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Este texto apresen-

ta um caso de uma
O AUTISTA DIANTE
criança atendida no
Lugar de Vida e su-
pervisionado por Al-
DA PALAVRA:
fredo Jerusalinsky.
Aborda-se a relação
da criança autista com
UM CASO
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a demanda do outro.
SUPERVISIONADO
THE AUTISTIC CHILD
FACING THE WORD:
A CONTROLED CASE
This paper presents
a case of a child in
treatment in Lugar de
Vida and controled by Alfredo Jerusalinsky
Alfredo femsalinsky.
The relation between
the child and the
other's demand is dis-
cussed.
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Equipe; Queremos falar de J o ã o , uma criança para
q u e m o e s p a ç o d o Educacional é muito difícil, é o tipo
d e e n q u a d r e q u e t e m as r e g r a s m a i s definidas, as
atividades pré-determinadas. E u m a criança q u e muitas
vezes p e n s o q u e n ã o deveria estar nesse grupo.
Equipe: E, desse jeito que a montagem está colocada,
não tem opção.
Equipe: M a s será q u e isso s ó o c o r r e c o m ele? E
c o m as outras crianças?
Equipe: É a criança q u e fica mais distante. Não sei
se seria clinicamente indicado q u e ele faça parte desse
grupo. É uma coisa para pensar, m e ocorre isto sempre.
E uma criança que sempre que a gente faz qualquer tipo
de demanda, principalmente demandas e m que a palavra
está colocada, parece violento para ele, ele grita, ele s e
m o r d e . É u m a atividade e m q u e e l e p a r e c e n ã o ter
interesse, a gente fica c h a m a n d o para a atividade, e a
c e n a s e repete; dá c h u t e na parede, q u e b r a vidro, s e
morde... enquanto e m outros espaços e m que o enquadre
é mais frouxo, vamos dizer, ele aceita...

• Psicanalista membro da Associação Psicanalítica de


Porto Alegre e da Association Freudienne Internationale.
Diretor do Centro Lydia Coriat de Porto Alegre e de
Buenos Aires.
Jerusalinsky: Por favor, descreva-me mais essa atividade.
Equipe: É o q u e a gente chama de Educacional. Esse grupo
tem u m enquadre mais parecido c o m o escolar: c o m atividade
dirigida, tem c h a m a d a . . .
Equipe: Tem uma demanda.
Equipe: P o r e x e m p l o , a gente, durante muito t e m p o , fez
trabalhos e m cima dos nomes das crianças, ou c o m letras móveis
o u fazendo c o n t o r n o , a i n t e n ç ã o era m o n t a r o n o m e . Foi u m
t e m p o grande e m q u e a gente trabalhou a escrita d o n o m e . No
final fazemos uma chamada, e m que aparece o n o m e deles e e m
q u e eles s ã o c h a m a d o s a fazer u m a assinatura, u m a marca, de
c a d a um. U l t i m a m e n t e , a g e n t e t e m t r a b a l h a d o m u i t o c o m
desenho, c o m materiais diferentes; hoje, por exemplo, a proposta
era fazer d e s e n h o c o m d u r e x coloridos. É s e m p r e c o m u m a
atividade q u e a g e n t e já traz m e i o d e t e r m i n a d a , n ã o é u m a
atividade e m q u e a criança abre o armário e e s c o l h e o q u e ela
quer fazer, é uma coisa que a gente pensa e m função do que vem
a p a r e c e n d o n o grupo; então, é dirigida, e diferente dos outros
espaços q u e são u m p o u c o mais livres.
Equipe: Parece q u e este enquadre fica mais invasivo para
ele, n ã o é? Ele reage...
Equipe: É porque neste grupo existem outras crianças q u e
estão mais próximas da letra, então, o contraste fica maior.
Equipe: A c h o q u e este é u m outro ponto, as diferenças nos
grupos.
Equipe: Eu n ã o sei se a m o n t a g e m amarra tanto. Imagino
que a gente até pudesse introduzir o trabalho de u m adulto saindo
c o m determinada criança num certo momento. Mas o q u e v o c ê
traz é mais sério, isso de oferecer enquadres duros para crianças
q u e n ã o q u e r e m saber disso. Acho q u e esse é o ponto.
Equipe: Por e x e m p l o , n o c a s o de u m autista b e m autista,
n ó s a c h a m o s q u e e l e tinha d e sair d o g r u p o e ir s ó p a r a o
a t e n d i m e n t o individual, p o r q u e a g e n t e viu q u e realmente o
grupo s ó produzia efeitos ruins.
Equipe: A c h o que, neste ponto, o J o ã o é uma criança difícil,
porque tem m o m e n t o s e m q u e ele topa o trabalho, tem
m o m e n t o s e m q u e parece violento, é mais difícil pensar.
Equipe: Não é sempre q u e a o ser interpelado ele responde
dessa maneira.
Equipe: Estou lembrando, na sexta-feira nós discutimos isso
t a m b é m . A AMA diz q u e n ã o s e d e v e falar c o m o s autistas,
porque eles ficam muito perturbados. Na AMA n ã o falam. Fico
pensando que isso deve ser fruto da experiência c o m uma criança
para q u e m isso era problema, e foi generalizado. Não q u e ele
seja u m autista, e s t a m o s d i z e n d o q u e p a r a e l e é m e s m o
complicado...
