A presente pesquisa aprofunda os estudos sobre “saúde e trabalho docente”, dando


continuidade à investigação iniciada em 2010 sobre saúde e trabalho docente nos trabalhos
publicados na Rede Estrado. Tem sido constatado em pesquisas que o trabalho do professor
tem mudado ao longo dos anos, hoje constata-se sua desvalorização, seja pelos baixos salários
ou condições inapropriadas de trabalho,não há apoio ou reconhecimento do trabalho do
professor. As péssimas condições de trabalho docente influenciam diretamente a saúde do
professor, gerando o mal estar docente, que cada vez mais vem afetando os professores. A
pesquisa tem como objetivo sistematizar a produção, ou realizar uma pesquisa do tipo “estado
da arte” que busca fazer um levantamento sobre saúde do professor e trabalho docente nos
anais das Reuniões Anuais da ANPED, referentes aos anos de 2000 – 2010. Para a
sistematização dos trabalhos utilizou-se REDUCs, sistematizando aspectos como: tipo de
documento, título entre outros. Para análise dos dados fez-se uso dos estudos sobre análise de
conteúdo (BARDIN, 2009), tendo como apoio autores como: Esteve (1999), Vieira (2002),
Tardif e Lessard (2005), André (2006), Ens e Gisi (2011) dentre outros. Pelas análises pode-
se compreender os tópicos de maior relevância pelos pesquisadores relacionados à saúde e ao
trabalho docente. Apesar da grande quantidade de trabalhos encontrados, foram poucos os
trabalhos relacionados à saúde e trabalho docente. O tema mais abordado foi trabalho docente
relacionado à burocratização e proletarização do trabalho, tendo Karl Marx como uma das
referências mais utilizadas pelos autores. Os estudos selecionados indicam que as pesquisas
têm focado mais aspectos do trabalho docente não o relacionando à saúde do professor. Há
pouco esclarecimento sobre questões políticas de saúde e trabalho docente, são relatadas mais
causas do que soluções.

1
Estudante do 5º período de Pedagogia PUC, realiza pesquisas de iniciação cientifica desde 2011, na área de
formação de professores. Email: ana-paula.moraes@hotmail.com
2
Professora Doutrora em Educação é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (mestrado e
doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e pesquisadora associada da Fundação
Carlos Chagas, participando do CIERS-Ed (Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e
Subjetividade Educação). Coordena, na PUCPR, pesquisa em representações sociais e o trabalho docente,
desenvolve pesquisas em políticas educacionais e formação de professores como participante do grupo de
pesquisa: História e Políticas Educacionais na Formação de Professores. Email: romilda.ens@gmail.com
12295

Palavras-chave: Trabalho. Trabalho docente. Saúde do professor.

Introdução

A pesquisa “Saúde e trabalho do professor no Brasil: um estudo nos trabalhos da


ANPED de 2000-2010” ancora-se ao projeto de pesquisa do professor “Representações
Sociais, Trabalho Docente e Políticas de Formação de Professores”, aprovado conforme
protocolo 2939/2009. Esta investigação da continuidade à investigação iniciada sobre a
temática sobre “Profissão professor: Como está a saúde docente na América Latina”
pesquisada em 2010. O estudo foi realizado como projeto de iniciação cientifica nos anos de
2011 e 2012.
A pesquisa de iniciação cientifica foi realizada em conjunto com a orientadora,
partindo-se de encontros de discussões sobre o tema, levantamento de dados, e
fundamentação teórica que contribui imensamente para a formação e para demais pesquisas.
Compreende-se que

A contribuição da pesquisa para a formação de professores é um caminho que


precisa se percorrido, tendo em vista que a pesquisa, mesmo sendo um desafio por
se fazer, é imprescindível à formação do professor, uma vez que o aluno não
aprende apenas assistindo à aula e fazendo prova, nem o professor é aquele que
apenas prepara e dá aula. Juntos, eles são sujeitos do processo de aprender, de
pesquisar, de construir conhecimento, e assim, o contexto atual demanda a
valorização de propostas que possibilitem a formação de profissionais reflexivos e
investigadores sobre a sua própria prática e capazes de gerenciar o próprio
desenvolvimento profissional. (ENS, 2010, p.166-167)

