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INDICAÇÃO GEOGRÁFICA E
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL:
reflexões sobre o tema e potencialidades no
Estado de Santa Catarina
1ª edição
Editora LiberArs
São Paulo
2015
INDICAÇÃO GEOGRÁFICA E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL:Reflexões sobre o tema e
potencialidades no Estado de Santa Catarina
© 2015, O organizador
ISBN 978‐85‐64783‐58‐4
Editores
Fransmar Costa Lima
Lauro Fabiano de Souza Carvalho
Editoração
Cesar Lima
Imagem de Capa
Fabio Costa
ISBN 978‐85‐64783‐58‐4
CDD 338.9
CDU 338
Todos os direitos reservados. A reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio,
das páginas que compõem este livro, para uso não individual, mesmo para fins didáticos,
sem autorização escrita do editor, é ilícita e constitui uma contrafação danosa à cultura.
Foi feito o depósito legal.
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E
INDICAÇÃO GEOGRÁFICA: APRESENTAÇÃO DE COLETÂNEA
E INTRODUÇÃO AO TEMA...............................................................................................7
CAPÍTULO 1.........................................................................................................................23
GOVERNANÇA NOS TERRITÓRIOS, OU GOVERNANÇA TERRITORIAL:
DISTÂNCIA ENTRE CONCEPÇÕES TEÓRICAS E A PRÁTICA
VALDIR ROQUE DALLABRIDA ‐ UNC
JAIRO MARCHESAN ‐ UNC
ADRIANA MARQUES ROSSETTO ‐ UFSC
ELIANE SALETE FILIPPIM ‐ UNOESC
CAPÍTULO 2.........................................................................................................................41
A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DE PRODUTOS: UM ESTUDO SOBRE
SUA CONTRIBUIÇÃO ECONÔMICA NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
GIOVANE JOSÉ MAIORKI ‐ UNC
VALDIR ROQUE DALLABRIDA – UNC
CAPÍTULO 3.........................................................................................................................57
A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO CONTRIBUTO PARA
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ANÁLISE A PARTIR DE
EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS NO SETOR VINÍCOLA
SABRINA DHIENIFFER SANDER ‐ UNC
VALDIR ROQUE DALLABRIDA ‐ UNC
CAPÍTULO 4.........................................................................................................................73
O PATRIMÔNIO CULTURAL COMO ATIVO TERRITORIAL
NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
MÁRCIA FERNANDES ROSA NEU ‐ UFPR
PATRICIA DE OLIVEIRA AREA ‐ UNIVILLE
CAPÍTULO 5.........................................................................................................................87
DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
E INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS AGROPECUÁRIAS
CRISTIANE DE MORAIS RAMOS ‐ UFSC
ADRIANA MARQUES ROSSETTO ‐ UFSC
CAPÍTULO 6.......................................................................................................................105
ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO NO MUNICÍPIO DE CANOINHAS (SC):
UM ESTUDO A PARTIR DO MANEJO DE FRAGMENTOS DE FLORESTA
OMBRÓFILA MISTA E SUA RELAÇÃO COM A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA
LAURO WILLIAM PETRENTCHUK ‐ UNC
JAIRO MARCHESAN ‐ UNC
VALDIR ROQUE DALLABRIDA ‐ UNC
CAPÍTULO 7 ...................................................................................................................... 117
SIGNOS DISTINTIVOS E POTENCIAIS BENEFÍCIOS
AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
SUELEN CARLS ‐ UFSC
LILIANA LOCATELLI ‐ UFSC
LUIZ OTÁVIO PIMENTEL ‐ UFSC
1
Está no prelo, na revista EURE (Chile), artigo com os resultados da investigação. Uma
primeira abordagem sobre o tema ativos territoriais foi realizada em Dallabrida e Ferrão
(2014).
7
como alternativa de Desenvolvimento, que servirá como referência às minhas
atividades de investigação, entre 2013 e 2016, relacionados à Bolsa
Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq); por fim, Signos Distintivos Territoriais e
Indicação Geográfica: um estudo sobre os desafios e perspectivas como
alternativa de Desenvolvimento Territorial, iniciado em dezembro de 2014,
com financiamento do CNPq, devendo se estender até 2016.
As iniciativas de investigação e publicações mencionadas convergem no
debate sobre Indicação Geográfica, tendo como substrato o
desenvolvimento territorial e a governança territorial. Ou seja, partem do
entendimento da Indicação Geográfica como meio, o desenvolvimento
territorial como fim e a governança territorial como forma de gestão
societária, tendo por base um entendimento pessoal das referidas categorias
conceituais.
8
O livro está dividido em duas partes. Na primeira, são tratadas questões
atinentes a um dos propósitos do projeto de pesquisa: o aprofundamento da
compreensão sobre as potencialidades e limites de estratégias de
especificação de ativos territoriais, tais como a Indicação Geográfica, como
alternativa de desenvolvimento territorial.
O primeiro capítulo do livro faz referência à questão da governança
territorial, tema do artigo Governança nos Territórios, ou Governança
Territorial: distância entre concepções teóricas e a prática, o qual contempla
uma avaliação e análises sobre os sistemas de governança territorial
utilizados nas experiências de Indicação Geográfica, tendo como foco o
estudo de experiências brasileiras e de Portugal. Conclui que ainda há uma
grande distância entre as concepções teóricas e as práticas de governança
territorial.
O segundo e o terceiro capítulo, respectivamente, A Indicação
Geográfica de produtos: um estudo sobre sua contribuição econômica no
Desenvolvimento Territorial e A Indicação Geográfica como contributo para o
Desenvolvimento Sustentável: análise a partir de experiências brasileiras no
setor vinícola, resultam de duas dissertações realizadas no âmbito do
Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC, as quais estudaram os
possíveis impactos no desenvolvimento territorial de experiências de IG,
considerando as dimensões econômica, social, cultural e ambiental. Quanto à
dimensão econômica, os resultados obtidos foram suficientes para reafirmar
a importância da Indicação Geográfica como vetor do desenvolvimento de
territórios e regiões, salientando, no entanto, que isso não ocorre de forma
autônoma, mas, sim, pelo envolvimento integrado da sociedade civil e dos
setores da economia que fazem parte do objeto da IG. Já em relação às
dimensões social e cultural, conclui‐se que estão minimamente
contempladas. No entanto, em relação à dimensão ambiental, a preocupação
resume‐se ao atendimento das exigências legais, sendo necessários mais
avanços.
O Patrimônio Cultural como ativo territorial no desenvolvimento regional
é o título do quarto capítulo. Como o próprio título sugere, o objetivo foi
refletir sobre o papel que a educação patrimonial pode ocupar no
desenvolvimento territorial, na medida em que auxilia no reconhecimento e
valorização do patrimônio cultural de uma comunidade. Esse
reconhecimento e valorização, como a autora propõe, poderá elevar a auto‐
estima e, portanto, auxiliar na busca de soluções para o desenvolvimento
solidário. Trata‐se, ainda, de uma reflexão teórica, mas que versa sobre uma
dimensão importante ao se referir ao processo de reconhecimento de uma
IG.
O quinto capítulo ‐ Desenvolvimento, Sustentabilidade Ambiental e
Indicações Geográficas agropecuárias ‐ traz uma reflexão sobre o papel das
Indicações Geográficas na promoção do desenvolvimento regional, dando
9
ênfase ao aspecto ambiental. Inicia pela explicitação das premissas que
sustentam a relação intrínseca entre desenvolvimento e território e como a
demarcação de uma IG pode estar associada à sustentabilidade. Com base na
legislação brasileira e o Guia para a Solicitação e Registro das Indicações
Geográficas de Produtos Agropecuários, elaborado pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), expõe alternativas para que
o aspecto da sustentabilidade ambiental seja inserido de forma mais efetiva
nas premissas das IG.
Reafirmando a dimensão da sustentabilidade ambiental antes referida,
o sexto capítulo ‐ Alternativas de desenvolvimento no município de Canoinhas
(SC): um estudo a partir do manejo de fragmentos de floresta ombrófila mista
e sua relação com a indicação geográfica ‐ aborda o tema, demonstrando
como alternativas de desenvolvimento que utilizem ou não a estratégia da
IG, podem contribuir, não só para geração de emprego e renda, mas também
como uma estratégia de preservação e regeneração de fragmentos florestais.
A erva‐mate é um dos muitos exemplos em que sua valorização por meio do
reconhecimento de uma IG pode contribuir para a preservação e
recuperação das matas nativas.
Já o último capítulo da primeira parte do livro ‐ Signos Distintivos e
potenciais benefícios ao Desenvolvimento Territorial ‐ apresenta trata da
gestão dos ativos intangíveis do território, focalizando os direitos de
propriedade industrial das marcas de produtos e serviços, marcas coletivas
e de certificação e as Indicações Geográficas, destacando que a formalização
desses institutos potencializa sua valorização e os protege juridicamente no
mercado, podendo alicerçar a economia de uma região e compor estratégias
de promoção do desenvolvimento territorial.