Equipe: Isso é que eu a c h o u m mistério, fico m e debatendo,
afinal, o q u e é q u e faz c o m q u e e m alguns m o m e n t o s , a o ser
interpelado, isso provoque uma reação de arrebentamento, ele
se morde, grita, joga cadeira n o chão... U m a vez a m ã e estava
vindo c o m ele para cá, ele s e m p r e pára antes de atravessar a
rua, vinha vindo u m ônibus, e ela disse: "Espera aí, espera o
ônibus passar". E foi o suficiente para ele explodir. No trabalho
individual, n a s e m a n a passada, e u v i n h a f a z e n d o b a s t a n t e
interferência c o m ele. Ele p e g o u a argila, c o m e ç o u a mexer,
fazer marcas na argila, eu peguei u m palitinho e escrevi J o ã o na
argila dele, ele permitiu, compartilhou aquele p e d a ç o de argila
comigo, e eu pude escrever J o ã o , ele olhou, continuou. Daí fui
tentar fazer alguma forma c o m ele. Isto podia ser extremamente
invasivo para ele, e n ã o , e l e foi t o p a n d o , t o p a n d o , e f o m o s
construindo de u m jeito b e m diretivo.
Mas e m u m m o m e n t o e l e estourou. Ele p ô s o d e d o n a
boca, e eu disse (mansamente): n ã o p õ e o d e d o sujo na b o c a .
E então ele c o m e ç o u a bater cadeira, chutar, gritar, até a hora
e m q u e eu falei bom... p o d e m o s voltar a trabalhar? Ele parou
na hora.
Jerusalinsky: Quer dizer que o problema não é a palavra. É
a interdição.
Equipe: T a l v e z o p r o b l e m a n ã o seja o e n q u a d r e d o
educacional, sejam as interdições q u e se fazem nessa hora.
Jerusalinsky: D i g o p o r q u e a AMA diz q u e a palavra n ã o
deve ser usada. Nós p o d e m o s escutar isso q u e os pais [da AMA]
dizem, o u f a z e r m o - n o s surdos diante disso, m a s e u prefiro
escutá-los e tentar entender: por que que eles dizem semelhante
coisa? Eu n ã o sei p o r q u e q u e dizem, m a s v a m o s formular
algumas hipóteses.
Equipe: Nós f o r m u l a m o s e f o m o s na seguinte direção:
talvez n ã o a interdição, mas a demanda seja vivida c o m o u m a
demanda invasiva.
Jerusalinsky: A demanda do Outro.
Equpe: Nós chegamos aqui.
Jerusalinsky: É assim, seguramente é assim. Por q u e razão
o s pais atribuem à palavra essa reação perturbada, c o m o se a
palavra f o s s e e l a m e s m a a c a u s a d e s s a p e r t u r b a ç ã o ? D i g o
porque é interessante escutar isso, porque está exatamente n o
avesso de nossas convicções, da postura analítica. A clínica tal
c o m o a lemos tende a nos demonstrar que, quando a palavra é
introduzida, n o lugar de produzir u m a precipitação d o ato, ela
o desvia, o desloca. Isto que os pais dizem é exatamente o avesso
de nossa postura, por isso m e s m o é q u e tal coisa t e m grande
interesse para nós, por estar n o avesso.
V a m o s s u p o r q u e fosse v e r d a d e o q u e o s pais d i z e m e
q u e , c a d a v e z q u e a l g u é m fala c o m o autista, o autista fica
enraivecido. Isso poderia ser porque o autista percebesse, p o r
exemplo, que a palavra tem uma incidência n o mundo, modifica
atitudes das pessoas, o sofrimento, a posição das coisas, e ele,
v a m o s supor, p a d e c e de algum mais imediata que aparece elimina
transtorno central, talvez, patognomônico qualquer possibilidade subjetiva sobre
do autismo, próprio do quadro o devir deste sujeito e m questão, e isso
autístico, q u e o impede d e partilhar d o d e s e m b a r a ç a totalmente o s pais da
c ó d i g o da l i n g u a g e m . E, d i a n t e d a m e a d a da vida d o s filhos, u m a vida
presença deste elemento q u e entra e m evidentemente complicada, cujo ato de
jogo, desta manifestação humana, ele se se d e s e m b a r a ç a r p o u p a muitas
sabe perdido, sem c o n d i ç õ e s de se angústias e sofrimentos, e m b o r a
a p r o p r i a r d i s s o e tentar a n u l a r e s s a c o n d e n e m o filho a o ostracismo, uma
manifestação. espécie de prática de ermitão, ainda que
V a m o s s u p o r q u e e s s e seja o rodeado de pessoas.
motivo, n ã o é totalmente insensato Se assim fosse, ou seja, essa hipó-
supor isso porque crianças c o m disfasias tese de uma disfasia originária, q u e n ã o
podem ter esse tipo de reação. Nos casos é rara de acontecer n o autismo, ou seja,
d e disfasias g r a v e s c o n g ê n i t a s , n ó s nós encontramos crianças autistas c o m
assistimos a u m a reatividade diante da transtornos severos específicos d e lin-
i m p l e m e n t a ç ã o d a língua. Q u a n d o a guagem. Efetivamente há uma correla-
criança já chega a uma idade de 5,6 anos, ç ã o alta entre autistização e surdez, o
o u seja, b e m saída da fase especular, que demonstra q u e se trata de uma par-
reage quebrando o espelho, lugar e m que ticular posição e m relação à linguagem
se supõe que elas sejam sujeitos de uma e m que o sujeito fica excluído dela e que
linguagem e que, c o m o não o podem ser, isto é constituinte d o autismo. Podemos
batem, quebram. fazer essa afirmação e m u m a propor-
Se isso fosse assim, ainda teríamos ç ã o significativa dos casos. O q u e n ã o
o problema clínico q u e evidentemente s a b e m o s é se isso aparece primária ou
o s pais n ã o s e c o l o c a m , e q u e é o d e secundariamente e s a b e m o s q u e a clí-
c o m o fazer permeáveis essas crianças nica parece n o s indicar q u e às vezes é
à língua, porque sabemos que s e m essa primariamente, às vezes é secundaria-
permeabilidade à língua, sua chance de mente, o q u e n o s leva a pensar q u e a
participação no m u n d o é muito constituição d e u m a p o s i ç ã o autística
p e q u e n a e sua autonomia subjetiva vai está caracterizada por essa posição e m
ser quase zero. Portanto, essas soluções relação à linguagem, independentemente
que diante disso os pais tendem a adotar de ser primária ou secundária.
