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RESUMO
A atividade de inteligência no Brasil vem se desenvolvendo a cada ano, mas por se tratar de um trabalho
sigiloso, percebe-se que algumas questões deixam de ser debatidas. Assim, a proposta desse artigo é analisar
a observância ao princípio da imparcialidade na gestão da atividade de inteligência. Pretende-se: indicar o
referencial legislativo da atividade de inteligência no país; diferenciar o trabalho do investigador criminal do
trabalho do agente de inteligência; apresentar os resultados das operações desenvolvidas na unidade de
inteligência da Polícia Civil da Paraíba; e elencar situações que desvirtuam da imparcialidade e sinalizam
para ingerência política na atividade de inteligência. O marco teórico reporta-se a Marco Cepik sobre
inteligência criminal, a Herbert Espuny quanto à influência de redes de poder nas atividades de inteligência,
sendo também utilizados documentos relacionados à Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança
Pública, como foco no princípio da imparcialidade. A metodologia baseia-se numa pesquisa qualitativa, com
método dedutivo; uma pesquisa bibliográfica, com dados coletados em livros, monografias, artigos
científicos, legislações e a Constituição Federal/1988. Por fim, os resultados das operações indicam haver um
trabalho imparcial por parte dos Agentes de inteligência, com eficiência, baixíssima letalidade, economia
financeira, o que está em consonância com a preservação de princípios constitucionais, de direitos humanos e
da administração pública. Todavia, a falta de critérios objetivos para os gestores ocuparem os cargos de
chefia, pode permitir interferência na gestão da atividade de inteligência, através de ingerência política ou
corporativista, sendo necessário um gerenciamento focado em conhecimentos técnicos (e não em cargos),
que se estabeleçam critérios também para os gestores, que se fiscalize e proceda avaliação bilateral (gestores
e agentes de inteligência se avaliando), com vistas a impedir desvios e assegurar um trabalho pautado na
eficiência, imparcialidade, legalidade e moralidade.
1. Introdução
1 A autora é Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas, especialista em Segurança Pública e
Direitos Humanos, especialista em gestão e tecnologias educacionais, bacharela em Direito. Pesquisadora
integrante do Grupo de pesquisa 'Análise de Estruturas de Violência e Direito', linha de pesquisa "Crime
Organizado e Terrorismo' (cadastrados no CNPQ). Pesquisadora convidada do Comitê estadual de enfrentamento ao
tráfico e desaparecimento de pessoas da Paraíba (CETDP/PB). É Policial Civil da Paraíba, desde 2004, com
experiência na área de inteligência policial, como analista de inteligência (2008-2017).
participação dos investigadores criminais das polícias judiciárias. A atividade de inteligência
desempenha papel crucial na tocante à promoção de justiça, uma vez que o desenvolvimento dessa
atividade constrói elementos que assessorarão o tomador de decisão. Na esfera da Polícia judiciária,
uma investigação criminal que busca a verdade real, diante de um fato delituoso, poderá incriminar
ou absolver uma pessoa investigada. Se houver necessidade de suporte da atividade de inteligência,
esta precisará ser construída dentro da doutrina de inteligência que se baseia, dentre outros, no
princípio da imparcialidade.
A atividade de Inteligência de Segurança Pública é entendida como exercício permanente e
sistemático de ações especializadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários
para prever, prevenir e reprimir quaisquer delitos ou aqueles relativos a temas de interesse da
Segurança Pública, numa atitude proativa e não somente reativa. A imparcialidade torna-se
elemento basilar do trabalho dos Agentes de Inteligência e da gestão para que se construir um
trabalho isento de interesses que possam desvirtuar o propósito dessa atividade.
Assim, a construção desse texto partiu da necessidade de se refletir sobre questões
vivenciadas que indicam inúmeras interferências nas atividades de investigação criminal e/ou de
assessoramento, em que algumas demandas, de interesse individual ou de grupos que detém o poder
de gestão, acabam sobressaindo, em detrimento do interesse público.
Dito isto, levantou-se o seguinte problema: a quais critérios estão submetidos os gestores da
atividade de inteligência da Polícia Civil para ocupar os cargos? Algumas premissas auxiliaram
nessa construção: o setor que executa atividade de inteligência policial exerce uma atividade
sigilosa, visando subsidiar o tomador de decisões; os gestores da pasta da segurança pública
(Secretários de Estado da Segurança) são nomeados através de ato do chefe do executivo estadual
(Governador), como uma indicação da confiança deste; os chefes dos setores de inteligência são
indicações também de confiança dos gestores da pasta da segurança; o Brasil presenciou a denúncia
nacional do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro contra o presidente Jair
Bolsonaro, em que se apontava interferência do presidente na gestão da pasta do citado ex-ministro.
A partir disso, questionou-se: Em que medida tem ocorrido o recrutamento dos Agentes de
inteligência e a indicação dos gestores para atividade de inteligência?
Nesse diapasão, foi proposto como objetivo geral: analisar a observância ao princípio da
imparcialidade na gestão da atividade de inteligência. Para isso, pretende-se: indicar o referencial
legislativo da atividade de inteligência no país; diferenciar o trabalho do investigador criminal do
trabalho do agente de inteligência; apresentar os resultados das operações desenvolvidas na unidade
de inteligência da Polícia Civil da Paraíba; e elencar situações que desvirtuam da imparcialidade e
sinalizam para ingerência política na atividade de inteligência. O marco teórico reporta-se a Marco
Cepik sobre inteligência criminal, a Herbert Espuny quanto à influência de redes de poder nas
atividades de inteligência, sendo também utilizados documentos relacionados à Doutrina Nacional
de Inteligência de Segurança Pública com foco no princípio da imparcialidade. Some-se a vivência
prática da autora com atuação de 2008 a 2017, na Unidade de Inteligência da Polícia Civil da
Paraíba.
Para essa construção, a metodologia baseou-se numa pesquisa qualitativa, com método
dedutivo; uma pesquisa bibliográfica, com dados coletados em livros, monografias, artigos
científicos, legislações, a Constituição Federal/1988. A partir das leituras, construiu-se
interpretações críticas de modo a colaborar com o debate em torno da atividade de inteligência
visando ao seu aperfeiçoamento.
