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Anais do II Encontro Tricordiano de Linguística e Literatura - novembro de 2012

Revista Memento (ISSN: 1807-9717)

AS TRADUÇÕES BRASILEIRAS DE A UTOPIA, DE TOMÁS MORUS

Ana Cláudia Romano Ribeiro (UNINCOR)

RESUMO: Esta comunicação visa apresentar os resultados iniciais de uma primeira


pesquisa a respeito das traduções brasileiras da obra A utopia, de Tomás Morus,
publicada em 1516, em latim, na cidade de Basileia (localizada, atualmente, na Suíça).
Esses resultados fornecem um retrato da situação editorial brasileira e apontam para a
necessidade de uma nova tradução, feita diretamente do latim.

PALAVRAS-CHAVE: Tomás Morus; edições brasileiras de A utopia; mercado


editorial brasileiro.

Em 1516, Thomas Morus escreveu a


Erasmo, encarregando-o de cuidar da
publicação de seu De optimo
reipublicae statu deque noua insula
Utopia, libellus uere aureus, nec minus
salutares quam festiuus, clarissimi
disertissimique uiri Thomae Mori
inclytae ciuitatis Londinensis ciuis &
Vicecomitis [“Da melhor forma de
comunidade política e a nova ilha de
Utopia, um verdadeiro livro de ouro,
não menos salutar que agradável, pelo
famosíssimo e eloquentíssimo Thomas
Morus, cidadão da ilustre cidade de
Londres e xerife”]. A primeira edição
da Utopia foi publicada por Thierry
Martens em Lovaina, em finais de
1516. Seguiram-se as edições de 1517,
parisiense, e as de março e novembro
de 1518, publicadas em Basileia. Uma
história detalhada de cada uma dessas
quatro primeiras pode ser lida em
“Editions of Utopia”, por Edward
Surtz, na introdução à The Yale Edition
Figura 1
of The Complete Works of St. Thomas
More, vol 4, Utopia, p. clxxxiii-cxciv
(1965).
A terceira edição2, publicada por John Froben (ver Figura 1), é considerada a
última a ter sido revista pelo próprio Morus e é a base para a edição crítica de The Yale
edition of the complete works of St. Thomas More que, porém, também a confronta com
as três primeiras edições e, além delas, com a edição florentina de 1519.
O texto latino estabelecido pela Yale edition (1965) será o ponto de partida para
a tradução da Utopia em português brasileiro, um dos objetivos de nosso projeto de pós-

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Um exemplar dessa terceira edição encontra-se na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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doutorado, a ser iniciado em março de 2013, no Departamento de Linguística do


IEL/UNICAMP, sob a supervisão de Isabella T. Cardoso. Também serão consultadas as
traduções do latim para o inglês de Ralph Robynson (de 1551, reeditada por J.H. Lupton
em 1895), Robert Adams (1992) e Clarence Miller (2001) 3, André Prévost (1978, latim-
francês), Marie Delcourt (1987, latim-francês), Aires Nascimento (2009, latim-
português de Portugal) e Luigi Firpo (1990, latim-italiano), além das edições brasileiras
disponíveis, objeto desta comunicação.
A Utopia tornou-se a mais conhecida obra escrita em neo-latim:

Even though utopian ideas were certainly current in Classical


Antiquity, it was not until the Humanist era (Humanism) that the
concept actually received its current name, namely as the title of
the book that today is the most famous of all books written in
Neo-Latin, the Utopia of Thomas More (1516).” (KYTZLER,
2012, grifo meu)