A segunda parte do livro atende a um dos propósitos do projeto de
pesquisa em referência: mapear as principais potencialidades de
especificação de ativos territoriais situadas nas diferentes mesorregiões
catarinenses, na forma de signos distintivos com potencial de registro, seja
na condição de Indicação Geográfica ou Marca Coletiva. Vai além do
mapeamento, contemplando a caracterização e apontamento de potenciais
em cinco regiões do Estado de Santa Catarina.
Assim, o capítulo oito – Produtos com Identidade Territorial no Estado de
Santa Catarina: potenciais para a Indicação Geográfica ‐ identifica e
caracteriza os produtos catarinenses que apresentam potencialidades para
adquirirem o reconhecimento como IG, destacando sua localização,
possíveis impactos econômicos e as formas de valorização assumidas local e
regionalmente. Como ponto de partida, foi utilizado um estudo preliminar
realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
2
(SEBRAE) utilizando uma metodologia própria para tal . Além da
2
Um dos propósitos do projeto de pesquisa que resultou neste livro era propor indicativos
metodológicos que facilitassem a prospecção de ativos e recursos com especificidade
10
experiência de IG já reconhecida, o Vale da Uva Goethe, são apontados vinte
e sete produtos com potencialidade de registro, distribuídos nas
mesorregiões catarinenses. Algumas experiências merecem uma atenção
especial, tal como o caso da erva‐mate.
Na sequência, os capítulos nove, dez, onze e doze registram e
caracterizam experiências de produtos com potencialidade para o
reconhecimento de IG, em quatro regiões do Estado de SC: a Serra
Catarinense (queijo serrano); o Meio Oeste (tranças da terra); o Oeste
Catarinense (suinocultura); o Planalto Norte (erva‐mate). Os capítulos são,
respectivamente: (1) Contribuição do Queijo Artesanal Serrano para o
desenvolvimento regional e preservação dos campos de altitude do sul do Brasil;
(2) Desafios para o associativismo de base territorial: o caso do Projeto
Tranças da Terra; (3) Formação histórica, territorial e econômica da
Mesorregião Oeste Catarinense: limites e possibilidades de constituição de
Indicações Geográficas; (4) Indicação Geográfica da erva‐mate no Território
do Contestado: reflexões e projeções. Trata‐se de quatro experiências sobre as
quais já existem iniciativas em andamento, em especial, a primeira e a
quarta.
O último capítulo ‐ A utilização das Indicações Geográficas como políticas
públicas de desenvolvimento territorial rural: o caso dos Vales da Uva Goethe ‐
diz respeito à única experiência de IG registrada no Estado de SC. Uma das
observações feitas pelos autores no capítulo, refere‐se ao que se espera das
experiências de IG: as IG podem ser entendidas, do ponto de vista
econômico, como uma estratégia para agregar valor a produtos ou serviços
que têm características próprias relacionadas ao território ao qual estão
inseridas, e, consequentemente, fortalecer o desenvolvimento territorial,
principalmente em espaços rurais. Assim, em relação à única experiência de
IG catarinense, os autores afirmam o que todos almejamos constatar quando
do registro de uma IG: após o reconhecimento, se observou importantes
vantagens, sobretudo econômicas, como o aumento nas vendas e o acesso a
novos mercados. Além disso, identificou‐se o desenvolvimento de atividades
complementares tais como o enoturismo e a preservação da identidade
local.
É importante lembrar os principais resultados esperados, quando da
elaboração do projeto de pesquisa. Como uma forma de prestação de contas,
transcrevemos no quadro a seguir os resultados esperados e uma avaliação
da sua eficácia.
territorial. No entanto, apesar dos esforços, não foi possível concluir esta tarefa a tempo de
finalizar um texto possível de ser contemplado neste livro. Ficou como tarefa adicional às
atividades do projeto de pesquisa, assumida por três pesquisadores da equipe, a ser finalizada
até o primeiro semestre de 2015, que fará parte de outra publicação.
11
Quadro 1 ‐ Análise dos resultados esperados e avaliação da eficácia
12
trabalho com pesquisadores e especialistas, visitação de
experiências e entrevistas com atores dos territórios
envolvidos. Como questões orientadoras, que ao mesmo
tempo servirão como referencial metodológico nos
estudos, visitações e entrevistas, foram escolhidas as
seguintes: (1) Qual compreensão e o que ocorre na
realidade sobre a relação entre Indicação Geográfica e
Desenvolvimento Territorial? Meio, fim principal, relação
dialógico‐dialética? (2) Qual o papel das estruturas de
governança territorial, ou seja, das formas de
planejamento e gestão das dinâmicas territoriais, tais
como, as que ocorrem em experiências de associativismo
territorial no campo da Indicação Geográfica? (3) Os
processos de gestão de Indicações Geográficas em que
aspectos se assemelham à concepção de gestão estratégica
(ou empresarial), ou de gestão social, ou societária? Que
implicações práticas decorrem disso? (4) Até que ponto a
dinâmica territorial constituída pelo processo de
estruturação e gestão da Indicação Geográfica tem se
constituído num programa integrado de desenvolvimento
territorial, ultrapassando a dimensão de territórios‐zona
aos territórios‐rede, rumo a uma nova inteligência
territorial? (5) Os recursos e ativos territoriais que
compõem o que chamamos de Capital Territorial até que
ponto são considerados na definição de uma experiência
de Indicação Geográfica? Qual seu potencial para servir de
referência para avaliar as condições necessárias para
propor uma experiência de Indicação Geográfica? (6) Qual
o papel do patrimônio cultural e das relações identitárias
para impulsionar a organização dos ativos ou recursos
territoriais, que possam resultar em Indicações
Geográficas? (7) Quais os principais desafios em relação às
questões de ordem legal nas experiências de Indicação
Geográfica? (8) Qual o papel desempenhado pelas
atividades turísticas nas experiências de indicação
Geográfica? Fator impulsionador, resultante,
complementar, ou ambos? (9) Como é internalizada na
prática das experiências de Indicação Geográfica a
concepção de sustentabilidade ambiental? Quais os
aspectos reais e potenciais e suas implicações? (10) Até
que ponto os benefícios oriundos de experiências de
Indicação Geográfica são socializados territorialmente?
(distribuição dos resultados entre os atores territoriais)
(11) Sistematizando, resumidamente, de que natureza são
os principais desafios e potencialidades de experiências de
Indicação Geográfica? O estudo, no final, resultará em
publicação de artigos científicos e de livros, com os
resultados da investigação. Com os estudos, pretende‐se
contribuir na qualificação das políticas públicas brasileiras
voltadas ao apoio de novas e atuais iniciativas de
Indicação Geográfica, qualificando o debate acadêmico,
social e institucional. É importante salientar que a rede de
pesquisadores tem um caráter multidisciplinar. A única
restrição em relação ao projeto referido é que necessita de
um maior aporte de recursos financeiros para a execução
na sua totalidade, problema que se espera que seja
equacionado pela sensibilização dos órgãos estatais
financiadores sobre a importância de estudos com essa
envergadura.
13
Propor indicativos de políticas Este propósito, em boa parte, foi atingido, principalmente,
públicas para o Estado de Santa nas análises e indicativos propostos nos textos desta
Catarina, com vista à utilização dos coletânea. A caracterização e análise de experiências, seja
recursos e ativos com especificidade a já consolidada, o caso do Vale da Uva Goethe, ou mesmo
territorial como apoiadoras das as que estão em processo de discussão, contemplam
estratégias de desenvolvimento (local, indicativos interessantes.
regional, territorial). Por outro lado, parte dos pesquisadores está envolvida em
atividades acadêmicas (orientação de alunos, ou
realizando projetos de pesquisa ou extensão) ou de
participação comunitária, assessorando experiências (caso
da Uva Goethe, Queijo Serrano, Tranças da Terra, Erva
mate, Suinocultura do Oeste Catarinense), outros
participando de fóruns formais ou oficiais. É o caso de
pesquisadores da equipe de pesquisa do presente projeto,
que participam da Câmara Setorial de Certificação de
Qualidade dos Produtos Agropecuários de Santa Catarina,
da Secretaria Estadual da Agricultura e Pesca do Estado de
SC, fórum oficial no qual serão discutidas e propostas
políticas públicas para certificação territorial, como o
exemplo da IG. Como ação concreta, no caso da Câmara
Setorial, já foram apresentados, a convite da coordenação,
os resultados preliminares do presente projeto de
pesquisa, ainda em 2014, além da disponibilização do
presente livro aos atores e instituições que compõem a
mesma.
14
tecnologia empregada na produção, etc. Imateriais, são ativos ou recursos
que uma determinada região ou território possuem, não necessariamente
possíveis de serem manipulados, no entanto, que interferem no dinamismo
socioeconômico e cultural, tais como: saber‐fazer local, ou conhecimento
acumulado historicamente; propensão à cooperação, confiança,
associativismo, ou outras que contribuem para estimular o dinamismo
sociocultural e a agregação de valor material e imaterial local; nível de
escolaridade; cultura local.
