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Educação Superior
Pública sob Ameaça
Brasília, Maio de 2021
Expediente
Realização:
Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de
Estado (Fonacate) (Maio, 2021)
Autor:
Ana Luíza Matos de Oliveira
Arthur Welle
Israel Matos Batista
As opiniões aqui emitidas são de responsabilidade
dos autores e colaboradores.
Diagramação:
Diego Feitosa
Apoio:
Reforma Administrativa • 2021
Educação Superior
Pública sob Ameaça
da austeridade fiscal no Brasil - e dos cor- 2017), que propõe cortes no financiamen-
tes à educação, em especial à educação to da educação superior que alcançariam
superior - as promessas da austeridade fis- 0,5% do PIB (Banco Mundial, 2017:14). O
cal, de pujança do crescimento e do desen- documento retoma argumentos sempre
volvimento, ainda estão por ser cumpridas. presentes na história brasileira, como o da
Para a educação superior há um enfren- defesa da cobrança de mensalidades em
tamento a mais a ser equacionado, relacio- instituições públicas.
nado à ascensão do autoritarismo. Nesse “O Governo Federal gasta aproximada-
sentido, este texto visa contribuir com res- mente 0,7% do PIB com universidades fe-
postas a duas questões: como defender a derais. A análise de eficiência indica que
educação superior pública das acusações aproximadamente um quarto desse dinhei-
de que ela é cara e não cumpre sua fun- ro é desperdiçado. Isso também se reflete
ção social? E como defender o papel das no fato de que os níveis de gastos por alu-
instituições públicas de educação superior no nas universidades públicas são de duas
enquanto espaços fundamentais da produ- a cinco vezes maior que o gasto por aluno
ção e difusão do conhecimento e do pen- em universidade privadas. A limitação do
samento crítico? financiamento em cada universidade com
Em outras palavras, esta nota técnica visa base no número de estudantes geraria
discutir como as instituições de educação uma economia de aproximadamente 0,3%
superior públicas se consolidaram no país, do PIB. Além disso, embora os estudantes
não só como polos de excelência da produ- de universidades federais não paguem por
ção de conhecimento, mas também como sua educação, mais de 65% deles perten-
importantes instrumentos de inclusão so- cem aos 40% mais ricos da população.
cial, mesmo sob forte ataque nos últimos Portanto, as despesas com universidades
anos. federais equivalem a um subsídio regressi-
vo à parcela mais rica da população brasi-
A próxima seção discutirá a importância leira. Uma vez que diplomas universitários
da educação superior pública na produção geram altos retornos pessoais (em termos
de conhecimento e na inclusão, em termos de salários mais altos no futuro), a maioria
de gênero, raça e renda. A seção seguinte dos países cobra pelo ensino fornecido em
discutirá as ameaças à educação superior universidades públicas e oferece emprés-
pública na atualidade, incluindo o impacto timos públicos que podem ser pagos com
da PEC 32/2020 (a reforma administrativa), os salários futuros dos estudantes. O Brasil
caso esta seja aprovada em seus termos já fornece esse tipo de financiamento para
originais. Por fim, tecemos considerações que estudantes possam frequentar univer-
à guisa de conclusão. sidades particulares no âmbito do progra-
ma FIES. Não existe um motivo claro que
2. A importância da educação su- impeça a adoção do mesmo modelo para
perior pública no Brasil: produ- as universidades públicas. A extensão do
ção científica e inclusão FIES às universidades federais poderia ser
combinada ao fornecimento de bolsas de
Como discutido em Oliveira (2019), há estudo gratuitas a estudantes dos 40%
diversos documentos que apontam que a mais pobres da população (atualmente,
educação superior pública seria cara ou 20% de todos os estudantes das univer-
ineficiente em comparação ao setor priva- sidades federais e 16% de todos os estu-
do. Um deles é o documento “Um Ajuste dantes universitários no país), por meio
Justo: análise da eficiência e equidade do da expansão do programa PROUNI. Todas
gasto público no Brasil” (Banco Mundial,
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4 Os dados mostram que as instituições públicas de educação superior são o locus da produção de pesquisa
no Brasil. Relatório da Clarivate Analytics (2018) confirma que 15 universidades públicas produzem 60% da ciência
brasileira, medido pelo volume de artigos publicados na base Web of Science. Também segundo este relatório, a
produção de trabalhos acadêmicos em colaboração com a indústria vem crescendo de forma exponencial no Brasil
desde a virada do século, sendo a esmagadora maioria dessas colaborações feita com universidades públicas. E,
mesmo com os cortes de financiamento à educação e à pesquisa, a produção científica do Brasil cresceu 30% entre
2013 e 2018, o equivalente ao dobro da média mundial, de 15%.
