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JUVENTUDES

BRASILEIRAS:
questões contemporâneas
Victor Hugo Nedel Oliveira
Rosane Castilho
Organização

JUVENTUDES
BRASILEIRAS:
questões contemporâneas

2021
Conselho Editorial
Dr. Clívio Pimentel Júnior - UFOB (BA)
Dra. Edméa Santos - UFRRJ (RJ)
Dr. Valdriano Ferreira do Nascimento - UECE (CE)
Drª. Ana Lúcia Gomes da Silva - UNEB (BA)
Drª. Eliana de Souza Alencar Marques - UFPI (PI)
Dr. Francisco Antonio Machado Araujo – UFDPar (PI)
Drª. Marta Gouveia de Oliveira Rovai – UNIFAL (MG)
Dr. Raimundo Dutra de Araujo – UESPI (PI)
Dr. Raimundo Nonato Moura Oliveira - UEMA (MA)
Dra. Antonia Almeida Silva - UEFS (BA)

JUVENTUDES BRASILEIRAS:
questões contemporâneas
© Victor Hugo Nedel Oliveira - Rosane Castilho
1ª edição: 2021

Editoração
Acadêmica Editorial
Diagramação
Danilo Silva
Capa
Marcus Vinícius Machado Ramos
Reprodução e Distribuição
CAJU: Educação, Tecnologia e Editora

Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no


Código de Catalogação Anglo – Americano (AACR2)

J97 Juventudes brasileiras: questões contemporâneas / Victor Hugo Nedel


Oliveira, Rosane Castilho, organizadores. – Parnaíba, PI: Acadêmica
Editorial, 2021.
E-book.

ISBN: 978-65-88307-97-7

1. Jovens. 2. Processos sociais. 3. Tecnologias digitais.


4. Educação e cultura. I. Oliveira, Victor Hugo Nedel (Org.).
II. Castilho, Rosane (Org.). III. Título.

CDD: 305.235

Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos – CRB 3ª Região/1188

DOI: 10.29327/541522
Link de acesso: https://doi.org/10.29327/541522
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO - JUVENTUDES BRASILEIRAS:


QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS.
CONTEMPORÂNEAS........................................ 9
“GRIPEZINHA? NÃO! ALGO MUITO GRAVE E
PREOCUPANTE”: AS PERCEPÇÕES DE JOVENS DE PORTO
ALEGRE (RS) EM RELAÇÃO À PANDEMIA DA COVID-19.
COVID-19.15
Victor Hugo Nedel Oliveira
Andreia Mendes dos Santos
DOI: 10.29327/541522.1-1
O POVO QUER SABER: NOS MEIOS ACADÊMICOS,
QUANTO VALE UM PESQUISADOR DE JUVENTUDES?...
JUVENTUDES?...31
31
Rosane Castilho
DOI: 10.29327/541522.1-2
OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NA
CONVIVÊNCIA ESCOLAR: O QUE PENSAM AS/OS
JOVENS...................................................................................43
JOVENS ................................................................................ 43
Shara Jane Holanda Costa Adad
Vanessa Nunes dos Santos
DOI: 10.29327/541522.1-3
PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA
ESCOLA DE ENSINO MÉDIO.
MÉDIO...............................................63
............................................. 63
Ana Beatriz Gasquez Porelli
Douglas Franco Bortone
Luís Antonio Groppo
Dirce Djanira Pacheco e Zan
DOI: 10.29327/541522.1-4
JUVENTUDES BRASILEIRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA
NO CONTEXTO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS.
DIGITAIS................ 87
Aline Cristina Camargo
DOI: 10.29327/541522.1-5
A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E AS JUVENTUDES:
AMPLIAÇÃO DAS RELAÇÕES PEDAGÓGICAS EM UMA
PERSPECTIVA HUMANIZADORA....................................
HUMANIZADORA.................................... 105
Caroline Simon Bellenzier
Simone Zanatta Guerra
Altair Alberto Fávero
DOI: 10.29327/541522.1-6
EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: EXPERIÊNCIA
SENSÍVEL NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS ................. 127
Marise Berta de Souza
Nádia Pires Alves
Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
DOI: 10.29327/541522.1-7
JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA:
POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA INSERÇÃO
DA JUVENTUDE NO TRABALHO A PARTIR DE UMA
PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA.
EMANCIPATÓRIA..................................... 147
Maria Luisa Carvalho
DOI: 10.29327/541522.1-8
JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A
INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO ESCOLAR,
VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM
SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL.
INSTITUCIONAL........... 167
Camila Daniele de Oliveira Dutra
DOI: 10.29327/541522.1-9
A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO AGENTE DO
DESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR
DOS ENFOQUES DA OIT.
OIT.................................................... 187
Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves
DOI: 10.29327/541522.1-10
DIÁLOGOS E (DES)ENCONTROS NA ESCOLA: (IM)
POSSIBILIDADES PARA A RELAÇÃO ENTRE JOVENS E
ADULTOS.............................................................................
ADULTOS .............................................................................207
207
Luciana Winck Corrêa
Konstans Steffen
DOI: 10.29327/541522.1-11
DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES E
VIVÊNCIAS DAS JUVENTUDES NEGRAS.......................
NEGRAS....................... 221
Isabela Rodrigues Ligeiro
DOI: 10.29327/541522.1-12
EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES
NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO:
ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS VINCULADOS AO
CAPS AD..............................................................................
AD.............................................................................. 241
Kássia Fonseca Rapella
Aluísio Gomes da Silva Junior
DOI: 10.29327/541522.1-13
GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO
CONTEXTO DA PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA
ESCOLA..............................................................................
ESCOLA .............................................................................. 265
Plínio Xavier de Figueirôa
DOI: 10.29327/541522.1-14
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL TÉCNICA: UM DIREITO ESTUDANTIL.
ESTUDANTIL.289
289
Luciano Marcos Curi
Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues
DOI: 10.29327/541522.1-15
SOBRE O(A)S AUTORE(A)S.............................................
AUTORE(A)S............................................. 309

8
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

APRESENTAÇÃO
JUVENTUDES BRASILEIRAS:
QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS

A produção do livro “Juventudes Brasileiras – questões


contemporâneas” é o resultado do trabalho coletivo de
muitas mãos. Em comum, todas e todos que se dedicaram na
construção de um capítulo dessa obra têm um compromisso
ético, estético e político com o campo de pesquisa das
Juventudes, área do saber que pode ser entendida como diversa,
plural, multifacetada e extremamente rica, tais quais os seus
sujeitos de pesquisa, a saber, os jovens contemporâneos.
Assim como o Brasil, um país com dimensões
continentais e formado por amplas diversidades – regionais,
étnicas, culturais, juvenis, etc. – a presente obra que tivemos
a honra e o orgulho de organizar também compõe uma
pluralidade que ultrapassa as temáticas abordadas e alcança
diversos recortes espaciais, temporais, metodológicos e de
estilo de escrita. Uma das fortalezas desse livro é justamente
tal riqueza de diversidades!
Assim, passaremos a apresentar, brevemente, os
capítulos que compõem a presente obra. Temos ciência de que
o entendimento global das ideias dos textos aqui apresentados
se dará apenas com a leitura dos mesmos em sua íntegra.
Neste sentido, nosso esforço, aqui, é o de oferecer um tanto da
imensidão teórica, conceitual e metodológica que essa obra
dispõe aos leitores.

APRESENTAÇÃO 9
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Inicialmente, o capítulo “‘Gripezinha? Não! Algo muito


grave e preocupante’: as percepções de jovens de Porto Alegre
(RS) em relação à pandemia da Covid-19” apresenta resultado
de estudo em nível de pós-doutorado que buscou analisar
vivências e percepções de jovens de Porto Alegre diante da
pandemia da Covid-19. Em comum, encontraram-se jovens que
conhecem as medidas de prevenção ao vírus, reconhecem o
governo brasileiro como negligente no combate à pandemia e,
ainda, preferem o ensino presencial ao remoto-virtual.
“O povo quer saber: nos meios acadêmicos, quanto
vale um pesquisador de juventudes?” é um ensaio que
discute e problematiza questões que envolvem a pesquisa
e a produção nos meios acadêmicos. A provocação se dá
pela via da premissa de que, havendo grupos privilegiados
quanto à legitimidade no campo acadêmico, o que restaria
a pesquisadores de um campo ainda em construção? Aos
leitores (igualmente pesquisadores ou não) caberá responder,
juntamente com a autora, aos desafios elencados.
O capítulo “Os tipos de violências e seus efeitos na
convivência escolar: o que pensam as/os jovens” nos leva
a necessária reflexão sobre as múltiplas violências que
os jovens, em especial os da escola pública, são levados
a vivenciar em seus cotidianos. A partir da Sociopoética,
as autoras propõem a união entre poesia, ciência, arte e
construção do conhecimento, levando a análise de “confetos”,
entendidos como os conceitos que são perpassados de afetos.
Quais confetos são apresentados no texto? Vale a leitura!
O capítulo “Pertencimento religioso e atuações
juvenis na escola de ensino médio”, por sua vez, nos leva ao
debate sobre as juventudes e religião, a partir de estudos
sobre a participação política de jovens secundaristas e
suas experiências religiosas. Um dos exemplos destacados
pelos autores é a discussão dos trânsitos religiosos entre as
ocupações de escolas públicas realizadas no Brasil. O texto

10 APRESENTAÇÃO
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ainda apresenta outros exemplos desse debate, que leva os


leitores à percepção de elementos pouco visualizados nas
juventudes.
O capítulo intitulado “Juventudes brasileiras e
participação política no contexto das tecnologias digitais”
fornece elementos para análise do fenômeno da participação
política de jovens brasileiros a partir das novas tecnologias
da informação e comunicação. A autora aponta a mídia
como ferramenta de visibilidade política, tanto dos sujeitos
quanto das pautas. A organização juvenil se dá, a partir
do estudo realizado, em torno de coletivos, de interesses
plurais, da liderança horizontal e outros tantos elementos
caracterizadores das juventudes contemporâneas.
O capítulo denominado “A docência universitária
e as juventudes: ampliação das relações pedagógicas
em uma perspectiva humanizadora” proporcionará aos
leitores reflexões sobre as pluralidades das juventudes
contemporâneas e os desafios são impostos para a educação,
a partir de propostas e reflexões da humanização do ensino
superior. Os autores reconhecem a necessidade de que o
entendimento de quem são os jovens contemporâneos é
fundamental para o sucesso pedagógico.
“Educação, cultura e juventude: uma experiência
sensível na prática de artes visuais” é um estudo no qual as
autoras buscam refletir sobre o potencial das aulas de artes
na educação básica, com ênfase nas artes visuais, tendo
como lócus privilegiado uma escola municipal do interior do
estado da Bahia. Tal estudo propõe a reflexão sobre os pilares
do que denominam uma “educação sensível”, já que atenta às
subjetividades.
“Juventude e economia solidária: potencialidades e
desafios para inserção da juventude no trabalho a partir de uma
perspectiva emancipatória” é um estudo, ainda embrionário,
que visa apresentar dados da produção bibliográfica brasileira
acerca da relação entre juventude e Economia Solidária,
APRESENTAÇÃO 11
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

publicada no período de 2005 a 2019. Tal estudo se insere em


um projeto de pesquisa mais amplo que visa incluir pesquisas
de campo sobre experiências da juventude em Economia
Solidária, o que também, segundo a autora, permitirá subsidiar
projetos de extensão que fomentem e assessorem iniciativas
juvenis em uma incubadora de Economia Solidária.
No capítulo “Juventude invisível: uma análise sobre
a interface da relação entre espaço escolar, violências e
as crianças e adolescentes em situação de acolhimento
institucional” somos convidados a pensar sobre as
circunstâncias de violência que crianças e jovens são
expostos quando se encontram em situação de acolhimento
institucional. Assim como o tema demanda uma complexa
análise e interpretação, a situação desses sujeitos também é
verdadeiramente complexa. A autora entende que a educação
e a família são elementos-chave para dar conta de tal
complexidade.
“A percepção da juventude como agente de
desenvolvimento: uma análise crítica a partir dos enfoques da
OIT” é um estudo que tem por objetivo apresentar percepções
da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o papel
da juventude como agente do desenvolvimento. A autora reflete
sobre os discursos de distintos Organismos Internacionais (OI)
sobre emprego, educação, pobreza e crescimento econômico,
embora reconheça falhas no que concerne ao tratamento de
temas como o desemprego jovem e à atenção às condições
sociais dos jovens no sistema laboral.
“Diálogos e (des)encontros na escola: (im)
possibilidades para a relação entre jovens e adultos” discorre
sobre observações das autoras acerca da escola, tida como
espaço de encontros e desencontros das relações entre os
mundos culturais juvenis e as culturas adulta e escolar. O lócus
da pesquisa é uma escola privada na região metropolitana de

12 APRESENTAÇÃO
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Porto Alegre, na qual, em decorrência da pandemia, permitiu


refletir, para além do tema central, sobre os impactos da
modalidade remota nas sociabilidades juvenis.
O capítulo “Diálogos entre a sociologia das juventudes
e vivências das juventudes negras”, por sua vez, aponta
caminhos para uma discussão que reconheça e valorize as
vivências das juventudes negras em múltiplos contextos,
como a escola e o mundo do trabalho. A autora aponta e alerta,
ainda, para o genocídio da juventude negra que estamos
presenciando em contextos como o do Brasil, bem como aos
importantes e necessários espaços de resistência ao racismo.
“Experiência de cuidado pelo SUS com juventudes na
região metropolitana do rio de janeiro: itinerários possíveis
com jovens vinculados ao CAPS AD” é um recorte de pesquisa
realizada no Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade
Federal Fluminense, que teve como objetivo analisar o
cuidado oferecido aos jovens cadastrados em ponto da rede
do SUS, um Centro de Atenção Psicossocial de atenção ao uso
de álcool e outras drogas (CAPS AD). Por meio das narrativas
dos jovens, os autores buscaram refletir tanto sobre questões
estratégicas, quanto sobre questões associadas à qualidade
da atenção à saúde por parte da unidade de assistência
pesquisada.
“Orientação profissional para a educação profissional
técnica: um direito estudantil” é um estudo no qual os autores
buscam problematizar o conceito em questão qual seja, a
orientação profissional, trazendo elementos como estilo
de vida, paradigmas sociais e sua relação com o mundo do
trabalho e com as possíveis escolhas juvenis no que concerne
à profissionalização.
O capitulo “Grêmio estudantil: Garantias e legislações
no contexto da participação dos estudantes na escola” trata
da temática da participação política de jovens em contextos
escolares, em especial a partir da participação desses
sujeitos nas agremiações estudantis. A partir da legislação,
APRESENTAÇÃO 13
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

o autor aponta o entendimento de o grêmio estudantil ser um


espaço organizado de produção de debates e discussões dos
interesses dos próprios jovens estudantes escolarizados.
A partir desta multiplicidade de textos e perspectivas,
esperamos contribuir para a socialização de saberes acerca
dessa rica e multifacetada categoria histórico-social
denominada juventude, que, para nós pesquisadores do
campo, é acima de tudo, plural. Desejamos a todas e todos
uma excelente leitura!

Com respeito e admiração,

Prof. Dr. Victor Hugo Nedel Oliveira (UFRGS)


Profa. Dra. Rosane Castilho (UEG)
Os organizadores.

14 APRESENTAÇÃO
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

“GRIPEZINHA? NÃO! ALGO MUITO GRAVE


E PREOCUPANTE”: AS PERCEPÇÕES DE
JOVENS DE PORTO ALEGRE (RS) EM
RELAÇÃO À PANDEMIA DA COVID-191
Victor Hugo Nedel Oliveira
Andreia Mendes dos Santos
DOI: 10.29327/541522.1-1

PALAVRAS INICIAIS
O ano de 2020 foi marcado, em nível global, pela
chegada daquilo que se denominou como a maior crise
sanitária dos últimos 100 anos, a partir da pandemia da
doença chamada COVID-19, que se origina na infecção de
uma nova classe do coronavírus. A cobertura midiática em
relação à pandemia colocou o mundo frente à realidade da
necessidade do distanciamento corporal, do uso de máscaras
e da constante higienização das mãos. Os cenários urbanos
foram completamente transformados, no que se pode
visualizar cidades vazias, escolas fechadas e um ensino
transformado rapidamente para a modalidade em rede,
hospitais em superlotação, dentre outros aspectos. Também
foi possível acompanhar as diversas formas de condução da

1  Esse capítulo trata-se de um dos resultados do Estágio de Pós-


Doutorado em Educação realizado pelo Dr. Victor Hugo Nedel Oliveira no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Escola de Humanidades
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com
projeto de pesquisa intitulado “Juventudes Contemporâneas e a pandemia
da Covid-19: novas constituições de ser jovem”, sob supervisão acadêmica
da Dra. Andreia Mendes dos Santos. Uma versão aproximada deste texto
foi publicada no volume 06, número 16, ano 2021 do periódico Boletim de
Conjuntura.
“GRIPEZINHA? NÃO! ALGO MUITO GRAVE E PREOCUPANTE”: AS PERCEPÇÕES DE JOVENS DE 15
PORTO ALEGRE (RS) EM RELAÇÃO À PANDEMIA DA COVID-19
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

pandemia pelas autoridades dos variados países, a partir de


suas formas de pensar e ver o mundo: alguns com amparo total
da ciência e alguns outros dando às costas para os alertas e o
conhecimento científico.
Não restam dúvidas de que toda a população sofreu,
em algum grau, com a chegada da pandemia da COVID-19,
que tomou a todos de surpresa e até despreparados. Com
as juventudes contemporâneas, sujeitos compreendidos na
faixa etária dos 15 aos 29 anos, tal cenário não foi diferente,
uma vez que as aulas presenciais foram suspensas, o fluxo
na cidade e o contato presencial com os amigos foi em algum
grau interrompido, ou seja, as sociabilidades juvenis tiveram
que se adaptar (OLIVEIRA, 2020a). Ser jovem no mundo
contemporâneo abarca o entendimento de uma complexidade
que envolve múltiplos aspectos da vida: constituição pessoal,
relacionamentos interpessoais, coletividades, afetividades,
relações com os mais variados elementos, entre outros (PAIS;
LACERDA; OLIVEIRA, 2017). Nesse sentido, a chegada da
pandemia proporcionou distintas mudanças no cotidiano das
juventudes, que passaram a experimentar novas constituições
de ser e de estar em suas vidas.
Analisar as mudanças que a pandemia da COVID-19
trouxe para as juventudes contemporâneas e as percepções
que tais sujeitos construíram em relação ao momento histórico,
em especial as juventudes urbanas do município de Porto
Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, constituiu-se
de principal objetivo do projeto de investigação em nível de
pós-doutorado denominado: “Juventudes contemporâneas
e a pandemia da COVID-19: novas constituições de ser
jovem”, realizado no âmbito do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), do qual decorre o presente texto. O
principal objetivo, portanto, foi analisar as percepções de
jovens da cidade de Porto Alegre (RS) em relação à pandemia

16 Victor Hugo Nedel Oliveira - Andreia Mendes dos Santos


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

da COVID-19, a partir da constituição e caracterização dos


sujeitos, bem como da avaliação de afirmações apresentadas
no modelo de escala Likert.

CAMINHOS METODOLÓGICOS
Metodologicamente, a partir do entendimento de Gil
(2007), tratou-se de investigação quantitativa, que buscou
traduzir em números e porcentagens as informações coletadas
com os sujeitos da investigação. Quanto à natureza, tratou-se
de pesquisa aplicada, já que os conhecimentos produzidos pela
proposta podem ser empregados em situações práticas, tanto
de interpretação de novas realidades, quanto na proposição,
por exemplo, de políticas públicas para as juventudes em
tempos de pandemia e no pós-pandemia. Em relação aos
objetivos, tratou-se de pesquisa descritiva, já que o objetivo
esteve relacionado com a caracterização de certa população
(juventudes) em certo fenômeno (pandemia da COVID-19). Por
fim, em relação aos procedimentos, tratou-se de investigação
de levantamento, uma vez que buscou caracterizar os sujeitos
e coletar suas opiniões e percepções sobre o fenômeno
estudado.
O instrumento de coleta de dados da pesquisa foi um
questionário auto-aplicável, disponibilizado na plataforma
Google Forms, composto por três partes básicas: a primeira,
caracterização da amostra de investigação, na qual foram
solicitadas informações referentes à idade, gênero, etnia,
ocupação, acesso à internet, dentre outros. A segunda parte,
denominada “afirmações na escala Likert”, apresentou quatro
afirmações sobre o tema da pandemia, para que os sujeitos
pudessem assinalar seu grau de concordância, discordância
ou indiferença em relação ao que lhes era apresentado, a
partir do modelo desenvolvido por Likert (1932). Por fim, a
terceira e última parte, apresentou duas frases aos jovens
participantes, nas quais os mesmos deveriam completar com
a primeira palavra que lhes vinha à mente. As frases elegidas
“GRIPEZINHA? NÃO! ALGO MUITO GRAVE E PREOCUPANTE”: AS PERCEPÇÕES DE JOVENS DE 17
PORTO ALEGRE (RS) EM RELAÇÃO À PANDEMIA DA COVID-19
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

para apresentação nesse texto foram: “a pandemia é” e “a


pandemia não é”. O questionário foi disponibilizado na rede
por 15 dias, no mês de outubro de 2020.
Os sujeitos da pesquisa foram os jovens (de 15 até 29
anos) da cidade de Porto Alegre. A partir do entendimento de
que a população de Porto Alegre possui aproximadamente
1,4 milhões de habitantes e que as juventudes compreendem
aproximadamente 25% dessa parcela de população, se
tem o quantitativo de, aproximadamente, 350 mil jovens na
cidade de Porto Alegre. O número de respondentes efetivos
do questionário foi de 306 jovens, o que, em uma leitura
estatística, proporcionou que os dados possuíssem 97% de
confiança, com uma margem de erro de 5% estimada.
Em relação aos mais altos padrões de cuidados éticos
na pesquisa em Ciências Humanas e em atendimento ao
disposto na Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de
Saúde (BRASIL, 2016), os sujeitos menores de idade (entre
15 e 17 anos) precisaram apresentar o consentimento dos
responsáveis, além de oferecerem seu assentimento em
responder o questionário. Os sujeitos maiores de idade (entre
18 e 29 anos) precisavam apresentar seu consentimento para
responder ao questionário. Todos os sujeitos foram informados
dos riscos e benefícios em aceitar participar da pesquisa,
que sua participação era voluntária e que poderiam parar
de responder ou desistir de enviar o questionário a qualquer
tempo e por qualquer motivo.

ALGUNS DOS ACHADOS


Inicialmente, em relação à caracterização da amostra
da investigação, composta por 306 jovens da cidade de
Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, foram
verificadas informações referentes ao gênero, etnia, faixa
etária específica e ocupação dos mesmos, pelo que foi possível
realizar a construção do quadro 1, que segue.

18 Victor Hugo Nedel Oliveira - Andreia Mendes dos Santos


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Quadro 1 – caracterização geral da amostra


Gênero Etnia Faixa etária Ocupação
Seleção % N Seleção % N Seleção % N Seleção % N
Feminino 71 193 Branca 80 217 15 – 17 27 73 Apenas 54 165
anos estuda
Masculino 28 77 Preta/Parda 18 50 18 – 24 57 156 Apenas 8 24
anos trabalha
Outros 1 2 Outras 2 5 25 – 29 16 43 Trabalha 36 110
anos e estuda
Nem 2 7
trabalha,
nem
estuda

Fonte: banco de dados da pesquisa (2020). Organização: os autores (2021)

A partir da análise e observação do quadro 1 é


possível verificar que o perfil geral da amostra da pesquisa
foi composto, em maioria, por mulheres (71%), brancas (80%),
entre os 18 e 24 anos (57%) e que apenas estudam (54%).
Há que se destacar, portanto, que o entendimento do perfil
de determinada investigação diz respeito aos resultados
que serão encontrados em suas análises, na medida em que
múltiplos determinantes formam o corpus das pesquisas, em
especial aquelas organizadas em metodologia de questionário
de amplo acesso, como é o caso do presente estudo.
Ainda assim, levando em conta tais considerações,
destaca-se o número de sujeitos jovens negros e pardos que
responderam ao instrumento de pesquisa (18%) e, ainda, outro
dado a merecer destaque analítico é o quantitativo de jovens
que estudam e trabalham ao mesmo tempo (36%), bem como
os que nem estudam e nem trabalham (2%), historicamente
conhecidos como “nem-nem”, entretanto, entende-se que o
fato de serem jovens que não estudam e não trabalham, na
maioria dos casos por lhes faltarem acesso ao estudo e/ou ao
trabalho, pelo que se prefere, nessa investigação, a adoção do
termo “sem-sem”, ou seja, jovens sem estudo e sem trabalho.

“GRIPEZINHA? NÃO! ALGO MUITO GRAVE E PREOCUPANTE”: AS PERCEPÇÕES DE JOVENS DE 19


PORTO ALEGRE (RS) EM RELAÇÃO À PANDEMIA DA COVID-19
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Ainda, em uma caracterização da amostragem


da pesquisa, 40% (n = 122) dos jovens participantes do
estudo inferiram que tiveram conhecimento da investigação
através das redes sociais; 36% (n = 110) através de amigos;
e 24% (n = 74) através de outros meios, como indicação da
escola/universidade, professores, e-mail, dentre outros.
Esses dados refletem a significativa importância das redes
sociais no serviço de divulgação dos saberes e fazeres da
universidade (MARTELETO, 2018) ainda que em meio ao
oceano de desinformações e notícias falsas que circulam pela
internet e pelas redes sociais. Ainda, o contato dos amigos
dos sujeitos da pesquisa, que alcançaram o acesso para
responder ao questionário disponibilizado na rede colaborou
no amplo alcance que a investigação pode alcançar. Nesse
sentido a potencialidade metodológica que as redes sociais
proporcionam para a investigação científica também pode ser
constatada no presente estudo.
Em relação ao acesso à rede mundial de computadores,
91% (n = 278) dos jovens que participaram da investigação
afirmaram que utilizam banda larga em suas residências,
ao passo em que 9% (n = 28) dos sujeitos informaram que
possuem apenas acesso aos dados móveis dos aparelhos de
smartphone. Ainda, em relação ao tipo de aparelho de maior
acesso, 81% (n = 248) afirmaram ser o smartphone e 19%
(n = 58) ser o computador. Tais dados vêm ao encontro da
discussão proposta por Spizzirri et al (2012), quando refletem
sobre os usos da internet por jovens internautas, destacando
os comportamentos e envolvimentos dos jovens no uso das
tecnologias digitais. Ainda, há o destaque para o uso do
smartphone como principal aparelho para o acesso à internet,
que possibilita a atuação, em especial, nas redes sociais e
plataformas de vídeo.
Ao analisar as afirmações propostas no modelo da
escala Likert, apresentou-se aos sujeitos a primeira afirmação,
que foi constituída da seguinte frase: “o uso de máscaras para
20 Victor Hugo Nedel Oliveira - Andreia Mendes dos Santos
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

sair e a higienização das mãos é fundamental para conter


o avanço do coronavírus”. Nesse sentido, os jovens podiam
assinalar seu grau de concordância em relação à afirmação,
pelo que foi possível construir o gráfico 1, que segue.
Gráfico 1 – Afirmação 1 na escala Likert

Fonte: banco de dados da pesquisa (2020). Organização: os autores (2021)

A análise do gráfico conduz à interpretação de que a


massiva maioria encontra-se no grau de concordância com a
afirmação relacionada às medidas de profilaxia em relação
à contenção da propagação da doença causada pelo novo
coronavírus. Há um percentual ínfimo no grau de indiferença e
não foram identificados jovens sujeitos no grau de discordância
em relação à afirmação proposta. Nessa leitura, é possível
considerar que a amostra da investigação, composta por jovens
da cidade de Porto Alegre está consciente e, em certo grau,
bem informada em relação ao que a ciência vem produzindo
e alertando à população, sobre as formas conhecidas e
comprovadas de prevenção da contaminação, que é o uso
de máscaras ao sair de casa e a constante higienização das
mãos, como apregoam Baptista e Fernandes (2020) e Souza
et al (2020) em seus estudos. O engajamento das juventudes
no reconhecimento das técnicas de prevenção relacionadas

“GRIPEZINHA? NÃO! ALGO MUITO GRAVE E PREOCUPANTE”: AS PERCEPÇÕES DE JOVENS DE 21


PORTO ALEGRE (RS) EM RELAÇÃO À PANDEMIA DA COVID-19
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

à COVID-19 põe em xeque as afirmações que eventualmente


são realizadas, de que jovens são “inconsequentes” ou
“irresponsáveis”, uma vez que os dados evidenciam, ao menos,
o entendimento da informação necessária em tempos de
pandemia.
A segunda afirmação apresentada aos jovens
participantes do estudo foi: “o isolamento/distanciamento
social é uma boa forma de evitar a propagação do coronavírus”,
pelo que foi possível construir o gráfico 2, que segue.
Gráfico 2 – Afirmação 2 na escala Likert

Fonte: banco de dados da pesquisa (2020). Organização: os autores (2021)

O alto índice de concordância em relação à afirmação


proposta, representado pelos 97,4% (n = 297) dos sujeitos
aponta, outra vez, para o reconhecimento relacionado às
medidas de contenção da proliferação do contágio pelo novo
coronavírus, na medida em que o distanciamento social, aliado
ao uso de máscaras e a higienização das mãos são as estratégias
conhecidas como possibilidades de evitar o contágio. Há,
nesse sentido, uma ponderação em relação à terminologia
inicialmente adotada, de um “isolamento” ou “distanciamento”
social, a partir de discussões como as apresentadas por
Oliveira (2020b), uma vez que os sujeitos não deixaram de
manter contato social, o que foi altamente recomendado foi
22 Victor Hugo Nedel Oliveira - Andreia Mendes dos Santos
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

o distanciamento presencial, mas não o social, fator que pôde


ser suprido, ao menos em parte, pelas redes sociais. Há um
número ínfimo de sujeitos que apontaram indiferença ou até
discordância em relação à frase apresentada, e, para seguir
nessa leitura analítica, se faz necessário chamar ao debate a
terceira afirmação apresentada aos jovens participantes do
estudo que foi: “prefiro o contato social presencial ao virtual,
em tempos de COVID-19”, pelo que foi possível construir o
gráfico 3, que segue.
Gráfico 3 – Afirmação 3 na escala Likert

Fonte: banco de dados da pesquisa (2020). Organização: os autores (2021)

O alto índice de discordância em relação à afirmação


proposta, representado pelos 73,2% (n = 223) dos sujeitos
aponta, outra vez, para o prosseguimento da consideração
que os sujeitos jovens participantes do estudo detiveram em
relação às medidas de contenção da propagação do vírus. O
que passou a chamar a atenção, nesse ponto da análise, foi o
índice de 8,8% (n = 28) de indiferença e o percentual de 18%
(n = 55) de concordância em relação ao tópico em tela. Por
mais que a afirmação apresentada aos jovens deixasse claro
que o cenário colocado referia-se “em tempos de COVID-19”,
um percentual considerável de sujeitos (26,8%, n = 83), nessa
etapa de respostas ao questionário, manifestou-se indiferente
“GRIPEZINHA? NÃO! ALGO MUITO GRAVE E PREOCUPANTE”: AS PERCEPÇÕES DE JOVENS DE 23
PORTO ALEGRE (RS) EM RELAÇÃO À PANDEMIA DA COVID-19
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ou até em concordância (plena ou parcial) em relação à


afirmação de preferir o contato presencial em detrimento do
virtual.
Duas análises iniciais poderiam ser consideradas para
esse resultado obtido. A primeira, diz respeito ao papel das
redes sociais em tempo de COVID-19 e de suas limitações,
como já discutem Bezerra et al (2020), em especial pela
falta de contato físico, espaços e tempos essenciais na
constituição das sociabilidades juvenis. A outra possibilidade
analítica frente ao resultado verificado, diz respeito a um dos
entendimentos das juventudes: o fato de, em determinados
grupos e contextos, se colocaram como resistência e/ou
oposição ao dominante, nesse caso, entendido como a própria
pandemia. Não é aleatória a realização do que passou a se
denominar de “festas da COVID”, em geral organizadas e
frequentadas por sujeitos jovens. As aglomerações juvenis em
bares, shows, casas de espetáculos e festas (CARVALHEIRO,
2020) podem ser entendidas, em algum grau, como essa
tentativa de oposição negacionista ao momento em que se
vive, sinal, inclusive, do sofrimento emocional de tais sujeitos,
ao terem, em algum grau, suas liberdades interrompidas.
A quarta e última afirmação apresentada aos jovens
participantes do estudo foi: “o governo brasileiro está sendo
negligente em relação à pandemia da COVID-19”, pelo que foi
possível construir o gráfico 4, que segue.

24 Victor Hugo Nedel Oliveira - Andreia Mendes dos Santos


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Gráfico 4 – Afirmação 4 na escala Likert

Fonte: banco de dados da pesquisa (2020). Organização: os autores (2021)

O alto grau de concordância em relação à afirmação,


representado pelo percentual de 91,5% (n = 278) aponta
para o entendimento de que os jovens participantes do
estudo percebem a inação do atual governo brasileiro em
relação às medidas que seriam necessárias para mitigar
os efeitos da pandemia na realidade social brasileira, que
já é, historicamente, desigual. Um dos principais fatores
envolvidos nessa percepção encontrada nos sujeitos da
investigação pode ser explicado pelo negacionismo da
doença e da pandemia, empregado pelo governo em especial
pela autoridade máxima do país (CAMPOS, 2020). Não foram
poucas as declarações emitidas pelo presidente da República
– e amplamente divulgadas pelos veículos de comunicação do
país – nas quais aquele que deveria gerir e conduzir o Brasil
durante a maior crise sanitária dos últimos 100 anos nega a
existência da pandemia e, como se isso não bastasse, jacula
comentários desrespeitosos em relação às vítimas da doença.
Foram apresentadas duas frases aos jovens
participantes do estudo, nas quais os mesmos deveriam
completar com a primeira palavra que lhes vinha à mente, de
modo a realizar o esforço de captar suas impressões de maior
destaque sobre o tema. As frases utilizadas para a escrita

“GRIPEZINHA? NÃO! ALGO MUITO GRAVE E PREOCUPANTE”: AS PERCEPÇÕES DE JOVENS DE 25


PORTO ALEGRE (RS) EM RELAÇÃO À PANDEMIA DA COVID-19
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

desse texto foram, respectivamente, “a pandemia não é” e


“a pandemia é”. Após análise das respostas dos sujeitos, foi
possível construir a imagem 1, que apresenta as duas nuvens
de palavras, de cada conjunto de respostas.
Imagem 1 – nuvens de palavras

Fonte: banco de dados da pesquisa (2020). Organização: os autores (2021)

Inicialmente, cabe destacar que foi esse conjunto


analítico que deu origem ao título do presente capítulo, uma vez
que ficam explicitas as percepções dos jovens de Porto Alegre,
ao entenderem que a pandemia não é nem “brincadeira” e nem
uma “gripezinha”. Ao contrário, apontam que a pandemia é
“horrível”, “preocupante”, “grave”, “assustadora”, entre outras
percepções. A principal utilização da expressão “gripezinha”,
diz respeito aos episódios nos quais o presidente da República
nominou a doença Covid-19 como tal2, em suas incontáveis
tentativas de menosprezar o impacto do vírus e sua ação
mortal ao negligenciar a imediata compra de vacinas, bem
como seu mau exemplo, ao promover aglomerações e não
usar máscara, atitudes sabidamente necessárias em tempos
da presente pandemia pela qual vivemos.

2 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55107536


Acesso em: 03 mai. 2021.
26 Victor Hugo Nedel Oliveira - Andreia Mendes dos Santos
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

O fato de que os jovens sujeitos da pesquisa percebam


– em altíssimo grau – a negligência do governo federal em
relação aos cuidados que deveria ter na condução da pandemia
no país coloca as juventudes, outra vez mais, em posição de
atenção a sua realidade social. Para além da ampla divulgação
midiática das contradições presentes nas poucas ações do
governo, as incertezas em relação à vacinação em massa no
Brasil ainda seguem e múltiplos desencontros de informações
têm sido dispersados pelos negacionistas e aqueles que
insistem em chancelar o desserviço de descrédito em relação
ao que a ciência vem produzindo como um todo. Autores como
Henriques e Vasconcelos (2020) e Caponi (2020) apontam
para a alta resistência ao conhecimento científico nos espaços
institucionais, em meio à grave crise política que se instala
no país. A percepção dos jovens em relação a esse cenário
aponta no sentido de que tais sujeitos estão alerta e em busca
de saber o que de fato ocorre em suas realidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse trabalho foi possível proporcionar reflexão
acerca das percepções de jovens da cidade de Porto Alegre
sobre a pandemia da COVID-19, a partir das análises de
questionário que buscou montar um perfil da amostra de
pesquisa e dos graus de concordância, discordância ou
indiferença em relação às afirmações sobre a pandemia. Os
estudos que visam descrever e explorar os novos cenários
constituídos a partir da chegada da pandemia da COVID-19
possuem o desafio teórico e metodológico de realizar
investigações ainda nos momentos “quentes” dos fatos, pois
os mesmos ainda encontram-se em andamento.
Através do presente estudo montou-se a caracterização
da amostra da pesquisa, etapa fundamental nas investigações
sobre, de, para e com os jovens contemporâneos. Conhecer
quem são os jovens e o que pensam sobre determinados
assuntos, constitui-se de elemento chave para a compreensão
“GRIPEZINHA? NÃO! ALGO MUITO GRAVE E PREOCUPANTE”: AS PERCEPÇÕES DE JOVENS DE 27
PORTO ALEGRE (RS) EM RELAÇÃO À PANDEMIA DA COVID-19
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

das múltiplas e diversas realidades desses sujeitos. Nesse


sentido, o cenário apresentado de jovens mulheres, brancas,
com idade entre 18 e 24 anos e que apenas estudam denotou
um conhecimento analítico que possibilitou interpretar as
questões que seguiram no instrumento de coleta de dados da
pesquisa com maior conhecimento epistêmico.
Tratam-se, portanto, de jovens que, em sua ampla
maioria, reconhecem as medidas de distanciamento corporal,
uso de máscaras e higienização constante das mãos, por
exemplo, como estratégias fundamentais para frear o avanço
dos índices de contaminação pelo novo coronavírus. Ainda,
reconhecem o governo federal como sendo negligente em sua
atuação no que se refere à pandemia. São jovens, portanto,
que possuem conhecimento de suas realidades e, a partir
das informações que lhes são apresentadas, são capazes
de construir seus próprios pensamentos de vida e, com isso,
manifestar-se, ao dizer “eu existo, eu estou no mundo, eu tenho
minhas próprias crenças”.
Pensar e refletir, nesse sentido, as percepções
que jovens de determinada realidade possuem em relação
ao período histórico pelo qual se vive é, em um primeiro
momento, reconhecê-los como sujeitos de direitos e, ainda,
em um segundo momento, distingui-los como atores sociais
protagonistas de sua história, de um presente, e não apenas
de um futuro que lhes aguardaria. A pandemia da COVID-19
ainda segue nos impondo constantes desafios e grandes
necessidades de adaptações ao novo cenário que vem se
instalando. Resta a nós, pesquisadores, seguir analisando os
fatos e reconhecendo os elementos que forem surgindo.

REFERÊNCIAS

BAPTISTA, A. B.; FERNANDES, L. V. COVID-19, análise


das estratégias de prevenção, cuidados e complicações
sintomáticas. DESAFIOS - Revista Interdisciplinar da
Universidade Federal do Tocantins, vol. 7, n. 3, dezembro,

28 Victor Hugo Nedel Oliveira - Andreia Mendes dos Santos


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

2020. Disponível em: https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/


index.php/desafios/article/view/8779/16721 Acesso em: 03
mai. 2021.
BEZERRA, A. C. V. Fatores associados ao comportamento
da população durante o isolamento social na pandemia de
COVID-19. Ciência e Saúde coletiva, vol. 25, n. 1, dezembro,
2020. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/
resource/pt/biblio-1101069 Acesso em: 03 mai. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde.
Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 maio 2016.
Seção 1. p. 44- 46. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/
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CAMPOS, G. W. S. O pesadelo macabro da Covid-19
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Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/
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2021.
CAPONI, S. Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão
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CARVALHEIRO, J. R. Os coletivos da Covid-19.
Estudos avançados, vol. 34, n. 99, dezembro,
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GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo:
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HENRIQUES, C. M. P.; VASCONCELOS, W. Crises dentro da
crise: respostas, incertezas e desencontros no combate à
pandemia da Covid-19 no Brasil. Estudos avançados, vol. 34,
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LIKERT, R. A Technique for the Measurement of Attitudes.
Archives of Psychology, vol. 140, 1932.

“GRIPEZINHA? NÃO! ALGO MUITO GRAVE E PREOCUPANTE”: AS PERCEPÇÕES DE JOVENS DE 29


PORTO ALEGRE (RS) EM RELAÇÃO À PANDEMIA DA COVID-19
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

MARTELETO, R. M. Redes sociais, mediação e apropriação


de informações: situando campos, objetos e conceitos na
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SPIZZIRRI, R. C. P. Adolescência conectada: Mapeando o uso
da internet em jovens internautas. Argumento, vol. 30, n. 69,
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index.php/psicologiaargumento/article/view/23288 Acesso
em: 03 mai. 2021.

30 Victor Hugo Nedel Oliveira - Andreia Mendes dos Santos


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

O POVO QUER SABER:


NOS MEIOS ACADÊMICOS, QUANTO VALE
UM PESQUISADOR DE JUVENTUDES?1
Rosane Castilho
DOI: 10.29327/541522.1-2

Esse ensaio busca ampliar a compreensão sobre


aspectos que impactam o trabalho do pesquisador: dúvidas,
inquietações e desafios que, de alguma forma, tangenciam
as tantas interrogações que carregam quanto ao seu ofício
e ao seu valor no campo acadêmico. Essa não é a primeira
vez que proponho uma discussão sobre a temática. Também
não é a primeira vez que relato as minhas vivências como
pesquisadora. Os meus leitores deverão ter paciência e um
tanto de esperança de que o percurso valha a pena.
Retomo o tema porque penso que as vivências
compartilhadas podem auxiliar os jovens pesquisadores a
compreender que entre o traçado de um projeto de pesquisa
e sua realização, muitos “obstáculos” podem ocorrer, sendo
necessário refletir sobre o emaranhado que constitui o
cotidiano da operacionalização de um trabalho de campo, do
qual não temos controle ou previsibilidade. Assim, como nos
ensina Pais (2015), na obra Sociologia da vida quotidiana, é
necessário ter em mente que a consciência epistemológica
da impossibilidade de se abarcar o real em sua totalidade
é “condição necessária” para alcançarmos os enigmas do
cotidiano. E se as rotas cotidianas escapam às abstrações

1  Uma versão deste texto foi publicada no periódico Cadernos do


Aplicação - UFRGS.
O POVO QUER SABER: NOS MEIOS ACADÊMICOS, QUANTO VALE 31
UM PESQUISADOR DE JUVENTUDES?
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

teóricas que se projetam sobre o real, há que se tecer novos


arranjos, transgredir e subverter – com responsabilidade e
compromisso – os panoramas já engendrados, buscando,
em uma provável originalidade, novas possibilidades de
aproximação, de interrogação e desvelamento do objeto em
questão.
Adentrando ao tema, no que concerne aos aspectos
formais do trabalho da pesquisa acadêmica, sempre insisti na
tese de que, não obstante o compromisso com o rigor científico,
não há como garantir a efetivação dos passos associados ao
trajeto de investigação, na expectativa de que tudo flua como
o pretendido. Isso porque a “obliquidade da vida” também
se manifesta em nosso ofício de pesquisadores, cabendo
a nós o compromisso com os sujeitos e com a proposta,
enfrentando as dificuldades ao trabalho e, na medida do
possível, abandonando a nossa vaidade profissional. Tarefa
hercúlea para alguns, já que tendo a concordar com Weber
(1970), que em seu texto Ciência como vocação, sustenta ser
a vaidade passível de considerar-se uma “espécie de moléstia
ocupacional” nos mundos acadêmico e erudito.
Após essa breve digressão, retomo alguns aspectos
acerca do ofício da pesquisa, sobre os quais já tratei
anteriormente e que estão no cerne das discussões de
pesquisadores e pesquisadoras do campo das Ciências Sociais
e Humanas e mais especificamente, do campo da Educação:
a necessidade do aprimoramento de seu traçado; o cuidado
com a tessitura dos elementos associados à problemática
de estudo; a acuidade quanto aos aspectos metodológicos;
a escolha dos instrumentos mais adequados para cada tipo,
ou modalidade, de investigação; as estratégias de devolução
dos resultados e, fundamentalmente, a humildade diante da
magnitude do que se descortina quando de sua realização.
Insisto em salientar que os elementos que envolvem a
escrita de um projeto de pesquisa, e a posterior sistematização
de seus dados, são facilmente encontrados e destrinchados
32 Rosane Castilho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

em boas obras de metodologia do trabalho científico. Mas o


cuidado e o respeito com o fazer acadêmico só se aprende
com pesquisadores que reconhecem em seu trabalho as
distintas possibilidades de se acercar ao objeto eleito,
em seus diferentes contextos, circunstâncias e desafios,
referenciando-o como um universo particular, prenhe de
sentidos e significados que lhe são próprios e que garantem
a sua singularidade e riqueza. Acerca da questão, Thaisa
Ferreira (2020) contribui elencando desafios e possibilidades
no trabalho de campo com e sobre as juventudes, em particular
aquelas em condição de vulnerabilidade e exclusão, propondo
abrir-se a novos significados sobre dinâmicas e aspectos da
realidade que parecem (enganosamente) familiares.
Quanto à operacionalização do trabalho da pesquisa,
inicialmente, cabe dizer que no que se refere ao percurso
(pessoal) no doutorado, as dificuldades, tanto na aplicação
do instrumento de coleta de dados (viés quantitativo), quanto
na realização dos grupos focais (viés qualitativo) eram
desafiadoras. Ora os “acordos” com a direção da instituição
educativa falhavam e eu retornava à universidade de mãos
vazias, ora ocorria algo que alterava a programação, que
por sua vez alterava o cronograma daquela fase, gerando
mudanças também nas fases posteriores.
Nessa trajetória, em uma das escolas pesquisadas no
Brasil, no dia em que haveria uma sessão de grupo focal com
alunos de uma determinada turma do segundo ano do ensino
médio, um evento na escola alterou os planos: dois jovens
foram pegos pelo vigia, fazendo sexo no estacionamento da
instituição. Não será difícil imaginar o burburinho. Naquele
contexto, não havia possibilidade de apresentar a proposta
de pesquisa com os jovens do ensino médio. A proposta
investigativa, diante do quadro que se descortinou na escola,
era questão secundária para a instituição.

O POVO QUER SABER: NOS MEIOS ACADÊMICOS, QUANTO VALE 33


UM PESQUISADOR DE JUVENTUDES?
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

A fim de contribuir, propus à gestão da escola


“aproveitar” os elementos associados ao fato ocorrido e propor
um momento de reflexão com os alunos sobre os acordos que
se podem produzir, com a anuência coletiva, para que um
clima de convivência pacífica, quando não harmoniosa, se
estabeleça em um espaço de aprendizagem, mas a sugestão
não foi aceita. Apesar da preocupação com os prazos a cumprir,
já que o meu retorno à Argentina já estava agendado, retornei
“de mãos vazias” e com uma grande quantidade de novos
questionamentos sobre os modelos de gestão que insistem
em se estabelecer nas instituições de ensino em nosso país,
em todos os níveis.
Na Argentina, em uma das escolas pesquisadas,
no dia da aplicação do instrumento de coleta de dados em
uma determinada turma, o pai de um aluno havia sido preso
e retirado de casa, na presença da família, por uma suposta
participação em um assalto. Os estudantes estavam muito
mobilizados com a dor do colega, ainda em choque, e, em
função do contexto, também não foi possível trabalhar, porém,
nessa escola a perplexidade produziu frutos: a docente decidiu
reunir o grupo em torno de uma “oficina” em que os alunos
poderiam expressar a sua angústia escrevendo poesias –a aula
de literatura tomaria um formato não previamente preparado,
assim como a programação da pesquisa em questão. A
relação entre o grupo se fortaleceu, permitindo, inclusive, o
meu acolhimento quando da realização da atividade. Uma
semana depois desse momento singular e rico em significados
de ordem simbólica, retornei à escola e, assim, pude dar
encaminhamento à programação concernente à pesquisa de
campo.
Em Portugal, quando da realização do estágio pós-
doutoral, a entrada nas escolas escolhidas para a realização
da pesquisa foi uma odisseia. Em seu significado mais
usual, considera-se este termo como associado a uma longa
perambulação ou como um percurso marcado por inúmeros
34 Rosane Castilho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

eventos imprevistos. Assim, o termo utilizado não é um


exagero. Explico: a fim de pesquisar jovens estudantes da
periferia, realizamos um traçado de estudo envolvendo a
escolha de algumas escolas em bairros específicos de Lisboa.
Trinta dias após a primeira tentativa de apresentar o projeto de
investigação aos diretores das instituições escolares e, assim,
obter a autorização para a aplicação da pesquisa de campo,
eu ainda estava de mãos vazias. Não havia conseguido chegar
aos diretores e não tinha perspectivas de alcançar sequer o
passo inicial da investigação proposta.
Cheguei à reunião com o investigador-coordenador do
estágio sem saber por onde começar. Discutimos possíveis
saídas para o impasse e ele se propôs a entrar em contato
com alguns diretores das escolas escolhidas e realizar uma
prévia comunicação institucional. Depois de alguns contatos
ineficazes, conseguimos agendar uma entrevista com a
direção de uma das escolas cujo bairro não estava contido
na prospecção inicial. Mas, nesse caso, o processo fluiu. Um
segundo diretor, após vinte dias de insistentes solicitações,
encaminhou o “meu caso” para a psicóloga da instituição,
que gentilmente me atendeu. Em vista disso, a programação
relativa ao trabalho de campo precisou ser refeita para que
eu pudesse cumprir os prazos constantes no cronograma,
previamente aprovado pelo comitê do Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa.
Na Espanha, quando da minha primeira ida a Madrid,
passei três dias visitando escolas públicas para realizar a
pesquisa com estudantes secundaristas daquele país. O
ayuntamiento escolhido para a realização da pesquisa de campo
em Madrid foi eleito em função da similaridade com os bairros
escolhidos em Goiânia e em Lisboa, no que tange à condição
de classe dos moradores, à vulnerabilidade social vivenciada,
entre outros critérios. Quando da “peregrinação”, deixava toda
a documentação relativa à pesquisa na secretariadas escolas:
declaração de aceitação no pós-doutorado, parecer do
O POVO QUER SABER: NOS MEIOS ACADÊMICOS, QUANTO VALE 35
UM PESQUISADOR DE JUVENTUDES?
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

investigador-coordenador do estágio/instituto que abrigou a


pesquisa, um reduzido currículo pessoal, um contato telefônico
e ainda um endereço de e-mail para comunicação. Ao fim do
dia, uma constatação: as tentativas de um contato inicial para
apresentação da proposta haviam sido infrutíferas.
Um dia, pela via de uma brasileira, cuja cunhada
estava hospedada em um monastério do bairro escolhido para
a pesquisa, fui apresentada a uma freira que já havia sido
diretora de instituição escolar. Assim, consegui o contato com
o diretor de uma escola conveniada entre a igreja católica e
o poder público e pude realizar o trabalho. Apesar do “sopro
de sorte”, a proposta de aplicação da pesquisa em duas
escolas não se concretizou plenamente naquele país. Um dos
diretores de instituição escolar em Madrid, desculpou-se,
alegando excesso de atividades escolares naquele semestre,
além de um indicativo de greve, informando assim que não
seria possível realizar as atividades propostas. Mais uma vez
me vi convocada a enfrentar os obstáculos, não sem um tanto
de desapontamento.
Considero importante salientar que, ao relatar as
experiências frustradas com a gestão de algumas escolas,
reconheço a alta carga de trabalho dos gestores escolares
como um elemento a ser considerado. Muito já se escreveu
sobre as condições de precariedade a que são submetidos os
membros da comunidade educativa e não quero ser repetitiva,
já que esse não é o objeto de nossa discussão aqui, embora
considere importante manter em mente que a pesquisa
acadêmica, quando realizada com o devido rigor e com o devido
compromisso, não deve se distanciar dos aspectos políticos
que integram o seu contexto, e que demandam uma postura
crítica diante dele. Assim, como afirmou o docente argentino
Roberto Follari (2011), uma postura habermasiana acerca
da função do conhecimento sobre o real deve servir tanto
como base ao auto entendimento, quanto como elemento de
interpretação desse real que se desvela no cotidiano.
36 Rosane Castilho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Após esse breve comentário, retomamos ao percurso


da pesquisa: no Brasil, conheci um dedicado professor de
Filosofia que me ajudou muito na aplicação dos instrumentos.
Mas nosso “encontro” inicial não foi fácil: no terceiro dia da
aplicação do questionário, fui levada pela coordenadora à
sala em que o referido professor estava ministrando uma aula
sobre “o legado grego para a civilização ocidental”. O mesmo
solicitou cinco minutos para finalizar a explanação sobre a
temática. Percebi nele muito compromisso e amorosidade
na relação com os alunos. E também um grande arcabouço
teórico para trabalhar a questão. Tocou-me a dedicação com
que trabalhava o tema, mas percebi que o mesmo estava
um tanto incomodado com a minha presença. Mesmo assim,
prontificou-se a ajudar no que fosse necessário.
Quando da aplicação do questionário, em uma dada
questão que indagava sobre a opinião dos alunos acerca do
valor (científico-social) do ensino formal oferecido pela escola,
o docente se enfureceu. Pediu para interromper a aplicação
dizendo que considerava “um desrespeito uma pesquisadora
se propor a questionar a qualidade da escola” que abrigaria
a pesquisa em curso. Fez uma enorme explanação sobre as
precárias condições de trabalho docente, sobre a insuficiência
das políticas públicas para a educação e convocou os alunos a
ter muita “responsabilidade” na hora de responder. Convocou-
os a “avaliar o contexto” antes de “dar uma resposta leviana”.
E um clima de perplexidade se instalou. Após a fala do
docente, me manifestei dizendo que considerava importante a
manifestação do professor, mas acreditava que as pesquisas
sérias poderiam, efetivamente, viabilizar novos olhares sobre
temas complexos e polêmicos como, por exemplo, o conceito
de “qualidade” na educação. Ele concordou e assim pudemos
prosseguir.
Na sala dos professores, após o ocorrido, conversamos
longamente sobre a questão trazida por ele quando em sala de
aula e ainda sobre o cuidado na construção dos instrumentos de
O POVO QUER SABER: NOS MEIOS ACADÊMICOS, QUANTO VALE 37
UM PESQUISADOR DE JUVENTUDES?
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

coleta de dados para fins de pesquisa acadêmica. Descobrimos


afinidades. Já engajado na proposta investigativa, o professor
apresentou-me à equipe gestora de uma das escolas, localizada
em um bairro periférico, para realizar a pesquisa. Parte do
trabalho foi realizado lá. Não sem atropelos e imprevistos:
desde a falta de luz na data da realização da roda de conversa
(em função do furto de parte da fiação da escola na madrugada
anterior) até uma blitz realizada pela polícia militar na porta
da escola, o que gerou uma grande baixa na frequência de
alunos do terceiro ano noturno, naquela semana. Na data,
os alunos me relataram em conversa informal, que esse tipo
de fiscalização policial sem aviso prévio ocorria com muita
frequência no bairro, considerado rota do tráfico de drogas na
cidade. Comentaram ainda que após essas “batidas” alguns
colegas “desapareciam”. Essa palavra ficou em minha cabeça.
Para além de retornar em duas outras datas para efetivar a
realização dos passos constantes no trabalho, me pus a pensar
no que significa “desaparecer”.
Confesso que ser pesquisadora do campo das
Ciências Sociais e Humanas me traz um tanto de alívio, pois,
em meu entendimento, a complexidade inerente aos aspectos
associados à condição humana exige algo além do mero rigor
científico para que seja desvelada. O rigor científico, ainda
assim, é reconhecido em sua importância, embora não deva
nos prender nas armadilhas das supostas “verdades objetivas”.
Nesse diapasão, apesar dos constantes chamados
ao objetivismo, que tende a desprezar o que não for passível
do controle e da previsibilidade gerados por sofisticadas
abstrações teóricas, penso que o pesquisador, ou quem
se pretenda assumir com tal, deve lutar por sustentar sua
condição de autonomia intelectual, embora o preço a pagar
seja consideravelmente alto. Ao menos até que se alcance
suficiente poder no campo, como nos orientou Bourdieu
(1983), na obra Campo de poder, campo intelectual. Esse poder,

38 Rosane Castilho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

fortemente presente nos campos de produção cultural, ocupou


boa parte de seu trabalho investigativo sobre o sistema escolar
francês e sobre a formação das elites intelectuais.
Importante frisar que, no trato com a pesquisa, não
me proponho defender uma abordagem “espontaneísta”.
Muito ao contrário. Penso que a decisão de trilhar um percurso
acadêmico seja um dado capaz, por si só, de sustentar o apreço
pela magnitude do conhecimento produzido por sujeitos que
reconhecem, na Academia, um fértil ambiente de produção e
socialização de saberes.
Por outro lado, há que se considerar a magnitude
da violência simbólica, adotada por “autoridades” que,
encasteladas em suas poderosas associações e/ou
instituições acadêmico-científicas e em nome de uma
pretensa “excelência”, se prestam a classificar o conhecimento
produzido em determinados círculos acadêmicos como sendo
de segunda categoria. O cinismo dessa postura, segundo a
minha interpretação, ocorre porque essa cruenta taxonomia
se dá com base em dados meramente quantitativos, cuja
arbitrariedade essas ditas “autoridades” insistem em
questionar, quando de seus discursos para “as massas” que
lotam os eventos acadêmicos todos os anos.
Assim, se a violência simbólica se exerce com a
cumplicidade daqueles que a sofrem e também, com a
colaboração daqueles que a exercem na medida em que não
são conscientes de exercer ou sofrer seus impactos – sobre a
temática, Bourdieu (2014), em sua obra Sobre o Estado, muito
nos esclarece - há que se pensar nos elementos que envolvem
esse processo, criando condições para refletir amplamente
sobre essas “formas de coerção”, que banalizam e corroem
as relações nos mais diferentes níveis da vida acadêmica. A
quantidade de alunos da pós-graduação que fazem uso de
medicação psiquiátrica para “suportar a pressão” de seus
processos de mestrado e doutorado, já foi objeto de discussão
em inúmeros congressos científicos.
O POVO QUER SABER: NOS MEIOS ACADÊMICOS, QUANTO VALE 39
UM PESQUISADOR DE JUVENTUDES?
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Tal violência, como modus operandi da Academia, é


uma das formas de coerção que impera no campo científico,
para desespero daqueles que lutam contra o processo de
reificação, de coisificação dos sujeitos, e até mesmo de
“precificação dos produtos” gerados em âmbito acadêmico.
Sobre a pretensa legitimidade dos critérios acadêmico-
científicos adotados nas avaliações de mérito, Adorno (1995),
no texto A filosofia e os professores, muito pode contribuir em
nossas reflexões.
Enfim, após um percurso de reflexões, cabe a
pergunta: nos meios acadêmicos, quanto vale um pesquisador
de juventudes? E a resposta imediata estará atrelada ao
status da instituição e dos grupos de elite aos quais o mesmo
se vincula, pela via da chancela que sustenta o seu poder ou
determina a sua “subalternidade” no campo acadêmico.
Por outro lado, não obstante as agruras enfrentadas,
penso que pesquisar é constituir novas rotas de descobrimento,
tendo por fundamento tanto a bússola dos saberes já divisados
quanto a respeitosa curiosidade diante de um novo mundo
que se descortina. Assim, no afã de sustentar um tanto da
necessária emancipação, poderemos nos associar a quem,
como nós, encontra sentido e significado em seu ofício.
No que tange à emancipação intelectual, como nos
ensinou Pedro Demo (2011, p. 17), “desmistificar a pesquisa”
envolve a superação das condições atuais de reprodução dos
papéis de “discípulo” e de “mestre”. Assim, o mestre, enquanto
pesquisador, não deveria buscar o célebre lugar do “magnata
da ciência, do gênio incomparável, do metodólogo virtuoso”.
Essa postura, com o devido distanciamento dado pelo tempo,
chega a ser ridícula. O que caberia ao pesquisador, quando da
consciência de seu lugar na história, é o de sustentar a sua
condição de emancipação, “para não permanecer na condição
de objeto das pressões alheias” e, no limite, na (relativamente
confortável, dado o ganho secundário) condição de alienação.

40 Rosane Castilho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Ao fim e ao cabo, quanto valemos? Ninguém além


de nós pode, senão pela via de uma honesta análise de
nossos propósitos, precisar. Não obstante as lutas, em
âmbito interno nos meios acadêmicos, enfrentando, tal como
discutiu Trigueiro (1999, p. 97), “uma cultura tendencialmente
conservadora”, há que se sustentar o propósito de apoiar, em
termos institucionais e orçamentários, tanto os grupos ainda
em consolidação no campo, quanto aqueles considerados “de
segunda categoria”, dada a postura de distanciamento da
cúpula do poder.
Essa deve ser uma inarredável decisão política, já que
esse passo irá demandar mudanças, tanto da percepção, por
parte dos “catedráticos”, do que seja considerado relevante em
termos científicos - lembrando que essa apreciação influencia
fortemente os órgãos de fomento - quanto da análise, a partir
de um amplo processo de discussão, dos padrões históricos
de atuação da gestão acadêmica e que carecem de revisão.
Como informou o autor, “avançar nessa direção é mexer em
casa de marimbondo”, mas, diante das agruras enfrentadas
cotidianamente, quem tem medo de marimbondo?

