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INTRODUÇÃO
A prática de um instrumento musical é muito semelhante a uma atividade
esportiva. Nas duas o ser humano busca a excelência física e motora, sendo preciso
muitos anos de treino até que o corpo atinja o seu ápice de performance. São
músculos, tendões, nervos, ossos e cérebro trabalhando em conjunto, para a
execução precisa de cada movimento.
O cérebro precisa memorizar padrões de movimento para que cada contração
muscular tenha uma intensidade, velocidade, frequência e precisão adequadas.
Também precisa codificar as informações provenientes da audição, visão e tato para
constantemente organizar e ajustar o movimento.
É claro que existem diferenças entre os músicos e atletas. Uma delas é o fato
de que o músico precisa aprender a criar e reproduzir um código sonoro em seu
instrumento o que exige bastante da capacidade cognitiva. O atleta por outro lado,
normalmente necessita que seu corpo todo entre em ação fazendo com que as
adaptações fisiológicas provenientes do treinamento aprimorem a força muscular e
resistência de modo geral.
A ciência trouxe grandes benefícios para o desempenho esportivo e também
para a fisioterapia. Hoje sabemos muito sobre as dosagens mais adequadas de
treinamento em cada esporte e em cada fase do processo de reabilitação. Por outro
lado, mesmo com tantas semelhanças entre esporte e a parte técnica da música, são
raros os casos em que os músicos estão bem informados sobre esses novos
conhecimentos. Eles, no geral, pouco sabem sobre memória, coordenação motora e
fisiologia muscular. Isso ocorre devido ao fato de que na música o conhecimento é
transmitido de forma empírica através das gerações, mas já está na hora de darmos
o próximo passo somando a essa sabedoria tradicional o conhecimento científico.
Essa união trouxe grandes êxitos no esporte e certamente fara o mesmo na música.
O objetivo desse texto é dar algumas dicas para o estudante poder gerenciar
melhor seu estudo do instrumento, aplicando essas informações de acordo com a
realidade do seu cotidiano e com a proposta do seu estilo, seja ele erudito, brasileiro,
flamenco, jazz ou fingerstyle.
HORAS DE ESTUDO
Quanto mais repetimos um determinado movimento, melhor e mais poderosa
fica a conexão entre os neurônios responsáveis pela tarefa. Diferente do treino
muscular para ganho de força, em que são necessárias grandes pausas para que o
músculo se recupere, o treino de coordenação motora pode ser feito numa quantidade
muito maior. Mas lembre-se de que o limite depende do seu conforto físico e sua
capacidade de assimilação mental. Depois de um tempo (que pode variar entre as
pessoas, mas que é menor em iniciantes) não adianta mais praticar pois o cérebro e
o corpo ficam cansados, fazendo com que os erros fiquem mais frequentes e quase
não se note mais melhoras durante determinada sessão de estudo. Esse é o
momento de parar.
Para que se consiga estudar durante muito tempo é necessário uma boa
técnica, uma boa postura e preparo físico. Caso contrário, o músico corre o perigo de
se lesionar. Iniciantes dificilmente vão ter resistência mental e física para estudar
durante longos períodos
SESSÕES FRACIONADAS:
Pesquisas científicas apontam que fracionar treino de uma atividade motora ao
longo do dia traz maiores benefícios do que a prática de sessões longas. Por exemplo:
uma sessão de 3h por dia é menos efetiva do que 3 sessões de 1h. Isso ocorre pois
o cérebro consegue memorizar melhor uma atividade que é repetida em intervalos
menores de tempo. Sendo assim, ao estudar 3h seguidas a próxima sessão só vai
ocorrer 21h depois.
Da mesma forma: estudar por 7h seguidas apenas uma vez por semana é
infinitamente pior do que estudar 1h todo dia.
Além disso, mesmo em casos de músicos que estudam “o dia todo”, são
recomendáveis pequenas pausas para descansar. O cérebro continua em processo
de assimilação e memorização em “segundo plano” mesmo quando não se está
praticando. Já se sabe há muito tempo no esporte que o repouso também faz parte
do treino.
AQUECIMENTO:
É quando o corpo direciona todas os recursos fisiológicos para fornecer a
quantidade de energia adequada aos músculos (levar oxigênio, glicose e outras
substâncias). Demora cerca de 30 minutos para que o corpo se auto regule e
estejamos aptos para um desempenho físico pleno.
O aquecimento deve iniciar leve e ir ganhando intensidade. Pode ser realizado
através de exercícios, escalas, arpejos, estudos e peças, mas recomendo exercícios
técnicos variados, pois peças e escalas podem conter padrões de movimento que
favorecem mais um grupo muscular do que outro, sendo menos adequados no geral.
ALONGAMENTO:
Alongamento não é aquecimento! Esse é foi um dos grandes mitos tomados
como verdade entre atletas e músicos. Antes de uma sessão de treino fazia-se
alongamentos acreditando-se que evitaria lesões.
Atualmente sabe-se que o alongamento tem o efeito agudo de relaxar o
músculo e o efeito crônico de aumentar comprimento muscular. Porém, acontece que
numa atividade de aquecimento o adequado é estimular e não relaxar. Então faça
aquecimento e esqueça o alongamento antes de tocar.
EXERCÍCIOS TÉCNICOS:
É adequado treinar toda a gama de recursos técnicos importantes para o estilo
musical do violonista. Por exemplo: uma grande parte da técnica flamenca é diferente
da técnica erudita. Sendo assim, cada estilo deve trabalhar conforme as suas
necessidades.
Aqui entram exercícios de movimentos específicos como ligados,
cromatismos, aberturas, pestanas, picados, rasgueados, dedilhados, polegar e etc...
São também esses tipos de movimento os mais adequados para o aquecimento.