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Para finalizar a análise sobre renda, a Fi- quadro é de maior desigualdade que entre
gura 3 divide os graduandos na educação as mulheres, mas para ambos os grupos há
superior pública por sexo, outra variável im- uma redução das desigualdades no acesso
portante para entender as desigualdades à educação superior ao longo dos anos.
da sociedade brasileira. Entre homens, o
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75% 60%
70%
55%
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35%
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A Figura 5 mostra a proporção de ma- Por fim a Figura 6 mostra como mulhe-
triculados em graduação em instituições res brancas e homens brancos foram per-
públicas por sexo. Como é sabido, as mu- dendo espaço em termos relativos nas
lheres são maioria neste quesito, porém os instituições públicas de educação supe-
homens ganharam espaço na educação rior (enquanto estudantes de graduação) e
superior durante o início do século XXI. No mulheres e homens negros conquistaram
entanto, é fato notório que faltam mulheres espaço. Entre os negros, as mulheres são
em cargos de professoras universitárias e maioria. E, mais recentemente, as mulhe-
em cargos de liderança dentro das univer- res negras são o grupo mais expressivo na
sidades (Fares e Oliveira, 2020), bem como educação superior pública.
persiste uma “divisão sexual” de cursos e
áreas dentro da educação superior. Isto se-
ria visível caso desagregássemos os dados
por cursos.
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que: “o aluno tem que sair do segundo grau Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil,
pronto para o mercado de trabalho. Nem de que seria necessário “dar um basta nas
todo mundo quer fazer uma universidade. ideias socialistas e comunistas que, por 30
É bobagem pensar na democratização da anos, nos levaram a esse caos” (Oliveira,
universidade, nem todo mundo gosta. (...) O 2019), dentre outras defesas da ditadura
segundo grau teria como finalidade mostrar militar que tem ficado cada vez mais fre-
ao aluno que ele pode colocar em prática quentes.
os conhecimentos e ganhar dinheiro com Abrucio (2016) aponta que, além de en-
isso. Como os youtubers, ganham dinheiro frentar baixos salários e condições adver-
sem enfrentar uma universidade (Revista sas de trabalho, os professores e professo-
Fórum, 2018:1, grifo nosso). ras brasileiros agora enfrentam mais uma
O direito à educação, estabelecido na CF fonte de desvalorização: o ESP, que os trata
88 no Artigo 205 como um direito de todos, como inimigos. Abrucio (2016) acredita que
é de todos ou somente dos privilegiados? E será difícil recrutar docentes capazes de
então, novamente, em janeiro de 2019 de- exercer seu ofício com criatividade e pai-
clarou que “a universidade para todos não xão, elementos essenciais nessa profissão
existe” (Valor Econômico, 2019). Vélez de- (Abrucio, 2016:61).
pois seria substituído por Abraham Wein- Tais ataques levaram a que associações
traub e pelo Pastor Milton Ribeiro, atual de docentes se organizassem para prote-
ministro. ger a liberdade de cátedra e os próprios
É importante também citar o movimento professores. O Sindicato dos Professores
“escola sem partido” (ESP) neste contexto, das Instituições Federais de Ensino Supe-
que se coloca contra a “ideologização” da rior da Bahia (APUB), por exemplo, montou
educação básica e superior no Brasil. Se- uma cartilha de orientação para proteger
gundo Penna (2017), o movimento surgiu os docentes vítimas de ameaças e/ou in-
em 2004 e cresceu nas redes sociais atra- timidações na sua atividade profissional
vés de seu diálogo com o senso comum por (APUB, 2018).