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. São Paulo:


Paz e Terra, 1995.
BOURDIEU, Pierre. Campo de poder, campo intelectual.
Buenos Aires: Folios, 1983.
BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das
Letras, 2014.
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 14
ed. São Paulo: Cortez, 2011.
FERREIRA, Thaisa S. O acesso à cidade por jovens da
periferia de Salvador. In: CASTILHO, Rosane e NEDEL, Victor.
Juventudes Latino-Americanas. Jundiaí: Paco Editorial, 2020.

O POVO QUER SABER: NOS MEIOS ACADÊMICOS, QUANTO VALE 41


UM PESQUISADOR DE JUVENTUDES?
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

FOLLARI, Roberto A. Para quem investigamos e escrevemos?:


para além de populistas e elitistas. IN: GARCIA, Regina Leite
(org.). Para quem pesquisamos e para quem escrevemos: o
impasse dos intelectuais. São Paulo: Cortez, 2011. p. 43-69.
PAIS, José M. Sociologia da vida quotidiana. Lisboa: Imprensa
de Ciências Sociais, 2015.
TRIGUEIRO, Michelangelo G. S. Universidades públicas:
desafios e possibilidades no Brasil Contemporâneo. Brasília:
Editora da UNB, 1999.
WEBER, Max. Ciência como vocação. In: Ciência e política:
duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1970. p.17-52.

42 Rosane Castilho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS


NA CONVIVÊNCIA ESCOLAR:
O QUE PENSAM AS/OS JOVENS
Shara Jane Holanda Costa Adad
Vanessa Nunes dos Santos
DOI: 10.29327/541522.1-3

INTRODUÇÃO
As experiências investigativas que aqui
problematizamos formulam uma tríplice vertente de ensino,
pesquisa e extensão, por meio das atividades do Observatório
das Juventudes e Violências nas Escolas (OBJUVE), que
integra uma das linhas de atuação do Núcleo de Estudos
e Pesquisas “Educação, Gênero e Cidadania” (NEPEGECI),
do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd),
da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Nesse espaço, os
estudos e as pesquisas debruçam-se sobretudo acerca das
exclusões e violações de direitos humanos de juventudes,
por meio das formas biopolíticas e necropolíticas de poder
institucionalizado no processo histórico e socioeducacional,
potencializando e dando visibilidade aos processos de criação
e às resistências, por meio de micropolíticas que possibilitam
práticas socioeducativas e comunitárias.
Diante disso, somos convocadas a pensar: o que falar
das violências, que envolvem especialmente as/os jovens das
escolas públicas, que viram manchete de jornais, transformam-
se em discurso científico de entidades locais, nacionais e

OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NA CONVIVÊNCIA ESCOLAR: 43


O QUE PENSAM AS/OS JOVENS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

internacionais? Como (des)construir imagens negativas e


estigmatizantes de jovens empobrecidos e periféricos, de
suas convivências no espaço escolar?
Sobre estas/es jovens e suas sociabilidades em
diferentes espaços, são produzidos discursos que os tornam
continuamente alvo de intervenções, no sentido de conter um
possível risco, conforme a mídia, em larga escala, associam-
nos às temáticas ligadas aos problemas sociais – drogas,
violências, crimes. Por sua vez, as instituições que formulam
ações dirigidas à infância e à juventude empobrecidas
enfocam o risco, a ameaça e a desordem que elas/eles
representam para si e para a sociedade. Essas imagens são
paradigmáticas desde os anos 1990, sendo as crianças e as/
os jovens as figuras emblemáticas, marcadas pela exclusão
e pela violência: meninas/os de rua, adolescentes infratores,
gangues, galeras e, principalmente, os que estão em situação
de risco para si e para a ordem social (DIÓGENES, 2020).
Isso é expresso também nos documentos
estatísticos sobre as violências contra crianças e jovens,
que constam no “Atlas da Violência 2019” (BRASIL, 2019), e
evidenciam que o país está entre os 10 que mais os matam
no mundo, configurando o cenário nacional de instituições
desmoralizadas e da juventude esquecida. Nesse cenário,
ainda nos dados do Atlas, os homicídios são a principal causa
de mortalidade de jovens, no grupo etário de pessoas entre 15
e 29 anos, em que as vítimas são indivíduos com capacidade
inventiva pulsante, em período de formação educacional e
profissional, na perspectiva de iniciar a construção de uma
rede familiar própria. Jovens que matam e morrem é uma das
imagens mais dramáticas e ameaçadoras dos nossos tempos
(ABRAMO, 1997, p. 35).
De acordo com o relatório divulgado pelo Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), intitulado “A
educação que protege contra a violência” (2018), no tópico
“Violência na escola”, “[...] globalmente, cerca de 150 milhões
44 Shara Jane Holanda Costa Adad - Vanessa Nunes dos Santos
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

de adolescentes entre 13 e 15 anos tiveram alguma experiência


de violência, entre pares, dentro ou ao redor da escola. No
Brasil, o entorno dessa instituição nem sempre é considerado
seguro para as e os estudantes” (UNICEF BRASIL, 2018, p. 21).
O relatório aponta ainda que, segundo a Organização Mundial
da Saúde (OMS), a cada 7 minutos, em algum lugar do mundo,
uma criança e/ou uma/um jovem entre 10 e 19 anos é morta/o
em consequência da violência, e que a maioria das vítimas são
meninos negros, de baixa renda e que habitam as periferias
urbanas.
Diante desses dados sobre as violências que circundam
as/os jovens na escola e para além dela, ainda é marcante a
imagem que lhes é dada pela sociedade, que os vê com medo
e com perplexidade. Nessas interpretações estereotipadas,
parece existir certa dificuldade em considerá-los capazes de
formular questões significativas, de propor ações relevantes,
de efetuar relação dialógica com outros atores, de contribuir
para a solução dos problemas sociais, e vemos que, embora
o “discurso dos direitos” sustente ações dirigidas à infância,
à adolescência e à juventude, a compreensão que permeia os
programas públicos é a de que as/os jovens, especialmente os
pobres, negros e periféricos, são incompletos e incapazes de
se guiarem por si mesmos, não sendo aptos para participar
dos processos de invenção e negociação de seus próprios
direitos (SILVA, 2020). Cria-se linhas abissais de segregação
social (SANTOS; MENESES, 2010).
[...] um sistema de distinções visíveis e
invisíveis, onde a ciência, o direito, a religião,
principalmente, oferecem os fundamentos,
sobretudo, pelo que distingue o legal do ilegal
e tudo em torno da moralidade dicotômica: bom
versus ruim, bem versus mal, branco versus preto,
puro versus impuro, cristão versus pagão, urbano
versus periférico. O sistema de diferenciação
demarca as fronteiras entre o ‘normal’ e o ‘desvio’,
afirmando o ‘normal’ como o centro e o ‘diferente’
como a margem. (SILVA; ADAD; SILVA, 2020, p. 6).

OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NA CONVIVÊNCIA ESCOLAR: 45


O QUE PENSAM AS/OS JOVENS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Sem a abertura e a disposição necessárias a uma


aproximação dos desejos e das inquietações juvenis, perde-se
a riqueza de possibilidades experimentadas pelas juventudes
em diferentes manifestações de sociabilidades, marcadas
sobretudo pela produção cultural e das artes, tais como a
música, a poesia, o teatro e a dança, dentre outros. Assim,
se o foco de atenção for privilegiar as ações de jovens como
inconsequentes, negam-se significados e realidades gestados
por esses sujeitos, que teimam em mostrar e descobrir aquilo
que queremos ignorar, relegar e esconder. A contrapelo,
entendemos que o “niilismo” desses sujeitos pode ser visto
como a recusa simbólica da sociedade e das instituições,
e denota a falência das práticas instituídas que reduzem as
juventudes a modelos homogêneos e padronizados do que
podem e devem ser.
Entretanto, em qualquer circunstância, as/os
jovens são intermináveis, podendo ser continuamente
metamorfoseados. Como, então, seria possível fixá-los em
tabelas, criar-lhes rótulos, sendo eles móveis, mutantes
e fugidios? “Um jovem já é a representação de muitos e, se
ele não foi domesticado, é um povoamento” (SILVA; ADAD;
SILVA, 2020, p. 2). Acreditamos, nesse sentido, que é preciso
descolonizar as imagens estigmatizantes produzidas sobre
as juventudes ditas desiguais. Por isso, ao longo dos nossos
trabalhos com/entre jovens, aprendemos que pesquisar e lidar
com eles é possível desde que se acredite neles e em suas
capacidades.
Nesse caso, o trabalho da escola deve partir dos
interesses dos estudantes e levar em conta o que eles
gostam e sabem fazer, e não especialmente suas carências
e/ou faltas, por exemplo. Assim sendo, tomá-los como
potência é percebê-los como protagonistas, contrariando as
adversidades a que estão submetidos. Com essa perspectiva,
ouvir as/os jovens tornou-se nosso desejo e o maior desafio! E,
em meio a esse movimento, o encontro entre nós veio a calhar,
46 Shara Jane Holanda Costa Adad - Vanessa Nunes dos Santos
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

num circuito de afetos, interesses mútuos pelas juventudes,


suas sociabilidades versus as violências nas escolas! E nesse
plano comum, enquanto orientadora e orientanda, agregamos
e exercitamos a Sociopoética, abordagem de pesquisa que
nos atravessa há mais de 20 anos em itinerários com/entre
práticas educativas juvenis.
A Sociopoética é uma prática de pesquisa e de
aprendizagem que transgride a divisão instituída entre poesia,
ciência, arte e a construção do conhecimento; não considera
as pessoas envolvidas na pesquisa como possuidoras de
saberes congelados, nem de ilusões fixadas; busca vivenciar
para entender o momento criador, tanto do saber como das
ilusões; solicita que as pessoas expressem o desconhecido, o
recalcado, o escondido na superfície da pele, na rede nervosa
ou na profundidade da víscera.
Sendo assim, para que ocorra a produção do
conhecimento dessa forma sensível, a Sociopoética é regida
por cinco princípios básicos: instituição do dispositivo do
grupo-pesquisador, no qual cada participante está ativo em
todas as suas etapas e pode interferir no devir da pesquisa;
valorização das culturas dominadas e de resistência na
maneira de interpretação do mundo, não eurodescendentes e
que foram marginalizadas pela colonização e pelo capitalismo;
pensar, conhecer, pesquisar, aprender com o corpo inteiro;
equilibrar as potências da razão com as da emoção, das
sensações, da intuição, da gestualidade, da imaginação e dos
nervos, por fim, insiste-se na responsabilidade ética, política,
noética e espiritual do grupo-pesquisador, favorecendo a
desconstrução dos corpos, assim como a emergência de
desejos e devires imprevisíveis (ADAD, 2014).
A partir dos princípios destacados, ressaltamos a
intrínseca relação entre eles, pois “[...] a Sociopoética acolhe
as lógicas do corpo, lógicas do grupo, lógicas espirituais,
desconhecidas pela academia [...]” (GAUTHIER; ADAD, 2020,
p. 270-271), ao afirmar, por exemplo, que os dispositivos
OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NA CONVIVÊNCIA ESCOLAR: 47
O QUE PENSAM AS/OS JOVENS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

artísticos utilizados no percurso metodológico de investigação


têm como intuito fazer com que múltiplos sentidos do corpo
falem, despertando novos modos de olhar, que podem ser
percebidos pelo tato, pelo olfato, pela audição, despertando
uma maneira inusitada, inesperada de produção de saberes
e, portanto, de ciência, que perpassa e se expressa por todo
o corpo. Pensamos com o corpo, com nossas emoções e
sensações e, até, motricidade; pensamos chorando, rindo,
dançando: eis uma contribuição contracolonial (SANTOS,
2019) no fazer-ciência, ao valorizar as múltiplas formas de
linguagem corporal que tornam ricas as possibilidades de
dados com esse método, sobretudo no que tange à valorização
ética e espiritual das minorias marginalizadas.
Desse modo, é com base nos princípios sociopoéticos
que se torna possível a produção coletiva do pensamento
do grupo-pesquisador, integrando o “perspectivismo”
indígena (CASTRO, 2018), mediante a produção de confetos
heterogêneos e desterritorializados que têm a ver com nossas
práticas, vivências e problemas, uma filosofia da vida coletiva,
na qual o grupo-pesquisador se insere, sem atentar-se aos
conceitos que já estão naturalizados, mas preocupando-se
com a produção de outras maneiras de problematizar o tema-
gerador (GAUTHIER; ADAD, 2020).
A seguir, os passos da referida pesquisa sociopoética
com/entre jovens da escola pública.

COMO SE OPEROU A PESQUISA SOCIOPOÉTICA E AS


LINHAS DO PENSAMENTO JUVENIL SOBRE AS VIOLÊNCIAS
NA RELAÇÃO COM A CONVIVÊNCIA NA ESCOLA
Multiplicadas foi como nos sentimos com a produção
do conhecimento coletivo e com a potência da escuta sensível
que esse método proporciona, aos propormos investigar com/
entre jovens da escola pública sobre o que pensavam sobre o
tema-gerador “as violências na relação com a convivência no
espaço escolar”, visto que a Sociopoética possibilitou descobrir
48 Shara Jane Holanda Costa Adad - Vanessa Nunes dos Santos
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

os problemas que, de modo não consciente, mobilizavam


aqueles jovens; favoreceu a criação de novos problemas ou de
novas maneiras de problematizar o referido tema, bem como
a interação e a participação ativas das/os jovens na pesquisa,
em meio à explosão de sentimentos e de emoções dos corpos
em fusão, misturados nas vivências.
Destacamos que as oficinas sociopoéticas funcionam
como planos de imanência para a criação dos confetos,
levando os copesquisadores a problematizarem sobre o tema,
a partir de dispositivos artísticos vivenciados pelo grupo
(SILVA, 2018). Nesse contexto, apresentamos os resultados
da pesquisa na qual o grupo-pesquisador foi constituído
por nós, facilitadoras, e 11 jovens, entre 16 e 21 anos de
idade, matriculados na 2ª e na 3ª séries do Ensino Médio
integrado aos cursos técnicos em Eventos, Produção de Moda,
Contabilidade, Meio Ambiente e Recursos Humanos do Centro
Estadual de Educação Profissional “Prefeito João Mendes
Olímpio de Melo” PREMEN-NORTE, em Teresina - PI. (SANTOS,
2018).
As questões iniciais que nos moveram foram: o que
pensam as/os jovens sobre a relação entre a convivência e
as violências nas escolas? Que implicações estabelecem na
relação da convivência e das violências na escola? E o que
pode o corpo da/do jovem na relação entre a convivência
e as violências na escola? No processo da investigação
realizamos quatro oficinas, sendo a primeira de negociação1,
duas de produção de dados, e uma de contra-análise2,

1  Na pesquisa sociopoética, os pesquisadores oficiais se transformam


em facilitadores de oficinas e convidam o público-alvo a se tornar
copesquisador de um tema-gerador, a partir de uma negociação conjunta.
Os que aceitarem o convite passam a investigar com o pesquisador-
facilitador e a participar, com poder de decisão compartilhado, de todo o
processo de pesquisa, inclusive da análise dos dados e da socialização da
investigação (PETIT, 2014).
2  Segundo Gauthier (2015), a contra-análise é o momento em que o grupo-
pesquisador estuda criticamente as hipóteses dos facilitadores sobre seu
pensamento (sobre o inconsciente do seu pensamento), hipóteses pelas
OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NA CONVIVÊNCIA ESCOLAR: 49
O QUE PENSAM AS/OS JOVENS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

que permitiram aos copesquisadores conhecer, confirmar,


retificar e, especialmente, contrapor-se às nossas ideias. A
técnica artística do Parangolé3 das violências na convivência
na escola foi a escolhida para a investigação, desdobrada em
dois momentos: os Retalhos e o Parangolé das Violências na
sua relação com a convivência na escola.

TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NO CORPO DAS/


OS JOVENS E NA CONVIVÊNCIA NA ESCOLA
Durante a pesquisa, percebemos a potência dos relatos
orais das/os jovens, por intermédio da vivência das oficinas
sociopoéticas, destacando aspectos importantes do seu
filosofar, não aceitando respostas prontas e acabadas, mas
inventando questionamentos por meio de múltiplos conceitos
e saberes misturados às afecções mobilizadas pela arte.
Assim sendo, evidenciamos alguns exemplos dos confetos
produzidos que surgiram nos momentos de problematização
e criação dos copesquisadores acerca do tema-gerador “as
violências na relação com a convivência na escola”.

quais os facilitadores propõem problemas e confetos. É um momento


dialógico.
3  Parangolés são capas, estandartes, bandeiras para serem vestidas ou
carregadas pelo participante. Da mesma forma que as casas construídas
nas favelas, os Parangolés são feitos com as mais diferentes técnicas, dos
mais diferentes materiais que, no entanto, parecem se esquecer do sentido
de suas individualidades originais, ao se refundirem na totalidade da obra.
Os Parangolés são compostos de materiais variados, em cores, tamanhos
e formas, texturas, interligados, revelados apenas quando a pessoa se
movimenta. A cor ganha um dinamismo no espaço, por intermédio da
associação com a dança e a música. A cor assume, desse modo, caráter
literal de vivência, reunindo sensação visual, táctil e rítmica. A obra só
existe plenamente quando da participação corporal: a estrutura depende
da ação. O participante vira obra ao vesti-lo, ultrapassando a distância
entre eles, superando o próprio conceito de arte (GAMA, 2019).
50 Shara Jane Holanda Costa Adad - Vanessa Nunes dos Santos
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Iniciamos com o confeto Bagunça-na-cabeça-dor da


violência-carinha-triste-na-escola, que aponta a reflexão de
uma pessoa que sofre a violência e o efeito desta na produção
no corpo, da dor, da tristeza e da bagunça, como vemos a
seguir:
Bagunça-na-cabeça-dor da violência-carinha-
triste-na-escola é a violência que produz
sentimentos de dor, de tristeza e a bagunça
que ficam na cabeça de uma pessoa que sofre
violência, pois não sabe se vai fazer a mesma
coisa que fizeram com ela, se ela não vai fazer
nada, se ela vai tentar falar para alguém. São as
ideias, pensamentos misturados, como: briga,
discussão, apelidos e, às vezes, chega à escola os
amigos ficam tirando sarro da cara dele por ter
apanhado em casa.

Nesse sentido, para o grupo-filósofo, existe um


processo de precarização das relações sociais familiares
e das violências vividas em casa, que chegam à escola e
reverberam entre os estudantes, promovendo a injustiça, o
medo e a insegurança por meio de atitudes que não imprimem
solidariedade, pelo contrário, a cultura de violências marca
a convivência e as relações pessoais juvenis, favorecendo o
processo de banalização das diferentes formas de violências,
tornando-as algo natural dentro da escola e mesmo da
vida das/os jovens, desenvolvendo sobretudo nelas/es os
sentimentos de tristeza, confusão e dor.
O confeto Formas de Violência-olhos-não-têm-um-
nome-bocas-bullying é a violência expressa desde o olhar
de um indivíduo para com o outro, que julga sem conhecer.
São pessoas que falam mal dos outros, dizem coisas que
machucam, falam sem pensar. Por isso, tem pessoas que
sofrem com o preconceito, e o bullying é a violência que não
se foca só em algo, porque pode ser por meio de apelidos,
humilhações, atitudes ou preconceitos com a sexualidade.

OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NA CONVIVÊNCIA ESCOLAR: 51


O QUE PENSAM AS/OS JOVENS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Esses confetos traduzem o que Bourdieu (1989)


chama de capital simbólico, que tem relação com as
diferentes modalidades de capital, para além do econômico,
que inclusive não são imediatamente perceptíveis, pois seus
efeitos de duração obedecem a uma lógica diferente, como
as das violências verbais e a do bullying, estabelecidas por
intermédio da intimidação da vítima, em um desequilibrado
esquadrinhamento de poder no espaço escolar. Sobre isso, o
grupo-pesquisador esboçou os efeitos de viver e sofrer com
essas violências, sobretudo em casa e na escola, pois
[...] é uma sensação ruim, por conta de que é
difícil estudar com várias coisas na cabeça,
várias ideias, vários pensamentos negativos. Por
exemplo, fico sozinha, sinto muito, pois gosto de
ser rodeada de amigos, não gosto de ter inimigos,
nunca gostei. Toda vez que entro em uma escola,
gosto logo de fazer amizades, mas ficam jogando
piadinhas, falando besteiras, falando coisas que
não são verdade. Ser alvo de piadinhas na escola
todos os dias deixa confusão na cabeça e nós
somos vítimas desse tipo de piada, até na hora
de entrar na escola. Isso atrapalha ao assistir
aula, porque ser alvo de falatório, de piadas, até
mesmo das pessoas que andam com a gente, que
são os primeiros a falarem, eu não desejo isso pra
ninguém. O corpo se sente mal quando vivencia
essas bocas e esses olhos violentos sobre ele,
porque isso não é uma coisa boa, isso é uma coisa
ruim. (GRUPO-PESQUISADOR).

Devido às intermináveis relações de poder e aos


meios de coerção estabelecidos dentro das escolas, o grupo
ressaltou pontos importantes sobre a questão do bullying
– o uso do termo em inglês se dá pelo motivo de não haver
definições equivalentes em outras línguas. Entretanto, no
Brasil, a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à
Infância e à Adolescência – ABARAPIA destaca que a palavra
tem sido compreendida como “comportamento agressivo
entre estudantes”, relacionado a práticas de intimidação,
ameaça ou provocações. No entanto, Silva e Negreiros (2020)
apresentam uma definição de bullying baseada na adoção

52 Shara Jane Holanda Costa Adad - Vanessa Nunes dos Santos


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

de três características: comportamento agressivo ou de uma


ofensa intencional; ocorrências repetidas e durante muito
tempo; relações interpessoais caracterizadas por desequilíbrio
de poder.
Diante disso, o bullying se caracteriza como uma
espécie de assédio moral na escola, em que agressores se
utilizam de manipulações de relacionamentos, agressões
verbais, exclusão, humilhação e ofensas com ataques físicos.
O exemplo dado é o das problemáticas que (i)mobilizam
as/os jovens: é a questão dos calouros na escola, que são
submetidos, e convivem com o bullying, pelo tempo estimado
de três meses – sendo esse o período do ritual de passagem,
adaptação e agrupamento para fugir dessas violências ou,
caso contrário, aprender a relevá-las, pois ninguém escolhe
ter defeitos, mas com o passar do tempo, vai aprendendo a
lidar com suas fragilidades.
Diante dessas violências, os estudos mostram que
as vítimas, na maioria das vezes, apresentam-se submissas,
passivas e inseguras, além de sofrerem de baixa autoestima,
características essas que são reveladoras do processo
de exclusão escolar, pois torna as vítimas oprimidas,
amedrontadas e maltratadas, o que favorece o prolongamento
das atitudes depreciativas pelos agressores, que fortalecem
suas violências contra os indivíduos que destoam dos padrões
definidos pela sociedade ou que são excluídos cultural e
socialmente, como mulheres, negros, homossexuais, pessoas
com deficiência, crianças obesas ou menos favorecidas
economicamente, dentre outros. São questões relacionadas
ao preconceito e à discriminação, como é o caso da homofobia,
para o qual as/os jovens criaram confetos que evidenciam
esses problemas e também os vinculados à violência contra a
mulher, destacados no confeto
Violência-flores-no-retalho-contra-a-mulher é
a violência física e verbal às avessas na escola,
aquela discriminação feita às meninas fortes que

OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NA CONVIVÊNCIA ESCOLAR: 53


O QUE PENSAM AS/OS JOVENS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

são apelidadas porque gostam de ficar com os


meninos, não gostam de ficar com outras meninas,
gostam de ficar na dela, gostam de coisas
diferentes que não são ligadas à maquiagem, e,
por isso, são discriminadas e todos pensam que
elas “só querem ser”.

Nesse confeto, o grupo destaca que as meninas, no


âmbito escolar, também são vítimas de violência, aprisionadas
em seu silêncio, preferindo não denunciar à justiça e/
ou à autoridade uma vida de dor, que as envergonha e as
distingue negativamente. As instituições sociais, entre elas,
a escola, moldam as identidades de gênero, de etnia dentro
de perspectiva biológica, equivocada e preconceituosa, que
rotula e exclui. Outro exemplo de violência na escola abrange
o sofrimento e a angústia de jovens menos favorecidos
economicamente, conforme o confeto Zig-Zag-da-convivência
com violência-símbolo-do-dinheiro, que é o preconceito na
escola pela questão financeira, pela pessoa não ter nascido
numa condição boa, mas que ainda assim não dá direito de a
sociedade julgar alguém por isso, porque não se sabe o dia de
amanhã, quando tudo pode mudar.
Todas essas violências intervêm no processo de ensino
e de aprendizagem, além de causarem transtornos às relações
sociais e, às vezes, consequências psicológicas para toda a
vida. As vítimas não conseguem se defender devido ao fato
de serem psicologicamente intimidadas e fisicamente mais
fracas que seus agressores, portanto, a dor e o sofrimento
cravados pelo bullying na vida das/os jovens que sofrem com
a sua ação são fortes, as constantes humilhações públicas,
que hoje ganham ainda mais espaço devido às redes sociais,
degradam rapidamente a imagem das crianças e das/os
adolescentes agredidos.
Sobre isso, Miskolci (2016) constrói uma análise do
processo de automatização de ferramentas digitais como
Instagram e Facebook, que continuadamente induzem e
divulgam postagens capazes de chamar a atenção por meio

54 Shara Jane Holanda Costa Adad - Vanessa Nunes dos Santos


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

de apelo imagético e de conteúdo, de modo que vídeos


e gravações são efetivamente vistos e enviados em rede
de um jovem para outro, fazendo com que sua veracidade
seja avaliada e julgada, frequentemente rompendo com os
princípios básicos de respeito de direito à defesa e criação de
argumentos contraditórios por aqueles que são ofendidos nas
mídias digitais.
Essa forma de violência às vezes passa desapercebida,
principalmente porque as crueldades presentes nas relações
interpessoais dentro da escola, onde os “valentões” se
divertem por intermédio de insultos e da ridicularizarão
dos mais fracos, seja nas redes sociais ou na experiência
diária da vida escolar, são tidas como brincadeiras de mau
gosto, e não entendidas suficientemente como problemas
a serem discutidos entre as/os jovens e seus pares, e entre
eles e os responsáveis-agressores e entre as/os jovens e
o corpo docente também, de modo a pensar alternativas
para as violências cometidas. Se não encontrados meios de
enfrentar tais problemas, acreditamos que isso acarretará no
enfraquecimento da autoestima daqueles que são vitimados
pelas agressões, inclusive com marcas e traumas dolorosas
pelo restante de suas vidas, pois Adad (2014) ressalta que
a dor que acomete as/os jovens por traumas vinculados às
experiências com bullying estão ligadas ao ressentimento e
à mágoa, constituindo um corpo amargo e triste, que vive em
função da repetição de seu sofrimento e da sua dor.
Sobre a convivência com a violência, as/os jovens
falam acerca do sofrimento que abala o corpo fisicamente e
psicologicamente:
Zig-zag-da-convivência com a violência é aquela
convivência zig-zag na vida da pessoa, pois
geralmente o percurso que ela percorre não é
sempre o mesmo, em determinados percursos
da vida acontecessem muitas coisas, que podem
ser o sofrimento de preconceito pelo dinheiro,
problemas que levam à depressão ou ficar
abalado, seja fisicamente ou psicologicamente,
OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NA CONVIVÊNCIA ESCOLAR: 55
O QUE PENSAM AS/OS JOVENS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ou mesmo alguns problemas do coração, porque


além da vida de estudante, existe a vida do
trabalhador e a particular, onde tem a privacidade
e os problemas com as amizades ou os namorados.
(GRUPO-PESQUISADOR).

Nesse confeto, vemos que há vários sofrimentos


no percurso de vida das/os jovens que vão desde o gênero,
o dinheiro, o trabalho e a vida privada, causando problemas
como a depressão. Que efeitos isto por provocar? Pensamos
que o sentido reativo desse sofrimento, pode levar as/os
jovens a pensar no que vão fazer, esquematizando uma
reação de vingança, que vai crescendo por intermédio dos
ressentimentos, do medo e da inimizade, que invadem o seu
inconsciente, que se rebela contra a violência. O corpo fica
armado, cheio de tensão e violência.
Violências ficam gravadas na memória e são como
uma prisão, que manipula o pensamento para fome e sede por
vingança, de um corpo cansado de tantas humilhações. A falta
do diálogo e da escuta por parte de todos os que formam a
escola geram o silenciamento, ao invés do argumento sobre
a voz negada. O acúmulo de ações agressivas leva o corpo a
criar forças para revidar e disseminar o ódio e o temor. Nessa
faceta, podemos enquadrar desde os xingamentos, alguns
atos de indisciplinas e agressões verbais, e as físicas, como
socos, tapas e empurrões que, muitas vezes, são banalizados,
e a escola pouco procura saber a história que gerou uma
situação de conflito, punindo todos os que transgridem as
regras, sem analisar os motivos e os efeitos do problema.

TECENDO NOTAS FINAIS


Diante do exposto, acreditamos ser necessário
acreditar nos jovens e que, quando for violento ou violentado,
as práticas sejam de responsabilidade de todos, conforme
a Doutrina da Proteção Integral no ordenamento jurídico
brasileiro, por meio do artigo 227 da Constituição Federal,
que declarou ser dever da família, da sociedade e do Estado
56 Shara Jane Holanda Costa Adad - Vanessa Nunes dos Santos
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

assegurar, à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,


o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Alinhadas a isto, entendemos que, em termos de
educação e de justiça, há a premissa de que se precisa, antes
de julgá-los, conhecê-los em suas dimensões de sujeitos de
direito e não mais como menores objetos de compaixão e
repressão, em situação irregular ou menção à delinquência,
pois, para a doutrina da proteção integral, o direito não deve
se dirigir apenas a um tipo de jovem, mas, sim, a toda a
juventude e a toda a infância, e suas medidas de caráter geral
devem ser aplicáveis a todos (PEREIRA, 1996). Somente com
essas premissas, se poderá desenvolver valores éticos que
trabalhem o respeito mútuo e a paz para dar visibilidade às
questões de afirmação da dignidade desses sujeitos, sendo o
diálogo, a comunicação e a negociação pilares básicos para a
mediação da educação com/entre jovens.
A partir desta investigação, compreendemos que
a Sociopoética é uma abordagem inovadora no trabalho
educativo com as juventudes da escola e no enfrentamento das
situações de violência e conflito, pois permite a descolonização
e a produção de novo entendimento sobre as/os jovens,
revelando o seu protagonismo social por meio da visibilidade
proporcionada ao seu pensamento, que aqui esteve permeado
de afecções, tendo em vista que foi estimulado pela arte e
pelo corpo como canal de expressão humana –dispositivos que
potencializam o protagonismo juvenil, resultando na criação
de saberes coletivos pelas juventudes, relevados nos confetos
que apresentamos.
Acreditamos que a vivência da Sociopoética no Centro
de Educação Profissional “Prefeito João Mendes Olímpio
de Melo” PREMEN-NORTE levou as/os jovens a pensarem
OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NA CONVIVÊNCIA ESCOLAR: 57
O QUE PENSAM AS/OS JOVENS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

e a dialogarem sobre o que lhes aflige em seu dia a dia,


possibilitando a criação dos confetos que denunciaram vários
tipos de manifestação de violências, especialmente aquelas
ligadas à fragilidade da convivência na escola. Isso foi possível
devido à escuta sensível e à disseminação do diálogo entre o
grupo-pesquisador, pois estimularam as falas das/os jovens e
os ajudou a desabafar e a pensar nos problemas comumente
silenciados em suas mentes, afirmando a potência dos
coletivos juvenis e da riqueza dos seus pensamentos e de suas
significações.
Por meio da técnica sociopoética do Parangolé, foi
possível entrecruzarmos possibilidades de pensamentos do
grupo participante de nossa investigação que, ao final de tudo,
acabou por levantar mais questionamentos e interrogações,
que foram trabalhadas em meio à multiplicidade de confetos
que destacam as violências estabelecidas no cotidiano
escolar, com a convivência e suas relações pessoais, criticando
a banalização das diferentes formas de violências que têm
levado a escola a ser consumida por diversos conflitos.
Dessa forma, concluímos este trabalho, convidando
as/os jovens, pesquisadoras/es, professoras/es, enfim, as
pessoas presentes na escola, a serem sementes de paz como
promotores de vida. E que esta paz não seja qualquer paz,
nem qualquer vida, mas aquela que nos tira do sossego de um
mundo anestesiado e nos faz guerreiros de mundos diversos,
múltiplos, infinitamente capazes de modificar valores. Essa
é a condição para que as/os jovens possam viver, e viver uma
vida que lhes faça sentido, na qual não precisem ter vergonha
de seus corpos e das suas subjetividades, mas que, em suas
próprias singularidades, possam, com leveza, ser o que
verdadeiramente são seja na escola, seja na vivência com/
no mundo. Apaixonar-se pela vida, destituindo os conceitos
eternos e a verdade que podem ser rasgados pela criação
artística. É a cantiga da vida que se celebra e a estética da

58 Shara Jane Holanda Costa Adad - Vanessa Nunes dos Santos


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

existência que se instaura com seus rasgos e riscos, pois,


como nos atravessa Marcelo Yuka, do Rappa, a nossa alma
está cansada da paz que nos deixa sem voz, com medo!

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60 Shara Jane Holanda Costa Adad - Vanessa Nunes dos Santos


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

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OS TIPOS DE VIOLÊNCIAS E SEUS EFEITOS NA CONVIVÊNCIA ESCOLAR: 61


O QUE PENSAM AS/OS JOVENS
62
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES


JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO
Ana Beatriz Gasquez Porelli
Douglas Franco Bortone
Luís Antonio Groppo
Dirce Djanira Pacheco e Zan
DOI: 10.29327/541522.1-4

INTRODUÇÃO
Nos estudos que estabelecem uma relação entre
juventude e religião, observa-se significativas contribuições
na afirmação da pluralidade de juventudes, demonstrando
que os jovens também se diferenciam em relação à religião.
As pesquisas mostram que a religião, de certo modo, tem se
transformado em “um dos aspectos que compõem o mosaico
da grande diversidade da juventude brasileira” (Novaes,
2008, p. 263). Além disso, enfatizam os modos de adesão dos
jovens e as novas configurações das religiões, como forma
de contribuir também com o campo de estudos da religião.
Contudo, as relações entre pertencimento religioso e atuações
de jovens estudantes na ressignificação da escola têm sido
pouco exploradas no âmbito das pesquisas sobre religião e
juventude (PORELLI; ZAN, 2020).
Pouco se sabe sobre como jovens estudantes do
ensino médio com pertencimento religioso vivenciam os
últimos anos da educação básica e estabelecem relações com
a escola e com a religião. Em geral, as pesquisas sobre religião
e juventude abarcam faixas etárias entre os 18 e 24 anos e,
quando enfatizada a categoria educação/escolarização dos

PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO 63


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

jovens, têm se dedicado a investigar os jovens universitários


(NOVAES, 1994; GROPPO; BORGES, 2018; SCHELIGA;
KNOBLAUCH; BELLOTTI; 2020). Além disso, são escassos
os trabalhos sobre os usos do tempo livre dos jovens de
faixa etária entre os 15 e 18 anos, jovens os quais cada vez
mais se vinculam exclusivamente à escola de ensino médio
(SPOSITO; SOUZA; SILVA, 2017), ao mesmo tempo em que
as pesquisas nacionais sobre o perfil da juventude afirmam
que o lazer, a participação em coletivos e a sociabilidade dos
jovens brasileiros são muitas vezes mediadas por instituições
religiosas (NOVAES, 2016).
Nesse sentido, nos interessa saber como o estudante
dos últimos anos da Educação Básica com pertencimento
religioso vive esse momento da juventude, se engaja
politicamente, faz escolhas religiosas e não religiosas,
baseadas ou não nas crenças de suas famílias, de seus grupos
de pares e interesses outros. Assim, neste artigo, apresentamos
reflexões iniciais de duas pesquisas em desenvolvimento no
campo da Educação, uma de mestrado e outra de doutorado.
Ambas focadas nas atuações juvenis na escola de ensino
médio, em busca de compreender os processos formativos e
pertencimentos religiosos dos jovens estudantes dos últimos
anos da educação básica.
O primeiro estudo, desenvolvido por Douglas Franco
Bortone, busca compreender o lugar da experiência religiosa
diante do engajamento e militância política, observando os
registros das ocupações secundaristas no Brasil em 2015-
2016. Trata-se de uma dissertação de mestrado acadêmico em
Educação na Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL/MG),
em andamento, orientado pelo Prof. Dr. Luís Antônio Groppo,
inserida na pesquisa nacional “Ocupações secundaristas
no Brasil em 2015-2016: formação e auto-formação das/dos

64 Ana Beatriz Gasquez Porelli - Douglas Franco Bortone - Luís Antonio Groppo -
Dirce Djanira Pacheco e Zan
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ocupas como sujeitos políticos”1. O projeto tem como proposta


investigar de que forma a relação dos estudantes com a religião
impactou suas participações no movimento estudantil.
Em seguida, o segundo estudo é um recorte da tese
de doutorado2, em andamento, financiada pela CAPES,
desenvolvida por Ana Beatriz Gasquez Porelli, orientada
pela Profa. Dra. Dirce Zan. A pesquisa tem como objetivo
compreender como a vida religiosa de jovens evangélicos se
constrói na escola, fora dos cultos ou atividades de cunho
religioso institucionalizadas e, ao mesmo tempo, interfere
na relação que estabelecem com a instituição escolar. Nesse
sentido, o estudo se propõe a apreender trajetórias biográficas
de estudantes de ensino médio técnico de uma mesma Etec -
Escola Técnica Estadual de Campinas - SP, com pertencimento
à religião evangélica. No limite deste capítulo, pretende-se
apresentar como estes estudantes atuam no meio escolar
através do Grupo Cristão (GC), um grupo constituído por
maioria evangélica.
Busca-se com a apresentação dos trabalhos, entre
outros aspectos, refletir sobre a formação escolar e religiosa
de jovens estudantes do ensino médio como constituintes do
processo formativo desses sujeitos e seus possíveis impactos
no cotidiano da escola secundária.

1 Processo CNPq 428160/2018-2, coordenada por Luís Antonio


Groppo, professor da UNIFAL-MG, aprovada pelo CEP/UNIFAL, CAAE:
94809518.1.0000.5142.
2 Esta pesquisa foi aprovada pelo CEP/CHS/UNICAMP, CAAE:
15634819.8.0000.8142.

PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO 65


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E RELIGIÃO: REGISTROS DA


EXPERIÊNCIA RELIGIOSA NO ENGAJAMENTO POLÍTICO
DA JUVENTUDE SECUNDARISTA
A pesquisa nacional “Ocupações Secundaristas:
formação e auto-formação dos ocupas como sujeitos políticos”,
que dá origem a este estudo, buscou analisar os impactos e
aspectos formativos da mobilização estudantil na trajetória
dos respectivos estudantes. Financiada pelo CNPq, a pesquisa
coordenada pelo Prof. Dr. Luis Antônio Groppo (UNIFAL-
MG) conta com equipes de pesquisadores em nove estados
do país e envolvendo doze instituições de ensino superior.
O processo de ocupação das escolas colocou em destaque
as mobilizações juvenis em prol da educação e dos direitos
sociais que estavam sob ameaça governamental do direito à
educação. O movimento nasce contrário a uma das primeiras
medidas impostas pelo então presidente Temer, a Medida
Provisória nº 746, da qual resultou a Lei nº 13.415/2017, que
“reformou” o Ensino Médio. Entre outras pautas de desmonte
dos direitos sociais que assombravam os estudantes e o povo
brasileiro, nasce um ciclo de protestos secundaristas, que
levou à ocupação de diversas escolas públicas do país (COSTA;
GROPPO, 2018). A pesquisa nacional prevê, ainda, a análise de
temas transversais, entre eles o lugar da experiência religiosa
na vida daqueles que se engajaram no movimento das
ocupações, assunto que será apresentado parcialmente neste
trabalho, enfatizando os desdobramentos e as articulações
entre estas experiências intensas, a religiosa e o engajamento
na ação coletiva.
Em primeiro lugar, consideramos que a adesão religiosa
no mundo juvenil e seus elos de pertencimento carecem de
estudos e pesquisas que considerem aspectos familiares,
projetos de vida e outras dimensões socializadoras, para que
seja possível apontar uma leitura sobre a relação entre o
engajamento religioso e militante. Sobre a sistematização dos

66 Ana Beatriz Gasquez Porelli - Douglas Franco Bortone - Luís Antonio Groppo -
Dirce Djanira Pacheco e Zan
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

perfis das juventudes, Fernandes (2007) aponta dois pontos


interessantes, que devem ser considerados pelos estudos
da juventude e suas correlações com a religião. O primeiro
aspecto é que, segundo Fernandes (2007), instituições como a
Perseu Abramo, UNESCO e outras, buscaram nos últimos anos
traçar um perfil da juventude brasileira em suas múltiplas
experiências. O segundo aspecto apontado pela autora é que
a quantidade de produções sobre a experiência religiosa da
juventude está abaixo das produções que destacam outras
variáveis do universo juvenil.
Se por um lado percebe-se que as produções sobre
juventude e religião não se demonstram tão amplas como as
outras, por outro, elas nos desafiam a perceber a temática como
tendo uma grande possibilidade de pesquisa e intersecções.
Os dados da pesquisa nacional sobre as ocupações
secundaristas registram relatos da experiência religiosa no
engajamento político dos estudantes, que nos aponta para
o desafio de perceber dois fatores importantes na trajetória
juvenil. O primeiro refere-se ao pertencimento religioso e suas
possibilidades de engajamento político (BORTONE, 2020).
Aqui, pretende-se analisar como o associativismo religioso
contribuiu para que competências fossem geradas nos
ocupas. Em segundo momento, apontar possíveis significados
e motivações que originaram a mudança de religião ou do
sentido do religioso, após a participação nas ocupações.
As possibilidades de análises mencionadas acima
emergem como parte da experiência de ocupar e reforçam
a dimensão educativa das ocupações no processo de
ressignificação de sentidos e visões de mundo (BORTONE;
GROPPO, 2020).

PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO 67


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

PARTICIPAÇÃO RELIGIOSA COMO POSSIBILIDADE DE


ENGAJAMENTO POLÍTICO
Os espaços religiosos também podem ser
considerados ambientes de socialização e de formação social
e política. É necessário olhar para o pertencimento religioso
da juventude como possibilidade de engajamento político e
participação social (NOVAES, 2006) ou ainda de construção
de competências úteis para a atuação política, como mostra
o exemplo das ocupações secundaristas. A integração em um
grupo religioso possibilita o desenvolvimento de competências
e também da dimensão sócio-educativa nas relações entre
seus pares.
Na experiência de ocupar, o associativismo religioso
juvenil destaca-se pela atuação anterior dos ocupas em
seus respectivos espaços religiosos. Os grupos religiosos
predominantes entre os jovens pesquisados são, tal qual
os jovens brasileiros em geral, católicos e evangélicos. A
atuação está ligada aos movimentos de ação social, palestras,
manifestações, grupos de jovens, distribuição de cestas
básicas, passeatas contra violência da mulher e até mesmo
ao viés da teologia da libertação, ainda relevante nas igrejas
cristãs denominadas históricas. Embora o mapeamento das
expressões religiosas nas ocupações apontem predominância
cristã, não podemos deixar de destacar outras experiências,
como: umbandistas, agnósticos, ateus e sem religião. A
diversidade religiosa presente nas ocupações retrata o desafio
de perceber e compreender os aspectos mais particulares que
a juventude abarca.
Ainda, apontamos o movimento das ocupações
secundaristas como primeiro espaço de militância desse
grupo social religioso. Essa experiência é retratada no caso
de Bianca, que ocupou uma escola no interior de Minas Gerais.
Filha de uma pastora evangélica, cresceu observando os pais
se engajarem nas lutas e movimentos sociais promovidos pela

68 Ana Beatriz Gasquez Porelli - Douglas Franco Bortone - Luís Antonio Groppo -
Dirce Djanira Pacheco e Zan
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

instituição religiosa em que estavam inseridos. Ao ingressar


nas ocupações contou muito com o apoio da mãe. Segundo a
jovem, a visão progressista da mãe foi fundamental para que
ela pudesse se formar como sujeito político. No relato abaixo
é possível perceber que, para Bianca, a experiência religiosa
opera como produtora de sentidos para sua atuação e prática
social.
Eu acho que tudo isso está envolvido com o
pensamento, com o sentido do que você pode
fazer para mudar o espaço que você está. A
gente é jovem, tem vontade de mudar o mundo,
de fazer muita coisa e às vezes pequenas coisas,
atuando na sua religião, atuando na sua escola,
participando de uma ocupação, de um centro
acadêmico. Você faz pequenas coisas, mas
percebe que aquilo ali faz sentido na história de
onde você está. Daqui alguns anos você vai olhar
para os documentos, você vai olhar para as fotos,
você vai pensar: eu fiz parte dessa história, eu
estava construindo um mundo melhor. Não acho
que é utópico você falar que você está mudando
o mundo, pois de certa forma a gente está sim!
(BIANCA, entrevista, Juiz de Fora/MG, 2019.)

Ao considerar a trajetória escolar como importante


ponto de análise para o trabalho, nota-se a importância
da escola pública e do grêmio estudantil para a formação
identitária de Bianca. Ela cursou o ensino fundamental e parte
do ensino médio em duas escolas confessionais evangélicas
que, embora mantivessem o discurso de solidariedade,
não enfatizavam a necessidade de participação política.
A experiência destacada pela jovem, ao estudar em uma
escola da rede estadual de educação de Minas Gerais, foi a
possibilidade de atuação no grêmio estudantil, que mostrou-
se posteriormente como fundamental para o processo de
ocupação daquela escola.
Assim, é possível afirmar que as relações entre
pertencimento religioso, educação e participação política
estabelecem processos educativos não-formais que
contribuem para a formação das identidades juvenis.
PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO 69
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

TRÂNSITO RELIGIOSO ENTRE OS OCUPAS: POSSÍVEIS


SIGNIFICADOS E MOTIVAÇÕES
A experiência de ocupar também revelou ou
construiu tensões em relação ao pertencimento religioso
dos ocupas. Dentre as diversas motivações que levaram
os jovens à mudança de religião, destacam-se: autonomia,
livre formulação da espiritualidade, pragmatismo religioso
e questões identitárias. Assim, consideramos importante
destacar que para compreender as motivações dos ocupas
ao buscar novas experiências religiosas, torna-se necessário
apreender, conforme sugere Novaes (2005), “‘quanto’, ‘como’
e ‘quando’ o pertencimento, às crenças e as identidades
religiosas influenciam opiniões, percepções e práticas sociais
dos jovens dessa geração” (Novaes, 2005, p. 265).
Dessa forma, identificamos que a mudança de religião
na experiência de Bianca, cujo pertencimento religioso foi
mencionado acima, ocorre paralelamente à sua participação
nas ocupações. Agora, a estudante se declara agnóstica e
lésbica.
[…] a ocupação me ajudou a abrir meus horizontes
em relação à religião, porque eu convivi com
pessoas de diversas religiões e isso me fez
entender que não, é claro que eu sabia que
não existia só uma, mas de que as pessoas
compreendem, tem fé em coisas diferentes e
isso me fez ter um olhar mais respeitoso pela
religião protestante, cristã, porque entendi que
as pessoas são livres, que as pessoas têm outras
crenças, que isso é normal e está tudo bem.
(BIANCA, entrevista, Juiz de Fora/MG, 2019)

Os fatores que permeiam o trânsito religioso são os


mais diversificados possíveis, o que nos remete ao destacado
por Danièle Hervieu-Léger (2015), quanto trata do processo de
ressignificação e de desinstitucionalização das instituições
religiosas na modernidade. A autora aponta que “a crença
não desaparece, ela se desdobra e se diversifica, ao mesmo
tempo em que rompem, com maior ou menor profundidade,

70 Ana Beatriz Gasquez Porelli - Douglas Franco Bortone - Luís Antonio Groppo -
Dirce Djanira Pacheco e Zan
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

de acordo com cada país […]”. (HERVIEU-LÉGER, 2015, p.44).


Assim, dois pontos são evidenciados em Hervieu-Léger (2015):
a perda da regulação institucional e a “bricolagem de crenças”.
Esses dois aspectos nos ajudam na compreensão de outra
autoidentificação dos ocupas: “jovens sem religião”.
Apesar de não ser uma novidade, a autodeclaração entre
os jovens como “sem religião” têm crescido significativamente
nos últimos anos. A partir dos dados da pesquisa nacional é
possível verificar novas adesões dos jovens a essa classificação.
Os dados revelam que, antes de ingressarem nas ocupações,
parte dos jovens possuíam pertencimento religioso ativo e
após sua participação no movimento estudantil alegam uma
desvinculação institucional. Eles não negam a experiência
religiosa, mas apontam para as “possibilidades de liberação
do controle institucional e gestão da livre iniciativa individual”
(NOVAES, 2006, p.3), o que, na perspectiva de Novaes (2006),
vem sendo entendido como “ser religioso sem religião”.
O número de jovens que se declaram “sem religião”
vem crescendo, conforme apontam os dados dos últimos
censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
Essa tendência de crescimento tem despertado o interesse
dos pesquisadores que tratam da religiosidade da juventude
contemporânea. Novaes (2004), Camurça (2017) e Fernandes
(2018), ao analisar estes dados, imputam às pesquisas sobre
a temática o desafio de perceber os sentidos e motivações da
desvinculação religiosa. Portanto, nos instigam a compreender
os sentidos e significados sociológicos que a autodeclaração
como “sem religião” traz para os estudos da juventude e
abrem um vasto campo de problematização das motivações
que levaram os jovens a tal escolha.
Os próximos caminhos da pesquisa pretendem
elucidar as relações da militância política com a desvinculação
religiosa, percebendo se, de fato, entre os secundaristas, seu
engajamento político foi determinante para os novos arranjos
religiosos.
PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO 71
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ATUAÇÃO RELIGIOSA DE JOVENS EVANGÉLICOS EM UM


GRUPO CRISTÃO EM UMA ESCOLA TÉCNICA ESTADUAL DE
CAMPINAS-SP
No plano inicial da pesquisa que viria a ser realizada
com jovens evangélicos estudantes da Etec Bento Quirino
(Campinas, SP), não contávamos com a possibilidade de já
existir o Grupo Cristão (GC), uma organização juvenil religiosa
no interior de uma escola de ensino médio sem a interferência
direta de instituições externas, autogerida pelos estudantes
e com maioria evangélica. Ao longo do estudo, observamos
que a atuação de grupos cristãos têm sido uma prática juvenil
frequente nas escolas e que nos últimos anos parece ser ainda
mais incentivada. Nesse sentido, ficamos instigadas a ampliar
nossos interesses de pesquisa e aterrissar no cotidiano
escolar a partir das ações do GC, buscando entender como se
configura e atua essa organização juvenil e como interesses
religiosos individuais se encontram num coletivo no meio
escolar.

ORGANIZAÇÃO E ATUAÇÃO DO GC
O GC foi formado em 2000 por um pequeno grupo
de sete estudantes evangélicos e católicos carismáticos,
que levavam o violão para escola e no horário dos intervalos
cantavam músicas religiosas. No mesmo ano, o grupo pediu a
autorização da direção para começar a usar uma sala de aula
para se reunir uma vez por semana. Os encontros também
passaram a contar com momentos de oração e reflexões sobre
a bíblia e foi estabelecida a primeira liderança. Conforme
relatos de estudantes e funcionários da escola, o grupo vem
aumentando em número e atuação desde 2015, passando
a divulgar mais suas atividades, ampliando o número de
encontros semanais e alcançando médias de mais de 20
jovens frequentes nas reuniões.

72 Ana Beatriz Gasquez Porelli - Douglas Franco Bortone - Luís Antonio Groppo -
Dirce Djanira Pacheco e Zan
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Desde a sua formação, mesmo com trocas de direção


escolar, o grupo nunca ficou sem liderança, sem se reunir, e
sempre se manteve em diálogo com a direção para garantir
o uso dos espaços da escola para suas reuniões. Ano após
ano, a liderança do grupo escolhe os novos líderes para dar
sequência aos trabalhos.
De 2018 a 2020, observei três transições de lideranças.
Em cada uma dessas ocasiões, noto que a maneira como
ocorrem as transições e o horário da principal reunião semanal
são mantidos. Contudo, mudanças significativas acontecem na
dinâmica do trabalho em razão das competências e habilidades
do líder em conduzir as reuniões, elaborar as mensagens e
fazer acontecer o momento de louvor. É interessante notar que
as referências dos líderes para prepararem as mensagens e
planejar as atividades do GC, se centram principalmente nas
experiências vividas em suas igrejas.
As mensagens elaboradas por Andrei (líder em 2018),
Misael (líder em 2018) e Pedro (líder em 2019-2020) acessavam
um código evangélico-pentecostal, sendo mais emotivas, com
pregações mais focadas no estilo de vida e em uma certa
ideia de prosperidade. Sendo Laura (líder em 2018-2019)
oriunda de igreja protestante-histórica - Igreja Presbiteriana
-, suas experiências como professora das crianças na escola
dominical e organização do grupo de pré-adolescentes da
igreja colaboravam para que suas mensagens fossem mais
acadêmicas, elaboradas em tópicos, não tão emotivas e com
estudos mais aprofundados. As mensagens de Vitória (líder
em 2019-2020), pertencente à Igreja Metodista Videira, na
qual atua como professora no cultinho das crianças, bem como
as mensagens de Letícia (líder em 2018-2019) - sem vínculo
fixo com uma igreja -, alternavam entre essas duas formas, ora
mais emotiva, ora mais aprofundada, mas sempre com muitos
exemplos práticos sobre a vida cristã.

PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO 73


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Assim, podemos afirmar que as mensagens


elaboradas pelos jovens não estão descoladas das ações
educativas investidas pelas igrejas por eles frequentadas. O
protestantismo tradicionalmente sempre investiu na formação
e preparação de lideranças, delegando aos fiéis a missão
evangelizadora, seja através de ações coletivas organizadas
ou práticas individuais, em ambas estão envolvidas o pregar
a palavra e demonstrar atitudes exemplares. Dessa forma,
os estudos bíblicos são valorizados nas igrejas evangélicas,
enfatizando não só conhecimentos sobre a bíblia, mas também
a expansão da mensagem e a comunicação do que se aprende.
Os líderes dos GC relatam suas inúmeras participações em
devocionais, escola bíblica, cursos e evangelismos, e destacam
as chamadas células desenvolvidas a partir da visão celular.
A visão celular, segundo Oro (2008), vem sendo
adotada como principal estratégia de formação de líderes
nas igrejas pentecostais e neopentecostais tendo em vista
a expansão do número de membros. Gomes (2010), chama a
atenção pelo modo como essa estratégia tem se disseminado
em diversas igrejas evangélicas adaptando facilmente seus
princípios e métodos de acordo com a realidade vivida em
cada denominação ou comunidade de fiéis. Na visão celular,
desenvolvida na igreja evangélica Sara Nossa Terra, observada
por Gomes (2010)
[...] o líder pode ser qualquer fiel, que é “desafiado
a sonhar com uma igreja cheia”, a “cuidar bem
das pessoas”. A igreja disponibiliza um espaço
de formação de líderes, chamado “Escola de
Vencedores”, onde ensina princípios básicos do
evangelho e métodos de condução das células
a fim de atrair outras pessoas à vivência do
Evangelho. (GOMES, 2010, p.74)

As estratégias e ações educativas desenvolvidas


nas igrejas evangélicas visam a formação de fiéis atuantes
dentro e fora dos templos. Mensagens sobre a missão
evangelizadora são recorrentes nas igrejas e no GC sempre

74 Ana Beatriz Gasquez Porelli - Douglas Franco Bortone - Luís Antonio Groppo -
Dirce Djanira Pacheco e Zan
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ganharam bastante ênfase. Para os evangélicos, a missão


de evangelizar não é exclusividade dos dirigentes da igreja,
mas de todo aquele que se converte. Portanto, não basta
que o convertido frequente o templo, é preciso que ele atue,
se envolva, evangelize, faça a diferença no mundo. Assim,
além da associação, os evangélicos tendem a desenvolver o
compromisso com a igreja e dar visibilidade à sua crença fora
dos espaços religiosos.
Ao mesmo tempo, durante as mensagens era bastante
comum que fossem citados vídeos do Youtube, perfis do
Instagram, filmes, livros e canções, que todos conheciam fora
do grupo e que não necessariamente estão associados ou
são divulgados nas igrejas dos jovens, mas que eles acessam
principalmente via internet e redes sociais.
Vitória dá um exemplo sobre a perfeição de Deus,
então, surge uma piada interna nos comentários.
Não entendi do que se tratava, os jovens se
chamavam de “Terra”, aí descobri que eles
imitavam a Patrícia Ramos (perfil no Instagram: @
patriciaramosr) da Igreja Oceanos In Move. Trata-
se de uma jovem negra de 21 anos que é blogueira
cristã, cantora, modelo, empreendedora e
humorista, premiada como destaque do ano
nas redes sociais. “Para com isso, Terra!” é o
jargão que a blogueira usa para se comunicar
com os seus quase 2 milhões de seguidores
no Instagram, onde de forma humorada ela dá
conselhos de todos os tipos (relacionamento,
moda, carreira, empreendedorismo, entre outros),
canta e testemunha como prosperou e superou
a baixa autoestima. (CADERNO DE CAMPO, Live
transmitida no Instagram do GC, 24 de agosto de
2020)

Assim revelado, são múltiplas as referências sobre a


religiosidade dos jovens. Não estão unicamente vinculadas
à igreja, mas também podem ser mediadas por uma mídia
evangélica acessada virtualmente pelos jovens. Como constata
Novaes (2016; 2018), a internet é cada vez mais relevante
para formação religiosa das gerações mais novas, uma vez
que “no momento histórico o mundo presencial e virtual se
PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO 75
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

imbricam constituindo uma nova realidade” (NOVAES, 2018,


p.353). Assim como na segunda e terceira onda pentecostal,
retratadas por Freston (1993) como momentos cruciais para
as igrejas pentecostais no Brasil, o rádio e a televisão foram
fundamentais meios de divulgação e expansão da religião
evangélica, nos últimos anos, a internet assumiu esse papel,
com a diferença de que ela não está limitada à um canal e
uma programação, mas apresenta infinitas possibilidades de
escolhas religiosas e não religiosas.
Desse modo, pode-se afirmar que o GC é espaço
religioso construído para e pelos jovens em interação com
o espaço escolar, e configura uma espécie de laboratório
de experiências religiosas juvenis. Reunidos, os jovens
constroem um espaço religioso não institucionalizado a partir
de elementos e sentidos construídos em suas experiências
exteriores ao grupo e à escola, amparados pelo que é aprendido
nas igrejas que frequentam e no que acreditam ser importante
no convívio entre cristãos.

DESINSTITUCIONALIZAÇÃO NO INTERIOR DO GC
O grupo se denomina cristão para não se associar a
nenhuma vertente religiosa. Mesmo que prevaleça uma maioria
evangélica participante e atuante como liderança. No tempo
em que acompanhei o grupo, só soube de duas jovens que eram
da igreja católica carismática e frequentavam assiduamente o
GC. Nos convites para a reunião que circularam no grupo de
WhatsApp e em formato impresso nos murais da escola, lê-se:
“Grupo Cristão Um grupo sem denominação focado em falar de
Cristo”. De mesmo modo, em toda ocasião em que o grupo é
apresentado, é salientado a não vinculação a uma denominação
evangélica e seu foco exclusivo no cristianismo. Tal aspecto
chama a atenção porque, segundo Oro e Tadvald (2019), por
longo período histórico na sociedade brasileira, considerava-
se cristão como sinônimo para católico, e essa equivalência
só deixa de existir nas últimas décadas com expansão do
76 Ana Beatriz Gasquez Porelli - Douglas Franco Bortone - Luís Antonio Groppo -
Dirce Djanira Pacheco e Zan
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

pluralismo religioso em que os evangélicos, especialmente


os pentecostais e os neopentecostais, romperam com esse
paradigma e um numeroso setor da sociedade passou a se
considerar cristão sem ser católico (ORO & TADVALD, 2019).
Quando o GC se afirma como cristão, abre-se a
possibilidade de agregar ao grupo diversas vertentes
do cristianismo, e ao desvincular-se do rol evangélico é
possível alcançar um número maior de participantes que se
identificam ou simpatizam com a linguagem religiosa cristã.
É interessante notar que Almeida (2018) relata que tem sido
bastante comum que muitos evangélicos não querem ser
associados publicamente à igreja evangélica, e chamados de
evangélicos, devido ao desgaste da imagem que se associou
aos políticos evangélicos com posicionamentos conservadores
e aos escândalos políticos, econômicos e sexuais envolvendo
pastores. Podemos, assim, pensar que o nome genérico de GC
constrói uma pedagogia de si, como diriam Monteiro, Silva e
Sales (2018), para produzir maior visibilidade publicamente e,
ao mesmo tempo, evitar divergências internas.
Para dar alguma visibilidade ao GC no cotidiano da
escola e atrair outros estudantes para as reuniões, o grupo
aposta no convite “boca a boca”, encorajando sempre seus
participantes a convidarem outros estudantes. Isso envolve
enfatizar o interesse do grupo exclusivamente em torno de
práticas cristãs e mostrar-se como um modelo de vida aos
demais. Outra maneira encontrada pelo GC de tornar pública
sua presença na escola é se reunir pela manhã para orar antes
do horário de entrada em frente ao portão de entrada. Por
volta das 7h20 (dez minutos antes do sinal para entrada), eles
fazem um círculo se abraçando e oram pelas aulas do dia e
demais pedidos de oração elencados pelos jovens. Diferente
das reuniões que acontecem em espaços mais reservados,
esse é um dos únicos momentos em que as ações do grupo se
dão aos olhos de todos os que por eles passam.

PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO 77


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Ao promover-se enquanto grupo com foco em


práticas cristãs, distanciado de “placas de igrejas”, o GC evita
conflitos que poderiam surgir no convívio entre as diversas
denominações evangélicas, católicos e pessoas de outras
religiões. Dessa forma o grupo reconhece a pluralidade de
opiniões e práticas que coexistem internamente entre os
cristãos e por isso focam em objetivos comuns, naquilo que os
unem.
O GC tem uma dinâmica interna, que se caracteriza
por discutir a busca de sentido para vida escolar e religiosa.
As mensagens muitas vezes tratam temas sobre: nascer
cristão, escolher servir, conversão e experiência de vida
religiosa, ser exemplo de fé para o mundo. Sendo assim, as
dinâmicas do GC, por mais que não estejam associadas a
denominações evangélicas, são reforços positivos às vivências
dos jovens evangélicos em suas igrejas e um suporte para
viver a identidade religiosa no espaço escolar. Há, portanto,
inúmeros relatos de jovens que anteriormente ao ensino
médio não haviam estabelecido vínculos religiosos fortes e o
GC teve importância significativa para que eles passassem a
se envolver mais e estabelecer compromissos com uma igreja.
O jovem evangélico em atuação no GC, tal como o
virtuoso religioso de Weber (1982), o faz em busca do caminho
da salvação e seguirá “trabalhando nesse mundo”, ativo e
ascético. Assim, o fato do grupo ser sem denominação não
o impede de estar associado ao modus operandi evangélico
incorporado pela liderança e fazer reverberar no cotidiano do
grupo e da escola princípios e valores da instituição religiosa
que frequentam.

COMPETÊNCIAS E IDENTIDADES RELIGIOSAS DOS


ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO
As pesquisas apresentadas suscitam formas
diferentes de atuação de jovens com pertencimento religioso
no meio escolar. Buscamos olhar para o mesmo objeto a
78 Ana Beatriz Gasquez Porelli - Douglas Franco Bortone - Luís Antonio Groppo -
Dirce Djanira Pacheco e Zan
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

partir de escalas de observação distintas, identificando, em


realidades diferentes, como se confluem as experiências
escolares e religiosas dos jovens do ensino médio. O primeiro
estudo apresenta uma pesquisa mais geral (nacional), a qual
dedica-se a diversas religiões mas em um momento singular -
o movimento das ocupações de escolas - e seus impactos nas
trajetórias das e dos ocupas; a segunda, mais local, ocupa-
se de um grupo cristão, que faz parte do cotidiano escolar e
o trata com profundidade via observação participante. De
forma particular, cada pesquisa contribui para, de certo modo,
reconstituir o mosaico sobre a diversidade da juventude
brasileira contemporânea no que diz respeito às experiências
religiosas e suas relações com a escola secundária.
Fica evidente, nas pesquisas, a relevância da
religiosidade na construção de identidades por estudantes
do Ensino Médio e como estas identificações religiosas
podem impactar seu pertencimento ao cotidiano escolar.
No caso do GC, vislumbra-se a construção de espaços e
momentos próprios de socialização via identidades religiosas
semelhantes, e o que vem à tona é o engajamento religioso
posto em prática no interior da escola, com atuações baseadas
nas ações educativas desenvolvidas nas igrejas frequentadas
pelos jovens. No caso do movimento das ocupações, vem se
destacando o quanto a experiência religiosa é uma dimensão
da vida pessoal e social que tanto abala, quanto é abalada,
por outra experiência potente - a participação em uma ação
coletiva – em um movimento estudantil. Por um lado, certas
competências adquiridas pelos jovens no grupo religioso,
incluindo certa sensibilidade maior para lidar com o coletivo,
foram importante para alguns jovens exercerem tarefas de
organização e até liderança informal, ao mesmo tempo que a
imersão no protesto levou alguns destes ocupas ao rompimento
com certas religiosidades – em especial as institucionalizadas
–, momento em que o sentido ético-político do protesto destoa
de doutrinas ou orientações religiosas.
PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO 79
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Nesse sentido, temos considerado o ambiente escolar


como espaço onde competências adquiridas em outras esferas
socializadoras ganham maior evidência, compreendendo
que a experiência religiosa atribui aos jovens estudantes
lentes que possibilitam uma leitura da realidade segundo
suas próprias crenças. Berger (2018) aponta essa dinâmica
como parte estruturante da sociedade, no qual o conjunto de
manifestações religiosas pode ser compreendida como um
“empreendimento de construção de mundo” (BERGER, 2018,
p.17). Desse modo, percebe-se que as competências e valores
gestadas no ambiente religioso reverberam no ambiente
escolar, definindo comportamentos e subjetividades que
reproduzem ou não parâmetros de interpretação da realidade
social.
As competências adquiridas perpassam pela
subjetividade da fé e a dimensão sócio-política da religião
na sociedade. A prática de liderança, de mobilização social,
o exercício da empatia e maior sensibilidade diante das
injustiças sociais são elementos que se destacam no caso
de Bianca, nas ocupações secundaristas e na construção
de um espaço de sociabilidade juvenil, como é o caso do GC.
Isso nos remete à premissa de Novaes (2018) que, partindo
das reflexões de Mannheim (1982), propõe a reflexão sobre
o “tempo (religioso) experimentado” pelas gerações. Dessa
forma, cabe-nos o desafio de caracterizar mais quem são
os estudantes do ensino médio e como suas experiências
religiosas, escolares e engajamentos políticos corroboram
seus processos formativos, para então, se fazerem conhecidas
as respostas dos jovens diante da “disputa cultural” (ZAN;
KRAWCZYK, 2019) em curso na sociedade brasileira, a qual
coloca em xeque a formação das juventudes contemporâneas.

80 Ana Beatriz Gasquez Porelli - Douglas Franco Bortone - Luís Antonio Groppo -
Dirce Djanira Pacheco e Zan
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No limite desse trabalho, destacamos a importância
de se conhecer as articulações múltiplas e complexas que
vêm sendo feitas por jovens estudantes do ensino médio
na re-construção de suas identidades e trajetórias, entre
religiosidade, educação escolar e política. Ademais, ao
apresentarmos parte de nossas investigações, notamos o início
do processo de compreensão da significação e ressignificação
dos valores presentes em diferentes dimensões da vida –
religião, educação escolar e política – mediadas pelos próprios
jovens, que não são simplesmente guiados ou tutelados por
instituições, como se vê na criação e manutenção de um grupo
cristão autônomo na ETEC, ou na capacidade de mobilizar
comunidades escolares e comunidades locais nos movimentos
de ocupações estudantis em 2015 e 2016.
Entendemos que os significados atribuídos pelos
jovens à experiência religiosa e às atuações juvenis no
campo escolar podem se apresentar de maneiras distintas e
específicas, quando se considera também os aspectos que
forjam em cada contexto. Assim, é válida a reflexão sobre
os desafios que emergem das relações da juventude com o
pertencimento religioso em relação à escola de ensino médio,
os quais exigem que se lance luz sobre as trajetórias desses
sujeitos que compõem este grupo social significativamente
heterogêneo.
Nos dias atuais, em nosso país, assim como em todo
mundo, tem sido cada vez mais complexas e desafiantes as
articulações entre religião e política. As crenças e filiações
religiosas têm sido ativadas, por vezes manipuladas, em
relação a debates no espaço público, posicionamentos
eleitorais e até mesmo em conflitos sociais e guerras civis.
Conhecer como novas gerações têm vivido a religiosidade nos
parece de suma importância para entender as possibilidades
e os riscos contidos nesta relação entre religião e política.

PERTENCIMENTO RELIGIOSO E ATUAÇÕES JUVENIS NA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO 81


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

A forma como o espaço escolar e as questões educacionais


têm atravessado esta relação parece ser uma peça-chave
para esta compreensão, no que se refere a adolescentes e
jovens. Buscamos aqui destacar a vivência autônoma desta
relação, em grupo e movimento criado e gerido pelos próprios
adolescentes. E, até mesmo, sondar alguns elementos que
ajudem no reencontro entre escola, religião e democracia em
nosso país.

REFERÊNCIAS

ABRAMO, Helena Wendel; BRANCO, Pedro Paulo Martoni


(org.). Retratos da juventude brasileira: análises de uma
pesquisa nacional. São Paulo, SP: Fundação Perseu Abramo:
Instituto Cidadania, 2005.
ALMEIDA, Ronaldo. Bolsonaro presidente: Conservadorismo,
evangelismo e a crise brasileira. In: ALMEIDA, Ronaldo e
TONIOL, Rodrigo (orgs.). Conservadorismo, Fascismos
e Fundamentalismos: Análises conjunturais. Campinas:
Editora UNICAMP, 2018.
BERGER, Peter. O Dossel Sagrado: Elementos para uma
teoria sociológica da religião. 10ª Edição, São Paulo: Ed.
Paulus, 2018.
BORTONE, Douglas Franco. Análises sobre o pertencimento
religioso das juventudes presente nas ocupações
secundaristas no Brasil em 2015-2016. In: 14a Reunião
da ANPEd – Sudeste (2020). Anais eletrônicos. Disponível
em: http://anais.anped.org.br/regionais/sites/default/files/
trabalhos/23/7683-TEXTO_PROPOSTA_COMPLETO.pdf.
Acesso em: 25 jun 2021.
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86
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Juventudes brasileiras e
participação política no contexto
das tecnologias digitais
Aline Cristina Camargo
DOI: 10.29327/541522.1-5

INTRODUÇÃO
Historicamente tem-se observado a inserção das
tecnologias nos processos de transformação econômica,
social, cultural e política. Também estão evidentes os padrões
geracionais no uso das tecnologias, bem como padrões
de classe, de acesso a serviços públicos e privados, e seu
potencial para mobilizar opiniões e configurar ou reformatar
movimentos de protesto e reivindicações sociais. A internet
e as redes sociais digitais são importantes para a inclusão
participativa de parcelas da sociedade que permaneciam
excluídas da convivência política.
As juventudes são um exemplo concreto de aumento
da participação online. Neste sentido, a tese de Doutorado1
que originou este artigo teve como objetivo analisar os usos
e apropriações das tecnologias digitais para a participação
político-cidadã pelas juventudes brasileiras. Foram definidos
os seguintes objetivos específicos: a) verificar quais elementos
e contextos caracterizam o processo de apropriação de novas

1  Este artigo é resultado da pesquisa de doutorado intitulada “Usos e


apropriações de tecnologias digitais para a participação político-cidadã:
perspectivas das juventudes brasileiras”, defendida pela autora em abril
de 2020 no Programa de Pós-Graduação em Mídia e Tecnologia, da FAAC
Unesp/Bauru. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/192739.
Acesso em: 15 mai. 2021.
JUVENTUDES BRASILEIRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS 87
TECNOLOGIAS DIGITAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

tecnologias em experiências de mobilização político-social


no Brasil; b) mapear e divulgar iniciativas de participação
político-cidadã realizadas a partir dos usos e apropriações
de tecnologias digitais; c) contribuir para a discussão sobre
participação, capital social, ação e mobilização coletiva e
tecnologias digitais, com foco nos processos de apropriação
e de uso das tecnologias digitais para a participação política
pelos jovens brasileiros.
Considerando os objetos de pesquisa como dinâmicos
e mutáveis diante de atualizações, não apenas tecnológicas,
mas também de ordem comportamental e subjetiva, optou-
se pela união de técnicas metodológicas quantitativas e
qualitativas, a partir da aplicação de questionário eletrônico
(500 respondentes) e entrevista episódica (30 respondentes),
além da proposição de ferramenta colaborativa de
mapeamento das oportunidades de participação levantadas
na pesquisa (www.participacaodasjuventudes.org).
No contexto de declínio nos índices de comparecimento
eleitoral e de ativismo partidário, bem como a emergência e a
expansão dos movimentos de protesto e de novas formas de
ação política, há uma crescente preocupação de estudiosos
sobre o tema da participação, em seu contexto de exercício
dos direitos de cidadania.
Pesquisas recentes apontam para a diminuição dos
índices de confiança pública no governo, bem como em outras
instituições2, como a mídia, por exemplo. A realidade não é
exclusiva do Brasil, e as possíveis causas desta desconfiança,
ou descredibilidade, são complexas, alguns a veem como
resultado de uma mudança de longo prazo para os valores
pós-industriais que enfatizam o indivíduo sobre a comunidade

2  Disponível em: <https://portal.fgv.br/noticias/icjbrasil-2017-confianca-


populacao-instituicoes-cai>. Acesso em: 18 mai. 2021.
88 Aline Cristina Camargo
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

e diminuem o respeito à autoridade e às instituições. Outros a


veem como uma reação contra a centralização do governo e o
desmantelamente de direitos sociais.
Considerando o esforço de autores na elaboração de
uma tipologia das modalidades de participação e até mesmo
em relação a seu próprio conceito, observa-se que Milbrath
(1965) definia, de início, a participação como o conjunto de
atividades relacionadas ao momento eleitoral. A partir de
então, diferentes estudiosos apontaram variados conceitos de
participação e suas modalidades. Para esta pesquisa, optou-
se por considerar as premissas da participação, segundo
Bordenave (1983).
Quadro 1- Premissas da Participação, segundo Bordenave (1983)

A participação é uma necessidade humana e, por conseguinte, constitui um direito de


pessoas;

A participação justifica-se por si mesma, não por seus resultados;

A participação é um processo de desenvolvimento da consciência crítica e aquisição de


poder;

A participação leva à apropriação do desenvolvimento pelo povo;


A participação é algo que se aprende e aperfeiçoa;

A participação pode ser provocada e organizada, sem que isto signifique


necessariamente manipulação;

A participação é facilitada com a organização, e a criação de fluxos de comunicação;


Devem ser respeitadas as diferenças individuais na forma de participar;
A participação pode resolver conflitos, mas também pode gerá-los;
Não se deve sacralizar a participação – ela não é indispensável em todas as ocasiões;
A prova de fogo da participação não é o quanto se toma parte, mas como se toma parte.

Fonte: elaborado pela autora (2021) a partir de Bordenave (1983).

CONTEXTUALIZAÇÃO
Desde os meados dos anos 1980, os processos sociais
e políticos que culminaram na redemocratização do Brasil
geraram esperança em parte da população de que a cidadania,
JUVENTUDES BRASILEIRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS 89
TECNOLOGIAS DIGITAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

principalmente relacionada à participação política e ao voto,


fosse exercida de maneira enfática e transformadora. A
Constituição de 1988 reavivou o papel do sufrágio universal
e o consequente aumento da participação política e eleitoral
da população. A redemocratização também possibilitou que
os jovens começassem a votar aos 16 anos, uma conquista que
aumentou a expectativa politico-participativa e a consolidação
precoce da cidadania entre os jovens.
No século XX, o campo da luta pela cidadania se
amplia. Novas demandas são introduzidas, incorporando
algumas noções de direitos políticos modernos ao lado de
demandas para alterar a ordem conversadora existente. Viu-
se, também, a partir do século XX, a redefinição da ideia de
comunidade, não apenas como lócus geográfico espacial, mas
como uma categoria da realidade social, de intervenção social
nesta realidade, tendo papel de destaque o envolvimento dos
jovens no contexto social e político do país.
Neste contexto, a participação das juventudes ganha
destaque. Tida como um direito fundamental dos/as jovens,
desde muito antes da elaboração e aprovação do Estatuto da
Juventude (Lei 12.852/2013), esse tema já tinha centralidade
nos debates sobre políticas e direitos. É possível dizer,
inclusive, que a própria agenda sobre o tema nasce, também,
da preocupação de incluí-lo como sujeito político capaz de
influenciar os rumos da sociedade.
De acordo com a socióloga Helena Abramo, a
participação “continua sendo uma demanda que se vincula
à própria possibilidade de formular e lutar pelas outras
demandas”. (ABRAMO, 2005, p. 63). Não é à toa, portanto, que,
ao se ler o Estatuto da Juventude3, se reconhece o direito à

3 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-


2014/2013/Lei/L12852.htm > Acesso em 25 jun. 2021.
90 Aline Cristina Camargo
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

participação não apenas na 1ª Seção (“Do Direito à Cidadania,


à Participação Social e Política e à Representação Juvenil”, nos
termos do documento), mas também como tema transversal.
O direito à participação aparece como um dos princípios
que regem o Estatuto através da ideia de “valorização e
promoção da participação social e política, de forma direta
e por meio de suas representações”. Ele também aparece nas
diretrizes gerais do documento, na ideia de incentivo à “ampla
participação juvenil em sua formulação, implementação e
avaliação das políticas públicas de juventude e, ainda, quando
se busca “ampliar as alternativas de inserção social do jovem,
promovendo programas que priorizem o seu desenvolvimento
integral e participação ativa nos espaços decisórios” (BRASIL,
2013, documento eletrônico). Talvez não seja exagero afirmar,
então, que é possível pensar a participação como condição
para a realização integral dos demais direitos dos/as jovens
brasileiros/as.
Neste cenário, as demandas de participação podem
ser vistas por dois ângulos: primeiro, como um meio, isto é, um
canal imprescindível para levar demandas de distribuição e de
reconhecimento ao espaço público democrático; o segundo
diz respeito aos espaços das políticas públicas de juventude.
Nesses espaços – entre os quais se destacam os conselhos – a
participação torna-se ela mesma uma demanda específica, na
medida em que remete às decisões sobre desenho, validação,
acompanhamento e avaliação de programas e ações voltadas
para seu segmento populacional.
Existem muitas formas de participação e muitas
demandas relacionadas à participação juvenil, que vão desde
petições online até mobilizações de rua e estratégias de
representação juvenil em organizações e espaços políticos,
bem como modalidades de participação institucional: aquelas
que privilegiam um diálogo entre poderes públicos e sociedade
civil. Entre essas formas estão as conferências, os conselhos
e as audiências públicas, por exemplo. Todas as modalidades
JUVENTUDES BRASILEIRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS 91
TECNOLOGIAS DIGITAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

de participação, institucionais ou não, podem ter efeitos sobre


decisões políticas. A pesquisa a que se refere este capítulo
objetivou verificar em que medida as ações participativas
desempenhadas pelas juventudes brasileiras estão ligadas
aos usos e apropriações de tecnologias digitais.

JUVENTUDES, TECNOLOGIAS E PARTICIPAÇÃO


Historicamente o jovem brasileiro tem participado do
desenvolvimento social e político do país, destaca Poerner
(1939, p. 133): “O estudante aqui, como em muitos outros países
da América Latina, é movido por algo mais do que o simples
espírito anarquista que caracteriza o jovem moderno na Europa
ou nos Estados Unidos”, desde práticas de associativismo e
criação de grêmios estudantis, até as práticas de participação
online, a partir das redes sociais, por exemplo.
Para Levy (1996), nas últimas três décadas o exercício
da cidadania tem sido expandido para além de práticas
eleitorais. A virtualização tem ampliado a participação cidadã
a partir do maior acesso à internet e da criação de iniciativas
governamentais e autônomas que incentivam o engajamento
do usuário em questões de interesse público. Cervi (2013, p.
11) complementa: “no inicio do século XXI percebemos como
principal mudança nos processos representativos o uso de
instrumentos de ‘conexão digital’ na política”.
Neste contexto de novas possibilidades de participação
ampliadas pelas tecnologias digitais, os jovens são destaque:
A juventude é, e historicamente tem sido,
bastante idealista e, muitas vezes, quer mudar o
mundo, o sistema político e relações do cotidiano.
Isso não é novo, apesar de nem sempre ter tido
visibilidade [...] Hoje, uma das diferenças está
na convocatória pelas redes sociais virtuais, o
que trouxe o povo para rua quase em tempo real,
ampliando o número de manifestantes e os locais
de protestos (WARREN, 2014, p. 417).

92 Aline Cristina Camargo


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Progressivamente os cidadãos brasileiros colocam-se


como agentes ativos de ações participativas, desempenhando
sua tendência natural de socialização política ao discutir,
reagir e espalhar seus interesses e críticas pelas diversas
modalidades de mídias.
Hoje é possível que os próprios cidadãos assumam
problemas de nível público, engajando diversos setores da
sociedade para alcançar objetivos comuns e compartilhados.
Para tanto são utilizadas diversas plataformas de atuação
como fóruns e grupos de discussões, abaixo-assinados e
petições on-line, blogues, plataformas sociais, aplicativos e as
mídias sociais.
Com a promulgação da Constituição de 1988 foram
institucionalizadas novas formas de participação, que incluem
conselhos, orçamentos participativos e planos diretores
municipais, afirma Avritzer (2008). Como modalidades
de participação espera-se encontrar: a) participação
convencional: refere-se ao voto e atividades partidárias; b)
participação não convencional: referem-se a petições (online
ou off-line), protestos e boicotes; c) participação institucional
direta: conselhos, audiências públicas, orçamento participativo
(on-line ou off-line); e d) participação informal: refere-se a
discussões políticas cotidianas (sejam elas realizadas on-line
ou off-line) (ARBACHE, 2015).
Avritzer (2008, p. 44) salienta que, apesar de a
participação política ter experimentado um crescimento
constante desde a democratização, o Brasil se transformou
ao longo do século XX “em um país de baixa propensão
associativa e poucas formas de participação da população de
baixa renda, ainda que seja um dos países com o maior número
de práticas participativas”. Neste sentido parece importante
questionar até que ponto a tecnologia tem possibilitado novas
formas de participação política.

JUVENTUDES BRASILEIRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS 93


TECNOLOGIAS DIGITAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

No contexto brasileiro tem havido, nos últimos anos,


uma proliferação de movimentos sociais impulsionados pelo
descontentamento da população com a classe política e os
grupos econômicos. Entre os aspectos a assinalar, encontram-
se a utilização de tecnologias digitais como recursos para a
mobilização e a participação cívica. Esses dispositivos têm-
se revelado fundamentais para exprimir reivindicações e
organizar o protesto, favorecendo o surgimento de modos
informais de ação política e cívica. Essas são práticas nas
quais os jovens, socializados numa era digital, têm tido um
papel relevante, embora não exclusivo, enquanto face visível
da insatisfação generalizada.
Para Sierra e Gravante (2016), a participação é uma
forma de mediação social produzida por grupos subalternos
articulados sob a forma de movimentos ou grupos sociais
que, independentemente de sua ressonância midiática ou
dimensão, expressam visões alternativas para culturas e
políticas hegemônicas. Assim, a pesquisa que originou este
artigo buscou explorar de que maneira os usos e apropriações
das tecnologias digitais no processo de mobilização coletiva
se convertem em outro “modo de fazer política, facilitando
a lógica de empoderamento dos protagonistas” (SIERRA;
GRAVANTE, 2016, p. 86).
As novas possibilidades de apropriação das tecnologias
digitais “coloca em crise a centralidade da técnica e o uso
visto como tarefa de reprodução e permite o surgimento da
autonomia do indivíduo” (SIERRA; GARROSSINI, 2012, p. 4).
Dessa maneira, o processo de apropriação das novas
tecnologias de informação e comunicação não deve ser visto
apenas a partir da disponibilidade de recursos ou como uma
simples acumulação de tarefas, mas está subordinada à
cultura e às experiências das pessoas, além do contexto
social em que a experiência de mídia está inserida. Os autores

94 Aline Cristina Camargo


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

consideram que o empoderamento social para a ação coletiva


pode se dar de duas maneiras: na dimensão da comunicação e
na dimensão política.
Assim, o grau de interconexão, a extensão e a qualidade
das redes são indicativos da complexidade da participação.
Neste sentido, “a apropriação social das Tecnologias de
Informação e Comunicação exige o desenvolvimento da
capacidade individual e coletiva de interconectar realidades
presentes no novo cenário informativo e midiatizado, de
interação e transformação social e política”, salientam Sierra
e Garrossini (2012, p. 3).
Considerando a utilização das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TICs) para informar, consultar,
envolver, colaborar, capacitar e empoderar, entende-se que o
capital social pode ser, ao mesmo tempo, causa e consequência
da comunicação, desta maneira, seria identificado com o
nível de envolvimento associativo, ou seja, a ideia de que o
indivíduo pertence a uma comunidade civicamente engajada,
participando em variadas redes de interação.
Desta maneira, faz-se necessário refletir de
que maneira o processo de apropriação das tecnologias
digitais está atrelado ao ambiente cultural e cotidiano dos
protagonistas de tal forma que o uso das tecnologias dá
origem a espaços produtivos em que a identidade individual e
coletiva dos novos atores políticos é reafirmada.
O conceito de apropriação é um processo dinâmico que
vai além dos limites da reprodutibilidade ou da heteronomia,
explicam Sierra, Pomo e Gravante (2015), mas é também um
ato que rompe com a dicotomia entre o original e o imitado,
em que há inovações de práticas, significados e por vezes, de
ferramentas. De acordo com esta visão, “os participantes não
são simplesmente consumidores de reflexões alheias, mas
produzem seus próprios relatos [...] Estas experiências buscam
e propõem novos modelos de comunicação, misturam novos e

JUVENTUDES BRASILEIRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS 95


TECNOLOGIAS DIGITAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

velhos meios e rompem a diferença entre emissor e receptor”.


Assim, os indivíduos fomentam novas formas de participação
social e política (SIERRA; POMO; GRAVANTE, 2015, p. 95).
Como afirma Norris (2001) as formas “não-
convencionais” de participação, como protestos, petições
e boicotes, ganharam importância empírica e teórica nas
últimas décadas, sendo algumas delas até mais frequentes do
que as atividades políticas mais tradicionais, como o voto e o
associativismo, por exemplo.
Mesmo com essa importância crescente, há
relativamente poucos estudos que tratam de algumas dessas
formas de ação política, especialmente em democracias mais
recentes. E, ainda que a participação não convencional tenha
recebido crescente atenção nas últimas décadas, geralmente
é abordada de maneira agregada (utilizando-se de “índices
de participação não-convencional”, como se essas atividades
fossem uma coisa só), ou então se trata apenas do protesto,
das manifestações nas ruas, deixando outras formas de ação
de lado.

RESULTADOS
A fim de compreender como se dá a relação entre
jovens brasileiros e a participação política, neste capítulo são
apresentados e analisados os resultados das duas primeiras
técnicas metodológicas: i) aplicação de 500 questionários
eletrônicos para um público de jovens, com idade entre 15 e 29
anos, das cinco regiões do país; ii) realização de 30 entrevistas
episódicas com jovens de 15 a 29 anos, das cinco regiões do país.
Optou-se pela não identificação nominal dos respondentes,
portanto são caracterizados por E (entrevistado) e sua idade.
No perfil da amostra, observou-se que 56% dos respondentes
identificaram-se como mulheres e 44% como homens. Em
relação à faixa etária, 61% têm entre 20 e 24 anos, 21% entre

96 Aline Cristina Camargo


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

25 e 29 anos e 18% têm idade entre 15 e 19 anos. 35% da


amostra vive na região Sudeste, seguidos por 28% da região
Sul, 17% do Nordeste, 12% Norte e 8% vivem no Centro-oeste.
Quanto à ocupação 42% dos respondentes disseram
estar apenas estudando, 26% deles trabalhavam e estudavam,
23,6% apenas trabalhava e 8,4% não estudava nem trabalhava
no momento da coleta de dados para a pesquisa. Em relação
à escolaridade, 41,8% têm ensino superior incompleto ou está
cursando, 20,8% já completou o ensino superior, 11,4% estão
cursando pós-graduação, 9,2% têm ensino médio completo,
15,2% estão cursando o ensino médio e 1,6% têm ensino
fundamental completo.
Entre os respondentes, 38,4% têm renda familiar entre
3 e 5 salários mínimos, seguidos por 37% entre 5 e 8 salários
mínimos, 11,4% têm renda superior a 8 salários mínimos, 10%
entre 1 e 3 salários mínimos e 3,2% até 1 salário mínimo.
Na aplicação do questionário eletrônico, os
respondentes foram perguntados sobre as principais
atividades que desempenham na internet. Neste caso,
poderiam escolher mais de uma atividade.
Tabela I - Principais usos da Internet
Para que utiliza a internet? Quais atividades desempenha? Porcentagem da amostra
Divertir-se Filmes, música e jogos 83,4%
Comunicar-se Conversar com amigos e familiares 69,2%
Informar-se Buscar conteúdos noticiosos 63,8%
Fazer pesquisas ou atividades da
Estudar 59,4%
escola/curso/universidade
Desempenhar atividades de
Trabalhar 47,2%
trabalho

Fonte: elaborado pela autora (2021).

Também foram mapeadas as principais atividades de


participação realizadas pelos jovens que compõem a amostra.
Observa-se que algumas das atividades são exclusivamente
desempenhadas a partir do uso de tecnologias digitais,
especificamente a internet, como é o caso da participação em

JUVENTUDES BRASILEIRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS 97


TECNOLOGIAS DIGITAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

consultas públicas online, por exemplo. Há outras modalidades


que podem ser desempenhadas tanto no âmbito online quanto
offline, como é o caso da produção e compartilhamento de
conteúdo midiático/informativo, participação em discussões
políticas ou a realização de abaixo-assinados.
Tabela II - Atividades participativas mapeadas
Votar 97,2%
Participar de uma discussão política 87,2%
Assistir a um comício ou assembleia 82,4%
Participar em manifestação, ato ou passeata 81,8%
Compartilhar conteúdo midiático/informativo 80%
Atuar como membro ativo de movimento social e/ou político 57,2%
Tentar convencer alguém a votar de determinado modo 53,6%
Aderir ou apoiar movimento de greve 52,2%
Participar de organizações comunitárias 51,6%
Participar de reuniões em que se tomam decisões políticas 42,8%
Produzir conteúdo midiático/informativo 42,8%
Atuar como membro ativo de diretório acadêmico 36,4%
Realizar trabalho voluntário 29,2%
Usar um distintivo político 25,2%
Realizar abaixo-assinado 22,4%
Dedicar-se a uma campanha política 19,6%
Atuar como membro ativo de um partido político 12,8%
Votar em plebiscito 12,6%
Contribuir com dinheiro a um partido ou candidato 11,6%
Atuar como membro de sindicato 7,8%
Solicitar contribuições em dinheiro para causas políticas 7,2%
Participar de consulta pública online 7,2%
Ocupar cargos públicos 6,2%
Participar de reuniões de condomínio ou de associação de moradores 5%
Nenhuma das anteriores 4,6%
Participar de reunião de orçamento participativo 3,8%
Candidatar-se a um cargo eletivo 2,6%
Consulta pública presencial 2,2%
Ocupar prédios 1,6%
Fonte: elaborado pela autora (2021).

Entre os pontos levantados a partir da aplicação do


questionário de pesquisa de campo, foram identificados os
seguintes motivadores da participação política e social entre
os jovens, representados por i) acesso à informação, ii) acesso
às tecnologias, iii) identificação/acolhida e iv) capital político.

98 Aline Cristina Camargo


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Os componentes da amostra também foram questionados


sobre ambientes que consideram propícios, ou favoráveis,
à prática da participação político-cidadã. Neste sentido,
destacaram-se: i) casa, ii) escola, iii) internet, iv) igreja, v)
bairro/comunidade.
Quando questionados sobre quais cenários facilitariam
a participação, as respostas foram as seguintes:
Tabela III – “Eu participaria mais se...”
Confiasse Tivesse mais Houvesse Tivesse mais Houvesse Tivesse mais
nas informação menos tempo retorno recursos
instituições sobre os burocracia (Feedback) financeiros
políticas temas
85,2% 82,2% 81,2% 78,4% 64,6% 57,4%
“A gente “A consulta “As próprias “O tempo “Tem coisa “Parece
tenta se pública sobre o reuniões do também é um mais bobagem, mas já
envolver, mas Enem, por partido eu vejo desmotivador. desanimadora calculou quanto
é tanta coisa exemplo, foi que cada vez Quem trabalha do que se custa para um
ruim que se bem menos 8 horas por dia, envolver, se morador da
ouve e que se importante. pessoas tem que pegar esforçar para periferia
vê. Acaba Mas muitos dos comparecem. transporte, estar ali participar das
que isso me meus amigos é muita estudar, ajudar participando e manifestações
desencoraja nem ficaram burocracia, em casa... não ver onde aqui no Centro?
e desanima”. sabendo. Isso ata, vota uma Quando a aquilo tudo vai São dois ônibus
(E14, 27 anos) tinha que ser coisa, vota pessoa tá dar? Não ter pra ir e dois pra
divulgado na outra, online quer retorno nem voltar. Mais de 15
escola, para as informes, relaxar, e não aplicação reais! Quem
pessoas cadastros. militar”. sobre aquilo ganha 998 (reais)
participarem”. Tudo demora (E25, 28 anos). que foi não tem esse
(E4, 19 anos) demais”. (E2, decidido?” luxo”.
29 anos) (E13, 21 anos) (E7, 24 anos)

Fonte: elaborado pela autora (2021).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A questão da participação político-cidadã das
juventudes brasileiras nos leva a duas tentativas de apreensão
do mundo digital: a primeira delas consiste na abordagem
pelo viés das práticas e dos hábitos dos usuários na internet.
Por meio dela, procuramos compreender como os indivíduos
se comportam, quanto tempo gastam nos ambientes virtuais,
quais os perfis desses usuários, se estão mais propícios a
produzir conteúdo ou compartilhar, por exemplo. Já a segunda
tentativa relaciona-se à prática de atividades de participação
política no ambiente virtual, sendo essa segunda dependente
JUVENTUDES BRASILEIRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS 99
TECNOLOGIAS DIGITAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

não apenas do acesso às tecnologias, mas também de outras


questões como interesse; disponibilidade; acesso a recursos;
motivadores e desmotivadores da participação, entre outros.
No contexto desta pesquisa, é preciso considerar
o papel da mídia, analógica ou digital, como ferramenta
de visibilidade política, não apenas de figuras políticas,
mas também, e principalmente, de temáticas que geram
engajamento público e participação.
Após o surgimento e a popularização do acesso à web
2.0 a multidimensionalidade do fenômeno da participação
ficou ainda mais evidente. As conceituações de participação
mostram-se dinâmicas, uma vez que a concepção de
modalidades convencionais e não convencionais de
participação também têm sofrido mudanças, uma vez que
tal denominação estaria mais adequada para o contexto dos
anos de 1970 e não mais seria apropriada para diferenciar as
modalidades de participação hoje, pois a maioria dos atos ‘não
convencionais’ daquele contexto teriam se institucionalizado
nas realidades das democracias do século XXI.
Correntes teóricas humanistas analisam a participação
em rede como a potencial expansão digital da esfera pública.
Assim, as ferramentas e plataformas digitais da internet
podem ser potencialmente democratizadoras se conseguirem
promover uma comunicação “mais horizontal, interativa e
solidária e buscarem uma ordem mais justa e igualitária
mediante a maior autonomia social frente ao Estado e ao
mercado”. Acredita-se que “as novas tecnologias digitais
podem colaborar na criação ou sustentação de órgãos de
poder e participação cidadã que ampliam e reformulam as
formas de ação e interlocução dos sujeitos” (SIERRA, 2006,
p. 139).
As redes sociais, por exemplo, têm assumido a
função de trabalho de base na ampliação da mobilização e
organização de novos grupos. Os jovens buscam espaços
menos burocratizados e mais criativos. Evidência disso é o
100 Aline Cristina Camargo
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

fato de que entre os principais pontos ressaltados como


desmotivadores da participação ‘institucional’ foram citados:
burocracia, falta de tempo, falta de feedback.
A partir desta pesquisa foi possível identificar
a multiplicidade temática que orienta a ação política da
juventude: de movimentos feministas ao Movimento dos Sem
Terra, as Pastorais de Juventude, o movimento LGBTQ+; o
movimento ambientalista, coletivos pelo direito à cidade, o
movimento de juventude negra, além do o próprio movimento
estudantil e político partidário.
A ‘nova’ feição dos movimentos sociais em rede,
portanto, está identificada mais pelos processos em que se
estruturam, do que pelos temas pelos quais se interessam.
Tais movimentos representam não apenas uma alternativa à
estrutura vertical rígida com a qual se estabeleceram partidos
e sindicatos no século XX, então os canais mais pretensamente
representativos das reivindicações de uma comunidade
politicamente organizada. A proposta de organização de
movimentos, grupos e coletivos também contém a necessária
afirmação da superação das relações hierarquizadas e
autoritárias.
Observa-se que a maneira como se articulam os
jovens em torno dos coletivos, a pluralidade de interesses, os
meios de mobilização para manifestações de massa e a forma
de liderança horizontal são as mudanças mais significativas
no atual contexto político brasileiro, viabilizadas pela
disponibilidade de tecnologias de informação e comunicação,
sem que, no entanto, haja uma reflexão conclusiva dessas
mudanças.
A partir do uso de tecnologias da informação como
ferramentas de articulação, mobilização e participação
política das juventudes, sob a forma de coletivos e ações de
monitoramento, problematizando sua valorização como meio
de interação, buscando uma análise que nem superestime
nem tampouco subestime o papel das TICs nos movimentos
JUVENTUDES BRASILEIRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS 101
TECNOLOGIAS DIGITAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

de juventude, foi possível observar: i) falta de confiança dos


jovens brasileiros nos políticos e nas instituições políticas,
ii) agravamento da sensação de risco e incerteza associadas
aos processos de tomada de decisão, requerendo um controle
mais direto dos cidadãos em processos deliberativos sobre
decisões que afetem as suas vidas; iii) falta de interesse na
política tradicional representativa, motivada pelo sucessivo
desrespeito da vontade coletiva; iv) necessidade de pensar
e implementar alternativas democráticas feitas de mais e de
melhor participação cidadã na vida coletiva.
E, portanto, neste contexto de crise(s) (econômica,
social e democrática) que se tem gerado não só fortes ondas
de contestação, como se tem avançado também com a
reivindicação e a necessidade de pensar propostas alternativas
ao cenário de déficit democrático em que vivemos. Tal cenário,
acrescido de descontentamento motivado pela austeridade
trazida pela crise, conduziu as pessoas para as ruas e para as
redes, para o espaço público que se tonou fértil em ações de
ativismo (e netativismo) onde se veiculam propostas de ação
coletiva.
Ao longo das últimas duas décadas, a tecnopolítica
e a comunicação participativa fortaleceram formas de
integração comunitária e de mobilização social, Por outro lado,
o surgimento de novas culturas digitais levou a experiências
sociais capazes de (re) inventar outras identidades sociais,
valores morais e formas de fazer política. A partir da pesquisa,
observou-se que as tecnologias são construídas pelas
necessidades produtivas, práticas e culturais das sociedades
e pelas capacidades técnicas disponíveis em cada período
histórico.
As suas apropriações e os seus diversos usos também
são definidos pelos contextos sociais. Deve-se considerar
que as disposições práticas para uso e os sentidos individuais
associados às tecnologias são múltiplos. Em geral, as
práticas de participação se associam com categorizações
102 Aline Cristina Camargo
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

socioeconômicas (renda ou ocupação – ambas ligadas ao


conceito de classe social), por idade (gerações), lugar de
moradia, estrutura da família, escolarização, por exemplo.
Assim, as trajetórias individuais e os repertórios
informativos, políticos e culturais acumulados são elementos
aos quais se podem associar sentidos às práticas de acesso à
internet, bem como os hábitos de consumo de informação e as
atividades participativas pelos meios digitais.
Os resultados apontam para o desafio no combate da
tendência burocratizante e autoritária a ser enfrentada pelas
instituições públicas e pelos cidadãos, bem como zelar para
fortalecer as participações democráticas utilizando outros
recursos e ferramentas coletivas a partir das tecnologias
digitais, como, por exemplo, a internet.

REFERÊNCIAS

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In: ABRAMO, H. W.; BRANCO, P. P. M. (Orgs.). Retratos da
Juventude Brasileira: Análises de uma pesquisa nacional. 1.
ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 37-
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na democracia brasileira. Tese de doutorado apresentada
ao Departamento de Ciência Política da Universidade de São
Paulo, 2015.
AVRITZER, L. Instituições participativas e desenho
institucional: algumas considerações sobre a variação da
participação no Brasil democrático. Opinião pública, v. 14, n.
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condições a alocação de poder político não necessariamente
muda. Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, nº 3, p. 11- 30, mar.
2013.

JUVENTUDES BRASILEIRAS E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NO CONTEXTO DAS 103


TECNOLOGIAS DIGITAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Brasil. Lei nº 12.852, de 05 de agosto. Institui o Estatuto da


Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios
e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema
Nacional de Juventude-Sinajuve, 2013. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/
L12852.htm>. Acesso em: 25 jun. 2021.
LÉVY, P. O que é o virtual. São Paulo: Editora, v. 34, 1996.
MILBRATH, L. Political participation. Chicago: Rand McNally,
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POERNER, A. J. O poder jovem: história da participação
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SIERRA, F. Políticas de comunicación y de educación. Crítica
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SIERRA, F.; GARROSSINI, D. F. Nuevas tecnologías de la
información e inclusión digital. Análisis de redes y processos
de empoderamiento social en localidades periféricas y
subdesarrolladas. En VVAAAE-IC. Comunicación y Riesgo,
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WARREN, I. S. Manifestações de rua no Brasil 2013:
encontros e desencontros na política. CADERNO CRH,
Salvador, v. 27, n. 71, p. 417-429, Maio/Ago. 2014.

104 Aline Cristina Camargo


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA
E AS JUVENTUDES: AMPLIAÇÃO DAS
RELAÇÕES PEDAGÓGICAS EM UMA
PERSPECTIVA HUMANIZADORA
Caroline Simon Bellenzier
Simone Zanatta Guerra
Altair Alberto Fávero
DOI: 10.29327/541522.1-6

INTRODUÇÃO
O contexto atual, cada vez mais dinâmico e heterogêneo,
apresenta diversas questões ao campo educacional, abrindo
um amplo leque de discussões sobre as políticas educacionais,
as práticas educativas e os espaços escolares e universitários.
Nesse conjunto, ganham voz os debates acerca dos modos de
fazer a docência universitária a fim de reconstruí-la sobre
uma base teórico-metodológica crítica e formativa.
Com tal intento, diversos autores, entre eles Masetto
(2005), Fávero e Tonieto (2010, 2015), Fávero e Ody (2015),
Nörnberg e Forster (2016) e Cruz (2017), realizaram pesquisas
acerca da docência universitária visando a repensar a didática,
os processos de ensino–aprendizagem e a relação entre
ensino e pesquisa, conjugando esses aspectos com outras
temáticas relacionadas à docência no ensino superior. Nessa
ampla esfera, as pesquisas realizadas por Pais (1990), Dayrell
(2003), Gomes (2010) e Pais, Lacerda e Oliveira (2017) auxiliam
na construção de uma análise acerca dos modos de ensinar,

A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E AS JUVENTUDES: AMPLIAÇÃO DAS RELAÇÕES 105


PEDAGÓGICAS EM UMA PERSPECTIVA HUMANIZADORA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

educar e compreender as juventudes, que, uma vez inseridas


em um contexto diverso e mutável, também se constituem
dinâmicas e heterogêneas.
Assim, essas pesquisas nos instigaram a investigar
outras interfaces da relação entre a docência universitária
e as juventudes em sua multiplicidade, buscando enunciar
potencialidades e fragilidades dessa diversidade, bem como
refletir acerca da importância da humanização do ensino
para dar conta das alteridades que adentram os espaços
universitários. Para tanto, nossa abordagem da temática
também irá circundar as contribuições da educação para o
sensível por meio da educação estética como potencializadora
desses processos. Constitui-se como questão norteadora da
pesquisa a seguinte reflexão: como as práticas humanizadoras
do ensino potencializam, por meio da educação estética, a
docência universitária para as juventudes?
Com o objetivo de responder a tal questão e
fundamentar esta escrita, realizou-se uma pesquisa básica,
exploratória, qualitativa e teórico-bibliográfica. Ressaltamos
que, longe de esgotar a temática, esta escrita consiste em
um modesto esforço de oferecer algumas pistas acerca
da questão. Para tanto, este artigo se subdivide em três
seções. A primeira realiza uma contextualização da docência
universitária, considerando-a em uma perspectiva crítica
e formativa. A segunda parte apresenta a temática das
juventudes em sua multiplicidade. E, por fim, a terceira seção
analisa as práticas humanizadoras de ensino, por meio da égide
da educação estética, como potencializadoras do processo de
ensino–aprendizagem dessas juventudes heterogêneas.

DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICA


E FORMAÇÃO DOCENTE
A docência universitária é conhecida por possuir
como finalidade a formação de futuros profissionais. Porém,
não podemos simplificar o papel do professor relacionando-o
106 Caroline Simon Bellenzier - Simone Zanatta Guerra - Altair Alberto Fávero
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

apenas à formação de profissionais que atendam às demandas


do mercado de trabalho. Como destacam Fávero e Ody (2015),
a prática docente universitária tem extrema importância
na construção de profissionais que irão atuar na e para a
sociedade. Assim, o compromisso da educação, por meio dos
educadores, é possibilitar aos estudantes que o conhecimento
seja alicerçado para além das dimensões técnico-informativas,
desenvolvendo diferentes aprendizagens que proporcionem a
formação de cidadãos para o mundo.
Nesse sentido, é importante reconhecer que os
processos educativos se constituem historicamente, em
uma perspectiva mutável e a partir dos contextos em que se
inserem, haja vista que, assim como a sociedade se transforma,
os sujeitos se modificam e suas práticas acompanham esse
percurso. Por conta disso, falar em docência universitária hoje
demanda a mobilização de esforços para compreender suas
variáveis históricas e sociais.
Nos últimos anos, a docência universitária passou por
diversas transformações, inclusive por meio de reformas que
normatizam metas para a educação superior. O grande objetivo
dessas reformulações foi a ampliação das possibilidades de
oferta, acesso e permanência no ensino superior. Um exemplo
é o Plano Nacional de Educação (PNE), que estipula metas que
deverão ser alcançadas no período compreendido entre 2014
e 2024 (BRASIL, 2014). A Meta 12 diz respeito à educação
superior e trata da pretensão de elevar a porcentagem
das matrículas desse nível de ensino em 50%, garantindo
qualidade de oferta e expansão para jovens entre 18 e 24 anos.
Nesse contexto, a proporção de jovens ingressando no
ensino superior vem crescendo, e isso acontece principalmente
pela mobilização de políticas públicas que possibilitam aos
estudantes ingressar em instituições públicas e/ou privadas.
Entre essas políticas, destacamos o Programa Universidade
para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil
(Fies), que buscam possibilitar o acesso à educação superior,
A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E AS JUVENTUDES: AMPLIAÇÃO DAS RELAÇÕES 107
PEDAGÓGICAS EM UMA PERSPECTIVA HUMANIZADORA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

viabilizando tal direito a estudantes que em outro cenário


talvez não tivessem a oportunidade de se inserir nessas
instituições. Ressalta-se que tais políticas se mostram de
extrema importância para a redução das desigualdades
presentes na realidade brasileira.
Em contrapartida, existem indicativos que demonstram
que, apesar da ampliação das possibilidades de acesso ao
ensino superior, muitas vezes não há garantia da qualidade
das instituições — embora seja importante pontuar que o
termo “qualidade” é subjetivo, e devem ser considerados os
contextos que o perpassam.1 Nesse sentido, a Meta 13 do
PNE propõe a elevação da qualidade da educação superior,
estabelecendo estratégias de formação docente a nível stricto
sensu (BRASIL, 2014). Todavia, em que pese a importância
de possibilitar a formação continuada dos profissionais que
atuam na educação superior, tem-se deixado de lado um
princípio imprescindível para a prática docente: a formação
de educadores.
Explicamos: analisando as transformações ocorridas
nesse campo, Fávero e Ody (2015) destacam a proliferação de
instituições de educação superior com o objetivo de atender
à demanda de ingresso nessa etapa de ensino — fenômeno
conhecido como massificação do ensino superior. Diversos
estudos (FÁVERO; TONIETO, 2015; FÁVERO; TAUCHEN, 2013;
FÁVERO; LORENZET, 2016; FÁVERO; TAUCHEN; DEVECHI,
2016) destacam que a proliferação de instituições de ensino
superior, impulsionada pela expansão da privatização ocorrida
a partir dos anos 1990 e intensificada na primeira década
do século XXI, impactou o perfil da identidade docente na
educação superior. Como consequência dessa expansão,
houve a necessidade de ampliar o quadro de professores,
acarretando inevitavelmente a contratação de profissionais

1  Para o estudo da temática da qualidade em educação, indica-se a


leitura de Bertolin (2007, 2009).
108 Caroline Simon Bellenzier - Simone Zanatta Guerra - Altair Alberto Fávero
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

sem experiência docente ou formação para a docência. Ao


encontro disso, Nörnberg e Forster (2016) afirmam que saber
fazer nem sempre significa saber ensinar, considerando que
os docentes precisam proporcionar aos estudantes mais do
que a transmissão acrítica de normas e técnicas: é necessário
oferecer também a possibilidade de dialogar, aprender,
investigar e refletir.
Todavia, nesse contexto de massificação, muitas
vezes as práticas docentes da educação superior têm
se pautado em princípios instrumentalizadores, a partir
dos quais os conteúdos abordados em sala de aula são
compreendidos dissociando teoria, prática e reflexão (PAIS;
LACERDA; OLIVEIRA, 2017). Assim, deixa-se de desenvolver a
capacidade dos estudantes de refletir — tanto acerca de suas
experiências de aprendizado e percepção quanto acerca de
suas potencialidades e limitações (MASETTO, 2005).
Faz-se importante ressaltar que, ao criticarmos
o ensino instrumentalizado pelo viés tecnicista, não
desconsideramos a importância do conhecimento técnico
dos docentes, haja vista que a aprendizagem integral dos
estudantes demanda a apreensão, por parte destes, dos modos
de exercício de suas profissões. Todavia, como Fávero e Ody
(2015, p. 77) nos indicam, “sem uma docência problematizada,
foco em constantes reflexões e pesquisas científicas, não há
possibilidade de transformação”.
Nesse sentido, destacamos que uma formação com
insuficiência de práticas didáticas e reflexivas, incapaz de
formar os estudantes para atuar de forma responsável e
comprometida na sociedade, tem resultados obscuros para
a esfera social. Por conta disso, ser docente universitário é
ter a competência e o preparo para desenvolver capacidades
que vão além do saber curricular, compreendendo também
o conhecimento científico, o domínio técnico-didático, a

A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E AS JUVENTUDES: AMPLIAÇÃO DAS RELAÇÕES 109


PEDAGÓGICAS EM UMA PERSPECTIVA HUMANIZADORA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

autoanálise e a permanente busca de conhecimentos — isso


tudo “para que o aluno aprenda de forma contextualizada e
com significado” (CRUZ, 2017, p. 679).
Por fim, é importante ressaltar que essa aprendizagem
significativa demanda o deslocamento da direção da prática
educativa — que se transfere do ato de ensinar para o ato de
aprender, com foco nos estudantes e em seu protagonismo,
como bem analisa Masetto (2005, p. 82) em seu estudo acerca
da temática: “o paradigma que propomos é substituir a ênfase
no ensino pela ênfase na aprendizagem”, a fim de formar
profissionais que, além de competentes, são comprometidos
com a sociedade em que vivem. Nesse processo, o docente
atua como mediador pedagógico, cabendo ao estudante “o
papel central de sujeito que exerce as ações necessárias
para que aconteça sua aprendizagem” (MASETTO, 2005, p.
83). Para que isso ocorra, Masetto (2005) ainda afirma que é
necessário que o professor, antes de tudo, entenda-se como
educador.
A partir do exposto, pode-se compreender que
analisar crítica e formativamente a constituição dos
educadores universitários se trata de uma tarefa ampla e
complexa, que demanda repensar a prática docente atrelada
ao contexto histórico-social e, especialmente, aos atores
principais desse processo, os estudantes. Nesse sentido,
interessa-nos repensar algumas perguntas já formuladas
anteriormente por Gomes (2010, p. 65): “Quem são essas
juventudes? Que lhes ‘ensinamos’? Como as ‘educamos’?”.
Com essas questões em mente, passamos à segunda seção
deste artigo; nela, objetivamos compreender as pluralidades
em que se constituem as juventudes hoje e os desafios que
tais juventudes impõem às práticas educativas.

110 Caroline Simon Bellenzier - Simone Zanatta Guerra - Altair Alberto Fávero
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

JUVENTUDES: PLURALIDADES E O DESAFIO PARA A


EDUCAÇÃO
Os processos de docência universitária são históricos
e, desse modo, transformam-se ao longo dos anos. Com base
nos estudos de Pais (1990), Dayrell (2003), Feixa e Nilan (2009),
Gomes (2010) e Pais, Lacerda e Oliveira (2017), podemos
indicar que o mesmo acontece com as juventudes, que, nas
novas gerações, compõem-se de outros modos. Para iniciar
esta discussão, consideramos importante realizar uma breve
caracterização de quem legalmente constitui as juventudes
brasileiras.
A Lei Federal nº 12.852, de 2013, institui o Estatuto da
Juventude, dispondo sobre os direitos e as políticas públicas
direcionadas a esse público. Tal legislação, ainda bastante
recente, considera jovens as pessoas com idade entre 15 e 29
anos e aponta que as políticas públicas voltadas à juventude
devem atender, entre outros, aos seguintes princípios:
promoção da autonomia e emancipação dos jovens; valorização
e promoção da participação social e política; e respeito à
identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude
(BRASIL, 2013).
A partir do exposto, podemos perceber que a faixa
etária abarcada pela fase das juventudes pode ser vivenciada
a partir de um amplo leque de possibilidades, englobando
e determinando um período temporal de 14 anos da vida
dos sujeitos, em que estes se constroem, desconstroem e
reconstroem cotidianamente. Segundo Feixa e Nilan (2009,
p. 13), “essa faixa etária indica o quanto a categoria de
idade ‘juventude’ tem se ampliado, incluindo aqueles que
são legalmente reconhecidos em algumas sociedades como
crianças, e outros que são legalmente reconhecidos em
outras sociedades como adultos”. Mas, assim como esses
pesquisadores, estamos interessados de modo especial na
“construção social da identidade, nos jovens como atores

A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E AS JUVENTUDES: AMPLIAÇÃO DAS RELAÇÕES 111


PEDAGÓGICAS EM UMA PERSPECTIVA HUMANIZADORA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

sociais criativos, no consumo cultural e nos movimentos


sociais” (2009, p. 13), bem como nos modos com que tais fatores
(re)criam os processos de educação formal, demandando que
se dirija outros olhares ao ensino superior.
Para tanto, faz-se importante analisar as juventudes
considerando também estudos de pesquisadores que se
debruçam sobre a temática. Assim, a caracterização dessa
fase está além da questão quantitativa, haja vista que se trata
de um período complexo de constituição da identidade e de
experimentação, permeado por critérios históricos e culturais
(DAYRELL, 2003).
Assim, para compreender essa faixa etária em sua
integralidade, cabe ressaltar algumas considerações feitas
por Dayrell (2003), que afirma que é preciso ter um olhar
flexível para as juventudes, inclusive no que tange à sua
constituição. Para o autor, não se pode determinar de forma
rígida um início e um fim para essa fase, mas é necessário
avaliar “um processo de crescimento mais totalizante, que
ganha contornos específicos no conjunto das experiências
vivenciadas pelos indivíduos no seu contexto social” (DAYRELL,
2003, p. 42).
Dayrell (2003, p. 41), reforçando ainda a ideia
defendida por Peralva (1997 apud DAYRELL, 2003), enuncia
que “a juventude é, ao mesmo tempo, uma condição social e
um tipo de representação”. Do mesmo modo, na medida em
que os jovens se inserem em novos espaços e grupos sociais,
a exemplo do trabalho, das relações afetivas e, em muitos
casos, do ensino superior, eles vão encontrando o seu espaço
representativo.
Esses processos não ocorrem de forma igualitária:
os diferentes sujeitos realizam distintos percursos na
constituição de si e de seu modo de estar no mundo. É por
conta disso que nesta escrita nos apropriamos do termo
“juventudes” como utilizado por Dayrell (2003, p. 42),
ocupando-nos especificamente nesta seção de desvelar a
112 Caroline Simon Bellenzier - Simone Zanatta Guerra - Altair Alberto Fávero
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

pluralidade que compõe as juventudes, bem como de analisar


a forma como essa diversidade afeta os processos educativos
na atualidade, com foco no ensino universitário.
Diante da diversidade apontada, podemos afirmar que
“as juventudes não permitem traçar uma só fotografia. Elas
são várias, muitas, conforme as condições socioeconômicas
e culturais, e os países, regiões e ambientes onde vivem”
(GOMES, 2010, p. 65). Além disso, ainda conforme Gomes
(2010), as juventudes se constituem de modo cada vez menos
estável, complexificando a educação e desafiando os docentes
na construção de novas práticas educativas.
Isso ocorre porque essas juventudes adentram os
espaços escolares e universitários com suas pluralidades,
apontando para novas necessidades na medida em que
questionam as verdades totalizantes e se aborrecem com
rotinas em que assumem papel passivo, pois na sociedade
atual os jovens são demandados a assumir posições de
protagonismo (GOMES, 2010). Como resultado disso, “ficam
inquietos ao ouvir longas aulas. Eles querem agir, como os
adultos os levaram a fazer em diversos campos, e ser coautores
do processo” (GOMES, 2010, p. 82, grifos do autor). Além disso,
também se deve mencionar que muitos desses jovens são
adeptos às variadas tecnologias — integrando o que Gomes
(2010, p. 87) denominou “geração net” —, e estas acabam
adentrando os ambientes educativos, pois “a sociedade em
rede está aí, na era da informação”.
Nesse sentido, dado que as juventudes adentram as
instituições educacionais com configurações outras e diversas,
essas instituições também devem se recriar constantemente
a fim de potencializar os processos de ensino–aprendizagem
e acompanhar as transformações sociais de forma crítica e
emancipatória. Daí a importância da práxis educativa como
reflexão cotidiana sobre a prática da docência.

A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E AS JUVENTUDES: AMPLIAÇÃO DAS RELAÇÕES 113


PEDAGÓGICAS EM UMA PERSPECTIVA HUMANIZADORA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Mas há ainda outra dimensão que influencia


objetivamente a diversidade das juventudes dentro das
instituições educativas: a massificação do ensino superior.
Esse fenômeno intensificou-se nos últimos anos, como
discutido brevemente acima, e foi propiciado tanto por
políticas públicas voltadas ao acesso e à permanência dos
alunos no ensino superior quanto pela propagação de diversas
instituições privadas com fins lucrativos — essa é outra
discussão necessária, mas que não poderá ser aprofundada
aqui. Interessa-nos especialmente o fato de esse processo
apontar para uma “tendência à heterogeneidade sociocultural”
(GOMES, 2010, p. 85) dentro da universidade.
Essa heterogeneidade adentra o espaço universitário
com sua valiosa diversidade, mas concomitantemente
denuncia a desigualdade que assola o país e, na mesma
medida — se não com mais intensidade —, os jovens brasileiros.
Trata-se da discussão relacionada ao capital cultural, conceito
proposto pelo sociólogo Pierre Bourdieu (1966 apud BERTOLIN;
MARCON, 2015) que relaciona o desempenho escolar com a
origem social dos estudantes.
Pode-se dizer que Bourdieu compreendeu o
capital cultural como um conjunto de valores
e comportamentos adquiridos em espaços
familiares e nas relações sociais próximas
que constituem bases socioculturais [...], que
produzem diferenciações socioculturais e
interferem profundamente no desempenho dos
alunos nas instituições educativas (BERTOLIN;
MARCON, 2015, p. 110).

É nesse sentido que, de acordo com Bertolin e Marcon


(2015, p. 110), “essas experiências diferenciadas construídas
em espaços informais vão constituindo um capital cultural
que vai interferir profundamente no sucesso ou na exclusão
escolar”. Por conta disso, consideramos que o debate acerca
dessa dimensão é de extrema importância para que não se
caia no discurso meritocrático e para que se compreenda que
as desigualdades sociais vivenciadas pelos jovens acadêmicos
114 Caroline Simon Bellenzier - Simone Zanatta Guerra - Altair Alberto Fávero
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

também impõem outros desafios à educação, originados


do próprio modo como a sociedade se produz e reproduz.
Ao encontro disso, Dal Molin (2006, p. 388-389), baseado
nos estudos de José Machado Pais, afirma que “o mundo
jovem, jovem mundo, ou mundo dos jovens no século XXI
passa justamente por ampla circulação de capital simbólico
atravessada principalmente pelo capital financeiro, entidade
abstrata, mas que se atualiza em modos de consumir”.
Diante da diversidade aqui exposta, em seus múltiplos
aspectos, os processos educativos das juventudes — no
plural — devem possibilitar a abertura para o diálogo e para
a diferença, de modo a garantir, mais do que a formação
técnica, a preparação para o mundo e o comprometimento
com a sociedade. Para tanto, faz-se importante repensar o
papel da educação e da docência universitária na sociedade
atual, fortalecendo a humanização do ensino e vislumbrando
a educação estética como campo de possibilidades para
potencializar esse processo.

