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O poder simbólico – Pierre Bordieu

Capítulo VIII – A força do direito – Elementos para uma sociologia do campo jurídico

O autor inicia falando das teorias jurídicas que retiram o aspecto jurídico do âmbito
social, pensando no desenvolvimento interno dos conceitos, assim em contra partida propõe
uma ciência rigorosa que utilize da ‘ciência jurídica’ como objeto. A partir daí cria-se uma
crítica à Althusser e até mesmo a Thompson, que segundo Bordieu permanece vendo o direito
como imbricado nas relações produtivas, mesmo quando tenta romper com o economicismo.

Para Bordieu é necessário compreender a especificidade do universo social em que o


direito se produz e é exercido. Assim o mesmo propõe um rompimento com a ideologia de
independência do direito e corpo judicial através da perspectiva de que a prática jurídica e
seus discursos são frutos de um campo onde a lógica se determina pelas relações de forças
que lhe dão estrutura, os conflitos de competência existentes neste e pela lógica interna das
normas que geram soluções jurídicas aos conflitos. Esta perspectiva surge através daquilo que
as visões internalista e externalistas ignoram mutualmente, sendo a existência de um
universo social independente em relação às pressões externas no interior do qual se produz
autoridade jurídicas através da violência simbólica que tem como monopólio o estado.

Há uma distinção entre as estruturas simbólicas (direito) e as instituições que as produzem


que é o princípio da transformação deste. No entanto, o fato de não fazer essa distinção pode
dificultar a compreensão de que a linguagem onde seus conflitos se expressam estejam
relacionados nas lutas de interesses associados à distintas posições

A divisão do trabalho jurídico

O campo jurídico pode ser compreendido como um espaço de concorrência para


monopolizar os mesmos, nesta os agentes buscam a possibilidade de interpretar a lei no
campus social. Neste sentido, há uma relação de forças onde o corpus jurídico pode sancionar
as conquistas dos dominados em saber reconhecido na sociedade. Assim há uma divisão do
trabalho baseada em normas e princípios lógicos ao mesmo tempo que possui caráter ético e
moral.

Dentro da divisão jurídica há divergência entre os intérpretes que gera a pluralidade das
normas jurídicas, dentro dessa o texto jurídico é lido e apropriasse sua força simbólica por
diferentes pessoas que brigam entre si dentro das instâncias. Esta luta se dá dentro da justiça
que organiza as instâncias judiciais e seus poderes ao mesmo tempo as normas e fontes que
confere autoridade em suas decisões, assim pode-se dizer que o direito se fundamenta em si.
Aspecto que pode gerar a compreensão de uma perspectiva transcendental que através da
linguagem jurídica pode gerar uma retórica impessoal e neutra.

Neste sentido, a linguagem jurídica pode causar efeito de neutralização quando se baseia em
frases impessoais e de construções passivas para marcar a impessoalidade da norma em um
sujeito universal. E de universalização onde se utiliza o indicativo para enunciar as normas
com poucas variações individuais, além do uso de verbos atestivos na terceira pessoa do
passado e presente, além do presente intemporal e o futuro jurídico.

“Retórica na autonomia, da neutralidade e da universalidade” pp. 216 se dá devido ao


“espírito jurídico” consistir nessa postura universalizante. Essa universalização do direito é
fruto da divisão do trabalho na lógica da concorrência entre diferentes formas de
competência antagonistas e complementares. 1 Existe uma luta simbólica entre os distintos
agentes jurídicos com base nos textos canônicos podendo ser uma interpretação puramente
teórica da doutrina, ou uma interpretação para a avaliação prática de um caso em particular,
qualquer uma dessas decisões deve ter em mente que contará com as reações e resistência
dos indivíduos.

Dentro deste local de disputas cabe à história social comparada da produção jurídica, onde se
deve considerar as relações entres as variações, o momento em que é tomada determinada
posição e as variações de forças dos dois campos em relação à estrutura. Assim se torna
possível compreender a capacidade desses grupos de imporem sua visão e interpretação do
direito dentro das diferenças sistemáticas.

Há um antagonismo entre os diferentes detentores de capital jurídico, o que Bordieu chama


de uma sutil divisão do trabalho de dominação simbólica no qual os adversários e cumplices
servem uns aos outros. Assim, os juristas e outros teóricos buscam levar o direito no sentido
de teoria pura enquanto os juízes ordinários e práticos se atentam na aplicação das normas em
situações concretas.