Cabe informar que a primeira tradução da Utopia a ter levado em consideração


as particularidades do latim de Morus foi a de Marie Delcourt, editada pela primeira vez
em 1936. Em sua edição da tradução do latim ao francês, referindo-se às edições de
Lupton (Oxford, 1895), de Michels e Ziegler (Berlim, 1895) e de Sampson e Guthkelch
(Londres, 1910), ela comenta:

aucun de ces éditeurs ne considère le texte comme devant être


étudié en soi, avec l’idée qu’il faut le connaître pour atteindre la
pensée et l’art de More. Pour les éditeurs anglais tout se passe
comme si l’Utopia latine était une annexe de la vieille traduction
de Ralph Robynson (1551), lequel était um peu leur Amyot. [...]
Le style latin de More est curieux et vaut d’être regardé de près.
Or, même l’étidion de Berlin se borne à des notes critiques et à
des notes historiques. Des notes grammaticales sont
indispensables si l’on veut saisir le mouvement de cette langue
encore vivante mais à la veille de se scléroser.

A tradução a que visamos procurará reconhecer as especificidades do latim de


Morus e se preocupará em dar conta – quer na versão em si, quer em notas – dos
recursos estilísticos ali presentes –, nisso diferindo das traduções existentes em
português do Brasil. A preocupação com o caráter literário da obra será fundamental
para o estudo das relações intertextuais entre a Utopia e a literatura latina antiga,
particularmente, das afinidades e contrastes observáveis entre esse texto e o do De
finibus bonorum et malurum, de Cícero, objeto da segunda parte de nosso projeto.
Além disso, tal cuidado nos dará subsídios para avaliar as demais traduções
existentes, feitas a partir do latim e/ou a partir do inglês, e, especialmente, para entender
as implicações das escolhas tradutórias das edições disponíveis e eventuais repercussões
em estudos sobre a Utopia nelas embasados.

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Miller é o autor de um artigo que comenta e corrige a tradução de The complete Works, publicado na
revista Moreana (1966).

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As traduções da Utopia no Brasil

Esta comunicação visa apresentar os resultados iniciais de uma primeira


pesquisa a respeito das traduções brasileiras da obra A utopia, de Tomás Morus,
publicada em 1516, em latim, na cidade de Basileia (localizada, atualmente, na Suíça).
Esses resultados fornecem um retrato da situação editorial brasileira e apontam para a
necessidade de uma nova tradução, feita diretamente do latim.
Até o momento, nossas pesquisas indicam que a primeira tradução brasileira da
Utopia moreana é a de Luiz de Andrade, publicada pela primeira vez em 1937, no
volume XVIII da Biblioteca Clássica, pela extinta Editora Athena, do Rio de Janeiro, e
reeditada até hoje por diversas editoras (na Coleção Pensadores da Abril Cultural, Nova
Cultural, Edipro, Ediouro/Edições de Ouro e Folha) 4.
As informações mais completas, até o momento, sobre a editora Athena, foram
repertoriadas e comentadas pela tradutora Denise Bottman, em seu blog
naogostodeplagio.blogspot.com.br. Ela aponta para a importância da atividade editorial
da Athena, revelando, ao mesmo tempo, uma lacuna na historiografia das atividades
editoriais brasileiras. Transcrevo na íntegra o post publicado em 23/05/2012:

chama a atenção o catálogo humanista, quase iluminista, da


athena editora, desde a data de sua fundação (agosto de 1935).
são dos primeiros aportes de campanella, erasmo, maquiavel,
shakespeare, racine, la bruyère, rousseau, voltaire, diderot,
musset, hegel, ricardo, darwin, croce, kropótkin, górki... chama
a atenção também o perfil de seus colaboradores: lívio e
berenice xavier, fúlvio abramo, aristides lobo, evaristo de
morais, francisco frola.

laurence hallewell, em seu amplo levantamento da história d' o


livro no brasil, faz apenas uma brevíssima menção à editora,
desproporcional à sua importância e não efêmera existência. ao
tratar dos efeitos da profunda crise mundial a partir de 1929,
entre elas a brutal queda do volume de livros importados para
menos de um terço, chegando ao pico de baixa em 1936, quando
a importação da frança estava 94% abaixo dos patamares de
1928. é nesse contexto econômico que o livro brasileiro e a
ficção traduzida no brasil têm um arranque inédito, iniciado pela
livraria do globo - "outras logo a acompanharam, a athena
editora, do rio, por exemplo, fundada em 1935". é esta a única
menção de hallewell à athena.

sergio miceli, em intelectuais à brasileira, cita também


rapidamente a athena, apesar de classificá-la entre as editoras de
médio porte: apenas menciona a cifra de 70 mil exemplares
atingida em 1937.

o diário oficial da união determina o registro da athena editora


em sua edição de 26 de agosto de 1935, com o termo 36.330.

