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Tradutor: Viviane Ferraz Matos Revisor: Claudia Sander

E por que pessoas felizes traem?

E quando dizemos “infidelidade”, o que exatamente queremos dizer?

É um caso, uma história de amor, sexo pago, sala de bate-papo,

uma massagem com final feliz?

Por que pensamos que os homens traem por tédio e medo de intimidade,

mas as mulheres traem por solidão e anseio de intimidade?

E ter um caso extraconjugal sempre causa o fim de um relacionamento?

Nos últimos dez anos, tenho viajado pelo mundo

e trabalhado extensamente com centenas de casais

abalados pela infidelidade.

Há um simples ato de transgressão

que pode roubar um casal do seu relacionamento,

da sua felicidade e da sua verdadeira identidade: um caso extraconjugal.

E ainda assim, esse ato extremamente comum é tão pouco compreendido.

Portanto, essa palestra é para quem já amou.

O adultério existe desde que o casamento foi inventado,

assim também como o tabu ao seu redor.

Na verdade, infidelidade tem a tenacidade que o casamento consegue apenas invejar,

tanto é que ela é o único mandamento

repetido duas vezes na Bíblia:

uma vez por praticá-la, e outra por pensar sobre ela.

(Risos)

Então como reconciliar o que é universalmente proibido,

ainda que universalmente praticado?

Ao longo da história, os homens praticamente tiveram licença para trair

com poucas consequências

e amparada por uma série de teorias biológicas e evolucionistas

que justificavam sua necessidade de sair por aí.

Portanto, o duplo padrão é tão antigo quanto o próprio adultério.


Mas quem realmente sabe o que acontece debaixo dos lençóis, certo?

Porque quando se trata de sexo,

o homem é pressionado a se gabar e exagerar,

mas a mulher é pressionada a esconder, minimizar e negar,

o que não é surpresa se considerarmos que ainda há nove países

onde mulheres podem ser mortas por ter um caso extraconjugal.

Monogamia costumava ser ter uma pessoa por toda a vida.

Agora, monogamia é ter uma pessoa por vez.

(Risos)

(Aplausos)

Quero dizer, muitos aqui já disseram:

“Sou monogâmico em todos os meus relacionamentos.”

(Risos)

Costumávamos casar

e fazer sexo pela primeira vez,

mas agora nós casamos,

e paramos de ter sexo com outras pessoas.

O fato é que monogamia nada tem a ver com amor.

Os homens confiavam na fidelidade das mulheres

para saber a origem dos filhos,

e quem herdaria seus bens ao morrer.

Agora, todo mundo quer saber qual o percentual que trai.

As pessoas têm me perguntado isso desde que cheguei na conferência.

(Risos)

Isso se aplica a vocês.

Mas a definição de infidelidade continua se expandindo:

"sexting", assistir pornografia, ser ativo em aplicativos de namoro secretamente.

Então por não haver uma definição universalmente consensual

do que constitui uma infidelidade,


a estimativa varia amplamente, de 26% a 75%.

Mas além disso, somos contradições ambulantes.

E 95% de nós dirão que é terrivelmente errado

nossos parceiros mentirem sobre ter um caso extraconjugal,

mas quase o mesmo tanto de nós dirá

que isso é exatamente o que faríamos se estivéssemos tendo um caso.

(Risos)

Eu gosto dessa definição de ter um caso,

ela junta os três elementos-chave:

uma relação secreta, que é o centro estrutural de um caso extraconjugal;

uma conexão emocional em qualquer grau;

e uma alquimia sexual.

E alquimia é a palavra-chave aqui,

porque o frisson erótico é tal que o beijo que você apenas imagina dar,

pode ser tão poderoso e encantador

quanto horas de relação sexual real.

Como Marcel Proust disse:

"Nossa imaginação é a responsável pelo amor, não a outra pessoa."

Então nunca foi tão fácil trair,

e nunca foi tão difícil manter um segredo.

E nunca a infidelidade demandou um custo psicológico tão alto.

Quando o casamento era um empreendimento econômico,

a infidelidade ameaçava nossa segurança econômica.