Ativos ou recursos, sejam eles materiais ou imateriais, podem ser
genéricos ou específicos. Ativos e recursos genéricos são totalmente
transferíveis e seu valor é um valor de troca, estipulado no mercado via o
sistema de preços. Em geral, também são classificados como commodities.
Exemplos de ativos genéricos: matérias‐primas exploradas, equipamentos
em uso, conhecimentos codificados; tecnologia geral utilizada na produção,
força de trabalho não qualificada, conhecimento, fatores estes em utilização
no processo de produção. Já os ativos e recursos específicos, possibilitam um
uso particular e seu valor constitui‐se em função das condições de seu uso e
apresentam um custo de transferência que pode ser alto e irrecuperável.
Exemplos de ativos específicos: matérias‐primas locais raras, em utilização
ou passíveis de exploração e uso; força de trabalho qualificada;
conhecimentos e tecnologias raras ou inovadoras possíveis de serem
utilizadas na produção; conhecimentos acumulados que tenham
3
especificidade local; ambiente institucional favorável .
Tomando como exemplo a produção de queijo num determinado
território, ele será genérico quando o mesmo não tenha qualquer
diferenciação do que é produzido em outros lugares. No entanto, na medida
em que o mesmo tenha um diferencial, resultante do saber fazer, da cultura
ou da tradição local, ele passa a ser específico.
O conjunto dos ativos e recursos genéricos e específicos, materiais e
imateriais, constituem o que podemos chamar de capital territorial, definido
em documento da LEADER (2009) como o conjunto dos elementos de que
dispõe o território ao nível material e imaterial e que podem construir
vantagens ou desvantagens, dependendo de sua qualificação. O capital
territorial remete para aquilo que constitui a riqueza do território
(atividades, paisagens, patrimônio, saber‐fazer, etc.), na perspectiva, não de
um inventário contabilístico, mas da procura das especificidades que
possam ser valorizadas.
O debate sobre o tema Indicação Geográfica exige que se tenha um
entendimento aprofundado sobre a diferença entre ativos e recursos
materiais e imateriais, pois os processos de certificação de produtos dos
3
A abordagem sobre recursos e ativos é feita com base em Benko e Pecqueur (2001).
15
territórios estarão sempre focados nos que têm um caráter de especificidade
territorial, ou seja, os específicos. Da mesma forma, para o reconhecimento
de experiências de IG é indispensável considerar o conjunto dos fatores que
constituem o capital territorial, abrangendo as dimensões do capital
produtivo, natural, humano, intelectual, cultural, social e institucional, na
perspectiva de um projeto integrado de desenvolvimento territorial.
Sobre as categorias Desenvolvimento e Governança Territorial já
fizemos referência no início deste texto. Resta uma pergunta para
ampliarmos a reflexão: porque o uso da categoria conceitual
Desenvolvimento Territorial, ao se fazer referência ao tema Indicação
Geográfica?
Tanto autores como leitores, por vezes, utilizam as categorias
conceituais Desenvolvimento Regional e Territorial, como sinônimas. Ambas
têm um sentido comum: estarem se referindo a processos de mudança
continuada, situados histórica e territorialmente, que resultem na
dinamização socioeconômica e na melhoria da qualidade de vida de sua
população. No entanto, concordamos com Rallet (2007, p. 80), quando
afirma que se trata de duas noções distintas:
16
Reforçando essa linha de argumentação, Bonal, Cazella e Maluf (2008)
reafirmam a multifuncionalidade da agricultura contemporânea e sua
relação direta com o desenvolvimento territorial.
A argumentação de Ambramovay (2010) é reforçada, ainda, por outros
autores, tais como, Froehlich e Dullius (2011, p. 226):
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– suas especificidades culturais, tipicidades, natureza enquanto recurso e
enquanto patrimônio ambiental, práticas produtivas e potencialidades
econômicas. No entanto, conclui: “Mas dificilmente será possível construir
territorialidades a partir do externo sem uma base prévia, sem uma dotação
inicial de ‘capital socioterritorial’, acumulado e herdado a partir de
processos históricos de mais longo prazo”.
Sintetizando a abordagem dos autores mencionados ‐ Rallet (2007);
Jean (2010); Bonal, Cazella e Maluf (2008); Ambramovay (2010); Froehlich
e Dullius (2011); Pecqueur (2009); Santos e Silveira (2001); Albagli (2004) ‐
, consideramos necessários os seguintes destaques: (1) é mais adequado se
utilizar a acepção de desenvolvimento territorial, por esta ressaltar a
dimensão da intersetorialidade, da multifuncionalidade e da ação coletiva
territorializada na busca de soluções para o território e projeções do futuro
desejado; (2) só teremos produtos que tenham condições de serem
reconhecidos com o atributo da Indicação Geográfica, num entorno
territorial em que elementos, tais como a territorialidade e a identidade
territorial, com suas referidas acepções, estejam presentes de forma
significativa; (3) a Indicação Geográfica diz respeito ao reconhecimento de
produtos com ancoragem territorial, produtos enraizados no território, que
resultem do saber fazer coletivo e representem os elementos identitários, a
cultura, as tradições e as técnicas das pessoas que habitam determinado
território.
No nosso entendimento, esses indicativos teórico‐práticos, precisam ser
referências indispensáveis, no debate sobre Indicação Geográfica e sua
relação com Governança e Desenvolvimento Territorial. Desconsiderar esses
indicativos pode implicar no insucesso de experiências de IG e reduzir seus
possíveis impactos no desenvolvimento dos territórios atingidos.
No entanto, é fundamental reconhecer que não se constroem
territorialidades, identidades, a partir do externo. Reconhecem‐se as
mesmas, desde que haja um acumulo prévio, herdado a partir de processos
históricos de mais longo prazo. Talvez, a falta desse acúmulo histórico, seja a
principal causa que explique o fato de que experiências de Indicação
Geográfica já reconhecidas no Brasil não tenham prosperado,
permanecendo total ou parcialmente inativas. Essa é uma questão da maior
importância, o que exige investigações para avaliar a validade desta hipótese
e propor avanços que possam superar os desafios que motivam seu
insucesso.
Portanto, para finalizar este texto introdutório, queremos assumir um
posicionamento pessoal, entendendo que, integralmente ou em parte, seja
do conjunto dos pesquisadores que participaram da presente investigação,
sobre uma questão frequentemente discutida: a Indicação Geográfica deve
ser vista como fim ou meio no processo de desenvolvimento territorial?
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O questionamento é oportuno, pois, mesmo que atualmente um número
maior de pesquisadores entenda a Indicação Geográfica como ferramenta ou
estratégia no processo de desenvolvimento territorial, é possível interpretar
ações práticas voltadas ao seu apoio, ainda, como demasiadamente
finalísticas. Ressaltamos: a Indicação Geográfica não deve ser vista como fim
e, sim, como um meio no processo de desenvolvimento territorial. Essa
interpretação não restringe a importância do reconhecimento de produtos
com Indicação Geográfica. Taxativamente, reafirmamos que os processos de
certificação territorial de produtos, como a Indicação Geográfica, têm
maiores chance de êxito se estiverem inseridos numa proposta integrada de
desenvolvimento territorial.
Não importa o tamanho do recorte territorial a que esteja se referindo,
podendo ser uma pequena localidade, uma região definida como o exemplo
do Planalto Norte Catarinense, ou mesmo recortes macrorregionais, como o
exemplo do Território do Contestado, que abrange parte dos estados de
Santa Catarina e do Paraná.
Para finalizar, um agradecimento especial à FAPESC, pela
disponibilização de recursos financeiros que viabilizaram o custeio das
atividades de investigação, bem como a impressão do presente livro. Da
mesma forma, como coordenador do projeto de pesquisa, agradeço o
empenho de todos os colegas pesquisadores das diversas universidades
catarinenses, os quais espero contar como parceiros em outros projetos ou
atividades. Também, não se poderia deixar de expressar um agradecimento
especial à direção e às coordenações de cursos das universidades
participantes, pelo apoio e disponibilização de nossos tempos acadêmicos, o
que permitiu nos envolver nas atividades de pesquisa. Obrigado a todos.
O Organizador
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Rio de Janeiro: Record, 2001.
21
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
1
Artigo com publicação na Revista Grifos da Unochapecó. Numa primeira versão, o texto foi
apresentado no 19º Congresso da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional
(APDR), na Universidade do Minho (Braga-Portugal), entre 20 e 22 de junho de 2013.
2
Indicação Geográfica aproxima-se em significado ao que se denomina Designação de Origem
Protegida em Portugal, ou experiências referidas por categorias conceituais correspondentes,
em outros países.
23
contemporâneos. A análise de práticas de governança a fazemos tendo como
base o processo de descentralização político‐administrativa do estado de
Santa Catarina (Brasil) e cinco experiências de Indicação Geográfica (IG)
brasileiras. Por fim, fazemos algumas considerações finais.