Cria-se assim pelos juristas uma ciência nomológica (normativa) que tem como interesse
racionalizar o direito positivo por meio de controle lógico necessário para garantir coerência
do corpo jurídico e para deduzir dos textos suas consequências não previstas, preenchendo as
lacunas do direito. A regra não é puramente aplicada há um outro caso pois não há casos
perfeitamente idênticos, cabe aos juristas determinar quando e como aplicar determinada
regra.

“Em resumo, o juiz, ao invés de ser sempre um simples executante que deduzisse da lei as
conclusões diretamente aplicáveis ao caso particular, dispõe as conclusões diretamente
aplicáveis ao caso particular, dispõe antes de uma parte de autonomia que constitui sem
dúvida a melhor medida da sua posição na estrutura da distribuição do capital específico de
autoridade jurídica; os juízos, que se inspiram numa lógica e em valores muito próximos dos
que estão nos textos submetidos à sua interpretação, tem uma verdadeira função de
invenção.” 222/223 (19)

O ato de interpretar é feito com base na historicização da norma onde se adapta


fontes em circunstâncias novas e a partir daí se descobre possibilidades inéditas, onde aquilo
que era ultrapassado ficam de lado. Assim cabe aos juízes e juristas (Cada um em grau
diferente) explorar a polissemia e as possibilidades das normas jurídicas recorrendo à
restrictio para quando necessário não se aplicar uma lei literalmente, e à extensio que se
aplique a lei tomada à letra. Cabe a eles tomar partido diante da elasticidade da lei e suas
lacunas e ambiguidades.

Neste sentido, o veredicto é resultado de uma luta simbólica entre profissionais dotados de
competências técnicas e sociais desiguais que mobiliza de modo desigual os recursos jurídicos
disponíveis como arma simbólicas para triunfarem suas causas. Seu significado real é
determinado na relação de força entre os que estão sujeitos à jurisdição. A Racionalização do
direito se deve mais às atitudes éticas dos agentes do que às normas puras do direito e é isso
que lhe confere a eficácia simbólica.

1
Relacionado ao mundo moderno liberal.
Assim, o ritual de enaltecer autoridade jurídica para a interpretação é destinado à demonstrar
que a decisão não exprime a vontade e visão de mundo do juiz, mas sim a voluntas legis ou
legislatoris.

A instituição do monopólio

Institui-se um espaço judicial onde há uma fronteira entre o agente jurídico e o


justiciável (aquele que é um cliente ou terá sua demanda trabalhada pelos juristas), esta
distanciação, ou o que Bordieu compreende como desvio constitui uma relação de poder entre
as duas visões de mundo (justiça e do comum) e esta relação pode ser expressa na linguagem.

Linguagem jurídica = Uso partícula da linguagem vulgar, sendo esta marcada por uma relação
de dependência e independência entre elas. Interlocução com Austin para compreender o
motivo de nomearmos coisas diferentes com o mesmo nome e relaciona como a linguagem
jurídica utiliza da mesma tática para nomear coisas completamente diferentes do que seu
sentido vulgar, essa discordância se torna o fundamento estrutural dos mal-entendidos entre
aqueles que utilizam o código erudito e os simples profanos com sua linguagem vulgar
(Semelhante à falsos cognatos no inglês).

A situação judicial é tida como um lugar neutro onde há uma distanciação do


confronto direto entre os interessados em dialogar pelo mediador (justiça), a distância tem
nesse caso o papel de neutralizar os conflitos inconciliáveis para lhes dar soluções vistas e
reconhecidas como imparciais. Dessa forma, o tribunal é um espaço delimitado onde o
conflito se torna diálogos entre os peritos e o processo, aspecto que demonstra as dimensões
do efeito simbólico do ato jurídico, onde o veredicto consegue condensar toda a ambiguidade
no campo jurídico. (Há um conflito de relações de poder que gera o veredito)

Neste campo, são os profissionais do direito que conhecem as regras do jogo, as leis escritas e
não escritas e tem o poder de mediar as relações. A entrada no universo jurídico busca fazer
com que os conflitos sociais só possam ser resolvidos juridicamente, assim deve-se conforma-
se com o direito para a resolução de conflitos. Para entrara no campo jurídico é necessário,
segundo Austin, três aspectos, sendo estes:

I. Deve-se chegar à uma decisão (branca ou preta, culpado ou não culpado;


II. A acusação e a defesa devem se encaixar nas categorias reconhecidas no
procedimento, sendo estas limitadas e estereotipadas em relação ao cotidiano.
III. Recorrer a precedentes e se conformar com eles.

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