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10 POEMAS

INESQUECÍVEIS DE
SOPHIA DE MELLO
BREYNER ANDRESEN

Sophia de Mello Breyner Andresen celebraria este ano o


centenário do seu nascimento. Razão mais do que suficiente
para destacarmos alguns dos poemas que fizeram da autora
uma das principais referências da literatura portuguesa.
OBRA POÉTICA

POESIA
(1944)

 
DIA DO MAR
(1947)

CORAL
(1950)

 
NO TEMPO DIVIDIDO
(1954)

MAR NOVO
(1958)

 
O CRISTO CIGANO
(1961)

LIVRO SEXTO
(1962)

 
GEOGRAFIA
(1967)

DUAL
(1972)

 
O NOME DAS COISAS
(1977)

NAVEGAÇÕES
(1983)

 
ILHAS
(1989)

MUSA + O BÚZIO DE CÓS E OUTROS POEMAS


(1994 + 1997)

 
PRIMEIRO LIVRO DE POESIA

MAR
Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.
É um poema especial porque…

O foco reside num dos principais interesses de Sophia de Mello Breyner


Andresen, explorado em grande parte dos seus poemas: o mar e, num conceito
ainda mais amplo, a natureza como referência de beleza e perfeição.

INSCRIÇÃO
Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar
É um poema especial porque…

Envolve, uma vez mais, o fascínio pelo mar mas também fatalismo, nostalgia,
arrependimento e a certeza de que a natureza é a resposta para todas as nossas
questões. Tudo em apenas duas linhas.

ESTE É O TEMPO
Este é o tempo
Da selva mais obscura
Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura
Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura
Este é o tempo em que os homens renunciam.
É um poema especial porque…

A liberdade (física e/ou espiritual) é outro dos motivos mais frequentes na obra
de Sophia de Mello Breyner Andresen, e a autora aborda-a aqui de forma
implícita através de um contraste bem conseguido com prisões e prisioneiros.

AS PESSOAS SENSÍVEIS
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
“Ganharás o pão com o suor do teu rosto”
Assim nos foi imposto
E não:
“Com o suor dos outros ganharás o pão”.
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.
É um poema especial porque…

Na sua obra poética, Sophia de Mello Breyner Andresen preocupa-se mais em


exultar o belo do que em evidenciar os males da sociedade. Mas há exceções.
Como este poema, no qual critica abertamente a ganância e a hipocrisia de
alguns.

PORQUE
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
É um poema especial porque…

Mascarado de poema romântico, é na verdade – ou também – mais uma


denúncia bem vincada à corrupção, ao oportunismo e à falsidade.

25 DE ABRIL
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
É um poema especial porque…

É um comentário em poucas palavras mas que diz muito sobre um dos mais
importantes eventos da História de Portugal.

FERNANDO PESSOA
Teu canto justo que desdenha as sombras
Limpo de vida viúvo de pessoa
Teu corajoso ousar não ser ninguém
Tua navegação com bússola e sem astros
No mar indefinido
Teu exato conhecimento impossessivo.
Criaram teu poema arquitetura
E és semelhante a um deus de quatro rostos
E és semelhante a um deus de muitos nomes
Cariátide de ausência isento de destinos
Invocando a presença já perdida
E dizendo sobre a fuga dos caminhos
Que foste como as ervas não colhidas.
É um poema especial porque…

É exemplo de vários tributos e homenagens que Sophia de Mello Breyner


Andresen fez a outros grandes nomes da poesia portuguesa, como Fernando
Pessoa (ler também “Homenagem a Ricardo Reis” e “Cíclades”) ou Luís Vaz de
Camões (ler “Soneto à maneira de Camões”, mas também “Camões e a tença” e
“Gruta de Camões”).

INVENTEI A DANÇA PARA ME DISFARÇAR


Inventei a dança para me disfarçar.
Ébria de solidão eu quis viver.
E cobri de gestos a nudez da minha alma
Porque eu era semelhante às paisagens esperando
E ninguém me podia entender.
É um poema especial porque…

Revela outro dos interesses pessoais de Sophia de Mello Breyner Andresen: a


dança. É um facto menos conhecido sobre a autora, mas Sophia considerava a
dança “um elemento dionisíaco ligado ao ritmo e à despersonalização” e
entretinha-se muitas vezes a imaginar bailados e a inventar danças.

AUSÊNCIA
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
É um poema especial porque…

Tem uma simplicidade enternecedora.

POEMA
A minha vida é o mar o abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
É um poema especial porque…

É quase um corolário da vida e obra de Sophia de Mello Breyner Andresen que,


vários anos após a morte, mantém de facto a terra, o sol, o vento e o mar como
sua biografia.

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