1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3
Refere-se ao Projeto de Pesquisa GESTÃO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO:
Descentralização, Estruturas Subnacionais de Gestão do Desenvolvimento, Capacidades
Estatais e Escalas Espaciais da Ação Pública, o qual contou com apoio financeiro da FAPESC
e da Universidade do Contestado (UnC).
4
Trata-se de atividades inseridas no Projeto de Pesquisa TERRITÓRIO, IDENTIDADE
TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: a especificação de ativos territoriais como
estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, em realização entre
2013 e 2014, com o apoio financeiro da FAPESC, contando na sua equipe com pesquisadores
de universidade de todo o Estado de Santa Catarina.
5
Utilizou-se como referência Villela (2012), com adaptações. A aplicação destas categorias e
critérios de análise, no processo de investigação realizado em 2013 demonstrou a necessidade
de aperfeiçoamento metodológico.
24
2. O DEBATE TEÓRICO SOBRE GOVERNANÇA TERRITORIAL E
DESENVOLVIMENTO
25
O desenvolvimento (local, regional, territorial) pode ser entendido como um
processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade organizada
territorialmente, sustentado na potencialização dos recursos e ativos
(materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes no local, com vistas
à dinamização econômica e a melhoria da qualidade de vida de sua população.
6
2.1 O DEBATE CONTEMPORÂNEO SOBRE GOVERNANÇA
6
O debate teórico sobre governança, bem como sobre os desafios apontados adiante, retoma
abordagem feita em Dallabrida (2013; 2014). Já em Dallabrida (2014), além de aprofundar o
debate teórico, são feitos indicativos metodológicos para a avaliação de práticas de governança
territorial.
26
As abordagens sobre governança não se esgotam com as referências
destacadas. No entanto, elas são representativas do conjunto de obras e
7
autores que abordam o tema atualmente .
Sobre ao que seja a governança, no sentido geral, é possível sintetizar:
(1) instrumento para conceber os problemas e as oportunidades em
contextos na fronteira entre o social e o político (KOOIMAN, 2004); (2) jogo
de interações, enraizadas na confiança e reguladas por regras do jogo
negociadas e acordadas pelos participantes da rede (RHODES, 1996); (3)
conjunto complexo de instituições e atores, públicos e não‐públicos, que
agem num processo interativo (STOKER, 1998); (4) uma forma de governar
mais cooperativa, diferente do antigo modelo hierárquico, no qual as
autoridades estatais exerciam um poder soberano sobre os grupos e
cidadãos que constituíam a sociedade civil (MAYNTZ, 1998); (5) redes auto‐
organizadas envolvendo conjuntos complexos de organizações provenientes
dos setores público e privado (ROSENAU e CZEMPIEL, 1992); (6) articulação
relativamente estável e horizontal de atores interdependentes, mas
funcionalmente autônoma (SORENSEN e TORFING, 2005); (7) processo de
tomada de decisão relativamente horizontal, como modo de fazer política,
envolvendo autoridades estatais e locais, o setor de negócios, os sindicatos
de trabalhadores e os agentes da sociedade civil ‐ ONGs e movimentos
populares (KAZANCIGIL, 2002); (8) novos modos de formulação de políticas
públicas que incluem atores privados e públicos, mas fora do domínio
legislativo e que têm como foco áreas setoriais ou funcionais específicas
(HÉRITIER e LEHMKUHL, 2011); (9) espaços de prestação de contas ‐
accountability (WEALE, 2011); (10) novo modelo de regulação coletiva,
baseado na interação em rede de atores públicos, associativos, mercantis e
comunitários (BLANCO e COMÀ, 2003); (11) processo de tomada de decisão
coletiva, baseado em uma ampla inclusão de atores atingidos, prática
fundada não mais na dominação nem na violência legítima, senão na
negociação e cooperação com base em certos princípios submetidos ao
consenso (GRAÑA, 2005).
8
Sobre o que seja governança (local, regional, territorial) , é possível
uma síntese: (1) processo de planejamento e gestão de dinâmicas
territoriais, numa ótica inovadora, partilhada e colaborativa (FERRÃO,
2010); (2) novas formas de associação do Estado com entidades sindicais,
associações empresariais, centros universitários e de investigação,
municípios e representações da sociedade civil (JESSOP, 2006); (3) relações
7
Alguns autores propõem a introdução do conceito governamentabilidade, como uma
concepção que poderia superar insuficiências explicativas da concepção sobre governança
territorial – ex. Vigil (2013).
8
Mesmo sendo minoria, alguns autores preferem o uso do termo ‘governação’ ao invés de
governança, com o mesmo sentido. Ex. Feio e Chorincas (2009).
27
voluntárias e não‐hierárquicas de associação entre atores públicos,
semipúblicos e privados (FERRÃO, 2013); (4) novo modo de gestão e
decisão dos assuntos públicos num território (FARINÓS, 2008); (5)
modalidade reforçada de bom governo, fundamentada num papel
insubstituível do Estado, uma concepção mais sofisticada de democracia e
maior protagonismo da sociedade civil (ROMERO e FARINÓS, 2011); (6)
capacidade de integrar e adaptar organizações, diferentes grupos e
interesses territoriais (FEIO e CHORINCAS, 2009).
O termo governança recebe várias adjetivações. Algumas delas apenas
indicam o contexto a que se refere o processo de governança: exemplo,
governança metropolitana. Outras adjetivações indicam uma forma
específica de governança. Por exemplo, governança corporativa. Outras
fazem referência à escala territorial. Por exemplo, governança local/regional
ou governança mundial. Outras, ainda, referem‐se a um foco temático. Por
exemplo, governança ambiental.
Sobre os propósitos da governança no seu sentido geral, é possível
assim sintetizar: (1) a busca de propósitos comuns ao conjunto de atores
que interagem num determinado meio (KOOIMAN, 1993), (2) e pelo qual
definem‐se formas de regulação deste meio (RHODES, 1996); (3)
desempenhar um papel mais amplo do que o de governo (ROSENAU e
CZEMPIEL, 1992); (4) a interação social com o fim de produzir propósitos
públicos (SORENSEN e TORFING, 2005); (5) fazer coisas sem a competência
legal para ordenar que elas sejam feitas (CZEMPIEL, 2000); (6)
envolvimento da multiplicidade de autores em processos de regulação
(MILANI e SOLINÍS, 2002); (7) gestão cooperativa para a superação de
conflitos de interesses (Chevallier, 2003).
Sobre os propósitos da governança (local, regional, territorial), é
possível assim sintetizar: (1) orientar e promover o desenvolvimento dos
recursos locais (JESSOP, 2006); (2) estabelecer voluntariamente relações
horizontais de cooperação e parceria (FERRÃO, 2013); (3) acordar uma
visão compartilhada para o futuro do território entre todos os níveis e
atores envolvidos (FARINÓS, 2008); assegurar a representação de diferentes
grupos e interesses territoriais face a atores externos e o desenvolvimento
de estratégias (unificadas e unificadoras) em relação ao mercado e ao
Estado (FEIO e CHORINCAS, 2009).
Associamo‐nos a autores, por exemplo, Dallabrida (2013), que
reivindicam uma adjetivação substantiva para o termo governança, o qual
inclui a dimensão de recorte territorial, como um processo protagonizado
por uma sociedade situada histórica e geograficamente, por meio de
relações estabelecidas entre os diferentes atores territoriais (sociais,
políticos e corporativos), na perspectiva de debater, pactuar decisões e
deliberar temas de interesse coletivo.
28
2.2.1 DESAFIOS APONTADOS NA LITERATURA SOBRE A PRÁTICA DA
GOVERNANÇA
29
outros atores e a pertinência de propostas formuladas a partir do espaço
local e da escala regional, demandando articulações e parcerias para a
construção de territórios (BENKO e LIPIETZ, 1994; PAIVA, 2004), o que viria
a atender as prerrogativas conceituais de governança territorial.
Esse novo cenário e as demandas por uma organização mais eficaz dos
(e nos) territórios frente aos desafios do desenvolvimento motivam novas
práticas de governança, como as encontradas nas unidades federativas do
Brasil, particularmente no estado de Santa Catarina. Outras experiências,
tais como as de IG, pelo fato de articularem produtores rurais, empresários
ou artesãos, são organizadas por associações e por Conselho Regulador.
Tanto as associações como o conselho podem ser consideradas estruturas
de governança territorial.
Adiante, caracterizaremos uma experiência subnacional de
descentralização político‐administrativa e experiências de IG, na sequência,
fazendo análises sobre a prática da governança territorial nas mesmas.
30
resgate da cidadania e pela necessidade do envolvimento de diferentes
atores na definição e implementação de políticas públicas. Surgidos da
iniciativa da sociedade civil, esses fóruns, propostos como espaço de diálogo
entre instituições públicas e privadas, representativas de classe, segmentos
organizados da sociedade, universidades e instituições financeiras, tinham
como propósito a qualificação do processo de desenvolvimento das diversas
regiões catarinenses.