Os teóricos utilizados foram Marco Cepik sobre atividade de inteligência criminal, cujos
ensinamentos contribuem para a compreensão da atividade de inteligência como um serviço à causa
pública, que deve submeter-se aos princípios da administração pública, com observância à ética, aos
direitos humanos e ao Estado democrático. Também foi utilizado o pesquisador Herbert Espuny
quanto à influência de redes de poder nas atividades de inteligência, sendo também utilizados
documentos relacionados à Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública que orientam os
princípios da atividade de inteligência, tomando como objeto a imparcialidade. Somou-se à
construção teórica a vivência prática da autora, cuja atuação na atividade de inteligência como
Analista de inteligência ocorreu de 2008 a 2017, na Unidade de Inteligência da Polícia Civil da
Paraíba.
2. Desenvolvimento
A atividade de inteligência no Brasil apesar de existir algumas pesquisas sobre sua definição
e historicidade, ainda é pouco estudada sob a ótica de outras ciências. Algumas das principais
literaturas disponíveis apresentam essa atividade a partir do olhar de pessoas fora da instituição.
Algumas publicações de profissionais da área seguem linhas de estudo importantes porém, com
certo distanciamento dos problemas reais e, ainda, são poucos os que se dedicam a pesquisar
aspectos filosóficos, sociológicas, ficando muito ligados às questões constitucionalistas do universo
do direito.2 Vale registrar também que se permite pouco acesso à atividade de inteligência, pelo
2 Destaco pesquisas de campo, quali-quantitativa, por parte de policiais da Paraíba, com aplicação de questionários:
MELO, Suana G. A capacitação de policiais civis da Paraíba para o enfrentamento do Tráfico de seres humanos .
(monografia de Especialização em Gestão e tecnologias educacionais da Polícia Militar da Paraíba). João Pessoa-
PB: PMPB, 2011; PINHO, Márcio Ely de Alcântara. Subsistema de inteligência da Polícia Militar da Paraíba: uma
análise da reestruturação organizacional. (monografia de Especialização em Segurança Pública da Polícia Militar da
aspecto secreto desse ramo, ficando mais restrito aos profissionais que desenvolvem inteligência
criminal.
Necessário apresentar o marco teórico da atividade de inteligência de Segurança Pública no
Brasil. Sua formalização ocorreu em 1927 e, desde então, tem sido revestida por diversas
nomenclaturas: Conselho de Defesa Nacional (CDN), Serviço Federal de Informações e Contra-
Informações (Sfici) e, com o regime militar, foi chamado Serviço Nacional de Informações (SNI).
A atividade de inteligência enfrentou um período de transição, (durante as Diretas e consequente
retorno do regime democrático ao país) até que, em 1999, foi criada a Associação Brasileira de
Inteligência (ABIN). O pós-ditadura militar permitiu uma certa abertura para se discutir essa
atividade e, com a lei de anistia, jornalistas, escritores e outros, começaram a narrar versões das
experiências vivenciadas durante o regime militar, apresentando contraponto àquela visão
unilateral. Assim, outros participantes históricos se encorajaram a também se manifestar.3
5 LIMA, Antônio Vandir de Freitas. O papel da inteligência na atualidade. Brasília-DF: Faculdade Albert Einstein,
2004, p. 12-13.
6 SANTOS, Roberto Ferreira dos. O arcabouço legal da atividade de inteligência do Brasil: entre a eficiência e o
controle. Brasília-DF: UNB, 2015. p. 09.
7 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de
Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e dá outras providências. p. 01
8 O SISBIN foi instituído pela Lei 9.883/1999, artigo 1º, §1º, com o objetivo de integrar as ações de planejamento e
execução das atividades de Inteligência do Brasil. É coordenado pela ABIN, órgão central, sendo o Sistema
responsável pelo processo de obtenção e análise de informações e produção de conhecimentos de Inteligência
necessários ao processo decisório do Poder Executivo.
Para a ABIN, órgão encarregado de produzir Inteligência de Estado, a Inteligência
compreende: “ações de obtenção de dados associadas à análise para sua compreensão. A análise
transforma os dados em cenário compreensível para o entendimento do passado, do presente e para
a perspectiva de como tende a se configurar o futuro.” 9 A partir dessa definição, compreende-se que
a Inteligência busca produzir conhecimentos para orientar, auxiliar assessorar aquele que receberá a
informação (o usuário) a tomar decisões com mais precisão, de maneira fundamentada.
Vale destacar que o SISBIN, em seu artigo 1º, §1º da Lei 9.883/1999, tem como
fundamentos “a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de Direito e a
dignidade da pessoa humana” e deve, além disso, “cumprir e preservar os direitos e garantias
individuais e demais dispositivos da Constituição Federal, os tratados, convenções, acordos e
ajustes internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ou signatário, e a
legislação ordinária.”10 A produção de conhecimento orienta-se por princípios que devem ser
basilares durante a atividade de inteligência, tais como: objetividade, segurança, oportunidade,
controle, imparcialidade, simplicidade e interação.11
Na visão de Marco Cepik, o termo inteligência é utilizado em dois sentidos: a) uma que
considera que “inteligência é toda informação coletada, organizada ou analisada para atender as
demandas de um tomador de decisões qualquer”, e b) e outra que considera a inteligência como
sendo “a coleta de informações sem o consentimento, a cooperação ou mesmo o conhecimento por
parte dos alvos da ação”.12
Segundo o Dr. Herbert Espuny: “A Atividade de Inteligência é um processo específico de
produção de informações estratégicas para a organização.” O referido pesquisador informa que pode
ser desenvolvida em organizações públicas, como também, privadas, mas esta não será focada aqui.
Para Marcos Cepik:
9 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de
Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e dá outras providências. p. 01
10 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de
Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e dá outras providências. p. 01
11 ABIN. Agência Brasileira de Inteligência. Cadernos de Legislação da ABIN, n° 3. Fevereiro de 2018. – Brasília :
Agência Brasileira de Inteligência, 2018. p. 217.