A investigação orienta-se nos pressupostos de que a investigação da temática vem se


ampliando, principalmente devido ao redirecionamento dado pela legislação educacional do
Brasil, a partir da década de 90 à formação de professores e a profissão docente, segundo Ens
e Gisi (2011), que mostram como as reformas da década de 1990 e dos anos 2000,
repercutido sobre a organização da escola e do trabalho docente, gerando mudanças na
profissão docente e nas condições de saúde do professor.
Constata-se que os professores polos de referência do pensamento sobre a educação,
objeto obrigatório da investigação educativa, fundamentais aos sistemas educativos e, sendo
“uma das mais antigas ocupações modernas”, como apontam Tardif e Lessard (2005, p. 21)
não se pode esquecer que o trabalho docente envolve formação política, manifestação ética,
capacitação científica e técnica. Frente a estes fatos, os autores alertam que “o estudo da
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docência entendida como um trabalho continua negligenciado” (p.23). Explicam os autores


que

No fundo, o que frequentemente se esquece ou negligencia na educação, é que a


escola, da mesma forma que a indústria ou sistema hospitalar, repousa em ultima
instância sobre o trabalho realizado por diversos grupos de agentes. Para que essa
organização exista e perdure é preciso que esses agentes, servindo-se de diversos
conhecimentos profissionais e apoiando-se em alguns recursos materiais e
simbólicos, cumpram tarefas específicas, realizadas em função de obrigações e
objetivos específicos. É, portanto, imperativo que o estudo da docência se situe no
contexto mais amplo da análise do trabalho dos professores mais amplamente, do
trabalho escolar. (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 24)

Assim este estudo focalizou os trabalhos, da 23.ª a 33ª reunião anual da ANPED,
envolvendo professores, alunos e pesquisadores dos Programas de Pós-Graduação em
Educação, stricto sensu, em seus 23 GTS (Grupos de trabalho). O estudo justifica-se para a
compreensão de como a intensificação e as condições de trabalho nas escolas resultam na
interface com a saúde ou adoecimento de professores.
O presente estudo abordou o seguinte problema de pesquisa: “O que dizem os
trabalhos aprovados e publicados nos anais das Reuniões Anuais da ANPED sobre condições
de saúde do professor e trabalho docente?”
Em síntese, se busca por meio das análises e discussões realizadas, pelos autores dos
trabalhos aprovados, no período de 2000 a 2010 levantar aspectos que possam contribuir com
políticas educacionais que se proponham à melhoria das condições docentes.

Trabalho e saúde docente

O estudo realizado sobre trabalho e saúde nos anais da ANPED demonstra que a
concepção de trabalho do professor vem se modificando ao longo dos tempos, hoje o
professor participa ativamente na organização e gestão da escola ao disponibilizar um tempo
para atendimento aos pais, elaboração do planejamento, avaliação, correção de provas dentre
outras atividades, o que é repetido em cada escola ou instituição em que trabalha. Além disso,
o professor tem que lidar com diversas questões sociais dentro da sala de aula, a violência
entre alunos, alunos e professores, o que prejudica e interfere no trabalho realizado em sala de
aula.
Com relação ao trabalho desempenhado pelo professor, o estudo revelou que
predomina uma desvalorização, sejam pelos baixos salários, pelas condições impróprias de
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trabalho ou pelo excesso de trabalho a que é compelido, pois de acordo com Lemos (2005,
p.5) “O mestre, visto antes como uma figura profissional essencial para a sociedade, é hoje
um profissional que luta pela valorização e reconhecimento social do seu trabalho”. A falta de
valorização do profissional pela sociedade se soma a mais um dos problemas enfrentados
pelos professores, já desmotivados e sobrecarregados acabam adoecendo, perdendo a vontade
de trabalhar, gerando o mal estar docente, que segundo Esteve (1999), pode ser considerado
uma doença social, pela falta de apoio que a sociedade dá aos professores, podendo gerar uma
crise de identidade, autodepreciação pessoal e profissional.
Pesquisas são apresentadas em Congressos sobre a desvalorização e degradação da
profissão docente, principalmente relacionadas às condições de trabalho, reformas
educacionais e políticas neoliberais concernentes à saúde do professor. São investigações que
contribuem para a compreensão o processo de adoecimento do professor, cada vez mais
comum no cotidiano do trabalho da escola. No entanto, como ressalta Vieira, (2004, p.23)

[...] o tema não foi incorporado nas pautas de negociação entre trabalhadores e
governos. Por enquanto é mais explorado em palestras, conferências, seminários e
afins. São espaços de reflexão coletiva, com graus variados de aprofundamento,
porém restritos aos próprios educadores.

