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O processo de globalização e a

instabilidade dos modelos econômicos de


Estado 1

Leandro Novais e Silva

Sumário
1. Introdução. 2. O que se denominou cha-
mar de globalização: a visão de Rubens Ricu-
pero. 3. O “novo” modelo de Estado: as ori-
gens do discurso liberalizante. 4. A forma de
atuação das empresas transnacionais: poder
paralelo ao Estado? 5. É o fim do Welfare State?
6. Conclusão: a opção por um Estado forte: Es-
tado indutor, normativo e regulador – uma
nova estatalidade (Republicização do Estado).

1. Introdução
Este trabalho tem como linha mestra o
livro de Gilberto DUPAS, Economia global e
exclusão social: pobreza, emprego, estado e o
futuro do capitalismo, em especial seu capí-
tulo quarto, ponto em que o autor se debru-
ça sobre a urgente demanda por um novo
Estado.
Articula-se, ademais, com leituras atu-
ais de ensaístas e economistas que estão a
se debruçar sobre a temática proposta, cada
um com seu enfoque próprio, como, por
exemplo, Joseph STIGLITZ (A globalização e
seus malefícios), Amartya SEN (Desenvolvi-
mento como liberdade) e Rubens RICUPERO
(O Brasil e o dilema da globalização).
Perpassa, ainda, a compreensão do pro-
grama de privatização instaurado no Bra-
sil, de forma mais organizada a partir da
Lei n o 8.031/90 (Programa Nacional de De-
Leandro Novais e Silva é Procurador do sestatização), que foi resultado da insurgên-
Banco Central do Brasil e Mestrando em Direi- cia de um modelo de Estado “consensual”
to Econômico pela UFMG. de retomada liberal. E desse ponto discute a
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instabilidade do modelo proposto e a ne- sobre o “Consenso de Washington”, con-
cessidade e a reivindicação crescente por um cepção uniformizadora prevalecente de eco-
Estado forte, retomando a idéia de um Esta- nomistas americanos que serviu de orienta-
do atuante e regulador. ção, e por vezes até de imposição, por meio
Nesse ponto, é significativo salientar, co- dos choques econômicos do Fundo Mone-
ordena-se bem a parte de ensaio do estudo tário Internacional – FMI, para readequa-
com o arcabouço teórico do Direito Econô- ção das economias dos países periféricos
mico, suas definições e categorias, em espe- (em desenvolvimento ou emergentes). Será
cial no que se relaciona com as normas jurí- hora também, nesse item, de realizar as pri-
dicas – efeito de juridicização do estrato eco- meiras objeções ao modelo sugerido e algu-
nômico –, que se releva pela política econô- mas vezes imposto, surgimento da instabi-
mica adotada, com o nítido viés ideológico. lidade da qual nos fala o título do trabalho.
Um novo modelo de Estado só surge, e de- O item 4 cuida de um dos efeitos mais
pois é questionado por sua instabilidade, importantes do processo globalizatório,
por ser resultado de um conjunto de idéias, qual seja, a concepção atual da empresa mul-
sobretudo econômicas (nos dias de hoje), tinacional, codificada nos anos 90 de em-
mas também políticas e culturais, que se for- presa transnacional, sua nova forma de atu-
mam com relativo consenso e constituem ação, em especial no que diz respeito à frag-
uma ideologia2. mentação da produção e à flexibilização dos
Assim, definido o escopo geral do arti- direitos trabalhistas. A empresa transnaci-
go, ver-se-á que o tópico 2 se propõe a discu- onal é ao mesmo tempo causa e efeito do
tir aquilo que se convencionou chamar de processo de globalização. Para que a pro-
globalização3, termo já enormemente citado, dução se espalhe, fragmente-se e ganhe es-
de inúmeras significações, que se encontra cala (processo que será explicado adiante),
desgastado, com significativa carga pejora- é indispensável uma redefinição econômi-
tiva, mas que, ainda assim, é o que melhor ca dos países periféricos, de liberalização
reflete o processo transformador da economia econômica, abertura dos mercados e priva-
por que passam os países centrais e periféri- tização maciça, razão pela qual a empresa
cos – na expressão de Gilberto DUPAS (1999). transnacional é também fomentadora do
É um processo que continua ou até se apro- processo globalizatório, associada às idéi-
funda, daí por que indispensável retomar as de Washington. De toda forma, sofre tam-
rapidamente suas características, seus efei- bém os efeitos da implementação desse dis-
tos benéficos e seus prejuízos, de forma a curso, adaptando-se às variações e realida-
contextualizar adequadamente o fenômeno, des econômicas de cada país que a recepci-
abrindo-se a oportunidade para a compre- ona. Por fim, caberá a pergunta nesse item,
ensão das raízes do modelo liberalizante de sobre o poder constituído por essas empre-
Estado. Esse item baseia-se no trabalho de sas, se ele é suficiente a rivalizar com o po-
Rubens RICUPERO (2001). der estatal. E quais os efeitos dessa eventual
No item 3, debate-se as origens do dis- constatação em face do funcionamento na-
curso liberalizante, é dizer, a forma de defi- tural do Estado, da perda de poder de inge-
nição e de atuação de um Estado liberal ou rência, controle, regulação e indução da ati-
neoliberal (o Estado como veículo das con- vidade econômica. Seria a derrocada da es-
cepções liberais que se formaram), constru- tatalidade?
ído entre os anos 80 e 90, de inspiração niti- O tópico seguinte tem o propósito de res-
damente americana e inglesa, decorrente dos ponder à indagação feita no parágrafo an-
governos de Ronald Reagan nos Estados terior. Compreender se houve ou não uma
Unidos e Margareth Thatcher na Inglaterra. verdadeira redução do Estado do bem-estar
É significativo aqui dizer algumas palavras social. Como o Estado pôde responder à in-