12 CEPIK, Marco A. C. Espionagem e democracia: agilidade e transparência como dilemas na
institucionalização de serviços de inteligência. Rio de Janeiro: FGV, 2003. p. 27
13 Idem, p. 32.
Para definir a Atividade de inteligência, importante também fazermos algumas distinções,
principalmente entre atividade de inteligência e investigação criminal. Alguns autores alertam que
os noticiários divulgados acerca do ‘serviço de inteligência da polícia A ou B’, seria na verdade uma
investigação policial mais aprofundada, com mais alguns recursos, e alerta que não se pode limitar
o trabalho de Inteligência apenas ao uso de escuta telefônica numa investigação criminal, e ele tem
razão14.
O objetivo de uma Investigação Criminal é a apuração das infrações penais, e essa
investigação se desenvolverá seguindo uma série de ações, diligências, cujo intuito é obter
elementos de prova acerca da conduta e da autoria de um fato criminoso. Essa atividade é uma
atribuição da polícia judiciária e que deixou de ser exclusiva desta, em face da decisão do Supremo
Tribunal Federal, em maio/2015, que concedeu legitimidade ao Ministério Público 15 para investigar
crimes.
Mesmo sem haver um conceito na Constituição Federal/1988, no Código de Processo Penal
e no Código penal, estes documentos mencionaram a atividade de investigação criminal, sem citar o
que efetivamente representa. Com base na experiência, entende-se a investigação criminal como o
início da atividade de persecução penal, de verificação de determinado ato, a busca da verdade real
de um fato supostamente criminoso, da sua autoria e materialidade do crime, com vistas a satisfazer
o interesse público e privado.
Assim, Inteligência Criminal, mais comumente conhecida por Inteligência ‘Policial’ (por ser
desenvolvida por profissionais da segurança pública), ´trata-se de uma “atividade especializada e
detentora de técnicas e métodos próprios”.16 A ABIN considera a atividade de inteligência
fundamental e indispensável à segurança dos Estados, da sociedade e das instituições nacionais,
cuja atuação assegura ao poder decisório o conhecimento antecipado e confiável de assuntos
relacionados aos interesses nacionais.17
No §2º do artigo 1º da Lei 9.883/1999, a atividade de inteligência objetiva: “a obtenção,
análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações
de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a
salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.” 18 Interpretando o referido texto da lei, a
‘obtenção’ é o recebimento de um informe/dado que será estudado, apreciado, e passará pela
14 MINGARDI, Guaracy. O trabalho da inteligência no controle do crime organizado. Revista Estudos Avançados
21 (61), 2007. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/ea/v21n61/a04v2161.pdf >. Acesso em: 30 mai/2020. p.
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15 Diz-se que a investigação criminal não é mais atribuição exclusiva das Polícias judiciárias, uma vez que o Supremo
Tribunal Federal, desde que os procedimentos sejam autorizados por um juiz e que se resguardem as garantias
individuais.
16 Apesar da expressão mais utilizada ser Inteligência Policial (por conta da Polícia Civil, Militar, Penal entre outras
que a desenvolvem), recomenda-se chamar a atividade de Inteligência Criminal, porque existem instituições não
policiais que também a executam, a exemplo do Exército brasileiro, Ministério Público.
17 ABIN (Agência Brasileira de Inteligência). Inteligência. Disponível em: <http://www.abin.gov.br/atividade
inteligencia/inteligenciaecontrainteligencia/inteligencia/>. Acesso em: 30 mai. 2020. p. 01
‘análise’, a fim de se verificar se o informe recebido trata-se de algo descartável ou de algo
verdadeiro e relevante. Se o ‘informe’ for confirmado, é algo concreto e relevante, transforma-se em
uma ‘informação’. Esta receberá um grau de sigilo e será ‘disseminada’, levada ao conhecimento
das autoridades competentes dada a potencialidade da informação, a fim de se proteger a sociedade
e o Estado, lembrando que, dependendo do nível de relevância da informação, esta também
precisará estar preservada e protegida.
18 BRASIL. Presidência da República. Lei n. 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de
Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e dá outras providências. p. 01
19 Essa nomenclatura Investigador Criminal ou apenas Investigador é uma tendência nacional de transformação dos
cargos para um nome mais apropriado e que se assemelha às atribuições do cargo, que se volta à investigação de
crimes. O nome investigador criminal engloba: agentes de investigação de polícia civil e escrivães de polícia civil,
que são cargos de nível superior integrantes da categoria investigativa.
20 O artigo aborda a atividade desenvolvida por agências públicas e servidores públicos. Não trataremos da
perspectiva privada, cujos contornos possuem outras características não exploradas nesse texto.
21 Cargo de investigador criminal a formação superior pode ser em qualquer área do conhecimento, diferentemente do
cargo de delegado de polícia que é obrigatória a graduação em direito.
22 Cursos de graduação reconhecidos pelo Ministério da Educação.
23 Previsão na Lei Orgânica da Polícia Civil da Paraíba (Lei complementar n. 85 de agosto de 2008, artigo 251,
incisos II e III).
fatos criminosos, controlar o acesso de pessoas dentro da unidade policial de modo a preservar a
integridade dos profissionais da unidade, também das pessoas que estão em atendimento entre
outros. Devem também custodiar as pessoas investigadas, salvaguardar materiais, documentos
apreendidos e os procedimentos investigativos, realizar pesquisas para o estabelecimento das
causas, circunstâncias e autoria das infrações penais e administrativas, participando da gestão de
dados. O investigador também pode fazer consultas, coletar vestígios encontrados posteriormente
ao crime, fotos, e outros elementos que, novamente, levem à autoria e à materialidade do crime.
Esses vestígios para serem provas precisarão ser levados a um perito oficial criminal que examinará
o material recebido, a fim de coletar informações.
Ao longo da carreira, o investigador criminal pode especializar-se nas áreas de crimes de
homicídio, tráfico de entorpecentes, lavagem de capitais, sequestro, corrupção policial, crimes
cibernéticos, contra criança e adolescentes, violência contra a mulher, tráfico de pessoas, como
também pode integrar grupos táticos especiais, como Grupo de Operações Especiais, entre outros.
Já o Agente de inteligência na Polícia Civil (aqui considerado o servidor público que atua
nos setores de inteligência da administração pública) atuará nas operações que vierem das
delegacias de Polícia, já com um procedimento investigativo em andamento, e que envolvem
principalmente a criminalidade organizada,24 tanto na repressão (tráfico de drogas) quanto na
prevenção (quando se evita a ocorrência de homicídio).