Vieira (2004) argumenta que as discussões ficam restritas ao meio acadêmico e não
conseguem ultrapassar os muros e chegar às escolas, aos professores, focos dos estudos.
Contudo, não se pode esquecer que têm ocorrido vários casos de adoecimento de professores.
no ensino superior esse tema foi debatido na quarta mesa do Seminário Ciência e Tecnologia
no Século XXI, promovido pela ANDES-SN de 17 a 18 de novembro de 2011, em Brasília
tratou sobre a pesquisa feita pela professora do curso de Serviço Social da UFRJ Janete Luzia
Leite ( 2011), que constatou que o produtivismo acadêmico está tirando a saúde dos docentes
das universidades públicas brasileiras. Em sua pesquisa, menciona que a reforma, feita em
2004, na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). “Aliada ao
Reuni, as mudanças na Capes foram um verdadeiro ataque à autonomia universitária”. O
resultado foi maior pressão aos docentes trazendo como consequências o estresse, além disso,
os docentes estão consumindo mais álcool, tonificantes e drogas e estão propensos à
depressão e ao suicídio. “É um quadro parecido com a Síndrome de Burnout, em que a pessoa
se consome pelo trabalho. Ocorre como uma reação a fontes de estresses ocupacionais
contínuas, que se acumulam”, explicou Janete Leite (2011)
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Enquanto políticas de atendimento à saúde e melhorias das condições dos professores


não se efetivarem, os professores continuarão adoecendo e ,muitas vezes, sem saber as causas.
Em muitos casos, o adoecimento pode se evitado com práticas cotidianas de prevenção a
saúde, o que ocorre é a falta de informação, os professores e as escolas não estão preparados
para lidar com os problemas que o trabalho docente acarreta na saúde desse profissional. Por
isso é tão importante que políticas dessa natureza se concretizem com ações formativas de
alcance a toda comunidade escolar.

Profissão Professor

Ao realizar o estudo sobre saúde e trabalho do professor, sentiu-se a necessidade de


aprofundar os estudos na formação do professor. Ao longo da história da formação docente
percebe-se que ela esteve muito atrelada as concepções econômicas norteadoras da época. No
Brasil A formação de professor ganhou redirecionamento a partir de 1990 com as reformas
nas políticas educacionais em formação de professores e profissão docente, para a melhoria na
qualidade de ensino. Ens e Gisi (2011, p 29), explicam que

o cenário das políticas de formação de professores no Brasil, a partir dos anos 90,
tem como plano de fundo as políticas neoliberais que atendem ao projeto de um
Estado que busca redirecionar a educação para interesses do mercado, fazendo com
que a regulação assuma o caráter central.

Neste cenário a formação de professores passou a ser vista com olhares das políticas
econômicas capitalistas, no qual a busca por resultados se torna única meta a ser alcançada,
não importa como. Este aspecto ainda se encontra muito presente nas escolas e nas posturas
dos professores, é intensa competição, burocratizações que as políticas educativas acabam
proporcionando, nessas organizações muitas vezes os professores em formação e já formados
se veem em uma situação conflituosa, tanto pelas políticas econômicas que perpação a escola,
quanto às próprias organizações escolares. Além de tudo isso, a profissão se encontrada
desvalorizada, ou seja, o professor convive com todas essas questões mencionadas sem
devido respeito e apoio um profissional professor.
A LDB 9394/1996 traz um capítulo voltado à valorização do profissional professor ao
estabelecer que no
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Art.67- os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais de


educação, assegurando-lhes: [...] aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive
com licenciamento periódico para esse fim; [...] período reservado a estudos,
planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho. ( BRASIL, 1996)