As atividades desses fóruns regionais geraram a necessidade de criação
de um mecanismo que proporcionasse suporte operacional para a execução
das ações demandadas. Para tanto, criou‐se uma estrutura de governança
entre as instituições atuantes no território, denominada Agência de
Desenvolvimento Regional (ADR). Essas agências foram inspiradas nas
ADRs europeias e buscavam ser uma plataforma técnico‐institucional de
caráter operativo, que identificaria os problemas de desenvolvimento
setorial ou regional, selecionando as oportunidades para intervenção e
levantamento de recursos necessários ao desenvolvimento no âmbito do
território.
Além das associações dos municípios, dos fóruns e das agências, outra
forma de articulação regional foi conduzida e implantada no estado de Santa
Catarina por iniciativa do governo do estado: a criação de 29 SDR, pela Lei
Complementar n. 243, de 30 de janeiro de 2003. As SDR foram criadas com o
objetivo de representar o governo do estado no âmbito de cada região,
articular as ações governamentais, promovendo a descentralização e a
integração regional dos diversos setores da administração pública, bem
como a coordenação das ações de desenvolvimento no território de sua
abrangência. Em 2005, com a Lei Complementar n. 284 as SDR foram
ampliadas para 30 SDR e por meio da Lei Complementar n. 381, em 2007, o
número de SDR foi elevado a 36.
O processo de descentralização do governo estadual de Santa Catarina
gerou, ainda, a criação dos Conselhos de Desenvolvimento Regional, que
intencionavam, na sua criação, ser instância de governança para o
desenvolvimento regional. Congregando atores públicos e privados que
atuam no território das SDR, a composição do CDR ficou assim disposta:
prefeitos, presidentes dos legislativos municipais e dois representantes da
sociedade civil de cada município da região de abrangência das SDR.
31
No Brasil a certificação de produtos com especificidade territorial é feita
via uma IG. Essa consiste em dois estágios: a Indicação de Procedência e a
Denominação de Origem. A Indicação de Procedência faz referência ao nome
geográfico de um país, cidade, região ou território que se tornou conhecido
como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto
ou prestação de serviço. Já a Denominação de Origem é o nome geográfico
de um país, cidade, região ou território, que designe produto ou serviço
cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao
meio geográfico específico, incluídos fatores naturais e humanos. Assim, a
diferença singular entre as formas de IG está associada às características e
peculiaridades físicas e humanas potencializadas pelo território que possam
designar uma Denominação de Origem, enquanto que para a Indicação de
Procedência é suficiente a vinculação do produto ou serviço a um espaço
9
geográfico, independente de suas características e qualidades intrínsecas .
Por exigência da legislação brasileira, os produtores rurais, artesãos e
empresários envolvidos nas experiências de IGs organizam‐se em
associações. Além disso, há outra instância de gestão que são os Conselhos
Reguladores. Nas associações são debatidas questões mais afins às
normatizações, estratégias relacionadas à produção, ao mercado e
relacionadas à organização coletiva. Já o Conselho Gestor é o órgão
responsável pela gestão, manutenção e preservação da IG regulamentada,
tendo como atribuições gerais de orientar e controlar a produção,
elaboração e a qualidade dos produtos amparados pela certificação. Em
geral os associados em IGs reúnem‐se com frequência semanal ou mensal
para discutir suas dificuldades, situações de produção, distribuição e
negócios.
9
Conf. Lei 9.279, de 14/05/1996 e Resolução Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI) 75/2000. A referida Lei regula os direitos e obrigações relativos à propriedade
industrial, incluindo o registro de produtos ou serviços com especificidade territorial.
32
um mesmo território. Observa‐se nessas experiências um fenômeno muito
apontado pela literatura, o da fragmentação de políticas públicas e a atuação
de diferentes atores e esquemas de gestão em uma mesma realidade, não
raro gerando o desperdício de recursos já escassos e a baixa concentração
de esforços em torno de um objetivo comum. Embora a implantação das SDR
tenha sido motivada, segundo seus protagonistas, por uma maior
aproximação do governo estadual com as demandas regionais, essas
secretarias ainda estão longe de se constituir em instância de governança
territorial intensiva e efetiva em participação civil na deliberação dos rumos
do desenvolvimento.
Estudos realizados por Filippim e Abrucio (2010) observaram que a
demarcação das SDR não levou em conta nem a demarcação das Associações
de Municípios (em número de 21) nem a estrutura de governança pré‐
existente dos Fóruns de Desenvolvimento Regional. Observa‐se, assim, nesse
campo empírico, os problemas de (falta de) governança apontados pela
literatura: a falta de coordenação, a baixa participação popular na tomada de
decisão e a sobreposição de estruturas e de políticas públicas para o
desenvolvimento num mesmo território.
O Conselho de Desenvolvimento Regional, órgão responsável pela
definição dos projetos de desenvolvimento regionais na estratégia de
descentralização em vigor em Santa Catarina, vê‐se, por vezes, sem a
perspectiva de efetivação dos projetos por ele encaminhados, uma vez que
há discrepância entre os pleitos apresentados pelo CDR de cada região e
aqueles efetivamente aprovados pelo governo do estado por meio da
Secretaria Central. Nesse sentido, esta estrutura de governança territorial,
concebida e implantada pelo governo do estado, estimula que as 36 regiões
administrativas (SDR) nos seus Conselhos (CDR) tomem a decisão sobre
quais projetos de desenvolvimento são prioritários. Contudo, no momento
de executá‐los, a decisão por qual executar ou não acaba sendo da Secretaria
Central. Ou seja, embora os CDR contem com a presença de membros da
sociedade civil organizada, ainda não são intensivos em participação social,
uma vez que os agentes públicos (especialmente agentes políticos) ainda
constituem o maior grupo.
A composição social dos CDR comporta pessoas originárias de
diferentes áreas do conhecimento, níveis de escolaridade e atividades
sociais, econômicas e políticas, configurando‐se em arena de disputa dos
diferentes interesses regionais. As pessoas indicadas (visto que não há
eleição) para comporem os CDR têm por objetivo, conforme consta no
regimento interno dos CDR, deliberar coletivamente, dar aconselhamentos,
orientações e formulações de normas e diretrizes gerais para a execução de
programas e projetos voltados para o desenvolvimento regional. Entretanto,
esses conselhos não possuem autonomia para o gerenciamento dos recursos
públicos destinados à região.
33
Da mesma forma que os CDR, as SDR propostas como estruturas de
descentralização político‐administrativa têm cumprido muito mais o papel
de desconcentrar as atividades administrativas e burocráticas do governo
estadual do que se configurado em estruturas de governança territorial
capaz de cooperar democraticamente para o desenvolvimento regional.
34
(10) existe demora em estruturar IGs e alguns produtores desistem antes de
conseguirem o selo, demonstrando desconfiança em iniciativas que exigem
associativismo e parceria; (11) a política partidária, nos processos de
governança gera muito conflito, sendo que a mesma influencia muito no
processo associativo; (12) ocorrem problemas de inadequações na
legislação que rege as IGs, dificultando o seu funcionamento; (13) a
existência de marcas próprias entre os associados dificulta a articulação
mais qualificada dos mesmos, além de induzir a formas variadas de acesso
ao mercado; (14) dificuldade em abandonar o individualismo e pensar
coletivamente.
Até o momento o estudo confirmou discussão encontrada na literatura
de que a consolidação das IGs esbarra nas questões de governança e de seus
processos de articulação no território. Em livro recente publicado por
Ortega e Jeziorny (2011, p. 149), dedicado a estudar a experiência de IG do
Vale dos Vinhedos (Serra Gaúcha‐RS), os autores concluem que as IGs e o
território “[...] formam uma espécie de simbiose, pois não existe IG sem o
território, ao passo em que o próprio território pode se desenvolver por
meio da construção de uma IG”. Para tais autores, o território pressupõe
interação social, além de ser fonte de conhecimento, “[...] de geração e
difusão de inovação” (p. 113).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
35
Considerando que a prática de governança territorial, como
demonstrado nas experiências e como é reconhecido pelos próprios
envolvidos, ainda tem desafios a enfrentar, entendemos que uma associação
ou outro tipo de entidade/instituição gestora do processo, precisa, dentre
outras condições, de lideranças e um conselho regulador atuante, do
envolvimento do poder público assessorando e/ou custeando despesas de
manutenção necessárias, além de instituições públicas ou semipúblicas que
contribuam na coordenação e articulação dos atores. Portanto, tais
condições são fundamentais para a qualificação dos processos de
governança territorial. Por outro lado, a mobilização da população é
imprescindível nesse processo.
A governança territorial, apesar dos propósitos inseridos em sua
concepção teórica, enfrenta desafios na sua prática originados pelo
desacordo de muitas ações dos atores envolvidos no processo, tanto os
públicos quanto da sociedade civil. Urge medidas para superá‐los, pois, caso
contrário, algumas experiências de associativismo territorial tendem a se
inviabilizar ou conduzidas ao descrédito. Em outros estudos pretendemos
voltar ao tema, aprofundando‐o e apontando possíveis alternativas.