são reforçadas pelas c o l o c a ç õ e s Agora, que os pais c h e g u e m à
comportamentalistas d e resolver isso convicção d e q u e é a palavra q u e per-
pela via de uma série de comportamentos turba, poderia ser u m a c o n s e q ü ê n c i a
automáticos, maquínicos, e que oferecem d e q u e r a r a m e n t e o s pais e x e r c e m a
alguma aparência d e adaptabilidade e linguagem endereçada a o filho, a n ã o
a d a p t a ç ã o , m a i s o u m e n o s fixa. N ó s s e r s o b a forma d e u m a d e m a n d a . É
s a b e m o s q u e essa é u m a s o l u ç ã o q u e raro o u s o da l i n g u a g e m , da fala en-
cancela qualquer chance do que d e r e ç a d a a o s filhos e q u e n ã o confi-
denominamos cura, que é precisamente gure u m a d e m a n d a . Q u a n d o o s pais
Cura? a encarnação de u m sujeito por mínimo falam c o m o s filhos " c o m p o r t e - s e
que seja. b e m " , "sente direito", "vamos c o -
É claro que podemos nos mer", "é h o r a d o b a n h o " , "fez a s u a
p e r g u n t a r p o r q u e r a z ã o o s pais s e lição?", "bota a tiara", "qual é o v e s -
inclinam a tal escolha, acoplam-se a tal tido q u e v o c ê vai querer botar hoje?",
i n t e r p r e t a ç ã o das c o i s a s . A r e s p o s t a " v a m o s j o g a r f u t e b o l ? " , " v o c ê vai


brincar?", p o r mais q u e sejam pergun-
tas, são demandas.
Equipe: Grande parte das falas dos
pais são demandas.
Equipe: Não só dos pais.
Equipe: Haveria uma fala q u e n ã o
contivesse demanda?
Jerusalinsky: Isso e m relação a o s
filhos?
Equipe: Não, de m o d o geral.
Jerusalinsky: Claro que há. Pode se
tranqüilizar, q u e existem coisas, c o m o ,
por exemplo, estas, que não constituem
nenhuma demanda.
Equipe: Estas?
Jerusalinsky: Isto que estou dizendo
agora.
Equipe: Não, v o c ê p e d e q u e seja
escutado, pede reconhecimento, pede
aval...
Equipe: T o d a fala s u p õ e a l g u m
nível de demanda.
Jerusalinsky: É verdade que toda fala
pode ser tomada n o campo da demanda.
No mínimo, que seja escutado. Por
e x e m p l o , q u a n d o v o c ê diz " c h o v e " ,
t u d o b e m , v o c ê p o d e t o m a r isto n o
c a m p o da demanda, uma demanda de
s e r e s c u t a d o . A g o r a , s e v o c ê diz
"chove", e o outro lhe r e s p o n d e "por
q u e v o c ê está m e d i z e n d o isto?", aí
efetivamente v o c ê está tomando a fala
d o o u t r o n o c a m p o da d e m a n d a . É
evidentemente um deslizamento
neurótico.
Equipe: Talvez a mãe do autista não
tenha intenção.
Jerusalinsky: Efetivamente.
Equipe: Seria o inverso disso de que
você está falando.
Jerusalinsky: Efetivamente.
Equipe: N ó s d e m a n d a m o s d o s
filhos, dos outros: "Me escute". E a m ã e
d o autista, talvez seja o inverso, n ã o
demande nada.
Jerusalinsky: Sim. É pior do que isso.
Segundo o que escrevi - e continuo
c o n v e n c i d o disso - n u m texto sobre o
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a u t i s m o q u e s e c h a m a "A i n f â n c i a d o r e a l " , a m ã e
d e m a n d a nada d o a u t i s t a . Q u e é d i f e r e n t e d e n ã o
demandar nada. A m ã e d e m a n d a nada.
Equipe: Q u e fique fora.
Jerusalinsky: É.
Equipe: Que não m e escute.
Jerusalinsky: Q u e aí onde ele está, fique nada.
Equipe: N ó s f a z e m o s o i n v e r s o c o m o J o ã o . N ó s
demandamos dele.
Equipe: D á para pensar por aí, na explosão d o J o ã o para ele
se manter n o nada q u a n d o se demanda alguma coisa para ele.