meio de frases simplórias. Catelli Jr. (2016) Por fim, cabe lembrar que durante o pro-
e Brait (2016) também relembram os links cesso eleitoral de 2018, diversas institui-
de muitos políticos defensores do ESP com ções públicas de educação superior sofre-
grandes empresas da área da educação. ram intervenções policiais para impedir a
Penna (2017) assinala que, com frequ- realização de discussões políticas ou ma-
ência, o ESP refere-se aos últimos 30 nifestações, o que levou a que a Ministra
anos para marcar o avanço da “estratégia Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Fede-
gramsciana” do “marxismo cultural”, que ral, suspendesse, na véspera do segundo
coincidentemente é o mesmo tempo de turno das eleições, decisões que determi-
vigência da CF 88 e da democracia no navam ações policiais nas instituições de
Brasil. Segundo Frigotto (2017), o ESP emi- educação superior (Ferreira, 2018).
te uma mensagem de certeza e proposição Assim, para além das ameaças da auste-
de ideias supostamente neutras, mas que ridade – defendida pelas equipes econô-
escondem, na verdade, um teor fortemen- micas desde 2015, agora com ainda mais
te “persecutório, repressor e violento”. Por veemência –, enfrenta-se ameaças à ideia
isso, o autor se refere ao movimento como de inclusão social e ao livre pensar na edu-
escola “sem” partido. Neste sentido, o ESP cação superior.
converge com a fala de Paulo Guedes con-
tra a social democracia, com o ataque à CF Porém, a associação entre austeridade
88; e com outra fala emblemática de Onyx e autoritarismo não é algo específico do
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Brasil atual: Moraes (2002) já atentava para versidades federais (Carta Capital, 2019) e
a questão de que, ao interpretar a crise do fez diversos outros ataques à educação su-
mundo capitalista já na década de 1970, o perior pública.
mainstream se aproximou do conservado- Há outras ameaças, ainda em curso na
rismo. Segundo Moraes (2002), é um gran- educação superior pública. Para além da
de “mérito” da nova direita ter conectado desvalorização, tem ocorrido um cresci-
vários elementos ideológicos, indo além da mento dos casos de denúncia contra pro-
denúncia “econômica” ou “fiscal” das polí- fessores universitários, culminando por
ticas sociais, o que arriscaria preservá-las exemplo na censura prévia a dois profes-
como “coisas boas, mas impossíveis de sores da Universidade Federal de Pelotas
sustentar”. Segundo o autor, com o enfoque que haviam feito críticas ao governo fede-
da Nova Direita, as políticas sociais apare- ral (Frente Servir Brasil, 2021). Na mesma
cem como sintomas de decadência civili- linha, as universidades federais brasileiras
zacional e, simultânea e paradoxalmente, receberam, em fevereiro de 2021, ofício
como indutoras da decadência. Como algo do Ministério da Educação que alerta que
intrinsecamente mau e que não se deve manifestações políticas nas instituições
sustentar, mesmo se possível fazê-lo (Mo- podem configurar “imoralidade adminis-
raes, 2002:18). trativa” com consequente punições disci-
plinares. Os casos dialogam bastante com
4. Ameaças mais recentes à edu- o quadro apresentado da ESP e mostram
cação superior pública: onde a que o crescente autoritarismo no país tem
austeridade, o autoritarismo e a minado também a autonomia universitária,
reforma administrativa se encon- ainda garantida pela Constituição. Neste
tram quesito, é importante mencionar a grande
quantidade de instituições superiores de
Segundo Fares e Matos de Oliveira (2020), educação superior hoje sob intervenção,
os docentes da educação superior brasi- em que o Presidente Jair Bolsonaro não
leira têm sido fortemente impactados pe- aceitou o resultado de consultas internas
las abruptas mudanças realizadas no país da comunidade e nomeou, como reitores,
desde 2015. As reformas (e ameaças de pessoas não eleitas pela comunidade uni-
reformas) se somam à ampliação da carga versitária. O Andes contabiliza 24 institui-
horária, pressão psicológica e assédio ins- ções federais sob intervenção entre 2019 e
titucional. Fares e Matos de Oliveira (2020) fevereiro de 2021 (Andes, 2021).