A lei, ao tratar da valorização do profissional professor, articula essa proposta a


melhoria do ensino no país. A LDB data de 1996 e, ainda hoje o profissional professor não
tem a devida valorização que sua profissão merece. por isso, e outros fatores que se percebe o
intenso descontentamento dos professores quanto a baixos salários, intensa carga horária a
que tem que se submeter, pois essa é uma profissão que exige trabalho além das aulas,
situação essa que muitas vezes gera no professor o adoecimento, desgaste físico e emocional.
Esses aspectos parecem estar relacionados à regulação exercida pela legislação
educacional ao trabalho docente, apontando que “ser professor” hoje tem como característica
não apenas o ensinar, seu trabalho é exigido para além da sala de aula, pois como indica
Oliveira D. A. (2009, p. 17) “as políticas educativas na atualidade partem da noção de que a
escola é espaço de ensino, mas antes de tudo de promoção social”. Regulação esta adotada a
nível internacional e em toda América latina. A escola, por essa legislação passa a assumir o
papel de “salvadora da pátria”, pois se espera que ela seja capaz de corrigir desigualdades
sociais e econômicas e, assim, tem assumido um caráter assistencial. Os professores frente ao
não alcance dessas metas políticas ficam como que culpabilizados pelos fracassos aferidos por
exames externos de desempenho dos alunos (OLIVEIRA D. A. 2009).

A pesquisa do tipo “estado da arte”

A investigação buscou pelo tipo de estudo “estado da arte” a meta da pesquisa foi
sistematizar o que dizem os trabalhos aprovados e publicados nos anais das Reuniões Anuais
da ANPED sobre condições de saúde do professor e trabalho docente da 23.ª a 33ª reunião
anual. Dentre os 24 GTS foram selecionados os trabalhos dos GT 08 sobre formação de
professores e GT 09 sobre trabalho e educação.
Pesquisas como esta são descritivas e analíticas e tem, segundo Romanowski e Ens
(2006, p. 43), o intuito de realizar um “levantamento e uma revisão do conhecimento
produzido sobre um tema”. Complementam ainda que os estudos do tipo “estado da arte”
poderão revelar, a partir da análise dos trabalhos apresentados, aspectos que contribuam para
uma compreensão das condições de trabalho do profissional da educação, hoje, bem como as
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doenças que acometem professores, causando o mal estar docente, afetando o compromisso
político-social do professor com os processos pedagógicos e administrativos da escola.
Nesse sentido, no levantamento dos dados foram utilizados REDUCS (resumos
explicativos) nos quais foram sintetizados aspectos como: país, tipo de documento, título do
documento, autor, orientador, programa de pós-graduação, data, palavras-chave, identificação
da referência bibliográfica do trabalho, descrição, metodologia, conteúdo, conclusão, número
de referências bibliográficas utilizadas, identificação de quais as principais referências
nacionais e estrangeiras, considerando-se o país de origem do autor do estudo aprovado para
apresentação e publicação nos anais do evento.
Para a análise dos dados coletados e sistematizados nos REDUCS fez-se uso da
proposta por Bardin (2009), dos estudos de Franco (2003) e Oliveira e Ens et. al. (2003) sobre
análise de conteúdo.
O estudo realizado é descritivo, pois pretende apresentar a partir dos artigos
publicados na Anped o que está sendo produzido com relação ao trabalho e saúde docente.

Resultados do estudo

Os resultados obtidos mostram que, apesar da grande quantidade de trabalhos


encontrados nos GTS estudados, são poucos trabalhos que estão relacionados com o tema da
pesquisa (Tabela 1).
As leituras indicam que no GT08 os trabalhos em sua maioria tratam a saúde do
professor na sua relação com o trabalho desempenhado. Contudo, os 21 trabalhos do GT09
tratam em sua maioria sobre o trabalho docente, relacionado com a burocratização do ensino e
o decorrente processo de desvalorização da profissão, principalmente pelos baixos salários,
condições impróprias de trabalho, dentre outros.
Tabela 1- Relação das reuniões anuais da ANPED e trabalhos sobre condições de saúde do professor e trabalho
docente
REUNIÕES ANUAIS DA ANPED
GT 08 - Formação de professores GT 09- Trabalho e educação
Total de Trabalhos relacionados Total de trabalhos e Trabalhos relacionados
trabalhos e ao tema de estudo Pôsteres ao tema de estudo
pôsteres
23º / 2000 18 1 14 0
24º / 2001 29 0 20 0
25º /2002 16 0 11 0
26º /2003 18 1 18 1
27º /2004 28 0 21 2
28º /2005 55 1 26 8
12301

29º /2006 43 0 18 3
30º /2007 39 0 18 2
31º /2008 26 0 17 0
32º /2009 26 0 14 3
33º /2010 24 0 14 2
Fonte: Anais da ANPED, 2000-2010.