EDUCAÇÃO E JUVENTUDES: HUMANIZANDO O ENSINO


SUPERIOR NAS TRILHAS DA FORMAÇÃO ESTÉTICA
O debate sobre a constituição sócio-histórica tanto da
docência quanto das juventudes, bem como da pluralidade em
que esta última se constitui, leva-nos à reflexão sobre quais
práticas docentes é importante potencializar no contexto
atual a fim de construir coletivamente processos de ensino–
aprendizagem aproximados das realidades sociais dos
estudantes e, especificamente no ensino superior, de educar
profissionais comprometidos com a transformação social.
Nesse sentido, nesta escrita partimos da concepção
de que, para compreender as juventudes, seus pensamentos
e posicionamentos, torna-se fundamental atentar aos
seus contextos sociofamiliares e de desenvolvimento, de
modo que concordamos com Pais (1990, p. 142) quando
afirma que “a ‘cultura juvenil’ requer um espaço social
A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E AS JUVENTUDES: AMPLIAÇÃO DAS RELAÇÕES 115
PEDAGÓGICAS EM UMA PERSPECTIVA HUMANIZADORA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

próprio”. Da mesma forma, é indispensável ao docente ter


um olhar humanitário, crítico e reflexivo, afastando-se do
viés economicista e mercantilista de formação, em que a
igualdade, a ética, a reflexão, o raciocínio crítico, as discussões
de gênero e raça, entre outros aspectos fundantes da
sociedade, são desconsiderados sob a influência de práticas
predominantemente tecnicistas e expositivas.
Para fomentar uma perspectiva de docência
universitária que contemple o debate de tais questões,
parece-nos necessário repensar um aspecto que a antecede:
a própria formação docente. Ao tratar de tal temática, Copatti
e Moreira (2015, p. 121) defendem que há a “necessidade de
uma formação integral, a qual deve ser fundamentada pela
construção do sensível, no intuito de humanizar a atuação
docente”. Tal necessidade advém do fato de que “a docência
universitária exige uma série de requisitos que vão além dos
conteúdos específicos próprios da disciplina. Supõe uma
ampla formação que considere diferentes habilidades e
características” (COPATTI; MOREIRA, 2015, p. 123).
De acordo com Copatti e Moreira (2015, p. 123), essa
formação integral demanda a formação estética do professor
universitário, haja vista que “por meio da educação do sensível
a formação tende a tornar-se mais significativa e atentar-se
para diferentes necessidades dos educandos”. Salienta-se que
a estética se traduz em um conceito relacionado à experiência
sensível e integral do ser humano, no qual o conhecimento
é construído por meio dos sentidos e de processos de
sensibilização (COPATTI; MOREIRA, 2015).
Isso posto, a discussão proposta pelas autoras nos
auxilia a pensar os processos de formação dos docentes
do ensino superior, que precisam estar atentos às novas
configurações sociais e às novas demandas impostas às
universidades para uma formação integral e humanizada —
de si e dos estudantes —, que considere a multiplicidade dos
sujeitos que adentram essas instituições.
116 Caroline Simon Bellenzier - Simone Zanatta Guerra - Altair Alberto Fávero
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Destarte, a partir da massificação do ensino superior,


com a consequente ampliação da heterogeneidade das
juventudes que o acessam, a formação integral, dialógica e
voltada à valorização da diversidade e à transformação social
se mostra cada vez mais importante, de modo a dar vez e voz
aos estudantes, garantindo-lhes o protagonismo ao trilhar
seus percursos formativos, com a mediação pedagógica de
docentes que humanizam e potencializam esses percursos.
Por esse ângulo, os estudantes devem ser considerados
individual e coletivamente. Individualmente, pois cada
indivíduo tem sua bagagem de experiências, e essas o tornam
único e diferente dos outros — seus diversos conhecimentos
de mundo e capital cultural certamente contribuem para a
formação desses jovens como alunos. Já a pluralidade traz
consigo justamente o desenvolvimento do coletivo, pois é
por meio dele que se constituem as contribuições e reflexões
acerca das problematizações e conteúdos discutidos.
Assim, percebemos aqui um elemento importante para
estreitar as relações entre professor e estudantes: o diálogo.
Freire (1981) compreende o diálogo como a constituição de
uma relação horizontal entre os indivíduos. Esta sustenta-se
no amor, na humildade, na esperança e na confiança, haja vista
que é por meio desses sentimentos que os sujeitos unem-se
em um relacionamento crítico e comunicativo. Ao possibilitar
essa relação horizontal e dialógica com as juventudes,
oportunizamos a compreensão e a convivência com as
diversidades e percebemos justamente a singularidade como
um elemento empobrecedor e a pluralidade como uma base
potente e preciosa (GOMES, 2010).
Ao encontro dessa abordagem, Benincá (2010) afirma
que o diálogo é a pronúncia da intimidade, considerando
que ele tem o poder de revelar o interior dos sujeitos e os
confrontos de consciências. Já para Nörnberg e Forster (2016,
p. 188-189), “é por meio do diálogo que homens e mulheres
constroem processos mais humanos, pois é na troca com o
A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E AS JUVENTUDES: AMPLIAÇÃO DAS RELAÇÕES 117
PEDAGÓGICAS EM UMA PERSPECTIVA HUMANIZADORA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

outro que reconhecemos a nossa humanidade”. Entretanto,


faz-se necessário considerar que essa relação horizontal,
dialógica e humana só irá acontecer se os indivíduos envolvidos
— educadores e educandos — estiverem abertos e dispostos
a dialogar. É por isso que se torna tão importante para os
docentes universitários uma formação pedagógica com
princípios humanizadores, os quais possibilitam movimentos
dialéticos e autônomos aos indivíduos envolvidos no processo
formativo.
Segundo Fávero e Tonieto (2010), o docente tem
a responsabilidade de promover práticas efetivas para a
aprendizagem das juventudes, porém devemos possibilitar que
os estudantes se percebam como sujeitos em formação, isto
é, agentes e responsáveis por esse processo. Nesse sentido,
reiteramos a importância da educação universitária e do papel
dos professores na utilização de práticas que possibilitem
o conhecimento técnico-profissional, mas sobretudo
enfatizamos a relevância de que tais educadores busquem
viabilizar a formação humana e a ampliação de horizontes
do conhecimento (PAIS; LACERDA; OLIVEIRA, 2017). Afinal,
o docente tem o compromisso de despertar o interesse dos
jovens e, por meio de suas práticas, deve fomentar questões
problematizadoras que possam contribuir para a formação
profissional, crítica e social (FÁVERO; TONIETO, 2010).
Como defende Nussbaum (2015), cabe ao educador
criar situações que valorizem a pluralidade de histórias,
culturas e grupos de nossa sociedade. A autora afirma também
que é necessário estimular a curiosidade sobre os indivíduos da
sociedade; ao adentrar nas universidades, os jovens precisam
“desenvolver suas capacidades como cidadãos do mundo de
forma mais sofisticada” (NUSSBAUM, 2015, p. 91). A filósofa
também pontua a necessidade de as juventudes aprenderem
os princípios técnicos para a atuação profissional, porém os
estudantes precisam desenvolver uma cidadania responsável

118 Caroline Simon Bellenzier - Simone Zanatta Guerra - Altair Alberto Fávero
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

para avaliar e raciocinar sobre provas históricas, princípios


econômicos e relatos de justiça social, além de compreender
as complexidades religiosas e sociais do mundo.
Em estudo recente, Fávero et al. (2021, p. 29-30)
apresentam “o enfoque das capacidades de Nussbaum como
uma potente perspectiva para fundamentar as políticas
públicas de educação orientadas para o desenvolvimento
humano”. Na avaliação dos autores, ao apresentar o enfoque
das capacidades, Nussbaum acaba aproximando a “avaliação
da qualidade de vida” da “teorização sobre a justiça social
básica”, o que possibilita encarar tal enfoque como “um guia
normativo e valorativo sólido para as questões e disputas
tanto no campo jurídico (normativo) quanto no das políticas
públicas”.
Assim como Nussbaum (2015), Freire (2011) acredita
em uma educação humanizadora, considerando os sujeitos
do processo formativo e fortalecendo a aprendizagem para
constituir uma sociedade mais digna e justa para todos.
Freire (2011) afirma que, quando o educador se põe a refletir
sobre o dever que possui como docente — considerando os
fundamentos básicos da dimensão humana como respeito,
dignidade, autonomia e identidade das juventudes —, as suas
práticas educativas devem ser permeadas pelos mesmos
princípios necessários à formação humana.
Posto isso, defendemos a importância da humanização
do ensino superior com vistas à valorização da diversidade
das juventudes que nele se inserem. Ademais, identificamos
na educação estética uma relevante estratégia para a sua
potencialização. Afinal:
O processo de formação estética [...] deve
contemplar as habilidades e as experiências dos
educandos, ressignificando a formação docente
para que esta contribua na transformação da
base formativa de novos educadores e considere
a necessidade de aproximação entre pensar,
sentir e agir, aliando a reconstrução de valores,
sentimento e atitudes ao conjunto de saberes
A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E AS JUVENTUDES: AMPLIAÇÃO DAS RELAÇÕES 119
PEDAGÓGICAS EM UMA PERSPECTIVA HUMANIZADORA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

passíveis de aproximação para que ocorra um


novo e estético processo de ensino–aprendizagem
(COPATTI; MOREIRA, 2015, p. 131).

Daí advém a riqueza do paradigma da educação


estética, que ao propor a educação do sensível por meio da
valorização dos conhecimentos e experiências prévias dos
educandos, do diálogo entre docentes e estudantes e da
reflexão contextualizada sobre a realidade social, atua como
potencializador de processos de humanização do ensino. Vale
lembrar que, de acordo com Copatti e Moreira (2015, p. 132), “a
educação do sensível não pretende sobrepor-se à educação
intelectiva e sim complementá-la, atuar em conjunto”, de modo
a associar formação teórica, técnica, pedagógica e estética.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação superior enfrenta cotidianamente
diversos desafios. No contexto atual, um desses desafios
é a necessidade de compreender quem são os jovens que
encontramos na sala de aula, de onde eles vêm, quais são os
contextos familiares e comunitários em que estão inseridos
e em que etapa da vida se encontram, pois os jovens têm se
desenvolvido física, psicológica e criticamente de modos
diversos, e é inegável que esses fatores influenciam o contexto
universitário e a relação professor–estudante.
Essa pluralidade de juventudes que adentra os espaços
educacionais demanda, assim, ser olhada, considerada e
valorizada em sua riqueza cultural, formativa e humana, a fim
de possibilitar trocas significativas entre os diferentes sujeitos
sociais, pois, conforme Dayrell (2003, p. 42), a(s) juventude(s)
pode(m) ser entendida(s) como uma das etapas do relevante
processo de construção de tais sujeitos: “a juventude constitui
um momento determinado, mas não se reduz a uma passagem;
ela assume uma importância em si mesma. Todo esse processo
é influenciado pelo meio social concreto no qual se desenvolve
e pela qualidade das trocas que este proporciona”.

120 Caroline Simon Bellenzier - Simone Zanatta Guerra - Altair Alberto Fávero
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Ademais, quando se fala na constituição de uma


educação dialógica e crítico-reflexiva, o docente deve
compreender que, na etapa formativa que se encontra, possui
mais maturação para criar uma relação próxima e capaz de
desenvolver aspectos humanitários nos discentes, por meio de
diálogo e orientação, estimulando o raciocínio e a capacidade
de debater democraticamente. Essa postura visa a uma
convivência que conduza à transformação social, imbricada
no compromisso coletivo com o mundo e com as relações que
nele se constroem.
Todavia, mesmo que se reconheça tal demanda, muitos
jovens ainda carecem da construção dessa relação horizontal
nos espaços educativos. Isso ocorre porque a prática educativa
muitas vezes trilha caminhos engessados e previamente
limitados, o que faz com que os alunos não sejam incentivados
a refletir. Evidentemente, a reflexão permeia o trajeto que leva
à construção de uma sociedade mais humana e socialmente
responsável. Nesse sentido, consideramos relevante que
os educadores propiciem momentos de debate nos quais os
alunos tenham autonomia para dialogar e discutir, respeitosa
e eticamente, entre si. Destaca-se que o respeito mútuo
entre jovens e docentes trata-se de um dos eixos centrais
para uma relação humanamente desenvolvida, que atenda às
necessidades dos sujeitos e vise a situações de diálogo entre
pessoas de diferentes etnias, religiões, sexos, ideologias etc.
Além disso, a construção de raciocínio crítico entre os pares é
essencial para o aprendizado significativo.
As questões apresentadas nesta escrita visam,
de forma modesta, a contribuir para a reflexão acerca da
importância da educação humanizada, potencializada pela
educação estética — a educação do sensível —, para que os
indivíduos, alunos e professores, sintam-se pertencentes,
autônomos e protagonistas das ações educativas. Por fim,
salienta-se que os docentes têm papel extremamente
importante na construção da identidade dos jovens, assim
A DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA E AS JUVENTUDES: AMPLIAÇÃO DAS RELAÇÕES 121
PEDAGÓGICAS EM UMA PERSPECTIVA HUMANIZADORA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

como no desenvolvimento do seu senso crítico e reflexivo.


Nesse contexto, a educação deve ser entendida como um
processo constitutivo do crescimento humanitário, social e
pessoal. Ao professor, cabe ressignificar sua prática para que
os alunos possam se tornar protagonistas de suas ações.

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PEDAGÓGICAS EM UMA PERSPECTIVA HUMANIZADORA
126
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE:


UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL
NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
Marise Berta de Souza
Nádia Pires Alves
Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
DOI: 10.29327/541522.1-7

INTRODUÇÃO
Manoel de Barros certa vez escreveu que “[...] o olho
vê, a memória revê e a imaginação transvê o mundo. É preciso
transver o mundo [...]” (1996, p.75). Nesse poema, ele cita
algumas lições que aprendeu com o pintor boliviano Rômulo
Queiroga, entre elas, que “é preciso desformar o mundo”.
Trazendo esses versos para o contexto da educação, podemos
considerar a arte uma via de mobilização do imaginário dos
jovens e de reinvenção. Por sua vez, o “transver”, citado pelo
poeta, aponta para uma ação que convoca os sentidos, como
uma redescoberta ou talvez uma forma de ver as coisas mais
banais como se fosse a primeira vez. Fazer uma outra leitura
sobre a realidade que está posta.
Um dos grandes desafios educacionais da sociedade
contemporânea reside, justamente, na concepção da
escola como um lugar de possibilidades, experimentações
e elaborações de diferentes percepções do real. As
transformações tecnológicas provocaram mudanças radicais
nos modos de vida e nas relações interpessoais, criando
novos meios de comunicação e expressão através das redes
virtuais. Inserida nessa dinâmica social, a arte, além de
EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL 127
NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

proporcionar experiências estéticas e estimular os sentidos


dos estudantes, é também uma importante via para a formação
de subjetividades. Isto é, à medida que somos convocados
a experimentar sensivelmente o mundo, também podemos
conhecer melhor a nós mesmos.
Diante das demandas impostas por um sistema de
ensino com inúmeras dificuldades, como criar metodologias
que considerem a bagagem cultural dos alunos? Como
desenvolver estratégias que mobilizem e contribuam para
construção de suas subjetividades? Qual a importância da
educação dos sentidos na formação da juventude, segundo os
valores da sociedade atual? Neste artigo, faremos algumas
reflexões sobre o potencial das aulas de arte na educação
básica, com ênfase nas artes visuais, na promoção de uma
educação estética e formadora de novas subjetividades.
Utilizaremos referências bibliográficas que suscitam
ponderações sobre a juventude contemporânea, a educação
e o ensino de arte. Partindo desse corpus pensamento,
apresentaremos atividades desenvolvidas com jovens nas
aulas de Arte da Escola Municipal Miguel Arraes (EMMA), rede
de ensino público de Lauro de Freitas no estado da Bahia, Brasil.
Esta experiência nos possibilitará reafirmar os argumentos e
operar alguns atravessamentos entre as reflexões e conceitos
propostos ao longo do texto.

JUVENTUDE E EDUCAÇÃO SENSÍVEL


Num contexto de transformações, a Modernidade
se apresenta marcada pela Revolução Industrial e pela
institucionalização da escolarização serial pautada na
disciplina e obediência. Nesse aspecto, o serviço militar era
responsável pela vigilância das crianças e adolescentes, que
deveriam manter o rigor para além das escolas. A figura do
jovem operário, surge no mesmo período, no início do século XX,
a partir do recrutamento de mão-de-obra barata destinando

128 Marise Berta de Souza - Nádia Pires Alves - Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ao trabalho o futuro dos meninos mais pobres, enquanto as


moças deviam se dedicar as atividades domésticas (MELO,
2015).
A imagem do jovem operário desencadeou na constante
associação dos ideais revolucionários à juventude, ganhando
força e chegando ao ápice nas décadas de 50 e 60 com as
revoltas estudantis. Nesse sentido, Melo comenta que isso gera
uma “desconfiança das gerações anteriores e, um sentimento
de descrédito na geração que era entendida e preparada para
direcionar os negócios do futuro” (2015, p. 62). Já na década de
90, os jovens são tratados como consumidores em potencial,
mas também como “caso de polícia”, estereotipando aqueles
que pertencem a extratos sociais menos favorecidos e onde,
qualquer forma de reação é interpretada como violência.
Atualmente, verifica-se que as condições de vida
dos jovens na sociedade geram um ambiente de incertezas e
desesperanças acerca de suas potencialidades, impedindo-
os de agir efetivamente sobre o campo político-institucional
(MELO, 2015). São necessárias abordagens que valorizem os
vínculos, as experiências e vivências articuladas coletivamente
entre os jovens e para que se possa vislumbrar transformações
sociais. Melo aponta que “deve-se pensar em novas formas
de “tocar” essa juventude para além dos seus desejos de
consumo e realização imediata” e um caminho possível seria
através de “produções culturais alternativas e irradiação de
outras subjetividades” (2015, p. 87).
No constante processo de formação, os jovens
estão a todo tempo, assimilando informações e elaborando
significados a partir de suas experiências. A autora afirma: “A
subjetividade produzida, articulada na cultura que os sujeitos
partilham, oferece elementos fundamentais para a formação
das identidade.” (MELO, 2015, p. 70).

EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL 129


NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Com a demanda de ações culturais e artísticas que


conscientizem a juventude de seu papel social e mobilizem
mudanças, torna-se importante trazer alguns conceitos
referentes à experiência sensível através da educação formal.
Segundo Duarte Jr, a imaginação e a experiência
estética são importantes elementos para criação do saber.
Este “saber”, por sua vez, remete a ação de “saborear os
elementos do mundo” (DUARTE JR., 2000, p. 133). Conhecer
através dos sentidos e ampliá-los, num exercício de formação
integral do ser humano.
Desse modo, o papel da educação na expressão
subjetiva direciona-se para o fortalecimento de valores
construídos, vivenciados em práticas e hábitos sociais-
culturais que conformam o sujeito histórico, tornando-o capaz
de intervir na sociedade com consciência social, cultural e
artística.
Através da educação é viável formar sujeitos que
captem o real e operem a mediação crítica a partir de diferentes
perspectivas de tempo e espaço. Ativar a dimensão estética
nas crianças e adolescentes por meio do desenvolvimento das
capacidades de análise crítica pressupõe reflexão, que por
sua vez remete à alteridade e à constituição da consciência
cidadã.
No que se refere a educação sensível, Duarte Jr afirma:
Uma educação que reconheça o fundamento
sensível de nossa existência e a ele dedique a devida
atenção, propiciando o seu desenvolvimento,
estará, por certo, tornando mais abrangente
e sutil a atuação dos mecanismos lógicos e
racionais de operação da consciência humana.
Contra uma especialização míope, que obriga a
percepção parcial de setores da realidade, com a
decorrente perda de qualidade na vida e na visão
desses profissionais do muito pouco, defender
uma educação abrangente, comprometida com
a estesia humana, emerge como importante
arma para se enfrentar a crise que acomete o
nosso mundo moderno e o conhecimento por ele
produzido. (DUARTE JR., 2000, p. 177)

130 Marise Berta de Souza - Nádia Pires Alves - Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Logo, infere-se que os atores sociais da educação,


instituições e professores, precisam direcionar seus
investimentos para o agenciamento de uma visão abrangente,
comprometida com a percepção ampla de sensações,
que favoreça a integração de experiências, contemplando
subjetividade, criatividade, imaginação e inovação.
Meira (2011) afirma que não é possível pensar em
uma educação que objetive construir sujeitos e formar para
cidadania, sem contemplar uma educação estético-visual,
levando em conta o dia a dia dos estudantes. Segundo a
autora: “As intervenções sociais e culturais demandam
conhecimento estético que permite resolver problemáticas
relativas à sensibilidade, à criatividade, mas dentro de formas
de consciência [...] que possam produzir as transformações
que a humanidade como um todo requer” (MEIRA, 2011, p. 116).
Pistas sobre outras conexões entre contextos e
realidade cotidiana do universo da sala de aula são fornecidas
por José Machado Pais (2017). O autor, em entrevista com o
tema Juventudes contemporâneas, cotidiano e inquietações de
pesquisadores em Educação faz uma série de questionamentos
sobre as dissociações entre o mundo da escola e a vivência dos
estudantes através de seus estudos na área das Juventudes.
Problematizando a questão, indaga:
Como interpretar tamanha dissonância de
interesses? O que vai na cabeça de um aluno
quando um professor está debitando matéria? Em
que se concentra quando está distraído? O que
favorece ou impede a partilha de ideias numa sala
de aula? Como são tecidas as relações cotidianas
entre professores e alunos? Como se refletem
essas relações nos processos de aprendizagem?
(PAIS, 2017, p. 303)

A partir das indagações de Pais deduz-se que a escola


- enquanto espaço de reflexão e veículo de formação crítica -
tem que estar preparada para acolher as diferenças culturais
e dialogar com a heterogeneidade dos seus jovens educandos,
permitindo o alargamento dos horizontes de conhecimento,
EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL 131
NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

favorecendo a dinâmica da integração das experiências e


aproximando-se do contexto em que esses estudantes estão
inseridos.

CULTURAS JUVENIS E SUBJETIVIDADES


Através do acercamento com o universo dos sentidos
é plausível conhecer de forma estendida o mundo e a nós
mesmos, formando a subjetividade, isto é, moldando as
individualidades através de ideias, significados, desejos e
desenvolvendo a consciência sobre o papel desempenhado
na sociedade. Logo, as referências pessoais, tendo como
influências os aspectos culturais de sua comunidade, seja
escolar, de amigos ou parentes, influenciam na formação do
jovem.
As culturas juvenis se configuram como práticas,
relações, conhecimento de si e do mundo que visam formas
de pertencimento e construção da identidade. Segundo
Pais devemos explorar as particularidades da vida social
dos estudantes e suas potencialidades interpretativas,
pois “as experiências cotidianas constituem uma fonte
de aprendizagem do mundo da vida [...] Por exemplo, as
sociabilidades juvenis, as imagens corporais, a linguagem
nativa dos jovens, as suas gírias, o seu calão” (PAIS, 2017, p.
311).
O autor aponta para o uso de tecnologias de
informação e comunicação como janelas de oportunidade
para participação e emancipação, pois essas tecnologias
contribuem para uma maior democratização do acesso ao
conhecimento. Além disso, num ambiente virtual, os jovens se
interconectam e criam relações de cumplicidade.
A escola exerce papéis fundamentais no acesso ao
conhecimento, devendo atuar em vários campos possíveis
para formação de pessoas conscientes e com potencial
transformador de si e da sociedade. É preciso orientar o
jovem para desafios que poderão enfrentar, dialogando com
132 Marise Berta de Souza - Nádia Pires Alves - Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

diferentes necessidades, visando a pluralidade de fontes


de informação e recursos de conhecimento, a partir de
experiências vividas. De acordo com Pais:
Um bom professor tem que estar atento, no
cotidiano, às experiências, aos processos de
produção de subjetividades dos seus alunos. Há
que estabelecer articulações entre os conteúdos
curriculares e as vivências cotidianas dos alunos.
O aproveitamento escolar passa pela valorização
do significado que a escola tem para eles. O
sucesso escolar depende também da satisfação
de suas necessidades emocionais, afetivas e
relacionais (PAIS, 2013, p. 373).

Torna-se importante considerar os elementos


produzidos e trazidos pelos alunos, bem como mobilizá-los a
expor suas referências e seus interesses. Propor metodologias
que acolham esses jovens e que estabeleçam condições
para um posicionamento crítico. Para Paulo Freire, o objetivo
do educador é oferecer suportes necessários para que o
indivíduo aprenda a “ler o mundo”, pois para ele “os homens
se educam entre si mediados pelo mundo” (FREIRE, 2019, p.
79). É importante ter em mente que o que é apresentado para
o estudante não é inferior ou superior à bagagem cultural que
eles levam para sala de aula.
A escola precisa, portanto, oferecer subsídios aos
educandos para que não fiquem sujeitos à fragilidade material
ou moral diante de riscos produzidos pelo contexto econômico-
social. Oportunizar a todos os participantes uma consciência
para transformar o mundo, lutando pela restauração de sua
humanidade. Freire propõe que a escola necessita estar
pautada em um modelo de “pedagogia fundada na ética,
no respeito à dignidade, à própria autonomia do educando”
(FREIRE, 2019, p. 16). Nesse sentido, a educação vai além da
transmissão de conteúdos ao se apresentar como veículo
de um pensamento transformador, atribuindo uma postura
crítico-reflexiva e estimulando o protagonismo desses jovens.

EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL 133


NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

A SENSIBILIDADE NAS AULAS DE ARTE


O ensino de arte na educação formal é (ou deveria
ser) um espaço generoso em possibilidades de criação e
acionamento das faculdades sensíveis dos estudantes. Esse
exercício pode contribuir amplamente para formação de uma
juventude ativa e socialmente transformadora, através do
desenvolvimento de um pensamento autônomo e emancipado.
Cabe ao educador mediar e proporcionar ativações
para o processo criativo e imaginativo que promovam o
engajamento e o protagonismo dos alunos, participando
coletivamente da experiência por meio de uma aproximação
cuidadosa e sensível. Martins (2014) comenta que a mediação
cultural exercida na escola deve ser um elemento propulsor
entre a arte e o aluno, com o objetivo de agitar os sentidos
do corpo e despertar a potência do encontro com a arte e a
cultura.
De acordo com Ana Mae Barbosa em seu texto Tópicos
utópicos (1998) não se trata apenas de estabelecer um lugar
para as artes no currículo escolar, mas sim, de apresentar
metodologias e bases teóricas que acrescentem à formação
do sujeito. Segundo a autora, é através da arte que temos
representações simbólicas do intelectual, material, espiritual
e emocional, que não podem ser transmitidos por outras áreas
de conhecimento.
Barbosa pondera que a arte tem uma função
específica na fase da adolescência, período em que a natureza
interrogante do indivíduo predomina. Na educação do
adolescente, a autora pontua que a arte possui além de razões
poéticas e cognitivas, “[...] razões catárticas e emocionais
que incluem a saúde mental e o desenvolvimento do processo
criador” (BARBOSA, 2005, p. 31). Ainda sobre os jovens,
Machado apud Barbosa afirma:
É preciso que o adolescente tenha a possibilidade
de se apoderar do ser único que ele é, das suas
aptidões, sonhos, angústias e indagações; [...] É

134 Marise Berta de Souza - Nádia Pires Alves - Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

preciso ter espaço e condições que me permitam,


se eu tenho quinze anos, confrontar-me com que
m eu sou enquanto individualidade, no momento
em que eu a descubro como minha. (BARBOSA,
2005, p. 29)

Ao refletir sobre a relação entre arte e experiência nos


estudos de Dewey, Barbosa (1998), comenta sobre a qualidade
estética que é capaz de unificar a reflexão e a emoção, a partir
da experimentação, seja na arte, ciência, filosofia, etc. A
autora afirma que “é no campo das artes que o processo da
experiência significativa se torna mais evidente para o ser
cognoscente. Nas artes, se revela pela observação, percepção
e verificação direta quando a experiência possui uma unidade”
(BARBOSA, 1998, p. 24).
Prestando a atenção em materiais produzidos em
sala de aula, entendemos que os jovens experimentam a
arte através da fruição e do fazer artístico por meio de uma
linguagem própria, apresentando fragmentos da vivência
em comunidades. Temos então, um vasto conjunto de
objetos para realização de estudos, que apontam a riqueza
de conhecimentos trazidos e ampliados na sala de aula,
considerando que o contexto em que se vive oferece também
uma leitura de mundo.
Ana Claudia de Oliveira (2011) em seu artigo
Convocações multissensoriais da arte propõe reflexões
sobre os aspectos que envolvem as várias dimensões de
sentido da arte contemporânea. A autora pondera sobre o
afastamento das regras de âmbito acadêmico e a ampliação
de possibilidades discursivas por parte dos artistas. Na
arte pictórica, por exemplo, percebe-se a fragmentação da
imagem que a princípio explora elementos como cor, plano,
volume, movimento, entre outros e, posteriormente, rompe
com as fronteiras da bidimensionalidade se apropriando
de novos códigos e materialidades. Essas transformações,

EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL 135


NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

engendram novas percepções sobre o processo criativo e sobre


a aproximação entre arte e vida, transitando em diferentes
áreas do conhecimento.
Oliveira (2011) ressalta a importância do artista em
invitar os sentidos dos sujeitos, pretendendo recordá-los.
Então, o artista, “ainda um demiurgo” cria possibilidades de
reencontro entre as pessoas e o prazer estético, expondo o
sujeito a novas formas de sentir. Afirma que “a tarefa, é, sem
dúvida, gigantesca, pois como conseguir tirar o sujeito do sono
profundo que se situa?” (OLIVEIRA, 2011, p. 78).
A arte descondiciona e tira da lógica já estabelecida,
está intimamente relacionada às sensações. Além de expor
características histórico-culturais, também reflete a essência
da sociedade. Ela convoca, conecta, transforma e alimenta o
espírito. Esse movimento contribui para formação dos sujeitos
e para elaboração de saberes ligados à sensibilidade.

REFLEXÕES SOBRE AULAS DE ARTES VISUAIS DA ESCOLA


MUNICIPAL MIGUEL ARRAES
Para introduzir as Reflexões sobre aulas de artes visuais
da Escola Municipal Miguel Arraes toma-se como referente o
princípio de “visibilidade” exposto por Ítalo Calvino em Seis
propostas para o próximo milênio, ensaio no qual evidencia
o valor humano e ético de se “pensar por imagens” em um
processo de internalização da experiência sensível:
Se incluí a visibilidade em minha lista de valores a
preservar foi para advertir que estamos correndo
o perigo de perder uma faculdade humana
fundamental: a capacidade de pôr em foco visões
de olhos fechados, de fazer brotar cores e formas
de um alinhamento de caracteres alfabéticos
negros sobre uma página branca, de pensar por
imagens. (CALVINO, 1999, p. 107-08)

136 Marise Berta de Souza - Nádia Pires Alves - Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Calvino ao incluir em suas propostas o princípio da


“visibilidade” parece indicar um caminho a ser percorrido na
observação sobre o mundo e na sua representação figurativa
atravessada pela cultura em seus vários planos - imaginar,
perceber e criar – em articulação com a percepção estética.
A partir dessa inspiração inicia-se o relato da
experiência que traz atividades realizadas junto aos alunos
nas aulas de artes visuais da Escola Municipal Miguel Arraes
(EMMA), na rede de ensino público de Lauro de Freitas, no
estado da Bahia, Brasil. A unidade de ensino está localizada
no Bairro de Itinga no referido município, onde atende alunos
da Educação Básica nos anos finais do Ensino Fundamental
e Educação de Jovens e Adultos. A escola está inserida numa
comunidade marcada pela violência e tráfico de drogas.
Fatores que afetam diretamente o processo educativo, pois
esses conflitos sociais, acrescidos da falta de orientação e
amparo da família, desestimulam os estudantes e contribuem
para evasão escolar. Esse ambiente social demonstra a
importância de uma educação pautada no desenvolvimento
humano, transformadora e emancipatória, segundo as
proposições de Paulo Freire.
A aproximação das artes com os temas sociais,
individuais e coletivos nos direciona a pensar sobre a
influência da cultura local na vida dos jovens estudantes e
como suas vivências podem mobilizar e sensibilizar esses
sujeitos. As atividades desenvolvidas durante as aulas de
arte, apresentam-se como um espaço de escuta e expressão
através do autoconhecimento, imaginação e criatividade.
Tendo em mente essas provocações, serão relatadas
as experiências nas aulas de artes visuais da Escola Municipal
Miguel Arraes, na busca por reflexões que envolvem a formação
da subjetividade do estudante. A atividade se desenvolveu
ao longo de uma unidade didática que corresponde a dois
bimestres, período em que os alunos foram convidados
tanto para apreciação de obras de artistas contemporâneos,
EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL 137
NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

como para produção de pinturas individuais e confecção de


um mural coletivo. As etapas do planejamento surgiram das
experiências durante as aulas com a turma do 9º ano e foram
delineadas na seguinte sequência: Fruição e contextualização;
A criação das criaturas; O mural; e Apresentação.

FRUIÇÃO E REFLEXÃO
A interpretação e apreciação de imagens é um tópico
fundamental no ensino de Arte. Ana Mae Barbosa reflete
sobre a Abordagem Triangular desenvolvida por ela no final
da década de 1980, apresentando três eixos essenciais para
o ensino e aprendizagem em arte, são eles: contextualização
histórica, a leitura de imagem e o fazer artístico. A autora
enfatiza que a abordagem não precisa ser engessada, dispensa
um ordenamento e é passível de adequações. (BARBOSA,
1998)
A experiência dos jovens a partir de uma trilha de
aprendizagem em artes visuais teve o intuito de desenvolver
o gosto pela fruição e analisar diversas produções
contemporâneas. Para iniciar a atividade, utilizamos como
referências obras de arte contemporâneas e manifestações
culturais de construção coletiva apresentadas em várias
regiões do país e, principalmente, os elementos artísticos da
comunidade em que a escola está inserida, como a capoeira,
as apresentações de dança, os jogos que utilizam brinquedos
produzidos em casa, como arraias ou pipas. Esse foi um
momento exploratório, em que os alunos ampliaram os seus
conhecimentos acerca de diversos atravessamentos sobre
as obras analisadas, permitindo investigar, compreender e
perceber as sensações ou ideias provocadas.
Essas observações fomentaram nos alunos a
discussão sobre a arte como deleite e como esta poderia gerar
transformações nos indivíduos e na sociedade, trazendo à tona
a reflexões acerca da atual conjuntura, a partir das situações
concretas vivenciadas por esses jovens: desigualdades
138 Marise Berta de Souza - Nádia Pires Alves - Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

sociais, criminalidade juvenil, desestrutura familiar, trabalho


precoce, entre outras questões. De acordo com Paulo Freire,
a noção dos problemas propõe condições para o indivíduo
ressignificar seu mundo, transformando suas histórias. O
autor afirma: “Os indivíduos imersos na realidade, com a pura
sensibilidade de suas necessidades, emergem dela e, assim,
ganham a razão das necessidades” (FREIRE, 2019, p. 71). Os
argumentos e ponderações levantadas a partir da realidade
e das necessidades dessa juventude, possibilitaram reflexões
exercitadas por meio de atividades práticas de desenhos e
pinturas realizadas na trilha.

A CRIAÇÃO DAS CRIATURAS


Essa etapa teve o objetivo de experimentar e exercitar
as reflexões levantadas, com a proposição de uma exposição
coletiva de murais, que seriam afixados nos espaços internos
da unidade escolar. As pinturas trariam a visão do mundo
pessoal e social dos estudantes.
A fim de respeitar e valorizar o individual, a criação teve
início com um trabalho autoral, que levou em consideração os
motivos pessoais, inquietações, causas que defendiam, razões
pelas quais viviam e coisas que almejavam. Adotando uma
perspectiva freiriana, pensou-se na valorização da bagagem
cultural que os alunos levam para escola. As referências
que eles carregam das pessoas e do local em que moram,
do que trazem na lembrança das intervenções artísticas da
comunidade local e das manifestações culturais que já viram,
ouviram ou participaram também foram reconhecidas.
Foi proposta a criação de um autorretrato no papel
(Figura 1), por meio da técnica de pintura. Entretanto, não
deveria ser um autorretrato com características físicas a ponto
de revelar traços do autor(a) do trabalho, e sim, apresentar as
suas virtudes e os seus sentimentos mais profundos. Assim,

EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL 139


NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

surgiram as criaturas - felizes ou tristes; com duas faces;


florescendo; apaixonantes ou apaixonadas- significativas
para cada jovem, porém, em diferentes proporções.
Figura 1: A criação das criaturas.

Fonte: arquivo pessoal.

O MURAL
Tendo em mente a importância da sensibilização
do ambiente escolar, essa fase do projeto se desenvolveu
buscando o trabalho coletivo e colaborativo nas artes visuais
para a transformação do espaço físico da unidade de ensino
(Figura 2). Os grupos levaram à produção coletiva dos
murais as suas experiências, os seus aprendizados e as suas

140 Marise Berta de Souza - Nádia Pires Alves - Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

inquietações brotadas durante o processo criativo. Essa fase


da prática culminou na confecção do mural coletivo proposto.
Através da arte, a ideia e a atitude clamaram pela paz, amor e
união (Figura 3).
Figura 2: Trabalho coletivo para realização do mural.

Fonte: arquivo pessoal.

EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL 141


NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Figura 3: Confecção do mural.

Fonte: arquivo pessoal.

APRESENTAÇÃO
O mural foi inaugurado e apresentado à comunidade
escolar. Promovemos uma roda de conversa sobre a criação
e sobre a execução do projeto, com o objetivo de refletir
sobre o processo, apresentar comentários e ideias para novas
atividades. Desse modo, buscou-se também experimentar
uma postura crítica prezando a sensibilidade e o respeito pelo
trabalho individual e coletivo.
Produzido nas paredes dos espaços coletivos da escola,
o mural convocou a valorização das poéticas pessoais dos
estudantes em um movimento de construção compartilhada.
Pôde-se constatar com esse projeto, que os momentos de
discussão e contextualização por meio da fruição de obras de
arte e debates de alguns temas sociais, políticos e da vida em
comunidade fizeram com que o alunado, ao final do trabalho,

142 Marise Berta de Souza - Nádia Pires Alves - Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

apresentasse uma maior percepção sobre si mesmo e sobre


os espaços que ocupam. Acredita-se que o processo criativo,
alimentado por ponderações e conversas com esses jovens,
foi tão importante quanto o resultado obtido.
Apesar de algumas dificuldades, como a falta de
materiais necessários, local inapropriado para pintura e
problemas de violência na comunidade que interferiram
no processo, os resultados apresentados nas avaliações
processuais, mostram que a proposta foi de suma importância
para o estímulo sensível dos estudantes. Levando em
consideração alguns relatos, os momentos experenciados
durante o projeto fizeram com que eles recorressem às suas
memórias afetivas, às suas trajetórias de vida e à busca por
formas de expressar sentimentos através da pintura, em um
arranjo sutil que por meio da experiência vivida se apropriavam
esteticamente da realidade circundante. Além disso, pode-
se considerar que o projeto foi tratado com leveza visando
alimentar a criatividade dos alunos, o respeito ao trabalho
do outro, a valorização das trajetórias e o cultivo de novas
percepções estéticas. De acordo com a avaliação processual e
com o relato dos educandos, a conclusão do processo resultou
em expansão de experiências e aprendizados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola, como espaço plural e democrático, deve ter
o objetivo de formar os jovens constituindo um terreno fértil,
mobilizando-os para experiências sensíveis que façam deles
sujeitos atuantes e transformadores na sociedade. O professor
deve estabelecer um espaço de escuta, contextualizando
os saberes e práticas artísticas à bagagem cultural trazida
pelo aluno, voltando o olhar para as percepções individuais e
coletivas sobre a cultura local, às questões sociais e outros
temas que estão além dos muros da escola. Para fertilizar e

EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL 143


NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

oxigenar o terreno do ensino da arte é imprescindível acolher


as vivências dos educandos, incorporá-las trazendo-as para
ocupar a centralidade do processo formativo.
A expansão da experiência na educação em artes
tem se mostrado cada dia mais promissora se inspirada
nos aspectos significativos de interação com as práticas
cotidianas vivenciadas pelos alunos. Segundo Ostrower
(1987), a criação é movida pela intenção do “Ser consciente-
sensível-cultural” na maneira particular de ver e sentir o mundo
e vinculado aos elementos culturais que compartilhamos nas
experiências coletivas. O arte-educador como mediador dos
processos criativos, precisa tratar a criatividade como um
fazer interligado à condição humana, constituída pela sua
própria motivação. Esse estímulo deve ser visto como objeto
conectado, a ser analisado de forma maleável. A natureza
criativa do indivíduo se origina no contexto cultural, cujas
necessidades e valorações se adaptam às importâncias
da vida, portanto, será uma proposta constante ao sujeito
na necessidade de cumprir seu potencial e de realizá-lo no
sentido criador.
Através do relato das atividades realizadas na Escola
Municipal Miguel Arraes, pôde-se observar aspectos que
envolvem a adesão e o engajamento dos jovens estudantes
numa prática artística sensível e mobilizadora. As reflexões
feitas nesse artigo compõem um tecido complexo, onde ainda
há muito a ser estudado e levado para o “chão da escola”,
podendo contribuir para formação de novas subjetividades
conscientes de sua própria história. Considerando importante
reiterar para a juventude que é preciso transver, criar novas
realidades, imaginar futuros possíveis, estimular os sentidos
e saborear os elementos do mundo.

144 Marise Berta de Souza - Nádia Pires Alves - Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/


Arte, 1998.
________, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos
oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva, 2005.
BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro:
Record, 1996.
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DUARTE JR, João Francisco. O sentido dos sentidos: a
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EDUCAÇÃO, CULTURA E JUVENTUDE: UMA EXPERIÊNCIA SENSÍVEL 145


NA PRÁTICA DE ARTES VISUAIS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

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146 Marise Berta de Souza - Nádia Pires Alves - Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA:


POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA
INSERÇÃO DA JUVENTUDE NO TRABALHO
A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA
EMANCIPATÓRIA1
Maria Luisa Carvalho
DOI: 10.29327/541522.1-8

INTRODUÇÃO
A juventude tem sido abordada por perspectivas
diversas, incluindo a de categoria etária que homogeneiza e
naturaliza modos de subjetivação; criminaliza e discrimina o
que foge a esse padrão, numa estratégia de enfraquecer a
potencialidade dos/as jovens serem sujeitos de transformação
social. No presente trabalho, a juventude é abordada como
uma construção social, uma categoria política caracterizada
pela transversalidade (gênero, raça, classe social, etc), sendo
diversa e histórica, e tendo potencial para gerar novos modos
de viver coletivamente e de subjetivação que se contrapõem
ao capitalismo (GROPPO; SILVEIRA, 2020; ZAMBONI, 2007).

1  O artigo é uma versão modificada do artigo “Juventude e Economia


Solidária: potencialidades e desafios”, apresentando e publicado nos anais
do CIRIEC World Conference in Latin America (abril de 2021) e do artigo
“Juventude e economia solidária: reflexões a partir da produção acadêmica
brasileira”, apresentado e publicado nos anais do 8º Simpósio Internacional
Trabalho, Relações de trabalho, educação e identidade (SITRE) (novembro
de 2020).

JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA: POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA INSERÇÃO DA 147


JUVENTUDE NO TRABALHO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

O foco aqui é a juventude trabalhadora, também


entendida como não sendo uma categoria homogênea, mas
que inclui jovens que se encontram em situações de exclusão
da educação e do trabalho e os/as que têm acesso à educação
de qualidade e trabalho decente; os/as que se conformam e
os/as que contestam a sociedade capitalista.
No Brasil, a pandemia do Covid-19 agravou a já
preocupante situação dos/as jovens no que tange ao acesso
à educação e ao trabalho. Silva e Vaz (2020) apontam para os
aumentos das taxas de inatividade e de jovens desalentados/
as; para a interrupção da educação e da formação profissional
e para o aumento do número dos/as chamados/as “nem-nem”
(sem acesso tanto à educação quanto ao trabalho). Diante
desse cenário, além dos autores citados acima, Corseuil e
Franca (2020) alertam para a urgência de criação de medidas
que possam reverter esse quadro sob o risco das graves
consequências presentes e futuras para os/as jovens.
As ocupações estudantis do ano de 2015, a articulação
brasileira de Economia de Francisco e Clara e as vivências da
autora como docente no ensino superior e como extensionista
em uma incubadora de Economia Solidária apontam que
há uma juventude que anseia e tem construído práticas
de transformação social no âmbito da educação, política,
economia, dentre outras. Assim, ao considerar tanto as
situações adversas que atingem a juventude brasileira, como
suas ações de resistências, indaga-se se a Economia Solidária
pode constituir um campo de experiências que favoreça a
inserção da juventude no trabalho a partir de uma perspectiva
emancipatória. Por emancipação compreende-se “...o
processo ideológico e histórico de libertação de comunidades
políticas ou de grupos sociais, da tutela e da dominação nas
esferas econômica, social e cultural.” (CATTANI, 2003, p. 130).
O presente trabalho visa contribuir para reflexões
teóricas a respeito da relação juventude e Economia Solidária,
uma vez que se identificou que é uma temática relevante,
148 Maria Luisa Carvalho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

mas pouco abordada. Igualmente, almeja-se que à luz


dessas reflexões e conhecimentos produzidos, possa-se
fomentar a construção de práticas que aproximem Juventude
e Economia Solidária, uma vez que os/as jovens são minoria
nos empreendimentos e suas demandas têm tido pouco
destaque nos espaços políticos da Economia Solidária.
Retoma-se ainda que a pandemia do Covid-19 agravou a
situação de vulnerabilidade social dos/as jovens brasileiros/
as e evidenciou a urgência do fortalecimento das experiências
emancipatórias e promotoras de novos modos de viver e de
subjetivar que tenham a vida - humana e dos demais seres -
como centro.
Nesse texto, apresenta-se os resultados de uma
pesquisa qualitativa e exploratória que teve por dados as
produções científicas brasileiras a respeito da relação entre
juventude e Economia Solidária, publicadas no período de
2005 a 2019. Inicialmente, expõe-se um breve resgate teórico a
respeito da temática. Em seguida, descreve-se a metodologia
da pesquisa, apresenta-se e discute-se os resultados. Por fim,
são feitas algumas reflexões e considerações finais. Trata-se
de um estudo inicial que faz parte de um projeto de pesquisa
mais amplo que, posteriormente, incluirá pesquisas de campo
sobre experiências da juventude em Economia Solidária,
visando subsidiar projetos de extensão que fomentem e
assessorem iniciativas predominantemente juvenis em uma
incubadora de Economia Solidária vinculada à uma instituição
federal de ensino superior, além de contribuir para avanços
teóricos sobre o fenômeno.

JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA


A juventude tem sido representada sob uma
perspectiva biológica e naturalizada que uniformiza e disfarça
as desigualdade de classe, raça e gênero, fazendo-se crer
que há “uma juventude” e não “juventudes”. As ações juvenis
de crítica, contestação e revolta são taxadas de vandalismo
JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA: POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA INSERÇÃO DA 149
JUVENTUDE NO TRABALHO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

e criminalizadas. Essa perspectiva é produzida e legitimada


pelas ciências, incluindo a Psicologia, que descreve a juventude
como um período de crise e adoecimento cuja “cura” implica
em “tornar-se adulto”, em ajustar-se aos ditames sociais,
sem questionamentos, inserindo-se oficialmente como
trabalhador/a nos moldes capitalistas (ZAMBONI, 2007).
No final do século passado, os estudos culturais
passaram a defini-la como uma categoria social, uma
produção do capitalismo que atende às demandas de
consumo e da indústria cultural, bem como às necessidades
de autodefinição dos/as próprios/as jovens. O que se percebe
é que desde sua “invenção”, a juventude, tida como um período
transitório entre a infância e a vida adulta, teve sua duração
estendida, não havendo claras demarcações do seu término
(GROPPO; SILVEIRA, 2020; ZAMBONI, 2007).
Groppo e Silveira (2020) trazem uma interessante
abordagem - a dialética da juventude - que rompe com os
viéses de categoria etária e de mera preparação para a vida
adulta e analisa a juventude como uma categoria política que
promove rupturas no status quo. Assim, vêem na rebeldia,
na contestação e na transgressão juvenis movimentos
de construção de modos de viver, de identidades, de
sociabilidades, de significações e de valores não previstos
pelas instituições socializadoras e que destoam das mesmas.
Assim, rompe-se com o significado social da juventude como
período de crise e patologias e passa-se a abordá-la como um
período que pode ser fecundo em novas possibilidades, em
florescer de utopias, em esperançar.
No que se refere à relação juventude e trabalho, a
crise financeira de 2008, intensificou o avanço das políticas
neoliberais e o processo de precarização do trabalho. No Brasil,
mesmo durante o período de diminuição do desemprego (2003
a 2015), a oferta de trabalho formal entre os/as jovens (18 a 24
anos) permaneceu sendo menor em relação às demais faixas
etárias economicamente ativas (EHLERT, 2014). Um estudo
150 Maria Luisa Carvalho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

realizado por Neri (2019) indicou que desde o quarto trimestre


de 2014 até 2019, jovens de 20 aos 24 anos têm sofrido uma
redução de renda 5 a 7 vezes maior do que a média geral da
população. Dentre os/as mais pobres, essa queda da renda
chega a 24,24%. Nota-se também um aumento dos chamados
“nem-nem” (não estudam, nem trabalham), chegando a
24,53% da população jovem no segundo trimestre de 2019,
sendo que a maioria tem baixa escolaridade, são chefes de
família, mulheres e pardas. Conforme apontado na introdução,
a maneira como o estado, em seus diversos níveis, tem lidado
com a pandemia do Covid-19, seja na questão de saúde,
educação, economia e ações de proteção social, tem agravado
tal situação.
Mesmo quando inseridos/as no mercado de trabalho
formal, os/as jovens geralmente ocupam posições de menor
remuneração e direitos trabalhistas. Sob a justificativa de que
estão em um período de aprendizagem, de preparação para
a vida adulta, cria-se vínculos empregatícios de aprendizes
e estagiários que, frequentemente, tornam-se meios de
obtenção de mão de obra barata. Os/as jovens também têm
sido atingidos/as pelas chamadas “pejotização” e “uberização”
do trabalho.
Conforme afirmam Groppo e Silveira (2020, p.12), “...
as experiências dos sujeitos podem ser capazes de fissurar
padrões que parecem estáticos e inflexíveis.” É o caso da
Economia Solidária que envolve práticas de produção,
comercialização, consumo e finanças pautadas em princípios
da solidariedade, cooperação, respeito à natureza, comércio
justo e solidário e autogestão e que objetiva ser o embrião de
uma outra organização societária.
Presente nos diversos continentes, no Brasil, a
Economia Solidária surge nas décadas de 80 e 90 do século
passado, a partir da articulação de setores populares
que buscaram enfrentar o desemprego e o aumento das
desigualdades sociais decorrentes do neoliberalismo.
JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA: POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA INSERÇÃO DA 151
JUVENTUDE NO TRABALHO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Concretiza-se em práticas diversas de empreendimentos


econômicos solidários: coletivos de produção e
comercialização, clubes de trocas, fundos solidários, bancos
comunitários, empresas recuperadas, dentre outros. Seus/
suas protagonistas são trabalhadores/as do meio rural e
urbano, majoritariamente em situações de vulnerabilidade
social, e/ou que se identificam com os princípios e objetivos da
Economia Solidária. Inclui-se também membros de entidades
de apoio (incubadoras de economia solidária, organizações não
governamentais, etc) e representantes do governo. Destaca-
se que as ações e os objetivos da Economia Solidária não se
limitam ao campo estritamente econômico, mas envolvem a
luta pelos direitos humanos e da natureza, tendo por horizonte
utópico a superação do capitalismo e construção de uma
sociedade pautada no Bem-Viver.
A partir de pesquisas como a de Groppo e Silveira (2020)
sobre as ocupações estudantis de 2016, identifica-se que os
movimentos atuais de contestação e resistência da juventude
possuem um caráter autogestionário, de práxis pedagógica
e transformação social, aproximando-se das vivências e
princípios da Economia Solidária. Assim, considera-se que o
trabalho associado pode ser para a juventude não apenas uma
via para a inclusão produtiva, mas um espaço de experiências
que possibilite criar outros modos de vida, de organização
social, de subjetivação, de relação com a natureza. A vivência
da autogestão pode fortalecer seu papel de sujeito político
e favorecer o rompimento com o lugar atribuído ao/à jovem
de sujeitar-se a uma inclusão precarizada, de ser objeto do
consumismo e de adequar-se ao modelo de adulto “produtivo’’
segundo os ditames do capitalismo.
Entretanto, é importante trazer o contraponto dos
limites e contradições da Economia Solidária. Dados da
pesquisa realizada por Silva (2017), com base no Sistema
de Informações da Economia Solidária (SIES), apontaram
que 60% dos empreendimentos econômicos solidários (EES)
152 Maria Luisa Carvalho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

estão formalizados como associações e apenas 8,8% como


cooperativas, havendo 30,5% que são grupos informais.
Dentre as motivações para ingresso no EES, 48,8% declararam
ser complementação de renda e 46,2% alternativa ao
desemprego, sendo que esses objetivos estão mais presentes
em grupos informais. Motivações de caráter político também
tiveram índices relevantes: maiores ganhos do trabalho
associativo (43,1%), atividade na qual todos são donos (40,7%)
e desenvolvimento comunitário (28,6%), sendo mais presentes
entre membros de cooperativas. Pesquisa realizada pelo
DIEESE (2017), também baseada em dados do SIES, indica
ainda que a maioria dos trabalhadores/as são agricultores/as
familiares (66%) e artesãos/ãs (7,3%), sendo que apenas 1,9%
são técnicos/as e profissionais de nível superior. Tais dados
indicam as dificuldades que a Economia Solidária enfrenta
para gerar trabalho e renda dignos; incorporar avanços
tecnológicos, correndo risco de tornar-se uma atenuadora das
mazelas do capitalismo e das lutas dos/as trabalhadores/as,
ao invés de ter um caráter emancipatório.
Finda essa breve revisão teórica, passa-se a apresentar
a pesquisa realizada com o intuito de responder a questão:
em que medida a Economia Solidária constitui um campo de
experiências que favorece a inserção da juventude no trabalho
a partir de uma perspectiva emancipatória?

METODOLOGIA
O presente estudo consistiu em uma pesquisa
bibliográfica realizada a partir de um levantamento das
produções científicas brasileiras, publicadas no período de
2005 a 2019 referente à temática “Juventude e Economia
Solidária”. Realizou-se uma busca com a expressão
“juventude e economia solidária”, no idioma português, de
produções em instituições de ensino e pesquisa, periódicos
e eventos científicos brasileiros nas seguintes plataformas
digitais: catálogo de teses Capes, biblioteca digital de teses
JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA: POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA INSERÇÃO DA 153
JUVENTUDE NO TRABALHO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

e dissertações da USP, biblioteca digital brasileira de teses e


dissertações, Scielo, periódicos Capes, Redalyc (Sistema de
Información Científica Red de Revistas Científicas de América
Latina y el Caribe, España y Portugal) e Lilacs (Literatura
latino-americana e do Caribe em ciências da Saúde). Definiu-
se inicialmente o período de 2000 até 2019, mas o primeiro
trabalho encontrado foi publicado em 2005.
Considerou-se apenas trabalhos completos para
análise e fez-se a leitura dos resumos a fim de identificar se
vinculavam de fato à temática, uma vez que o resultado inicial
da busca listou uma gama ampla de produções acadêmicas.
Foram identificadas 25 publicações, sendo duas eliminadas
por serem o mesmo estudo, publicado em meios diferentes.
Em seguida, procedeu-se a leitura dos 23 trabalhos
científicos, categorizando os dados em: tipo de publicação,
área de conhecimento, palavras-chave, metodologia, contexto
(rural ou urbano) e principais resultados, sendo esse último
subdividido em potencialidades, limites e contradições da
Economia Solidária como um campo de experiências que
favorece a inserção da juventude no trabalho a partir de uma
perspectiva emancipatória.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


Quanto ao tipo de publicação, dentre os 23 trabalhos
analisados, sete eram artigos de periódicos científicos, cinco
artigos completos em anais de eventos científicos, cinco
dissertações, três capítulos de livro, duas teses e um trabalho
de conclusão de curso.
As pesquisas eram predominantemente da área de
Ciências Humanas (catorze estudos), em especial em Educação
(oito estudos) e Psicologia (quatro estudos), seguida de
Ciências Sociais Aplicadas (três estudos). Todas as produções
científicas eram de cunho qualitativo, tendo como instrumento
de coleta de dados mais utilizado a entrevista (treze estudos).

154 Maria Luisa Carvalho


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Sete produções eram relatos de experiências. Onze pesquisas


investigaram situações envolvendo a juventude na área urbana
e treze na área rural.
Em relação aos resultados dos estudos, optou-se
por destacar não a frequência com que apareceram, mas
priorizou-se as descobertas mais significativas para responder
o problema de pesquisa. Por restrições no número de páginas
desse capítulo, ao apresentar esses resultados não serão
referenciados todos os trabalhos analisados, mas apenas os
aqui citados.
Os estudos indicaram que a centralidade do trabalho
se fez presente entre os/as jovens/as pesquisados/as, sendo
que seu sentido referiu-se à questão da sobrevivência, em
especial, para quem se encontrava em maior vulnerabilidade
social, mas incluiu também sociabilidade, realização e
reconhecimento social. Os/as jovens em situação de pobreza
ingressaram no mercado de trabalho precocemente, o que
acarretou em abandono escolar, que, por sua vez, conduziu
a trabalhos mais precários, seja no mercado capitalista seja
em empreendimentos econômicos solidários. Esses/as jovens
consideravam a Economia Solidária como uma alternativa
provisória de geração de renda e de fuga do estigma do
desemprego, mais do que uma opção de outro modo de
organização do trabalho ou de promoção de mudança social.
Isso ocorreu em especial devido à geração de renda dos
empreendimentos ser insuficiente e instável.
Assim, dentre esses/as jovens, era comum o desejo
de retorno ao emprego assalariado. Já nos casos em que os/
as jovens possuíam uma melhor estrutura econômica prévia,
e/ou estavam em empreendimentos que proporcionaram
uma renda satisfatória e mais estável, inserir-se na Economia
Solidária foi uma escolha motivada pela identificação com
seus princípios (BITENCOURT et al., 2014; CAVALCANTE,
2006).

JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA: POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA INSERÇÃO DA 155


JUVENTUDE NO TRABALHO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Os resultados acima indicaram que a situação de


vulnerabilidade pode levar os/as jovens a ingressarem
nos empreendimentos econômicos solidários, mas sua
permanência depende de condições de renda e trabalho
dignos, formação política e vivência dos princípios da
Economia Solidária de modo a promover uma identificação
com os mesmos e uma re-significação do trabalho.
No caso da juventude rural, a maioria dos estudos foi
realizada em assentamentos da reforma agrária ligados ao
Movimento dos Sem Terra ou em associações da agricultura
familiar. Esses/as jovens enfrentavam a ausência ou
dificuldade de acesso a Políticas Públicas e eram impelidos/as
ao êxodo rural devido à baixa geração de renda. Também havia
os/as que desejavam sair do campo devido ao trabalho árduo
e desvalorizado socialmente. Por outro lado, os/as que tinham
vivências positivas em trabalho associado consideravam
que Economia Solidária contribuiu para a permanência no
campo, por permitir um maior acesso a recursos materiais,
financeiros, assessoria técnica, e o fortalecimento da
identidade camponesa e dos vínculos sociais (NOVAIS et
al., 2016; SGUAREZI, 2018). Assim, na área rural, a inserção
emancipatória da juventude no trabalho envolve: geração de
trabalho e renda dignos, acesso a Políticas públicas (saúde,
educação, cultura, etc), trabalho associado, autogestão e
construção de uma identidade social positiva.
Os estudos analisados destacaram que a educação
formal reproduz a lógica capitalista e não discute com os/
as jovens questões referentes ao trabalho, muito menos o
autogestionário. Alguns estudos relataram experiências
vinculadas à educação que fomentaram os/as jovens a
pensarem a criação de empreendimentos econômicos
solidários: lan house, loja de acessórios para informática
e celular, produção e comercialização agroecológica, uso
de moeda social (ALMEIDA; ALVES; GUSSI, 2009; RIBEIRO
et al., 2019). Percebeu-se nessas experiências que os
156 Maria Luisa Carvalho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

empreendimentos urbanos vinculavam-se principalmente à


área tecnológica, mais consoante com o interesse da juventude,
o que também amplia a atuação da Economia Solidária, ainda
muito restrita à agricultura, ao artesanato e à reciclagem.
Alguns estudos destacaram a dimensão pedagógica
que a Economia Solidária exerceu na vida dos/as jovens. A
vivência da autogestão no cotidiano dos empreendimentos
e as atividades de formação (oficinas, rodas de conversa,
etc), proporcionaram uma educação ampla, interdisciplinar,
intergeracional, significativa, prazerosa, dialógica e crítica.
Os saberes aprendidos e compartilhados possibilitaram
melhorias que favoreceram a maior geração de renda. Em
geral, os/as jovens tinham uma escolaridade maior que os
adultos que compunham os empreendimentos, o que favorecia
com que trouxessem novos saberes e conseguissem transitar
mais facilmente entre as atividades operacionais e de gestão
(ESPÍRITO SANTO, 2006; NAKANO, 2005), favorecendo o
protagonismo juvenil. Considera-se que a maior escolaridade
da juventude também contribui para que a Economia Solidária
avance para outros campos de atuação, deixando de se
concentrar em áreas de baixo impacto econômico e social.
Em relação à vivência da autogestão, algumas
produções científicas destacaram sua contribuição para
o protagonismo juvenil, fortalecimento da organização
popular, mudanças sociais, defesa de pautas das juventudes
rural e urbana, bem como, promoção de mudanças de ordem
subjetiva como uma auto-estima positiva. Aliada à autogestão,
a cooperação e a solidariedade favoreceram a criação de
laços cooperativos e de reciprocidade (BARBIERI et al., 2017;
SOARES, 2011). Trata-se da dimensão de práxis pedagógica
que Gadotti (2009) destaca na Economia Solidária, ou seja,
a vivência cotidiana dos princípios gera transformações de
ordem subjetiva e social.

JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA: POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA INSERÇÃO DA 157


JUVENTUDE NO TRABALHO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Por outro lado, estudos indicaram que a prática da


autogestão é um processo árduo, e, por vezes, relações
hierárquicas e paternalistas se faziam presentes entre jovens
e adultos, restringindo a participação ativa daqueles/as na
tomada de decisão, nas atividades de gestão, sendo vistos
como aprendizes (CAVALCANTE, 2006; NARDI et al., 2006),
reproduzindo a perspectiva de submissão e reprodução
social da juventude. Tais situações indicam as contradições
presentes nas experiências da Economia Solidária, e o desafio
de se construir práticas e modos de subjetivação distintos e
opostos ao capitalismo, ao mesmo tempo em que nele se está
inserido.
Alguns estudos destacaram que a Economia Solidária
possibilitou aos/às jovens conhecerem outras formas
de organização do trabalho e de economia distintas do
capitalismo, pautadas no trabalho associado e com um viés
emancipatório. Indicaram que a partir dessa experiência, tais
jovens ressignificavam o trabalho, superando a alienação e
passavam a ter maior resistência em retornar a organizações
heterogestionárias. Destaca-se que, como já indicado, isso
ocorria quando havia uma identificação dos/as jovens com
os princípios e práticas da Economia Solidária (OLIVEIRA;
MARQUES, 2016; SILVA, 2013).
Sintetizando o que foi exposto até aqui, dentre os
fatores que favorecem que a Economia Solidária promova
uma inserção da juventude no trabalho em uma perspectiva
emancipatória e fortaleça-a como sujeito político destaca-se
(NARDI, 2006; RIBEIRO et al., 2019; SGUAREZI, 2018; SOARES,
2011; TIRIBA; FISHER, 2011):
– experiência e formação em trabalho associado;
– comprometimento e mobilização dos/as jovens,
associações, organizações não governamentais com
o coletivo, território e com a conquista de direitos e
políticas públicas para juventude;

158 Maria Luisa Carvalho


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

– geração de renda satisfatória e estável por parte do


empreendimento;
– acesso à educação e formação a partir de uma
perspectiva ampla e crítica;
– envolvimento dos/as jovens na autogestão do
empreendimento;
– empreendimentos nas áreas como cultura,
informática, confecção, extrativismo foram indicadas
como atrativas à juventude.
Os estudos indicaram como fatores limitadores e
contradições da relação Economia Solidária e juventude
numa perspectiva emancipatória: geração de trabalho e renda
insatisfatórios, sem acesso à direitos sociais e às políticas
públicas (inclusão precária consoante com o capitalismo);
ausência de programas e políticas públicas permanentes e
efetivas para a Economia Solidária; projetos de entidades
de apoio e/ou Estado com recursos e duração insuficientes
para garantir a sustentabilidade dos empreendimentos;
contradições da vivência da economia solidária num contexto
capitalista (CAVALCANTE, 2006; RITTER, 2010; SGUAREZI,
2018).
Por fim, ressalta-se as relevantes reflexões de
Rueda e Elias (2017) sobre a Economia Solidária brasileira
e sua relação com a juventude, evidenciando que para que
aquela avance e seja uma alternativa viável ao capitalismo é
imprescindível o envolvimento da juventude. A autora e o autor
destacam que é preciso fazer autocrítica e não romantizar o
trabalho associado. Alertam que nos espaços políticos da
Economia Solidária, como fóruns, os/as jovens estão ausentes
e/ou são coadjuvantes, tendo pouca voz. Consideram que é
preciso tornar a questão da juventude uma pauta importante
de debate na Economia Solidária; criar espaços e modos de
organização para os/as jovens; e articular cultura, comunicação
e tecnologia a fim de aproximar a Economia Solidária da
Juventude, tornando-a consoante aos anseios, problemáticas
JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA: POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA INSERÇÃO DA 159
JUVENTUDE NO TRABALHO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

e modos de ser da juventude. Por fim, destacam a importância


da criação da Rede Juvesol que é uma articulação de pessoas,
empreendimentos de economia solidária, organizações
da sociedade civil, movimentos e redes em todo o Brasil
que discute e promove ações de discussão sobre trabalho,
juventude e Economia Solidária.
Após a apresentação dos resultados da pesquisa,
pode-se afirmar que assim como há “juventudes”, pode-se
dizer também que há “Economias Solidárias”, ou seja, por
motivos diversos, há empreendimentos econômicos solidários
que promovem inclusões precárias, consoantes com o
capitalismo, enquanto, outros são de fato processos políticos,
que promovem para além da geração de trabalho e renda,
novas sociabilidades, valores, significados, outra cultura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresenta-se aqui algumas considerações, reflexões
e sugestões finais no sentido de avançar no debate e nas ações
para fortalecimento da relação entre juventude e Economia
Solidária.
O contexto da pandemia do Covid-19 exige resistência,
perseverança e criatividade diante da urgência da superação
do capitalismo e de sua necropolítica via construção de outros
modos de ser e viver que tenham a vida como centro. Assim,
torna-se salutar fortalecer a Economia Solidária e outras
alternativas sistêmicas como Bem-Viver, decrescimento,
Economia Feminista, etc.
A maior escolaridade, a familiaridade com as
tecnologias de comunicação e informação, a criatividade e
o desejo de parte da juventude em construir uma sociedade
justa e igualitária, parecem indicar que a aproximação com
os/as jovens torna-se crucial para a Economia Solidária. Além
disso, a juventude pode contribuir para que essa não perca seu
caráter contra-hegemônico. Igualmente, apesar de seus limites
e contradições, a Economia Solidária pode ser uma via pela
160 Maria Luisa Carvalho
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

qual os/as jovens possam não apenas obter renda, mas pelo
trabalho autogestionário, solidário e cooperativo, vivenciar e
construir outros modos de subjetivação e experiências de uma
vida coletiva.
Os resultados da presente pesquisa indicaram que
dificuldades de geração de renda, de gestão e de acesso a
tecnologias nos empreendimentos são questões recorrentes
na Economia Solidária, não apenas no que tange à juventude,
e que precisam ser urgentemente enfrentados a fim de que
se torne uma opção efetiva e consciente e não uma escolha
transitória, motivada apenas pelo desemprego.
Percebeu-se nas pesquisas a importância de
trabalhar questões intergeracionais, em especial no âmbito
rural onde as relações familiares e de trabalho se confundem,
a fim de fortalecer as relações de troca, horizontalidade e
reciprocidade entre jovens e adultos.
As pesquisas demonstraram ainda a importância
da aproximação entre Educação e Economia Solidária a fim
de que a mesma se torne conhecida pelos/as jovens, e se
dissemine a cultura solidária; bem como que as instituições
de ensino possam ser espaços de experiências embrionárias
e de fomento à criação de empreendimentos econômicos
solidários. Destaca-se o papel das instituições públicas
de ensino técnico e superior em incentivar estudantes e
egressos a constituírem empreendimentos autogestionários
e desenvolverem tecnologias sociais, de modo que o acesso
à educação pública e de qualidade não implique apenas em
uma conquista com repercussões privadas e reprodutoras da
ordem capitalista. Ressalta-se que em todos esses processos,
o protagonismo deve ser da própria juventude.
Esse foi um estudo inicial e sugere-se que novas
pesquisas sejam feitas, como estudos de casos de experiências
de êxito da inserção da juventude na Economia Solidária;

JUVENTUDE E ECONOMIA SOLIDÁRIA: POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA INSERÇÃO DA 161


JUVENTUDE NO TRABALHO A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

mapeamentos de quem são e onde estão os/as jovens na


Economia Solidária; significados do trabalho e da Economia
Solidária para a juventude, dentre outros.

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166 Maria Luisa Carvalho


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

JUVENTUDE INVISÍVEL:
UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE
DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO ESCOLAR,
VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E
ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL1
Camila Daniele de Oliveira Dutra
DOI: 10.29327/541522.1-9

“Eu me sinto produto descartável,


desprezado no depósito dos rejeitados”
Composição: Carlos Eduardo Taddeo

INTRODUÇÃO
O presente estudo pretende fazer uma rápida
elucidação a respeito das diversas violências às quais as
juventudes estão expostas na interface e nas instituições de
modo individual, que tangem o espaço escolar e as unidades
de acolhimento institucional, trazendo uma provocação
acerca da relação entre a sociedade, a família, a educação
e as crianças e adolescentes, considerando estes cidadãos

1  Especialista em Cidadania e Direitos Humanos no contexto das


Políticas Públicas, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
Instituto de Educação Continuada, Belo Horizonte, MG- Brasil. Bacharel
em Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo
Horizonte, MG- Brasil. ² O presente artigo é uma adaptação do Trabalho de
Conclusão do Curso de aperfeiçoamento em Educação e Juventudes curso:
“Juventudes, espaço escolar e violências: uma proposta de intervenção
social”. Faculdade Latina Americana de Ciências Sociais- FLACSO, 2021.
JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO 167
ESCOLAR, VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

com consciência política e com realidade vivida ainda em


desenvolvimento, dentro de uma perspectiva atravessada por
situações violentas, concomitante à situação de acolhimento
institucional vivenciadas por essas juventudes.
Inicialmente, será realizada uma breve exposição do
funcionamento e da organização da política de proteção social
especial de alta complexidade – acolhimento institucional, no
Brasil. Serão discutidos os parâmetros da relação da educação,
escola, família e sociedade, para que, então, sejam debatidas
as dificuldades encontradas pela sociedade em garantir aos
adolescentes dentro do espaço do acolhimento institucional
o direito à educação de forma igualitária, justa e respeitosa.
Posteriormente, os assuntos serão voltados para a educação
e a família, trazendo uma discussão acerca da função social
da escola, a construção da relação sociedade-escola e escola
família, e a construção social do conceito família, dentro de
uma lógica capitalista.
A escolha de tal temática teve origem nas vivências
profissionais da autora que, graças ao convívio diário com
adolescentes, famílias e demais atores da rede que envolvem
a educação, notou dificuldade no fazer profissional, nos
atendimentos a esse público. Em algumas situações, por
exemplo, houve a necessidade de sensibilização das escolas
em relação à situação vivenciada pelos acolhidos. Quando
pensamos em educação e/ou nas crianças e adolescentes
enquanto sujeitos em formação, um dos primeiros
apontamentos que se faz é sobre a importância da família
durante esse desenvolvimento e como esse suporte familiar
auxilia no amadurecimento dentro e fora do ambiente escolar.
Entre vários autores que abordaram a temática podemos citar
Heloisa Szymanzki, quando esta traz que “é na família que
a criança encontra os primeiros “outros” e, por meio deles,
aprende os modos de existir – seu mundo adquire significado
e ela começa a constituir-se como sujeito” (SZYMANZKI,
2003), ou a própria lei de diretrizes, que traz em seu Art.
168 Camila Daniele de Oliveira Dutra
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

2º da LDB (9394/96) “que a educação, dever da família


e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos
ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando”.
Mas quando essa família ocupa um local violador na
vida dessas crianças e adolescentes, ou um espaço ausente,
quem se ocupa desse lugar de suporte? Qual o posicionamento
da escola, dos educadores e da política de educação frente a
esse público? As angústias dos acolhidos em relação a essa
ausência familiar, frente à situação do acolhimento, pode
ser vista através da música do cantor/compositor Eduardo
Taddeo: “Eu me sinto um produto descartável, dispensado no
depósito dos rejeitados. Esperando alguém ‘pra’ chamar de
pai, esperando alguém ‘pra’ chamar de mãe” (TADDEO, 2014). A
música “Depósito dos rejeitados” foi usada no artigo seguindo
a experiência no fazer profissional da autora nos acolhimentos,
onde muitos adolescentes a escutavam frequentemente. O
que trouxe a reflexão de como a educação pode lidar com tal
angústia trazida por essas crianças e adolescentes?
Sendo assim, o trabalho foi subsidiado através
de documentos, livros, teses, dissertações, monografias,
documentos e leis relacionadas à educação e aos cuidados
com as juventudes. Afim de resguardar a integridade das
crianças e adolescentes, respeitando o sigilo profissional e as
dores causadas pelas vivências violentas, não foram utilizados
relatos ou entrevistas.

POLÍTICA DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE ALTA


COMPLEXIDADE – ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
Para falarmos da política de Proteção Social Especial
de Alta Complexidade, é preciso fazer uma explanação do
Sistema Único de Assistência Social. Este é normatizado
através da Norma Operacional Básica do Sistema Único de
Assistência Social (NOB SUAS), que regulamenta a Política

JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO 169
ESCOLAR, VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

de Assistência em todo o território brasileiro, em consonância


com a Constituição Federal, de 1988, e a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS), de 1993.
A normativa reafirma a assistência social do país
como uma “política de Seguridade Social, afiançadora de
direitos, tal como consagrado pela Constituição Federal de
1988 e representa, sem dúvida, uma conquista do Estado,
gestores, conselhos, trabalhadores, especialistas, e também
da população brasileira, em especial, daquela atendida pelo
SUAS”. Para tanto, o sistema único de assistência social se
divide em níveis de complexidade, sendo eles: a Proteção Social
básica, Proteção Social Especial de Média complexidade e
a Proteção Social Especial de Alta Complexidade. Dentro
de cada nível foram estabelecidos serviços de acordo
com a complexidade e a necessidade do público atendido,
como mostra o Art. 1º da Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais.
“Art. 1º. Aprovar a Tipificação Nacional de
Serviços Socioassistenciais, conforme anexos,
organizados por níveis de complexidade do
SUAS: Proteção Social Básica e Proteção Social
Especial de Média e Alta Complexidade, de
acordo com a disposição abaixo: I - Serviços de
Proteção Social Básica: a) Serviço de Proteção
e Atendimento Integral à Família (PAIF); b)
Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos; c) Serviço de Proteção Social Básica
no domicílio para pessoas com deficiência e
idosas. II - Serviços de Proteção Social Especial
de Média Complexidade: a) Serviço de Proteção
e Atendimento Especializado a Famílias e
Indivíduos (PAEFI); b) Serviço Especializado em
Abordagem Social; c) Serviço de Proteção Social
a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), e de
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); 6 d)
Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas
com Deficiência, Idosas e suas Famílias; e) Serviço
Especializado para Pessoas em Situação de Rua.
III - Serviços de Proteção Social Especial de
Alta Complexidade: a) Serviço de Acolhimento
Institucional, nas seguintes modalidades: - abrigo
institucional; - Casa-Lar; - Casa de Passagem; -

170 Camila Daniele de Oliveira Dutra


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Residência Inclusiva. b) Serviço de Acolhimento


em República; c) Serviço de Acolhimento em
Família Acolhedora; d) Serviço de Proteção
em Situações de Calamidades Públicas e de
Emergências.” (Tipificação Nacional de Serviços
Socioassistenciais, 2009)

O serviço de Acolhimento Institucional está inserido


no SUAS dentro da Proteção Social Especial De Alta
Complexidade, proposto a atender indivíduos e/ou famílias
que tiveram os “vínculos familiares rompidos ou fragilizados,
a fim de garantir proteção integral”, conforme previsto
na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais,
2009. No caso deste trabalho, o foco temático é o público
compreendido entre a infância e a adolescência. Considerando
as especificidades desse público, o acolhimento institucional
infantil está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente,
1990, sendo aplicado como uma medida protetiva de acordo
com o artigo 98 da lei nº8.069/90 (ECA):
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao
adolescente são aplicáveis sempre que os direitos
reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou
violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou


responsável;

III - em razão de sua conduta”. (BRASIL. Lei no


8.069, de 13 de julho de 1990)

Foi observado no artigo 101 da lei anteriormente citada


que as modalidades de acolhimento são medidas “provisórias
e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para
reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para
colocação em família substituta, não implicando privação de
liberdade” (BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990). Ou
seja, esgotadas as possibilidades de trabalho com a família
de origem (genitores) e demais familiares, e/ou em situações
JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO 171
ESCOLAR, VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

que apresentem grave risco para a criança e ou adolescente,


o Conselho Tutelar ou a Vara da Infância e Juventude aplicam
uma medida de proteção, gerando o afastamento do seio
familiar. Uma vez acolhido, é iniciado um trabalho técnico
visando, quando possível, a reintegração familiar, e nos casos
que não têm essa possibilidade, o encaminhamento para uma
família substituta, a adoção.
A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais
2009 traz ainda que organização do serviço será realizada
em “consonância com os princípios, diretrizes e orientações
do Estatuto da Criança e do Adolescente e das ‘Orientações
Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e
Adolescentes’”, podendo ser ofertadas nas seguintes
modalidades chamadas de casa-lar, que são “Atendimento
em unidade residencial onde uma pessoa ou casal trabalha
como educador/cuidador residente, prestando cuidados
a um grupo de até 10 crianças e/ou adolescentes” ou as
Unidades de Acolhimento Institucional (UAI): “Atendimento
em unidade institucional semelhante a uma residência,
destinada ao atendimento de grupos de até vinte crianças e/ou
adolescentes. Nessa unidade é indicado que os educadores/
cuidadores trabalhem em turnos”. Nas UAIs são oferecidos
espaços para o acolhimento dos atendidos de forma imediata,
com profissionais nas áreas da psicologia e serviço social,
compondo a equipe técnica e outros profissionais de diversas
áreas para atendimento.
Considerando que as motivações do acolhimento
infantil são resultantes das ameaças e/ou violações dos seus
direitos, refletimos sobre os conceitos dessas violações, as
formas de violência a que essas crianças e adolescentes estão
expostas.

172 Camila Daniele de Oliveira Dutra


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

CONCEITUANDO VIOLÊNCIA
Faz-se necessária uma breve elucidação sobre os
conceitos de violência usados para elaboração desse trabalho.
Sendo assim, podemos destacar os autores Faleiros e Faleiros,
que trazem que a violência é uma relação de Poder. O poder
é caracterizado como violento em uma relação onde o mais
forte subjuga o mais fraco, mas nem toda relação de poder é
necessariamente violenta:
Todo poder implica a existência de uma relação,
mas nem todo poder está associado à violência.
O poder é violento quando se caracteriza como
uma relação de força de alguém que a tem e
que a exerce visando alcançar objetivos e obter
vantagens (dominação, prazer sexual, lucro)
previamente definidos. (FALEIROS; FALEIROS,
2008, p. 29).

Os autores, ao fazerem uma análise da construção


histórica da sociedade brasileira, mostram como essa
sociedade se moldou de forma a sobrepor as violências, se
mostrando uma sociedade excludente e violenta, expondo
uma realidade onde as somas dessas violências recaem sobre
crianças e adolescentes. “O Brasil, um país com enormes
desigualdades econômicas e sociais e historicamente
classista, adultocêntrico, machista e racista, é extremamente
violento com crianças e adolescentes pobres. Trata-se de uma
violência cumulativa e excludente”. (FALEIROS; FALEIROS,
2008, p. 32).
Os autores Faleiros e Faleiros nos trazem ainda a
classificação usual das formas de violência, que podem
atingir o físico e/o psicológico: “A classificação mais usual
das geralmente denominadas formas de violência é: violência
física, psicológica e sexual”. (FALEIROS; FALEIROS, 2008, p.
31). Destacam ainda que a violência psicológica advém de
uma imposição de poder e que essa forma de violência é de
difícil identificação:

JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO 173
ESCOLAR, VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

“Esse poder se exerce através de mando


arbitrário, de agressões verbais, de
chantagens, de regras excessivas, de ameaças,
humilhações, desvalorizações, estigmatização,
desqualificação, rejeição, isolamento, exigências
incompatíveis com a idade da criança e/ou
adolescente, entre outros. Para os autores,
essa violência é de difícil identificação devido
ao alto grau de tolerância ainda na sociedade”
(FALEIROS; FALEIROS, 2008, p. 36).

Dentro das escolas, tais práticas de violência são


vivenciadas pelos alunos como reflexos da sociedade que
reverberam no ambiente escolar. Os autores Frick, Menin
e Tognetta (2013) utilizam os conceitos de Avilés (2006) e
Olweus (1993), que apresentam uma forma de violência que
ocorre nas escolas, sintetizando várias formas de violência em
uma expressão: o bullying. Desta forma, os autores apresentam
o bullying como uma “forma de violência entre pares,
apresentando um conjunto de características: a agressão
física, psicológica, verbal ou social, a intenção, a repetição
mantida durante longo período”. A violência entre “pares” é
pautada por, segundo os autores, não haver diferenciações
de poder entre os envolvidos. Entendemos então que entre os
alunos há uma intimidação, uma violência duradoura contra
um outro estudante ou grupo, que acaba sendo vitimizado.
As pesquisas apresentadas pelos autores mostram
que o bullying é estimulado por alguns elementos como “a
organização da escola, em termos de competitividade, o
clima de convivência, e até mesmo o seu currículo”, criando
assim fatores que “fomentam a formação de estereótipos,
a comparação social, a constituição de grupos e o desejo de
dominar os outros”. Como exposto anteriormente, alguns
desses estereótipos são impostos socialmente fora da escola
e acabam por refletir no comportamento dos estudantes
dentro da escola.

174 Camila Daniele de Oliveira Dutra


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

O cyber bullying ocorre de forma parecida com o


bullying e acarreta consequências ainda mais perigosas,
uma vez que, por ser realizado em ambiente virtual através
das redes sociais, pode se propagar com maior facilidade,
atingindo milhares de compartilhamentos em pouco tempo
que podem se tornar permanentes.
Ao ponderar a violência que permeia a sociedade e o
fato de que crianças e adolescentes estão expostos dentro
e fora do ambiente escolar, podemos refletir sobre a relação
escola-sociedade e qual a função social da escola.

EDUCAÇÃO: FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA


Para pautarmos as questões em torno da relação entre
a sociedade, a escola e a família, precisamos entender qual a
função da escola exercida dentro da sociedade. Para os autores
Silva e Weide, a partir da consolidação do estado capitalista e
da sofisticação dos meios de produção, por volta da metade
do século XX, a escola tinha como função formar mão de obra
para o trabalho. Os autores destacam que tal função se tornou
mais explícita em 1971, quando houve a promulgação da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional número 5692, o
que chamaram de “tecnicismo pedagógico”. O emprego da
educação para servir os projetos capitalistas foi criticado por
vários pensadores, como citam Silva e Weide ao usarem como
exemplo Bourdieu e Passeron, onde relatam que “o sistema
escolar apresenta um caráter conservador por preocupar-se
com a reprodução de situações estabelecidas”. Os autores
ressaltam ainda que para eles “a educação é reflexo da
desigualdade social imposta por meio da ideologia da classe
dominante, que permanece disfarçada fazendo com que seus
interesses sejam proliferados por meio da escola. Ou seja, a ação
pedagógica”. Sendo assim, usar tal sistema pedagógico
escolar “é objetivamente uma violência simbólica enquanto
imposição” (BOURDIEU e PASSERON, 1982). Então, se
pensarmos que a reprodução dos saberes é desigual, uma vez
JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO 175
ESCOLAR, VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

que dentro da lógica exposta de que a escola é a retratação


da desigualdade social e se caracteriza pela manutenção das
ideologias da classe dominante, a produção e a reprodução de
saberes e cultura vão atingir de forma mais ampla os filhos
da burguesia, enquanto os filhos dos trabalhadores recebem
o suficiente para que se formem novos trabalhadores, que
mantenham tal ordem e, através da violência simbólica
exercida, que ela não seja questionada.
Em contraposição às ideias outrora apresentadas, os
autores Silva e Weide trazem as teorias crítico-reprodutivistas
do educador e filósofo brasileiro Paulo Reglus Neves Freire,
onde estes expõem que as propostas de Paulo Freire giram
em torno de uma possível educação onde os sujeitos são
“envolvidos no processo de alfabetização”. Destaca-se que,
segundo Freire, é a partir desta possibilidade que “os sujeitos
constroem uma visão crítica do mundo, um entendimento da
estrutura de funcionamento do real e um planejamento de
como transformar essa realidade” (SILVA e WEIDE, 2014).
O autor Libâneo reafirma essa função da escola
enquanto local de produção e reprodução de conhecimento,
mas também de desenvolvimento afetivo e moral e a
necessidade de ser um espaço de transformação social, onde
os alunos consigam apreender a sua realidade e muda-la. O
autor expõe que:
“o conhecimento teórico-científico e os
procedimentos mentais (conceitos) abrem a
possibilidade real de que os alunos, ao retornarem
à prática social cotidiana e local, os utilizem
para atuar na modificação das suas condições
de vida e das suas relações. Em resumo, escola
de qualidade é a que, antes de tudo, por meio
dos conteúdos, propicia as condições do
desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral
dos alunos, considerando suas características
individuais, sociais e culturais e as práticas
socioculturais de que vivenciam e participam”.
(LIBÂNEO, 2016)

176 Camila Daniele de Oliveira Dutra


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Considerando a escola como esse espaço de


construção de um pensamento crítico e transformador
e utilizando os conceitos de educação como mediação
apresentada por Saviani, os autores Silva e Weide colocam
que a educação pode ser usada ainda como uma ferramenta
para a transformação social:
“Evidencia-se em Saviani um conceito de
educação como mediação em meio a prática
social, isto é, a educação torna-se uma importante
ferramenta transformação da prática social.
Não considerando a educação como aquela
mediação que poderia transformar diretamente a
sociedade, mas de forma mediatizada, passando
primeiro pela transformação das consciências. E
as consciências despontando como sujeitos que
atuam na prática social. É o conjunto da prática
social que gerará a transformação da sociedade”.
(Silva e Weide).

Assim, analisando as ideias dos pensadores


abordados, podemos considerar que a escola é, para além de
um espaço onde se reproduz o conhecimento, um local onde
se forma pessoas críticas à sociedade, para que possam se
tornar capazes de uma transformação social. Considerando,
ainda, que a escola é o segundo espaço onde as crianças e
adolescentes têm contato com a sociedade e as relações
sociais, entendendo estes como cidadãos em desenvolvimento,
e que a família é este primeiro espaço de experimentações de
formas de se relacionar, podemos destacar a importância da
construção conjunta do espaço escolar, fazendo-se necessário
uma relação família-escola sólida.

RELAÇÃO FAMÍLIA-ESCOLA
Antes de analisarmos a relação entre a família e a
escola, faz-se necessária a contextualização do conceito
família, pensando como parâmetro o que explicita a autora
Maria Alice Nogueira, que nos traz uma perspectiva da família
ocidental nos países industrializados e na propagação dos

JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO 177
ESCOLAR, VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

novos arranjos familiares (monoparentais, recompostas,


monossexuais). É preciso considerar ainda as questões
socioculturais de regionalidade e temporais, que influenciam
na interação entre família e escola.
Considerando as transformações sociais, a relação de
trabalho e a sociedade dentro de um viés de uma sociedade
capitalista, encontramos modificações na constituição da
família ao longo do tempo e da sua relação com a sociedade.
Segundo Nogueira, podemos dizer que a “família passou de
unidade de produção, para uma unidade de consumo. Uma
conjunção de fatores – dentre os quais se incluem, sobretudo,
a proibição do trabalho infantil, a extensão dos períodos
de escolaridade obrigatória e a criação dos sistemas de
seguridade social”. Dessa forma, a autora nos diz que filhos
deixaram de “representar, para os pais, uma perspectiva
de aumento da renda familiar ou de recurso contra suas
inseguranças no momento da velhice”, afetando, assim, a
relação família-sociedade e, consequentemente, a relação
família-escola.
Decorrente dessa modificação nas relações sociais,
há uma transformação nas relações intrafamiliares, como
nos mostra a autora: “No bojo desse movimento, emergem
novos valores educacionais preconizando o respeito pela
individualidade e pela autonomia juvenis, a liberalidade nas
relações entre pais e filhos”. Nogueira ressalta ainda a mudança
entre as relações parentais que saem do autoritarismo e migram
para o diálogo: “em suma, os pais tornam-se provedores de
bem-estar psicológico para os filhos”. Sendo assim, alterando
as relações familiares, a relação escola-família é alterada:
toda vez que se transformam as relações sociais envolvendo
a família-sociedade ou a sociedade-escola, essa relação
família-escola também será alterada.
Considerando ainda o que as leis trazem enquanto
educação, família e escola no Brasil, podemos destacar a
responsabilização das três esferas (Estado, Sociedade e
178 Camila Daniele de Oliveira Dutra
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

família) no que tange a educação. Na Constituição Federal


de 1988, podemos ver o Art. 205, que expõe que “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(BRASIL, 1988). A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
expõe em seu Art. 1º que “A educação abrange os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa,
nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e
nas manifestações culturais”.
Sendo assim, entendemos que o direito à Educação
está garantido por lei, sendo que a educação é entendida como
além de uma qualificação para o trabalho, mas também como
meio de desenvolvimento cultural, social e pessoal, visando
ainda o “preparo para o exercício da cidadania”, e que há uma
tríade de sustentação desse sujeito em desenvolvimento. O que
nos leva ao questionamento inicial deste trabalho: o que fazer
quando essa tríade está fragilizada ou com os laços rompidos,
como na situação do acolhimento institucional. Escola e
sociedade estão preparadas para lidar com as dificuldades
que envolvem juventudes perpassadas pela violência?

RESULTADOS E DISCUSSÕES: A INTERFACE ENTRE


VIOLÊNCIA, ESPAÇO ESCOLAR E O ACOLHIMENTO
INSTITUCIONAL
As violências que levam as crianças e jovens ao
acolhimento institucional podem ser colocadas, de maneira
resumida, como uma situação de vulnerabilidade social. Os
autores Somer, Junior e Barros, à luz de Brito e Veiga, trazem
que, de um modo generalizado, os conceitos em relação à
vulnerabilidade social podem ser relacionados “[...] com a
exclusão social, ou seja, trata-se da incapacidade do indivíduo
JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO 179
ESCOLAR, VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

de controlar as forças que afetam seu bem-estar, bem como


aproveitar as oportunidades propiciadas pelo Estado, pelo
mercado ou pela sociedade” (SOMER, JUNIOR e BARROS,
2018, apud BRITO e VEIGA, 2016).
Dessa forma asquestões relacionadas à vulnerabilidade
social se sobrepõem às famílias em situação de pobreza e
risco, público que é atendido pela proteção social especial,
como mostram os autores quando destacam a importância de
“elucidar que as medidas de proteção especial direcionam-se
aqueles (as) que se encontram em situação de risco social e
pessoal, principalmente crianças e adolescentes” (SOMER,
JUNIOR e BARROS, 2018).
Dessa forma, nós temos crianças e adolescentes em
situação de vulnerabilidade social que vivenciaram situações
de violência em suas famílias, que levaram ao rompimento
dos vínculos afetivos e familiares e que resultaram na
institucionalização destes. Uma vez colocados em acolhimento
institucional, estes meninos e meninas recomeçam uma nova
rotina, longe dos seus familiares, as vezes até mesmo dos seus
irmãos, amigos, sua casa, escola e de tudo que era conhecido
e que representava segurança. O acolhimento representa um
mundo novo, onde o futuro é incerto. As crianças e adolescentes
em situação de acolhimento são referenciadas nas políticas
de saúde e educação mais próximas, o que significa uma nova
matrícula em uma escola desconhecida.
Como aponta Somer, Junior e Barros em uma
sobreposição dos problemas outrora apontados, tal fato
resulta nas “dificuldades no cotidiano escolar próprias de
alunos em acolhimento, posto que eles precisam se adaptar
às normas internas da nova escola, bem como às normas
da instituição de acolhimento”. Os autores trazem ainda
que as “relações e interações sociais das instituições de
acolhimento com as escolas públicas, de acordo com o estudo
de apresentam algumas dificuldades”. Somer, Junior e Barros
destacam ainda, utilizando os estudos de Buffa e Teixeira,
180 Camila Daniele de Oliveira Dutra
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

que [...] os funcionários da entidade acolhedora declararam


que o fato de as crianças serem abrigadas fazia com que
fossem tratadas com atitudes preconceituosas e excludentes
pelos professores e demais funcionários da escola, como era
também a explicação para a causa do fracasso escolar desses
alunos” (SOMER, JUNIOR e BARROS, 2018 apud BUFFA e
TEIXEIRA, 2011 apud SERIKAWA, 2015).
Sendo assim, há novamente uma sobreposição de
violências que incidem sobre as crianças e adolescentes.
Além das violências estatais, psicológicas, físicas e/ou
sexuais vivenciadas no seio de suas famílias estes ainda
passam por um processo violento de segregação, exclusão e
estigmatização por parte dos profissionais dentro do âmbito
escolar. Os autores trazem, sob a perspectiva de Batista e
Almeida, que essa questão perpassa pelo fato de que alguns
docentes possuem “uma visão pré-concebida, às vezes parcial,
da realidade e da demanda de discentes em vulnerabilidade”
(SOMER, JUNIOR e BARROS, 2018 apud BATISTA e ALMEIDA,
2008). E é essa postura que faz com que a escola seja uma
realidade distante dos jovens do acolhimento, pois tal visão
cria um distanciamento na relação entre acolhido e escola.
Os autores trazem a visão de Santos como uma
forma de aclaração deste distanciamento, onde dizem que
“o desconhecimento em relação à medida de acolhimento
institucional, por parte da escola e de seus profissionais,
impede a inclusão efetiva de crianças e adolescentes” (SOMER,
JUNIOR e BARROS, 2018). Expõem, ainda, que Silva traz que,
deste modo, “[...] o objeto tem uma realidade per se, que vem
da sua constituição material. Um objeto tomado isoladamente
tem um valor como coisa, mas o seu valor como dado social
vem de sua existência relacional”. (SOMER, JUNIOR e BARROS,
2018 apud Silva Santos, 2009).
Considerando os dados expostos e a fragilidade da
política educacional no país, podemos dizer que há situações
em que a escola é um local de revitimização desses jovens, que
JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO 181
ESCOLAR, VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

o espaço onde deveria haver igualdade, trocas culturais e de


conhecimentos, torna-se um local de violações dos direitos,
reforçando as angústias e o sentimento de rejeição destes
jovens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa vem dizer sobre a relação social das
crianças e adolescentes que frustram o imaginário das
políticas educacionais, uma vez que esse infante se difere do
adolescente generalizado e esperado nas políticas, que advém
de uma família pré-moldada e que corresponde a todas as
expectativas. Tais políticas, assim como as políticas voltadas
para as juventudes em si, trazem no seu planejamento e
execução uma complexidade que é apresentada pela própria
juventude. Como expõe Pais, as políticas juvenis “têm por objeto
uma realidade complexa: não apenas porque as trajetórias dos
jovens são complexas, mas porque elas decorrem em terrenos
labirínticos” (PAIS, 2005).
Para discutirmos essa complexidade apresentada,
é preciso retomar as noções sobre juventudes, uma vez
que entendemos que esta é plural, multifacetada e está em
constante transformação. Segundo Dayrell (2002), “essa
diversidade se concretiza com base nas condições sociais
(classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas,
valores) e de gênero, e também das regiões geográficas, dentre
outros aspectos”. Para além, ainda segundo Dayrell, para a
construção da noção de juventude que utilizamos, é preciso
entender que esta é uma etapa de preparo e construção:
“Construir uma noção de juventude na perspectiva
da diversidade implica, em primeiro lugar,
considerá-la não mais presa a critérios rígidos, mas
sim como parte de um processo de crescimento
mais totalizante, que ganha contornos específicos
no conjunto das experiências vivenciadas pelos
indivíduos no seu contexto social. Significa não
entender a juventude como uma etapa com um

182 Camila Daniele de Oliveira Dutra


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

fim predeterminado, muito menos como um


momento de preparação que será superado com
o chegar da vida adulta”. (DAYRELL, 2002).

Sendo assim, as juventudes que vivenciam o


acolhimento institucional outrora pautada é composta pelo
adolescente que, quando analisado individualmente, é um
ator social real, que traz especificidades próprias, que rompe
uma generalização imposta com a sua trajetória perpassada
por situações violentas, que retém a sua singularidade e que,
apesar da sua história, não deve ser somente representado
por ela. Ao lidarmos com tal juventude, é preciso atenção para
as suas demandas, sensibilidade com a sua história e cuidado
para que não ocorra uma revitimização destes cidadãos ou uma
estigmatização, seja por parte dos alunos ou dos profissionais
que lidam com o aluno no ambiente escolar. É necessário
cautela ao balancear tal atenção, pois a ausência desse
cuidado com a singularidade desses jovens pode tencionar as
relações entre escola e juventude.
Podemos ver através dos autores analisados que ainda
há um desconhecimento por parte das pessoas que atuam e
compõem as políticas educacionais em relação à política social
especial de alta complexidade – acolhimento institucional e
sobre quem são as crianças e adolescentes atendidas pela
política de assistência social. Dayrell em relação à escola,
pontua que esta é dinâmica, estando em constante tensão
entre “propostas inovadoras e tendências imobilistas”.
Para construirmos uma política educacional que
abarque as diversas juventudes, suas famílias ou a ausência
delas, é necessário investimento nos profissionais, na
teorização das pautas que envolvem as violências e as políticas
que lidam diretamente com essas situações específicas da
vulnerabilidade social. Dayrell aponta em seus estudos que,
atualmente, “vêm proliferando no Brasil a implantação de
novas propostas político-pedagógicas nos sistemas oficiais
de ensino, principalmente no âmbito municipal, patrocinadas

JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO 183
ESCOLAR, VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

por gestões de perfil progressista”, e são as propostas que


buscam amplitude do entendimento das vastas juventudes
em meio escolar, suas raízes, diversidade sociocultural, suas
necessidades e desejos que se fazem necessários. Dizer
e trabalhar com sociedade, famílias e escolas em face do
acolhimento institucional é o meio de dar rosto e voz a essas
juventudes e às suas demandas que hoje, apesar de existentes,
se encontram invisíveis.

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DAYRELL, Juarez. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em
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2007, v. 28, n. 100. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/
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184 Camila Daniele de Oliveira Dutra


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SZYMANZKI, Heloisa. A relação família/escola: desafios e
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JUVENTUDE INVISÍVEL: UMA ANÁLISE SOBRE A INTERFACE DA RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO 185
ESCOLAR, VIOLÊNCIAS E AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL
186
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO


AGENTE DO DESENVOLVIMENTO:
UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS
ENFOQUES DA OIT
Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves
DOI: 10.29327/541522.1-10

INTRODUÇÃO
O presente texto versa sobre as percepções
consideradas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT)
sobre o papel da juventude como agente do desenvolvimento.
A consagração da juventude como agente do desenvolvimento
por parte da OIT pode ser encarada sob diversos ângulos, tal
fato pode ser verificado dada a estreita associação presente
nos discursos de distintos Organismos Internacionais (OI)
sobre emprego, educação, pobreza e crescimento econômico.
No entanto, quando o assunto está atrelado à adjuvância
que os jovens passaram a assumir no período recente sob os
respaldos destes discursos, nota-se que a OIT é a Organização
que reforça a necessidade de debater sobre o jovem de forma
mais ampla e dedica especial atenção às condições sociais
dos jovens no sistema laboral.
Dessa forma, discutir o papel histórico da OIT e suas
percepções sobre o jovem como agente do desenvolvimento
implica compreender o contexto de relações no qual está
inserida. Assim, a matriz que serviu de base para situar os
limites da construção da percepção da juventude por parte
da OIT está nas qualidades que giram em torno do conceito
de desenvolvimento sustentável. A investigação se valeu da
A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO AGENTE DO DESENVOLVIMENTO: 187
UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS ENFOQUES DA OIT
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

análise dos documentos produzidos na 93ª e 105ª Conferência


Internacional do Trabalho, ocorridas em 2005 e 2012,
respectivamente, dedicadas exclusivamente para abordar os
problemas da juventude no contexto laboral.
Na ocasião em que a OIT toma a juventude como
agente de desenvolvimento, ela se justifica pela necessidade
de investimento nos jovens no presente, para receber seus
retornos no futuro (ILO, 2005). O Banco Mundial, que também
compartilha com esta percepção, defende que os jovens
devem ser tratados como um tipo especial de objeto de
intervenção e investimento, autorresponsabilizando-os pelo
sucesso ou fracasso (BANCO MUNDIAL, 2006). Do mesmo
modo, para a Organização Interamericana de Juventude (OIJ)
há a necessidade de resgatar o capital humano dos jovens
para recuperar o desenvolvimento econômico de seus países
(PLESNICAR, 2010).
As crises econômicas recentes provocaram nos jovens
um sentimento de decepção quanto ao não cumprimento
de suas expectativas de mobilidade social baseadas na
ampliação do seu capital humano e autorresponsabilização
por seu sucesso ou fracasso (BAUMAN, 2013), gerando receio
por parte da OIT quanto às possíveis perturbações e agitações
sociopolíticas dos jovens que abalassem a harmonia social e
econômica global (ILO, 2012).
Historicamente, é a OIT a responsável pelo
estabelecimento e monitoramento de padrões trabalhistas. Sua
fundação em 1919 confunde-se com os primeiros movimentos
de luta da classe operária, apesar de não representar
exclusivamente os anseios da classe trabalhadora da época.
No preâmbulo da Constituição da OIT percebe-se a tentativa
da Organização em conciliar três dimensões: humanitária,
política e econômica, admitindo que “existem condições de
trabalho que implicam para um grande número de pessoas a
injustiça, a miséria e privações” (humanitária); advertindo que
é com o “descontentamento que a paz e a harmonia universais
188 Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

são colocadas em perigo” (política) e aconselhando que “a não


adoção por uma nação de um regime de trabalho realmente
humano é um obstáculo para os esforços de outras nações
que desejam melhorar a condição dos trabalhadores nos seus
próprios países” (econômica) (ILO, 1920, p. 02).
A pesquisa considera que é com um percurso de
atuação no sentido de conciliar as três dimensões, que a
OIT tenta sustentar o discurso da juventude como agente
de desenvolvimento, contribuindo, ora para dar visibilidade
aos problemas de juventude, ora para acortinar os fatores
causadores dos desequilíbrios sociais e econômicos que os
afetam.
O presente texto está dividido em duas partes.
Além desta introdução e considerações finais, ainda há
o primeiro tópico que versa sobre a história da inserção
do tema de juventude nas agendas dos Organismos
Internacionais sob o lema agente do desenvolvimento. O
segundo tópico aborda os elementos da atuação da OIT no
sentido de conciliar as dimensões: humanitária, política e
econômica, das contradições capitalista, tendo como objeto
estratégico de intervenção o papel do jovem como agente de
desenvolvimento. Espera-se contribuir para o debate acerca
das transformações sociais e as trajetórias dos jovens dentro
dos movimentos de reconfiguração do mundo do trabalho,
oriundos de uma dinâmica capitalista contraditória, no sentido
em que, na medida em que considera o jovem como agente do
desenvolvimento, também o exclui.

A PERCEPÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS


SOBRE A JUVENTUDE
A associação entre juventude e desenvolvimento é
uma prática que tem sido incorporada paulatinamente nos
discursos das Organizações Internacionais (OI) como um todo.
Segundo Plesnicar (2010), a história pontua os anos 1980 como
o marco da preocupação das OIs com esta temática. Segundo
A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO AGENTE DO DESENVOLVIMENTO: 189
UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS ENFOQUES DA OIT
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

a autora, um exemplo disso está na Resolução Nº 34/151 da


Assembléia das Nações Unidas –datada no dia 17 de dezembro
de 1979 – que estabeleceu 1985 como o Ano Internacional da
Juventude sob o lema ‘Participação, Desenvolvimento e Paz’.
De fato, a literatura acadêmica sobre a temática envolvendo
as demandas sociais juvenis utiliza como marco referencial
o ano de 1985 para delimitar o período no qual tiveram início
as principais medidas no âmbito internacional sobre o tema
em virtude do grande alcance que as demandas assumiram
(SPOSITO E CARRANO, 2003; PLESNICAR, 2010; MELO 2012).
O estabelecimento do Ano Internacional da Juventude,
em 1985, sob o lema ‘Participação, Desenvolvimento e Paz’
está inserido no contexto histórico de transição do período
de mobilização social dos jovens dos ‘anos rebeldes’ para o
de problemas socioeconômicos como pobreza e violência.
Sposito e Carrano (2003), estabelecem quatro períodos
distintos e superpostos que ajudam a entender a percepção
das OIs sobre a juventude, tendo usado como base a análise
das políticas de juventude elaboradas em seus respectivos
contextos históricos de demandas sociais.
Assim sintetizando a periodização de Sposito e
Carrano (2003), o primeiro período representa um contexto
marcado por políticas que visavam adequar o uso do tempo
livre dos jovens ampliando a educação, que vigorou entre
1950 a 1980. O segundo período foi marcado por políticas
que eram dirigidas para manter o controle social dos jovens
mobilizados dos ‘anos rebeldes’ e vigorou entre 1970 a 1985.
O terceiro período, entre os anos 1985 a 2000, demonstrou a
preocupação com o enfrentamento da pobreza e da contenção
da violência contra/da juventude, com a prevenção do delito.
E, por fim, é no quarto período, entre 1990 e 2000, que entram
em cena as políticas de inserção do jovem excluído no sistema
laboral. Cabe relembrar que é em meados dos anos 1990
que o desemprego da população jovem explode no mundo

190 Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

desenvolvido e subdesenvolvido, a pobreza aumenta e a renda


do trabalho se deteriora juntamente com as condições de
trabalho e o aumento da deserção do sistema de ensino.
Plesnicar (2010), ao analisar o discurso da Organização
Iberoamericana da Juventude (OIJ) sobre a juventude latino-
americana e portuguesa, baseando-se nos documentos da OIJ
produzidos em reuniões ocorridas entre 1980 a 2000, concluiu
que o discurso construído à juventude da região se deu sobre
a necessidade de resgatar o capital humano dos jovens como
forma de recuperar o desenvolvimento econômico da região
e de seus países. A autora se baseou em uma pluralidade
de situações que a OIJ vinculava à temática juventude para
designá-la como um ator estratégico do desenvolvimento
econômico. Plesnicar (2010), ainda assinala que determinadas
condições sociais, políticas ou epistemológicas têm
possibilitado a emergência e continuidade de alguns
enunciados no campo da teoria do capital humano quando se
relaciona com a temática juventude.
Destarte isso, foi em meados dos anos 2000 que
a consagração do discurso da juventude como agente de
desenvolvimento ocorreu, sendo possível demonstrar o fato
em dois momentos por duas Organizações diferentes. Em
2005 a OIT realiza a 94ª Conferência Internacional do Trabalho
versando sobre a premissa: investir na juventude é investir no
presente e no futuro das nossas sociedades (ILO, 2005) e em
2006 o Banco Mundial lança um documento intitulado de: ‘O
Desenvolvimento e a Próxima Geração’ (BANCO MUNDIAL,
2006). Nestes documentos ficou claro para as duas OIs que
é importante investir na juventude como forma de garantir
“a qualidade da próxima geração de trabalhadores, pais e
líderes” (BANCO MUNDIAL, 2006, p. 01).
O Banco Mundial (2006) defende que investir na
juventude implicará a redução da pobreza em longo prazo
por pelo menos dois motivos: 1º) aproveitar a oportunidade
de ensiná-los aptidões, hábitos saudáveis e o desejo de
A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO AGENTE DO DESENVOLVIMENTO: 191
UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS ENFOQUES DA OIT
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ingressar em comunidade e sociedade, pois, caso contrário,


seria extremamente dispendioso reparar os efeitos adversos
e 2º) proporcionar um círculo virtuoso do capital humano
entre gerações, pois “os efeitos do capital humano de pessoas
jovens influenciam os efeitos de seus filhos. Pais com melhor
educação têm filhos em menor número e mais bem educados”
(BANCO MUNDIAL, 2006, p. 03 e 04). Assim, esses efeitos
virtuosos entre gerações se perpetuariam em longo prazo.
Desse modo, segundo o Banco Mundial (2006), para
a manutenção dos efeitos virtuosos entre as gerações as
estratégias na qual devem incidir as abordagens de políticas
de juventude devem ser pautadas em três orientações, a saber:
oportunidades, competências e segundas oportunidades:
Oportunidades. Ampliar as oportunidades de
desenvolvimento do capital humano expandindo
o acesso e melhoria da qualidade da educação
e dos serviços de saúde; facilitando o início da
vida profissional; e dando voz aos jovens para
expressar o tipo de assistência que desejam
e a oportunidade de participar da prestação
dessa assistência. Competências. Desenvolver
as competências dos jovens para que façam
boas escolhas entre essas oportunidades
reconhecendo-os como agentes da tomada de
decisão e ajudando a garantir que suas decisões
sejam bem fundamentadas, disponham de
recursos apropriados e sejam sensatas. Segundas
oportunidades. Fornecer um sistema eficaz de
segundas oportunidades por meio de programas
direcionados que proporcionem aos jovens a
esperança e o incentivo para recuperarem-se
da má sorte ou de escolhas malfeitas. (BANCO
MUNDIAL, 2006, p. 2, itálico do autor).

Souza e Arcaro (2008, p. 255) por sua vez, defendem


que a recente perspectiva sob a qual o jovem é considerado
pela mais importante agência internacional de empréstimos e
financiamentos aos países em desenvolvimento se dá porque
esta agência considera o jovem como “um tipo especial de
objeto de intervenção e investimento: aquele cuja atividade

192 Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

individual – passível de controle e direcionamento – tem


importância decisiva para o êxito ou fracasso das medidas de
intervenção e investimento”.
Dessa forma, pode-se abstrair que a percepção do
jovem como agente do desenvolvimento, significa, em última
instância que a presente geração jovem representa recursos e
talentos humanos em potencial, vital para rejuvenescer a força
de trabalho capaz de oferecer uma recompensa econômica
potencialmente enorme, desde que bem aproveitados (capital
humano). Considera-se que esta percepção seja o coração do
debate, pois se inserirmos a preocupação dos Organismos
Internacionais em torno dos problemas de juventude ao
paradigma de desenvolvimento vigente. Percebe-se que essa
percepção conecta-se com a vertente do desenvolvimento
sustentável.
Segundo Motta (2007, p. 55) “na virada do século o
aprofundamento da pobreza rouba a cena e torna-se o principal
foco de políticas sociais das agências multilaterais”. Nesse
cenário, em que a ideologia do livre mercado é colocada em
xeque com a expansão de suas críticas e autocríticas de um
modelo pautado nas orientações políticas macroeconômicas
que não cumpriram as promessas de ‘derramar’ seus
benefícios a todos os cantos do mundo, outras vias ou novas
políticas de desenvolvimento e formas de governança global
são construídas para manter as condições favoráveis à
reprodução do capital na virada para o novo milênio (MOTTA,
2007).
Acerca do desenvolvimento sustentável, segundo
Pereira (2018, p. 345), “O conceito foi construído como
paradigma para pensar o desenvolvimento humano a partir
de uma perspectiva intergeracional que transcenda o
crescimento econômico e contemple as dimensões social
e ambiental do desenvolvimento” apesar de se tratar de um

A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO AGENTE DO DESENVOLVIMENTO: 193


UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS ENFOQUES DA OIT
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

termo cujo alcance e conteúdo vêm sendo modificados ao


longo da história, seu conceito combina elementos ambientais,
culturais, sociopolíticos e econômicos.
Nesse sentido, pensar o desenvolvimento sustentável
e humano na perspectiva intergeracional remete aos efeitos
que as mudanças demográficas provocam constantemente
sobre o desenvolvimento econômico, o que nos conduz ao
conceito de ‘Janela de Oportunidade Demográfica’. Nesse
conceito, o caminho para gerar benefícios socioeconômicos
se dá por meio do ‘bom aproveitamento’ da população jovem.
Na literatura demográfica, a juventude é tratada como uma
‘Janela de Oportunidade Demográfica’ (ALVES, 2008) que é
vista como uma população em vias de formação para entrar
na vida economicamente ativa via mercado de trabalho.
Portanto, na perspectiva das distintas Organizações
Internacionais quanto a percepção do jovem como agente
do desenvolvimento, o padrão identificado é que ambas
reforçam a necessidade de inserir os jovens nos processos
de sustentação do desenvolvimento que os assegurem um
espaço para as atividades de construção da nação e garantir
a prosperidade do futuro mantendo o vínculo direto entre as
categorias jovem e agente do desenvolvimento convergindo à
visão do desenvolvimento sustentável.

A PERCEPÇÃO DA OIT SOBRE A JUVENTUDE: ARGUMENTOS


PARA CONCILIAR AS CONTRADIÇÕES CAPITALISTAS COM
O JOVEM AGENTE DO DESENVOLVIMENTO
O presente tópico trata especificamente da construção
da percepção do jovem como agente do desenvolvimento no
âmbito da OIT, bem como seus argumentos de sustentação para
conciliar os aspectos: humanitário, político e econômico, das
contradições capitalistas, tendo como objeto de intervenção
o jovem.

194 Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Conforme foi visto anteriormente, a OIT foi uma


das primeiras OI a ressaltar a importância da juventude no
processo de desenvolvimento sustentável. A Organização
sempre chamou atenção aos altos níveis de desemprego
da população jovem e de sua participação precarizada no
mercado de trabalho, tendo sempre apresentado relatórios
de tendências de emprego desta população evidenciando o
histórico do cenário. Contudo, é somente em 2005, na ocasião
da 93ª CIT, que a OIT abordou amplamente o assunto sobre
juventude e mercado de trabalho. Sendo que, em virtude do
agravamento das más condições dos jovens no mercado de
trabalho, a Organização retomou o assunto na conferência
101ª CIT em 2012.
Na conferência 93ª, a OIT enfatizou que o caminho para
aproveitar a ‘janela de oportunidade’ (em virtude da elevada
participação da população jovem no Bônus Demográfico)
está bloqueado devido às baixas oportunidades no mundo do
trabalho e a vida de dificuldades econômicas que os mesmo
têm atravessado, impedindo o retorno dos investimentos
feitos em educação e treinamento (ILO, 2005). No entanto, na
conferência 101ª, a Organização informa que a crise de 2008
exacerbou problemas antigos da população jovem e criou
novos problemas (ILO, 2012). Considera-se que essa segunda
conferência marca uma guinada nos argumentos levantados
acerca dos problemas da juventude no mercado de trabalho
por parte da OIT, além de proferirem novas alternativas de
contenção dos problemas desencadeados por esta situação.
No entanto, o discurso da juventude como agente do
desenvolvimento ainda permanece.

O PRIMEIRO ENTENDIMENTO: DESAFIOS DO


APROVEITAMENTO DA JANELA DE OPORTUNIDADE
Este subtópico irá tratar sobre a percepção proferida
na 93ª CIT, que representa a construção do primeiro
entendimento da OIT sobre o argumento da juventude como
A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO AGENTE DO DESENVOLVIMENTO: 195
UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS ENFOQUES DA OIT
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

agente do desenvolvimento. Na 93ª CIT, a preocupação da


OIT se dava sobre o aumento das taxas de desemprego da
população jovem, entre os anos 1993 e 2003, dentro do contexto
de crescimento do nível geral de emprego e do aumento
da presença de jovens participando do sistema de ensino
em relação à geração anterior (ILO, 2005). Além do mais, a
Organização também ressalta os desafios do aproveitamento
do Bônus Demográfico que se manifestam de modos distintos
entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos:
Nas economias desenvolvidas, o desafio do
emprego dos jovens pode estar relacionado
à transição para o emprego, discriminação,
desvantagens sociais, tendências cíclicas e vários
fatores estruturais, enquanto nas economias
em desenvolvimento está ligado ao problema de
promover crescimento e desenvolvimento e aos
impactos desiguais da globalização (ILO, 2004, p.
01 e 02).

O fato é que os desafios em tela impuseram à força


de trabalho jovem a fatia de 47% da força de trabalho
mundialmente desempregada (ILO, 2004). A partir desse
diagnóstico, a OIT reforça a necessidade de ampliar a
discussão sobre o desemprego jovem de forma mais ampla
e dedica especial atenção às condições sociais dos jovens
inseridos no sistema laboral. Para a OIT:
As taxas de desemprego, no entanto, refletem
apenas uma faceta do mercado de trabalho
juvenil. Muitos jovens em países de todo o
mundo costumam trabalhar inaceitavelmente
longas horas sob acordos de trabalho informais,
intermitentes e inseguros (...) baixos salários,
pobreza e precariedade nas condições de
trabalho, falta de acesso à proteção social
e falta de liberdade de associação e acesso
à negociação coletiva. Em muitos países em
desenvolvimento, os jovens representam a maior
parte dos subempregados e dos que trabalham
na economia informal, tanto na área rural quanto
na área urbana (ILO, 2004, p. 01).

196 Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

As questões levantadas pela OIT acerca das condições


precárias de trabalho juvenil representam condições
particulares que variam de acordo com agrupamentos
específicos de jovens considerando sexo, idade, etnia, nível
educacional e treinamento, antecedentes familiares, status
de saúde e incapacidade, entre outros, reforçando que alguns
grupos são mais vulneráveis e enfrentam desvantagens em
entrar e permanecer no mercado de trabalho (ILO, 2004).
Nesse sentido, na lógica da OIT as baixas
oportunidades para entrar no mundo do trabalho condenam
os jovens a uma vida de dificuldades econômicas e bloqueiam
os retornos dos investimentos em educação e treinamento.
Além do mais a situação pode ser agravada com a incidência
de comportamento de risco, onde se tem visto “com muita
frequência, a tragédia de vidas jovens perdidas em crimes,
abuso de drogas, conflitos civis e até terrorismo” (ILO, 2005,
p. 07).
Assim, fica claro que para a OIT a preocupação
com o comportamento de risco da juventude (violência,
criminalidade e ações que impliquem riscos à saúde) ainda
continua presente, juntamente com a preocupação sobre
pobreza e desemprego. Segundo Sposito e Carrochano (2005)
as ações para a juventude relacionadas com a temática do
desemprego, fortalecidas no fim da década de 1990, não
romperam de modo fundamental com o campo simbólico
anterior (comportamento de risco). Para as autoras, o campo
simbólico anterior das ações “operou com a imagem de uma
juventude perigosa, potencialmente violenta, que necessitava
de uma ampla intervenção da sociedade para assegurar seu
trânsito para a vida adulta de modo não ameaçador a certas
orientações dominantes” (SPOSITO E CARROCHANO, 2005,
p. 145).
Ainda segundo Sposito e Carrochano (2005, p. 146):

A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO AGENTE DO DESENVOLVIMENTO: 197


UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS ENFOQUES DA OIT
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

É preciso reconhecer que as políticas de juventude


são normativas; prescrevem ou enfatizam
normas, significados ou conteúdos simbólicos
que incidem sobre expectativas de disseminação
de condutas juvenis consideradas adequadas
para um determinado tempo e espaço.

Portanto, é nesse sentido que, com o prolongamento do


comportamento de risco e o agravamento da situação adversa
dos jovens no mercado de trabalho, a OIT convoca a 101ª CIT
em 2012, sendo essa a segunda Conferência sobre temas de
juventude no âmbito da OIT. Ressalta-se que nesse contexto
um novo fator emergente sobre o comportamento dos jovens
entrou em cena: as agitações políticas ao redor do mundo.
Assim, vê-se emergir uma guiada no entendimento da OIT
sobre a juventude como agente de desenvolvimento. Agora, o
Organismo lhes confere o estigma de agitadores políticos e
ameaçadores da coesão social.

O SEGUNDO ENTENDIMENTO: AGITADORES POLÍTICOS E


AMEAÇADORES DA COESÃO SOCIAL.
Na ocasião da 101ª CIT, no ano de 2012, após sete anos
da ocorrência da 93ª, a OIT emite pela segunda vez um ‘novo
apelo à ação’ para enfrentar, novamente [sem redundância],
a grave crise do emprego jovem em face ao agravamento
da conjuntura de crise econômica e financeira, e renova o
compromisso de aplicar as orientações apresentadas na
Conferência de 2005. É possível perceber nos documentos
da 101ª Conferência que uma nova preocupação é suscitada,
além daquelas presentes no relatório de 2005, como bem
diz no documento: “A crise econômica e financeira mundial
exacerbou problemas antigos e criou outros novos” (ILO, 2012,
p.02).
Acerca dos problemas antigos, a OIT mantém o mesmo
diálogo apresentado em 2005 em torno da premissa: “investir
na juventude é investir no presente e no futuro das nossas
sociedades” (ILO, 2012, p.02) e que os índices de desemprego,

198 Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

subemprego e o comportamento de risco estavam bloqueando


o melhor aproveitamento dos jovens. Contudo, segundo a OIT,
os novos problemas que foram exacerbados dizem respeito a
iminência da catástrofe social e econômica que os movimentos
internacionais liderados por jovens no mundo, iniciados em
2011 começaram a desenhar, provocados pela persistência de
uma situação adversa e insatisfação generalizada, por parte
dos jovens, com o modelo de crescimento em voga (ILO, 2012).
Dessa forma, os movimentos políticos e sociais juvenis
representavam uma reação às consequências da crise de 2008,
onde conclamavam por empregos, liberdade e justiça social,
representando para a OIT as novas preocupações e bloqueios
para o alcance do projeto de construção da juventude como
agente de desenvolvimento. Como exemplo desses episódios,
a OIT cita os protestos juvenis da Primavera Árabe, na
Tunísia, e a ocupação em massa da Praça Tahrir, no Cairo, que
precipitou a queda do regime no Egito. Cita também o caso da
Espanha com a ocupação da praça Puerta del Sol, em Madri,
e na Grécia, onde os protestos foram inicialmente dirigidos
contra o programa de austeridade, entre outros. Nestes dois
últimos países, o desemprego dos jovens no período alcançou
o patamar de 46% e 42 % respectivamente (ILO, 2012):
Ainda segundo a OIT, o espírito de protestos juvenis
logo reverberou nos países industrializados que foram os
mais afetados pela crise econômica. Os protestos liderados
por jovens, vão dos indignados a Ocupy Wall Street, passando
por Espanha, Estados Unidos, Chile, Reino Unido entre
outros. Ao todo os protestos ocorreram em mais de 1.000
cidades e 82 países no outono de 2011, mobilizando jovens
em protesto contra o tratamento da crise econômica por
parte do establishment político, o aumento catastrófico do
desemprego juvenil, as faltas de igualdade de oportunidades
e desigualdades sociais e educacionais (ILO, 2012).