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gerência do processo globalizatório de libe- que se pode compreender do fenômeno glo-
ralidade extrema, como funcionou e conti- balizatório.
nua funcionando a rede de proteção social Sustenta RICUPERO que o processo de
e de gastos sociais, e como isso se articula integração econômica, hoje traduzido pela
com o econômico. globalização, tem início em período muito
Por fim, cumprirá sua finalidade este su- anterior, e não é processo recente, da segun-
cinto estudo, em sua parte conclusiva, ao da metade do século XX, tal como dispôs a
demonstrar que a opção atual dos Estados, definição do dicionário Aurélio (nota 2). É
alguns centrais e a base da economia perifé- claro que a terminologia era diversa, e o pro-
rica, é a alternativa do Estado atuante, ain- cesso integratório tinha outra velocidade e
da que de viés mais liberal e privatizado. É escopo, mas assevera RICUPERO que a in-
dizer, o processo de integração econômica é tegração econômica pode ser visualizada já
irreversível, pelo que se coloca na engrena- com as grandes navegações, deslocando o
gem dos mercados na atualidade, mas é in- entendimento do fenômeno para o final do
dispensável uma postura ativa do Estado, século XV e começo do século XVI.
em especial no exemplo do Estado brasilei- Nesse sentido, pode-se ver que a “desco-
ro, tanto no que diz respeito à sua vocação berta” de novos “mundos” fazia já parte de
social, de garantias sociais, ainda que rede- uma estrutura econômica de integração, em
finida por novos mecanismos, como tam- que a anexação de novas terras e dos pro-
bém no aspecto de regulação da atividade dutos e das riquezas que dali se podiam
econômica, no que importa às falhas do extrair resultava no acréscimo econômico
mercado. Nesse último ponto, um Estado dos países centrais ou, em expressão histó-
ativo e condutor inteligente da estrutura eco- rica, das metrópoles. Era o processo integra-
nômica, sem ser “pesado”, “totalitário” ou tório marcado pelas idéias econômicas do
“máximo”, pode conduzir o mercado, ao mercantilismo.
lado da sua vocação primeira, a obtenção É interessante notar, na interpretação de
de lucro (hoje, maximizada), a cumprir tam- RICUPERO (p. 13), quanto a esse processo
bém a função social preconizada pela Cons- remoto de integração, não se pode falar pro-
tituição Federal. O enquadramento de toda priamente em uma escolha dos países de
a temática no âmbito teórico do Direito Eco- inserção ou não no processo, entre os quais
nômico dar-se-á, portanto, no desenlace Brasil, Argentina, México (países hoje emer-
desse item. gentes) e também Estados Unidos e Austrá-
lia (países centrais do capitalismo). Era um
2. O que se denominou chamar de processo inexorável de integração, parte da
globalização: a visão de Rubens ordem mercantilista e do sistema de mono-
pólio de comércio e navegação. A pergunta
RICUPERO (2001)
que se deve fazer, inclusive para diferenciá-
Tal como já exposto no tópico introdutó- los, é como se deu a integração econômica
rio, o termo globalização vem carregado de desses países e as opções de integração atual.
profundo desgaste, com ranço ideológico e Fica nítido que, na primeira parte da per-
teor pejorativo, o que acaba promovendo gunta, a resposta passa pelos modelos de
uma idéia preconcebida do que seja o pro- integração, questão de longe já abordada
cesso integratório. pela historiografia, nos nomes de Caio Pra-
Dessa forma, é salutar expor o pensamen- do Júnior e Fernando Novais, de forma a
to original do ex-ministro da Fazenda e atu- constatar o estágio de desenvolvimento dos
al secretário da Conferência das Nações países citados hoje em dia. Assim, no pri-
Unidas para o Comércio e Desenvolvimen- meiro grupo (Brasil e México), a integração
to (UNCTAD), Rubens RICUPERO, sobre o ocorreu basicamente como implantação das

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“colônias de exploração”, enquanto, no se- de, instabilidade política, retardamen-
gundo grupo (norte do Estados Unidos, to educacional, frustração das possi-
Canadá, Austrália), a integração baseou-se bilidades de desenvolvimento cultu-
em “colônias de povoamento”. Esse proces- ral. A maneira pela qual se efetivará a
so de inserção, sem que aqui se adentre nas inserção é, por conseguinte, o fator
formas de organização econômica das colô- decisivo na determinação não apenas
nias, como o plantation system, questão que do êxito econômico, mas de muitos
ultrapassa o âmbito deste estudo, resultou atributos que farão de qualquer for-
em países de pleno desenvolvimento ou em mação social uma experiência mais
vias de desenvolvimento, como se sabe. ou menos satisfatória de construção
Ademais, ainda segundo RICUPERO (p. humana”.
19), baseando-se nos processos integracio- Realizando um brutal corte cronológico,
nistas desde a navegação, as variedades de de forma a atender os objetivos deste estu-
inserção virtuosas são superiores na capa- do, ver-se-á que o processo de globalização
cidade de produzir desenvolvimento econô- pelo qual se debate extensivamente nos dias
mico sustentado. Ou seja, quando se com- atuais repete idéias integracionistas antigas,
para as nações que objetaram a se integrar – já exemplificadas no texto, mas com novos
as que tinham essa escolha – com as que se caracteres, quais sejam, uma velocidade de
inseriram, mas com a organização econô- integração sem precedentes e uma aproxi-
mica voltada para o povoamento, é signifi- mação, uma redução substancial da dis-
cativo o desenvolvimento econômico mais tância entre os países também inédita na
pleno do segundo grupo, inclusive no que história.
diz respeito às liberdades políticas, com so- Esses novos caracteres, naquilo que dá
ciedades mais igualitárias e coesas, com contornos originais ao processo de globali-
menor índice de disparidades, aspecto mui- zação, contam com dois aspectos de enor-
to estudado por Amartya SEN (2000), que me contribuição: as novas tecnologias de co-
será aludido em tópico posterior. municação e de processamento de dados,
Assim RICUPERO (p. 20) estabelece um resultantes da transformação da microele-
contraste entre um modelo e outro de inser- trônica. O processo de integração tem nova
ção: velocidade. Essa sim é a novidade do que se
“Como se baseiam na incorpora- convencionou chamar de “globalização”.
ção constante de tecnologia, estive- A troca de informações, de dados é ins-
ram necessariamente associadas a es- tantânea. O capital circula com maior velo-
forço de aprimoramento da educação cidade, aportando em portos nos quais se
e de promoção da cultura. Em tais mo- promete maior rentabilidade. Daí o surgi-
delos, os componentes de eficiência mento em escala gigantesca, nunca antes
econômica, distribuição dos benefíci- sentida na história, do capital puramente
os da prosperidade, elevação do nível especulativo, que viaja rapidamente, de for-
da educação e da cultura, participa- ma fluida e fugaz, vendendo ilusão de sus-
ção na vida democrática, formam as tentabilidade econômica. Por outras razões,
peças interdependentes de um siste- mas essencialmente pelo que se registrou
ma em que cada um desses aspectos acima, a década de 90 e o início do século
tende a reforçar os outros. XXI vivenciaram a crise mexicana de 94/
Em contraste, a inserção perversa, 95, a crise asiática de 97, a crise russa de
além de perpetuar o atraso econômi- 1998 e a crise Argentina, que começou entre
co, destila toda uma coleção de vene- 2000/2001, baseada na paridade insusten-
nos sociais: concentração de riqueza tável do peso/dólar, e que até hoje não ter-
e da renda, exclusão e marginalida- minou.