4
Todas as reedições grafam “Luís de Andrade”.

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seu proprietário: p. petraccone.

o mesmo miceli menciona petraccone muito por cima,


precisamente no contexto econômico apontado por hallewell:
"vários comerciantes especializados na importação de livros
resolvem ampliar suas atividades no ramo com a abertura de um
departamento editorial: pongetti, vecchi, petraccone, garavini,
bertaso, zagari etc. foram sensíveis às mudanças que então se
operavam e passaram a traduzir para o mercado interno as obras
que antes eles mesmos importavam" (p.142).

trata-se de pasquale petraccone, editor do jornal italia libera,


integrante destacado da liga antifascista das colônias italianas no
brasil, de agitada biografia e intensa participação nos
movimentos de esquerda no país, classificado nos arquivos do
dops como trotskista. há fartíssimo material sobre suas
atividades, mas muito pouco sobre seu trabalho à frente da
athena editora.

está aí um tema fecundo para pesquisas sobre as contribuições


da militância de esquerda não-stalinista para a história cultural
brasileira.

Em sua breve introdução à edição de 1937, o tradutor Luiz de Andrade não


explicita a edição usada na tradução, mas, como a orelha do livro explica ter sido a
Utopia, “um dos mais acabados exemplares das letras clássicas”, “originalmente escrita
em latim”, deduz-se que a língua de partida da tradução tenha sido o latim5. O catálogo
do IEB-USP dá como nome completo do tradutor Luiz de Carvalho Paes de Andrade,
nascido em 1814 e falecido em 18876, e a Library of Congress informa ter sido ele
advogado e escritor7. Não encontramos, porém, edições desta tradução datadas do
século XIX. O DITRA (Dicionário de Tradutores Literários no Brasil, projeto do
NUPLITT, Núcleo de Pesquisas em Literatura e Tradução/UFSC) não traz o nome de
Luiz/Luís de Andrade. O Index Translationum o registra apenas com este nome, em três
entradas das edições da Utopia publicadas pela Abril Cultural/Nova Cultural em 1984,
1997, 2000. No Dicionário Literário Brasileiro, de Raimundo de Menezes,
encontramos a entrada “Andrade, Luís de”, recifense nascido em 1849 e falecido em
1912. Conhecido pelo pseudônimo de Júlio Verim. Segundo este Dicionário, Luís de
Andrade

embarcou menino para Portugal e fez o curso superior de Letras,


estudando matemática e filosofia em Coimbra, não chegando a
formar-se. Manteve em Lisboa o periódico A Lanterna Mágica,
com Guerra Junqueiro, Bordalo Pinheiro e Guilherme Azevedo.
Em 1890, voltou ao Brasil e foi deputado à Assembleia
5
O Index Translationum informa que as edições da Utopia publicadas pela Abril (1984, 1997, 2000)
foram traduzidas do latim, informação que, porém, não encontramos nas respectivas fichas catalográficas
no verso na página de rosto.
6
São Paulo: Edições de Ouro, 1966. Prefácio de Mauro Brandão Lopes.
7
Além de autor das Questões econômicas em relação à província de Pernambuco, 1864.

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Constituinte Republicana. Colaborou no Mosquito e na Revista


Ilustrada, de Angelo Agostini. Em 1898, nomeado bibliotecário
do Senado Federal.