A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO AGENTE DO DESENVOLVIMENTO: 199


UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS ENFOQUES DA OIT
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Nas palavras da OIT, a súbita angústia do ‘futuro


da próxima geração’ suscita “o espectro da difusão social e
tensões políticas que podem remodelar todo o tecido social
e sistema econômico de maneira imprevisível e indesejável”
(ILO, 2012, p. 03 e 04). Nesse sentido, o medo das tensões
políticas juvenis que a OIT relata está fundado na “perda de
fé no paradigma, (...), é o que torna a atual crise de emprego
jovem tão significativa em todo o mundo” (ILO, 2012, p. 02).
Mas, se o desemprego está minando a crença dos jovens em
um tal paradigma e colocando em risco a estabilidade social,
política e econômica; que paradigma seria esse?
Para a OIT (2012, p. 02), “Nesse paradigma, cada
geração foi preparada para economizar, investir e fazer
sacrifícios para fornecer padrões de vida mais altos e
melhores perspectivas econômicas para a próxima geração”,
ou seja, trata-se de uma das bases que alicerçam o paradigma
do desenvolvimento sustentável. Assim, apesar da presença
de outras demandas juvenis, o escopo do pensamento da OIT
ainda permanece na manutenção da percepção do jovem como
o agente do desenvolvimento. No entanto, para a manutenção
deste projeto, é imprescindível que ainda haja a fé no
paradigma por parte desses atores e, portanto, é necessário
aparar as ‘arestas’ desta juventude agitadora.
Desse modo, convém mencionar que os protestos
desencadeados a partir de 2011 vêm questionar as bases
desse paradigma, conforme cita Bauman (2013, p. 45):
Os jovens da geração que agora está entrando ou
se preparando para entrar no chamado “mercado
de trabalho” foram preparados e adestrados para
acreditar que sua tarefa na vida é ultrapassar e
deixar para trás as histórias de sucesso de seus
pais; e que essa tarefa (excluindo-se um golpe
cruel do destino ou sua própria inadequação,
eminentemente curável) está totalmente
dentro de suas possibilidades. (...) Nada os
preparou para a chegada de um novo mundo
inflexível, inóspito e pouco atraente, o mundo
da degradação dos valores, da desvalorização

200 Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

dos méritos obtidos, das portas fechadas, da


volatilidade dos empregos e da obstinação do
desemprego; da transitoriedade das expectativas
e da durabilidade das derrotas; um novo mundo
de projetos natimortos e esperanças frustradas, e
de oportunidades mais notáveis por sua ausência.

Nesse sentido, para a continuidade da manutenção


da fé do jovem no paradigma do desenvolvimento vigente, a
comissão tripartite da OIT reforçou a previsão de estabelecer
“alianças e parcerias estratégicas para colocar o emprego
jovem no centro da agenda mundial para o desenvolvimento”,
para que as metas figurem no quadro dos Objetivos do
Desenvolvimento do Milênio (ODM) (ILO, 2012, p. 17). Vale
ressaltar que desde a Conferência de 2005 a OIT atua para
incluir na sua agenda internacional uma Agenda de Trabalho
Decente para os Jovens, almejando ser a líder mundial sobre
o tema, integrando o tema nas agendas de desenvolvimento
internacional através do fortalecimento da cooperação com
outras OI na intenção de promover uma abordagem coordenada
que possibilite o pleno emprego e o trabalho decente (ILO,
2004; 2005).
Desse modo, o alinhamento e a coordenação das
políticas da OIT com as Nações Unidas e de outras instituições
multilaterais, culminaram com a integração do paradigma do
Trabalho Decente aos ODS 2030 lançados no ano de 2015. Tal
integração permitiu alinhar as distintas políticas nacionais
de diversos países articulando desenvolvimento sustentável,
Trabalho Decente e jovens. Para isso, os Organismos continuam
a fazer uso dos discursos que sustentam as máximas onde
retratam o jovem como agente de desenvolvimento, pautados
em teorias de cunho utilitaristas vinculando com os conceitos
de caráter econômico, sociológico e politológico que
estabelecem conexões entre o desenvolvimento econômico
e a juventude, exacerbando o discurso do paradigma que,
outrora, a juventude se revoltou (GONÇALVES, 2019).

A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO AGENTE DO DESENVOLVIMENTO: 201


UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS ENFOQUES DA OIT
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Neste sentido, considera-se que as mudanças na


percepção da juventude como agente do desenvolvimento,
promovidas por parte da OIT, [embora o Organismo ainda
continuasse na manutenção do projeto da juventude como
agente de desenvolvimento], se vincularam aos discursos
que ensejam a importância de aplicar ações voltadas para o
enaltecimento da cultura cívica dos jovens para assegurar a
estabilidade da governabilidade, pois desse modo, haveria a
continuidade da fé do jovem no paradigma e os afastariam
das agitações de movimentos sociais e políticos de grande
proporções como as ocorridas em 2011.
Portanto, considera-se que as palavras de Campos
(2018) resumem o movimento que a OIT apresentou sobre a
percepção da juventude como agente do desenvolvimento.
Para o Campos (2018), a OIT cumpre o seu papel histórico
para o qual foi criada, que é cuidar de neutralizar as ameaças
à harmonia social provocadas pelo duelo histórico entre a
luta pela reversão de condições desumanas de trabalho e a
manutenção do lucro capitalista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os indicadores de precarização das relações de
emprego e os elevados índices de desemprego da população
jovem, persistentes por mais de três décadas, apontam para
a necessidade de rever os tipos de relações sociais, políticas
e econômicas que determinam as formas deficientes de
integração da esmagadora parcela dos jovens no mercado
de trabalho. Somando-se a isso, o abuso de drogas, crime e
pobreza, afastam as possibilidades de aproveitamento do
potencial humano desta população, bloqueando as Janelas de
Oportunidades e contribuindo para ser fonte de instabilidade
social e política.
Neste ínterim, a OIT tem se demonstrado preocupada
por todas as consequências que as crises econômicas têm
incidido sobre a população jovem. No entanto, por trás de toda
202 Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

essa preocupação, fica explícito que o discurso de promoção


do trabalho decente dos jovens pretende abarcar como
objetivo adjacente o controle da agitação social e política
dos jovens contra o atual sistema econômico de geração
de desigualdades. Assim, o discurso da OIT contribui com a
manutenção dos valores e princípios que permitem manter o
modelo econômico vigente em funcionamento, sem maiores
perturbações políticas e sociais acelerando e intensificando
seus processos de alavancagem do crescimento, isto é,
atuam para, em última instância, conciliar as contradições
capitalistas sem maiores questionamentos das origens de tais
contradições.
Dessa forma, caso a OIT continue relutante em
confrontar a origem mais profunda das causas dos problemas
atinentes ao modelo econômico vigente de geração de
desigualdades, em que enaltece a autorresponsabilização
pelo sucesso e/ou fracasso dos jovens, em detrimento a
legitimação das suas demandas por justiça social, empregos
e oportunidades; o Organismo pouco contribuirá para resolver
os problemas patológicos da juventude.
Ademais, apesar de não consistir em objetivo finalístico
deste trabalho, estas considerações finais também apontam
para a contribuição da pesquisa quanto ao seguimento na
periodização existente das demandas sociais juvenis e das
políticas de juventude abordadas no início deste texto, na
medida em que inclui a possibilidade de prolongamento do
tempo de duração do quarto período e acrescenta o quinto
período.
Nesse sentido a periodização passaria a ter a seguinte
estrutura: O primeiro período representa um contexto
marcado por políticas que visavam adequar o uso do tempo
livre dos jovens ampliando a educação e vigorou entre 1950 a
1980. O segundo período foi marcado por políticas que eram
dirigidas para manter o controle social dos jovens mobilizados
dos ‘anos rebeldes’ e vigorou entre 1970 a 1985. O terceiro
A PERCEPÇÃO DA JUVENTUDE COMO AGENTE DO DESENVOLVIMENTO: 203
UMA ANÁLISE CRÍTICA A PARTIR DOS ENFOQUES DA OIT
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

período, delimitado para os anos 1985 a 2000, demonstra a


preocupação com o enfrentamento da pobreza e da contenção
da violência contra/da juventude, com a prevenção do delito. O
quarto período, que vigorou entre 1990 e 2012 [a configuração
anterior abarcava entre 1990 a 2000], põe em cena as políticas
de inserção do jovem excluído do sistema laboral. E por fim,
no 5º período, que se iniciou a partir de 2012, entra em vigor
as políticas de manutenção da cultura cívica e garantias de
governabilidade cuja atuação visa a contenção de agitações
políticas dos jovens.
Portanto, conclui-se que a percepção da OIT
sobre a juventude é que este Organismo a vê como um
agente do desenvolvimento, porém é imprescindível que
os mesmos contribuam para a estabilidade do paradigma
do desenvolvimento vigente, sem realizarem maiores
questionamentos das contradições socioeconômicas
desencadeadas. No entanto, o Organismo considera que é de
extrema importância para a manutenção da estabilidade deste
paradigma que as Políticas de Juventude abarquem ações que
visem atuar na cultura cívica e autorresponsabilização dos
jovens. Pois, com essa forma de atuação preconizada pela OIT,
o jovem continuaria trazendo para si toda a responsabilização
de sucesso ou fracasso que acontecesse em sua vida, por
mais inexplicável e incontrolável que seja o evento, deixando
os questionamentos sobre as contradições do paradigma, que
por ventura ocorressem, em segundo plano ou enfraquecidos.
Assim, a OIT continuaria cumprindo a sua função de harmonizar
as dimensões: humanitária, política e econômica, necessárias
manutenção do sistema capitalista vigente.

BIBLIOGRAFIA

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206 Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

DIÁLOGOS E (DES)ENCONTROS NA
ESCOLA: (IM)POSSIBILIDADES PARA A
RELAÇÃO ENTRE JOVENS E ADULTOS
Luciana Winck Corrêa
Konstans Steffen
DOI: 10.29327/541522.1-11

INTRODUÇÃO
A escola tem sido espaço de encontros e desencontros
das relações entre os mundos culturais juvenis e das culturas
adulta e escolar. Jovens e adultos se deparam com temas
compartilhados, em termos de experiências ou demandas
curriculares, mas é comum que diante deles os posicionamentos
e interesses sejam diversos e por vezes até antagônicos. A
partir deste cenário de diversidade, é possível que alguns
tensionamentos se estabeleçam e deles decorram movimentos
por vezes considerados de resistência pelos jovens ou de
contrariedade dos adultos em relação a eles, dependendo do
ponto de vista adotado. As discussões apresentadas neste
texto versam sobre observações das práticas das autoras,
inseridas em uma escola privada na região metropolitana de
Porto Alegre. Algumas considerações aqui presentes foram
apresentadas inicialmente na dissertação de mestrado de
uma das autoras (CORRÊA, 2021).
Os tempos decorridos nos últimos meses, onde viveu-
se a escola de forma remota devido ao distanciamento físico
causado pela pandemia do Covid-19, têm demonstrado que o
que já se experimentava nas complexas relações presenciais
na escola, segue se manifestando também, nos ambientes

DIÁLOGOS E (DES)ENCONTROS NA ESCOLA: (IM)POSSIBILIDADES PARA A 207


RELAÇÃO ENTRE JOVENS E ADULTOS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

virtuais. Na experiência presencial, adultos (professores)


manifestavam em seus relatos acerca das relações com os
jovens queixas a respeito de momentos de distração ou não
adesão a ação docente em sala de aula, em comportamentos
como o uso de fones de ouvido, de atitudes de pouca atenção
ao que estava proposto ou até de situações em que jovens
adormeciam em cima de classes sem o indicativo de atenção
e presença real na cena da sala de aula. Já os jovens, por
outro lado, apontavam para metodologias pouco atrativas,
excesso de atividades a serem realizadas e pouca clareza da
aplicabilidade dos conhecimentos da escola na vida fora dela.
Na experiência com o ensino remoto é possível
perceber que as diferenças também permanecem, mesmo
que expressas de outras formas. Em alguns contextos, os
educadores adultos relatam pouca participação dos jovens
nas aulas, escondidos ou ausentes atrás das câmeras, além da
preocupação com aprendizagem e desempenho de uma forma
geral; do outro lado, é possível perceber em alguns momentos
uma possível disputa de poder através de distintas formas de
resistência. Nesse novo cenário, o jovem faz escolhas de quais
aulas vai assistir, quais atividades realizará com dedicação e
num simples baixar de telas desvia sua atenção (como antes),
porém sem mais a presença enfática da chamada de atenção
do professor.
Estas escolhas trazem consequências que também
são experimentadas neste caminho de desenvolvimento da
autonomia. Para além da problematização em torno da não
abertura das câmeras, outros motivos estão presentes, não
apenas como uma resistência deliberada, mas que envolvem
a qualidade da conexão, que é prejudicada quando a câmera
fica aberta; a qualidade dos aparelhos à disposição para
o acesso de casa; a fase vivida pelo jovem que carrega um
pouco de vergonha de si e do contexto em que está inserido,
além do medo de julgamentos dos colegas; o cyberbullying
potencializado neste momento de super exposição; como
208 Luciana Winck Corrêa - Konstans Steffen
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

também a motivação que é difícil de ser mantida em tempos


de incertezas trazidas com a pandemia. São fatores que
podem ser isolados ou combinados formando um complexo
caleidoscópio, tomando emprestado o termo de Regina
Novaes (2007), que produz distintos graus de vulnerabilidade
juvenil. Neste modelo de ensino, o jovem também se queixa
das metodologias utilizadas, do excesso de atividades a
serem realizadas e da robotização das aulas, sentindo falta da
humanização que as relações permitem.
Ao considerar-se o foco sobre as percepções de
professores, suas vivências e considerações em relação
à tarefa de educar e cuidar dos jovens com quem têm o
compromisso cotidiano na escola, imagina-se que esse olhar
pode configurar-se de forma a defender alguns pontos e
questionar outros tantos. Os docentes constituem o grupo
que diretamente planeja e executa os planos mais amplos
que a escola concebe para sua ação em si. Neste sentido,
nem sempre estão isentos dos formatos e modelos que lhes
são outorgados, ainda que possam identificar-se e manter-se
próximos de muitos aspectos das culturas juvenis.

CULTURAS EM DIÁLOGO
Conforme afirma Dubet (2007. p. 45): “[...] espera-
se que o professor e o professor representem os valores da
instituição, sacrificando-se por eles, adotando uma vida
virtuosa e exemplar (tradução nossa).” Ora, os professores
também são a gente que constitui o dia a dia na escola, e
como tal, não há como deixar de estar implicados com o
projeto curricular que a instituição lhe contrata para executar.
As Diretrizes Curriculares Nacionais declaram que “educar
é, enfim, enfrentar o desafio de lidar com gente, [...] criaturas
tão imprevisíveis e diferentes quanto semelhantes, ao longo
de uma existência inscrita na teia das relações humanas,
neste mundo complexo” (BRASIL, 2013, p. 12), referendando
que os envolvidos neste entrelaçamento estão imersos na
DIÁLOGOS E (DES)ENCONTROS NA ESCOLA: (IM)POSSIBILIDADES PARA A 209
RELAÇÃO ENTRE JOVENS E ADULTOS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

imprevisibilidade. Porém, o que se constitui com os currículos


está atrelado à necessidade de seguimento de aspectos que
atendem à forma escolar e, portanto, nem sempre tem como dar
conta desta relação complexa de demandas e necessidades.
A partir do que expõe a legislação, especialmente no
que está expresso nas Diretrizes Curriculares Nacionais sob
a qual se regem planos e ações docentes, há uma disposição
clara sobre o que se espera do trabalho do professor junto aos
alunos:
[...] o professor precisa, particularmente, saber
orientar, avaliar e elaborar propostas, isto é,
interpretar e reconstruir o conhecimento. Deve
transpor os saberes específicos de suas áreas de
conhecimento e das relações entre essas áreas,
na perspectiva da complexidade; conhecer e
compreender as etapas de desenvolvimento dos
estudantes com os quais está lidando. (BRASIL,
2013, p. 54).

Tarefa complexa, que inclui o acadêmico e o relacional,


o ser professor, diante de uma pluralidade juvenil que expressa
uma cultura dinâmica e pauta por mudanças frequentes de
olhares e expectativas, descreve um papel que já não é mais o de
socializar da mesma forma que no passado a escola propunha
ao corpo docente. O conceito de socialização na formação
escolar, hoje, se pauta por uma teia de relações e concepções
sobre a importância do estabelecimento de posições e ações
implicadas nestes. Segundo Dubet e Martucelli (1997): “[...] a
noção de “papel” torna-se essencial. Em razão da diversidade
dos subsistemas sociais, os indivíduos devem adquirir
competências múltiplas para fazer frente à diversidade de
ações que são obrigados a desempenhar.”
Se os jovens são inseridos na escola com o intuito
de prepará-los ao enfrentamento deste mundo pautado
por uma lógica de mercado que os obrigada a encontrar as
melhores formas de produzir e competir, algo semelhante
acontece também com o professor dentro da escola. Para
Moraes e Veiga-Neto (2008, p. 10) “a ênfase dos processos de
210 Luciana Winck Corrêa - Konstans Steffen
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

subjetivação na escola parece ter se deslocado da docilidade


para a flexibilidade”. Para esses autores, o sujeito dócil que
encontrava as regras escolares visivelmente definidas através
de uma relação com uma autoridade hierárquica centralizada
dá lugar a um sujeito flexível que não encontra regras explícitas
e as fronteiras hierárquicas são borradas, possibilitando uma
forma de se relacionar a partir de conexões em redes com as
pessoas e com as informações de acontecimentos de lugares
situados a distâncias variáveis. E na complexidade dessa
realidade e dessa exigência, as relações entre jovens e adultos
vão se concretizando no espaço educativo, cotidianamente.
O posicionamento como adulto que tem a tarefa de
educar, formar para a competência, aparece pautado pela
mesma exigência, de que se precisa desempenhar a tarefa
docente a partir da melhor qualidade e competência que for
possível. Com isso, acaba por tornar-se um lugar carregado
de requisições, com exigências que podem acabar também
pautando as relações que estabelecem com seus alunos em
sala de aula.
[...] nas instituições educacionais, existe uma
profunda discordância e desconforto em torno de
três questões específicas:

A discordância quanto ao tom da conversa e


nem tanto quanto ao seu conteúdo, visto que
parece que o sublinhado moral do adulto (alguma
insistência no que é certo ou errado, o que é certo
ou errado, o que deve ou não fazer si mesmo,
pensar em si mesmo, experimentar-se, etc.) se
opõe a uma espécie de ênfase estética dos jovens
(existência para apreciação, gosto, prazer, desejo,
etc.).

O desacordo sobre o tempo institucional. [...]


costumamos ouvir falar de professores que
passam boa parte do dia tentando chamar a
atenção de seus alunos, tentando chamar a
atenção deles, tentando iniciar “aquilo” que

DIÁLOGOS E (DES)ENCONTROS NA ESCOLA: (IM)POSSIBILIDADES PARA A 211


RELAÇÃO ENTRE JOVENS E ADULTOS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

a gente chama de “aula”, tentando explicar,


tentando para desenvolver o que foi planejado,
etc

Discordância quanto à vivência da temporalidade


(tradução nossa). (SKLIAR, 2010, p. 104).

Professores e jovens frente a frente, no dia a dia,


empenhados em viver espaços e tempos que nem sempre se
encontram. O tom dos discursos entre eles pode tornar-se
diferente, por vezes hostil, por vezes distanciado, às vezes
correspondente, justamente pelo fato de que a pluralidade e
a diferença marcam a presença de ambos no mesmo espaço
escolar, a partir de uma experiência que tem cores e sabores
diferenciados.
E como manter os jovens atentos e conectados ao
propósito escolar se tais formas de experimentar e discursar
sobre os saberes nem sempre se traduz pelas mesmas formas
de expressão? O professor, neste sentido, se vê desafiado
a reinventar sua maneira de exercer seu posicionamento
docente, pois, como afirma Bárcena (2016, p. 47) ao analisar-
se enquanto mestre: “Dou-te coisas e sei que o meu ensino não
é a causa direta da tua aprendizagem, mas em todo o caso o
sinal que te pode tocar, e talvez mover ou demolir, que te pode
mover (tradução nossa).”
Em outras palavras, o professor - pessoa, sujeito que
contracena, que convive - é quem mobiliza o outro, o jovem,
que está ou não aberto a aprender a partir deste movimento
relacional. Para Tassoni e Leite (2000), toda aprendizagem
inclui afetividade, já que ocorre em relação, em um processo
vincular. A trama que se dá entre professores, alunos, livros
e conteúdos não acontece estritamente no campo cognitivo,
mas também a partir de uma base afetiva que permeia essas
relações. Conforme Outeiral (2005), o ambiente pode tornar
propício o aprendizado prazeroso ou os distúrbios de conduta
e/ou aprendizagem. Isso é condicionado especialmente
pelas relações estabelecidas em sala de aula, a partir da
212 Luciana Winck Corrêa - Konstans Steffen
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

aproximação ou distanciamento entre professor e aluno. Não


há, aqui, garantia ou controle, há o jogar-se, o relacionar-se, o
constituir-se enquanto ser que entra na dança com o outro e,
com isso, espera para ver o que deste movimento se constituirá.
Esse talvez seja o desafio do professor que hoje deseja entrar
em contato significativo com seu aluno, especialmente o que
traduz o jeito de ser das culturas juvenis da atualidade.
As construções que os professores vão fazendo sobre
seus alunos decorrem das várias formas de entrelaçamento
destas diferentes realidades, em uma cultura que deseja
integrar pontos de vista e de busca, mas que às vezes mostra-
se limitada a propiciar de fato uma convivência a partir da
diferença e da alteridade. Há também o fator geracional,
sendo recorrente que os adultos estabeleçam para os
jovens um ideal que, na verdade, corresponde ao das suas
próprias vivências anteriores. Isso pode gerar afastamento e
desencontro; por outro lado, há a possibilidade também de
que essas relações intergeracionais tornem-se espaços de
convívio de diferenças experenciais, não necessariamente de
oposição, potencializando trocas construtivas.
Os jovens que crescem dentro do ambiente escolar
são os mesmos que convivem em diversos contextos de
comunicação e expressão na sociedade, transitando entre
grupos por temáticas afins ou manifestando-se em redes
sociais que disseminam rapidamente conteúdos de opinião
e recortes de percepção sobre o mundo e suas concepções.
A escola os recebe sabendo de tal heterogeneidade, mas, na
prática, ainda costuma esperar que a ação juvenil siga modelos
lineares de participação, adesão e comunicação dentro da sua
estrutura, conforme aponta Reguillo (2007):
Através da música, os chamados “fanzines”,
do acesso à informação através de complexas
redes internacionalizadas e, sobretudo, através
da porosidade comunicativa entre diferentes
grupos juvenis, os jovens têm ultrapassado a
instituição escolar que permanece, em termos

DIÁLOGOS E (DES)ENCONTROS NA ESCOLA: (IM)POSSIBILIDADES PARA A 213


RELAÇÃO ENTRE JOVENS E ADULTOS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

gerais, à margem dos processos de configuração


sociocultural das identidades juvenis e continua
a pensar o ‘jovem’ como um ‘exemplo de livro
didático’ com um processo de desenvolvimento
linear que deve abranger certas etapas e
expressar determinados comportamentos
(tradução nossa). (REGUILLO, 2007, p. 61).

A organização curricular e de projetos educacionais


que a instituição escolar propõe ainda contempla reprodução
de modelos que visam levar os jovens a atingir um nível de
desenvolvimento cognitivo e relacional que é o esperado
para os desafios que a sociedade espera ultrapassar. Por
exemplo: a forma de organização da sala de aula, muitas
vezes com layout ainda do chamado nuca-a-nuca, ou seja,
um atrás do outro, desfavorece a troca e o dinamismo que
os jovens, em outros tantos ambientes, estão acostumados
a experenciar. Além disso, atrás deste modelo estrutural de
organização, ainda se manifesta o desejo da instituição, e com
ela seus representantes ativos, os professores, de conter ou
modelar o que vão receber e o que vão construir em termos de
conhecimentos.
Mais uma vez, acrescentando aqui a realidade
dos anos de 2020 e início de 2021, com o desencadear da
pandemia pelo Covid-19 que acabou por imprimir um formato
virtual à sala de aula, expandem-se os (des)encontros dessas
relações. Outro exemplo pode ser notado nas avaliações, que
na prática muitas vezes ainda estendem aos bancos escolares
a necessidade de atribuição de valor, geralmente numérico,
ao acompanhamento de um processo da aprendizagem que
deveria ser qualitativo e por acompanhamento. No formato
virtual, isso é defeito em algum nível, subvertendo regras
anteriores.
Recomenda, aos sistemas de ensino e as
escolas públicas e particulares, que o caráter
formativo deve predominar sobre o quantitativo e
classificatório. A este respeito, e preciso adotar
uma estratégia de progresso individual e contínuo

214 Luciana Winck Corrêa - Konstans Steffen


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

que favoreça o crescimento do estudante,


preservando a qualidade necessária para a sua
formação escolar. (BRASIL, 2013, p. 52).

Pela proposta citada acima, a forma de


acompanhamento precisaria ser, na prática, processual
e correspondente à visão de acompanhamento pelos
professores, adultos que acompanham a trajetória escolar de
cada aluno. O esforço para tanto existe, em muitos projetos
educativos e programas curriculares, mas nem sempre os
docentes estão preparados a partir de uma real concepção
sobre o que seja e de que forma é possível tal acompanhamento.
E, possivelmente diante da complexidade de manifestações e
expressões dos jovens, a necessidade de controle ainda parece
ser o que direciona as ações, promovendo a manutenção de
avaliações ainda mais quantitativas do que qualitativas, mas
que se fragiliza diante do modo virtual, em que não é possível
observar o aluno.
Para citar atualizações ainda mais intensas desta
necessidade de avaliação processual e por acompanhamento,
destaca-se o que recomendam Pareceres do CNE/CEB como
os de nº 05/2020 e 15/2020 (BRASIL, 2020), orientando
adaptações na forma de avaliação a partir dos impedimentos
presenciais decorrentes do isolamento social em 2020:
2.16 Sobre avaliações e exames no contexto da
situação de pandemia

Sugere-se que as avaliações e exames nacionais e


estaduais considerem as ações de reorganização
dos calendários de cada sistema de ensino para
o estabelecimento de seus cronogramas. É
importante garantir uma avaliação equilibrada dos
estudantes em função das diferentes situações
que serão enfrentadas em cada sistema de
ensino, assegurando as mesmas oportunidades a
todos que participam das avaliações em âmbitos
municipal, estadual e nacional. (BRASIL, Parecer
05, 2020, p. 20).

DIÁLOGOS E (DES)ENCONTROS NA ESCOLA: (IM)POSSIBILIDADES PARA A 215


RELAÇÃO ENTRE JOVENS E ADULTOS
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Art. 27. As avaliações do Ensino Fundamental,


do Ensino Médio e do Ensino Superior devem ter
foco prioritário nos objetivos de aprendizagem
e desenvolvimento de competências essenciais
que devem ser efetivamente cumpridos no
replanejamento curricular das escolas, respeitada
a autonomia dos sistemas de ensino, das
instituições e redes escolares, e das instituições
de ensino superior. (BRASIL, Parecer 15, 2020, p.
15).

A realidade das aulas remotas pode ser concebida


como uma demonstração da necessidade de olhar diferenciado
sobre a velocidade com que se modificam os contextos,
exigindo tanto de professores quanto de jovens estudantes
uma adaptação constante às mudanças geradas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cultura escolar - pautada pelas experiências que
deseja promover e os conceitos, as competências e as
habilidades que intenciona desenvolver - vai gerar espaços de
relação que podem, ou não, coincidir com as expectativas e as
produções culturais que os jovens carregam em suas histórias.
Neste sentido, Dayrel (2007, p. 1106) afirma que “a relação
da juventude com a escola não se explica em si mesma.”,
certamente porque os interesses e as experiências que os
jovens vivenciam não têm relação direta com as expectativas
de seus professores ou familiares.
Para analisar de que forma as culturas juvenis se
inserem ou entram em conflito com a cultura escolar, é preciso
observar como tem se ressignificado quem é o jovem no âmbito
social, a partir das próprias transformações socioculturais
pelas quais o mundo ocidental vem passando nas últimas
décadas (DAYREL, 2007). Importante observar e perceber
que há múltiplas condições juvenis implicadas na cultura
que produzem: as relações econômicas, as possibilidades de
emprego ou desemprego, o acesso à informação ou o limite
deste por questões associadas à pobreza, à falta de estrutura,

216 Luciana Winck Corrêa - Konstans Steffen


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

à vulnerabilidade social da maioria dos jovens da periferia ou


à proteção dos muros dos condomínios associada aos jovens
de alta renda. Todos esses aspectos podem ser relacionados
às polarizações que vêm se manifestando no modo como a
sociedade produz suas relações e a forma como desenha
espaços para os sujeitos que dela fazem parte.
Assim, a partir de tudo que foi aqui exposto, é possível
perceber o quanto as mudanças geradas pela pandemia na
realidade escolar complexificam ainda mais as relações que
se dão neste contexto. Se é possível que jovens e adultos
se encontrem, verdadeiramente, na escola? Certamente
apostamos que sim, e tantas experiências apontam nessa
direção. Para a produção desses bons encontros, talvez mais
do que nunca, em tempos de incertezas, é fundamental que
o diálogo e a escutam possa ocorrer. Por mais óbvio que isso
possa parecer, há o risco que o distanciamento físico imposto
pela pandemia permeie também as relações no cotidiano
escolar. Portanto, que possamos nos encontrar, sempre!

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220 Luciana Winck Corrêa - Konstans Steffen


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS


JUVENTUDES E VIVÊNCIAS
DAS JUVENTUDES NEGRAS1
Isabela Rodrigues Ligeiro
DOI: 10.29327/541522.1-12

SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES


Compreender o que é ser jovem é uma questão
debatida há décadas, revelando-se um processo que apresenta
diferentes perspectivas sobre a condição juvenil. Novaes (2018),
em seu artigo “O jovem na literatura acadêmica: elementos para
um estado da arte dos estudos da juventude” apresenta uma
discussão a respeito dos diversos estudos que buscaram essa
compreensão. Segundo o autor, existe uma diversidade de
critérios utilizados para identificar a juventude e aponta que,
dentre eles, a juventude não pode ser considerada apenas
uma fase biológica, mas também um produto social e cultural.
Diante disso ele apresenta algumas perspectivas dos estudos
que se desenvolveram sobre a juventude, principalmente a
partir do século XX. A primeira perspectiva considerava os
jovens como problema social, como uma fase para se preparar
para outra, ênfase que influencia até hoje uma ideia negativa
sobre os jovens, concepção desenvolvida, dentre outros, por
Hall, Parsons e Erikson.
Paralelamente, ainda nos anos 1920, outra abordagem
considera os jovens como uma nova geração, que têm
consciência e leitura de mundo, podendo inclusive impulsionar

1  Esse texto é uma leitura aproximada de capítulos da dissertação de


mestrado em educação da autora.
DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES E VIVÊNCIAS DAS JUVENTUDES NEGRAS 221
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

mudanças sociais. Essa abordagem é mais otimista.


Posteriormente, Novaes retoma um ensaio de Jon Savage, A
criação da juventude, para apresentar a última perspectiva.
O mais recente, analisa a cultura juvenil sob o prisma do
mercado e do consumo, em que a juventude se torna um
mercado consumidor potente, com um marketing todo voltado
para essa parcela da população.
Por fim, esse autor apresenta algumas considerações,
com as quais corroboro e acredito servirem de referência para
nossa escrita. Primeiramente é preciso superar a noção do
jovem como um problema social. Em segundo lugar é possível
valorizar essa condição sem menosprezar as demais fases da
vida. Defende que, a partir das contribuições que os estudos
da juventude trazem, deve-se permitir que os próprios jovens
estabeleçam o que é ser jovem.
Em determinado momento histórico, a partir das
relações sociais que ali ocorrem, são criadas representações
sociais sobre a juventude, e essas representações muitas
vezes não refletem a realidade vivída por eles, mas criam
mitos e idealizações do que os jovens são. (PAIS, 2008)
Luis Antônio Groppo (2016) aponta que uma das
compreensões da sociologia das juventudes que reverbera na
academia na contemporaneidade, revela que o jovem deveria
ser promovido a sujeito social, em contraponto à ideia do
jovem como problema social. Nesse paradigma, o jovem se
torna sujeito mais ativo em sua própria socialização, levando
em conta o contexto e as dificuldades que vivem, em especial,
os jovens pobres.
Leão (2011), compartilha da ideia cuja juventude é
uma categoria histórica e social, que, portanto, não podemos
falar de uma juventude universal, e sim de jovens que têm
experiências próprias de contextos sociais específicos. Com
isso, entende-se que não se deve determinar o tempo da
juventude somente a partir de critérios etários predefinidos e
rígidos, construindo então o conceito de condição juvenil. Nesse
222 Isabela Rodrigues Ligeiro
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

sentido, José Machado Pais (2008) debate a necessidade de a


sociologia desmascarar a ideia de uma juventude homogênea,
que unifica todos os jovens numa mesma singularidade. Para
o autor, nenhum jovem é integralmente igual a outro jovem e
compreender isso é fundamental inclusive para as práticas
escolares, que concebem a ideia de um jovem abstrato,
sem considerar a pessoa que “existe” neste jovem. Esse
entendimento ainda não é um consenso na sociedade, mas é
o que acreditamos corroborar com nossa concepção sobre a
condição juvenil.
Viver a condição juvenil em nosso país implica em
vivenciar várias realidades em uma só, tendo sua subjetividade
condicionada por diversos atravessamentos sociais, como
a estrutura patriarcal, o racismo, a desigualdade social e os
diversos preconceitos que incidem nas suas particularidades,
tais como a orientação sexual, a escolha da religiosidade, seus
projetos de futuro e sua forma de inserção no mercado de
trabalho. Compreender tal processo perpassa o entendimento
da sua multiplicidade, ainda mais em um país como o Brasil,
com uma extensão geográfica enorme e com culturas
inúmeras. Pais afirma que
Na análise dos processos de transição para a
vida adulta, não podemos deixar de entrecruzar
escolhas biográficas e estruturas sociais. As
estruturas sociais são o tabuleiro onde se jogam
as trajetórias de vida e as escolhas biográficas.
Embora a fuga aos destinos prováveis seja
hoje em dia mais plausível do que há algumas
décadas, a condição social dos jovens, sua
pertença de classe, continuam a pesar na eleição
e concretização das suas escolhas biográficas
(PAIS, 2017, p. 305).

De acordo com Dayrell, Nogueira e Miranda (2011),


a juventude é uma categoria dinâmica que se transforma
a partir das mudanças sociais da história, e por isso mesmo

DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES E VIVÊNCIAS DAS JUVENTUDES NEGRAS 223
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

consideram que não há tanto uma juventude e sim jovens,


enquanto sujeitos que vivem em um determinado contexto
sociocultural.
Para diversos jovens, viver sua condição juvenil está
atrelada ao emprego, pois é somente com um salário que
podem ter lazer, comprar suas coisas, contribuir com as
despesas da casa, sair para namorar. O mundo do trabalho
foi um dos fatores abordados na pesquisa sobre a condição
juvenil, de Helena Abramo (2008). Os dados mostraram que
74% da juventude brasileira estava inserida no mercado de
trabalho. Desses, 14% estavam trabalhando e estudando ao
mesmo tempo. 40% dos jovens remunerados tinham jornada
igual ou superior a 40 horas semanais. 13% estavam apenas
estudando e 21% da juventude estava desempregada.
Nos dados mais recentes apresentados pela Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua (2017),
a realidade modificou um pouco, mas observamos uma
aproximação nesse percentual. Ao estudar essa pesquisa,
observa-se que o Brasil tinha, em 2017, 48,5 milhões de pessoas
com idade entre 15 e 29 anos, dentre essas pessoas, 13,3%
estavam ocupadas e estudando, 23,0% não estavam ocupadas
nem estudando; 28,7% não estavam ocupadas, porém
estudavam; e 35,0% estavam ocupadas e não estudando. Ou
seja, 25,1 milhões das pessoas de 15 a 29 anos de idade não
frequentavam escola, cursos pré-vestibular, técnico de nível
médio ou de qualificação profissional e não haviam concluído
uma graduação. Segundo o último Censo da Educação
Superior do INEP, de 2017, somente 17% da juventude está no
Ensino Superior, sendo que desses 87% estão em Instituições
Privadas.
No artigo de Dayrell e Carrano, Juventude e ensino
médio,
Para a maioria da população jovem brasileira, o
baixo nível de escolaridade, trabalho precário
e o desemprego são realidades cotidianas,

224 Isabela Rodrigues Ligeiro


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

bem como a violência. Isso evidencia para a


confirmação da noção de que as juventudes não
são apenas muitas, mas são, fundamentalmente,
constituídas por múltiplas dimensões existenciais
que condicionam o leque de oportunidades
da vivência da condição juvenil. (DAYRELL;
CARRANO, 2014, p. 114)

O acesso da juventude à escola, que ainda não é


universal em todos os níveis como demonstrado anteriormente,
passou por um processo de transformação a partir da década
de 1990. Nesse período, tivemos uma massificação da escola
pública, em que algumas barreiras que impediam o acesso dos
mais pobres à escola foram relativamente transpostas. Uma
conquista da população, dos movimentos educacionais e de
estudantes, que reivindicavam acesso gratuito para todos. Essa
escola, que até então era espaço apenas para filhos da elite e
classe média, que atendia a um jovem com capital cultural e
social semelhante, passa a receber um público diverso, com
habilidades heterogêneas, com vidas atravessadas pelas
desigualdades sociais, jovens com poucos hábitos da vivência
escolar e que não se enquadravam no modelo imposto pela
escola, pois ela não os atendia também. Spósito diz que “esses
jovens trazem consigo para o interior da escola os conflitos e
contradições de uma estrutura social excludente, interferindo
nas suas trajetórias escolares e colocando novos desafios à
escola” (SPOSITO apud DAYRELL, 2007, p. 1116).
Dayrell (2007) debate esse processo de abertura
da escola, dos desafios que ele provoca e das mudanças
que deveriam ocorrer para atender essas novas juventudes
presentes nas instituições escolares. O autor considera
que essas instituições não se redefiniram internamente e
nem se reestruturaram para dialogar com esses sujeitos,
mantendo uma visão negativa e preconceituosa em
relação aos jovens. Esse olhar diante dos jovens se traduz
em práticas que desconsideram as suas capacidades e
habilidades, cria representações contraproducentes, nega a

DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES E VIVÊNCIAS DAS JUVENTUDES NEGRAS 225
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

diversidade existente entre eles e impede uma construção de


conhecimentos e perspectivas de futuro de forma saudável.
Dayrell faz o seguinte questionamento:
Nesse sentido, cabe questionar em que medida a
escola “faz” a juventude, privilegiando a reflexão
sobre as tensões e ambiguidades vivenciadas
pelo jovem, ao se constituir como aluno num
cotidiano escolar que não leva em conta a sua
condição juvenil (DAYRELL, 2007, p. 1107).

Contudo, é importante reconhecer os avanços que


essa massificação permitiu. Mesmo considerando os desafios
e incompletudes que ela apresenta à garantia da camada
mais pobre à escola, é um passo importante na luta pela
educação. Dayrell aponta que “para aqueles que frequentaram
e frequentam o ensino médio, a escola contribui, em parte, na
construção e na vivência da sua condição juvenil. No entanto,
se a escola se tornou menos desigual, continua sendo injusta”
(DAYRELL, 2007, p.1124).
Mesmo com o processo de democratização do acesso
à educação básica no Brasil, ocorrido durante a gestão do
Partido dos Trabalhadores, a situação atual ainda é bastante
crítica, fruto de omissões e falta de políticas públicas que
de fato enfrentem o problema da educação em nosso país.
Essas práticas se perduram ao longo da nossa história. Em
alguns momentos apontaram-se mudanças positivas, mas de
forma incipiente e limitadas. Os resultados das avaliações
da educação brasileira, em âmbito nacional ou internacional,
indicam que o baixo rendimento escolar persiste. De acordo
com o Censo Escolar INEP 2017, a rede estadual é responsável
pelo maior número de escolas de ensino médio - 68,2% delas
pertencem a essa rede, visto que em Belo Horizonte estão
presentes 135 escolas estaduais, que ofertam apenas o
ensino médio, com aproximadamente 74 mil estudantes.
Desses jovens que estão no ensino médio, uma boa parte
está “fora da faixa”, já que esse mesmo censo indicou que a
taxa de distorção idade-série no ensino médio é de 28,2%. De
226 Isabela Rodrigues Ligeiro
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

acordo com o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado


(PMDI), 93,4% das crianças de 6 a 14 anos estão na escola,
mas somente 68% dos adolescentes de 16 anos conseguem
concluí-lo, e apenas 48,5% dos jovens de 19 anos.
Esses dados comprovam que o ingresso em massa
de jovens e crianças na escola não significa automaticamente
melhoria da condição escolar para esses sujeitos, bem como
nos apontam as discussões feitas por Dayrell. Fica evidente
um vínculo frágil, principalmente entre os jovens e a escola.
Nesse aspecto, Giroux aponta que,
Para muitos/as estudantes, a escolarização
significa ou vivenciar formas cotidianas de
interação escolar que são irrelevantes para suas
vidas ou sofrer a dura realidade da discriminação
e da opressão, através de processos de
classificação, de policiamento, de discriminação
e de expulsão (GIROUX, 1995, p. 87).

Aliadas à essas questões, existem as diversas


opressões e discriminações que ocorrem dentro das escolas,
por inúmeros atores, que reproduzem a homofobia, o
machismo, o racismo, a gordofobia, dentre outras opressões.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2015
indicou que 30% da população negra (pretos ou pardos) não
completava o ensino fundamental antes dos 16 anos. Além
disso, só 56,8% da população preta e 57,8% parda entre 15
e 17 anos continuava no ensino médio, revelando mais uma
face do racismo estrutural do Brasil. A questão racial dentro
da escola é um componente complexo que alcança os jovens,
tanto quanto na sociedade em geral.
Diante desse cenário deve-se compreender que a
escola e a sociedade são constituídas por uma diversidade
de jovens, que vivem e constroem suas condições juvenis
com diversas particularidades, bem como é necessário que
os docentes repensem cotidianamente suas práticas para
respeitar essa diversidade e combater os preconceitos
existentes.
DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES E VIVÊNCIAS DAS JUVENTUDES NEGRAS 227
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

A respeito da desigualdade social e a violência,


os dados são preocupantes, pois revelam os inúmeros
problemas e desafios enfrentados pelos jovens. Dos jovens
que trabalham, entre 15 e 17 anos, segundo IPEA (2014), 60%
não ganham sequer um salário mínimo. O Atlas da Violência,
de 2018, informa que 33.590 jovens foram assassinados em
2016 no Brasil, sendo 94,6% do sexo masculino. Ficou evidente
também que a questão racial é determinante nesse aspecto,
pois a taxa de homicídios de negros foi duas vezes superior à
de não negros (40,2% contra 16,0%), e a taxa de homicídios de
mulheres negras foi 71% superior à de mulheres não negras,
dados que revelam mais uma marca da desigualdade racial do
nosso país, ratificando que a vida dos jovens negros é muito
mais vulnerável que a vida dos não negros.

JOVENS NEGROS IMPORTAM


Segundo dados apresentados no Estado da Arte sobre
Juventude Negra (EUGÊNIO e SOUZA, 2017, p. 51) 64,9% dos
jovens brasileiros são negros e a imensa maioria (83,5%) é
pobre e vive em famílias com renda per capita inferior a um
salário mínimo. Os estudos analisados evidenciam como a
condição de ser jovem negro está atrelada a conflitos, violência,
vandalismo e delinquência, não podendo ser dissociada das
desigualdades sociais e raciais que atingem essa juventude.
As pesquisas apontam que a situação em que se
encontram os jovens negros no Brasil é assinalada pela falta
de oportunidades, pelas dificuldades para acessar o mundo do
trabalho, por informalidade nas relações trabalhistas, baixos
salários, altas taxas de homicídio e pelo encarceramento
em massa. Essas condições, herdadas de uma sociedade
escravocrata que não reparou tais violências históricas, são
naturalizadas e assimiladas muitas vezes pela juventude
negra. Os autores indicam que,

228 Isabela Rodrigues Ligeiro


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Mesmo destacando os significativos avanços


ocorridos na última década, no campo das
políticas públicas para a juventude, a população
juvenil negra e de áreas periféricas urbanas
e rurais ainda convive com marginalização,
violência, preconceito, discriminação, racismo
e condição de vulnerabilidade social, como
apontam as pesquisas realizadas e analisadas
nesse estado da arte, constituindo as temáticas
mais investigadas (EUGÊNIO e SOUZA, 2017, p.
64).

Os jovens negros não têm suas identidades


representadas nos filmes e novelas, bem como a mídia pouco
se esforça para representar a diversidade racial existente
no país. Podemos observar também como existem várias
violências simbólicas, como no próprio vocabulário brasileiro
que utiliza a palavra denegrir para se referir a algo negativo,
quando o cabelo crespo é visto como um cabelo ruim, ou
quando as pessoas usam inúmeras variações de palavras para
não identificar uma pessoa como negra, utilizando o “mulata,
moreno, chocolate, marrom bombom”.
Fica evidente como o/a jovem negro/a brasileiro
tem vários dos seus direitos violados, em consequência dos
processos históricos de desigualdades sociais e raciais.
Consolida-se um país colonial que até hoje não reparou os
efeitos do processo histórico da escravidão, que tem um
Estado que perpetua o racismo institucional, e que pouco faz
para mudar essa realidade. É importante ressaltar que, os
importantes avanços que tivemos nos governos do Partido
dos Trabalhadores (PT) em relação a essa temática estão
sendo retirados dia a dia com esse governo conservador e
racista, colocando em risco as políticas afirmativas que foram
conquistadas após tanta luta.
Entretanto, esses marcadores sociais não são
definidores do que é ser juventude negra no Brasil. Entender que
os elementos anteriormente citados fazem parte do contexto
em que esses jovens estão inseridos é fundamental, mas a
condição juvenil negra é permeada de complexidades que não
DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES E VIVÊNCIAS DAS JUVENTUDES NEGRAS 229
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

podem ser resumidas às representações negativas. Diante da


vulnerabilidade e subalternização imposta pelo racismo, os
jovens negros resistem cotidianamente, estudam, namoram,
trabalham, constituem família, produzem conhecimento,
fazem arte, participam da política e pautam as políticas
públicas. São jovens que compõem e constroem a sociedade.
Ao longo do texto apresentaremos algumas discussões
que consideramos pertinentes para compreendermos as
expressões da condição juvenil afro-brasileira.

JUVENTUDE NEGRA NA ESCOLA


A população negra brasileira teve o direito à educação
negado, bem como a escola era (e ainda é) um espaço de
reprodução dos racismos existentes na sociedade. Diante
disso, o movimento negro pauta, ainda hoje, a defesa de
uma educação antirracista para todos. Segundo Hasenbalg
(1987), as entidades e movimentos negros, em defesa
da educação, apresentaram “Protocolo de Intenções” ao
Ministério da Educação no ano de 1986, com reivindicações
contra a discriminação racial e a veiculação de ideias racistas
nas escolas, melhores condições de acesso ao ensino à
comunidade negra, reformulação dos currículos escolares
visando à valorização do papel do negro na História do Brasil
e a introdução de matérias como História da África, línguas
africanas e participação dos negros na elaboração dos
currículos em todos os níveis e órgãos escolares.
O processo, que impôs à população negra uma
inserção subalternizada nas escolas, também invisibilizou
sua história e cultura nos currículos e nas práticas educativas,
é fundamental para compreendermos como o racismo está
presente na educação de nosso país, bem como evidencia o
racismo institucional legitimado em práticas discriminatórias.
Dessa forma, a criança e o jovem negro não se reconhecem
no espaço escolar, nos currículos, na história, não fortalecem
suas identidades e têm dificuldades de enfrentar as diversas
230 Isabela Rodrigues Ligeiro
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

práticas que perpetuam o racismo na escola e na sociedade.


Por isso, é tão importante que a Lei 10639/03 seja colocada
em prática em todas as escolas desse país. Essa lei tornou
obrigatório o ensino, em todas as instituições de educação
básica do país, da história e cultura Afro-brasileira e Africana.
Dados da Pesquisa Nacional por amostra de Domicilio
Contínua- PNAD 2017 indicam que, em relação ao tempo de
estudo, as pessoas de cor branca registram 10,1 anos de estudo
e para as pessoas de cor preta e parda 8,2 anos, uma diferença
de quase dois anos entre esses grupos. Entre as pessoas de 15
anos ou mais de cor branca, 4,0% eram analfabetas, enquanto,
entre as de cor preta ou parda a taxa foi de 9,3%. Para o grupo
etário de 15 a 17 anos, o ideal seria estarem alocados no ensino
médio, porém, apenas 68,4% dos negros estavam na idade/
série adequada. Com relação à frequência escolar no ensino
médio foi de 76,4% entre as pessoas brancas, enquanto para
as pessoas pretas ou pardas, 63,5%. Em 2018, 73% dos jovens
brancos de 19 anos concluíram o ensino médio e 53, 8% de
jovens negros concluíram essa etapa, segundo Pnad Contínua
2018.
Com relação ao Ensino Superior a situação ainda é
mais desigual, em que pesem as políticas de ações afirmativas,
como a Lei de Cotas de 2012, a frequência de negros nas
instituições de ensino superior ainda é bastante inferior. De
acordo com o IBGE (2015), somente 12,8% dos negros (pretos e
pardos), entre os 18 e 24 anos, são estudantes em instituições
de ensino superior brasileiras, enquanto 26,5% dos estudantes
brancos entre 18 e 24 anos estavam na universidade em 2015.
A reprodução do racismo e seu enfrentamento ocorrem
em todos os espaços da sociedade, e suas instituições não
estão isentas nesse processo. Assim como as instituições
de ensino reproduzem o racismo, elas possuem também a
possibilidade de enfrentá-lo, contribuindo inclusive para
formar cidadãos mais críticos diante das desigualdades
existentes.
DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES E VIVÊNCIAS DAS JUVENTUDES NEGRAS 231
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA


Abdias do Nascimento (1978) apresenta uma
interpretação do que considera o genocídio do povo negro
brasileiro. Um processo histórico de violências materiais e
simbólicas, que se expressa no racismo contra negras/os no
Brasil, um extermínio de corpos negros e de suas culturas
(NASCIMENTO, 1978). A juventude negra ressignificou esse
conceito, observando que essa parcela da população negra é a
mais afetada pelas mortes violentas, em especial nas regiões
periféricas dos grandes centros urbanos. Gomes e Laborne
identificam que
A vida do jovem negro não tem valor. Qualquer um
pode nos matar. Somos um incômodo para essa
sociedade. Somos vistos como extermináveis
para a polícia, para o tráfico, para as milícias, para
a classe média. Não podemos circular na cidade
sem olhares de medo e reprovação. Isso não é
vida. (GOMES e LABORNE, 2018, p. 3)

O Brasil convive cotidianamente com essa perversidade


que atinge não só os jovens negros assassinados, mas destrói
famílias inteiras, que muitas vezes não têm sequer apoio do
Estado para enterrar seus filhos. Os dados são alarmantes.
Segundo o Atlas da Violência, de 2017, a cada 100 pessoas
assassinadas, 71 é negra. “Jovens e negros do sexo masculino
continuam sendo assassinados todos os anos como se
vivessem em situação de guerra” (GOMES e LABORNE,
2018, p. 30). Enquanto a violência contra homens e mulheres
brancos diminui, a violência contra a juventude negra aumenta,
configurando o que movimentos sociais da juventude negra
têm denunciado como o genocídio da juventude negra.
Ressaltamos a interseção com a violência de gênero também,
como aponta o artigo de Gomes e Laborne:
Há ainda um dado pouco estudado e analisado: as
jovens mulheres negras e a violência. O Índice de
Vulnerabilidade Juvenil à Violência 2017 (BRASIL,
2017), ao trazer o recorte de gênero pela primeira

232 Isabela Rodrigues Ligeiro


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

vez, revela que as jovens negras com idade entre


15 e 29 anos têm 2,19 vezes mais chances de
serem assassinadas no Brasil do que as brancas
na mesma faixa etária. No mesmo sentido, o
Atlas da Violência (2017) mostrou que entre
2005 e 2015 a taxa de homicídios de mulheres
brancas teve redução de 7,4%, enquanto a taxa de
mortalidade de mulheres negras aumentou 22%
(GOMES E LABORNE, 2018, p.6).

Em meio ao contexto desigual, violento e perverso,


a juventude negra tem se articulado e denunciado todas as
mazelas que lhe são impostas, seja nas redes sociais, nos
fóruns acadêmicos, ou em movimentos sociais. Um marco de
organização, articulação e denúncia da juventude negra foi o
Encontro Nacional de Jovens Negros (ENJUNE) em 2007, em
que a pauta do extermínio da juventude negra foi central e
se transformou em luta por direitos. Além dos movimentos
de juventude negra e movimento negro, movimentos sociais
diversos, bem como organismos internacionais, ativistas
dos direitos humanos, políticos sensíveis à causa, artistas
e sociedade civil têm se posicionado diante desse quadro
indignante. Gomes e Laborne discorrem sobre essa realidade:
De acordo com o relatório da CPI da Câmara
dos Deputados (2015) que investigou a violência
contra jovens negros e pobres: “a vergonhosa
quantidade de mortes dos afrodescendentes é o
sintoma mais agudo de uma patologia social que
sangra a dignidade brasileira, o racismo. Tal qual
o mito da cordialidade, a ideia de que o nosso País
vive uma democracia racial não resiste a uma
análise séria” (GOMES e LABORNE, 2018, p.18).

Vivencia-se um aumento da repressão e extermínio


da juventude negra e pobre, infelizmente. No dia primeiro de
dezembro de 2019, nove jovens foram assassinados pela ação
da polícia em um baile funk, na favela Paraisópolis, na zona sul
de São Paulo- SP. Esse crime evidencia o tratamento oferecido
aos jovens negros e periféricos de nosso país. O Estado
brasileiro é um dos principais responsáveis pela permanência
dessa violência, seja pela manutenção de instrumentos que

DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES E VIVÊNCIAS DAS JUVENTUDES NEGRAS 233
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

equalizam essas mortes, seja pelas ideologias racistas que


propaga e perpetua em seus documentos e leis, seja pela
falta de punição a quem comete esses crimes. Soma-se a essa
violência o encarceramento em massa da juventude negra, em
que os negros correspondem a 63% dos presidiários (DEPEN,
2014). Esse encarceramento é mais uma faceta do genocídio.

JUVENTUDES NEGRAS NO MUNDO DO TRABALHO


No mercado de trabalho também encontramos as
consequências do racismo, em que os jovens negros têm
mais dificuldades para conseguirem se inserir. São eles que
precisam muitas vezes abrir mão de suas identidades negras,
como cortar o black ou alisar o cabelo para se habilitarem a
uma vaga. São eles que recebem menos apenas por serem
negros, que são destinados aos empregos mais precários e
sofrem com as diversas discriminações raciais nos diversos
postos de trabalho.
Dados do IBGE (2019) apontam que, na média, os
rendimentos de brancos é 73,9% maior que dos negros.
São os mesmos que representam 70% da população que
vive em situação de extrema pobreza (PNAD, 2016), embora
representem 54% da população (IBGE). A desigualdade
salarial imposta pelo racismo implica em piores condições de
vida para a juventude negra. De acordo com Censo de 2010,
estima-se que 11,4 milhões de brasileiros vivam em favelas e
esses moradores são maioria pretos ou pardos (68%).
O artigo de Araújo e Ribeiro (2016) aponta reflexões
acerca dos rendimentos da população branca e negra, bem
como a influência da escolarização nesses rendimentos.
Segundo os autores, os dados indicam que quanto mais
escolarizados os negros, maior a diferença de salário em
comparação com uma pessoa não negra que tenha o mesmo
nível de escolaridade.

234 Isabela Rodrigues Ligeiro


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Outro elemento que deve ser analisado é a qualidade


do emprego desses jovens, que apresenta altas taxas de
informalidade, precarização e diversas discriminações. A taxa
de informalidade entre os jovens negros, em 2013 segundo
Pnad, foi de 44%, para brancos 31%.

RESISTÊNCIA AO RACISMO
Como apresentado nos itens anteriores, a população
negra e sobretudo os jovens negros convivem cotidianamente
com diversos tipos de violências e preconceitos, estruturados
em uma falsa concepção de democracia racial, que reproduz
uma cultura racista que invisibiliza a história e a cultura do
povo negro.
Entretanto, a juventude negra está atenta a todas as
formas de preconceitos e discriminações que sofre e diante
disso ela inventa e reinventa, todos os dias, formas de resistir.
As discussões sobre a temática indicam que
Há um movimento novo no cenário protagonizado
por esses jovens. A raça, usada e vista como
fonte de extermínio pela sociedade, é por eles
transformada e ressignificada como símbolo de
afirmação, de luta e emancipação. Os cabelos
crespos, as religiões de matriz africana, o mundo
da cultura, da música, a entrada na universidade
via cotas, o empreendedorismo negro e juvenil
principalmente no mundo da comunicação e do
design, são alguns dos espaços que têm sido
tomados, hoje, pelos jovens negros e negras. Em
todos esses espaços eles levam a denúncia: Parem
de nos matar. Parem de nos matar quer sejamos
negros de classe média ou pobres. Parem de nos
matar com medidas socioeducativas que nos
deseducam. Parem de nos matar com a desculpa
de que o Estado precisa zelar pelas pessoas
de bem. Outro orgulho negro vem surgindo.
Consciente e resistente. E ele está nas escolas de
Educação Básica e no Ensino Superior. (GOMES e
LABORNE, 2018, p.22)

DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES E VIVÊNCIAS DAS JUVENTUDES NEGRAS 235
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Uma das formas de resistência dos jovens é se


expressar através da cultura. Segundo Dayrell (2002), através
cultura os jovens demarcam uma identidade juvenil e a música
é a atividade que mais os envolve e os mobiliza. Fica evidente ao
observarmos a efervescente cena do Rap em Belo Horizonte,
cujos protagonistas são os jovens negros e suas letras
contundentes contra o racismo, a exemplo de Djonga, Sarah
Guedes, Douglas Din, Clara Lima, Cris Mc e outros. O próprio
Duelo de MCs, que é um evento, um espaço de encontro de
jovens periféricos, lugar de diversão e aprimoramento cultural
para a juventude, pode ser identificado como um ambiente
de resistência dos jovens negros ao denunciarem o racismo
nas batalhas. Eles se expressam também nos saraus com a
poesia, como no Preta Poeta2 e até mesmo nos bailes funk,
pois viver e dançar também é uma forma de resistência, já que
a sociedade os querem mortos ou presos.
Diversos são os exemplos dos cursinhos populares e
comunitários Pré-ENEM, que atendem jovens periféricos e de
ocupações urbanas, espaço em que os jovens são alunos, mas
também são organizadores dessa oportunidade de construção
de conhecimento, objetivando um lugar na universidade, espaço
de maioria branca. Ressalta-se a importância do Educafro
nesse processo, uma associação civil, sem fins lucrativos
que, desde 2014, incentiva o surgimento de núcleos de pré-
vestibular nas periferias de todo Brasil, com a finalidade de
que negros, em sua maioria pobre, consigam estudar em uma
universidade pública ou particular com bolsas de estudos.

2  O “Preta Poeta: a produção poética de mulheres negras enquanto


um mecanismo de resistência” é um projeto que se iniciou em 2017, por
iniciativa de estudantes de graduação da UFMG, com objetivo de resgatar
a produção autoral de poetisas negras brasileiras, como também instigar a
escrita e declamação pelas participantes. Com protagonismo de mulheres
negras, tem se organizado para além da universidade, com apresentações
em centros culturais, museus, teatros e escolas.