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De qualquer forma, o processo de inte- tado, vale dizer, de intervenção direta do Es-
gração, de velocidade mais aguda, tal como tado no domínio econômico de forma a har-
desenhado acima, não resulta tão-só em efei- monizar a propriedade privada dos meios
tos perversos. É significativo que uma in- de produção com a gestão democrática da
serção econômica bem conduzida, mesmo economia, desde 1930, com o crash america-
em tempos atuais, acarreta melhores produ- no, e, em especial, desde os anos 40, com a
tos, maior qualidade, maior concorrência recuperação européia após a segunda gran-
entre as empresas, maior eficácia produtiva de guerra.
e alocativa, saltos educacionais e, evidente- Como a partir dos anos 70 as taxas de
mente, com boa regulação estatal, incremento crescimento mundial decaíram assustado-
da eficiência distributiva, é dizer, o cresci- ramente, sinalizando uma interdependên-
mento econômico é mais bem distribuído, cia econômica mundial, característica pró-
alargando a base de beneficiários. pria dos nossos dias, tornou-se freqüente o
O que se deve responder, e é o que se discurso de inoperância do Estado como
tentará fazer ao final do artigo, é qual é o principal ator econômico e gerente da eco-
modelo de Estado que melhor atende aos nomia. É o ressurgimento do mercado. No
anseios de uma inserção global eficiente, que dizer de DUPAS (p. 95), “o mercado tendeu
possa aproveitar as benesses do processo a ser reabilitado como instância reguladora
inédito de integração, almejando reduzir os por excelência das relações econômicas e so-
riscos dos abalos econômicos que a globali- ciais no capitalismo contemporâneo. A ele
zação também acarreta. caberia determinar, inclusive, o tipo e a quan-
Nesse aspecto, há inúmeros mitos do tidade de investimento na economia, deci-
processo de globalização, alguns dos quais são privada com profundos impactos pú-
serão abordados nos itens posteriores, dos blicos”.
quais é preciso se desvencilhar. Antes, no Essa é a idéia cristalizada nas iniciati-
que toca à parte conceitual do estudo, é in- vas americana e inglesa a partir dos anos
dispensável estabelecer algumas observa- 80. Ou seja, a suposta irresponsabilidade
ções sobre o modelo de Estado que surgiu do Estado no gasto do dinheiro público, sua
paralelamente à face mais nefasta da globa- incapacidade de investimento e administra-
lização, de uma liberalidade irresponsável. ção da economia, a gerência ruinosa das
É o tópico seguinte. políticas de welfare,4 segundo os mais críti-
cos, impulsionaram decisivamente as idéi-
3. O “novo” modelo de Estado: as as liberais.
origens do discurso liberalizante No que diz respeito às políticas sociais,
DUPAS (p. 96) traz as observações de um
É significativo que a formação de um autor, DRUCKER, que destacava o grande
novo corpo ideológico, traduzido em parte fiasco de dois programas americanos pós-
no processo de globalização, redundava ne- guerra: o programa de moradia para as pes-
cessariamente em uma nova estrutura de soas de baixa renda e as políticas de welfare.
Estado. É a origem do discurso liberalizan- Seguindo, nesse ponto, decididamente as
te, enquadrado na idéia do Estado mínimo. idéias dos economistas de Chicago, com o
Segundo DUPAS (1999, p. 94), a forma- seu “infalível” balanço econômico, os críti-
ção desse novo Estado teve origem na déca- cos do Estado atacavam veementemente as
da de 70, quando os choques do petróleo políticas públicas que encorajavam a depen-
abalaram as estruturas do capitalismo e a dência. O autor citado por Gilberto DUPAS
ideologia predominante na época: o “key- afirmava que “os pobres na América, e es-
nesianismo democrático”. O keynesianismo pecialmente os negros pobres, tornaram-se
predominava como idéia de atuação do Es- mais pobres, mais desamparados, mais des-

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favorecidos, quanto mais recursos do welfa- em sua obra O Liberalismo: antigo e moderno.
re foram gastos para ajudá-los. O welfare O verdadeiro liberal, termo também sensi-
americano encoraja a dependência. Parali- velmente distorcido, em âmbito filosófico,
sa mais do que energiza”. embora se oriente para a prevalência das
Vale aqui adiantar uma das críticas ao individualidades em face do coletivo, da
discurso excessivamente liberalizante pro- autonomia privada em face dos controles
posto pela Escola de Chicago. É salutar o estatais e, em especial, em âmbito econômi-
redescobrimento do mercado, das iniciati- co, se oriente pela opção do mercado em face
vas privadas e dos métodos propostos pela da gerência estatal, certamente combateria
Escola para a análise da eficiência de uma o uso pervertido e “desregulado” dos su-
estrutura econômica, almejando apartar postos ideais liberais, sem uma eventual
dessa investigação qualquer caráter decidi- condução estatal do processo econômico.
damente ideológico, embora ele certamente Adam SMITH, o liberal mais tradicional e
exista. A ênfase no balanço econômico (be- clássico, citado por MERQUIOR, numa in-
nefícios/prejuízos), nas técnicas economé- terpretação autêntica e imparcial que se faça
tricas e matemáticas, na eficiência alocativa de seus escritos hoje, certamente estaria lon-
e, sobretudo, produtiva, na maximização de ge de aprovar a mecânica econômica con-
riqueza, são instrumentos e valores impor- temporânea que se convencionou chamar
tantes para um retrato econômico específi- “neoliberalismo”.
co. No entanto, tais valores não são absolu- E o que se propugnou para o Estado de-
tos. As políticas públicas não podem nem corrente das idéias “liberais” associadas
devem ser tratadas como simples operações com a globalização? O consenso “liberal”
matemáticas. O instrumental pode ser útil foi aquele estabelecido e convencionado
para incrementar a eficiência do gasto pú- como “Consenso de Washington”, baseado
blico, por exemplo. Mas certamente há ou- em três pilares: extremo rigor fiscal (respon-
tros valores a sopesar, de eficiência distri- sabilidade fiscal), maciça privatização e ace-
butiva e justiça social, que a Escola de Chi- lerada abertura econômica. Isso, no dizer
cago não leva em conta, e que são significa- negativo de Joseph STIGLITZ (2002), ex-che-
tivos e participam da orientação das políti- fe do Conselho de Consultores Econômicos
cas públicas. É assunto a ser retomado do governo do Presidente Bill Clinton, ex-
quando se chegar ao debate do suposto fim economista-chefe do Banco Mundial e ga-
do Welfare State (item 5). Voltemos agora às nhador do prêmio Nobel de economia de
idéias mestras deste tópico. 2001, sem qualquer gradação e sem qual-
Pois bem, fundado nas críticas salienta- quer adaptação às condições e variáveis dos
das acima, e também, não se pode esquecer, países coadjuvantes do processo econômi-
no fracasso da utopia socialista, até pelo ca- co global.
ráter simbólico que isso representa, forjou- Uma das razões para a desastrosa com-
se o discurso liberal, pegando carona no pro- binação “neoliberalismo”/globalização,
cesso globalizante. A associação do ideal justificando em parte as cunhagens pejora-
liberal levado ao seu extremo com a globali- tivas que os termos carregam, é o papel de-
zação recheada de choques econômicos de- cisivo desempenhado pela nova forma de
sencadeou efeitos perversos e desastrosos. atuação das empresas transnacionais, cu-
O que não se pode confundir, só para jas características serão abordadas no item
deixar esta observação, é que o que se fez seguinte. Ora, dado o maior apelo da inter-
dos ideais liberais, em especial na década nacionalização econômica e da transnacio-
de 90, distancia-se muito da doutrina libe- nalização das empresas, era indispensável
ral clássica e moderna, tão bem representa- aos grupos empresariais que fomentassem
da por José Guilherme MERQUIOR (1991) as idéias de abertura econômica agressiva e