As especificidades estão estabelecidas na Lei 9296/199625, que sofreu algumas alterações
após a Lei 13.964/2019 – que aperfeiçoou a legislação penal e processual penal – e incluiu a
previsão do agente infiltrado, da ação controlada (não permitida numa investigação criminal, apenas
se houver a interceptação telefônica), entre algumas agravantes para o agente que desviar das suas
atribuições.
O Agente de inteligência da Polícia Civil é um pouco diferente do Agente de inteligência da
polícia militar, porque no caso da Polícia Civil o Agente de inteligência é também um investigador
criminal, o que não acontece com o policial militar, cuja formação é voltada ao trabalho ostensivo.
Mas, ambos os Agentes de inteligência precisarão passar por treinamento específico na área de
inteligência para verificar as aptidões e integrarão algum dos setores base da atividade de
inteligência (análise, operações ou contra-inteligência). Os agentes de inteligência são habilitados a
atuar nas operações que utilizarão atividade de inteligência, seguindo os ensinamentos da Doutrina
Os agentes de inteligência que atuam na atividade policial (e aqui o foco são as polícias
estaduasi) são investigadores criminais (agentes de investigação e escrivães de polícia) e têm papel
crucial na garantia da veracidade da produção de conhecimento, da legalidade e imparcialidade do
trabalho. O recrutamento de profissionais para os setores de elite das Polícias é algo necessário, mas
também complexo.
Para recrutar ou buscar profissionais para ingresso na atividade policial, percebe-se dois
posicionamentos: o que considera que quanto mais cedo o policial adentrar na inteligência será
melhor, porque o policial não carregará vícios27 da atividade, nem grandes ciclos de amizade que
poderiam comprometer a segurança dele e das informações, como também estaria menos envolvido
com questões políticas que, porventura, pudessem criar tensões no setor. Por outro lado, há quem
considere que policiais com mais de 05 anos na atividade policial já estariam aptos e mais
preparados para compreender a linguagem do crime, e com mais experiência policial e
investigativa, permitindo uma atuação mais precisa em trabalhos complexos, apesar de terem um
ciclo de amizade maior, com possibilidade de sujeição a pedidos extraoficiais.
Nesse sentido, compreende-se que as duas possibilidades resultarão em profissionais com
níveis de compreensão diversificados do trabalho. Nas duas situações anteriormente apontadas, seja
com pouca experiência policial ou com mais experiência, ambos poderão contribuir
significativamente para o trabalho, restando claro, pela experiência prática da autora, que quanto
mais vivência policial, mais perspicaz para compreender nuances das operações se tornará o Agente
de inteligência, seja este do campo de Análise de inteligência, de Operações de inteligência ou de
Contra-inteligência.
Acredita-se que os setores podem mesclar os profissionais com diferentes tempos na
instituição, desde que observem também outros elementos necessários de natureza subjetiva. Dentre
algumas habilidades necessárias ao Agente de inteligência (do setor de Análise, Operações e
Contra-inteligência) destacam-se:
a) habilidades cognitivas como uma boa aptidão para análise, perceber problemas no discurso e nos
gestos; bom desenvolvimento do pensamento por meio da investigação e da organização do
26 BRASIL. Doutrina Nacional de Atação Integrada de Segurança Pública. 2ªed. Brasília: Ministério da Justiça e
Segurança Pública, 2019.
27 Esses vícios ocorrem quando um policial trabalha por muito tempo em determinada delegacia. Por exemplo, se
trabalha há muito tempo com entorpecentes, é comum sempre que ouvir alguma gíria achar que já se trata de droga.
conhecimento, pensar de forma crítica e criativa, posicionar-se, comunicar-se e estar consciente de
suas ações;
b) boas habilidades na resolução rápida de problemas (muitas situações surgem de última hora e é
necessária desenvoltura para de forma efetiva e célere buscar a melhor saída, sobretudo, menos
danosa possível);
c) habilidades operativas com aplicação do conhecimento teórico em prática responsável, refletida e
consciente; capacidade de trabalhar como parte de uma equipe (é comum pessoas se acharem muito
inteligentes e considerarem que sozinhas produzem mais, o que é possível. Mas o trabalho de
inteligência necessitará de constante produção em equipe);
d) boa habilidade na elaboração de relatórios, com atenção constante aos detalhes (os relatórios
serão escritos para os leitores do âmbito jurídico, atentos às sutilezas);
e) vontade de aprender e trabalhar com uma variedade de aplicativos eletrônicos (hardware,
software, incluindo algumas ferramentas especializadas de coleta, análise criminal e apresentação
de dados);
f) boas habilidades de comunicação (saber se expressar num texto e defender seu posicionamento
numa operação, motivação, foco, iniciativa e inovação), estar sempre se aperfeiçoando e preparado
para transmitir conhecimentos adquiridos, a fim de também contribuir para o desenvolvimento do
setor e dos profissionais);
g) estar pronto para mudanças, sendo capaz de se adaptar a circunstâncias imprevisíveis;
h) sensibilidade cultural, empatia, respeito, ética e força de caráter para construir relacionamentos
com as pessoas e ser persuasivo, especialmente no trabalho de inteligência humana, empregando
argumentos legítimos e legais com o propósito de orientar que se adote uma certa conduta, para
alcançar as melhores decisões;
i) a capacidade de trabalhar efetivamente sob pressão, demonstrando resiliência e perseverança.
A experiência profissional da autora permite elencar tais habilidades como algumas das que
considera necessárias à execução do trabalho de inteligência criminal, no âmbito dos setores de
análise de inteligência, operações de inteligência e contra-inteligência. Mas o que faz esses setores?
A produção de informações estratégicas é orientada da mesma forma nos serviços de
Inteligência do mundo inteiro. O investigador Herbert Espuny sugere um roteiro 28 com alguns dos
elementos indicadas abaixo, mas que foram incrementados para ampliar a compreensão:
a) Estabelecer o objetivo: o que se busca para se produzir um conhecimento? Alguma informação
do concorrente? Há vazamento de dados por algum servidor/funcionário? São algumas questões.