Com base no levantamento de dados da pesquisa, foi possível estabelecer os temas


mais abordados nas pesquisas (Tabela 2). O tema mais estudado nos artigos analisados foi
trabalho docente, mas pode-se perceber que nos primeiros anos de 2000 a 2004 o tema não
apareceu nas pautas das discussões dos trabalhos, só vindo a aparecer em 2005, com cinco
trabalhos.
Tabela 2: Temas das pesquisas das reuniões anuais da ANPED GT08 GT09
TEMAS DAS PESQUISAS DAS REUNIÕES ANUAIS DA ANPED GT08 GT09
Temas da 23º 24º 25º 26º 27º 28º 29º 30º 31º 32º 33º Total
Pesquisas
Função social do 1 1
professor
Trabalho e 1 2 3
educação
Trabalho docente 5 3 1 3 1 13
Síndrome de 1 1 2
Burnout
Saúde do 1 2 2
professor
Doenças da 1 1
docência
Trabalho e saúde 1 1
docentes
Total de 1 0 0 1 2 8 3 3 0 4 1 24
trabalhos por ano
Fonte: Anais da Anped, 2000-2010
Os temas trabalho e saúde docente, e dois sobre síndrome de Burnout, doenças da
docência e saúde do professor aparecem na pesquisa com apenas uma indicação. Eses temas
continuam sendo pouco explorados e discutidos, como indicou Vieira (2004). Com relação à
pesquisa realizada anteriormente sobre saúde e trabalho docente nos artigos da Rede Estrado
(2010) por Siqueira e Ens (2011), observa-se que os trabalhos analisados tratavam mais
especificamente da saúde do professor, visto que na pesquisa agora realizada, são enfatizadas
as condições do trabalho docente. Outro fato percebido é que na pesquisa anterior, somente
foi encontrado um trabalho referente à síndrome de Burnout, na pesquisa dos artigos da
ANPED foram encontrados dois trabalhos
Em pesquisa coordenada por Marli André sobre a formação de professores no Brasil, na
década de 1990, com o objetivo de fazer uma revisão crítica das pesquisas de pós-graduandos, de
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artigos de periódicos produzidos nessa década, foi constatado pelo grupo que os temas pouco
investigados foram “os que dizem respeito às condições de trabalho do professor, à carreira, às
formas de associação profissional e às políticas de formação” (ANDRÉ, 2006, p. 606).
Observa-se que da década de 1990 para cá esses temas tem sido mais discutidos nos
trabalhos. No entanto, não são abordados como tema central, são tratados de maneira breve,
sem, um aprofundamento.
Com relação às políticas de formação e de prevenção à saúde, não foram encontrados
nos trabalhos referência a esses assuntos. Evidencia-se, dessa forma, um problema grave, pois
é preciso que o governo leve em consideração que a saúde do professor interfere diretamente
na sua prática e no seu desenvolvimento profissional e pessoal. De acordo com Barreto,
Araujo e Neiva (2010, p. 16)
As normas relativas à saúde do servidor público, particularmente do trabalhador em
educação, podem ser resumidas, sem exagero, a um pequeno punhado de artigos de
Regime Jurídico Único do Servidor Público, que trata da licença médica, da
aposentadoria, e faz remissão à readaptação funcional apenas do trabalhador quando
já adoecido e, às vezes, já invalido, sem que se atente para evitar o adoecimento.

Explicam as autoras que além de medidas de assistências da saúde aos professores


quando já adoecidos, é preciso antes de qualquer coisa que o governo promova ações de
prevenção, e de esclarecimentos, quanto aos problemas de saúde a que os professores estão
sujeitos.
O estudo possibilitou a construção de um quadro referente aos autores mais citados
nas produções, esclarecendo muito sobre a fundamentação construída e o encaminhamento
dado no desenvolvimento do trabalho (Quadro 1) .
Quadro 1: Referências mais citadas nas reuniões anuais da ANPED GT08 GT09
REUNIÕES ANUAIS DA ANPED REFERÊNCIAS MAIS CITADAS