Na seção “Comentários” de seu post “brasil, meu brasil brasileiro”, publicado


em 16/09/2009, Bottman levanta a hipótese de que Luis de Andrade seja, na verdade,
um pseudônimo:
quanto a luís de andrade, que realmente parece não ter deixado
maiores rastros, e como a utopia saiu inicialmente pela atena
editora, do militante antifascista pietro petraccone, eu não
descartaria totalmente a hipótese de se tratar de um pseudônimo
de algum militante trotskista, como era o caso de "paulo m.
oliveira" e de "blásio demétrio", respectivamente aristides lobo e
fúlvio abramo, traduzindo clássicos na prisão para a editora.

Tanto a biografia deste tradutor quanto a história de sua tradução da Utopia, e


mesmo a recepção desta obra no século XIX brasileiro ainda estão por ser devidamente
estudadas.
A Utopia também foi traduzida por Anah Melo Franco e publicada em 1980 na
Coleção Clássicos IPRI (Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais), pela editora
da UnB, de Brasília, com apresentação de Afonso Arinos de Melo Franco e a
informação da edição usada pela tradutora: Utopie, traduzida por P. Grunebaum Ballin
(não há a informação da língua de partida da tradução de Ballin, se latim ou inglês),
Paris: Albin Michel, 1935. A segunda edição, de 2004, traz uma nota dos editores, os
quais informam ter sido a tradução revisada mediante o cotejo com as edições W. W.
Norton & Company (1992) e a da Cambridge University Press (1995). Essa reedição
traz também, além da apresentação de A. A. de M. Franco, um prefácio de João Almino.
Jefferson Luiz Camargo e Marcelo Brandão Cipolla são os tradutores da edição
da Utopia publicada pela WMF Martins Fontes, uma tradução da edição dos Clássicos
Cambridge de filosofia política, a partir do inglês. A primeira e a segunda edição datam
de 1993 e 1999. A terceira edição, “revista e ampliada”, de 2009.
A Utopia também foi traduzida pelo poeta Paulo Neves e publicada pela L&PM
em 2000. Essa edição não traz a informação sobre a língua de partida.
Outras editoras, como Martin Claret, Rideel ou Escala reeditaram, em geral de
forma equívoca, a tradução, acima citada, de Luís de Andrade, e a tradução portuguesa
de Maria Isabel Gonçalves Tomás, publicada na série Livros de bolso da editora
Europa-América (Porto).
Vejamos alguns cotejos.
Os dois primeiros trechos encontram-se no blog já citado de Denise Bottman. A
eles acrescentamos a tradução atribuída a Ciro Mioranza.

1. Luís de Andrade
Rafael Hitlodeu (o primeiro destes nomes é o de sua família)
conhece bastante bem o latim e domina o grego com perfeição.
O estudo da filosofia ao qual se devotou exclusivamente, fê-lo
cultivar a língua de Atenas de preferência à de Roma. E, por
isso, sobre assuntos de alguma importância, só vos citará
passagens de Sêneca e de Cícero. Portugal é o seu país. Jovem
ainda, abandonou seu cabedal aos irmãos; e, devorado pela

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paixão de correr mundo, amarrou-se à pessoa e à fortuna de


Américo Vespúcio. Não deixou por um só instante este grande
navegador, durante as três das quatro últimas viagens, cuja
narrativa se lê hoje em todo o mundo. Porém, não voltou para a
Europa com ele. Américo, cedendo aos seus insistentes pedidos,
lhe concedeu fazer parte dos vinte e quatro ficaram nos confins
da Nova-Castela. Foi, então, conforme seu desejo, largado nessa
margem; pois, o nosso homem não teme a morte em terra
estrangeira; pouco se lhe dá a honra de apodrecer numa
sepultura; e gosta de repetir este apotegma: o cadáver sem
sepultura tem o céu por mortalha; há por toda a parte caminho
para chegar a deus. Este caráter aventureiro podia ter-lhe sido
fatal, se a Providência divina não o tivesse protegido. Como
quer que fosse, depois da partida de Vespúcio ele percorreu,
com cinco castelhanos, uma multidão de países, desembarcou
em Taprobana, como por milagre, e daí chegou em Calicut, onde
encontrou navios portugueses que o reconduziram ao seu país,
contra todas as expectativas.