28 ESPUNY, Herbert Gonçalves. Combate à fraude com atividades de inteligência: case Operação esqueleto.
2012. Disponível em: <http://www.abseg.org.br/public/uploads/Trab-Premio-ABSEG-2012_Operacao.pdf>. Acesso
em: 30 mai/2020. p. 17.
b) Busca de dados: esta é a fase em que os agentes de Inteligência do setor de Análise vão buscar os
dados necessários para a análise do problema. Os dados podem ser abertos ou negados. Dados
abertos são aqueles que podem ser obtidos em fontes abertas (redes sociais, reportagens, banco de
dados...), ainda que tais fontes existam em canais restritos e de difícil acesso. Dados negados são
aqueles que são propositalmente protegidos por governos ou outras organizações.
c) Análise dos dados: esta é a fase em que se analisam os dados obtidos. É uma atividade
especializada, própria do setor de Análise de inteligência, realizada por Analistas treinados. Vários
dados poderão também ser confirmados pelas equipes de Operação de inteligência, que atuam
fazendo levantamentos em busca de confirmar nome de pessoas, locais de trabalho, de residência,
identificar suposta movimentação ilegal, os horários, outros envolvidos. É um grupo também
especializado, discreto, profissional, preparado para aguentar horas num determinado local
monitorando o ambiente e pessoas. Não se confundem com o agente infiltrado que é outra situação,
bem mais delicada. O Agente de operações de inteligência, assim como o analista, não devem
intervir nas situações que estão acompanhando, pois a ação controlada (prevista na Lei
13.964/2019) lhes assegura “deixar passar um crime, para identificar algo maior”. Mas há exceções:
evitar um homicídio por exemplo.
d) Produção do Conhecimento: após a devida análise do material colhido, os analistas de
Inteligência produzem o conhecimento. Essa produção também é uma atividade especializada,
busca refletir o grau de certeza num determinado evento, descartando o que não é relevante para o
conhecimento que vem sendo construído.
e) Apresentação: após a produção do conhecimento, tudo o que foi obtido deve ser devidamente
disposto em forma de arquivo adequado para a apresentação aos setores devidos.
A inteligência de Segurança Pública – realizada por órgãos policiais – tem sido primordial
para o enfrentamento qualificado da criminalidade. Os resultados abaixo apresentam investigações
criminais que obtiveram suporte da atividade de inteligência da Polícia Civil (setores de análise e
operações), durante os anos de 2015 a 2019, ressaltando que são operações realizadas pela Polícia
Civil em todo o território paraibano, seguindo os preceitos legais previstos no art. 5º, inciso XII, e
regulamentado pela Lei 9.296/1996. O artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal/1988,
determina que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Os dados apresentados na planilha abaixo demonstram um bom desempenho quanto ao
suporte empreendido nas investigações criminais, resultando em operações exitosas. Vale lembrar
que em todas elas não houve nenhum incidente com policial (morte, lesão) como também não
houve nenhuma vítima ou investigado ferido durante a deflagração. A deflagração é a data limite
definida para executar as prisões e apreensões, após cumpridos os prazos legais e coletado robusto
relatório com informações. Ressalte-se que as operações são monitoradas 24h, todos os dias sem
exceção, exclusivamente por investigadores criminais, maioria pós-graduados na área e com larga
experiência na atividade-fim.
INDICAÇÃO
**ENTORPE- HOMICÍ- ***EVENTOS ARMAS
OPERA- *APRE- DE AUTORIA
ANO PRISÕES CENTES DIOS EM APRE-
ÇÕES ENSÕES DE
(KG) EVITADOS PRESÍDIOS ENDIDAS
HOMICÍDIO
2015 163 174 97 2275 67 29 19 46
2016 191 278 34 615 72 49 6 61
2017 135 454 37 1512 64 32 11 95
2018 201 141 85 302 33 25 7 46
2019 187 298 125 1401 29 23 12 51
TOTAL 877 1345 378 6105 265 158 55 299
Fonte: Unidade de Inteligência Policial – UNINTELPOL (PC/PB), referente aos anos de 2015 a 2019.
* A indicação Entorpecentes refere-se à apreensão de qualquer substância entorpecente (cocaína, maconha, crack);
**As Apreensões referem-se ao número de adolescentes infratores apreendidos nas operações.
*** Os Eventos em presídios são: rebeliões, arremesso de celulares para dentro do presídio, fugas, ou seja, qualquer
alteração dentro das unidades prisionais na Paraíba.
30 ANDRADE, Dailson Batista de. Recrutamento e Seleção de Agentes de Inteligência: parâmetros normativos e
problemas práticos. Monografia. (Academia de Polícia Civil da Paraíba e Universidade Estadual da Paraíba)
Disponível em: <http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/16715/1/PDF%20-%20Dailson
%20Batista%20de%20Andrade.pdf>. Acesso em: 30 jun/2020. p. 42
31 ALVAREZ, João Luiz Sobreira. Subsistema de Inteligência da Polícia Militar da Paraíba: processo de
recrutamento e seleção. Monografia (Especialização em segurança pública) Centro de Educação da Polícia Militar
da Paraíba. João Pessoa, 2020.
Art. 3º O SEINSDS será chefiado pelo Secretário de Estado da Segurança e da Defesa
Social e terá como Agência Central a Coordenação Integrada de Inteligência de Segurança
e Defesa Social – CIISDS, órgão de coordenação, planejamento e execução do Sistema, que
contará com a seguinte estrutura orgânica:
I – Coordenadoria;
II – Unidade de Análise, Busca Eletrônica e Acompanhamento de Crimes de Alta
Tecnologia (UNABE);
III – Unidade de Crime Organizado (UCO);
IV – Unidade de Acompanhamento do Sistema Penitenciário (UASP);
V – Unidade de Apoio Administrativo e Logístico (UAAL);
VI – Unidade de Tecnologia da Informação;
VII – Unidade de Operações de Inteligência (UOP);
VIII – Unidade de Contra-Inteligência (UCI); e
IX – Unidade de Estatística, Planejamento e Modernização (UPM).