23º / 2000 ESTEVE, (1991, 1992)


26º /2003 REICH, (1933, 1936, 1942, 1949, 1950)
27º /2004 NEVES, Lúcia Maria W. 1994, 2000
MARX, Karl. 2002, 1978.
28º /2005 OLIVEIRA, D.A. 2001, 2002,2003
MARX, Karl. 1980, 1983.
29º /2006 SAVIANI, D. 2003, 1994, 1992.
MARX, K. 1983, 1985
30º /2007 BOURDIEU, P. 1998, 2001, 2004
SAVIANI, D. 2003, 1996.
MARX, Karl. 1978, 1988
32º /2009 LIBÂNEO, J. C.1996, 2002, 1997, 1998.
MARX, Karl (1983 2006)
33º /2010 CODO, Wanderlei (coord.) 2002;
ESTEVE, Jose S. 1999
12303

OLIVEIRA, D. A. 2002, 2007, 2006.


Fonte: Anais da Anped, 2000-2010.

Verifica-se que o autor mais citado foi Karl Marx, de 2004 a 2009, para fazer
referência à proletarização do trabalho docente. Como explicam Fontana e Tumolo (2006, p.
2),

Najjar (1992), Nunes (1998), Therrien (1998) salientam que o professor vem
sofrendo um processo de proletarização que o assemelha ao trabalhador fabril. A
crescente desqualificação e fragmentação do seu trabalho, a “popularização” do ato
de ensinar, o desprestígio social da ocupação, a baixa remuneração e a presença dos
especialistas na escola são fatores que induzem a categoria à sua proletarização.

Observa-se que dentre os autores Esteve (1999), Oliveira D. A. (2001, 2002, 2003) e
Saviani (1992, 1994, 2003) foram utilizados com boa frequência. Esteve (1999) trabalha mais
com a saúde do professor, a desvalorização da profissão do professor, que contribui para o
mal-estar docente, que, de acordo com o autor, pode ser considerada uma doença social, pela
falta de apoio que a sociedade dá aos professores, o que pode gerar uma crise de identidade e
auto depreciação pessoal e profissional.
Sobre a organização do trabalho escolar e organização escolar, relacionada à
precarização do trabalho docente, aos baixos salários, ausências de planos de carreiras,
instabilidade no emprego no magistério público temos Dalila A. Oliveira (2006 apud PINTO,
2010).

Trabalho do professor em discussão

A temática saúde e trabalho docente foi mais abordada no GT 09 – Trabalho e


Educação da Anped, enfocando questões relacionadas ao trabalho do professor, como baixos
salários, péssimas condições de trabalho, desvalorização profissional, proletarização do
trabalho, problemas que o trabalho docente acarreta à saúde do professor, tratando esse último
de uma maneira muito breve, sem aprofundamento. São muito poucos os trabalhos que tratam
especificamente da relação saúde e trabalho.
Aprofundar os estudos na temática ‘trabalho docente’ contribuiu e muito para com esta
pesquisa, pois expandiu o campo de conhecimento, compreendendo melhor a organização do
trabalho docente, com relação ao capitalismo que influencia o modo de trabalho do professor.
No entanto, o silenciamento ou a ausência de estudos nas questões referentes à saúde e às
12304

políticas de prevenção à doença desses profissionais impediu que a pesquisa aprofundasse


essa questão, pois não foi possível observar que ações políticas estão sendo tomadas pelos
governos.
Buscando saber um pouco mais sobre como é realizada a prevenção à saúde do
professor, constata-se que no estado do Paraná o Sindicato dos Trabalhadores em Educação
Pública do Paraná disponibiliza um caderno da saúde do Trabalhador em Educação. Esse
caderno apresenta aos trabalhadores em educação explicações referentes aos fatores de risco
ocupacionais, às doenças relacionadas ao trabalho, à prevenção de problemas e traz o anexo 1
– Fórum dos servidores públicos estaduais, proposta de anteprojeto de lei (Redação Final/7ª
versão – 11/04/2006) com a proposta de “Instituir uma política de Atenção Integral à Saúde
dos Trabalhadores da Administração Pública do Estado do Paraná. (APP, 2006).
Percebe-se que aos poucos algumas medidas vêm sendo tomadas visando o
esclarecimento aos professores sobre as doenças que o trabalho pode causar sobre a saúde
desses profissionais. Contudo não é possível afirmar que essas medidas estão sendo utilizadas
ou respeitadas nos locais de trabalho dos docentes.
Observa-se que os professores foram incorporados às propostas neoliberais, em
atendimentos aos mecanismos internacionais, como: burocratização, pressões, competições,
baixos salários, desenvolvimento das atividades em péssimas condições e a constante falta de
tempo para se dedicar a tarefas pessoais e profissionais, dentre outros fatores. Como afirma
Tardif e Lessard (2005, p. 25),