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de crescente privatização, estabelecendo deiro transplante da estrutura administra-
porto seguro para o enclave e o crescimento tiva e produtiva da empresa-sede para o país
econômico. de recepção, com a repetição do modelo de
O que se viu e o que se vê, no entanto, gerenciamento da origem, ápice da concep-
não é um crescimento econômico gradual e ção fordista de produção, nas empresas
sustentável, mas sim surtos de crescimento transnacionais houve, por completo, uma
econômico, rápidos e fugazes, insuficientes desvinculação do centro gerencial da em-
para a formação de uma estrutura econômi- presa, presente ainda no país de origem,
ca confiável nos países periféricos. E quan- para o centro produtivo, totalmente espa-
do o surto se estabelece de forma um pouco lhado pelo globo, dando origem ao que se
mais durável, o capital especulativo e “vir- convencionou chamar de toyotismo ou pós-
tual”, a ganância dos grupos empresarias, fordismo (uma significativa mudança nos
a “desregulação” econômica da abertura modelos de produção).
desenfreada, as recomendações intransigen- Cristaliza-se, então, o que se pode cha-
tes do FMI e os erros de política econômica mar de fragmentação da produção, aprovei-
dos próprios países emergentes redundam tando-se as empresas daquilo que em eco-
em crises planetárias. nomia se denomina vantagens comparati-
Cumpre-se, assim, antes de se adentrar vas5, aportando-se cada núcleo produtor em
na parte mais crítica do estudo (itens 5 e 6), determinado país que melhor lhe garanta
dando-se ênfase, por exemplo, à investiga- uma produção eficiente com menor custo.
ção de como se operou um dos pilares libe- Daí o processo de fragmentação ou desterri-
rais no âmbito do Estado brasileiro, é dizer, torialização da estrutura produtiva 6, aprovei-
o programa de privatização, apresentar al- tando-se o que cada país tem de mais efici-
guns aspectos de como a atuação das em- ente, com baixo custo (mão-de-obra barata,
presas transnacionais foi desencadeadora matéria-prima, conhecimento técnico, logís-
do discurso liberalizante, além de respon- tica de produção, mercado consumidor, etc.)
der sucintamente a pergunta: constituem as para descentralizar a produção, de manei-
empresas transnacionais um contraponto ra que a empresa torna-se transnacional e o
ao poder estatal? produto também.
É significativo que, por exemplo, gran-
4. A forma de atuação das des corporações como a NIKE possuam o
empresas transnacionais: poder seu corpo diretivo, de marketing e de design
sediados nos Estados Unidos, mas que re-
paralelo ao Estado?
presentam tão-só 10% de seus funcionári-
Qual é a resposta para o engajamento os, e o restante da mão-de-obra – que vem a
acentuado das empresas transnacionais no ser a área de produção da empresa –, ou
projeto global e liberal? A questão começa a seja, 90% dos trabalhadores, esteja espalha-
ser respondida numa definição mais exata do pelos países asiáticos, sobretudo a China.
da terminologia “empresas transnacio- Mas o que é ainda mais significativo, tra-
nais”, de forma a diferenciá-la das “empre- dução de outra revolução das empresas
sas multinacionais”. transnacionais em face das empresas mul-
Sustenta Gilberto DUPAS (1999, p. 82) tinacionais, é a mutação nos contratos de
que a forma de organização das empresas trabalho. Os 90% da área produtiva da NIKE
modificou-se substancialmente dos anos 60 são trabalhadores quase todos subcontra-
e 70 para os anos 90, dando origem ao ter- tados, é dizer, impera a regra da mão-de-
mo transnacionalidade em contraponto à obra mais barata, razão da emergência de
multinacionalidade. Enquanto na esfera das subcontratos, da terceirização, da flexibili-
empresas multinacionais ocorria um verda- zação das leis trabalhistas.

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A prevalência da regra da mão-de-obra nacionais, quando associado à forma
mais econômica dá-se em razão da maximi- mais agressiva da globalização, tem con-
zação de lucros e da propalada eficiência tabilizado um resultado desastroso e per-
produtiva. Nesse passo, grandes corpora- verso.
ções, mesmo em artigos sofisticados e refi- Assim, naquilo que se refere à atual trans-
nados, como é o setor da microeletrônica, formação das relações trabalhistas, permi-
desvendam novos países com técnicos ca- ta-me uma divagação: é significativo que o
pazes, com conhecimento especializado, trabalho essencialmente terceirizado, inva-
mas de custo muito inferior ao do que se riavelmente flexível é, na verdade, um “sub-
pagaria nos países centrais. Não satisfeitas, trabalho”, com evidente perda de direitos e
as empresas fragmentam ainda mais a pro- garantias. Avaliar-se, eventualmente, uma
dução. Se a placa de um microcomputador forma de redefinição das garantias traba-
vem da Coréia ou de Taiwan, que é a parte lhistas, sem aqui cair numa retórica lingüís-
mais elaborada do produto, o acabamento tica, pode até ser viável como forma de for-
pode vir de Cingapura ou da Malásia. Tudo talecimento e alargamento do nível de em-
depende do custo e da vantagem compara- prego (diminuição do mercado informal). No
tiva de se levar para aquele país tal segmen- entanto, uma “flexibilização” extremada,
to da produção. nos moldes do que pregam as empresas
DUPAS (1999, p. 49) dá o nome dessa transnacionais, é de todo nefasta para a eco-
nova configuração da produção e da distri- nomia interna dos países periféricos e a rea-
buição global, que não é nem muito harmô- lidade brasileira, em especial, desconstitu-
nico nem muito definido, de empresas-rede indo a rede de proteção social. Seria aqui
ou networks globais. Vê-se quão diferente é o leviano pensar tão-só em um suposto ba-
processo atual em contraste com a estrutura lanço econômico, de caráter estritamente
de produção das empresas multinacionais. matemático, que uma flexibilização agres-
E daí, em continuação à resposta formula- siva das relações trabalhistas leve automa-
da na abertura deste item, para que as em- ticamente à manutenção dos empregos atu-
presas transnacionais implementassem ais e a uma diminuição do mercado infor-
com sucesso esse novo esquadro produtivo, mal. Pergunta-se: que preço teríamos que
era indispensável, e ainda o é, uma acelera- pagar para tal mudança? Parece-me muito
ção do processo de abertura econômica, de alto. É mais significativo, mesmo ante a fra-
privatização, do mínimo de estabilidade gilidade atual do movimento sindical, as-
econômica para efetivação de planejamen- sunto que extrapola os limites deste estudo,
tos de médio e longo prazos, abrindo as por- que as modificações trabalhistas sejam pon-
tas e tornando eficaz a idéia das vantagens tuais e inteligentes, até como uma redefini-
comparativas e da produção global. ção, no caso brasileiro, da consolidação tra-
O que, em um primeiro momento, pode- balhista, de forma a atualizá-la e agilizá-la,
ria se descortinar benéfico para os países mas nunca um processo descontrolado de
periféricos, não cumpriu em toda a sua am- extirpação de direitos. O que é preciso é um
plitude a promessa de proveitos globais. É mercado “formal” inteligente, ágil e em cres-
até significativo que a recepção das empre- cimento, garantindo-se o poder de compra
sas transnacionais pelos países periféricos dos trabalhadores e, portanto, a liberdade
em maior estágio de desenvolvimento como econômica e a inclusão social.
Brasil, México e os tigres asiáticos tenha efei- Nesse aspecto, do papel nefasto do pro-
tos salutares na economia interna (investi- jeto das empresas transnacionais no que diz
mentos diretos, melhora da produção em respeito às relações trabalhistas, é ilustrati-
quantidade, maior competição, mais empre- vo citar o exemplo chinês. O mercado emer-
go). Todavia, o projeto das empresas trans- gente asiático sofreu, segundo Gilberto