236 Isabela Rodrigues Ligeiro


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Além disso, a juventude negra tem se mantido


organizada, seja nos movimentos sociais ou nos movimentos
negros, seja participando de partidos políticos ou em
ações pontuais. O que temos visto são diversas ações que
denunciam o racismo, que evidenciam o racismo institucional
e a falta de políticas de combate ao preconceito, que pautam
a necessidade de ações que acompanhem o cumprimento das
leis que dizem respeito às questões raciais, que defendem
moradia digna para as famílias negras, que exigem o acesso
e permanência dos jovens nas escolas e universidades, que
enfrentam nas redes sociais e nas ruas todo tipo de declaração
e atitude racista. Como exemplo temos os diversos Coletivos
de Estudantes Negros nas universidades, o Geledés e inúmeras
páginas nas redes sociais que denunciam o racismo, a Marcha
contra o Genocídio da Juventude Negra, do Reaja ou Será Morto
Reaja ou Será Morta, o Encontro Nacional da Juventude Negra
(ENJUNE), e eventos auto-organizados como as Marchas do
Orgulho Crespo e o Encrespa, movimentos fundamentais e
determinantes no empoderamento de jovens negros, bem
como a eleição de jovens negros, como Aurea Carolina, mulher
negra eleita deputada federal em 2018.
Além disso, a diversidade de jovens negros e
negras de nosso país está apresentando cada vez mais as
belezas que circundam as vivências negras e diversas de nosso
país. Principalmente através das redes sociais, têm divulgado
e falado sobre empoderamento e fortalecimento, sobre beleza
negra, sobre auto-cuidado com a pele e cabelos, têm trocado
experiências e saberes profissionais, dentre outras ações que
contribuem para um outro imaginário sobre suas vidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho apresenta algumas reflexões importantes
desenvolvidas na dissertação de mestrado da autora, intitulada
“O Ensino de sociologia no ensino médio: enfrentando o racismo
a partir da sala de aula”, que contribuem para o enfrentamento
DIÁLOGOS ENTRE A SOCIOLOGIA DAS JUVENTUDES E VIVÊNCIAS DAS JUVENTUDES NEGRAS 237
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ao racismo na sociedade, mas principalmente nas escolas. Os


debates aqui apresentados sobre sociologia das juventudes
e sobre as diversas questões que atravessam as vivências
dos jovens negros, colaboram com os profissionais e sujeitos
comprometidos com o enfrentamento ao racismo.
A sociologia das juventudes vem apresentando
debates sobre as teorias que buscam definir o que é ser
jovem, e a partir dessas referencias aponta-se para um
entendimento de que não existe uma definição do que é ser
jovem, pois essa condição é diversa, complexa, e está em
constante transformação. Ao corroborarmos com essa linha,
de que a juventude vivencia sua condição juvenil atravessada
por diversos fatores sociais, culturais, políticos e econômicos,
compreendemos que ser jovem é algo plural e heterogêneo,
e que, portanto, precisa ser percebido dessa maneira, sem
negar os diversos e diferentes corpos e mentes de jovens que
vivem e sobrevivem em nosso país.
É nesse contexto que as juventudes negras de nosso
país precisam ser compreendidas. Considerar que suas
trajetórias são marcadas por inúmeros marcadores sociais
é fundamental para se pensar políticas públicas para esse
grupo social. Entender que os jovens e as jovens negras de
nosso país, convivem diariamente com o racismos e suas
consequências nos faz refletir de forma mais profunda sobre
a realidade da juventude brasileira.
Com tudo, compreender que a juventude é diversa e não
um todo homogêneo, que existem inúmeras maneiras de viver
essa condição juvenil e que, principalmente para juventude
negra, ser jovem é complexo e, por muitas vezes, até violento,
resulta em uma mudança de perspectiva a respeito dessa
grande parcela da população. Nesse sentido as reflexões
apontadas buscam colaborar para que os profissionais que
atuam com juventudes negras possam ter práticas que
enfrentam, em conjunto com esses jovens, o racismo instituído
em nossa sociedade.
238 Isabela Rodrigues Ligeiro
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

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240 Isabela Rodrigues Ligeiro


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS


COM JUVENTUDES NA REGIÃO
METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO:
ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS
VINCULADOS
VINCUL ADOS AO CAPS AD
Kássia Fonseca Rapella
Aluísio Gomes da Silva Junior
DOI: 10.29327/541522.1-13

INTRODUÇÃO
O presente estudo é um recorte de uma pesquisa
realizada no Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade
Federal Fluminense - UFF (RAPELLA, 2020), que teve como
objetivo analisar o cuidado oferecido aos jovens cadastrados
em ponto da rede do SUS, um Centro de Atenção Psicossocial
de atenção ao uso de álcool e outras drogas (CAPS AD).
Por meio das narrativas dos jovens, busca-se refletir sobre
questões estratégicas e de qualidade da atenção à saúde por
parte daquela unidade de assistência.
Primeiramente, cabe destacar o que chamamos de
jovem. É considerado jovem nesta pesquisa o sujeito social
com idade compreendida entre 15 e 29 anos, conforme
preconizado no Estatuto da Juventude - Lei 12.852/13 (BRASIL,
2013), que aponta na Seção V (Do direito à Saúde) o direito
ao cuidado integral, incluindo temas relativos ao consumo de
álcool, tabaco e outras drogas, à saúde sexual e reprodutiva,
com enfoque de gênero e dos direitos sexuais e reprodutivos
nos projetos pedagógicos dos diversos níveis de ensino.
EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES NA REGIÃO METROPOLITANA 241
DO RIO DE JANEIRO: ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS AO CAPS AD
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Estima-se que 26,9% da população brasileira era


jovem, entre 15 e 29 anos, em 2012, representando um total de
52,2 milhões nessa faixa etária; (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012).
Olhando para as vulnerabilidades de vários grupos
etários, o Relatório Mundial sobre Drogas (ESCRITÓRIO DAS
NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME BRASIL E CONE
SUL, 2018) conclui que o uso de drogas e os danos associados a
ele são mais elevados entre os jovens em comparação aos mais
velhos. A maioria das pesquisas sugere que a adolescência
precoce (12-14 anos) e a tardia (15-17 anos) são períodos de
risco crítico para início do uso de substâncias e pode atingir o
pico entre os jovens com idade entre 18 e 25 anos.
Deste modo, as drogas estão consideravelmente
presentes na vida dos jovens, não sendo possível pensar
apenas na concepção a partir de um “mundo sem drogas”.
Como Cuidado, a concepção trabalhada nesta
pesquisa não diz respeito a uma atitude de zelo, mas seguindo
referenciais que dizem do cuidado como modo de atenção em
relação com o outro, em que a pessoa atendida ensina e afeta
o profissional, colocando-o em construção e reconstrução,
já que o foco é no respeito à autonomia do atendido e não
partindo de técnicas a priori.
No cuidado fundamentado nas diretrizes do Sistema
Único de Saúde (SUS) (Lei Orgânica de Saúde 8.080/90) se
destacam os seguintes objetivos a serem perseguidos:
atendimento universal para todo cidadão, sendo
dever do Estado assegurar atenção integral
com uma visão biopsicossocial do indivíduo e
distribuição dos recursos, buscando a redução
das desigualdades e controle social, onde os
cidadãos devem avaliar os serviços e ações
políticas que interfiram na qualidade de vida da
população (SILVA JUNIOR; ALVES, 2007).

242 Kássia Fonseca Rapella - Aluísio Gomes da Silva Junior


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Na Rede de Atenção Psicossocial do SUS (BRASIL,


2011), o Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e
Outras Drogas (CAPS AD) é o dispositivo de referência no
atendimento às pessoas em sofrimento psíquico decorrente
do uso de crack, álcool e outras drogas (como ênfase) no
âmbito do SUS, para municípios de mais de 70 mil habitantes.
Espera-se que os CAPS AD sejam articulados com outros
pontos de atenção da rede, responsáveis por atender pessoas
em sofrimento psíquico grave e/ou com necessidades devido
ao uso de drogas, de maneira territorializada, por meio do
Projeto Terapêutico Singular (PTS), que deve oferecer desde
o atendimento individual até práticas e ações intersetoriais
e comunitárias (COSTA; COLUGNATI; RONZANI, 2015). O
plano de tratamento deve ser prioritariamente em regime
comunitário e os recursos hospitalares utilizados somente se
os recursos extras estiverem se esgotado (BRASIL, 2001).
Em alguns municípios, a entrada para acompanhamento
no CAPS AD se dá a partir do recorte etário – população adulta
e idosa, sendo o atendimento aos jovens de 15 as 18 anos
realizado no CAPS de referência infanto-juvenil (CAPSi). No
cenário desta pesquisa, o CAPS AD realiza atendimentos
também aos adolescentes e jovens, entendendo que o critério
cronológico não é central para pensar os planos de cuidado,
mas sim o sujeito em sua vivência singular.Sobre drogas, mais
importante do que destacar um conceito específico, talvez, seja
pontuar que a concepção trabalhada e vivida na experiência
se afasta das perspectivas que trazem a droga enquanto
sujeito determinante de situações em saúde. Também não é
feita a categorização dual como drogas leves/pesadas, fortes/
fracas, uso problemático/recreativo. Na discussão da partilha
moral sobre drogas, discutida por Vargas (2008), este traz
uma reflexão sobre quais substâncias são demonizadas e
quais são incitadas, chegando a ter o entendimento de “droga
boa” em contraposição às “drogas más”. Um exemplo de droga
boa seriam os fármacos. As más, todas as categorizadas
EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES NA REGIÃO METROPOLITANA 243
DO RIO DE JANEIRO: ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS AO CAPS AD
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

como ilícitas. E, trazendo para a experiência da pesquisa,


como apareceu em algumas narrativas, o que é droga
(comprovadamente danosa e com alta taxa de morbidade e
mortalidade) pode aparecer como não sendo, como o tabaco.
Importa, então, destacar possíveis impactos nos
sujeitos ligados ao uso de drogas. A figura do usuário de
drogas, em geral ligada à periculosidade, vadiagem, sujeira,
desvio cria uma das tensões políticas no campo de atenção
ao uso de álcool e outras drogas, conforme discutem Boiteux
(2006) e outros autores (ZACCONE, 2007;ABRAMOVAY, 2017),
pois, aqueles que escolhem fazer uso de drogas hoje proibidas,
podem ter como intervenção estatal a prisão, o hospital de
custódia, o hospital psiquiátrico ou uma comunidade religiosa,
antes de terem a oportunidade de conhecer um serviço que
preze pelo cuidado pautado na autonomia e emancipação
juvenil, a partir da ampliação do acesso a serviços, direitos ou
à cidade.
O fato de algumas drogas serem proibidas, por vezes,
afasta os jovens do acesso à serviços e direitos básicos, não só
em saúde. Entender o que compõe um “problema com drogas”
– ou seja, pensar como é a relação do jovem com outros pontos
de sua vida como família, trabalho, escola, é tarefa complexa e
que, pautado em um só modelo de atenção, tende a fracassar.
Este trabalho teve o recorte de pensar formas como os
jovens buscam, acessam e produzem o cuidado quando em uso
de álcool e outras drogas. Usuários que têm um cenário físico
e também um cenário incorporado por atores de um CAPS
AD através do trabalho de campo em cenas de uso de crack,
álcool e outras drogas. Ao longo do processo de trabalho e de
pesquisa, foi possível afirmar que o cuidado não se restringe
às paredes deste dispositivo, este não é o único dispositivo
que os jovens lançam mão para o cuidado, daí a necessidade
das equipes estarem mais nos territórios.

244 Kássia Fonseca Rapella - Aluísio Gomes da Silva Junior


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Contextualizando, o cenário da pesquisa é um CAPS


AD do município de São Gonçalo, pertencente à mesorregião
metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. São Gonçalo é
um município periférico, populoso e pobre, com a área da
unidade territorial de 248,319 km², com a população estimada
de 1.016.128 pessoas, sendo a segunda maior do estado
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
2012). A densidade demográfica é de 4036 hab/km² e a tem
a renda per capita de R$640,00. Segundo a mesma fonte,
São Gonçalo concentra uma população jovem em proporção
aproximada à do país (próximo a um quarto), jovens estes que
têm baixa escolaridade formal, em sua maioria – a proporção
de jovens de 15 a 17 anos com ensino fundamental completo
é de 57,28%; e a proporção de jovens de 18 a 20 anos com
ensino médio completo é de 45,52%; em 2010, 81,26% da
população de 6 a 17 anos do município estavam cursando
o ensino básico regular com até dois anos de defasagem
idade-série (ATLAS..., 2018). Com relação a emprego e renda,
conforme Castro e Oliveira (2018), 34,7% da juventude está
desempregada, 49,7% dos empregados tem vínculo formal e
29,8% são autônomos. Muitos jovens são artistas e produtores
de cultura. As juventudes são bem atuantes e conhecidas,
principalmente em relação à cultura urbana. São Gonçalo tinha,
em 2019, a existência de rodas culturais e, outras iniciativas
protagonizadas por jovens sem apoio governamental, nos
sete dias da semana e é reconhecida no cenário nacional
como celeiro de artistas – é a terra do Orochi, um dos maiores
destaques do rap nacional em 2020, por exemplo. São Gonçalo
foi a cidade onde a arte urbana Graffiti foi pioneira no estado
do Rio de Janeiro, trazida pelo então jovem Fábio Emma.
Espera-se dos CAPS, que sejam lugares da atenção
psicossocial nos territórios (YASSUI, 2010); que estejam nas
ruas de modo amplo e em constante articulação com esses
movimentos e outros pontos da rede, que sejam dispositivos
não só de atenção, mas de militância pelo cuidado em
EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES NA REGIÃO METROPOLITANA 245
DO RIO DE JANEIRO: ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS AO CAPS AD
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

liberdade, com participação dos atendidos nesse cuidado e


buscando um cuidado integral, incluindo aspectos sociais e
políticos que atravessam cada sujeito atendido. Neste modo
de cuidado, extramuros, o CAPS precisa estar atento não
apenas aos que possuem recursos sociais e comparecem ao
serviço, mas incluir em seu modo de trabalho as idas para a
rua, se abrir para a experiência da rua e aprender com isso.
A partir destes dados, os objetivos deste trabalho
foram compreender como o cuidado era produzido pelos
jovens vinculados ao CAPS AD, ouvindo sobre que rede de
cuidado tem sido construída e acessada pelos jovens, quais
os sentidos de cuidado em saúde para este público, que
sentidos e lugares têm o CAPS AD. Também foram escutados
sobre os projetos de vida e as práticas de cuidado dos jovens
para além do CAPS AD, ou seja, como se cuidam, individual e
coletivamente, a partir de redes mais amplas que as redes de
serviços ou a rede de saúde.

MÉTODOS
A natureza da pesquisa é qualitativa, ou seja, que se
debruça e interpreta realidades sociais e em uma perspectiva
emancipatória, pode ser pensada como uma maneira de poder
ouvir as pessoas, em vez de tratá-las como objetos (BAUER;
GASKELL, 2002).
Para se aproximar da compreensão do que se pretendia
como questão de pesquisa, os sujeitos foram escutados em
entrevistas semiestruturadas gravadas (BONI; QUARESMA,
2005).
Foram propostas questões disparadoras semiabertas
a partir de um roteiro criado pela pesquisadora para
identificação do jovem, tais como nome, idade, gênero,
orientação sexual, raça/cor, conjuntura familiar e de moradia,
conjuntura de trabalho e renda, presença de diagnóstico em
saúde mental para além do referente ao uso de álcool e outras

246 Kássia Fonseca Rapella - Aluísio Gomes da Silva Junior


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

drogas e questões pedindo que o jovem falasse sobre sua


história com o uso de drogas, o que vê como saúde e doença,
história no cuidado e sua história no CAPS AD.
Outras estratégias metodológicas foram adotadas
ao longo do processo, tais como a observação participante
(BAUER; GASKELL, 2002), o diário de campo e a consulta
aos trabalhadores do CAPS AD para dados específicos como
datas e números sobre a história dos jovens. Cabe ressaltar
que este trabalho partiu da vivência da pesquisadora também
enquanto trabalhadora do serviço, o que influenciou a análise
e interpretação dos dados, mas ao mesmo tempo foi condição
de possibilidade para a realização de algumas entrevistas.
Foram entrevistados 11 jovens entre 18 e 29 anos, que
estavam com Projeto Terapêutico ativo no CAPS AD entre
2018 e 2019, que estavam em uso de drogas e iniciaram o
vínculo no CAPS AD São Gonçalo, que é cenário da pesquisa.
Tais critérios foram escolhidos visando escutar jovens que
possuíssem vínculo com o serviço, buscando melhor definição
de alguma demanda de cuidado, já que muitas vezes, assim
que chegam, muitos não entendem porque estão ali, como
assinalam Galhardi e Matsukura (2018) em sua pesquisa sobre
adolescentes em um CAPS AD. Quatro dos jovens previstos
não foram entrevistados, três porque o serviço perdeu o
acesso a eles (se mudaram e mudaram o telefone de contato)
e um por ter demonstrado interesse inicialmente, mas depois
não compareceu a algumas tentativas de encontro.
Este trabalho foi aprovado sob o parecer 3.352.295
do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal
Fluminense – Hospital Universitário Antônio Pedro.
Como plano de análise dos dados, as narrativas
escutadas nas entrevistas foram transcritas e analisadas à
medida que foram sendo realizadas. Após a transcrição, as
narrativas foram lidas, sendo recortados e destacados dados
relevantes para a análise. Posteriormente, foram criadas
categorias, tais como chegada ao CAPS AD, vínculo com
EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES NA REGIÃO METROPOLITANA 247
DO RIO DE JANEIRO: ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS AO CAPS AD
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

outros serviços antes e depois da entrada, se existia alguma


demanda de cuidado, o que buscavam, o que é ofertado e o
que entendem como cuidado de si.
O referencial teórico para análise foi a Fenomenologia
Social de Alfred Schutz (2008), o qual visa compreender
o mundo com os outros em seu significado intersubjetivo,
tendo como proposta a análise das relações sociais, admitida
como relações mútuas que envolvem pessoas, superando
a dicotomia sujeito-objeto, mas considerando dois sujeitos
em relação. Trata da estrutura de significados na vivência
intersubjetiva da relação social do face a face, voltando-
se, portanto, para entender as ações sociais que têm um
significado contextualizado, de configuração de sentido social
e não puramente individual.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A maioria dos jovens entrevistados se autodeclarou
não branco (unindo pardos e negros), a maioria é do sexo
masculino e de orientação sexual heterossexual. Tais dados
coincidem com o perfil dos usuários de crack e similares do
Brasil, apresentado na Pesquisa Nacional Sobre o Uso de
Crack (BASTOS; BERTONI, 2014).
Apenas um jovem ingressou no ensino superior e
interrompeu por questões relativas ao processo de saúde-
doença1. Seis deles pararam os estudos ou estão cursando
o ensino fundamental ou médio em defasagem. Quatro
concluíram o ensino médio.

1  Chamamos processo saúde-doença enquanto conceito em Saúde


Coletiva, ganhando força a partir de 1986, quando foi desenvolvida a VII
Conferência Nacional de Saúde, trazendo a concepção de saúde mais
ampla do que a mera ausência de doença ou agente patógeno, mas
resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda,
meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da
terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das
formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes
desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1986).
248 Kássia Fonseca Rapella - Aluísio Gomes da Silva Junior
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Com relação a trabalho, todos se referem a ter um


trabalho como tendo um vínculo empregatício através de
carteira assinada, nenhum deles tendo este tipo de trabalho.
Quando explorado melhor o que se considerava trabalho –
atividades com alguma remuneração –foram identificados três
que trabalham de forma autônoma.De todos os entrevistados,
dez são domiciliados, ou seja, tem habitação fixa e residem
com familiares, um não tem moradia fixa. Três possuem filhos.
Um ponto de intersecção entre a atenção em álcool e
drogas e prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis
(índice que vem aumentando nesta faixa etária conforme
estatísticas mundiais) é que os dados mostram que mais da
metade dos jovens pode ser considerada enquanto população
prioritária nas estratégias de Prevenção Combinada pelo
fato de serem negros. Um dos entrevistados, jovem e negro,
é duplamente prioritário por ser negro e em situação de rua.
Os jovens já fazem parte da população-chave2 por
serem usuários de drogas e existem, além deste grupo, dois
outros grupos que fazem parte da população-chave: homens
que fazem sexo com homens (HSH) e profissional do sexo.
Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/
AIDS (UNAIDS) (s.d), as populações-chave e seus parceiros
sexuais representam hoje 54% das novas infecções por HIV
em todo o mundo, sendo, no caso dos HSH, o risco de nova
infecção 22 vezes maior, e no caso de mulheres profissionais
do sexo 21 vezes maior.
Com relação a características em Saúde Mental, Álcool
e Outras Drogas, a princípio predomina o uso de maconha –
cinco dos entrevistados relataram. A segunda droga descrita
como mais consumida é o álcool, que aparece em quatro

2  A Prevenção Combinada tem como população-chave: gays e homens que


fazem sexo com homens, trans, pessoas que usam álcool e outras drogas,
pessoas privadas de liberdade, trabalhadoras do sexo, e com prioridade
de intervenção nos segmentos: adolescentes e jovens, população negra,
população indígena, população em situação de rua.
EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES NA REGIÃO METROPOLITANA 249
DO RIO DE JANEIRO: ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS AO CAPS AD
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

entrevistados. Apenas um relatou uso de tabaco como droga,


apesar de ser consumida também por outros sete quando
melhor explorado.
O Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013) aponta, na
Seção V (Do direito à Saúde), o direito ao cuidado integral,
incluindo temas relativos ao consumo de álcool, tabaco e
outras drogas, à saúde sexual e reprodutiva, com enfoque
de gênero e dos direitos sexuais e reprodutivos nos projetos
pedagógicos dos diversos níveis de ensino, o que demonstra
oportunidade de articulação intersetorial para trabalhar a
prevenção também ao uso e agravos decorrentes do Tabaco.
O fumo do tabaco é um dos comportamentos iniciados na
adolescência, é um comportamento aceito socialmente em
praticamente todas as culturas e o uso crônico, assim como
os efeitos do uso em indivíduos que não fumam, mas estão
expostos à fumaça (o fumante passivo), determinam uma
alta taxa mortalidade.Um dado interessante é ter aparecido
o remédio também como droga. Na discussão da partilha
moral sobre drogas, discutida por Vargas (2008) provoca uma
reflexão sobre quais substâncias são demonizadas e outras
até estimuladas, colocando os remédios em posição diferente
das drogas proibidas, geralmente chegando a ter até o
entendimento de “droga boa” em contraposição às “drogas
más”. Neste caso, o usuário cita o remédio como uma droga
porque entende como algo no seu processo saúde-doença
que, quando interrompido, retornará a um estado saudável em
termos de saúde mental, ou, dito de outra forma, este usuário
acredita que algo acontecerá e fará não precisar tomar mais
remédios, mas por enquanto o doutor diz que precisa e toma.
Outro dado é que, de todos os entrevistados, apenas
um declarou não ter algum “transtorno mental” ou sofrimento
psíquico anterior associado ao uso de álcool e outras drogas.
Tal característica desse grupo vai de encontro ao que se

250 Kássia Fonseca Rapella - Aluísio Gomes da Silva Junior


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

preconiza no atendimento dos CAPS que é propor um cuidado


mais intensivo, direcionado às pessoas em sofrimento psíquico
grave.
A maioria dos entrevistados já foi internada no serviço
hospitalar de referência, sendo cinco por questões que
nomeiam como um “surto” ou quadros para além do uso, e
dois que relacionam diretamente por uso de drogas (uma por
álcool e outra por múltiplas drogas). Dos quatro que não foram
internados, um foi acolhido em comunidade religiosa. Dos
que relatam nunca terem sido internados, dois já desmaiaram
após usar drogas sem se alimentar. Apenas três dos jovens
não fazem, hoje, uso de medicação psicotrópica nem possuem
acompanhamento com médico psiquiatra dentro de seus
Projetos Terapêuticos.
Como outros dados relevantes para se pensar o
projeto de cuidado, dos onze jovens entrevistados, cinco
moram em áreas consideradas pela equipe de extremo risco
devido às operações policiais e outros conflitos armados,
dado que sinaliza a necessidade de se incentivar pesquisas
que abordem também a violência como determinante social
em saúde dos jovens.
Do total de entrevistados, quatro foram comerciantes
varejistas de drogas, sendo o mais vulnerabilizado quem
chegou a fazer carreira, e os demais não, exerceram a atividade
por dias para que pudessem ter acesso a drogas para consumo
próprio. A maioria deles relatou não ir até o ponto de venda de
drogas, mas terem colegas que compram.
Esta pesquisa oportunizou o acesso à narrativa de um
jovem em condições sociais que apontam a necessidade de
maior reflexão sobre como o comércio de drogas se coloca, para
este e outros, como fonte de renda. Considerando a pesquisa
sobre empregabilidade realizada pela OSC BEM TV (CASTRO;
OLIVEIRA, 2018), atuante no município cenário da pesquisa
onde destaca que, na faixa etária entre 15 e 19 anos, cerca de
48% dos informantes em cada um dos municípios atua como
EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES NA REGIÃO METROPOLITANA 251
DO RIO DE JANEIRO: ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS AO CAPS AD
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

“autônomo informal”. O trabalho aparece como determinante


para se sentir mais saudável em duas narrativas.Na discussão
a partir dos temas, foram elencados cinco eixos de análise:
“Chegada ao Caps AD”, “Práticas de Cuidado e vinculação com
o CAPS AD”, “Sentidos de Saúde, Doença e Cuidado”, “O que
buscaram no CAPS AD ou o que foi ofertado por busca ativa do
serviço”, “Cuidado de Si e com os outros”.

CHEGADA AO CAPS AD
Dos onze entrevistados, nenhum buscou o serviço por
conta própria. Destes, nove foram com a família ou amigos, um
foi levado pela escola, e um o serviço criou vínculo a partir de
busca ativa, ou seja, a equipe, através de atuação no território,
construiu uma demanda de atendimento com o jovem.
Tal resultado corrobora com o encontrado na pesquisa
de Galhardi e Matsukura (2018) e outros sobre a importância
da família enquanto suporte para o tratamento. Foram os
familiares que correram atrás para saber onde poderiam
buscar ajuda e, dos dois que já conheciam o CAPS AD e vieram
como primeira referência no município, foram pelo fato de já
terem alguma experiência na família em que precisaram do
CAPS AD.
[...] eu comecei a me dar conta que eu tava
totalmente fora de controle, foi aí que eu voltei pra
casa, pedi ajuda aos meus pais e como na minha
família já tinha histórico, a gente já foi direto ao
CAPS (AD), já conhecia o CAPS (AD) por conta do
meu primo (IDENTIFICAÇÃO OCULTADA).

Cinco chegaram encaminhados pela rede de urgência


e emergência, após alteração psíquica que necessitou de
intervenção em ambiente hospitalar, sendo três internações de
permanência maior que três dias, um em internação no serviço
hospitalar de referência (que geralmente não ultrapassa 72h),
e um a partir de atendimento psicológico, após episódio de
violência autoprovocada.

252 Kássia Fonseca Rapella - Aluísio Gomes da Silva Junior


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Houve ainda um caso de chegada encaminhado pelo


Conselho Tutelar e o caso em que o usuário chega através de
busca ativa do serviço.

PRÁTICAS DE CUIDADO E VINCULAÇÃO COM O CAPS AD


Dos onze entrevistados em sete apareceu o CAPS AD
como um ambiente acolhedor e quatro ressaltam como um
lugar “sem preconceito”. Essa prática parece se aproximar
daquilo que Freire (1996) chamou de escuta crítica, ou seja,
escutar sem impor e com respeito à dignidade.
Por desconhecerem o serviço anteriormente, muitos
jovens tinham uma imagem de “serviço de tratamento de
drogas” diferente do que foi encontrado.
O acolhimento aparece como peça fundamental no
trabalho dos CAPS, uma vez que é o primeiro contato com
a pessoa com quem se pretende construir todo o restante.
Silva Junior e Mascarenhas (2004) destacam três pontos
no acolhimento: postura, técnica e reorientação do serviço,
que implicam o processo de recepção, escuta, tratamento
da demanda e criação de uma relação de confiança e apoio.
Assim, o acolhimento é o momento de construção do “nós”,
de pensar a dimensão intersubjetiva na relação profissional-
usuário.
Um jovem destaca que a forma que é acolhido importa,
mas que mais importante para vincular ao CAPS AD é como
cuida e a “sintonia”. O que este jovem chama de sintonia parece
ter a ver com vínculo ou “como se fala”, o que é fundamental
para a função do técnico de referência, o trabalhador do CAPS
AD quem vai gerenciar junto ao usuário o seu plano de cuidado
ou em outra nomenclatura o Projeto Terapêutico Singular –
ferramenta importante, que funciona como um organizador do
cuidado, incluindo família, história de vida do sujeito, território
e relações (LANCETTI, 2015).

EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES NA REGIÃO METROPOLITANA 253


DO RIO DE JANEIRO: ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS AO CAPS AD
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

É o técnico de referência quem constrói junto com o


usuário e família direções possíveis. Dentre as atividades do
PTS de nove dos onze entrevistados consta como uma das
atividades o atendimento familiar.
Em cinco das narrativas aparece o lugar do CAPS AD
como referência de ajuda para lidar com questões complexas
em saúde mental, álcool e outras drogas como precisar
diminuir ou interromper o consumo de drogas, como voltar a
ter vontade de viver ou “esperança” e como referência de se
colocar limites.

SENTIDOS DE SAÚDE, DOENÇA E CUIDADO


Ao realizar as entrevistas, para falar sobre cuidado
foi preciso “voltar casas” e ouvir um pouco sobre sentidos de
saúde e doença para estes jovens.
Quando perguntado sobre se sentirem saudáveis,
automaticamente os jovens respondem questões ligadas à
saúde física e o mesmo acontece quando se pergunta de como
cuidar – automaticamente aparecendo atividades como comer
bem, fazer atividade física.
Explorando melhor de acordo com a história de vida e
história no serviço dos jovens e também discutindo a partir dos
sentidos de doença, aparecem aspectos mais subjetivos. Em
muitos casos, o cuidado aparece associado à entrada do CAPS
AD na vida dos jovens após episódios de surto, associando
então o cuidado como ajudar a ter pensamento organizado, se
autopreservar e controlar o uso por exemplo. Um deles coloca
estar sem uso de drogas como saúde. E outro o afastamento
do comércio de drogas.
[...] até surtar não tinha nenhum problema de
saúde e saúde para mim é acima de tudo ter bons
pensamentos, não adianta nada fazer exercício,
praticar exercício, se alimentar bem, mas a
mente ser obscura, não ter pensamentos de paz
(IDENTIFICAÇÃO OCULTADA).

254 Kássia Fonseca Rapella - Aluísio Gomes da Silva Junior


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

[...] abriu meus olhos pra realidade sobre drogas,


sobre álcool, eu to conversando com minha
psicóloga sobre a morte do meu irmão, queria
vingar a morte dele e eu conversando com ela
que não quero fazer besteira, estragar minha vida
(IDENTIFICAÇÃO OCULTADA).

Como doença aparece em seis narrativas, o sentido


de “fica fora do eixo” ou “desorganizado”, que tem a ver com:
interromper atividades comuns – como comer, tomar banho,
levantar da cama – ou usar muito intensamente alguma droga,
ter crise existencial e vender drogas. Os jovens consideram
esses comportamentos como comuns ao que chamam de
surto.
Três jovens trouxeram o fato de, após o surto, terem
sua vida desorganizada e levarem um tempo até reorganizar
ou entender o que tinham, para assim construir o cuidado de
si.
[...] meu último namoro foi com (x anos), de lá
pra cá não namorei mais ninguém, eu surtei, aí
nunca mais saí nem fiz nada, to só me cuidando
e eu não tenho pensado nisso não [...] é porque
eu sou (diagnóstico) agora... Porque eu não era
assim, mas apareceu isso agora... A doutora
já tinha me falado desde que eu cheguei aqui,
mas eu fui aceitar agora, há pouco tempo [...]
(IDENTIFICAÇÃO OCULTADA).

Demorou (para entender o que era), quando eu


surtei achei que estava tendo uma experiência sei
lá, espiritual, só que não tinha lucidez nenhuma,
eu não tinha um bom senso das experiências [...]
como eu gostava de usar droga e gostava de estar
em certos ambientes que tinha uso de droga eu
não quis aceitar e por muito tempo fiz tratamento
só pela minha mãe até que eu tive um baque
muito grande e me perguntar o que tava fazendo
da minha vida [...] (IDENTIFICAÇÃO OCULTADA).

EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES NA REGIÃO METROPOLITANA 255


DO RIO DE JANEIRO: ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS AO CAPS AD
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Todos trazem nas narrativas o sentido de cuidado do


CAPS relacionado a ser uma peça que entra nesses itinerários
pós surto ou algum acontecimento relacionado ao uso intenso
de drogas para ajudar a entender seus surtos, reorganizar
suas rotinas e voltar a levar a vida.

O QUE BUSCARAM NO CAPS AD OU O QUE FOI OFERTADO


POR BUSCA ATIVA DO SERVIÇO
De todos os entrevistados, nove chegam ao CAPS AD
com a demanda de tratamento em álcool e drogas, mesmo que
por via de familiares ou encaminhamentos, como já exposto.
Destes, cinco chegam com o pedido de auxílio para interrupção
do uso, por conta de “surtos”. Todos os cinco acreditam que
quem tem algum sofrimento psíquico mais intenso anterior
ao uso de drogas não deve usar drogas, pois passa mal. Além
disso, a demanda por tratamento por parte dos responsáveis
antes dos jovens pode oportunizar o vínculo com o serviço
para posteriores desdobramentos no cuidado, como aparece
nas narrativas a seguir:
Eu já identificava que tinha problema com o
uso, mas a falta de compreensão dos meus pais
e da minha volta... Eu achava que ninguém se
importava... aí só queria me destruir... Só hoje e
só aqui eu consigo ver que se importam mais do
que eu penso [...] eu só trazia sofrimento à minha
família meu pai tem “diabetes emocional” eu acho
que esse problema que acarretou a ele é por culpa
minha (IDENTIFICAÇÃO OCULTADA)

No início foi um acolhimento realmente pra minha


mãe, foi muito importante pra minha família, foi
importante ter um apoio, acho que serviu mais
para a minha mãe do que pra mim no caso...
(IDENTIFICAÇÃO OCULTADA).

Outro dado relevante é que, em quatro dos casos, o


uso de drogas era relacionado a colocar em risco a vida - dois
tendo o uso como autoextermínio, um de exposição ao risco no
comércio varejista de drogas e um com desorientação na rua

256 Kássia Fonseca Rapella - Aluísio Gomes da Silva Junior


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

como efeito do uso. O CAPS AD, segundo as narrativas, atuou


nestes casos não falando diretamente sobre drogas, mas
sobre o que os jovens estavam sentindo para estarem nessa
situação de risco.
Em todas essas narrativas o CAPS AD esteve
construindo junto os PTS, que formalmente seria composto por
atividades como atendimentos individuais e em grupo, para
a família e em domicílio, ações de reabilitação psicossocial,
promoção de contratualidade e ações em Redução de Danos,
conforme preconiza nas diretrizes técnicas governamentais
em saúde, mas que o sentido para os jovens aparece como
“conversa”, “levar pra passear”, “socializar”, “dar um freio”,
“respirar novos ares”. Ao que parece, o CAPS AD conseguiu
pensar junto aos jovens novos modos de levar a vida a partir
do que ofertam e a partir do que estes desejavam no plano de
cuidado.

CUIDADO DE SI E COM OS OUTROS


Este eixo se refere à discussão sobre modos de busca de
cuidado de si e dos outros principalmente quando na ausência
do CAPS AD, seja pela limitação do horário de funcionamento
ou por outros aspectos que impedem ou interrompem o acesso
e frequência. Para compreender esses modos foram feitas
questões disparadoras a respeito da relação do jovem com
outras redes, intersetoriais, comunitárias, familiares e sobre
relações afetivas.
Cinco das entrevistas, como já discutido aqui,
apresentaram a figura da mãe como fundamental ponto de
apoio e suporte, seguido de quatro que falam de práticas
religiosas (cristãs e umbanda) como orar, pedir oração, ouvir
músicas, rezar e frequentar alguma Casa/Terreiro.
França, Queiroz e Bezerra (2016) constataram que os
profissionais de saúde desconhecem o contexto sociocultural
dos usuários e as políticas afirmativas do SUS para Povos
de Terreiro, concluindo que tais saberes pouco dialogam,
EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES NA REGIÃO METROPOLITANA 257
DO RIO DE JANEIRO: ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS AO CAPS AD
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

necessitando de mediações para tal. Esse conhecimento


é recente, sendo aprovada, em 2006, a Política Nacional de
Saúde Integral da População Negra que traz em suas diretrizes
a necessidade de integração com esses saberes (BRASIL,
2009).
Praticamente metade dos entrevistados (seis) revelam
que evitar se expor à droga é uma medida de cuidado de si
quando estão com dificuldade em ter o uso controlado.
Três trazem nas narrativas que estão namorando,
algo que ajuda no controle do uso ou até mesmo a suspensão.
Importante ressaltar a necessidade de pensar sobre os
afetos com jovens, já que para além destes três, em uma das
narrativas a droga entra no lugar de uma relação afetiva e
sexual (IDENTIFICAÇÃO OCULTADA).
Somente quatro dos entrevistados relatam ter outros
pontos de atenção para cuidado, para além do CAPS AD.
Dois relatam o trabalho como cuidado de si, seja
para ocupar a mente, seja para comprar coisas novas, e dois
referiram ouvir música como algo prazeroso e que ajuda a
aliviar a tensão. Também aparecem em pelo menos duas
narrativas caminhar ou praticar algum tipo de exercício físico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar em estratégias de Cuidado para as juventudes,
de modo não tutelar, pode ser um desafio para aqueles que
se colocam como referência. Este trabalho buscou trazer um
pouco do que a juventude pensa sobre a própria vida e história
de cuidado relacionado ao uso de drogas.
O momento de construção do que o usuário está
tratando no serviço é atravessado pelo vínculo. O processo
de tornar o CAPS AD casa ou acolhida para a família e para
o sujeito inicia no processo de acolhimento, no modo como se
escutam as queixas sem determinar para estes a demanda,
mas mostrando que está junto e que entende o que está sendo
exposto.
258 Kássia Fonseca Rapella - Aluísio Gomes da Silva Junior
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

No tecer do Cuidado pelo CAPS AD se faz necessário


entender o que estão lendo como problema – na vida e em
saúde; o que fazem para promover cuidado ou pode estar
piorando o estado de saúde no momento, se desejam pensar
sobre isso juntos.
Ter uma escuta atenta, sem preconceito,
demonstrando estar interessado no que o jovem tem a dizer,
sem tantas barreiras ou burocracias aparecem como aspectos
facilitadores da criação do vínculo para o cuidado. Com relação
aos aspectos dificultadores do cuidado, aparecem elementos
como a violência urbana e o acesso à documentação civil
básica como grandes barreiras, necessitando fortalecer a
articulação intersetorial e a atuação com outros pontos da
rede de saúde.
O fato de apresentar um serviço para o jovem,
principalmente para aqueles em condição de vulnerabilidade,
não é necessariamente possibilitar acesso, uma vez que o
acolhimento, se burocrático, pode criar uma nova barreira. 
Este trabalho trouxe histórias de jovens que passam
boa parte do tempo na rua, onde as dinâmicas se dão de outra
forma, mesmo nem todos vivendo em situação de rua. Trouxe
histórias não somente dos jovens, mas também sobre o CAPS
AD São Gonçalo e os desafios em tecer redes.
A partir de recortes de algumas histórias, é possível
pensar modos de cuidado e atenção psicossocial dirigidos aos
jovens em uso de drogas nos seus diversos itinerários. Imersos
em uma política de drogas que proíbe algumas drogas e
estimula outras, a situação de risco por arma de fogo ou por
outras violências mata mais do que o uso de drogas, a depender
de seus marcadores sociais.Este estudo procurou mostrar um
pouco do que foi escutado, a partir dos limites de seu recorte
e da pesquisadora, provocando a pensar o Cuidado pautado
na autonomia e no vínculo, considerando os jovens enquanto
sujeitos sociais e que, portanto, também sabem sobre seu
processo saúde-doença.
EXPERIÊNCIA DE CUIDADO PELO SUS COM JUVENTUDES NA REGIÃO METROPOLITANA 259
DO RIO DE JANEIRO: ITINERÁRIOS POSSÍVEIS COM JOVENS VINCULADOS AO CAPS AD
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

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260 Kássia Fonseca Rapella - Aluísio Gomes da Silva Junior


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264
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

GRÊMIO ESTUDANTIL:
GARANTIAS E LEGISLAÇÕES
NO CONTEXTO DA PARTICIPAÇÃO
DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
Plínio Xavier de Figueirôa
DOI: 10.29327/541522.1-14

INTRODUÇÃO
O grêmio estudantil é um colegiado formado por
estudantes que nas escolas contribuem e fomentam a
participação ativa nos problemas cotidianos escolares e
comunitários. As ações devem assumir práticas voluntárias
e comunitárias, no livro Educação integral: uma educação
holística para o século XXI, do autor Rafael Yus (2002) “A
escola deve ser um espaço social regido por critérios de
participação inspirados na mesma filosofia que alimenta
os sistemas democráticos, porém é esperado que estas
realizações educativas contribuam decisivamente para
impulsionar projetos de transformação social” (YUS, 2002, p.
155).
A Lei Nº 7.398 de novembro de 1985, garante a
organização de entidades estudantis de 1º e 2º graus (ensino
fundamental e médio, afirmando o direito dos estudantes a
se organizarem em grêmios estudantis (secundaristas). A
Constituição Federal de 1988 no artigo 205 assumida pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 53. A criança
e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da

GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 265


PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

cidadania e qualificação para o trabalho”. A Lei de Diretrizes


e Bases (LDB), Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, no
artigo 3º, traz os princípios que norteiam o ensino: igualdade
de condições de acesso e permanência nas instituições de
ensino, liberdade para aprender, ensinar e pesquisar, respeito
ao pluralismo de ideias e à liberdade, gestão democrática e
diversidade étnico-racial.
A Lei nº 12.852 de 5 de agosto de 2013, O Estatuto
da Juventude tem como princípios a promoção da autonomia
e emancipação dos jovens, a valorização e promoção da
participação social e política, de forma direta e por meio
de suas representações, reconhecimento dos jovens como
sujeitos dos direitos universais, respeito à diversidade
individual e coletiva dos jovens, promoção da vida, da cultura
e da paz e a valorização dos diálogos e convívios dos jovens
com as demais gerações. A escola é um espaço que contribui
com a promoção do desenvolvimento da consciência política
dos estudantes.
Histórica e socialmente, a juventude tem sido
encarada como uma fase de vida marcada
por uma certa instabilidade associada a
determinados «problemas sociais». Se os jovens
não se esforçam por contornar esses «problemas»,
correm mesmo riscos de serem apelidados de
«irresponsáveis» ou «desinteressados». Um
adulto é «responsável», diz-se, porque responde a
um conjunto determinado de responsabilidades:
de tipo ocupacional (trabalho fixo e remunerado);
conjugal ou familiar (encargos com filhos, por
exemplo) ou habitacional (despesas de habitação
e aprovisionamento). A partir do momento em que
vão contraindo estas responsabilidades, os jovens
vão adquirindo o estatuto de adultos. (PAIS, 1990,
p. 141).

O grêmio estudantil permite que os estudantes


discutam, criem e fortaleçam inúmeras possibilidades de
ações tanto no próprio ambiente escolar como comunitário.
O grêmio é um importante espaço de: convivência;
aprendizagem; cidadania; responsabilidade e de lutas por

266 Plínio Xavier de Figueirôa


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

direitos. Compreendendo que o documento é resultado de


uma construção histórica, de uma determinada época (tempo)
e lugar (sociedade). Para Abreu (2008), o documento é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de
forças que nela detinham o poder.
A análise documental inicia-se pela avaliação
preliminar de cada documento, realizando o exame
e a crítica do mesmo, sob o olhar, dos seguintes
elementos: contexto, autores, interesses,
confiabilidade, natureza do texto e conceitos-
chave. Os elementos de análise podem variar
conforme as necessidades do pesquisador. Após
a análise de cada documento, segue-se a análise
documental propriamente dita. (CECHINEL et al.,
2016, p. 4).

Para os autores, a análise documental levanta


materiais que ainda não receberam um tratamento analítico
suficiente, que em nosso caso foram as leis e legislações
brasileiras que garantem a participação estudantil nas escolas
por meio do grêmio estudantil. Para Bardin (1977) a análise de
conteúdo tem como foco qualificar as vivências e percepções
do sujeito sobre um determinado objeto e seus fenômenos.
Segundo Bardin (1977), são as significações que guiam a
análise de conteúdo. Em uma análise qualitativa, descreve-se
a complexidade de problemas e das hipóteses e explicam-se o
significado e as características das informações e resultados
obtidos.
Esse capítulo faz parte de uma pesquisa acadêmica
que se inicia em 2018, teve como lócus uma escola de
tempo integral no ensino médio em uma cidade localizada
no agreste do estado de Pernambuco. Tem como resultado
uma dissertação de mestrado desenvolvida no Programa
de Pós-graduação em Educação, Culturas e Identidades
da Universidade Federal Rural de Pernambuco e Fundação
Joaquim Nabuco.

GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 267


PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ESPAÇO CONQUISTADO E GARANTIDO


Sendo um espaço organizado pelos estudantes
secundaristas destinado a debates e discussões de interesses
coletivos dos alunos no cotidiano escolar, por meio do
processo educacional e até mesmo na comunidade escolar,
em que estejam presentes os princípios da democracia e
da participação. O grêmio estudantil é a instância máxima
e legítima da participação estudantil no cotidiano escolar,
prevista em lei. Tem como objetivo central incentivar a
participação dos estudantes nas decisões da escola.
O grêmio estudantil é um núcleo organizativo e
considerado uma das primeiras possibilidades orgânicas que
os estudantes têm de participação na sociedade, colocando-
se como voz ativa nas decisões do cotidiano escolar, entre
as quais: reuniões de pais e mestres; conselho escolar;
calendário escolar e reinvindicações. Com um artigo intitulado
“A importância do grêmio estudantil na formação cidadã dos
estudantes”, que faz parte de um caderno com vários artigos
publicado pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná,
as autoras Keila Amaro e Marivete Bassetto de Quadros
(2016) apresentam que o grêmio é considerado um elemento
institucional legal, através do qual estudantes da educação
básica têm a possibilidade de organizarem-se e desenvolverem
diversas atividades, visando promover o desenvolvimento
intelectual, social e político dos gremistas.
Existem vários conceitos sobre participação, que
abrangem, por exemplo, as dimensões política e cidadã. No
livro “O local e o global: limites e desafios da participação
cidadã”, o autor Elenaldo Celso Teixeira (2002) traz que a
participação política é impregnada de conteúdos ideológicos
utilizados em várias ocasiões e de diferentes maneiras. De
acordo com o autor:
Entretanto, é preciso delimitar o conceito
de participação e, para isso, é fundamental
considerar o poder político, que não se confunde

268 Plínio Xavier de Figueirôa


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

com autoridade ou Estado, mas supõe uma


relação e que atores, com os recursos disponíveis
nos espaços públicos, fazem valer seus
interesses, aspirações e valores, construindo
suas identidades, afirmando-se como sujeitos de
direitos e obrigações. (TEIXEIRA, 2002, p. 26).

A participação supõe uma relação de poder através


do Estado ou entre os próprios atores, além do fato de que,
independentemente das várias maneiras através das quais
essa participação possa se concretizar, ela pode significar
“fazer parte”, “tomar parte” ou “ser parte” de um processo,
atividade pública e ações coletivas. Considera-se participação
política o ato de comparecer a uma reunião de partido, ações
recreativas, religiosas e realização de protestos ou marchas
(SANI, 1986; COTTA, 1979).
Para Norberto Bobbio (2000), o conceito de participação
também existe diferentes interpretações, mas desde que não
seja a condição de mero espectador, mais a de protagonista
nesse processo. Segundo Bobbio (2000), existem três níveis
de participação política: 1) a presença, que é apenas estar
presente em uma reunião, mas não participar das decisões;
2) a ativação, condição do participante de várias atividades
dentro ou fora de partidos políticos; e 3) participação, em que
o indivíduo contribui de forma direta ou indireta nas tomadas
de decisão.
A participação cidadã se concretiza por meio de
processos complexos e contraditórios entre Estado, mercado
e sociedade civil e se define no fortalecimento da sociedade
civil através de grupos e associações organizadas, de
acordo com Teixeira (2002). A participação cidadã vai além
dos mecanismos institucionais disponíveis, criando outros
mecanismos e canais, que estejam baseados no princípio
da maioria sem nenhuma tendência ao particularismo de
interesse. Com isso, esse conceito é mais amplo que sua

GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 269


PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

relação com o Estado, procurando realizar ações compatíveis


em relação aos interesses do conjunto da sociedade numa
lógica de desenvolvimento sustentável.
Para Arendt (1981), a participação traz marcos de
expressivo-simbólico que não se voltam para o institucional,
mesmo que seus desdobramentos cheguem ao Estado e ao
poder dominante, mas no espaço público, que no nosso caso
seria a escola, vários atores se fazem presentes, manifestam-
se com o objetivo de serem vistos e ouvidos por todos. Esse
elemento simbólico expressa o sentimento de identidade e
demandas específicas desses diversos atores, como afirma
Pizzorno (1985). Espaços como o grêmio estudantil propiciam
aos estudantes apresentarem suas demandas particulares e
coletivas como também colaborar na resolução de demandas
que outros trazem para o espaço.
Para a pesquisadora Angélica Monteiro, que
desenvolveu em 2005 a cartilha “Movimento estudantil:
organização”, o grêmio é um veículo de ação política que
tem status formal e jurídico de representação, dando aos
estudantes a possibilidade de discussões de problemáticas
específicas ou gerais sem se desprender do contexto social
e político ao seu redor. O grêmio, assim, faz parte de um dos
processos de formação da cidadania dos estudantes, dando
oportunidade de exporem suas ideias e ouvirem o outro,
oportunizando a elaboração do senso crítico, como afirmam
Amaro e Quadros (2016). A participação não é algo natural ou
fácil, mas, sim, um processo de lutas, resistências, conquistas
e aprendizado, de acordo com Demo (2008).
Para tanto, vai se configurando como espaço para
os estudantes exercerem sua cidadania e sua participação.
Organizados e atuantes, os estudantes lutam e propõem
saídas para as suas questões mais específicas concernentes
à escola. E assim aprendem a engajar-se nas lutas gerais
da sociedade, segundo Monteiro (2005), proporcionando o
desenvolvimento do protagonismo.
270 Plínio Xavier de Figueirôa
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

O termo protagonismo juvenil, enquanto


modalidade de ação educativa, é a criação de
espaços e condições capazes de possibilitar aos
jovens envolverem-se em atividades direcionadas
à solução de problemas reais, atuando como
fonte de iniciativa, liberdade e compromisso. O
cerne do protagonismo portanto, é a participação
ativa e construtiva do jovem na vida da escola,
da comunidade ou da sociedade mais ampla.
(COSTA, 2001, p. 179).

O diálogo é uma ferramenta indispensável nesse


processo. Essa participação torna-se genuína quando é
desenvolvida em um ambiente democrático, igualitário e de
forma horizontal, sem hierarquias, pois a participação sem
democracia é manipulação, segundo Costa (2001). Portanto,
precisamos fortalecer cada vez mais ambientes como
os grêmios em nossas escolas públicas para que de fato
contemplem-se os anseios dos nossos estudantes. Precisamos
repensar a escola pública enquanto uma instituição que
promova e desenvolva a participação estudantil de forma
democrática. Para Celso Antunes (2003), na democracia se
constroem o respeito, o saber escutar, a expressão ideias,
concordando ou divergindo, de modo a construir uma nova
pedagogia para uma escola pública de qualidade.
A iniciativa de promover e organizar um grêmio
estudantil nas escolas deveria partir dos próprios estudantes.
A instituição necessitaria favorecer e promover esse espaço
com o intuito de apresentar e esclarecer a importância da
participação de toda a comunidade escolar nas tomadas de
decisão. Nesse aspecto, a presença do grêmio escolar de
forma ativa incita à tarefa educativa nos aspectos da troca
de experiências e organizações de debates, segundo Antunes
(2015), podendo contribuir para a construção de importantes
saberes desde a infância, tais como respeitar as diferenças e
construir a autonomia.
A escola que se abre para a atuação do grêmio,
permitindo que os alunos contribuam com a sua
dinâmica, está construindo um espaço de diálogo.
GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 271
PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

E se a comunidade escolar adotar esses espaços


como regra de funcionamento e manifestá-lo
de forma cotidiana e em diversas esferas, ela
estará permeada por uma cultura de participação
democrática, possível de ser percebida em várias
faces de seu universo. Com essa abertura, todos
terão a oportunidade de criar uma nova realidade
na escola, condizente com a identidade daqueles
que a frequentam. (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 7).

A escola que oportuniza a atuação do grêmio estudantil


está contribuindo para a construção de um espaço de total
diálogo, repensando uma nova realidade escolar. O grêmio
é uma unidade autônoma no espaço escolar, e qualquer
estudante matriculado na instituição poderá participar. A
Secretaria Especial dos Direitos Humanos, juntamente com
Instituto Sou da Paz, elaborou um caderno com orientações
e sugestões de como formar um grêmio, de forma didática, a
publicação apresenta que são necessários cinco passos:
Comunicar a escola o interesse de montar de
forma organizada uma representação estudantil
dentro da instituição, mobilizar e sensibilizar
toda a escola com a proposta de apresentar a
importância do grêmio; Segundo passo, que é
uma assembleia geral com todos os atores da
instituição de ensino que tem como proposta
montar uma comissão eleitoral e construir o
edital para as eleições do grêmio com: nome
de chapa, horários das eleições e campanhas
e outras determinações em comum acordo;
terceiro passo é a organização dos alunos para
formar as chapas, discutir as ideias e propostas
que serão apresentadas no período de campanha;
quarto passo é composto pela eleição através de
voto secreto e a contagem dos votos feita pela
comissão eleitoral e os representantes de chapa;
o último passo é a posse da chapa eleita. (BRASIL;
INSTITUTO SOU DA PAZ, 2010, p. 17).

Cada grêmio estudantil possui um coordenador geral


ou presidente, que é responsável por orientar e coordenar
as atividades a serem desenvolvidas de tal modo que todos
os gremistas, de forma rotativa, possam ter a oportunidade
de orientar as reuniões, possibilitando-se, assim, a maior

272 Plínio Xavier de Figueirôa


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

participação de todos. Realizar uma assembleia geral por ano


com a finalidade de avaliar a gestão que está terminando e
definir a próxima comissão eleitoral são ações características
que cada grêmio deve seguir.
A participação mínima para que a assembleia geral
seja realizada é de 10% dos estudantes matriculados na escola
(não é uma regra). Fica evidente a importância da mobilização
e sensibilização para que o maior número de estudantes
estejam presentes nesse processo. Em sua organização, o
colegiado é uma proposta de estrutura, mas dependerá da
realidade encontrada em cada escola, assim definindo as
contribuições e funções de cada gremista.
É importante que o grêmio estudantil sempre esteja
em comunicação com os demais estudantes. O diagnóstico
é a melhor ferramenta para se saber quais as demandas dos
estudantes, levantando-se as prioritárias para todos. Partindo-
se da construção de um plano de trabalho, tal instrumento
poderá ser feito com as temáticas propostas por Monteiro
(2005) e Brasil e Instituto Sou da Paz (2010): cultura (dança,
saraus, semana cultural); esporte (campeonatos de futebol,
vôlei e basquete); política (palestras, debates, manifestações,
parceria com outros grêmios); social (reciclagem de lixo,
campanhas de prevenção – gravidez precoce e drogas);
comunicação (rádio escolar, jornal da escola e participação no
Conselho Escolar), tomando como ponto de partida sempre o
contexto escolar.
“Através das festas, das rotas de ócio, mas também
através do grafite e de outras manifestações,
diversas gerações de jovens têm recuperado
espaços públicos que tinham se tornado
invisíveis, questionando os discursos dominantes
sobre a cidade. Na escola local, a emergência de
culturas juvenis pode responder a identidades
de bairro, a dialéticas de centro-periferia, que é
preciso desentranhar. Por um lado, as culturas
juvenis se adaptam ao seu contexto ecológico
(estabelecendo-se uma simbiose às vezes insólita
entre estilo e meio). Por outro lado, as culturas

GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 273


PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

juvenis criam um território próprio, apropriando-


se de determinados espaços urbanos que
distinguem com suas marcas: a esquina, a rua,
a parede, o local de baile, a discoteca, o centro
urbano, as zonas de lazer etc”. (FEIXA, 2006. P.117)

Em nosso levantamento bibliográfico encontramos


muitas obras que problematizam a gestão democrática e
abordam o grêmio como algo que apenas faz parte dessa
gestão. Encontramos cartilhas desenvolvidas por secretarias
municipais e estaduais de educação que trazem um
direcionamento e planos prontos de como montar e manter
um grêmio estudantil na escolas, apenas. Portanto, o que
apresentamos durante este capítulo é a forma didática de
como organizar e promover um grêmio estudantil na escola,
porém cada instiuição tem que se apropriar de seu cotidiano
e suas vivências com a finalidade de promover um grêmio
que contribua para a participação dos estudantes e não seja
apenas figurativo nesse espaço. Precisamos questionar essas
formulações e regras que não condizem com o contexto em que
a escola e estudantes fazem parte desse contexto dinâmico
social.
A atuação do grêmio estudantil deverá acontecer de
forma independente e autônoma diante da gestão da escola,
conselho escolar e conselho de pais e mestres. Precisa ter
autonomia para organizar, elaborar e sugerir propostas e ações
para a escola. O grêmio estudantil precisar discutir, repensar e
promover o debate do processo escolar, no qual está inserido.
Com isso, os estudantes ocuparão seus lugares de fala e será
construída uma escola pública de forma significativa. Sendo
um espaço com a finalidade de proporcionar e desenvolver
o agir cidadão perante os contextos sociais e políticos
encontrados em nosso meio, por isso ele tem que ser regido
pela democracia e participação ativa de todos os envolvidos.
Em sua atuação, o grêmio possibilita aos estudantes uma

274 Plínio Xavier de Figueirôa


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

atitude investigativa/cognitiva e uma prática social voltada


para a autonomia e participação, como afirmam Amaro e
Quadros (2016).
Segundo Rego (1996), o diálogo é o caminho para
constituir uma escola democrática, possa ser um local em
que os estudantes tenham a liberdade de questionar, duvidar,
discutir, errar e construir, mesmo sendo um espaço de
contradições. Dessa forma, o grêmio precisa ser um elemento
institucional legal onde os estudantes tenham a oportunidade
de organizarem-se e exercitarem atividades variadas, que
visem promover o desenvolvimento intelectual, político e
social, de modo a fortalecer a escola democrática e gestão.
Em meados da década de 1980, o país passa pelo
processo de redemocratização, quando se pôs fim a 21 anos
de Ditadura Militar no Brasil. O cenário de início dos anos
1960, segundo Muller (2011), foi marcado pela agitação
política no Brasil. O Golpe Civil-Militar de 1964 trouxe várias
consequências ao movimento estudantil, como aconteceu
com a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE). Mesmo
com estudantes para salvaguarda, a sede em 31 de março foi
metralhada e no dia seguinte incendiada. Outras invasões e
depredações ocorreram em várias universidades do país. Além
disso, as entidades estudantis foram postas na ilegalidade
pelo Decreto-Lei nº 228, de 28 de fevereiro de 1967. Esses
ataques revelavam a intolerância do governo autoritário em
relação às mobilizações estudantis, de acordo com a doutora
e pesquisadora Angélica Muller (2011).
O Ato Institucional de Número Cinco (AI-5) foi o
que mais marcou todo esse período, trazendo consigo um
controle sobre a academia que também atingiu os estudantes
secundaristas. Decretado pelo então presidente Costa e Silva,
em 13 de dezembro de 1968, restringiu o movimento estudantil
à clandestinidade. Foram impostas restrições que limitavam a
liberdade de expressão de todos os cidadãos, como afirmam

GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 275


PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Amaro e Quadros (2016), resultando em perseguições, prisões


e desaparecimentos de estudantes que até os dias atuais não
foram encontrados.
Desse modo, o governo militar exerceu severa
repressão contra o movimento estudantil, acusado
de subversivo e de possuir ideias comunistas,
devido à contestação do agravamento das
desigualdades sociais que levaram a população a
um panorama de extremos, vivido entre a riqueza
de poucos e a miséria da maioria, provocado pelas
alterações políticas e com reflexos no sistema
educacional. Nesse cenário as organizações
estudantis passaram a sofrer outros ataques.
(FRANCO, 2014, p. 37).

As várias mobilizações do movimento estudantil no ano


de 1984, através principalmente do Movimento pelas Diretas
Já, traziam ao cenário político social a força do jovem brasileiro.
Em 1985, foi elaborada e aprovada pelo então presidente José
Sarney a Lei Federal Lei Nº 7.398 de 4 de novembro de 1985,
que apresenta apenas três artigos.
Art. 1º - Aos estudantes dos estabelecimentos
de ensino de 1º e 2º graus fica assegurada a
organização de Estudantes como entidades
autônomas representativas dos interesses dos
estudantes secundaristas com finalidades
educacionais, culturais, cívicas esportivas e
sociais.

§ 1º - (VETADO).

§ 2º - A organização, o funcionamento
e as atividades dos Grêmios serão
estabelecidos nos seus estatutos,
aprovados em Assembléia Geral do corpo
discente de cada estabelecimento de ensino
convocada para este fim.

§ 3º-A aprovação dos estatutos e a escolha


dos dirigentes e dos representantes do
Grêmio Estudantil serão realizadas pelo
voto direto e secreto de cada estudante
observando-se, no que couber, as normas da
legislação eleitoral.

276 Plínio Xavier de Figueirôa


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua


publicação.

Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário.


(BRASIL, 1985).

A lei dispõe sobre a organização das entidades


estudantis de 1º e 2º graus, na época, que hoje correspondem
ao ensino fundamental e médio. Em seu artigo primeiro, fica
assegurada a organização dos estudantes secundaristas
em grêmios estudantis como entidades autônomas que
representem os interesses dos estudantes e tenham
finalidades educacionais; cívicas; desportivas; culturais e
até mesmo sociais. O parágrafo segundo apresenta que todo
o funcionamento e desenvolvimento das ações por parte do
grêmio terão que estar estabelecidas no estatuto aprovado
em assembleia geral com a maioria dos alunos da instituição
de ensino de cada entidade. Já o parágrafo terceiro trata da
escolha dos dirigentes e representantes, que deverá se dar
através do voto direto e secreto dos estudantes, observando-
se, no que couber, as normas da legislação eleitoral. Em 1988,
é promulgada a nova Constituição Federal, conhecida como
a Constituição “Cidadã”, sendo a sétima do Brasil desde a
Independência. Promulgada em no dia 5 de outubro 1998,
possui 245 artigos, divididos em nove títulos.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

Nesse artigo, temos a prioridade do Estado em


reconhecer as crianças e adolescentes enquanto sujeitos
dos direitos. Também há a incumbência de desenvolver
programas de assistência integral para essa faixa etária nas

GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 277


PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

áreas da saúde e educação, apresentando punições severas


para crimes contra crianças e adolescentes. Mas vamos trazer
para a discussão o Capítulo III – da Educação, da Cultura e
do Desporto, sobre a incumbência de afirmar e fortalecer a
participação dos estudantes através do grêmio estudantil nas
escolas.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho. (BRASIL, 1988).

