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PAUL RICOEUR – CONFLITO DAS INTERPRETAÇÕES –

RELIGIÃO, ATEISMO, FÉ

Da Acusação

Nietzsche demonstra no denominado ideal um “lugar” fora e superior à


vontade mundana. Porém esse “lugar” não é “nada”. Vem, pois da fraqueza da
vontade que se planifica nos céus. O Deus da “interdição” é, assim, esse lugar ideal
que não existe e de onde provém a interdição. E porque está vago, esse lugar
enquanto ideal, na nossa época, a destruição da metafísica deve tomar a forma do
niilismo. O niilismo é o motor da metafísica, à medida que a metafísica coloca um
ideal e uma origem sobrenatural que não expressa nada mais que o desprezo da
vida, a calúnia da terra, o ódio pelo vigor dos instintos, o ressentimento dos fracos a
respeito dos mais fortes.

Já Freud, discorre sobre o “Super Eu”, que se trata também de uma


construção ideal da qual provém condenação e interdição. Assim, este Super Eu,
sendo colocado acima do Eu, transforma-se em um tribunal que espia, julga e
condena, mas despojado de seu caráter absoluto, revela ser uma instituição
derivada e adquirida.

É certo que há alguma coisa em Freud que não está em Nietzsche, é certo;
a redução da consciência ética ao Super Eu procede da convergência entre,
por um lado, a experiência clínica aplicada á neurose obsessiva, á
melancolia e ao masoquismo moral, e por outro, uma sociologia da cultura.
(RICOEUR, p. 434)
Em todos estes fenômenos, em que Freud viu a origem da nossa consciência
ética e religiosa, são, segundo ele, a resultante de um processo de substituição que
se referem a figura oculta do pai oriunda do complexo de Édipo. Não obstante é
complicado pensar se está aí unicamente o mito da psicanálise, o “mito freudiano”,
ou se Freud verdadeiramente alcançou a origem radical dos deuses, ainda assim,
ela indica uma ideia bem próxima da de Nietzsche na Genealogia da moral, em que
o bem e o mal são gerados por projeção numa situação de fraqueza e de
dependência.

Contudo se nos indagarmos a respeito da significação teórica deste ateísmo,


é primordial dizer que espécie de ateísmo é assim posto. Portanto: I – Qual deus
está morto? O encargo da crítica de Nietzsche e Freud, é sujeitar o princípio de
obrigação, sobre o qual está colocado o deus ético da filosofia kantiana, a um exame
regressivo que desnuda este princípio do seu caráter. Desta forma apenas pode
desvendar a acusação na raiz da obrigação, um processo hermenêutico. Assim
posto, o deus moral – nas palavras de Nietzsche, se mostra como o deus da
acusação e da condenação – este é que está morto. II – Quem é o assassino? Não
se trata do ateu, mas do processo cultural do niilismo ou o trabalho de luto para com
à imagem do pai. III - Que espécie de crédito possui a fala que proclama esta morte
do deus moral? Aqui portanto tudo fica problemático. “O homem do martelo” porta
meramente a autoridade da sua mensagem, isto é, a soberania da vontade de poder.
Não há comprovação, senão a espécie nova de vida que esta fala é capaz de abrir,
o sim dado a Dioniso, o amor do destino, o consentimento ao “retomo eterno do
mesmo”. Mesmo Nietzsche, o homem do martelo, não é o super-homem de que fala.
O seu ataque ao cristianismo permanece no ressentimento. Sua principal obra
subsiste como uma acusação da acusação e segue à parte da pura afirmação da
vida.

É, pois, devido a isto que Ricoeur afirma que, depois de Nietzsche, nada fica
decidido, antes apenas um caminho mantém-se fechado, o do deus moral, que é a
origem da ética da condenação e interdição.

Creio que somos de ora em diante incapazes de restaurar uma forma da


vida moral que se apresentasse como uma simples submissão a
mandamentos, a uma vontade estranha ou suprema, mesmo se essa
vontade fosse representada como uma vontade divina.

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