Jerusalinsky: É por aí. Mas vamos devagar. Q u e r o chegar a
i s s o a t r a v é s d e u m c e r t o c a m i n h o . Às v e z e s , q u a n d o
precipitamos as c o n c l u s õ e s , n o s p o u p a m o s d e explorar u m a
série d e transformações, q u e s ã o necessárias para p o d e r m o s
o p e r a r clinicamente. Prefiro ir p a s s o a passo, p o r q u e p a s s o a
passo encontramos o s passos da d e s m o n t a g e m disso q u e está
montado. Então, requer certa paciência, é mais trabalhoso, mas
é mais frutífero.
B o m , dizia q u e justamente o q u e costuma a c o n t e c e r c o m
os pais e m relação a suas crianças. Para responder u m pou-
c o à sua questão, q u a n d o e u digo a u m a d e minhas filhas
"que bonita q u e tu estás", evidente q u e ela p o d e tomar isto
c o m o u m a d e m a n d a d e estar bonita, m a s t a m b é m p o d e to-
mar isto c o m o r e c o n h e c i m e n t o . Não sei c o m o vai ser quan-
d o elas forem adultas, d e repente, v ã o dizer: "Meu pai n ã o
aceitava q u e e u n ã o estivesse bonita". Isso vai ficar d o lado
d e u m a demanda, o u v ã o dizer: "Ah, m e u pai era muito ad-
mirador n o s s o , p o r q u e n o s dizia q u e estávamos bonitas,
n ã o faltava r e c o n h e c i m e n t o " . Ou, v a m o s supor, s e h o u v e s s e
u m a histeria clínica: "Meu pai n u n c a deixava d e n o s olhar
c o m olhar c o n c u p i s c e n t e , o u seja, d e manifestar o seu dese-
jo". Então ali, haveria u m a demanda, e a l é m d o mais u m
desejo, e o desejo erotizado, etc., etc. Ou, p o r e x e m p l o , quan-
d o v o c ê diz u m a frase p o u c o comprometida, v a m o s supor
q u e v o c ê diga: " S e m velocidade, n ã o t e m gozo", u m a frase
atual! N ã o está dirigida a ninguém, é u m a interpretação dos
t e m p o s aaiais. E, mais q u e u m a demanda, pareceria ser u m a
queixa. P e l o m e n o s d e minha parte. O u p e l o m e n o s u m a
crítica. Por q u e haveria d e gozar d e m o d o veloz? Por q u e
tudo t e m d e ser tão veloz? Claro, toda q u e i x a é u m a deman-
da, e essa é d e q u e seja mais lento. Mas veja ali: a queixa
produz u m a inversão da demanda, e n t ã o n ã o é u m a deman-
da direta. T a m b é m n ã o é u m a d e m a n d a d e nada, d e tal for-
m a q u e a histerização da d e m a n d a permite a inversão da
p o s i ç ã o d o sujeito, q u e é própria d e sua constituição. Por
isso é q u e Lacan e Freud dizem q u e a constituição d o sujeito
passa pela histeria o u pela histerização, justamente p o r q u e
s e trata d e d e s m e n t i r o q u e o o u -
tro s u p õ e : "Não, n ã o é b e m isso,
m e u filho, é q u e ... n ã o sei o q u ê ,
a tua m ã e , b l á , b l á , b l á , b l á " . A
g e n t e p o d e dizer q u e a histérica
sempre passava n e g a n d o o que m e
pedia, e lembrando o que n ã o de-
via lembrar, e e s q u e c e n d o o q u e
d e v e r i a lembrar. E p o i s a q u e i x a
q u e a g e n t e t e m c o n t r a t o d a s as
m u l h e r e s . P a s s a m a vida t o d a s e
q u e i x a n d o , o u seja, d e m a n d a n d o
o i n v e r s o d o q u e d e m a n d a m d e di-
reito, q u e i x a n d o - s e d e q u e n ã o e n -
t e n d e m o s que, na verdade, o q u e
q u e r e m é o inverso, de q u e n ã o é
assim, e t c , e t c . É o f o l c l o r e e m re-
l a ç ã o à f e m i n i l i d a d e , o u seja, f i c a m
lembrando o que deveriam esque-
cer, e s q u e c e n d o o q u e d e v e r i a m
lembrar, o q u e faltou, e s q u e c e n d o
o q u e h o u v e , e a s s i m vai. A q u e i -
xa feminina e m relação aos ho-
m e n s é o c o n t r á r i o : o s h o m e n s fi-
cam fazendo sempre a m e s m a coi-
sa, d i g a m o s q u e a b o r r e c e m . F i c a m
s e m p r e b a t e n d o na m e s m a tecla,
q u e r dizer, n ã o s ã o r o m â n t i c o s ,
não inventam novelas, não sedu-
zem, não armam cenas, não geram
n o v i d a d e s , n ã o c h e g a m c o m sur-
presas. C h e g a m t o d o s os dias à
m e s m a h o r a d o t r a b a l h o , tiram o
sapato, c o l o c a m os chinelos, sen-
t a m p a r a v e r t e l e v i s ã o , l ê e m o jor-
nal e v ã o p a r a a c a m a . E a i n d a p o r
c i m a q u e r e m transar. S e m p r e a
m e s m a coisa, é um saco, querem
transar t o d o s o s dias, e g e r a l m e n -
te à m e s m a h o r a e d o m e s m o jeito.
E n e m trocam de pijamas.