Mas agora que o casamento é um acordo romântico,

a infidelidade ameaça nossa segurança emocional.

Ironicamente, costumávamos nos voltar para o adultério.

Aquele era o espaço em que procurávamos o amor puro.

Mas agora que procuramos amor no casamento,

o adultério o destrói.

Existem três maneiras que a infidelidade machuca de modo diferente atualmente.


Temos um ideal romântico no qual contamos com uma pessoa

para preencher uma lista infindável de necessidades:

de ser o melhor amante, o melhor amigo,

o melhor pai ou mãe, o confidente fiel,

companheiro emocional, par intelectual.

E eu sou isso: sou a escolhida, a única,

indispensável, insubstituível,

eu sou a pessoa certa.

E a infidelidade me diz que não sou.

Ela é a traição máxima.

A infidelidade destrói a grande ambição do amor.

Mas se ao longo da história, a infidelidade sempre foi dolorosa,

hoje ela é quase sempre traumática,

porque ameaça nossa autoestima.

Fernando, meu paciente, está atormentado.

Ele diz: “Pensei que conhecia minha vida.

Pensei que sabia quem você era, quem éramos como casal, quem eu era.

Agora questiono tudo.”

A infidelidade, uma violação de confiança, uma crise de identidade.

“Poderei confiar em você de novo?”, ele pergunta.

“Poderei confiar em alguém novamente?”

E é isso que minha paciente Heather me diz

quando conversamos sobre sua história com Nick.

Casada, dois filhos.

Nick acabou de viajar a trabalho,

e Heather está brincando com o iPad dele junto com os meninos,

quando vê uma mensagem surgir na tela: “Mal posso esperar para te ver.”

Ela pensa: "Estranho, acabamos de nos ver."

E então outra mensagem:


"Mal posso esperar para abraçá-la.”

E Heather entende

que as mensagens não são para ela.

Ela também me diz que seu pai teve casos,

mas a mãe dela encontrou um pequeno recibo no bolso,

e um pouco de batom no colarinho.

Heather vai remexendo,

e encontra centenas de mensagens,

e troca de fotos e desejos explícitos.

Detalhes vívidos do caso extraconjugal de dois anos de Nick

desvendam-se a sua frente, em tempo real.

E isso me fez pensar:

caso extraconjugal na era digital é a morte por milhares de cortes.

Mas então há outro paradoxo que lidamos atualmente.

Por causa desse ideal romântico,

confiamos na fidelidade do nosso companheiro com um fervor único.

Mas também nunca estivemos tão inclinados a ter casos,

e não é por termos novos desejos agora,

mas porque vivemos em uma era

em que nos sentimos no direito de ir em busca dos nossos desejos,

pois essa é a cultura em que mereço ser feliz.

E se costumávamos nos divorciar por estarmos infelizes,

hoje nos divorciamos porque poderíamos estar mais felizes.

E se o divórcio carregava toda a vergonha,

hoje, escolher ficar quando você pode partir é a nova vergonha.

Então Heather não consegue contar para os amigos

porque tem medo de que a julguem por ainda amar Nick,

e em qualquer lugar que vá, ela recebe o mesmo conselho:

"Deixe-o", “Dê o fora nele”.

E se a situação fosse inversa, Nick estaria na mesma situação.


Ficar é a nova vergonha.

Então se podemos nos divorciar,

porque ainda temos casos amorosos?

A suposição típica é que se alguém trai,

é porque há algo de errado em seu relacionamento ou com você.

Mas não há como milhões de pessoas serem todas casos patológicos.

A lógica segue assim: se você tem tudo que precisa em casa,

então não há necessidade de procurar em outro lugar,

supondo que existe algo como um casamento perfeito

que irá nos imunizar contra o desejo de aventuras.

Mas e se a paixão tem prazo de validade?

E se há coisas que mesmo um bom relacionamento

não consegue suprir?

Se até pessoas felizes traem,

então, de que se trata isso?

A grande maioria das pessoas com quem eu trabalho

não é de paqueradores crônicos.

São quase sempre pessoas profundamente monogâmicas em suas crenças,

ao menos para seus parceiros.

Mas encontram-se em conflito

entre seus valores e comportamentos.