§1º A coordenação referida nesse artigo será chefiada por Delegado de Polícia Civil do
Estado da Paraíba, em razão do mandamento previsto no § 4º, do artigo 144, da
Constituição Federal.32
Os cargos em comissão são aqueles providos por meio de recrutamento amplo ou restrito, ou
seja, por pessoas que não pertençam aos quadros dos servidores efetivos da Administração
Pública, aqueles denominados de livre nomeação e exoneração, ou por servidores efetivos
do quadro de carreira, desde que, em ambos os casos, as atribuições sejam próprias de
direção, chefia ou de assessoramento.
As funções de confiança (ou gratificada) são aquelas exercidas, exclusivamente, por
servidores concursados, efetivos dos quadros de carreira da Administração Pública
(recrutamento restrito), também são destinados apenas às atribuições de direção, chefia e
assessoramento.34
32 GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA. Lei n.º 10.338, de 03 julho de 2014. Disponível em:
<http://static.paraiba.pb.gov.br/2017/10/Decreto-n%C2%BA-35.224-de-2014-Regulamenta-a-Lei-n%C2%BA-
10.338-de-2014.pdf>. Acesso em: 30 jun. 2020. p. 04.
33 São os cargos ocupados transitoriamente por agentes públicos nomeados e exonerados livremente pela autoridade
competente. Neles, não haverá os conhecidos concursos públicos para exigir aprovação prévia, conforme previsto
no art. 37, II da CF/88, podendo a escolha dos ocupantes recair sobre servidores ou pessoas que não integram o
quadro funcional, nos limites previstos em lei (art. 37,V da CF/88).
34 OLIVEIRA, Maria Aparecida. Direito Administrativo. Conteúdo Jurídico. Disponível em:
<https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49778/cargo-comissionado-e-funcao-de-confianca-cessao-
Como se observa, os critérios para o recrutamento dos Agentes de inteligência estão de certa
forma estabelecidos. O mesmo, porém, não acontece com os ‘gestores’ de inteligência. Nesse
sentido, quais os riscos para a atividade de inteligência, caso o chefe do executivo queira interferir
no trabalho dos setores de inteligência, a fim de obter informações contra adversários políticos? E
se houver alguma tentativa do secretário de estado (pessoalmente ou por meio de outrem) de fazer
ingerência no trabalho desenvolvido pelos profissionais dos setores de Inteligência? E se o
secretário de estado vir a interferir na atividade, de modo a impedir o andamento de operações, com
o objetivo de beneficiar anseios corporativistas, assim, deixar o Estado vulnerável, sem
acompanhamento dos principais criminosos e locais de maior tensão (presídios), e suscetível a
grandes escândalos que acirrem tensões e disputas?
Vejam que são situações extremas, mas que podem ocorrer, em virtude do ambiente de
poder e interesses políticos que regem os altos cargos das instituições públicas. Mas se o cargo é de
confiança, não parece concebível que o chefe do executivo indique para tais cargos de chefia,
profissionais com perfil que venha a criar disputas ou dúvidas quanto à lisura de suas atitudes. As
pessoas indicadas para a gestão desses cargos, contudo, nem sempre podem conhecer a atividade de
inteligência. Além disso, os critérios definidos na Lei parecem mais um incentivo ao privilégio de
cargos, em detrimento da competência técnica, conforme se observou na citação da lei acima
indicada (Lei 10.338, art. 3º, § 1º)
É oportuno fazer uma observação sobre a relevância da gestão para as instituições. Parece
existir em algumas instituições públicas uma cultura de gestão ineficiente, que insiste em ‘gestão de
cargos’. Nas polícias judiciárias por exemplo, é comum delegados de polícia quererem gerenciar
todos os setores da atividade policial, inclusive, na área de inteligência policial, como se observou.
Parece haver, no âmbito das polícias estaduais, uma interpretação a princípio equivocada – da parte
de alguns delegados – que consideram que o artigo 144, §4º da Constituição Federal assim
determina. Observe o texto da lei: “Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.”
O termo ‘dirigidas’ significa que o posto de direção da instituição, qual seja, a Delegacia
Geral de Polícia Civil, não poderá ser ocupado por pessoas alheias à instituição, sendo uma
preocupação do legislador à época da promulgação da Carta Magna. Inclusive destacou que fosse
ilegal-de-servidores>. Acesso em: 30 mai. 2020. p. 02
delegado de ‘carreira’, isto é, concursado, e não um comissionado, como era comum na época. Essa
indicação do cargo de delegado à época devia-se também pela existência de cargos de nível médio
na instituição policial, o que hierarquicamente fazia sentido. Ademais, o texto visava definir a
incumbência de “funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais” às polícias civis.
Contrariando a importância do cargo, alguns delegados de polícia parecem estão eximindo-
se do trabalho operativo de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, em prol da
incessante busca por: ocupar postos de gestão na instituição; centralizar as decisões; e impedir que
outros cargo possam participar da gestão da Polícia Civil.
Esse tipo de gestão - reforçando que não é da maioria - tem demonstrado incapacidade de
criar boas relações no ambiente de trabalho em todo o país, pois bacharéis em direito estão
gerenciando instituições, em tese, de forma corporativa, até em setores onde sequer possuem
conhecimento técnico, sendo além disso, custosa a manutenção desses cargos de chefia que
possuem um titular e um adjunto, quase como regra, sem nenhum efeito prático. O trabalho, na
maioria das vezes, é desenvolvido por subordinados que, aí sim, possuem conhecimento e
habilidades para exercer as funções. O texto constitucional parece sinalizar como orientador,
indicando que na chefia maior da instituição (será um delegado de carreira), não obrigatoriamente
em ‘todos’ os postos de todos os setores da instituição policial.
Parece um tanto incoerente que haja um delegado de polícia, apenas com a graduação em
direito, coordenando setores cuja natureza de sua graduação não os habilita a exercer certas chefias,
ainda mais quando há profissionais de outros cargos, com formação e pós-graduação, mais
habilitados para conduzir, também não parece razoável haver na direção de uma Academia de
polícia apenas delegados, quando necessita de pessoas pós-graduadas, que entendam a Academia de
polícia como um centro de formação permanente que pode desenvolver pesquisa e extensão,
integrando os diferentes cargos da instituição.