analisam especificamente como a reforma
trabalhista de 2017 no Brasil afetou as do- Todas estas questões, somadas aos cor-
centes da educação superior. tes de financiamento e à crise do mercado
de trabalho, culminam para impactar a in-
Sobre ameaças de reforma e assédio ins- clusão na educação superior. No entanto,
titucional, é importante relembrar alguns a educação superior pública segue reali-
episódios protagonizados por Paulo Gue- zando papel fundamental na produção de
des, ministro da Economia: em uma oca- conhecimento e na inclusão social.
sião, comparou os servidores a parasitas
(Conjur, 2020); em outra, chamou-os de Mas os ataques aos servidores e em es-
inimigos, em cujos bolsos havia colocado pecial às instituições públicas de educação
uma granada (G1, 2020). Há também im- superior seguem e tomam novos formatos,
portantes episódios do ex-ministro da edu- agora com a Proposta de Emenda Consti-
cação Abraham Weintraub, que afirmou tucional (PEC) 32/2020, que propõe uma
que haveria plantação de maconha em uni- reforma administrativa. O texto inicial da
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PEC 32/2020 apresenta pontos bastante sível que as instituições públicas de edu-
problemáticos para o serviço público como cação superior sejam fortemente afetadas.
um todo, entre eles: Um segundo ponto é que a PEC amplia
os casos de contratação de trabalhadores
i. a inclusão do princípio da subsidiarie- temporários, retirando a restrição de que
dade no Art. 37 da CF 88, tornando o isso só ocorra em casos de excepcional in-
poder público complementar ao setor teresse público. Então haverá mais espaço
privado e prevê que seja possível fir- para contratações temporárias de servido-
mar instrumentos de cooperação com res, sobrecarregando os professores efeti-
órgãos e entidades, públicos e priva- vos com funções exclusivas destes, como
dos, para a execução de serviços pú- já ocorre hoje. Esta será uma estratégia
blicos, inclusive com o compartilha- para burlar o concurso público.
mento de estrutura física e a utilização Um terceiro ponto é que, com a reforma,
de recursos humanos de particulares, o Presidente da República passa a ter “su-
com ou sem contrapartida financeira; perpoderes” (devido às alterações propos-
ii. o desmembramento do Regime Jurí- tas no Art. 84 da CF88) e a poder trans-
dico Único em cinco novos tipos de formar e extinguir por decreto até mesmo
contratos, com a criação do vínculo fundações e autarquias, que é justamente
por experiência e a diferenciação en- como as instituições públicas de educação
tre cargo com prazo indeterminado e superior se constituem.
cargo típico de Estado, somente este Um quarto ponto é que cargos de lide-
último contando com estabilidade; rança e assessoramento passam a poder
iii. a ampliação dos casos para a contra- ser 100% ocupados por pessoas de fora do
tação temporária, arriscando a pro- serviço público. Abre-se um espaço muito
fissionalização da burocracia pública grande para o apadrinhamento no serviço
e a previsibilidade e continuidade da público, com cargos de liderança e asses-
prestação de serviços públicos; soramento podendo ser ocupados exclusi-
iv. concede “superpoderes” ao Presiden- vamente por pessoas de fora do serviço pú-
te da República na reestruturação do blico, ou seja, o servidor perde este espaço.
Estado brasileiro, com as mudanças Com isso, a reforma administrativa permite
realizadas no Art. 84. que a coordenação de curso e a chefia de
departamento nas instituições públicas,
A PEC 32/2020 também afeta fortemen- por exemplo, sejam assumidas por pessoas
te as instituições de educação superior no alheias ao magistério e ao serviço público.
Brasil. Um primeiro ponto é que a PEC co- Em meio a ataques ao livre pensar, aos cor-
loca o princípio da subsidiariedade como tes de recursos para as instituições, entre
um princípio da administração pública. outras questões, este mecanismo trazido
Com isso, o setor público se torna comple- pela reforma pode ampliar a intervenção
mentar ao privado, e não o contrário. E a político-partidária em instituições federais.
PEC também constitucionaliza uma série
de acordos do setor público com o privado, Assim, sob diversas óticas, a educação
inclusive com o compartilhamento de es- superior pública encontra-se sob ataque.
truturas do setor público. Com isso, é pos-
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