Em tudo p o d e m o s encontrar
uma demanda, mas a demanda tem
u m viés, u m deslize, u m a p o s i ç ã o
q u e n ã o é totalmente uniforme, per-
manente. Há m o m e n t o s e m q u e to-
m a r c o m o d e m a n d a certa e n u n c i a -
ção, por exemplo, os "chove" ou
esta frase s o b r e a v e l o c i d a d e , é da
o r d e m da n e u r o s e clínica. S e d i g o
"não tem g o z o s e m velocidade", e
o o u t r o m e r e s p o n d e "e o q u e q u e r
q u e e u faça? V o c ê s e m p r e c o m e s -
tas q u e i x a s universais!", e v i d e n t e -
m e n t e , o o u t r o m e r e s p o n d e a par-
tir d e u m a n e u r o s e clínica, é u m
symtôme, u m p e q u e n o sintoma.
M a s t o d a e s s a s é r i e d e mati-
zes e m relação à demanda do Ou-
tro n ã o e s t á n o a u t i s m o . S e m p r e a
palavra do Outro a p a r e c e c o m o
demanda de nada, demanda de
u m n a d a aí. Esta é a p o s i ç ã o pri-
mária e m q u e o autista t o m a a p a -
lavra d o O u t r o . A t e r a p ê u t i c a faz
c o m q u e e s t a s p a l a v r a s p o s s a m ir
adquirindo certos matizes. Mas,
inicialmente, no estado puro do
a u t i s m o , e s t a palavra t e m e s t a p o -
s i ç ã o . P o d e s e r p o r q u e a palavra
c a i a n u m m a r disfásico, e e n t ã o e l a
n ã o p o d e cumprir a sua função de
recorte. P o d e ser porque este o c e -
a n o disfásico tenha a ver c o m o
m o d o e m q u e a l í n g u a foi introdu-
zida p e l o s pais, p o r q u e n a d a faz
p o n t u a ç ã o e m r e l a ç ã o a e s s e filho.
É o que acontece e m relação aos
autismos secundários a uma má
formação genética, o autismo pró-
prio da síndrome de D o w n , ou a
i n c i d ê n c i a alta d e a u t i s m o d a sín-
drome Francheschetti-Trichers-Co-
llins ( u m a s í n d r o m e q u e s e c a r a c -
teriza p e l o fato d e q u e as c r i a n ç a s
s ã o e x t r e m a m e n t e feias, s ã o m o n s -
tros, p o r q u e l h e s faltam p e d a ç o s
do rosto. Dá para ver o osso, é
u m a caveira vivente. Terrível).
Equipe: Q u a l é a p a r t i c i p a ç ã o
d a c r i a n ç a nisso? Ela é u m o b j e t o ,
t e m r e s p o n s a b i l i d a d e nisso? O c u p a
o lugar d o nada?
Jerusalinsky: N ã o tem responsa-
bilidade n e n h u m a , p o r q u e n ã o é
c o n s t i t u í d a c o m o sujeito. É o m a i s
próximo de zero de sujeito que há Down; há 30 anos a incidência de
aí. Não dá para responsabilizar traços autísticos era enorme, hoje
algo que não é o sujeito. É o mes- é banal. Fica evidente que não se
mo que responsabilizar um tigre trata de uma questão genética li-
por comer coelhos. Seria um cri- gada ao autismo, mas de uma po-
me contra os coelhos? sição de reconhecimento no cam-
Bom, neste quadro, uns 30% po da língua de um sujeito que
são surdos congênitos, por fala. Hoje os pais e os terapeutas
obstrução da via aérea. Porque estão muito mais dispostos a es-
nascem sem orelhas, tem buracos cutar nas expressões da criança
dos lados... Com a perfuração da uma fala, embora ela seja incom-
orelha, abre-se a via aérea, e ao que pleta, ou defeituosa e com dificul-
se sabe eles têm uma audição dades. Reconhecem nisso uma re-
normal, ou quase normal. Evidente presentação de um sujeito, isso faz
que estes são casos raríssimos. com que nestes casos a incidência
Encontra-se 1 em 50.000, ou seja, é de autismo seja muito menor.
uma síndrome muito rara, mais rara Não temos dúvidas de que a
que o autismo, cuja incidência é de função da palavra é importante em seu
1 em 15.000. caráter terapêutico. Em termos
Equipe: Quatro em 1 6 . 0 0 0 , clínicos, a história nos tem
entre os americanos. mostrado que se trata disto. Agora,
Jerusalinsky: De qualquer modo, é se tropeçamos com um caso, um
muito menor, mas a literatura médica quadro clínico como é o autismo,
não é muito atualizada nisso, porque a em q u e qualquer demanda do
quantidade de casos é pequena, mas Outro através da palavra é tomada
ocorre um índice altíssimo de psicose como uma demanda de exclusão, temos
e deficiência mental para essas crianças. um problema sério, pois o instrumento
Atualmente o capítulo de genética sobre em que nós confiamos para revirar as
a síndrome de Francheschetti-Trichers- coisas, e que temos para produzir uma
Collins está suspenso, eliminou-se cura, está particularmente inabilitado.
qualquer tipo de consideração sobre Isto é verdade, no estado primário do
deficiência mental e saúde mental nesse autismo é assim. A manifestação da
tipo de caso, porque os geneticistas demanda do Outro causa ao autista
estão completamente em dúvida. Há uma perturbação, um desassossego,
uns 300 casos de operados precocemente, produz uma posição de negação ativa
que atualmente contam com audição deste contato.
normal, desenvolvimento normal, Nesse sentido, o que os pais
psique normal, inteligência normal. Eu da AMA dizem não é totalmente
pessoalmente atendo um caso, desde insensato. Eles são tomados por
bebê, que chegou à puberdade sem uma conveniência de eliminação de
deficiência, sem psicose, sem autismo, responsabilidade subjetiva sobre o
sem alteração significativa. E não é que ocorre com seus filhos e aca-
porque eu faça milagres, é porque se bam conspirando contra a cura dos
trata de pôr o sujeito nessa posição, e seus filhos. E devem contribuir
não se deixar arrastar pelas aparências. para que muitas crianças que po-
A incidência de autismos nes- deriam sair do autismo acabem
ses casos é muito alta. É o mesmo não saindo. Não sabemos quantas,
que aconteceu com a síndrome de mas certamente não são poucas.