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39
CAPÍTULO 2
INTRODUÇÃO
1
O presente artigo tem publicação na Revista Interações (Campo Grande), Vol. 16, N. 1,
jan/jun /2015. Está integrado aos estudos do Projeto de Pesquisa Território, Identidade
Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de
desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, o qual contou com o apoio
financeiro da FAPESC.
2
Este artigo sintetiza estudos realizados na Dissertação no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional, na Universidade do Contestado (Santa Catarina - Brasil), sendo o
primeiro e o último autor, respectivamente, mestrando e orientador.
41
caráter exploratório, sustentada no estudo de dois casos, através de visitas
de observação e entrevistas com atores envolvidos. Complementarmente, a
consulta à bibliografia recente também serviu de referência.
Estudos dessa natureza tornam‐se necessários, visto que no Brasil o
debate sobre produtos com IG é recente em relação aos países da Europa e
Ásia, tendo seus primeiros registros ocorridos há pouco mais de dez anos. A
iniciativa do estudo foi um ponto positivo, pois trouxe algumas evidências e
apontou diferentes desafios, os quais, por conseguinte, é que exigirão novos
estudos.
Além desta introdução, o texto foi estruturado em cinco partes: (1)
retrospecto histórico sobre Indicação Geográfica; (2) aspectos teóricos e
conceituais dos temas relacionados ao objeto da pesquisa; (3) questões de
ordem metodológica e caracterização do objeto de estudo; (4) resultados da
pesquisa quanto à percepção dos entrevistados; (5) última parte, com
considerações finais sobre possíveis impactos de uma IG no
desenvolvimento de um território, levando‐se em consideração a dimensão
econômica, com base nas duas experiências estudadas.
42
da certificação de características específicas ou especialidades tradicionais
garantidas, sendo que essas contemplam apenas produtos agroalimentares.
Para tais autores, há diferenças entre as experiências de IG europeias e as
brasileiras. Enquanto nos países europeus incluem‐se apenas alimentos, no
Brasil a certificação inclui vários produtos, como alimentos, calçados,
mármores e até serviços.
Mas há outras diferenças entre o Brasil e a Europa em relação às IGs. A
primeira está no fato de existir uma aprovação transitória e, somente após
esta, pela Comissão Europeia de Agricultura e Desenvolvimento, obtém‐se o
registro definitivo. No Brasil, ocorre em caráter definitivo pelo INPI, sem a
necessidade de certificação prévia, sendo um processo único. Para Sacco dos
Anjos et al. (2013), a segunda é a existência das empresas do setor privado
ou as autoridades públicas, que são entidades certificadoras de cada país
Europeu responsáveis por fiscalizar o cumprimento do Caderno de Normas.
Elas são igualmente subordinadas aos regimes de controle e fiscalização, o
que não existe no modelo brasileiro.
O Brasil, mesmo sendo país signatário da Convenção da União de Paris
(CUP) desde 1883, somente após o acordo de Madrid, em 1975, passou a
repreender as falsas indicações de procedência (FERREIRA et al., 2013). No
ano 1967, é promulgado o Código de Propriedade Industrial (CPI) brasileiro,
com o qual se passa a reconhecer e a proteger a produção nacional contra a
falsificação dos produtos e da procedência dos mesmos.
Atualmente, no Brasil, a Lei nº 9279 de 14 de maio de 1996 é que
regulamenta os direitos e obrigações sobre propriedade intelectual. A
Indicação Geográfica está disciplinada no Título IV, nos Art. 176 a 182. O
parágrafo único do Art. 182 estabelece que o órgão responsável pela
concessão e registro das Indicações Geográficas é o INPI.
43
de determinado local. Dentre os principais objetivos da Indicação
Geográfica, segundo o autor, está o desenvolvimento econômico do
território por meio de vinculação do produto, sua qualidade e especificidade
em relação ao território onde este é produzido.
Boechat e Alves (2011) evidenciam a importância da IG na valorização
do patrimônio cultural e do turismo, o que, segundo eles, pode trazer uma
maior abertura de mercado, a padronização dos produtos e o estímulo ao
agroturismo. Para Kakuta et al. (2006), os benefícios do uso da Indicação
Geográfica são a proteção ao patrimônio, o desenvolvimento rural, a
promoção e facilidades de exportação e o desenvolvimento. O registro no
INPI é considerado, de modo geral, como o ponto de chegada, mas deveria
ser visto como ponto de partida para fomentar novas alianças entre turismo,
serviços e demais setores. Nesse sentido, entende‐se que a certificação de
uma IG deve ter início com a intenção de transformar um recurso em um
ativo com especificidade territorial. Para tanto, é necessária a mobilização
de pessoas para formar uma associação ou cooperativa e, assim, obter o ato
declaratório de IG.
No Brasil, as experiências de IG podem ser registradas como Indicação
de Procedência ou Denominação de Origem.
44
que o produto somente pode ser encontrado em determinada região, o que
lhe confere uma personalíssima característica.
De acordo com o INPI (2014), em maio de 2014, no Brasil existiam 16
registros de Denominação de Origem, das quais 8 eram nacionais.
45
Sobre a definição de território, assume‐se aqui uma conceituação
referenciada em Dallabrida e Fernández (2008, p. 40). Para esses autores o
território é entendido como:
46
(materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes no local, com
vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da qualidade de vida da
sua população.
Por fim, Pollice (2010) estabelece uma relação entre identidade e
desenvolvimento territorial, conforme sintetizado no Quadro 1.
Indicador Relação
Identidade e valores A identidade territorial tende a reforçar o poder normativo dos valores
sociais éticos e comportamentais localmente compartilhados. Sobre o plano
socioeconômico a presença desses valores e, sobretudo, o entrecruzamento
deles, consente em melhorar o nível de relação produtiva e comercial,
favorecendo a manifestação daquelas formas de colaboração competitiva
que constituem o fundamento das economias distritais.
Identidade e Manifesta‐se um “apego afetivo” ao saber localmente determinado e uma
transferência do propensão mais forte que em outro lugar para a atualização desse
saber patrimônio cognitivo.
Identidade e sentido Talvez esse seja o exemplo mais emblemático da interação virtuosa entre
de pertença identidade territorial e desenvolvimento local. O sentido de pertença
constitui, de fato, o cimento do sistema econômico‐territorial e impele os
atores locais a preferir, também na presença de algumas deseconomias,
conter relações transacionais e colaborativas no interior do âmbito local.
Identidade e Melhorar o nível de relação produtiva e comercial, favorecendo a
autorreprodução manifestação daquelas formas de colaboração competitiva que constituem o
fundamento das economias distritais.
Identidade e política A relação entre identidade e política é muito forte, tende a crescer, no
âmbito da arena política, o nível de convergência sobre os temas e o
desenvolvimento de atores locais adequando‐os às exigências do território
e evitando que resulte numa desorganização dos equilíbrios locais.
Identidade e O desenvolvimento endógeno se substancia na capacidade da comunidade
valorização dos local de “colocar em valor” o território e, em particular, aqueles recursos
recursos territoriais não localizáveis que, além de constituir elemento de diferenciação, podem
tornar‐se, em termos projetivos, certos plus competitivos em torno dos
quais se pode construir a estratégia de desenvolvimento local.
Identidade e Os sentimentos identitários determinam em nível local um apego afetivo
sustentabilidade aos valores paisagísticos e culturais do território que tende, por sua vez, a
traduzir‐se na adoção de comportamentos individuais e coletivos voltados à
tutela e à valorização daqueles valores. A presença de uma forte identidade
territorial favorece a maturação de modelos de desenvolvimento
sustentável, enquanto este se funda sobre a valorização, especificidade dos
lugares; valorização que é tanto mais eficaz quanto maior é o envolvimento
ativo da comunidade local. Além disso, a “sustentabilidade” dos processos
em escala local não é um objetivo mensurável somente em termos
ambientais, mas também em termos econômicos e culturais.
47
3. QUESTÕES DE ORDEM METODOLÓGICA E CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE
ESTUDO
48
forma, o preço de venda do vinho produzido com elas é inferior ao dos
vinhos finos. Porém, possui um público consumidor específico.
Fonte: Silva et al. (2011 apud VIEIRA, WATABABE e BRUCH 2012, p. 336) (adaptado)
49
qualidade é realizado pela Asprovinho, a qual contempla desde o
cadastramento dos vinhedos e vinícolas, análises químicas, degustação e
selo de controle.
4. RESULTADOS DA INVESTIGAÇÃO
50
Goethe, além da definição do preço pelo Mark‐up, é observado o
valor de mercado.
Participação dos Identificou‐se uma pequena parcela da produção com selo de IG e
produtos com IG em em alguns casos nenhum produto com selo.
relação à produção
total
Impacto do projeto de No território da Progoethe, constatou‐se uma expectativa de
Indicação Geográfica retorno financeiro com a agregação de valor aos produtos e a
padronização da qualidade. No território de Pinto Bandeira, o
principal argumento é a visibilidade, a força do conjunto e o
objetivo de obter uma DO.