Como normalmente existem poucos delegados nas instituições policiais, é importante que
eles não olvidem de seu mister nas delegacias de polícia. Buscar se ‘esconder’ do árduo e
estressante trabalho policial das delegacias, como absolutistas, atrás de funções gratificadas ou em
busca de prerrogativas jurídicas incabíveis, não parece ser uma postura compatível com a
moralidade requerida pela administração pública. Parecem tornar o cargo de delegado em algo
ainda mais burocrático, sobrepondo anseios privados sobre o interesse público, desvirtuando-se da
eficiência.
Por isso existe a preocupação com a atividade de inteligência que vai além dos preceitos
legais. Entende-se que ela deva também estar respaldada perante aspectos de natureza moral, “que
são encontrados tanto no arcabouço ético do próprio indivíduo, de respeito às instituições e à
sociedade que representa, como no exercício da atividade de Inteligência por meio da justificação
de seus atos praticados perante a sociedade.”35
Para o procurador-geral da República Rodrigo Janot a intenção da carreira jurídica dos
delegados de polícia é “muito provavelmente, atender a interesses corporativos dessa categoria de
servidores públicos”.36 Reforçando essa afirmação, o entendimento firmado, por unanimidade, pelos
ministros do Supremo Tribunal Federal foi de que a carreira de delegado de polícia não pode ser
equiparada às carreiras jurídicas. Se querem carreira jurídica, deixem a atividade policial e
concorram aos cargos da carreira jurídica.
Com essa postura em busca de ‘atender interesses corporativos’, consoante citou o
procurador, alguns delegados deixam as unidades policiais desassistidas, talvez por compreenderem
a dispensabilidade de suas atribuições. Outros colocam a sobrecarga do trabalho para os
subordinados mais qualificados atuarem na execução das tarefas dos setores, sem que estes sejam os
verdadeiros coordenadores/gerenciadores e consequentemente merecedores da recompensa
pecuniária advinda da soma de funções. Infelizmente essa é a ‘gestão de cargos’, egoísta e
ineficiente de algumas instituições, que consideram superiores hierárquicos como detentores dos
maiores conhecimentos, aptos a gerir, quando na verdade parecem apoderar-se da capacidade de
alguns em benefício próprio. Daí por que se torna desafiador discutir a imparcialidade dos gestores
quando interesses corporativos se sobrepõe.
Para alguns doutrinadores, existem falhas que são provocadas de forma absolutamente
irresponsável, porque os envolvidos têm a consciência de que estão praticando algo irregular: a
ingerência política. Assim, passa-se a entender que a parcialidade pode gerar sérios riscos à
salvaguarda dos setores de inteligência policial.
Dessa forma, quando ideologias particulares passam a se sobrepor ao interesse público,
servindo para atender demandas de ordem privada ou de um pequeno coletivo, ou até servindo para
assegurar postos de trabalho na gestão desses setores sensíveis, a atividade de inteligência pode
sofrer grande impacto na preservação da sua imparcialidade. Interesses escusos, profissionais com
perfil individualista, muito parcial, partidarizado, corporativista, podem comprometer
significativamente a salvaguarda de informações produzidas no âmbito das agências de inteligência,
ao ultrapassar as barreiras do ético e do legal, na tentativa de interferir no gerenciamento dos
trabalhos.
Induzir as conclusões para um determinado caminho, deturpando a realidade, pode ser um
dos problemas enfrentados pelos Agentes de inteligência:
35 ABIN (Agência Brasileira de Inteligência). A inteligência no estado democrático: soluções e impasses. Revista
Brasileira de Inteligência. nº. 6 (abr. 2011). Brasília: Abin, 2005. p. 13.
36 STF (Supremo Tribunal Federal). ADI questiona norma estadual sobre equiparação de carreira de delegado.
2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?
idConteudo=316731&caixaBusca=N>. Acesso: em 30 mai/2020. p. 01.
Isto pode ocorrer quando os analistas de Inteligência são pressionados, seja pela via
hierárquica, seja pela conveniência política a confeccionar um relatório que atenda a outros
interesses, que não seja o da metodologia da atividade de Inteligência. E o que é pior:
utilizarem-se do conhecimento especializado em Inteligência, deturparem as conclusões e
apresentarem como se fosse fruto legítimo do trabalho.37
3. Considerações finais
37 Idem, p. 05
indicação dos gestores para atividade de inteligência, percebe-se que existem poucos critérios,
restando a princípio ser ocupante do cargo de delegado de polícia civil na Paraíba.
Apesar de não haver expressamente indicação de atos sob suspeita, é preocupante a
nomeação da pessoa com grau de parentesco muito íntimo do secretário de estado da segurança.
Essa indicação ‘familiar’ para atuar num dos setores da atividade de inteligência, pode ser mal
interpretada. Do mesmo modo, o fato de um secretário da pasta de segurança ser filiado a partido
político ou integrante da diretoria de entidade de classe que representa o cargo de delegados, ou
seja, o seu próprio, podem até transparecer legalidade, mas não inspira moralidade. Na tentativa de
responder à pergunta do título, com essas condições, parece difícil uma ‘gestão imparcial’ na
atividade de inteligência.
Nesse diapasão, analisar a observância ao princípio da imparcialidade na gestão da atividade
de inteligência tornou-se algo crucial, pois percebe-se que o comprometimento da imparcialidade
pode resultar em sérios prejuízos ao setor. Todavia, a possibilidade de uma blindagem pelos
próprios Agentes de Inteligência pode representar segurança do setor, uma vez que estes são
doutrinados e passam por um processo de avaliação permanente.
Conforme se observou nas habilidades do Agente de inteligência, verifica-se que o
recrutamento se baseia em critérios objetivos e subjetivos. Ele não pode deixar que suas convicções
de ordem política, religiosa, ideológica, construídas no ambiente familiar ou profissional, interfiram
no trabalho de produção de conhecimento. Posicionamentos extremistas podem prejudicar a
salvaguarda das informações produzidas, não significando que uma pessoa não possa defender seus
ideais. Esse não é o problema.