Geralmente são pessoas fiéis por décadas,

mas um dia elas cruzam a linha

que nunca imaginaram que iriam cruzar,

correndo o risco de perder tudo.

Mas por uma faísca de quê?

Ter um caso extraconjugal é um ato de traição,

e também uma expressão de desejo e perda.

No centro de um caso extraconjugal geralmente encontramos


um desejo e um anseio por uma conexão emocional,

por novidade, liberdade, autonomia, intensidade sexual,

um desejo de recapturar partes perdidas de nós mesmos,

ou uma tentativa de resgatar a vitalidade em face da perda e da tragédia.

Estou pensando em outra paciente, Priya,

que é feliz no casamento,

ama o marido,

e jamais iria querer magoá-lo.

Mas ela também me disse

que sempre fez o que esperavam dela:

boa menina, boa esposa, boa mãe,

cuidando dos pais imigrantes.

Priya se apaixonou pelo jardineiro que retirou a árvore do seu jardim

depois do furacão Sandy.

E com seu caminhão e tatuagens, ele é o oposto dela.

Mas aos 47 anos, o caso de Priya tem a ver com a adolescência que ela não teve.

Acho que a história dela ressalta que quando buscamos o olhar do outro,

nem sempre estamos virando as costas ao companheiro,

mas sim à pessoa que nos tornamos.

E nem estamos buscando uma outra pessoa,

tanto quanto buscamos um outro de nós mesmos.

Em todo o mundo,

há uma palavra que as pessoas que tem casos sempre me dizem.

Elas se sentem vivas.

E geralmente me contam histórias de perdas recentes,

da morte de um dos pais,

e de um amigo que morreu antes do tempo,

e más notícias de saúde.

Morte e mortalidade geralmente vivem à sombra de uma traição,

porque suscitam essas questões.


É só isso? Existe algo além?

Vou viver mais 25 anos assim?

Será que sentirei aquilo outra vez?

E isso me levou a pensar que talvez essas questões

sejam as que impulsionam as pessoas a cruzar a linha,

e também que alguns casos sejam uma tentativa de driblar a mortalidade,

como um antídoto para a morte.

E contrário ao que possam pensar,

ter um caso tem a ver menos com sexo, e bem mais com desejo:

desejo de atenção, desejo de se sentir especial,

de se sentir importante.

E a própria estrutura de um caso extraconjugal,

o fato de você não poder ter o seu amante,

mantém o desejo.

É uma máquina de desejo,

porque a incompletude, a ambiguidade,

te mantém querendo o que não pode ter.

Alguns de vocês devem pensar

que traições não acontecem em relações abertas,

mas acontecem sim.

Primeiramente, a conversa sobre monogamia não é a mesma

que a conversa sobre infidelidade.

Mas o fato é que parece que mesmo quando temos

a liberdade de ter outros parceiros sexuais,

ainda parece que somos atraídos pelo poder do proibido,

de que se fazemos o que não deveríamos,

então nos sentimos fazendo o que realmente queremos.

Eu também disse a muitos pacientes

que se eles pudessem trazer para seus relacionamentos


um décimo da ousadia, imaginação e vivacidade

que colocam em seus casos extraconjugais,

eles provavelmente jamais precisariam de mim.

(Risos)

Então como nos curamos de uma traição?

O desejo é algo profundo.

A traição é algo profundo.

Mas pode ser curada.

E algumas traições são uma sentença de morte

para relacionamentos que já estavam morrendo aos poucos.

Mas outras nos levarão a novas possibilidades.

O fato é que a maioria dos casais

que vivenciam traições continuam juntos.

Mas alguns irão apenas sobreviver,

e outros serão realmente capazes de fazer da crise uma oportunidade.

Eles serão capazes de fazer disso uma experiência criadora.

E penso que mais ainda para o parceiro traído,

que geralmente diz:

“Pensa que eu não queria mais? Mas não sou o que traiu.”

Agora que o caso foi descoberto,

eles também começam a exigir mais,

e não precisam mais sustentar a condição que também não funcionava bem para eles.