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DUPAS (1999), uma transformação da se- desastres ecológicos de grande magnitude,
guinte ordem: o primeiro país a se associar quando o grupo transnacional se escamo-
a um programa econômico de interdepen- teia na empresa local terceirizada; ruptura
dência internacional foi o Japão, em projeto abrupta de investimentos, associada aqui
que se iniciou após a segunda guerra (re- ao capital especulativo, com desorganiza-
construção do país). À medida que os cus- ção econômica interna. Isso sem dizer do
tos locais encareciam, com a extrema quali- globalismo de fachada, com as injustas bar-
ficação da mão-de-obra, outros países peri- reiras alfandegárias e de ordem sanitária,
féricos (em desenvolvimento) foram incor- dos perversos subsídios agrícolas7, além das
porados ao processo produtivo global, cada implícitas imposições tributárias e adminis-
vez mais transnacional. Daí o surgimento trativas, que levam a pensar na qualidade
dos tigres asiáticos, com Coréia, Malásia, do investimento externo8.
Taiwan e Hong Kong. Depois foram incor- Vale registrar esta passagem de Floria-
porados Indonésia, Tailândia. E agora é a no MARQUES NETO (2002, p. 112), dado o
vez da China. Ocorre que esse processo de poder de síntese do autor, em referência ao
mudança dos locais de produção, tendo em que se vem tratando neste ponto:
vista as vantagens comparativas, pode e “Este arcabouço nos traz para a
deve se esgotar, tal o limite em se encontrar ‘expansão de um Direito paralelo ao
novos portos seguros de mão-de-obra bara- dos Estado, de natureza mercatória’.
ta. Por isso a China é a vedete atual, na con- Tal lex mercatória tem lugar não só no
centração de investimentos externos. Mas a âmbito dos organismos internacio-
que custo? Embora os jornais e revistas es- nais, mas na própria relação entre as
pecializados salientem o acelerado cresci- corporações empresariais privadas.
mento chinês, os mais críticos e incisivos Nesse contexto perde força o padrão
observadores, como Robert KURZ (2003), normativo ditado pela imperativida-
sociólogo e ensaísta alemão, em artigo para de e impositividade típicas do Direito
a Folha de S. Paulo, destacam que o cresci- Positivo e seus mecanismos de con-
mento chinês só é assombroso porque parte trole coercitivos, os quais dão lugar a
de quase nada, ou seja, quando se parte da mecanismos de soft law, a vinculação
estaca zero, qualquer crescimento tem uma de natureza obrigacional, a legisla-
representação matemática importante. Além ções produzidas no âmbito de orga-
disso, tal propalado desempenho associa- nismos multilaterais e vinculantes dos
se sem qualquer retoque ao projeto transna- atores econômicos, muito mais pela
cional, de custos baixos, com mão-de-obra sua adequação ao jogo internaciona-
pouco qualificada e sem garantias sociais, lizado de mercado do que pelo receio
além da convivência com um Estado totali- das eventuais sanções advindas do
tário, de regime arcaico, sem qualquer liber- seu descumprimento”.
dade política, projeto combatido enfatica- Respondendo, assim, ao segundo ques-
mente por Amartya SEN (2000), em seu ori- tionamento do tópico, é afirmativa a exis-
ginal trabalho. Esse não pode ser o modelo tência de um poder paralelo das empresas
de Estado perseguido por este estudo. transnacionais, de retumbante força. É aba-
Ao par dessa discussão mais elaborada lada a idéia de estatalidade arraigada? Cer-
das relações trabalhistas, é visível que o pro- tamente. A concepção de Estado Nacional
jeto das empresas transnacionais, com o glo- soberano realmente está a se desmantelar
balismo “neoliberal”, resulta em outros efei- em seus pressupostos teóricos (perda de
tos perversos, especialmente quando não há soberania estatal, fragmentação extrema do
regulação: remessa descontrolada “legal” poder decisório e amplitude das reivindica-
ou ilegal de lucros para as empresas-mãe; ções econômico-sociais e dos seus atores.

Brasília a. 41 n. 163 jul./set. 2004 339


Quase a insurgência de um novo “pacto” países da União Européia. Mesmo com Por-
ou contrato social). De qualquer forma, e é o tugal, um dos mais pobres, o gasto social
que se propõe a defender neste estudo, al- aumentou de 9,10% em 1970 para 17,60%
gum nível mínimo de estatalidade ou de re- em 1992. Em Portugal, inclusive, tal incre-
formada estatalidade deve permanecer. É mento em gastos públicos é resultado da ten-
indispensável que isso aconteça. Daí que o tativa de harmonização de suas políticas
confronto é sofisticado, delicado e sensível. públicas com a dos demais Estados euro-
No entanto, repita-se, é imprescindível que peus centrais, de forma a garantir seu in-
se encontre alternativas de reserva de força gresso na União Européia (1986). Mesmo
estatal, ainda que de forma redefinida, vez nos Estados Unidos e no Japão, países em
que os efeitos perversos da internacionali- que os gastos sociais são mais elevados em
zação econômica, tal como ela se processa relação proporcional ao PIB (33% para os
atualmente, são abundantes. Estados Unidos e 36% para o Japão), obser-
Vê-se quão grande é o questionamento varam-se taxas crescentes entre 1960 e 1996.
que deve ser feito para a adequada inserção Formam-se, na verdade, com o discurso
econômica de determinado país no proces- liberal, mitos sobre o processo de globaliza-
so global, almejando reduzir os “custos de ção. E o fim do welfare state é um deles, de tal
transação”, para usar uma expressão eco- forma a abalar as estruturas da estatalida-
nômica. Aqui começa a ser redescoberto um de tradicional. É óbvio que houve um redi-
modelo de “Estado” mais atuante. Nesse mensionamento do gasto social e uma apli-
ponto, é indispensável passar-se ao item se- cação mais inteligente dos dinheiros públi-
guinte, para uma abordagem das conse- cos, mas a rede de proteção social continuou
qüências desse panorama econômico que e continua ativa, sendo a base para um mo-
aqui vem se retratando para a concepção do delo de Estado mais consistente e menos
Estado do bem-estar social. vulnerável às ingerências externas.
O cientista político Sérgio ABRANCHES
5. É o fim do Welfare State? (2003), em artigo publicado na revista Veja,
tece a seguinte análise, abordando sobretu-
Muito embora possa parecer inexorável do a problemática questão da previdência:
o desmantelamento do Estado do bem-estar “Há muito mito sobre as reformas
social, tendo em vista as inegáveis forças na Europa pós-Maastricht e pós-glo-
militantes da extrema liberalidade e do Es- balização. Diz-se que houve drástica
tado mínimo, também no que toca à rede de redução do gasto social, com prejuízo
proteção social, e não só quanto à privatiza- para bem-estar. Não foi assim. Hou-
ção do Estado empresário e à infra-estrutu- ve muita mudança, mas o gasto social
ra de serviços públicos, Gilberto DUPAS continuou crescendo. Na maioria dos
(1999, p. 89) nos mostra, por meio de estudo países, a questão não foi gastar mais
publicado no The Economist (1997), que os ou menos, mas criar uma nova rede
gastos públicos dos governos, em especial de proteção social, mais adaptada aos
dos Estados centrais na Europa, têm cresci- novos tempos. Houve mudança em
do desde 1970 até dados de 1995, e não di- graus muito diferentes, em larga me-
minuído como era de se esperar. dida por causa da distância dinâmi-
Por exemplo, a Alemanha aumentou ca da competição partidária e da cor-
suas despesas com a rede de proteção soci- relação de forças entre governo e opo-
al de 21,50% do PIB em 1970 para 27,30% sição. O teor da mudança teve muito a
do PIB em 1992. O Reino Unido em igual ver também com a estrutura de previ-
proporção: de 14,30% em 1970 para 27,20% dência existente. Os sistemas mais
em 1992. E isso se reproduz com todos os problemáticos, que produziram crises