O diferencial para os Para grande parte dos associados, o maior problema está no
produtos com IG aspecto do consumidor brasileiro ter pouca informação sobre o
que significa um selo de IG e como são controlados os produtos
que receberão esse selo.
A importância do O turismo é tido como um ponto de extrema relevância para o
turismo na Indicação sucesso da IG, uma estratégia de marketing e divulgação dos
Geográfica produtos. É pelo turista que os produtos são levados a outros
centros consumidores, que se interessam pelo produto e pela
região, indicando‐os a outras pessoas.
A importância das Na opinião dos produtores, fica evidente que foi pela união de
Associações esforços em uma associação que o processo da obtenção da IG se
consolidou.
A IG e o A pesquisa permitiu concluir que só a estruturação da IG não
desenvolvimento de consegue desenvolver o território, depende de outros fatores
um território associados, com destaque para o turismo como forma de
divulgação do produto. O desenvolvimento é complexo e necessita
de um conjunto de ações por parte da sociedade e do poder
público na busca de vetores de desenvolvimento e certamente a
IG é um desses vetores, não o único.
O mercado para o Em geral, existe um excedente de uva no mercado. Esse faz com
ramo da vinicultura que o preço pago ao produtor seja baixo. Para as vinícolas, o
maior problema são os vinhos importados com tributação
diferenciada. A substituição tributária do ICMS também gera um
desequilíbrio de caixa, pois o imposto será recolhido por ocasião
da venda.
51
fatores e deve estar aliada ao turismo, pois comporá a
cesta de serviços oferecidos ao turista.
As estratégias de As associações vêm participando de eventos e feiras,
marketing das firmando parcerias com organizações de forma a
Associações para demonstrar o que é uma Indicação Geográfica.
divulgar a IG
O turismo da região A importância do turismo no processo de divulgação de
como fator de uma IG também é voz corrente entre as associações e não
divulgação dos apenas uma opinião dos vinicultores.
produtos com
certificação de IG
Interesse de outras Houve interesse de outros empreendimentos,
pessoas em fazer principalmente os ligados ao turismo, o que demonstra
parte da associação de forma clara que a IG é uma alternativa para o
após a declaração de desenvolvimento territorial e para o crescimento do
IG comércio local.
Ações para motivar A visibilidade do produto e os benefícios de uma IG foram
os associados a os principais aspectos utilizados pelas associações.
buscar a certificação
de IG
Registros quanto ao Atualmente o controle sobre a produção e os benefícios
volume de produção gerados é reduzido, pois haverá apenas o controle sobre
dos associados o volume de produção com selo de IG.
Perspectivas de Não existe previsão, e na visão da Asprovinho o fator
exportação dos limitador é a carga tributária do produto, que o torna
produtos com IG muito caro no mercado internacional.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
52
A IG no Brasil está em um processo de expansão e ao mesmo tempo
estruturação, pois muitas delas estão se constituindo no decorrer dos
últimos cinco anos. Nos dois territórios estudados, foram encontradas
situações diversas, pois uma das experiências já está comercializando os
produtos e a outra iniciará em 2014 a comercialização da primeira safra.
Nesse contexto, os aspectos econômicos precisaram ser analisados não
apenas pelo ganho em escala de produção, mas também pelas expectativas
de possíveis impactos econômicos no desenvolvimento territorial.
Ao analisar o volume de produção, verificou‐se que os produtos com IG
apresentam valores pouco representativos em relação ao total das receitas.
A pouca relevância entre o volume de produção com certificação de IG em
relação ao total produzido, não chega a ser uma restrição à importância da
IG, mas, sim, uma questão de mercado, pois nas regiões pesquisadas os
produtos com IG são vinhos brancos e espumantes, ao passo que o mercado
consome mais vinhos tintos. Assim, verifica‐se que os produtos com IG
compõem o mix de produtos da vinícola, onde existem produtos de menor
valor e com maior volume de vendas e produtos diferenciados com valor
maior, no caso os produtos com IG. Nas vinícolas pesquisadas, ficou evidente
que os produtos com IG são destinados a um público mais seletivo, sendo
que são mais significativos os reflexos indiretos, favorecendo aos demais
produtos em função da visibilidade que a IG proporciona.
A análise dos dois casos estudados revela que é pelo turismo a principal
forma através da qual os produtos com IG são reconhecidos fora de seu
território. Da mesma forma, uma região que pensa em desenvolver o
turismo, ao buscar evidenciar seus atributos, deve considerar que estes
podem estar associados a produtos com IG. Desse modo, observa‐se uma
relação muito próxima entre a IG e o turismo, o que certamente favorecerá o
desenvolvimento do território, com a integração dessas duas estratégias de
desenvolvimento territorial. A relação intrínseca entre turismo e IG é
descrita por Nascimento, Nunes e Bandeira (2012, p. 380): “A aliança entre
turismo e Indicação Geográfica propicia o reconhecimento de culturas
tradicionais, a valorização da gastronomia típica, produção sustentável de
alimentos, proteção dos manuseios artesanal e cultural”.
Outro aspecto a destacar, está relacionado à identidade territorial, que é
a busca de atributos do território, que podem estar associados com aspectos
geográficos, históricos ou por um tipo de produto ou sabor especial. A busca
na identificação desses atributos é o esforço dos atores sociais do território
na trajetória do seu desenvolvimento. Em ambas as experiências visitadas,
foi possível observar no aspecto prático a importância desses atores sociais.
Os resultados obtidos dão conta de um considerável entrosamento
entre a existência de uma IG e a promoção socioeconômica e cultural do
território atingido, como um processo de benefício mútuo. Esse argumento
foi evidenciado quando perguntado sobre o interesse de outras pessoas em
53
se associarem após a certificação de IG. Verificou‐se que houve a integração
de empresas e pessoas ligadas ao setor de serviço, mais precisamente, os
serviços de atendimento aos turistas. Constatou‐se, então, que os turistas
vêm em busca do produto com IG e, por conseguinte, consomem diferentes
produtos e serviços, trazendo benefícios econômicos para outros
empreendimentos locais. Entende‐se, então, que a IG é uma estratégia que,
mesmo sendo exclusividade das pessoas que detêm o direito ao uso do selo,
torna‐se inclusiva, pois gera benefícios indiretos a outros setores da
economia.
A Indicação Geográfica, como já fora citada na revisão bibliográfica, é
um processo de construção coletiva que visa beneficiar a um território, seja
diretamente aos produtores envolvidos na IG, seja pelo benefício indireto ao
comércio local. Com os estudos realizados, ficou evidenciado que a IG gera
mais benefícios indiretos para o desenvolvimento territorial do que diretos,
implicando a necessidade da integração com os outros setores da economia
local. Dessa forma, o primeiro passo da IG é a união de pessoas em torno de
um objetivo coletivo.
Portanto, pode‐se dizer que a IG gera encadeamentos para frente e para
traz, impactando no desenvolvimento territorial. No caso do vinho, essa
cadeia produtiva envolve de forma descendente, a partir das vinícolas, os
produtores e, estes, as empresas, principalmente as que comercializam
insumos agrícolas. De forma ascendente, partindo da vinícola para o setor de
transporte e, deste, para o setor de serviços (combustíveis, autopeças, etc.).
De forma lateral, tem‐se o turismo, este capaz de gerar um novo
desencadeamento. Poderia, ainda, se dizer que os produtos com IG,
conforme propõe a teoria dos polos de crescimento, seriam a indústria
motriz, capaz de desenvolver outras atividades em seu entorno.
É possível concluir, então, que, quando um território possui um produto
ou serviço com diferencial e que este possa ser declarado como IG, são
gerados impactos não somente para os produtores e à cadeira produtiva
ligada ao produto com IG, mas para todo território circundante. Assim, a
hipótese levantada: se os produtos que possuem Indicação Geográfica são
capazes de gerar um incremento no preço de venda e com isso contribuir
para a agregação de renda e ainda corroborar economicamente o
desenvolvimento territorial. Conclui‐se que essa hipótese se confirmou. No
entanto, os benefícios não estão simplesmente relacionados a um
incremento de preço, pois os resultados econômicos para o território são
bem superiores. Além da elevação dos preços de venda dos produtos com IG,
os demais produtos similares também obtêm um ganho econômico, além
dos demais setores da sociedade.
Por fim, como recomendação, entende‐se que a divulgação na mídia de
massa sobre o que é uma IG, representaria um grande impulso para a busca
de produtos e serviços com diferencial, com contributos no
54
desenvolvimento dos territórios. O consumidor, no caso do vinho, tem uma
preferência pelos importados, principalmente pela fama de vinhos de
qualidade superior, discurso construído pela mídia de massa. Utilizar esses
mesmos meios para evidenciar que os produtos nacionais com selo de IG são
produtos de qualidade e que são certificados faria com que a visibilidade tão
pretendida pelos produtores de vinho das duas regiões pudesse ser atingida.