EXERCÍCIOS MUSICAIS:
Outra forma de treinar a técnica é através de recursos de efeitos mais musicais
como escalas e arpejos. Esses dois fundamentos podem ser realizados em centenas
de padrões e digitações diferentes. O músico deve praticar aquilo que é mais
condizente com seu estilo e nível de experiência no instrumento.
Para músicos de jazz esses são exercícios importantíssimos e podem ser
praticados junto com “bases” harmônicas para o estudo da improvisação. Já para
músicos eruditos normalmente o mais indicado é a prática de “Estudos” criados
exatamente com o objetivo desafiar a técnica de forma musical. Claro que a mistura
de todas essas formas de exercício também pode ser bem-vinda dependendo do
contexto.
Meu primeiro professor de violão também era poeta e inspirado pela prática do
violão escrever o seguinte poema sobre as escalas:
ESCALAS
(Zé Fernando)
REPERTÓRIO:
As peças devem sempre seguir níveis de dificuldade progressivo ao longo dos
anos de estudo do instrumento. A escolha e planejamento de forma adequada do
repertório é fundamental para que o músico tenha experiências motoras variadas.
Quando bem desenvolvido, o estudo do repertório cria um “acervo mental” tão grande
que em músicos mais experientes praticamente inexiste situação técnica não familiar.
É por esse motivo que músicos experientes conseguem aprender tão rapidamente
músicas novas.
Na minha opinião, essa é a fase mais importante da sessão de estudo. O
repertório deve ser o maior e mais variado possível.
Como organizar o estudo das peças? Você deve construir um repertório com
cerca de 10 músicas e ser capaz de executa-lo todo de uma vez como se fosse um
recital. Podem ser 10 músicas fáceis, respeite seu nível. Se você puder convide
amigos e familiares para assistir e toque com o máximo de seriedade. Depois de
realizada essa tarefa comece a renovar o repertório trocando uma música de cada
vez por outra mais difícil. É dessa forma que você deve ir avançando no estudo de
peças.
NÍVEL CORRETO:
Um dos erros mais comuns dos estudantes é tentar aprender peças muito
difíceis, que estão acima do seu nível. O adequado é o aluno estudar peças em
dificuldade progressiva, sempre tento um objetivo há longo prazo. Níveis elevados de
performance demoram muitos anos para serem atingidos e é muito mais efetivo o
aluno tocar peças que de fato ele consegue assimilar, compreender, tocar limpo e
com dinâmica correta. Não há necessidade de sofrer e se frustrar! A maturidade
musical vem com o tempo e existem músicas muito complexas indo muito além do
que a parte técnica. O aluno precisa ser capaz de entender a obra sob o ponto de
vista melódico, harmônico, rítmico e sentimental.
Quem estuda de forma organizada, obedecendo fases e estando consciente
do que faz, evolui milhões de vezes mais rápido do que aquele que só tenta tocar
coisas difíceis quando não é a hora.
Lembre-se: música é como um esporte! Um iniciante jamais vai ter a
desenvoltura física de um atleta profissional. Sem realizar horas e horas, anos e anos
de prática jamais uma pessoa pode correr uma maratona como um queniano ou
levantar pesos como um halterofilista.
TOCAR LENTAMENTE:
A velocidade com que praticamos um instrumento musical gera diferentes
resultados. Quando treinamos lentamente estamos favorecendo a precisão, é quando
o cérebro consegue calcular cada detalhe do movimento para evitar erros. Com a
repetição o cérebro memoriza todos os fatores envolvidos fazendo com que
consigamos acertar mais e tocar cada vez mais rápido. Tocar lento também é útil para
que conscientemente consigamos identificar quais micromovimentos precisam ser
corrigidos para que os macromovimentos estejam corretos.
Entretanto a velocidade da prática deve estar sempre no nível ideal. Se um
músico já consegue executar com perfeição uma obra numa velocidade de 100bpm
não será efetivo praticar a 50bpm (a não ser que seja um aquecimento ou uma revisão
técnica). O correto é praticar o mais rápido possível desde que haja precisão no
movimento, porque o cérebro precisa também aprender a calcular a força e o uso da
inércia do movimento. Tocar mais rápido exige uma demanda muscular diferente,
então a máxima que diz: “pratique sempre devagar” não é totalmente correta.
SONO:
É durante o sono que nosso cérebro faz uma série de manutenções fisiológicas
de extrema importância para a nossa sobrevivência. Não é por acaso que
normalmente dormimos 8h por dia. Isso representa 1/3 da nossa vida, ou seja, uma
pessoa de 60 anos gastou cerca 20 anos dormindo!
O sono ganha ainda mais importância conforme as exigências físicas e mentais
que fazemos enquanto acordados. Os reflexos motores ficam piores se você não
dormir bem.
Durma 8 horas por dia se quiser ser saudável e ter bom desempenho mental e
físico.
TÉCNICA NÃO É TUDO:
Conforme amadurecemos como músicos fica claro que infelizmente somos
todos escravos da técnica, isto é, precisamos todo dia nos manter em forma já que
sem técnica vamos perdendo a capacidade de nos expressar. Por isso que alguns
músicos preferem se especializar. Alguns são compositores, outros interpretes,
outros arranjadores e etc...
Mesmo se seu objetivo for ser um interprete, isto não quer dizer que só a
técnica basta. Todos nós conhecemos músicos incríveis que não necessariamente
são os maiores virtuosos do violão. Ser um bom músico é dominar o estilo, a cultura,
a linguagem, ser criativo, inovador e transmitir emoções. Para dominar esses fatores
você precisa viver. Isso mesmo, precisa interagir, ir em shows, ouvir os colegas, tocar
com amigos e tocar o máximo de músicas diferentes a vida toda. Não há limites para
a musicalidade!