340 Revista de Informação Legislativa


mais graves e necessitam de reformas ca do FMI, baseada em choques de austeri-
mais amplas, foram aqueles inspira- dade e liberalidade, sem adaptações neces-
dos no modelo da Alemanha de Bis- sárias às condições econômicas particula-
marck e que têm como centro uma pre- res de cada país periférico, são nefastos e se
vidência financiada por contribui- contrapõem às iniciativas estatais, tornan-
ções, associada a categorias funcio- do-se um enorme complicador. Mas é ine-
nais, de benefício definido e que in- gável que um novo modelo de Estado, que
centivam a aposentadoria precoce. se quer atuante, presente e eficiente regula-
Requer mais mudanças, porque gera dor, tem que aceitar tal desafio. É o último
mais distorções. O modelo brasileiro tópico.
é uma versão agravada dele”.
Demais estudos e relatórios do Banco 6. Conclusão: a opção por um Estado
Mundial (1997) e da OIT, citados por DU- forte: Estado indutor, normativo e
PAS (1999, p. 90-91), evidenciam ainda uma
regulador – uma nova estatalidade
relação positiva entre o nível de abertura eco-
nômica e os welfare transfers. Ou seja, a rede
(Republicização do Estado)
de proteção social aumentou em casos sig- De pronto, é convidativo registrar dois
nificativos como forma de proteção à aber- trechos de Joseph STIGLITZ (2002, p. 13-15),
tura externa e ao novo estágio da competi- com atenção para o destaque:
ção. Citando o relatório: “Com crescentes “A economia pode parecer uma
competição e insegurança no trabalho, os disciplina estéril e inaudita, mas, na
trabalhadores irão depender mais de recur- realidade, boas políticas econômicas têm
sos estáveis para seguro-desemprego, edu- o poder de mudar a vida dos menos
cação e treinamento nos próximos anos. Na privilegiados. Acredito que os gover-
ausência destas políticas e de programas nos precisam – e podem – adotar polí-
governamentais, o suporte político para a ticas que ajudem os países a crescer, mas
globalização seria erodido” (Internacional que também assegurem que esse crescimen-
Labor Organization, 1997-1998). to seja compartilhado de maneira mais
É sintomática a relação positiva descrita eqüitativa pela população”.
acima. Quanto mais aberta ficou a econo- [...]
mia de países centrais, tais como a Bélgica, Eu havia estudado os fracassos dos
Holanda e Canadá, mais esses países gas- mercados e dos governos, e não era
taram com investimentos sociais. É a forma tão ingênuo a ponto de imaginar que
de proteção social como escape. o governo pudesse corrigir todos os
A resposta conclusiva a este tópico é que fracassos dos mercados. Tampouco
o Estado do bem-estar social não se desman- era tão tolo a ponto de acreditar que os
telou. Houve, inegavelmente, uma reconfi- mercados por si só eram capazes de solu-
guração de investimentos sociais, tal a ne- cionar todos os problemas sociais. A de-
cessidade imperiosa de reforma da previ- sigualdade, o desemprego, a poluição:
dência nos países centrais, por exemplo, o governo precisava desempenhar um pa-
processo que nos aflige atualmente, e em pel importante diante de todas essas ques-
muitos outros destinos sociais do dinheiro tões. Eu havia trabalhado na iniciati-
público. Houve o elenco de novas priorida- va de ‘reinventar o governo norte-ame-
des na atuação estatal. Mas a rede de prote- ricano’ – tornando-o mais eficiente e
ção social permanece, sendo inclusive am- mais responsivo; tinha percebido em
pliada em muitos casos. quais áreas o governo não era nem
É notório que o poder paralelo das em- uma coisa nem outra; tinha observa-
presas transnacionais e a cartilha econômi- do como a reforma é difícil, mas tam-

Brasília a. 41 n. 163 jul./set. 2004 341


bém tinha percebido que melhorias, no, qual uma síntese hegeliana. Nem é tam-
por mais modestas que fossem, eram bém uma idéia de retornar ao Estado inter-
possíveis”. vencionista. O papel normativo e regulató-
Ora, o próprio prêmio Nobel de econo- rio aqui tem nova esfera, no termo cunhado
mia de 2001, em seu trabalho de pesquisa, com felicidade por Floriano MARQUES
constata a necessidade da participação es- NETO (2002) de “Republicização do Estado”.
tatal, ou de alguma esfera de poder decisó- Antes desta abordagem final, do que vem
rio, redefinida nesses termos a estatalidade, a ser a “Republicização do Estado”, e seus
tal como a concepção definida na nota 1 caracteres de indução, normatividade e re-
deste trabalho, a fim de exercer algum con- gulação, buscando validade nos institutos
trole e regulação sobre o mercado e a ativi- do Direito Econômico, é indispensável uma
dade privada local, almejando adotar e pro- pequena palavra sobre o processo de priva-
mover boas políticas econômicas. tização brasileiro, tal a proximidade de idéi-
No entanto, ainda que no fim do estudo, as que daí decorrem para o deslinde final
impõe-se colocar duas questões conceituais do trabalho.
que devem nortear nosso debate. O programa de privatização brasileiro
A primeira vincula-se a um dado ineren- autoriza a seguinte discussão: pode ter tido
te ao processo de globalização, não enfati- ele origem e finalidade dirigidas para as
zado anteriormente por não ter sido o obje- questões efetivamente estruturais do Esta-
tivo central do debate proposto, qual seja, a do, quais sejam, as dificuldades de investi-
formação dos blocos econômicos e das Co- mento da máquina estatal, a inoperância e
munidades de Estados, como é a União Eu- ineficiência de sua própria gerência, even-
ropéia. Ora, é inegável que a mundializa- tuais questões comportamentais (combate
ção econômica e também sócio-cultural car- aos altos níveis de corrupção) e diminuição
rega o aspecto de alimentar o processo de do déficit público. Ou, noutro âmbito de idéi-
integração dos Estados. Há verdadeiramen- as, pode vir concebido de extensa carga ide-
te um fenômeno de influência recíproca. ológica, das concepções de “Estado Míni-
Aqui mais uma razão, de raiz econômica, mo” – já tratadas no artigo – e de viés ultra-
mas também cultural e social, que faz re- liberal.
pensar o conceito de Estado tradicional. É Pois bem, a privatização brasileira, no
fonte de instabilidade, mas pode ser tam- que decorre inclusive de dados e textos ofi-
bém, e é o que se espera e acredita, fonte de ciais do BNDES (BRASIL, 2003), numa ava-
um novo paradigma de poder decisório, in- liação histórica sem distanciamento (o que
clusive de ampliação de direitos e garanti- dificulta a imparcialidade), teve orientação
as. Poder-se-ia até pensar numa ampliação dúbia, ou seja, justificou-se em inúmeras
da soberania, e não de perda dela, refletida oportunidades pela concepção econômica,
então de forma positiva. Nesse âmbito, é centrada nos dados estatísticos, mas por
imperioso pensar em um novo modelo de vezes esteve sensivelmente orientada pelo
“Estado” forte, de forma ampliada, comu- que de mais perverso trouxe o espectro ide-
nitária. Mesmo porque a maior parte das ológico ultraliberal.
questões “externas”, do poder paralelo Assim, fruto dessa dubiedade, a privati-
transnacional e corporativo, e tudo que o zação resultou, associando-se a uma nova
acompanha, só pode ser enfrentada coleti- concepção de Estado, em alguns êxitos, até
vamente ou, melhor, de forma comunitária. o ponto em que se pode avaliar, como em
A segunda questão conceitual, que se parte foi desestatização do sistema finan-
liga ao raciocínio da primeira, é a de que ceiro público estadual (de endêmica corrup-
não se faz essa proposta de Estado forte, de ção), e alguns recuos infelizes, como notori-
forma a ser uma síntese para todo o fenôme- amente foi a privatização da Vale do Rio