2. "Heloísa da Graça Burati"


Rafael Hitlodeu (o primeiro destes nomes é o de sua família)
conhece bastante o latim e domina o grego com perfeição. O
estudo da filosofia, ao qual se dedicou exclusivamente, fez com
que ele cultivasse a língua de Atenas de preferência à de Roma.
E, por isso, sobre assuntos de alguma importância, só vos citará
passagens de Sêneca e de Cícero. Portugal é o seu país de
origem. Jovem ainda, deixou suas propriedades aos cuidados
dos irmãos e, devorado pela paixão de correr mundo, amarrou-se
à pessoa e à fortuna de Américo Vespúcio. Não deixou por um
só instante este grande navegador, durante três das quatro
últimas viagens, cuja narrativa é conhecida hoje em todo o
mundo. Porém, não voltou para a Europa com ele. Américo,
cedendo aos seus insistentes pedidos, concedeu-lhe fazer parte
dos 24 homens que ficaram nos confins da Nova-Castela. Foi,
então, conforme seu desejo, largado nessa margem, pois o nosso
homem não teme a morte em terra estrangeira; pouco lhe
importa apodrecer numa sepultura; e gosta de repetir estes
provérbios: ‘O cadáver sem sepultura tem o céu por mortalha’, e
‘há por toda a parte caminho para chegar a Deus’. Este caráter
aventureiro podia ter-lhe sido fatal, se a providência divina não
o tivesse protegido. Seja como for, depois da partida de
Vespúcio ele percorreu, com cinco castelhanos, uma multidão
de países, desembarcou em Taprobana, como por milagre, e daí
chegou em Calicute, onde encontrou navios portugueses que o
reconduziram ao seu país, contra todas as expectativas.

3. “Ciro Mioranza”
Esse Rafael Hitlodeu (o primeiro é seu nome, enquanto o
segundo é seu sobrenome) conhece bastante bem o latim e

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domina o grego com perfeição porque o estudou com particular


empenho. Tendo-se devotado ao estudo da filosofia, acreditava
que nada de importante existe no latim a respeito dessa matéria,
anão ser algumas passagens de Sêneca e de Cícero. Nascido em
Portugal, deixou a herança a que tinha direito a seus irmãos e,
devorado pela paixão de correr mundo, juntou-se a Américo
Vespúcio durante as três das suas quatro últimas viagens, cuja
narrativa se lê hoje em todo o mundo. Acompanhou-o sempre,
mas não voltou para a Europa com ele. Américo, cedendo a seus
insistentes pedidos, autorizou-o a fazer parte desses Vinte e
Quatro que, no final da última expedição, foram deixados numa
fortaleza. Aí ficou porque assim o desejava, como homem que
se preocupa mais em correr mundo do que em saber em que
local será enterrado e repete seguidamente com prazer: “na falta
de urna funerária, qualquer cadáver tem o céu por mortalha” e
“De qualquer ponto que se parta, para chegar aos deuses o
caminho é o mesmo.” Este caráter aventureiro podia ter-lhe
custado caro se Deus não o tivesse protegido. Como quer que
fosse, depois da partida de Vespúcio ele percorreu um grande
número de países com cinco de seus companheiros da fortaleza.
Como por milagre desembarcou em Taprobana e daí chegou a
Calcutá, onde não teve dificuldades em encontrar navios
portugueses que o reconduziriam, contra todas as expectativas, a
seu país.