Reparo que muitos casais,

logo após o acerto de contas de uma traição,

por causa dessa nova desordem que talvez leve a uma nova ordem,

terão conversas profundas com honestidade e abertura

que não tinham há décadas.

E parceiros que estavam sexualmente indiferentes

se veem subitamente tão vorazes de luxúria

que não sabem de onde ela vem.


Algo sobre o medo da perda reacende o desejo,

e abre caminho para um tipo de verdade inteiramente novo.

Então quando uma traição é descoberta,

quais são algumas das coisas específicas que os casais podem fazer?

Através do trauma sabemos que a cura começa

quando o traidor admite seus erros.

Então para o parceiro que teve o caso,

para Nick,

uma coisa é terminar o caso,

mas a outra é o ato importante e essencial de expressar

culpa e remorso por magoar sua esposa.

Mas a verdade

é que noto que muitas pessoas que tem casos extraconjugais

podem se sentir terrivelmente culpadas por magoar seus parceiros,

mas não se sentem culpadas pela experiência em si.

E essa distinção é importante.

E Nick precisa ficar vigilante em seu relacionamento.

Ele precisa se tornar, por um tempo, o protetor dos limites.

É sua responsabilidade fazê-lo,

porque se ele pensa sobre isso,

pode aliviar Heather da obsessão,

e de ter que assegurar que o caso não foi esquecido,

e isso por si só, começa a restaurar a confiança.

Mas para Heather,

ou companheiros traídos,

é essencial fazer coisas que resgatem um senso de autovalorização,

cercando-se de amor, amigos e atividades

que resgatem a alegria, o significado e a identidade.

Mas mais importante ainda,


é frear a curiosidade por detalhes sórdidos.

Onde você estava? Onde você fez isso?

Com que frequência? Ela é melhor do que eu na cama?

Perguntas que apenas causam mais dor, e te mantêm acordado à noite.

Em vez disso, mude para o que chamo de perguntas investigativas,

as que minam o significado e motivos.

"O que esse caso significou para você?"

"O que você era capaz de expressar ou vivenciar lá

que não podia mais comigo?"

"Como você se sentia ao voltar para casa?"

"O que você valoriza a nosso respeito?"

"Está contente que isso terminou?"

Cada caso extraconjugal redefinirá uma relação,

e cada casal determinará

qual será o legado da traição.

Mas as traições chegaram para ficar, e não irão embora.

E os dilemas do amor e desejo

não suscitam apenas simples perguntas de preto no branco, bom e mau,

e vítima e traidor.

A traição em um relacionamento vem de várias formas.

Há muitos modos de trair o parceiro:

com desprezo, com negligência,

com indiferença, com violência.

Traição sexual é apenas um modo de magoar um parceiro.

Em outras palavras, a vítima da traição

nem sempre é a vítima no casamento.

Agora, vocês já me escutaram,

e eu sei o que estão pensando:

ela tem sotaque francês, deve ser a favor da traição.

(Risos)
Vocês se equivocaram.

Não sou francesa.

(Risos)

(Aplausos)

E não sou a favor da traição.

Mas por pensar que o bem pode surgir de uma traição,

sempre me fazem essa estranha pergunta:

"Você a recomendaria?"

Bem, não recomendaria que você tivesse um caso

assim como não recomendaria que tivesse câncer,

e ainda assim sabemos que as pessoas que ficam doentes

geralmente falam como a doença lhes dá uma nova perspectiva.

A principal pergunta que me fizeram desde que cheguei na conferência

e disse que falaria sobre infidelidade é: a favor ou contra?

Eu digo: "Sim."

(Risos)

Vejo as traições de uma dupla perspectiva:

mágoa e traição de um lado,

crescimento e autodescobrimento de outro.

O que ela fez a você, e o que ela significou para mim.

Então quando um casal vem me ver para acertar as contas após uma traição

que foi descoberta,

costumo dizer-lhes:

Atualmente, no Ocidente,

a maioria de nós terá dois ou três relacionamentos

ou casamentos,

e alguns serão com a mesma pessoa.

O primeiro casamento de vocês acabou.

Gostariam de criar um segundo casamento juntos?


Obrigada.

(Aplausos)

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