342 Revista de Informação Legislativa


Doce, como empresa saudável, de ótima ge- ticipação (co-gestão, o público e o privado
rência, que cumpria suas finalidades priva- em total simbiose) e de efetivação da demo-
das e públicas. cracia.
Daí o que se deve trazer para o debate No que se insere no prisma econômico,
desse estudo é menos o caráter ideológico emerge o Estado forte, com caracteres de in-
da privatização, do ideário ultraliberal, mas dução, normatização e regulação da econo-
significativamente o lado mais pragmático mia. Mais do que a estrutura administrati-
da discussão, é dizer, não importa se capi- va das novas agências regulatórias, de ins-
tal é público ou privado, se o controle das piração americana, o que deve ser ressalta-
empresas é público ou privado, mas sim a do e observado com atenção é o aparato re-
eficiência das empresas, a qualidade do ser- gulatório que daí decorre. Um corpo técnico
viço estrutural ofertado à população, e se capacitado, a proteção das agências contra
aquela atividade cumpre com sua função o fantasma da captura (talvez a principal
social (por exemplo, preço “razoável”, aten- dificuldade do novo enfoque regulatório),
dimento das metas de ampliação e cobertu- uma estrutura ágil e a adoção decorrente de
ra do serviço, etc.). Isso porque, na interpre- uma regulação inteligente e eficiente serão
tação do Floriano MARQUES NETO (2002), capazes de conjugar, com o pragmatismo já
que direciona a estrutura deste item, é notó- enunciado, o dinamismo privado (com lu-
ria a superação da dicotomia público/pri- cro) e escopo social paralelo.
vado, o que acarreta a superação entre Esta- É essa a conclusão de Floriano MARQUES
do/sociedade e também o afastamento da NETO (p. 184), aduzindo ainda os outros
idéia de que “público” corresponderia ex- caracteres do Estado republicizado:
clusivamente a estatal. “Em suma, parece-nos que a repu-
O processo de privatização, nesse senti- blicização do Estado deve implicar o
do, amolda-se a essa nova idéia de estatali- direcionamento dos seus recursos e de
dade numa concepção mais pragmática, é sua capacidade decisória para um in-
dizer, não se trata de um embate contra o tenso intervencionismo indireto (carac-
próprio processo, mas como o Estado que dele terizado pelo exercício da função de
restou, remodelado, pode efetivamente regu- ordenar, regular e mediar as relações
lar e normatizar cada setor privatizado. econômicas). De outro lado, excepcio-
Ora, daí a idéia de “Estado Republiciza- nal deve ser a investidura deste Esta-
do”. É o Estado, numa nova concepção de do (ressalvados casos extremos) nas
contrato social ou pacto, ultrapassando os ca- funções de produtor de bens ou exe-
racteres de formação do “Estado Moderno”, cutor direto de atividades econômicas
de limitação do poder absoluto e do império ou de serviços públicos. Esta calibra-
da lei, que é resultado do declínio da idéia ção de intervencionismo permite fu-
de soberania, do fim da dicotomia público/ gir, assim, à conclusão entre regula-
privado, e da inviabilidade da noção de in- dor (poder normativo, fiscalizador e
teresse público como absoluto, universal, arbitral) e regulado (o produtor e ex-
singular. O Estado contemporâneo deve ser plorador de public utilities).”
agora o receptáculo e o gerenciador de inú- No âmbito da inserção global, da redefi-
meros interesses públicos. nição do papel do Estado frente ao movi-
Assim, não deve ser mais o Estado auto- mento transnacional de enfoque particula-
ritário, de imposição legal, do poder distan- rizado no estudo, é indispensável voltar-se
ciado dos “súditos”, mas de aproximação ao que prega Rubens RICUPERO (2001, p.
efetiva com os governados, com a redefini- 85-86), em especial para o exemplo brasilei-
ção dos canais de comunicação e reivindi- ro. Ressalta RICUPERO, depois de demons-
cação, impulsionando novas formas de par- trar os resultados favoráveis da China, dos

Brasília a. 41 n. 163 jul./set. 2004 343


demais tigres asiáticos, da Irlanda, da Ín- leilão de favores irracionais para atrair in-
dia, em análise bastante pragmática, de cu- vestidores? Ou quem nos impede de coibir a
nho estritamente econômico, os aspectos corrupção e modernizar os procedimentos
fundamentais que formam o espírito de uni- aduaneiros?”.
dade da globalização benéfica dos países Para finalizar, cumpre dizer que toda a
periféricos: dinâmica refletida sobre uma nova estatali-
“1. um Estado eficaz e competen- dade e o braço econômico do novo poder
te, dotado de quadros capazes de for- decisório, tal qual as agências reguladoras,
mular e executar um projeto nacional só se incrementa por meio de políticas mi-
de desenvolvimento; cro e macroeconômicas, traduzidas por nor-
2. um projeto de longo prazo, isto mas jurídico-econômicas, pelo processo de
é, de caráter estratégico, que não se juridicização do substrato econômico, tal
resume à correta política macroeconô- como articulado com inteligência pela Profª.
mica, mas abrange componente soci- Isabel VAZ (1992). Vê-se como o Direito Eco-
al e estratégia de competitividade tec- nômico deve participar ativamente dessa
nológica e exportadora; mudança, com a modificação de seus própri-
3. preocupação constante e efetiva os institutos, de forma a atender às novas de-
com o combate à pobreza, o esforço de mandas de atuação estatal. Visualiza-se, as-
diminuir a desigualdade e promover sim, dados os contornos genéricos da nova
melhor a distribuição da riqueza e da estatalidade, a imperiosa necessidade de de-
renda; senvolvimento de estudos sobre as particula-
4. prioridade central à educação e ridades econômicas de regulação de cada se-
à formação de recursos humanos, à tor. É o estudo para outros trabalhos.
promoção da cultura, ciência e tecno-
logia, como chave para ser bem-suce-
dido num desenvolvimento que se Notas
torna, cada vez mais, intensivo em 1
O conceito de Estado é sabido um conceito
conhecimento”. plurívoco, com inúmeras acepções utilizadas pelos
Segundo RICUPERO, é plenamente pos- cientistas políticos. Daí que normalmente venha
sível, numa redefinição do papel do Estado, acompanhado de um substantivo ou um adjetivo
qualificativo, como Estado do bem-estar social,
tal como aqui se começa a enunciar, uma Estado-Providência, Estado absoluto, Estado re-
inserção favorável no processo global, co- presentativo, Estado democrático... Em inúmeras
meçando com a formulação de boas políti- acepções ou idéias poder-se-ia demonstrar a insta-
cas econômicas.9 É pequeno o campo de bilidade do modelo de Estado tradicional (Estado
manobra do Estado, em face da assimetria Nacional). A concepção utilizada neste estudo tem
naturalmente um viés econômico, daí se aceitar,
de poder entre os países centrais e os países ainda, mesmo que em grau reduzido, diferentes
periféricos e as ingerências externas, mas orientações econômicas para a atuação estatal (ra-
existe sim abertura para um desempenho zão de se falar em modelos de Estado). Vincula-se
renovado e eficiente de um novo Estado. Esse obrigatoriamente, nos limites do Direito Econômi-
é o ponto de partida. Sem qualquer revolu- co, com a noção de Estado enquanto formulador e
executor de políticas públicas além, naturalmente,
ção ou corte abrupto na economia, mas com da concepção de aparelho decisório, é dizer, o Esta-
firmeza na definição e na aplicação das po- do como detentor de um poder vinculante dos indi-
líticas públicas. Como nos diz RICUPERO víduos.
(2001, p. 112-113), “qual é, acaso, a potên- 2
Na definição do Dicionário Aurélio, IDEOLO-
cia estrangeira que nos proíbe de reformar a GIA: “Filos. Conjunto articulado de idéias, valores,
opiniões, crenças, etc., que expressam e reforçam
legislação tributária? Ou qual o obstáculo as relações que conferem unidade a determinado
externo ao controle da União, dos desman- grupo social (classe, partido político, seita religio-
dos espantosos dos governos estaduais no sa, etc.) seja qual for o grau de consciência que