S a b e m o s a i n d a q u e b e m h a v e r i a a l g u m a s q u e n ã o sai-
r i a m d e m a n e i r a n e n h u m a . M a s c e r t a m e n t e as c r i a n ç a s
menores submetidas àqueles princípios terapêuticos são
submetidas à tendência de cronificação do autismo, ou
seja, à t e n d ê n c i a d e e s t e n d e r e firmar a s u a p o s i ç ã o , e m
lugar d e revertê-la. Esta é a r a z ã o p e l a qual e s s a c o n t r o -
vérsia d o s p a i s da AMA s e t o r n a t ã o d r a m á t i c a e t ã o dura
e m r e l a ç ã o a e l e s e e m r e l a ç ã o a o s psicanalistas, pois, s e
o s psicanalistas a f i r m a r e m a l g u m a e s p e r a n ç a d e q u e s e u s
filhos p e q u e n o s s e c u r e m , i m e d i a t a m e n t e s e a p r e s e n t a a
e l e s q u e , s e n ã o s e curarem, seria r e s p o n s a b i l i d a d e de-
les, d o s pais. Este é o imaginário deles... eles seriam imagi-
nariamente os causantes e r e s p o n s á v e i s p e l a p e r m a n ê n -
c i a d o s f i l h o s n o a u t i s m o . I s t o n i n g u é m diz, m a s o
i m a g i n á r i o d e l e s d i z , p o r q u e e l e s já s e s e n t e m c a u -
santes, e antes de mais nada precisam se desembara-
çar dessa culpabilidade.
O q u e t e m o s c o m o c e r t o é q u e q u a n d o n ã o s e tenta
não se sabe.
N o c a s o d e s t e rapaz, c e r t a m e n t e e l e já a t r a v e s s o u u m
p r o c e s s o terapêutico-clínico l o n g o , o q u e faz c o m q u e suas
m a n i f e s t a ç õ e s autísticas n ã o s e j a m t ã o primárias e t e n h a m
sofrido certa e l a b o r a ç ã o . U m a das coisas q u e n o t a m o s aqui é
q u e ele é sensível à demanda d o Outro, e que, e m lugar de fazer
c o m o u m autista faz e m seus m o m e n t o s mais típicos, o u seja,
virar as costas a q u e m demanda alguma coisa, ele ataca.
Vejam só, vou fazer u m rapidíssimo e s q u e m a , muito
esboçado, de c o m o ocorrem as coisas e m relação à demanda e à
agressivização durante o primeiro a n o de vida.
Primeiro a criança manifesta u m i n c ô m o d o corporal, algo
a perturba corporalmente. A m ã e t o m a essa manifestação d e
mal-estar, d e i n c ô m o d o , c o m o d e m a n d a , c o m o d e m a n d a da
criança. E, na verdade, a m ã e espera que o seu filho lhe demande
algo, ela demanda q u e o seu filho demande. Q u a n d o acontece
de o filho n ã o fazer nunca isso, mais tarde r e c o l h e m o s o relato
de q u e "não m e pedia nunca nada, era tranqüilo demais, dormia
muito, n ã o chorava, n ã o sabia q u a n d o tinha fome".
Q u a n d o o filho grita "buá", ela diz-. "Ah!, m e deman-
dou!" Ela já está esperando, vai interpretar c o m o d e m a n d a
qualquer coisa, o interessante é q u e a m ã e tende a interpre-
tar c o m o d e m a n d a algo q u e s e relaciona c o m o mal-estar
corporal q u e o filho efetivamente manifesta, ou seja, r e c o -
n h e c e q u e aí há dor d e barriga, há fome, etc. B o m , q u a n d o
a m ã e t o m a c o m o demanda, o filho a p r e n d e a demandar. Se
u m a criança p e q u e n a , d e uns 4 o u 5 m e s e s , gritar de noite, e
a m ã e vier, ela rapidamente aprenderá q u e , s e gritar durante
a noite, a m ã e virá. E a m ã e diz: "Ele aprendeu q u e eu res-
p o n d o , e u caí na armadilha!" Há u m a subjetividade forte aí:
"Ele foi u m espertinho, u m arteiro e astucioso, fez u m plano
criminoso para n ã o m e deixar dormir!"
B o m , mas ainda ocorre o seguinte: assim c o m o o
filho p e r c e b e q u e a m ã e r e s p o n d e à s u a d e m a n d a , e l e
percebe que a mãe também demanda. O b e b ê aprende a
l e r e s t e s p e q u e n o s s i g n o s da d e m a n d a d o O u t r o . E l e
c o m e ç a assegurando-se de q u e o outro responda à sua
d e m a n d a , ao m o l d a r as suas m a n i f e s t a ç õ e s . E
precisamente quando a criança se modela à imagem q u e
o o u t r o e s p e r a d e l a q u e e l a e n t r a n a fase e s p e c u l a r . É o
m o m e n t o e m q u e entra e m u m a d i m e n s ã o narcísica
primária, a o sair do a u t o - e r o t i s m o e entrar n e s s a
d i m e n s ã o , n e s s a b o r d a . É aí q u e e l e está a t e n t o à
d e m a n d a d o O u t r o para s e c o l o c a r p r e c i s a m e n t e n a mira
d e s s a d e m a n d a . É q u a n d o e l a b a t e p a l m i n h a s , sorri,
enfim, faz g r a c i n h a s , faz as c o i s a s q u e t o d a s as c r i a n ç a s
f a z e m p a r a n o s seduzir. A c r i a n ç a s e faz olhar, e está
s e m p r e a t e n t a p a r a s e c o l o c a r n a mira d o o l h a r d o O u t r o .