Ao proporcionar a participação dos estudantes, a


instituição contribui para a democratização desse espaço.
Contudo, essa escola democrática deverá garantir alguns
princípios de acordo com o artigo 206: condições igualitárias
de acesso e permanência na instituição de ensino; liberdade
aos estudantes de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar
o pensamento, a arte e o saber; pluralismos de ideias e
concepções pedagógicas; ensino de forma gratuita. No inciso
VI, garante-se a gestão democrática do ensino público, na forma
de lei específica. Sobre esse último inciso citado, partimos
da ideia de que a escola é ou deveria vim a ser democrática.
Diante de todo o aparato de leis, não podemos tratar de gestão
democrática como se fosse uma escolha do gestor em segui-
la ou não. Precisamos afirmar que qualquer ação que vá de
encontro aos princípios democráticas no espaço da escola irá
igualmente de encontro à Constituição Federal de 1988 e as
demais leis, portanto será inconstitucional.
Outra lei que apresentam crianças e adolescentes
enquanto sujeitos dos diretos e como prioridade é o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), lei promulgada em 13 de
julho de 1990, prevendo a proteção integral. O professor José
Almir do Nascimento (2018), em sua tese de doutorado, afirma

278 Plínio Xavier de Figueirôa


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

que a proteção integral só é possível com a implementação


de instrumentos jurídicos que sejam eficazes na garantia dos
direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
Essa doutrina encontra seu fundamento expresso,
principalmente, em três artigos do Estatuto da
Criança e do Adolescente, sendo tais: o artigo
terceiro, ao garantir que a criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana rompendo com a
concepção menorista e elevando-os à categoria
de sujeitos de direitos, sem distinção entre
pessoas, classes e/ou condições sociais; o artigo
quarto, que destina-lhes a absoluta prioridade,
ou seja, dá uma ordem de preferência sobre aos
direitos assegurados frente aos demais grupos
etários; e o artigo sexto, que considera a sua
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
(NASCIMENTO, 2018, p. 118).

Segundo o ECA, toda criança e adolescente tem


direito à liberdade, ao respeito e à dignidade enquanto
pessoa humana em processo de desenvolvimento. Já no artigo
dezesseis, o estatuto traz como compreensão de liberdade a
abrangência de aspectos como o opinar e expressar-se, crença
e culto religioso, brincar e praticar esportes e participar da vida
política na forma da lei. Esse artigo contempla as atuações
do grêmio com ações diversificadas e de livre escolha dos
próprios estudantes. A respeito do campo da educação, o
capítulo quarto garante o direito à educação, à cultura, ao
esporte e ao lazer para crianças e adolescentes.
O artigo 53 estabelece que criança e adolescente têm
direito a uma educação que vise ao seu pleno desenvolvimento,
qualificação profissional e preparo para exercer a cidadania.
Nos incisos, preconizam-se: direito de ser respeitado por seus
educadores; direto de contestar critérios avaliativos, podendo
recorrer às instâncias escolares superiores; e direito por parte
dos estudantes de se auto-organizarem e de participarem
das entidades estudantis. O artigo 58 garante que, durante
o processo educacional, deverão ser respeitados os valores

GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 279


PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

culturais, artísticos e históricos do contexto de cada indivíduo,


garantindo a crianças e adolescentes a liberdade de criação e
o acesso às fontes de cultura.
O processo educacional que se dá na escola,
para ser de qualidade, deve ser compreendido
como complementar ao que cada um traz de
história individual e coletiva. Além de respeitar e
valorizar os valores culturais próprios do contexto
da criança e do adolescente, é importante dar-
lhes condições de acesso à cultura de outros
grupos sociais possuidores de outras histórias,
diferentes, mas igualmente importantes. A
humanidade não se desenvolve no gueto. É a
possibilidade de conhecer e trocar experiências e
ideias que enriquece a todos e faz acontecer os
avanços sociais. (VASCONCELOS, 2013, p. 279).

A escola é um espaço de convívio comunitário, onde


essas garantias poderão ser colocadas em prática, fazendo
com que os estudantes sejam ativos e contribuam para o
desenvolvimento do seu próprio processo educativo, seu
senso crítico. A escola, ao propiciar esse tipo de participação,
torna-se libertadora.
A Escola Cidadã é uma escola coerente com a
liberdade. É coerente com seu discurso formador,
libertador. É toda escola que, brigando para ser ela
mesma, luta para que os educandos-educadores
também sejam eles mesmos. E como ninguém
pode ser só, a Escola Cidadã é uma escola de
comunidade, de companheirismo. É uma escola
de produção comum do saber e da liberdade.
É uma escola que vive a experiência tensa da
democracia. (FREIRE apud GADOTTI, 2010, p. 69).

A Lei de Diretrizes e Bases (1996), em seu artigo


terceiro, apresenta os princípios que norteiam o ensino, entre
os quais se encontram: igualdade de condições de acesso
e permanência nas instituições de ensino; liberdade para
aprender, ensinar e pesquisar; respeito ao pluralismo de ideias
e à liberdade; gestão democrática; e consideração com a
diversidade étnico-racial. O Estatuto da Juventude (2013), tem
como princípios: a promoção da autonomia e emancipação

280 Plínio Xavier de Figueirôa


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

dos jovens; a valorização e promoção da participação social


e política, de forma direta e por meio de suas representações;
reconhecimento dos jovens como sujeitos de direitos
universais; respeito à diversidade individual e coletiva dos
jovens; promoção da vida, da cultura e da paz; e valorização do
diálogo e convívio dos jovens com as demais gerações.
A promoção e o fortalecimento da participação social e
político dos jovens está presente no artigo segundo nos incisos
II e III, que abordam os princípios das políticas públicas para
a juventude. Já no terceiro artigo trata de forma geral sobre
as diretrizes gerais das políticas públicas para a juventude. O
artigo quarto, do Capítulo II – Dos Direitos dos Jovens, enfatiza
que o jovem tem direito à participação social e política.
Art. 4º O jovem tem direito à participação social
e política e na formulação, execução e avaliação
das políticas públicas de juventude.

Parágrafo único. Entende-se por participação


juvenil:

I - a inclusão do jovem nos espaços públicos e


comunitários a partir da sua concepção como
pessoa ativa, livre, responsável e digna de ocupar
uma posição central nos processos políticos e
sociais;

II - o envolvimento ativo dos jovens em ações


de políticas públicas que tenham por objetivo
o próprio benefício, o de suas comunidades,
cidades e regiões e o do País;

III - a participação individual e coletiva do jovem


em ações que contemplem a defesa dos direitos
da juventude ou de temas afetos aos jovens; e

IV - a efetiva inclusão dos jovens nos espaços


públicos de decisão com direito a voz e voto.

GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 281


PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Art. 5º A interlocução da juventude com o poder


público pode realizar-se por intermédio de
associações, redes, movimentos e organizações
juvenis.

Parágrafo único. É dever do poder público


incentivar a livre associação dos jovens.

Art. 6º São diretrizes da interlocução institucional


juvenil:

I - a definição de órgão governamental específico


para a gestão das políticas públicas de juventude;

II -o incentivo à criação de conselhos de juventude


em todos os entes da Federação. (BRASIL, 2013).

Diante do Estatuto da Juventude, o grêmio estudantil


apresenta-se como uma entidade representativa que
pode contribuir e consolidar tais princípios. Para tornar-se
ferramenta efetiva, o Estado e a sociedade têm que promover
a participação dos jovens na construção de políticas públicas
voltadas para tal público-alvo, de modo a permitir-lhes ocupar
os espaços públicos de tomadas de decisão como forma de
reconhecer o direito fundamental de participação. O grêmio
é na maioria das vezes a porta de entrada para crianças,
adolescentes e jovens iniciarem sua participação na vida
política na sociedade. Um grêmio pode ir além de atividades
recreativas e culturais como também lutar pela melhoria do
ensino, potencializando mais ações democráticas no espaço
escolar e participação em lutas gerais que vão além dos muros
da escola, mas que refletem na escola a sua dinâmica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil existem várias legislações que garantem a
participação dos estudantes nas escolas. Abordar a temática
do grêmio estudantil é apresentar a própria história do país.
Desde a ditatura civil-militar, os estudantes são personagens

282 Plínio Xavier de Figueirôa


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

protagonistas na luta pela democracia. Com a abertura do


processo de redemocratização brasileiro os estudantes tem
uma vitória em 1985, com a Lei do grêmio livre, Lei Nº 7.398 que
estabelece aos estudantes a livre organização por meio dos
grêmios, que tenham finalidades educacionais no contexto
secundarista que corresponde hoje ao ensino fundamental e
médio.
Logo em seguida foi promulgada a Constituição
Federal de 1988, que dentre os vários artigos temos o 205
que traz a educação com sendo um direito a todos e o 206
sobre as condições de acesso e permanência dos estudantes
nas instituições de ensino e sobre a liberdade durante o
processo educativo. Em 1990 temos o Estatuto da Criança
e do Adolescente que problematiza os mesmos enquanto
sujeitos dos direitos. Relacionado a educação e garantia da
participação dos estudantes, o artigo 53 aborda sobre o direito
à educação que vise o pleno desenvolvimento e qualificação
profissional e preparo para exercer a cidadania. No campo
direcionado diretamente aos professores e profissionais
da educação apresentamos a Lei de Diretrizes e Bases da
educação de 1996, no artigo terceiro sintetiza as garantias
dos estudantes perante o processo educativo enquanto a
participação nas decisões do cotidiano escolar. Em 2013,
o Estatuto da Juventude contribui e traz garantias para os
jovens para além dos muros da escola, para o fortalecimento e
promoção da participação social e políticas dos jovens.
O grêmio estudantil é um espaço organizado destinado
a debates e discussões de interesses dos estudantes dentro
da escola em meio ao processo educacional e até mesmo da
comunidade escolar, onde os princípios da democracia e da
participação devem se fazer presentes. Tem como atribuição
central incentivar a participação dos alunos nas decisões
da escola, aperfeiçoando os mecanismos de uma escola
democrática. De fato, esse núcleo organizativo é considerado
uma das primeiras possibilidades orgânicas que os
GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 283
PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

adolescentes têm de participação na sociedade, colocando-


se como voz ativa nas decisões da escola, entre elas: reuniões
de pais e mestres, conselho escolar e calendário da escola.
Diante das legislações apresentadas deste o período
de redemocratização com a lei do grêmio livre em 1985 até
ao estatuto da juventude de 2013, apresentamos que o grêmio
estudantil é uma garantia conquistada ao longo dos tempos.
Em escolas adultocêntricas precisamos promover enquanto
espaço democrático.
Os estudantes precisam ocupar esse espaço idealizado
e criado para e por eles de forma efetiva. Desde a sua ideia
até as suas ações. O grêmio estudantil é um mecanismo para
potencializar e desenvolver essa participação no cotidiano
escolar. Para mudar os nossos objetivos no meio acadêmico,
precisamos ouvir, problematizar e produzir o que os estudantes
vivenciam. Trocando esse olhar analítico, podemos construir
uma educação mais significava para os estudantes.
Com a finalidade de problematizar as conquistas
e avanços dos estudantes em favor da efetividade de sua
participação nos espaços educativos, nos deparamos
também com retrocessos perante esse universo altamente
adultocêntrico, no qual o adulto analisa o estudante como
incapaz de pensar e refletir sobre suas vivências, precisamos
fortalecer esse espaço de conquista dos alunos e desenvolver
uma cultura democrática na escola. A educação precisa ser
pensada e problematizada com a participação dos estudantes
que as veem como a única forma de superar suas dificuldades
sociais e realizar seus objetivos pessoais e profissionais.

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estudantes: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação.
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284 Plínio Xavier de Figueirôa


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Dispõe sobre a organização de entidades representativas dos
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GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 285


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GRÊMIO ESTUDANTIL: GARANTIAS E LEGISLAÇÕES NO CONTEXTO DA 287


PARTICIPAÇÃO DOS ESTUDANTES NA ESCOLA
288
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A


EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA:
um direito estudantil1
Luciano Marcos Curi
Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues
DOI: 10.29327/541522.1-15

INTRODUÇÃO
O que você quer ser quando crescer? Esta é uma
das perguntas mais corriqueiras, difíceis e, geralmente,
embaraçosas que se pode dirigir a uma pessoa. Pergunta
simples, resposta complexa. Certamente imprecisa e
ambígua, as crianças costumam respondê-la sem grandes
preocupações e as respostas costumam divertir os adultos.
Já para adolescentes, às vésperas do ingresso na vida adulta,
universitária ou profissional, este questionamento pode
causar grande apreensão.
Fazer escolhas não é fácil, pois sempre implica riscos
de acertos, erros, arrependimentos, frustrações, alegrias e
recompensas. Viver é fazer escolhas, mas isso não significa

1  Este texto refere-se a uma pesquisa em andamento no PROFEPT


(Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica, ofertado
em Rede Nacional) do IFTM- Câmpus Uberaba Parque Tecnológico. Trata-
se de uma versão ampliada e atualizada de duas publicações realizadas
referentes à citada pesquisa. São elas: CURI, Luciano Marcos. Orientação
Profissional (OP) para a Educação Profissional Técnica (EPTec): uma
institucionalização necessária. In: Jornal InterAção (Semanário de Notícias
de Araxá – MG). Ano 18, nº 939, 21/05/2021 p. 02; CURI, Luciano Marcos;
RODRIGUES, Flávia Cristina Zanquetta. Orientação Profissional no Ensino
Fundamental: uma ação necessária. In: II Conied (Congresso Online
Internacional de Educação).2021.Resumo expandido.
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA: 289
um direito estudantil
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

que tal tarefa seja isenta de conflitos pessoais e sociais (Cf.


Savater, 2004 e 2012). Também não significa que estamos
sozinhos e que não existam recursos auxiliares.
Agir, em essência, é escolher, e escolher consiste
em combinar adequadamente conhecimento,
imaginação e decisão no campo do possível
(sobre o impossível, em compensação, não há
deliberação, como já assinalou Aristóteles: não
podemos ‘escolher’ ser imortais...)  (SAVATER,
2004, p. 37).

Certamente, existem alguns momentos da vida em


que a solidão e os recursos auxiliares para as decisões são
escassos, mas outros não. No caso da escolha profissional,
ou seja, da escolha do Trabalho que a pessoa pretende
abraçar para a vida, uma das Grandes Decisões da Existência,
dispomos de uma área científica, uma expertise para auxiliar,
denominada de Orientação Profissional (OP).
Orientação Profissional (OP) é o nome dado a um
conjunto de técnicas, tecnologias e conhecimentos científicos
utilizados para colaborar com as pessoas que desejam ou
necessitam efetuar escolhas profissionais ou escolher um
curso de Educação Profissional de Nível Técnico, Superior ou
de Pós-Graduação. Pode ser também utilizada por pessoas
que queiram, ou necessitam, repensar suas carreiras, sua
colocação no mercado de trabalho ou estejam insatisfeitas
com seu Trabalho, o que se denomina Reescolha Profissional.
Essa é uma questão chave, afinal escolher uma
profissão não é somente decidir o que fazer no Mundo do
Trabalho, mas, principalmente, decidir quem ser. Escolher
uma ocupação é escolher um estilo de vida, um modo de viver,
conforme esclarece Virgínio (2006, p. 116), “Em realidade,
nossas escolhas incidem, sobretudo, sobre a dialética entre
o mundo da realidade e o mundo das possibilidades, ou seja,
sobre o que elegemos junto ao segundo para ter direito de se
manifestar no primeiro. ”

290 Luciano Marcos Curi - Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Destarte, a Orientação Profissional (OP) trata-se da


colaboração de um terceiro, de agente externo, um psicólogo
ou Orientador Profissional Habilitado (OPH), que se utiliza
de conhecimentos científicos, questionários validados, além
de outros instrumentos e técnicas, para auxiliar as pessoas
na sua escolha profissional. Essa OP, chamada científica
ou profissional, pode ser aplicada individualmente em
consultórios ou em escolas por meio de abordagens coletivas
ou mesmo de forma híbrida, na qual há a associaçãodas duas
formas.
O objetivo é que a pessoa receba uma orientação e
não escolha sozinha, desconsiderando aspectos importantes
que possam resultar numa opção pouco refletida e sujeita a
revisões futuras ou resulte em frustrações evitáveis. Nesse
sentido, Soares (2001) clarifica que:
A escolha consciente por parte dos jovens, de sua
futura profissão, pode ser um dos caminhos para
se alcançar uma maior relação da escola com a
realidade, à medida que um maior número de
pessoas ingressar na universidade, conscientes
de seu compromisso social. (SOARES, 2001, p.58)

O público mais conhecido que utiliza a Orientação


Profissional são os adolescentes2 pré-universitários,
a chamada Orientação Profissional Clássica (OPC) ou
tradicional. Este público, além de saber qual curso irá escolher,
tem que se preocupar com vestibulares e, conforme a escolha
que fizer,mudanças de cidades, região, às vezes até de país,
além, muitas vezes, da privação do convívio familiar, morar
sozinho, entre outros. E tudo isso no período da adolescência.

2  Neste trabalho utiliza-se a conceituação de adolescente como parte


da juventude. Assim, centramos a análise na faixa etária preconizada pelo
Estatuto da Criança e da Adolescência (ECA – entre doze e dezoito anos),
Lei Federal nº 8.069 de 13/07/1990. Para a Unicef a adolescência ocorre a
partir dos 14 anos (Cf. UNICEF, 2011).
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA: 291
um direito estudantil
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Esse é um aspecto que a sociedade e os educadores


precisam entender. A passagem do Ensino Médio para
a Educação Profissional Superior, no Brasil e no mundo,
é marcada por uma concentração de escolhas, algumas
evitáveis, fosse outro nosso sistema educacional, cuja revisão
já começou, mas a baixa adesão social e educacional ainda é
insuficiente para produzir as mudanças necessárias. Existem
alternativas menos impactantes para este momento da vida
e da escolarização que são ignoradas, pouco conhecidas e
discutidas, inclusive, pelos educadores.
Contudo, vários estudiosos ressaltam que no Brasil
a Orientação Profissional ainda deixa a desejar e muitos
estudantes acabam realizando escolhas limitados a suas
possibilidades e às de suas famílias. De acordo com Baetta,
(...) a prática de OP (Orientação Profissional)
em nosso País, sobretudo nas instituições de
ensino público e privado, ainda se realiza de
modo bastante frágil e insuficiente, espelhando,
de um lado, a falta de preparo consistente dos
profissionais e, de outro, o desinteresse das
instituições políticas e educacionais de acordo
com o cenário em que é estabelecida essa
realidade. (BAETTA, 2017, p. 48)

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA O NÍVEL MÉDIO


Mas, afinal, o que é a chamada Escolha Profissional?
Esse é o nome que se dá a um processo subjetivo e objetivo
de escolha da profissão que uma pessoa irá adotar em sua
vida. Esse processo de escolha profissional requer dois tipos
de conhecimentos que, segundo Neiva (2007), se referem aos
aspectos internos e pessoais de quem escolhe (quem sou) e
aos aspectos externos a quem escolhe (como é a realidade
educativa e socioprofissional). Para auxiliar neste processo de
escolha surgiu a Orientação Profissional.

292 Luciano Marcos Curi - Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

A Orientação Profissional pode ser difusa, ou informal,


feita por amigos, parentes, pais, professores, tios e outras
pessoas interessadas que a pessoa acerte na sua escolha
profissional. Pode ser também a própria pessoa por conta
própria, lendo artigos de jornal e internet, comprando livros,
tentando acertar na sua escolha.
Todavia, existe uma área científica, profissional e
especializada para esse trabalho de orientação, geralmente
realizado por psicólogos ou Orientadores Profissionais
Habilitados, que se utilizam de conhecimentos científicos,
questionários testados e validados, além de outros
instrumentos e técnicas, para auxiliar as pessoas na
escolha profissional. Essa Orientação Profissional, chamada
científica, profissional ou especializada, pode ser aplicada
individualmente, coletivamente ou de forma híbrida
associando-se as duas formas.
Geralmente, a Orientação Profissional trabalha
com Autoconhecimento, Mundo do Trabalho, Informação
Profissional e Decisão. No entanto, é preciso dizer que as
escolhas humanas são processos individuais e subjetivos
e que a ciência não possui nenhum instrumental teórico ou
prático para informar com exatidão a profissão ideal para
cada pessoa. Tal empreendimento não é possível pelo fato
de que as pessoas não são seres imutáveis que atravessam
a vida incólumes. As pessoas mudam ao longo das suas vidas
e isto tem implicações no Mundo do Trabalho. Contudo, isso
também não significa que a ciência não disponha de recursos
para colaborar com uma escolha que é presente na vida da
maioria das pessoas e dos sistemas escolares mundo a fora.
Mas por que a Orientação Profissional é necessária
e importante? A resposta é simples: porque o Trabalho é
central no tipo de sociedade em que vivemos. O Trabalho
é parte considerável de nossas vidas, qualitativamente e
quantitativamente; logo, escolher um tipo de Trabalho, uma
profissão, é uma tarefa que merece reflexão.
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA: 293
um direito estudantil
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Além da Orientação Profissional Clássica, existem


outras aplicações e é sobre uma delas cujo foco e atenção
tem sido insuficiente que é preciso rever posicionamentos
educacionais, sociais e até políticos. Trata-se da orientação
voltada para a Educação Profissional Técnica (EPTec) ou
Ensino Técnico. Uma das mais desconhecidas e muitas vezes
ignorada, inclusive, entre os próprios educadores.
Como historicamente a Orientação Profissional surgiu
vinculada à demanda do público pré-universitário, geralmente,
as pessoas desconhecem outras aplicações e públicos desta
atividade. Assim, onde há escolha profissional cabe reflexão
sobre o Trabalho, contexto em que se insere a Educação
Profissional Técnica e a Educação Profissional Superior.
A Orientação Profissional para a Educação Profissional
Técnica (EPTec) assume papel de grande importância pois será
abordada justamente durante a primeira fase da juventude,
especificamente na adolescência, período compreendido
entre os 12 e 18 anos, conforme o Estatuto da Criança e do
Adolescente (o ECA), por exemplo, fase caracterizada por
inúmeras transformações de ordem mental, física, emocional,
social e sexual. Segundo Dayrell (2003, p. 3) a adolescência
representa o momento do início da juventude, um momento
cujo núcleo central é constituído de mudanças do corpo, dos
afetos, das referências sociais e relacionais.
Erickson (1987, p. 128) caracterizou a adolescência
como um modo de vida entre a infância e a idade adulta. Na
perspectiva do autor, a adolescência é um período da vida
que propicia uma crise psicológica, onde ocorrem diversas
reestruturações na identidade do indivíduo fundamentais
para a construção da personalidade.
Spaccaquerche (2009) considerou que a adolescência
é entendida como uma fase de transição, caracterizada
como uma etapa da vida em que se processam mudanças

294 Luciano Marcos Curi - Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

fundamentais no âmbito fisiológico, social e psicológico e


que pela própria intensidade, geram muitos conflitos internos,
familiares e sociais.
Nessa perspectiva os adolescentes que frequentam
as séries finais do Ensino Fundamental passam por um
momento de transição significativa na passagem para o
Ensino Médio. No estudo conduzido por Aguiar e Conceição
(2009) que tratou das expectativas quanto ao futuro e escolha
profissional em estudantes do 9º Ano do Ensino Fundamental
que se preparavam para o ingresso no Ensino Médio os autores
observaram angústias e dúvidas semelhantes aos estudantes
do 3º Ano do Ensino Médio, as vésperas do ingresso na
Educação Superior. Tal passagem para o Nível Médio ou para
a Educação Superior envolve, principalmente, a insegurança
do desconhecido, medo e ansiedade ao mesmo tempo em que
geram expectativas sobre o que está por vir.
Para Bohoslavsky (1998, p. 2) é precisamente na
adolescência que emergem as dificuldades e soluções de
natureza vocacional, ou profissional. Especificamente entre os
quinze e os dezenove anos, de modo aproximado, delineiam-se
com mais clareza os conflitos relativos ao Mundo do Trabalho.
É justamente nesta realidade que a Orientação
Profissional se faz de suma importância ao buscar através de
seus processose práticasdesenvolver acriticidadedoestudante,
a compreensão do Mundo do Trabalho, o conhecimento das
oportunidades e profissões e principalmente entender todo
o contexto em que os jovens estão inseridos, construindo
novas perspectivas e possibilidades de escolha e, não menos
importante, entendendo sua história, experiências e sonhos.
Na atualidade, todos os profissionais de OP se
esforçam, diferente do que ocorria no passado, a não restringir
a escolha da profissão a escolha de um curso. São situações
relacionadas, mas não necessariamente equivalentes. No geral
eles se esforçam para auxiliarem as pessoas a escolherem o
Trabalho que mais lhe condiz, e não apenas o curso.
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA: 295
um direito estudantil
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Segundo Grinspun (2011),


A história da escola brasileira, no que diz respeito
à relação da educação escolar com o trabalho,
tem apresentando tanto um compromisso
(com uma certa concepção de trabalho), como
um descompromisso (necessidades reais do
trabalhador) com os fatos. (...) Claudio Salm diz
que a melhor profissionalização que podemos
dar aos jovens é prepará-los para o mundo do
trabalho e que os dois grandes pilares dessa
profissionalização são, de um lado, a ciência, que
cada vez mais, se incorpora ao processo produtivo
e, de outro, as relações de poder que se formam
em nossa sociedade. (GRINSPUN, 2011, p. 124-
125/127).

É importante lembrar que a Escolarização para o


Trabalho no Brasil na atualidade começa antes da Educação
Superior, ou seja, a profissionalização escolar pode começar
no Nível Médio com os cursos de Educação Profissional
Técnica.
Essa observação tem um motivo. Existe certo
preconceito, notadamente no Brasil, com relação àEducação
Profissional Técnica. Alguns argumentam que apenas a
Educação Profissional Superior é importante e merecedora de
nossa reflexão, o que alguns autores chamam de bacharelismo,
sem discutir as variações que este conceito carrega (Cf. De
Freitas, 2010).
Essa comparação entre Educação Profissional Técnica
e Educação Profissional Superior é indevida e confunde
as etapas escolares, suas finalidades e respectivas faixas
etárias. O preconceito também impede de observar que alguns
cursos Técnicos, por exemplo, representam uma alternativa
valiosa na adolescência e podem abrir possibilidades antes
impensadas, ou iniciar trajetórias profissionais, ou mesmo
possuírem empregabilidade igual ou maior que certos cursos
de Educação Profissional Superior.

296 Luciano Marcos Curi - Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Assim, a pesquisa aqui apesentada procura atuar


justamente neste ponto, ou seja, a discriminação que existe,
notadamente no Brasil, em relação à Educação Profissional
Técnica. Há uma certa dificuldade e resistência em reconhecer
a importância e legitimidade desse tipo de escolarização.
Nesse sentido, o presente estudo trata-se de uma
pesquisa de caráter qualitativa, exploratória, explicativa,
bibliográfica e de levantamento que procurou reunir o material
já produzido e analisá-lo à luz deste ponto de criticidade. Devido
a preconceitos e desconhecimentos,os jovens brasileiros, os
adolescentes, para sermos mais específicos, ficam muitas
vezes excluídos de usufruírem de uma oportunidade de
escolarização, que pode ser interessante ou conveniente para
eles. Então, procurar-se-á demonstrar que essa comparação
é indevida, afinal o Ensino Médio e o Superior não são etapas
escolares equivalentes (Cf. Ramalho, 2019).
É importante lembrar que Mundo do Trabalho é muito
diversificado e amplo, existem pessoas que cursam apenas
a Educação Básica e trabalham em funções que não exigem
escolaridade específica. Situação que não é incomum e que
a priori não tem nada de desonroso, pois a honradez das
pessoas reside na sua história e na sua postura ética. Não
buscar a Educação Profissional, Técnica ou Superior pode
ser uma opção ou falta de oportunidade, sendo no primeiro
caso uma escolha e no segundo um gravíssimo sintoma de
desajuste social. Importante frisar, então, que Educação
Profissional, Técnica e Superior, é escolhida pelas pessoas e
não é obrigatória. Dizemos que ela é eletiva e não-obrigatória.
Portanto, a Orientação Profissional deveria iniciar-
se, dentro da atual Organização Escolar Brasileira (OEB), no
Ensino Fundamental, momento decisivo e estratégico, com
diferenças e semelhanças daquele localizado ao término do
Ensino Médio, porém igualmente merecedor de uma reflexão
sobre o Trabalho e a profissionalização.

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA: 297


um direito estudantil
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Contudo, há uma diferença importante a ressaltar:


na Orientação Profissional Clássica, ou seja, na passagem do
Ensino Médio para Educação Profissional Superior, a próxima
etapa escolar é necessariamente profissional. Em outras
palavras, com exceção dos raros cursos de Bacharelados
Interdisciplinares existentes no Brasil, que são de Nível
Superior e não-profissionalizantes, após o término do Ensino
Médio, a continuidade dos estudos implica quase sempre
na escolha de um curso profissional, pois no Brasil, outras
alternativas ainda não se consolidaram.
Agora, no caso da passagem do Ensino Fundamental
para o Ensino Médio, ocorre que existem duas grandes linhas
a seguir. A primeira é o Ensino Médio Regular, ou Ensino
Médio Acadêmico tradicional ou convencional, que não é
profissional. A segunda são os cursos Técnicos no Nível Médio
nas modalidades de Concomitante e Integrado (ou Ensino
Médio Integrado).
Desse modo, após o término do Ensino Fundamental,
o adolescente pode escolher se quer ou não iniciar sua
profissionalização ou se irá deixar isso para o final do
Ensino Médio. Enfim, o Nível Médio, com exceção dos cursos
subsequentes, ou pós-médio, encontra-se dentro da Educação
Básica. Essas questões quase sempre são esquecidas e
merecem reflexão. Escolher o curso de Nível Médio é escolher
como irá concluir-se a Educação Básica, uma vez que se trata
de sua última etapa.
Assim, é grave ausência de Orientação Profissional não
discutir essas questões. Escolher sem serem consideradas
todas as alternativas ou quando delas se lembrar, avaliá-
las à luz do senso comum ou até de preconceitos antigos e
descabidos. Nesse momento decisivo, passagem do Ensino
Fundamental para o Ensino Médio, muitas vezes nem as
vantagens da EPTec são lembradas e muitos sequer as
conhecem.

298 Luciano Marcos Curi - Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

No geral, o Nível Médio (todas as opções ou variações


equivalentes ao Ensino Médio)e suas modalidades são muito
desconhecidas no Brasil, tanto pela sociedade, quanto pelos
educadores. Ao todo existem sete modalidades diferentes
dentro do Nível Médio na atualidade, das quais três são
aplicáveis aos adolescentes recém-concluintes do Ensino
Fundamental. São elas: Ensino Médio Regular ou Acadêmico,
Ensino Médio Integrado e Técnico Concomitante ao Ensino
Médio. A tabela a seguir mostra o Nível Médio com todas as
suas variações no Brasil atual.
Quadro 1 - Nível Médio no Brasil atual - variações
Nº Sigla Curso (Nome) Caracterização Público Instituições Tipo Quant. de
(formação de Matric.
ofertada) Realização
Ensino Médio Matrícula
01 EM Formação Básica Adolescentes Escola Única FB
Regular Única
EM - Ensino Médio - Matrícula
02 Formação Básica Adultos Escola Única FB
EJA EJA Única

Técnico Formação Básica Escola Única


Duas
03 TC - EM Concomitante e Formação Adolescentes Ou Duas Híb
Matrículas
- EM Profissional Escolas

Técnico Formação Básica Escola Única


TC - Duas
04 Concomitante e Formação Adultos Ou Duas Híb
EJA Matrículas
- EJA Profissional Escolas

Formação Básica
Ensino Médio Matrícula
05 EMI e Formação Adolescentes Escola Única Híb
Integrado Única
Profissional

Ensino Médio Formação Básica


EMI - Matrícula
06 Integrado - e Formação Adultos Escola Única Híb
EJA Única
EJA Profissional

Técnico
Formação Matrícula
07 TS Subsequente Adultos Escola Única FP
Profissional Única
ou Pós-Médio
SIGLAS:
TC – Técnico Concomitante – quando os estudantes fazem dois cursos de Nível Médio ao mesmo
tempo, com matrículas diferentes, podendo ser na mesma escola (concomitância interna) ou escolas
distintas (concomitância externa).
EJA – Educação de Jovens e Adultos – para as pessoas que não completaram, abandoaram ou não
tiveram acesso à educação formal na idade apropriada. Antigo Ensino Supletivo.
FB – Formação Básica.
FP – Formação Profissional.
Híb – Híbrido ou misto (Formação Básica e Formação Profissional no mesmo curso).
Fonte: CURI, 2021c.

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA: 299


um direito estudantil
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Essa falta de atenção com o Nível Médio é histórica e é o


resultado da confluência de vários elementos, dos quais quatro
se destacam: primeiro é o prestígio da Educação Profissional
Superior (EPS), o chamado bacharelismo, que termina por
ofuscar a Educação Profissional Técnica. Isso resulta que a
OP para a EPS seja valorizada e não sofra discriminação e a
direcionada para a EPTec seja desconsiderada e esquecida,
raramente realizada e geralmente incompreendida. Segundo
a questão histórica da discriminação do Trabalho manual ou
operacional. No Mundo do Trabalho e no mercado de trabalho,
os profissionais técnicos são aqueles que lidam com tarefas
operacionais ou manuais o que remonta a preconceitos antigos
que opõem Trabalho manual e Trabalho intelectual.
Não estamos dizendo que Trabalho manual seja
superior ao intelectual ou o inverso. Sabemos, inclusive, que
essa divisão entre manual e intelectual, concreto e abstrato,
é um tanto forçosa e que, a rigor, não existe nenhum Trabalho
puramente manual ou intelectual, afinal mãos e cérebro
sempre operam em conjunto. Entretanto, inegavelmente,
algumas formas de Trabalho são valorizadas e outras não.
Portanto, o preconceito em relação ao Trabalho manual às
vezes afasta a discussão sobre a EPTec.
Terceiro, é a pressão dos vestibulares. Muitos pais e
educadores, continuam acreditando e praticando um Ensino
Médio que tem como única finalidade a preparação para a
Educação Profissional Superior, a finalidade propedêutica.
Esquecem da adolescência, suas demandas e particularidades.
O vestibular desvirtua e deforma o Nível Médio e sua função
formativa se perde.
Quarto, muitos pais e educadores quando pensam a
EPTec estão presos a modelos do passado que já mudaram.
Realmente no passado brasileiro e ocidental, o Ensino Técnico
era um tipo de escolaridade separada dos demais ramos
escolares e estruturada de forma simplificada. Contudo,
no Brasil, desde a Constituição de 1988 e da LDB de 1996, o
300 Luciano Marcos Curi - Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Ensino Técnico não pode mais substituir a Formação Básica.


No máximo ele pode ser ofertado de forma paralela, como
ocorre na modalidade concomitante. Certos comentários
remontam ao Ensino Técnico praticado na época da Ditadura
Militar e até períodos anteriores, época em que a Formação
Profissional substituía parte da Formação Básica.
No geral, pode-se afirmar que a EPTec sofre tanto
da discriminação advinda dos preconceitos relacionados ao
Trabalho manual, quanto do ofuscamento pelo prestígio da
EPS. Desse modo, alguns estudantes nem cogitam durante
o Nível Médio realizar um curso Técnico, nem Concomitantee
nem o Ensino Médio Integrado. Este último, inclusive, na
atualidade é a modalidade de Nível Médio que possui os
melhores resultados em avaliações nacionais e estrangeiras
no Brasil (Cf.Moraes, 2020; Giordani, 2019; Curi & Giordani,
2019).
Isso leva a adoção majoritária, após a conclusão do
Ensino Fundamental do Ensino Médio Regular, de descartar
a possibilidade de se adotar outros caminhos. Muitas vezes
os estudantes, suas famílias e mesmo os educadores sequer
refletiram sobre tais possibilidades e, se o fizeram, foi à luz de
preconceitos do passado.
Entendemos que a reflexão sobre a profissionalização
deveria se iniciar no Ensino Fundamental e não apenas no
Ensino Médio como ocorre na atualidade, geralmente as
vésperas do vestibular e do ingresso na EPS, afinal é direito
dos adolescentes serem informados e conhecerem todas as
opções escolares. É comum que nem as oportunidades locais,
existentes nas cidades de residências dos estudantes de Nível
Médio serem lembradas.
Inclusive, esta pesquisa mostra que a EPTec,
juntamente com todo Nível Médio, encontra-se embaraçada
numa série de obstáculos cuja superação depende de muitos
fatores. Um deles é o maior reconhecimento da sociedade e
também pelos próprios educadores de uma visão mais ampla
ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA: 301
um direito estudantil
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

e atualizada sobre o Nível Médio e sua posição estratégica na


OEB. Assim, a OP deve se iniciar no EF e não apenas no EM
às vésperas do vestibular e ingresso na EPS. É preciso pensar
a EPTec como uma opção defensável para os adolescentes,
viável e até desejável, e, em alguns casos, até conveniente,
livre de preconceitos e desconhecimentos.
Ressaltamos que o desenvolvimento de uma
expertise de OP para a EPTec já se iniciou por meio de
alguns trabalhos. Não obstante, alguns ainda incorrem em
recaídas preconceituosas e não conseguem ultrapassar a
desvalorização histórica que atinge a EPTec e, muitos deles,
não conseguem contemplar adequadamente a diversidade do
Nível Médio e suas potencialidades.
Sabemos que a comparação entre EPTec e EPS deve
ser feita com cautela e reservas. Afinal trata-se de etapas
escolares diferentes, para públicos diferentes, que habilitam
para postos e colocações no mercado e no Mundo do Trabalho
diferentes. Contudo, o ranço e a mentalidade de inferioridade
da EPTec perante a EPS é uma questão histórica que precisa
ser conhecida e abordada com clareza. A EPTec não substitui
a EPS. O debate deveria se situar dentro do Nível Médio e qual
a melhor opção para os adolescentes nesta etapa escolar.
Ademais, é indiscutível que a pressão exercida
pelos vestibulares muitas vezes distorce, molda e coloniza
o Nível Médio. Isso impede de se enxergar outras questões
importantes. Um exemplo é a questão da verticalização
da formação profissional entre o Técnico e o Superior, ou
seja, fazer os dois cursos na mesma área, o que já sabemos
resulta num profissional melhor formado, teórico e prático. A
possibilidade de se utilizar a verticalização como estratégia na
construção de carreiras é tema pouco abordado, quando não
ignorado. No fim, acaba prevalecendo uma postura cabisbaixa
da EPTec sobre o EPS, um certo viralatismo educacional.

302 Luciano Marcos Curi - Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Por fim, a Reforma do Ensino Médio de 2017, além de


não equacionar muitos dos problemas já conhecidos do Nível
Médio, pode ainda vir a agravá-los e, no caso da valorização da
EPTec, a tal reforma foi no sentido contrário, principalmente
por repetir e/ou reforçar preconceitos antigos modernizados
sob novos nomes (Cf. Curi, 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos que a adoção de estratégias de
Orientação Profissional para a EPTec devem ser permanentes
e institucionalizadas no Ensino Fundamental, uma política
pública educacional. Isso colaboraria para uma maior
integração entre as duas etapas escolares, dando mais
articulação a OEB.
Nesse sentido, a reflexão sobre a EPTec no EF não
deveria ser facultativa ou episódica ou deixada a cargo da
benevolência de alguns docentes, ao contrário deveria ser
obrigatória e permanente, seja através de uma disciplina
escolar ou de outros formatos que lhe garantissem a
efetividade e a sua prática real na vida dos estudantes. Afinal,
cada etapa escolar deveria refletir e preparar os estudantes
para a etapa seguinte, o que,também, é direito dos estudantes
saber e conhecer suas possibilidades educativas e escolares.
A Orientação Profissional foi criticada e acusada de
ser uma forma de ajustamento das pessoas ao capitalismo
ou a sua classe social. Essa mesma crítica foi endereçada a
toda escolarização e mesmo à sociedade que, geralmente,
tende a manutenção do status quo. Então, é preciso avaliar
sem excessos essa questão. A OP é uma reflexão sistemática,
elaborada a partir de instrumental científico para uma escolha
presente na vida da maioria das pessoas. Seus resultados
dependem de inúmeros fatores, mas, no geral, as escolhas
orientadas são mais acertadas e podem descortinar opções

ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA: 303


um direito estudantil
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

que os indivíduos por suas condições ignoravam. Escolhas às


cegas e entregues à própria sorte podem referendar e ampliar
desigualdades sociais e escolares.
Essa adoção de uma preparação institucionalizada no
EF para o Nível Médio, como Política Pública em Educação,
contribuiria, inclusive, para a diminuição das desigualdades
sociais e escolares, tão comuns no Brasil (Cf. Souza, 2018).
Como acontece hoje, fica a cargo das famílias e, neste
caso, apenas daquelas privilegiadas, disponibilizarem
aos estudantes uma análise completa para uma escolha
consciente do curso adequado para o Nível Médio. Atualmente,
privilégio de poucos.
Um ponto que precisa ser frisado é que o Nível Médio
encontra-se dentro da Educação Básica e que portanto
a profissionalização neste momento é facultativa. Desse
modo a OP para o Nível Médio precisa informar este fato
aos estudantes. Uma das premissas centrais que continua
importante na OP no Ensino Fundamental é informar todas
as opções para superar preconceitos e desconhecimentos.
Um debate franco, informativo, plural é uma necessidade
na passagem do Ensino Fundamental para o Ensino Médio.
Entendemos que essa mudança precisa começar a partir dos
educadores e também da sociedade.
Por fim, é preciso amadurecer no Brasil a discussão
sobre o Nível Médio e seus formatos e realizar-se pesquisas
científicas sérias para subsidiar eventuais reformas. A Reforma
Temer do Ensino Médio foi uma afronta pela forma como
foi feita e pelas promessas infundadas que fez a população
brasileira. Acreditamos que o Nível Médio brasileira precisa
ser ampliado em carga horária e escopo de formação rumo a
uma formação verdadeiramente integral, como etapa final da
Educação Básica. Enfim, há muito Trabalho por fazer.

304 Luciano Marcos Curi - Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Que a escolarização trabalhe para reverter isso,


socializando informações e abrindo caminhos. Por uma
Educação sem preconceitos, bacharelismos, plural,
democrática e centrada nos jovens estudantes. Afinal,
conhecer as oportunidades escolares é um direito estudantil.

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306 Luciano Marcos Curi - Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues


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ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA: 307


um direito estudantil
308
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

SOBRE O(A)S AUTORE(A)S


Aline Cristina Camargo
Doutora (2020) pelo Programa de Pós-Graduação em Mídia
e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, Unesp. É
também jornalista (2012) e mestre (2015) em Comunicação
Midiática pela mesma universidade, e especialista (2017) em
Gestão de Mídias Digitais pela Universidade Metodista. Foi
bolsista Fapesp de Iniciação Científica, Mestrado e Mestrado
Sanduíche (realizado na University of Texas) e bolsista Capes
durante o Doutorado. Realizou estágio de pesquisa no exterior
(bolsa CAPES PDSE) na Universidad de Sevilla (Espanha). Foi
bolsista AUGM na graduação durante intercâmbio realizado
na Universidad Nacional de Entre Ríos (Argentina). Atua como
professora do Departamento de Comunicação Social da FAAC
Unesp/Bauru.
E-mail:aline.c.camargo@unesp.br
Lattes:http://lattes.cnpq.br/7340783113175141
Orcid: 0000-0001-8854-1810
Altair Alberto Fávero
Possui Pós-Doutorado (Bolsista Capes) pela Universidad
Autónoma del Estado de México (UAEMéx), Doutorado em
Educação (UFRGS), Mestre em Filosofia do Conhecimento
(PUC/RS), Especialista em Epistemologia das Ciências Sociais
(UPF) e Graduado em Filosofia (UPF). Atua como professor
titular III e pesquisador no Curso de Filosofia, no Mestrado e
Doutorado em Educação da UPF, onde coordena os projetos
de Pesquisa Docência Universitária e políticas educacionais
(em andamento desde março de 2012) e Políticas Curriculares
para o Ensino Médio (em andamento desde outubro de 2020).
Além de diversas publicações em periódicos qualificados,

SOBRE O(A)S AUTORE(A)S 309


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

é organizador de várias coletâneas relacionada a educação


pelas editoras Mercado de Letras e Editora CRV. Coordenador
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior -
GEPES/UPF, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade de Passo Fundo - RS/Brasil e ao
Grupo Internacional de Estudos e Pesquisas sobre Educação
Superior -   GIEPES, ligado à Unicamp. Membro do Grupo
Interinstitucional EMpesquisa e pesquisador do projeto “A
reforma Ensino Médio com a Lei 13415/2017: percursos da
implementação nas redes estaduais e da rede federal de
Ensino Médio”.
E-mail: altairfavero@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5866881378328643
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-9187-7283
Aluísio Gomes da Silva Junior
Graduado em Medicina pela Universidade Federal Fluminense
(1981); fez Residência em Medicina Preventiva e Social
-HUAP-UFF (1983), Especialização em Administração de
Serviços de Saúde em áreas Integradas,Regionalizadas e
Hierarquizadas na UFF(1984) e Doutorado em Saúde Pública
pela ENSP-FIOCRUZ (1996). Cursou Regulation in a Modern
National Economy na The George Washington University -
School of Business - USA(2005). Desde 1983 é Professor da
UFF. Atualmente é Professor Titular do quadro permanente
do Departamento de Planejamento em Saúde do Instituto de
Saúde Coletiva da UFF, Líder do Grupo de Estudos de Gestão
e Ensino em Saúde- GEGES - ISC-PROPPi-UFF(GP CNPq) e
Pesquisador associado do Laboratório de Pesquisas Sobre
Práticas de Integralidade em Saúde- LAPPIS-IMS-UERJ (GP
CNPq) e Pesquisador Associado do Núcleo de Pesquisa e
Extensão sobre Ciências do Poder Judiciário -NUPEJ -UFF. Atua
na graduação de Medicina e nas Pós Graduações em Saúde
Coletiva (Mestrado-ISC-UFF); Bioética,Ética aplicada e Saúde
Coletiva (Mestrado e Doutorado-UFRJ-UFF-ENSP/FIOCRUZ-

310 SOBRE O(A)S AUTORE(A)S


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

UERJ); Justiça Administrativa (Mestrado Profissional- UFF).


É Editor Associado da APS em Revista; Membro do CAED-
Jus.Tem experiência na área de Saúde Coletiva e Gestão em
Saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: Modelos
tecnoassistenciais em saúde, Avaliação de serviços de saúde
sob a ótica da Integralidade, Educação de profissionais de
saúde, Integralidade em saúde e Saúde suplementar. 
E-mail: agsilvaj@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9187474194134055
ORCID: 0000-0003-2445-3963
Ana Beatriz Gasquez Porelli
Licenciada em Educação Física pela Universidade Estadual de
Maringá. Mestre em Educação Física pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação Física da Universidade Estadual de
Campinas. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em
Educação da Universidade Estadual de Campinas, na linha de
pesquisa Educação e Ciências Sociais e vinculada ao Grupo
de Pesquisa em Políticas Públicas, Educação e Sociedade
(GPPES/Unicamp). Membro do Grupo Interinstitucional
EMpesquisa (Ensino Médio em Pesquisa).
E-mail: ana_porelli@hotmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7607929879814159
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5073-7102
Andreia Mendes dos Santos
Psicóloga, Mestra, Doutora e Pós-Doutora em Serviço Social
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
E-mail: andreia.mendes@pucrs.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9544763044134842
Orcid: http://orcid.org/0000-0001-7013-0239

SOBRE O(A)S AUTORE(A)S 311


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Camila Daniele de Oliveira Dutra


Possui graduação em Serviço Social pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (2017), Especialização
em Cidadania e Direitos Humanos no Contexto das Políticas
Públicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais (2019), Aperfeiçoamento em Educação e Juventudes
curso: “Juventudes, espaço escolar e violências: uma proposta
de intervenção social” pela Faculdade Latino-Americana de
Ciências Sociais (2021). Formação acadêmica e profissional
voltada para a garantia dos direitos das crianças e dos
adolescentes, com estudos perpassados ainda pelas questões
de raça, gênero e classe, e as violências enfrentadas pelas
juventudes. Atualmente compõe a Comissão de Direitos
Humanos do Conselho Regional de Serviço Social de Minas
gerais. Profissionalmente atuante na política de segurança
pública, em programa votado para prevenção à criminalidade
e mortalidade dos jovens.
E-mail: camiladutra.ss@yahoo.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4345600337960121
Caroline Simon Bellenzier
Possui graduação em Letras – Português, Inglês e respectivas
literaturas pela Universidade de Passo Fundo (2016).
Especialização em Supervisão Educacional pela Universidade
de Passo Fundo (2018). É mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGEdu) – Linha de Políticas
Educacionais (ingresso em agosto de 2020), na mesma
Universidade. Atualmente é professora da Educação Básica,
atua nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental. Integra
o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior
(GEPES/UPF) e o Projeto de Pesquisa Políticas Curriculares
para o Ensino Médio (em andamento desde outubro de 2020),
ligados ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade de Passo Fundo - RS.
E-mail:129812@upf.br
312 SOBRE O(A)S AUTORE(A)S
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Lattes: http://lattes.cnpq.br/0692186349325716
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2189-7745
Dirce Djanira Pacheco e Zan
Docente do Departamento de Ciências Sociais e Educação da
Faculdade de Educação/Unicamp, pesquisadora vinculado
ao Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Educação e
Sociedade (GPPES/Unicamp) e ao Grupo Interinstitucional
EMpesquisa (Ensino Médio em Pesquisa). Tem desenvolvido
trabalhos investigativos sobre a relação entre juventude e
escola de ensino médio, tendo como foco o currículo escolar
e as culturas juvenis. Atualmente pesquisa o processo de
implementação da reforma do ensino médio no estado de São
Paulo.
E-mail: dircezan@unicamp.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3663-2232
Link do Lattes: http://lattes.cnpq.br/7180508418109437
Douglas Franco Bortone
Possui graduação em Teologia pela Universidade Metodista de
São Paulo (2016). Pós-Graduando em Ensino de Sociologia no
Ensino Médio pela Universidade Federal de São João Del Rei
(UFSJ) e em Ciência da Religião pela Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF). Mestrando em Educação pela Universidade
Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e integrante do Grupo de
Estudos sobre a Juventude na respectiva universidade.
E-mail: douglas.bortone@sou.unifal-mg.edu.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9750788125318767
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0290-3601
Flávia Cristina Zanquetta Rodrigues
Graduada em Administração pela Uniube (2010). Especialista
em Gestão Pública pela Unipac (2013). Mestranda em
Educação do PROFEPT e servidora da UFTM (Universidade
Federal do Triângulo Mineiro).
E-mail: flavia.rodrigues@uftm.edu.br
SOBRE O(A)S AUTORE(A)S 313
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Lattes:  http://lattes.cnpq.br/5089353701629943
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7569-5511
Isabela Rodrigues Ligeiro
Mestra em Educação pela UEMG; Especialista em Ensino de
Sociologia pela UFSJ; Especialista em Supervisão Escolar
pela FETREMIS; Licenciada em Ciências Sociais pela UFMG.
Participou de projetos de extensão na UFMG e de órgãos
colegiados, sendo Conselheira Universitária da UFMG em 2011
e 2013. Estagiária no CECIMIG, em 2013 e 2014, e na Revista
Ensaio da Faculdade de Educação da UFMG em 2015. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Sociologia e
Supervisão Escolar.
Kássia Fonseca Rapella
Psicóloga graduada pelas Faculdades Integradas Maria
Thereza (2013), com Especialização em Saúde Mental e
Atenção Psicossocial pela Escola Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca - ENSP/Fiocruz (2016). Mestra em Saúde
Coletiva no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal
Fluminense - UFF (2020). Co-fundadora do movimento
“Isoporzinho da Prevenção” de Educação em Saúde com
Juventudes em contextos de Cultura Urbana, hoje projeto de
extensão universitária da Universidade Federal Fluminense.
E-mail: kassiarapella@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/2252046085725860
ORCID: 0000-0002-0780-4234
Konstans Steffen
psicóloga (ULBRA-RS, 2009); especialista em Psicologia
Escolar e Educacional (CFP, 2014) e em Gestão da Educação:
aspectos contemporâneos da Administração, Supervisão e
Orientação (PUCRS, 2016); mestre em Educação (PPGEDU/
UFRGS- 2019) com experiência de atuação em escola privada
desde 2012.

314 SOBRE O(A)S AUTORE(A)S


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Email: konstanssteffen@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4217332525219374
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5453-4794
Luciana Winck Corrêa
psicóloga (PUCRS/RS, 1998). Esp. Gestão de Pessoas (FGV-
Decision, Porto Alegre/RS. 2013) e Gestão Curricular Marista
(PUCRS/Rede Marista. 2016). Lic. Psicologia (PUCRS, 2018).
Mestre em Educação (PUCRS, PPG Educação, Escola de
Humanidades, 2021). Experiência: escola pública munic. POA/
RS (1989 a 1994); escolas privadas desde 1988. Gestora da
Rede Marista desde 20218
Email: luciana.correa@maristas.org.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8231169371873546
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-6187-177X
Luciano Marcos Curi
Pós-Doutor  em História Social e professor do Mestrado
Profissional em Educação Tecnológica (MPET) do IFTM –
Câmpus Uberaba e do Mestrado Profissional em Educação
Profissional e Tecnológica ofertado em Rede Nacional
(PROFEPT) do IFTM-Câmpus Uberaba Parque Tecnológico.
E-mail: lucianocuri@iftm.edu.br
Lattes:  http://lattes.cnpq.br/6230715943028936
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7309-0578
Luís Antonio Groppo
Professor da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-
MG) desde 2013, onde atua atualmente como professor do
Programa de Pós-graduação em Educação e exerce o cargo
de Coordenador de Pesquisa e Pró-reitor adjunto de Pesquisa
e Pós-graduação. Doutor em Ciências Sociais e Mestre
em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). Bolsista Produtividade pelo CNPq na área de
Educação desde 2006. Pesquisador dos temas movimento
estudantil, juventude, educação não formal e sociologia da
SOBRE O(A)S AUTORE(A)S 315
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

educação, atualmente desenvolvendo a pesquisa “Ocupações


secundaristas no Brasil em 2015 e 2016”, aprovada na Chamada
Universal do CNPq. É vice-coordenador do GT03 - Movimentos
Sociais, sujeitos e processos educativos da Associação
Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)
no atual biênio (2019-2020).
E-mail: luis.groppo@unifal-mg.edu.br;
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4667459802757846.
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0143-5167
Maria Luisa Carvalho
Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de
Maringá (1997). Mestrado em Administração pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (2001) e Doutorado em Psicologia
pela PUC-RS (2007). A mesma é professora Associada, nível
2, na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus
Curitiba (UTFPR-CT). Atua como docente nos cursos de
Engenharias, Administração e Design na área de Psicologia
do Trabalho, Economia Solidária e Tecnologia Social. Docente
do curso de especialização em Gestão de Obras da UTFPR/
CT. É membro do programa de extensão Tecsol - Incubadora
de Economia Solidária da UTFPR-CT. Pesquisadora do Grupo
de Pesquisa Ciências Humanas, Tecnologia e Sociedade.
Realiza pesquisas sobre Economia Solidária vinculadas às
questões da juventude, educação popular, tecnologia social
e tecnociência solidária. Membro do Conselho Municipal de
Economia Solidária de Curitiba, da Associação Brasileira de
Psicologia Social (ABRAPSO) e da Associação Brasileira de
Pesquisadores de Economia Solidária (ABPES).
E-mail: mluisacarvalho@utfpr.edu.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4954764193446914

316 SOBRE O(A)S AUTORE(A)S


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

Marise Berta de Souza


Possui graduação em Direito pela Universidade Católica do
Salvador (1977), Mestrado em Artes Visuais pela Universidade
Federal da Bahia (1999), Doutorado em Artes Cênicas pela
Universidade Federal da Bahia (2007) e Pós-doutorado
em Designa pela Universidade Federal de Pernambuco.
É professora Associada I e Vice-Diretora do Instituto de
Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos
da Universidade Federal da Bahia IHAC/UFBA. Docente
Permanente do Mestrado Profissional em Artes. Produtora
e realizadora audiovisual. Atua nas áreas de Comunicação e
Artes, com ênfase em Cinema, tratando principalmente das
poéticas e narrativas visuais e cinematográficas com ênfase
na arte e cultura brasileiras.
E-mail: mariseberta@uol.com.br/ marise.berta@ufba.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1962152440026381
Nádia Pires Alves
Possui graduação em Desenho e Artes Plásticas pela
Universidade Federal da Bahia (2001). Especialização
em Neuropsicologia pelo Centro Universitário do Brasil
(2006), Mestranda do Mestrado Profissional em Artes pela
Universidade Federal da Bahia. A mesma é arte-educadora
nas redes municipais de Salvador e Lauro de Freitas, ambas
na Bahia.
E-mail: nadiapiresalves@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0133912443882310
Plínio Xavier de Figueirôa
Possui graduação em Licenciatura em História pela Faculdade
de Filosofia Ciências e Letras de Caruaru (2009). Especialização
em Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes pela
Universidade Federal Rural de Pernambuco (2017), Mestrado
em Educação Culturas e Identidades pela Universidade
Federal Rural de Pernambuco e Fundação Joaquim Nabuco

SOBRE O(A)S AUTORE(A)S 317


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

(2020). Professor efetivo da rede municipal de educação


de Toritama-PE e coordenador pedagógico no município
de Vertentes-PE. Membro e pesquisador do Laboratório de
História das Infâncias do Nordeste- LAHIN.
E-mail: pliniovertentes@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7628561782881410
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7015-9883
Poliana Deusa Almeida Cordeiro de Jesus
Possui graduação em Artes Visuais – Licenciatura pela
Universidade Federal de Sergipe (2016). Especialização
em Arte e Educação pela Universidade Candido Mendes
(2018). Mestranda do Mestrado Profissional em Artes pela
Universidade Federal da Bahia. Atua como professora de Arte
na rede pública do estado da Bahia.
E-mail: polianadeusa07@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8032961647610630
Rosane Castilho
Docente Titular de Psicologia na Universidade Estadual de
Goiás. Doutora em Educação, realizou seus estudos Pós-
Doutorais no Instituto de Ciências Sociais da Universidade
de Lisboa. É membro-fundador do Observatório Juventudes
na contemporaneidade, que congrega pesquisadores de
diferentes Instituições em Goiás, e compõe o Conselho
Científico da REDEJUBRA, associação nacional de
pesquisadores e pesquisadoras de juventude.
E-mail: rosanecastilho@ueg.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7759079221108657
Shara Jane Holanda Costa Adad
Cientista Social. Doutora em Educação. Professora Associada
da Universidade Federal do Piauí – UFPI e do Programa de
Pós-Graduação em Educação/UFPI, na Linha de Pesquisa
Educação, Diversidades/Diferença e Inclusão. Integra também
o Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Saúde Coletiva

318 SOBRE O(A)S AUTORE(A)S


JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

e Processos de Subjetivação, da Universidade Federal do


Delta do Parnaíba - UFDPar. Coordena o Núcleo de Estudos e
Pesquisas em “Educação, Gênero e Cidadania” - NEPEGECI
e o Observatório das Juventudes e Violências na Escola -
OBJUVE. Atua em temas associados à corpo, às juventudes e às
práticas educativas, inventivas e micropolíticas com pesquisas
sociopoéticas, cartográficas, etnográficas e narrativas na
contemporaneidade.
E-mail: sharaholanda64@gmail.com
Lattes: 4157886242670479
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7711-6325
Simone Zanatta Guerra
Possui graduação em Serviço Social pela Universidade de
Passo Fundo (2015). Especialização em Ciências Sociais
pela Universidade de Passo Fundo (2018). É mestranda no
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) – Linha
de Políticas Educacionais (ingresso em agosto de 2019), na
mesma Universidade. Atualmente atua como assistente social
na Prefeitura Municipal de Tapejara/RS. Integra o Grupo de
Estudos e Pesquisas em Educação Superior (GEPES/UPF) e
o Grupo de Estudos Interinstitucional em Educação Inclusiva -
Superando Procusto.
E-mail: 121094@upf.br
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3437622750079917
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2616-7613
Vanessa Nunes dos Santos
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual
do Piauí (2009). Graduação em Licenciatura Plena em História
pela Universidade Federal do Piauí (2010).  Especialização em
Educação e Proteção Social pela Universidade Estadual do
Piauí (2011). Mestrado (2014) e Doutorado (2021) em Educação
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED) da
Universidade Federal do Piauí (UFPI). Pesquisadora do Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Cidadania
SOBRE O(A)S AUTORE(A)S 319
JUVENTUDES BRASILEIRAS: questões contemporâneas

(NEPEGECI/UFPI) e do Observatório das Juventudes e


Violências na Escola (OBJUVE). Desenvolve estudos na área
das Violências nas escolas, formação docente, práticas
educativas, convivência escolar, Sociopoética, gênero e
sexualidade.
E-mail: vanessandsantos@outlook.com
Lattes: 4903457958021421
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9332-6445
Victor Hugo Nedel Oliveira
Doutor e Pós-Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Pós-Doutorando em Sociologia
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Licenciado e
Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Professor Adjunto e Pesquisador do Departamento de
Humanidades da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
E-mail: victor.juventudes@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7489113176882485
Orcid: http://orcid.org/0000-0001-5624-8476
Wagna Maquis Cardoso de Melo Gonçalves
Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade
Estadual do Rio Grande do Norte (2009); Mestrado em
Desenvolvimento Econômico, pela Universidade Federal
do Maranhão (2012) e Doutorado em Ciências Sociais, pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2019). É
docente Adjunta A, do Departamento de Ciências Econômicas
e Quantitativas da Universidade Federal do Delta do Parnaíba;
É coordenadora adjunta e pesquisadora do Observatório do
Fundo Público da Universidade Federal do Delta do Parnaíba.
E-mail: wagnamaquis@gmail.com
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9730069285550751
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6430-4749

320 SOBRE O(A)S AUTORE(A)S

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