As traduções atribuídas a Heloísa da Graça Burati (ed. Rideel) e a Ciro Mioranza


(ed. Escala) parecem ser meras alterações do texto de Luís de Andrade. Essa hipótese se
reforça se a ela somamos as várias análises e informações acerca de traduções espúrias
assinadas por Heloísa da Graça Burati (às vezes encontramos Buratti) e Ciro Mioranza,
publicadas por Bottman em seu blog.
Fato curioso: a editora Escala também publicou exemplares de A Utopia com a
tradução de Luís de Andrade (a mesma publicada pela Ediouro/Edições de Ouro, com
prefácio de M. B. Lopes). Caso semelhante ocorre com outra editora, conhecida por
publicar traduções espúrias. Na edição da Utopia publicada em 2004 pela Martin Claret
lê-se na primeira página: “Tradução: Pietro Nassetti”. Na edição de 2008, temos
“Tradução e notas: Maria Isabel Gonçalves Tomás”. A edição de 2004, porém, reproduz
ipsis litteris o texto da tradução de Maria Isabel Gonçalves Tomás, cuja tradução da
Utopia foi publicada pela portuguesa Publicações Europa-América, conforme dissemos
acima. Ironia involuntária é o fato de as duas edições da Martin Claret trazerem o selo
da ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos) na mesma página em que
se lê o nome do tradutor: “Respeite o direito autoral. Cópia não autorizada é crime.”

Referências Bibliográficas

BOTTMAN, Denise. www.naogostodeplagio.blogspot.com.br. Último acesso em


20/11/2012.

KYTZLER, Bernhard. “Utopia”. In: Brill’s New Pauly. Antiquity volumes edited by:
Hubert Cancik and Helmuth Schneider. Brill Online, 2012. Reference.

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Universitaetsbibliothek Heidelberg. Acessado em 04/08/2012.


http://referenceworks.brillonline.com.ubproxy.ub.uni-heidelberg.de/entries/brill-s-new-
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MILLER, Clarence. The English translation in the Yale Utopia: some corrections.
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Complete Works of St. Thomas More, vol. 4. New Haven and London: Yale
University Press, 1965.

MORE, Thomas. Utopia: a revised translation, backgrounds, criticism. Translated and


edited by Robert Adams. 2nd ed. New York/ London: W.W. Norton & Company, 1992.

MORE, Thomas. Utopia. A New translation with an introduction by Clarence H.


Miller. New Haven: Yale University Press, 2001.

MOORE [sic], Thomas. A Utopia. Tradução e prefácio de Luiz de Andrade. Rio de


Janeiro: Athena, 1937.

MORUS, Thomas. A Utopia. Tradução de Luís de Andrade. Prefácio do prof. Mauro


Brandão Lopes. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d.

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MORE, Thomas. Utopia. Organização G.M. Logan e R.M. Adams. Tradução Jefferson
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Paulo: Martin Claret, 2008.

MORE, Thomas. Utopia. S.e.: Publicações Europa-América, s.d.

MORUS, Thomas. A Utopia. Prefácio Prof. Mauro B. Lopes. Tradução: Luís de


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MORE, Thomas. Utopia. Tradução: Heloísa da Graça Buratti. São Paulo: Rideel, 2005.

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MORUS, Thomas. A Utopia. Prefácio Prof. Mauro B. Lopes. Tradução: Luís de


Andrade. São Paulo: Edições de Ouro, 1966.

MORE, Thomas. L’Utopie. Présentation, texte original, apparat critique, exegèse,


traduction et notes de André Prévost. Paris: Mame, 1978.

MORE, Thomas. L’Utopie ou Le Traité de la meilleure forme de gouvernement. [1ª


ed. 1936] Texte latin édité et traduit par Marie Delcourt avec des notes explicatives et
critiques. Genève: Droz, 1983.

MORE, Thomas. L’Utopie ou Le Traité de la meilleure forme de gouvernement.


Traduction de Marie Delcourt. Présentation et notes par Simone Goyard-Fabre. Paris:
Flammarion, 1987.

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