344 Revista de Informação Legislativa


disso tenham seus portadores.” “Polít. Sistema de eliminação de barreiras ao livre fluxo dos financia-
idéias dogmaticamente organizado como um ins- mentos, dos capitais para investimento e das mer-
trumento de luta política” (19--?). cadorias e serviços – raramente concordarem, na
3
Também na definição do Dicionário Aurélio, prática, com a extensão de igual liberdade à movi-
GLOBALIZAÇÃO: “Processo típico da segunda mentação do fato trabalho. Até no que se refere à
metade do séc. XX que conduz a crescente integra- liberalização comercial, a abordagem costuma ser
ção das economias e das sociedades de vários paí- seletiva, excluindo a agricultura, os têxteis e as con-
ses, especialmente no que toca à produção de mer- fecções, os chamados produtos ‘sensíveis’, coinci-
cadorias e serviços, aos mercados financeiros, e à dentemente os de maior potencial exportador para
difusão de informações” (19--?). É interessante ver as economias em desenvolvimento”.
como o verbete, de origem inglesa (glabalization), já 8
Bem ilustra a parte final desse parágrafo, na-
recebeu uma definição bem contemporânea. quilo que importa às ingerências externas, não só
4
É significativo este trecho de Gilberto DUPAS dos organismos internacionais, FMI, OMC, etc., mas
(1999, p. 99): “Ao lado da sensação de que os Esta- também das empresas transnacionais e seus alme-
dos nacionais têm encontrado óbvios limites a sua jados investimentos, esta passagem de Claus OFFE,
atuação – fato lamentado por alguns e louvado que parece se encaixar perfeitamente à idéia de de-
por outros –, é clara a percepção de que o capitalis- senvolvimento e atuação estatal dos países perifé-
mo está entrando em uma nova e revolucionária ricos nos dias de hoje: “Um Estado (...) muito de-
fase. Nesse novo capitalismo ‘desenfreado’, reina pendente de investimentos privados começa a fa-
uma espécie de “lei da selva”: só sobrevivem os zer o que as empresas quiserem para não perder
mais fortes. Dentro desse contexto surgiu, cada vez força econômica. Vira uma relação desigual, em
mais intenso, o discurso que atribui à estrutura do que o mercado tem todas as fichas na mão. Em
welfare state o condão de entravar a competitivida- última instância, isso acaba afetando a confiança
de das economias. Para muitos, o Estado-protetor na Democracia (...). Na Austrália [país central],
estabeleceria uma espécie de ‘piso’ no nível de vida por exemplo, uma empresa ganhou uma conces-
dos cidadãos, tornando menos comprimível o cus- são para fazer uma rodovia na região de Melbour-
to do fator mão-de-obra justamente no momento ne (...). Só que ela recebeu, além disso, a garantia de
em que grandes estoques de reserva de pobreza que nos próximos 30 anos não será construído um
reduziram de tal modo os salários que reintroduzi- ‘metrô’ na região”.
ram este fator como forte dado de competição em 9
Boaventura de Souza SANTOS (2003, p. A3),
certas cadeias globais”. professor catedrático de economia da Universida-
5
Exemplo da vantagem comparativa em plena de de Coimbra, em artigo publicado na Folha de S.
associação com o processo global de interdepen- Paulo, expõe os seguintes caracteres indispensáveis
dência econômica, segundo DUPAS (1999, p. 47): à benéfica inserção global do Brasil: “... reside em o
“Em tese, o fornecedor de alface ou de copos de Brasil deixar de se ver como demasiado grande e
papel das lojas do MacDonald´s em São Paulo, por passar a ver-se como demasiado pequeno, pelo
exemplo, tanto pode ser uma média empresa bra- menos na sua capacidade para resistir à globaliza-
sileira, um pequeno fornecedor do cinturão verde ção neoliberal. Essa miniaturização criará a energia
da Grande São Paulo ou um produtor americano para duas globalizações regionais alternativas. A
que embarca seus produtos por avião. Tudo de- primeira é continental: o Mercosul. É sabido que a
pende dos preços relativos e da qualidade”. Área de Livre Comércio das Américas (ALCA)
6
Assinala Jürgen HABERMAS (1995): “com a transformará o Brasil numa imensa maquiladora,
internacionalização dos mercados financeiros, de como acontece no México (e sem ter o benefício da
capitais e de trabalho, os governos nacionais têm emigração à mão). A Alca inviabiliza a idéia do
sentido crescentemente o descompasso entre a li- novo contrato social proposta pelo presidente Lula.
mitada margem de manobra de que dispõem e os Não será fácil resistir à imposição da Alca – será
imperativos decorrentes basicamente não das rela- impossível sem uma alternativa consistente. O Mer-
ções de comércio em nível mundial, mas das rela- cosul é a instância que confere credibilidade à idéia
ções de produção tramadas globalmente. Estas es- da aproximação ao capitalismo social-democráti-
capam mais e mais às políticas intervencionistas co da Europa, ou seja, à combinação de elevada
dos governos”. competitividade com elevada proteção social me-
7
Como sintetiza RICUPERO (2001, p. 28-29): diante regulação pública ativa. A desglobalização
“Nem sempre os conselhos propiciados aos países só faz sentido enquanto proposta de reglobaliza-
em desenvolvimento coincidem com o extremo li- ção alternativa. O êxito dessa globalização regional
beralismo econômico do ideário neoliberal. Uma dependerá em parte da própria União Européia e
exceção notável nesse sentido são os seguidores da de sua capacidade para abandonar a hipocrisia de
globalização prescritiva – favoráveis à mais ampla querer ser uma alternativa global aos EUA, sem,

Brasília a. 41 n. 163 jul./set. 2004 345


contudo, confrontá-los fora da Europa. A outra GLOBALIZAÇÃO. In: DICIONÁRIO Aurélio. [S.
forma de globalização regional alternativa é trans- l.: s. n., 19--?].
continental e diz respeito à articulação política com
HABERMAS, Jürgen. O Estado-Nação europeu
outros países em desenvolvimento intermediário,
como a Índia, China e a África do Sul. Só assim frente aos desafios da globalização: o passado e o
futuro da soberania e da cidadania. Novos Estudos
será possível confrontar o super-Estado paralelo
CEPRAP, São Paulo, n. 43, p. 87-101, nov. 1995.
constituído pelos imperativos transnacionais do ne-
oliberalismo. A articulação entre o Brasil e a Índia IANNI, Octávio. A Era da globalização. Rio de Janei-
na Organização Mundial do Comércio, no que se ro: Civilização Brasileira, 1996.
refere à luta pela supressão dos direitos de propri-
edade intelectual em casos de emergência de saúde IDEOLOGIA. In. DICIONÁRIO Aurélio. [S. l.: s.
pública (como o caos da Aids), é um bom exemplo n., 19--?].
do muito que pode ser feito”. KURZ, Robert. A China não é o país das maravi-
lhas. Follha de São Paulo, São Paulo, 19 jan. 2003.
Caderno Mais, p. 12-13.
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