Esse m o v i m e n t o força u m a passagem: a criança q u e
inicialmente estava numa p o s i ç ã o de suposta
d e m a n d a n t e a g o r a é c o l o c a d a n a p o s i ç ã o d e ter q u e
responder à d e m a n d a d o Outro para se assegurar de
q u e a sua d e m a n d a seja r e s p o n d i d a p e l o O u t r o . C o m o
fazer isto? Ela t e m d e ter u m a r e p r e s e n t a ç ã o p e r m a n e n t e
n o c o r p o d o O u t r o . O u seja, ela t e m d e estar r e p r e s e n t a d a
n o O u t r o . P o r q u e s e e l a ficar à m e r c ê d o a l e a t ó r i o d a
d e m a n d a d o O u t r o , q u e garantias terá?
É aí q u e c o m e ç a a s e agressivizar a relação: a criança c o m e ç a
a morder a mãe, a arranhar, a se queixar de u m m o d o angustioso
e ativo, a exigir d o Outro u m a presença. É nesse período q u e a
mãe diz: "Não posso nem ir à cozinha, que ela já c o m e ç a a chorar!
N ã o p o s s o n e m sair d o q u a r t o , n ã o p o s s o n e m fazer x i x i
tranqüila". B o m , aqui se produz a agressivização primária.
O s autistas g e r a l m e n t e v i v e m isso tardiamente. P o r é m ,
q u a n d o u m b e b ê de 9 m e s e s m o r d e é u m a coisa, q u a n d o u m
guri de 9 anos morde o terapeuta, é outra. Está claro? A força, a
lesão que causa. Ele está nesse momento de agressivização. Vocês
s a b e m q u e a saída primária d e u m autista d e seu i s o l a m e n t o
absoluto é atravessada muitas vezes p e l o beliscão, pela
mordida... n o terapeuta.
Equipe: Coincide c o m u m momento de estabelecimento de
u m outro tipo de vínculo entre ele e a mãe...
Jerusalinsky: E s s e rapaz, p o r a l g u m m o t i v o , c o n t i n u a
recebendo a palavra c o m o demanda de exclusão, quer dizer que,
q u a n d o se acentua a demanda d o Outro, ele precisa invertê-la.
O ú n i c o m é t o d o q u e c o n h e c e para tal é cavar u m b u r a c o n o
c o r p o d o Outro, ou fazer u m b u r a c o n o e s p e l h o , q u e b r a r as
coisas, entende? Ele faz u m a escavação o n d e está representado.
Q u e m q u e b r o u isto? J o ã o . Q u e m d o transitivo p o r p a r t e d o sujeito.
o mordeu? J o ã o . Q u e m quebrou A AMA m o n t a a i n s t a l a ç ã o d e u m
esta m e s a ? J o ã o . transitivo p o r p a r t e d o O u t r o . O
Equipe: As c r i a n ç a s d o g r u p o sujeito n ã o t e m n a d a a v e r c o m
l ê e m isto m u i t o b e m . isso.
Jerusalinsky: Então, a pergunta Os comportamentalistas que
c l í n i c a é: se isso for v e r d a d e , trabalham c o m lingüística dizem
representa uma hipótese de que também trabalham c o m um
trabalho. O problema c o m os Outro, c o m o Outro social. E há
autistas é q u e n ã o p o d e m o s ter um engano, não digo um e n g a n o
interpretações certas, apenas m a l - i n t e n c i o n a d o , mas há um
hipóteses de trabalho, pois, c o m o equívoco, porque, certamente, não
eles não nos respondem, não estão é d o m e s m o O u t r o q u e f a l a m o s , e,
n o c a m p o da l i n g u a g e m , o u a s u a se nessa criança houver uma
participação no campo da adaptação à ordem do social e esse
linguagem é muito pobre, é muito trânsito tiver sido p r o d u z i d o p e l o
difícil antecipá-la em uma comportamentalista, e s s a a d a p t a ç ã o
interpretação verbal. A antecipação à o r d e m d o s o c i a l é fixa, n ã o t e m
corre por nossa conta, o risco é u m s u b j e t i v i d a d e e m j o g o , o u seja, n ã o
tipo de a n t e c i p a ç ã o aberta, há u m sujeito q u e a suporte. O
diferente d o q u e a c o n t e c e c o m a t e r a p e u t a é a garantia.
antecipação comportamentalista, É c o m o aquela piada do cachorro
que é uma antecipação que conduz d e Pavlov q u e contei: dois c a c h o r r o s
a um resultado preestabelecido. amigos de longa data se encontram. U m
Nós não conduzimos a um magro, esquelético, depauperado, o
resultado preestabelecido. Nós outro do lado de dentro de uma janela,
a b r i m o s as c h a n c e s c o m estas gordo...