Por ser um local estratégico e sensível, é necessário manter neutralidade nos
posicionamentos de interpretação das operações, como forma de proteção dos agentes e das
informações do setor, pois a análise de inteligência é imparcial. Devendo-se apreciar fatores em
toda sua extensão, sem ficar escolhendo uns e desconsiderando outros, eventualmente contrários. 38
Qualquer conhecimento produzido sem a preocupação com a imparcialidade desvirtua a atividade
de inteligência.
O controle do comportamento dos Agentes de inteligência (do setor de análise, de operações
e de contra-inteligência) também precisa ser realizado para que exposições desmedidas não venham
a comprometer o próprio servidor, o setor e as informações, cujo valor é inestimável. Informações
reservadas podem levar à prisão ou absolvição de um indivíduo investigado, ou pode gerar crises
institucionais e de poder, como foi o caso ocorrido no âmbito federal envolvendo o presidente Jair
Bolsonaro e o ex-ministro Sérgio Moro.
38 ESPUNY, Herbert Gonçalves. O que aconteceu com a inteligência de segurança pública do Rio de Janeiro?
Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 23, n. 5375, 20 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64680.
Acesso em: 30 mai. 2020. p. 02
Por isso, necessário o estabelecimento de critérios tanto para os agentes de inteligência,
quanto para os gestores. Critérios objetivos, e também os critérios subjetivos, que poderão ser
analisados em entrevistas, algumas atividades específicas, dentro de uma perspectiva voltada a
evitar a possibilidade de ingresso de pessoas que almejem manipular investigações e/ou impedir que
elas aconteçam, para atender interesses invisíveis para uns, mas muito bem definidos e planejados
para outros.
Os dados da planilha sobre os resultados do trabalho da Unidade de Inteligência da Polícia
Civil da Paraíba dos Agentes de inteligência desse setor especializado, apresenta várias operações
sigilosas por mês, demandando a total capacidade do setor e seus profissionais. Uma atividade que
auxilia no planejamento e na organização das operações para que tudo ocorra sem prejuízos,
resultando na preservação de vidas, na elaboração de relatórios com qualidade técnica, na prisão
com provas contundentes para alcançar os reais envolvidos e delimitar as ações destes investigados.
A atividade de Inteligência tem como propósito atuar com cientificidade, com eficiência e de
forma direcionada, a partir de informações cujo propósito é desarticular crimes que envolvam
principalmente crimes decorrente de organizações criminosas É uma atividade que necessita de
vários atores para o desenvolvimento de um trabalho de excelência: Agentes de inteligência e
gestores.
Os resultados das operações reveladas nesse artigo indicam haver um trabalho imparcial por
parte dos Agentes de inteligência, com eficiência, baixíssima letalidade, economia financeira, o que
está em consonância com a preservação de princípios constitucionais, de direitos humanos e da
administração pública. Ocorre que existem critérios previamente elencados para o recrutamento de
Agentes de Inteligência, mas o mesmo não ocorre com os gestores. Portanto, pode-se considerar
uma lacuna nesses setores, uma vez que critérios previamente definidos permitem minimizar os
riscos de problemas nesses setores sensíveis, inclusive impedir ingerência do gestor maior do
executivo na atividade, como também, do gestor da pasta de segurança e dos gestores de
inteligência sobre os Agentes de inteligência.
O princípio da eficiência foi introduzido no ordenamento jurídico com a Emenda
Constitucional de n° 19/1998, acrescendo ao artigo 37 da Constituição Federal, a atribuição à
Administração Pública e aos agentes que a constituem, o atendimento com eficiência às
necessidades coletivas, de forma isenta, interativa, clara, dentro da legalidade e moralidade, sendo
este princípio imperioso para o Estado. Assim, não é mais cabível uma ‘gestão de cargos’ na
administração pública que almeja atender tais especificidades e princípios!39 O modelo atual de
gestão das polícias civis estaduais vai na contramão dos gerenciamentos modernos, que caminham
39 Vale dizer que existe um movimento nas polícias civis e federais em busca do cargo único e da carreira única para
modernização da instituição e reestruturação das carreiras, o que de fato vai no sentido de aprimoramento,
valorização, agilidade e eficiência.
em prol de um trabalho eficiente, ético, colaborativo e integrado, somando-se diferentes ciências e
experiências, a fim de compartilhar boas práticas para se obter melhores resultados.
A falta de critérios objetivos para os gestores ocuparem os cargos de chefia, pode servir de
porta aberta para interferência na gestão da atividade de inteligência, através de ingerência política e
corporativista, o que se busca são conhecimentos técnicos (e não somente cargos) e avaliação
bilateral onde os gestores e agentes de inteligência se avaliarão, permitindo críticas construtivas que
visem ao aperfeiçoamento. Entre alguns critérios objetivos para gestão, destacam-se: a indicação de
cursos na área, tempo de experiência com atividade de inteligência, afinidade com a atividade, não
existir vínculos de parentesco entre gestores.
A atividade de inteligência necessita ganhar visibilidade a partir do olhar dos profissionais
que atuam nessa área, a fim de se problematizar questões multidisciplinares mais particulares,
eventualmente não perceptíveis pelo público externo à instituição. É necessário discutir algumas
situações delicadas e comprometedoras, fomentando pesquisas que ampliem o debate para
fortalecimento da inteligência de Segurança Pública. Será uma forma também de se desenvolverem
outros estudos, ampliando-se as fontes disponíveis nesse segmento. Assim, coloca-se como
importante associar a inteligência à pesquisa científica, para se conectar com outros patamares
estratégicos, produzindo conhecimento muito além de uma investigação.
É real a necessidade de fiscalização dos gestores do alto escalão que está a frente da
Atividade de Inteligência, cujo objetivo é construir uma gestão de conhecimento técnico,
valorizando os que continuam se aperfeiçoando na atividade, resguardando o princípio da
imparcialidade, previsto pela Doutrina de inteligência, e assegurando significativos resultados. Com
isso, a tendência é ampliar investimentos nos setores, no recrutamento e qualificação do pessoal,
aperfeiçoando-se o trabalho e valorizando os agentes de inteligência e os gestores, desde que estes
estejam realmente comprometidos e distantes de desmandos e ingerências político-partidárias.
Assim, será possível desenvolver a atividade de inteligência de segurança pública com qualidade e
assegurando um trabalho pautado na eficiência, imparcialidade, legalidade e moralidade.