Os governos, por outro lado, pressionados por contextos econômicos, consideram


mais e mais a educação escolar como um investimento que deve ser rentável, o que
se traduz por uma racionalização das organizações escolares e enxugamentos
substancias nos orçamentos. Eles visam simultaneamente a aumentar sua eficácia e
“imputabilidade” através de práticas e normas de gestão e de organização do
trabalho provenientes diretamente do ambiente industrial e administrativo.

Ao conceber a organização e gestão das escolas como empresa resulta na exigência


por resultados que, muitas vezes, não são alcançados faz com que os professores sintam-se
responsabilizados pelo fracasso escolar, gerando um sentimento de incapacidade, de estresse
pelas exigências e cobranças dos pais, dos órgãos educacionais e da sociedade como um todo,
que olham os professores como únicos responsáveis pela educação, e não os olham como
pessoas que, além de professores profissionais, são seres humanos e que adoecem, mas muitas
vezes não são respeitados.
12305

Considerações Finais

A investigação realizada atendeu aos objetivos propostos e possibilita um alerta de que


a maioria dos textos analisados estão relacionados ao trabalho do professor e dizem respeito à
sua proletarização. Verifica-se que poucos trabalhos tratam sobre a saúde do professor como
tema principal. Isso pode ser considerado um problema, pois, a saúde e o bem-estar docente
estão relacionados com um melhor rendimento no trabalho. Além disso, outro fator que incide
sobre o trabalho do professor é a questão da desvalorização da profissão, pelos baixos
salários, falta de tempo para desenvolver o trabalho (como planos de aula, correções de
provas, dentre outros afazeres que acabam comprometendo sua vida pessoal e profissional),
péssimas condições de trabalho, falta de respeito, a violência cada vez mais rotineira nas
escolas, dentre outros.
A saúde do professor também tem sido comprometida pela falta de tempo, pelo
estresse, pelas dificuldades e falta de respeito, que transformam o seu dia a dia em uma “bola
de neve”, que faz com que o mal-estar apareça e o professor, adoecido, tenha que se afastar
das funções para se recuperar. Em alguns casos, o professor não volta mais à sala de aula, é
remanejado para outras funções, pelo grande sofrimento enfrentado.
Outra questão observada é que alguns professores sentem-se desmotivados pela falta
de apoio, por não ver seu trabalho dando resultados ou sendo reconhecido. Aspectos como o
da introdução das relações capitalistas no interior das escolas, concebendo-a como uma
empresa e o professor como um operário, bem como assemelhar o trabalho do professor a um
trabalho técnico e preciso como de uma firma também contribuem para o mal-estar docente.
Seria esse o objetivo do trabalho do professor?
As reformas a partir de 1990 no Brasil trouxeram uma nova concepção do trabalho do
professor, fortemente arraigado a uma estrutura capitalista, no qual a função e trabalho do
professor deixaram de ter sua valorização em favor de organizações fabris de comércio,
“descrédito progressivo de instituições públicas em geral supervalorização de empresas
privadas como sinônimo de eficiência e racionalidade”. Toda essa organização que se
estabeleceu mudou o trabalho desempenhando pelo professor, sendo mais técnico e
competitivo, proporcionando, maior estresse e adoecimento, e consequentemente, maior
desvalorização da profissão.
Para concluir, é preciso que mais estudos sobre a saúde do professor sejam realizados
para que se possam aprofundar as discussões. Pesquisas que venham a esclarecer e não
12306

somente apresentar os problemas também são necessárias, para apresentar soluções ou


prevenções. É a partir de estudos científicos que se pode provar e pedir medidas aos governos,
para prevenção, valorização dos professores, com melhores salários, condições mais dignas de
trabalho, entre outras.

REFERÊNCIAS

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