hipóteses de trabalho de que o - M e u velho, c o m o vai ? Q u a n t o
sujeito t e n h a a p o s s i b i l i d a d e d e s e tempo!
posicionar e m relação ao Outro, E o g o r d o l h e diz: - V e j o q u e a
seja q u a l for a p o s i ç ã o q u e e l e seja vida tratou mal de você...
capaz de produzir. Para o Ele responde: - D o lado de fora é
c o m p o r t a m e n t a l i s m o , n ã o é "seja o desemprego, a miséria, o neoliberalismo,
q u a l for". É q u a l q u e r u m a . É u m a enfim, t e m miséria, a fome, n ã o se
e uma só. encontra o que comer. Por outro
Equipe: Então é possível lado, vejo que v o c ê se deu bem,
p e n s a r a diferença da seguinte c o m o é q u e foi?
maneira: nós, psicanalistas, E o gordo responde: - Pois é, aqui
d e m a n d a m o s , o p e s s o a l da AMA dentro tem um cara q u e gosta de
d e m a n d a q u e e l e seja "isto", É essa brincar c o m luzes e campainhas,
a diferença? s e c h a m a Pavlov, e e u d e s c o b r i q u e
Jerusalinsky: É essa a diferença. cada vez que eu cuspo um p o u c o
E x a t a m e n t e . A diferença é q u e n o s s a e l e m e dá d e c o m e r . F o i s ó o q u e
d e m a n d a n ã o é transitiva, e m t e r m o s e u fiz!!!
de conjugação, e a da AMA é transitiva. T r a t a - s e , e n t ã o , desta p o s i ç ã o
"Nós l h e d e m a n d a m o s isto", e l e s d o g r a n d e O u t r o , q u e é diferente
dizem. Nós, de outro lado, m o n t a m o s entre comportamentalistas e ana-
u m transitivismo, ou seja, u m exercício listas, p o r q u e , p o r m a i s q u e e l e s
digam "nós t a m b é m trabalhamos Jerusalinsky: Agora tem.
c o m o O u t r o social, t a m b é m q u e - Equipe: N ó s n o s l e m b r a m o s d e
r e m o s q u e a c r i a n ç a e n t r e n a cir- m a i s d o i s c a s o s e m q u e as m ã e s
c u l a ç ã o s o c i a l c o m o sujeito", isto s a í r a m d e s s a " p o s i ç ã o AMA".
é v e r d a d e , m a s s e trata d e u m su- Jerusalinsky: Então, é porque
j e i t o da lingüística tal c o m o falou é mais do q u e uma hipótese. •
P a v l o v . A q u i , p o r é m , trata-se d e
q u e a c r i a n ç a a p r e n d a a cuspir para
pôr e m j o g o a sua subjetividade.
O q u e na piada se revela é q u e o
c a c h o r r o é sujeito, c o n t r a r i a m e n t e NOTAS
a o q u e Pavlov supunha, o que es-
t a m o s d i z e n d o é q u e o autista é
sujeito, c o n t r a r i a m e n t e a o q u e a 1
A Estilos da Clínica inaugura em suas
psiquiatria americana supõe. O s páginas esta outra m o d a l i d a d e de
comportamentalistas supõem o transmissão e apresenta uma supervisão
autista não-sujeito, o u u m sujeito realizada e m 8 / 1 1 / 9 9 p o r Alfredo
completamente suportado pela po- Jerusalinsky com a equipe da Pré-Escola
sição do terapeuta, e n ã o se pro- Terapêutica Lugar de Vida.
duz t r a n s l a d o , n ã o s e p r o d u z pas-
sagem. Nós t a m b é m c o m e ç a m o s 2
A transcrição das fitas da supervisão foi
d a n d o s u p o r t e s u b j e t i v o a o autis- realizada por Marize Lucila Guglielmetti, e
ta, n ó s , t e r a p e u t a s , m a s n o s s a o p e - a edição do texto foi realizada por liana
r a ç ã o clínica c o n s i s t e e m transfe- Katz 2. Fragelli.
rir i s s o para e l e , transmitir isso para
ele. Para o comportamentalista, isto 3
O nome da criança foi alterado. O espaço
não é necessário, absolutamente. do Educacional é caracterizado pela oferta
E n t ã o , o J o ã o está n e s t e i m p a s - de atividades de cunho escolar.
se d e s s a a g r e s s i v i z a ç ã o , e h á q u e
se p e r g u n t a r p o r q u e t ã o tarde. P o r 4
Jerusalinsky, A. (1992). Autisme: 1'enfance
q u e a c o n t e c e u t ã o tarde e s s a a g r e s - du reel. Un temps sans espace, un espace
s i v i z a ç ã o primária e p o r q u e ain- sans temps, un paradoxe sans discourse. In
da p e r m a n e c e ? E u diria q u e é p o r P. Alerini etal. La clinique de Vautisme Ligne.
c a u s a d e a m ã e "estar e m AMA". Paris: Point Hors.
A t r e v o - m e a dizer: e m u m a p o s i -
ção à qual ela o remete incessan-
temente, a esse não reconhecimen-
t o d o lugar d e sujeito.
Equipe: Agora é q u e está c o m e - Recebido em 11/99
ç a n d o a m u d a r u m p o u q u i n h o essa
posição.
Equipe: Mas então há uma
mudança.
Jerusalinsky: Evidentemente há.
Equipe: A c h o q u e muitas m ã e s
estão nessa "posição AMA".
Equipe: H á u m a i d e n t i d a d e ,
ele tem uma imagem?

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