Os estudos nas duas regiões devem ser ampliados, por exemplo, para
avaliar se com o passar do tempo as expectativas dos produtores da Uva
Goethe se confirmam com o aumento da produção e agregação de valor ao
produto, assim podendo gerar maior renda aos produtores e vinícolas. Da
mesma forma, em Pinto Bandeira, avaliar a aspiração de, se for declarada,
uma DO, trará maiores impactos territoriais do que a declaração de IP. São
estudos que merecem ser realizados no futuro.
REFERÊNCIAS
55
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Revista GEINTEC, São Cristóvão/SE, v. 2, n. 4, p. 327‐343, 2012.
56
CAPÍTULO 3
1. INTRODUÇÃO
1
Este artigo sintetiza estudos realizados na Dissertação no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional, na Universidade do Contestado (Santa Catarina - Brasil), sendo o
primeiro e o último autor, respectivamente, mestrando e orientador. Está integrado aos estudos
do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação
de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa
Catarina, o qual contou com o apoio financeiro da FAPESC.
57
experiências do Rio Grande do Sul, o Vale dos Vinhedos e a Carne do Pampa
Gaúcho, e fazer análises com base em suas pesquisas sobre as diversas
situações que as envolvem, chega à conclusão que as IGs podem se converter
num instrumento de desenvolvimento territorial. No entanto, não devem ser
vistas como destino final, mas, sim, como ponto de partida em uma longa
caminhada de construção social da qualidade e da diferenciação.
Diante dessa incerteza quanto ao impacto de diferentes experiências
brasileiras no desenvolvimento, a presente pesquisa tem o intuito de
responder o seguinte questionamento: qual a contribuição de experiências
de Indicação Geográfica do setor vinícola no desenvolvimento dos
territórios em que estão inseridos, considerando as dimensões social,
cultural e ambiental?
Para responder a esse questionamento, parte‐se da premissa de que
algumas regiões ou territórios possuem produtos ou serviços que
apresentam fortes traços de especificidade territorial, condição necessária
para o registro de uma Indicação Geográfica, o que, em geral, resulta na
agregação de valor e valorização econômica dos mesmos no mercado.
Entende‐se, então, que a Indicação Geográfica é um dos instrumentos de
valorização dos produtos com especificidade territorial e que pode, ainda,
contribuir para o desenvolvimento das regiões ou territórios atingidos,
principalmente nas dimensões social, cultural e ambiental.
Assim, teoricamente a pesquisa justificou‐se pela possibilidade de
realçar a importância da Indicação Geográfica para o desenvolvimento de
regiões e territórios atingidos, considerando as dimensões social, cultural e
ambiental do desenvolvimento. Sob o aspecto prático, foi possível levar a
conhecimento o impacto das duas experiências brasileiras de Indicação
Geográfica no setor vinícola já implantada, traçando particularidades e
necessidades para um efetivo avanço em relação ao desenvolvimento dos
territórios de forma sustentável.
Com esse propósito, foram analisadas duas experiências de Indicação
Geográfica já implantadas, ambas do setor vinícola, a Associação dos
Produtores de Vinhos de Pinto Bandeira (Asprovinho), localizada na região
serrana do estado do Rio Grande do Sul e a Associação dos Produtores da
Uva e do Vinho Goethe da Região de Urussanga (Progoethe), localizada ao
sul do estado de Santa Catarina, sendo que em ambas o produto é o vinho,
analisando por meio delas o impacto no desenvolvimento de territórios em
que estão inseridos, considerando as dimensões social, cultural e ambiental.
Em específico, buscou‐se: a revisão bibliográfica sobre Indicação Geográfica
e temas conexos (espaço geográfico, território, identidade territorial,
sustentabilidade e desenvolvimento regional); a investigação da realidade
de Indicações Geográficas do setor vinícola focando as dimensões social,
cultural e ambiental; e a sistematização das principais evidências quanto à
58
sustentabilidade do desenvolvimento de territórios abrangidos por
experiências desse tipo no setor vinícola.
Tomando como referência as experiências analisadas, observou‐se que
as variáveis relacionadas às dimensões social e cultural estão minimamente
contempladas. No entanto, em relação à dimensão ambiental, a preocupação
resume‐se ao atendimento das exigências legais, fazendo‐se necessários
mais avanços.
59
sucedida nas novas e dinâmicas relações socioeconômicas, culturais e
políticas de nossos tempos, em uma escala global. Convém destacar que isto
é relativamente recente.
As relações entre o homem e o meio, segundo Chelotti (2010),
possibilitaram que as sociedades historicamente construíssem identidades
territoriais com símbolos, signos e marcas. Com isso, as economias locais
expostas a processos corrosivos de sua dinâmica econômica e de seu tecido
social poderiam engendrar formas de relacionamento capazes de fomentar
identidades, territorial ou histórico‐cultural, que tenham como resultado a
construção de caminhos alternativos para o desenvolvimento, o que de
forma expressa remete à discussão do tema identidade territorial.
Ao notar que os processos atuais de globalização não foram capazes de
adentrar certas regiões ou territórios, é possível perceber a conservação de
diferentes características ligadas à história e cultura em determinados
espaços ou territórios. Atualmente, essas características têm se tornado uma
alternativa de desenvolvimento regional.
A identidade territorial é um elemento diferenciador, seus traços e
características estão ligados ao espaço, à cultura, às relações sociais e ao
patrimônio ambiental, elementos essenciais à Indicação Geográfica e ao
desenvolvimento regional. Nas palavras de Albagli (2004), tais elementos
são chamados de dimensões e são elas as responsáveis pela particularidade
dos territórios, os quais passam a serem moldados a partir da combinação
de forças internas e externas, tais sejam: a dimensão física (clima, solo,
relevo, vegetação e a resultante do uso e práticas dos atores sociais), a
dimensão econômica (consumo e comercialização), a dimensão simbólica
(lugares particulares, relações culturais, afetivas) e a dimensão sociopolítica
(dominação e poder).
A identidade territorial na definição de Haesbaert (1999) é uma
identidade social definida através do território, dentro de uma relação de
apropriação que se dá tanto no campo das ideias quanto na realidade
concreta. Assim, a relação construída entre determinada sociedade e seu
espaço geográfico produzem a identidade territorial. Para Cuche (1999), a
identidade exprime a resultante das diversas interações entre o indivíduo e
seu ambiente social, próximo ou distante.
Saquet e Briskievicz (2009) salientam que as identidades resultam dos
processos históricos e relacionais. Assim, a identidade configura‐se num
patrimônio territorial a ser preservado e valorizado pelos atores envolvidos.
Para os autores, o território envolve o patrimônio identitário, ou seja, o
saber‐fazer, as edificações, os monumentos, os museus, os dialetos, as
crenças, os arquivos históricos, as relações sociais das famílias, as empresas,
as organizações políticas. Esses podem ser potencializados em projetos e
programas de desenvolvimento. Na mesma linha de raciocínio, Fonte et al.
60
(2006) afirmam que a identidade expressa‐se pelos sinais materiais e
imateriais, como os sítios arqueológicos, a música, literatura e artes e,
também, através de sua arquitetura, paisagem, tradição, folclore,
biodiversidade e os produtos alimentares típicos e os produtos artesanais.
Uma forte identidade territorial, para Pollice (2010), não contribui
apenas para estimular processos de desenvolvimento (endógeno e
autocentrado), mas para predeterminar objetivos e estratégias.
Saquet e Briskievicz (2009) contemplam a ideia de que o território, a
territorialidade e identidade acontecem simultaneamente e há uma
dependência mútua também entre território ‐ identidade –
desenvolvimento.
Uma comunidade local, como já se indicou, tende a atribuir um valor
simbólico a alguns elementos da paisagem, reconhecendo‐os como
expressão tangível da própria identidade territorial. A atribuição desses
valores simbólicos se funda quase sempre sobre a imagem que a
comunidade local (insiders) possui de si mesma e da própria especificidade
territorial (POLLICE, 2010, p. 13).
De acordo com Flores (2006), uma gama de novos conceitos
relacionados ao espaço rural vem sendo debatida em nível internacional.
Esses conceitos passam pela agricultura familiar, pluriatividade,
multifuncionalidade da agricultura, atividades não agrícolas rurais,
agroecologia, certificação de origem e qualidade de produtos e
territorialidade, entre outros. Toda essa discussão, segundo o autor, busca a
reaproximação do processo de desenvolvimento rural às expectativas dos
atores locais e o confronto às questões culturais locais e, com o processo de
globalização, no intento de se pensar e programar uma nova lógica de
desenvolvimento.
Na globalização, a produção em massa tem proporcionado a abertura de
um mercado a produtos diferenciados com garantia de qualidade,
procedência e características específicas. “Os ventos da globalização e da
transformação da base técnico‐produtiva trouxeram, em contrapartida, a
revalorização do território e alçaram a territorialidade a fator de
dinamismo, diferenciação e competitividade” (ALBAGLI, 2004, p. 62).
As Indicações Geográficas representam, assim, uma alternativa para
regiões que se encontram fora do processo competitivo da globalização. Tal
processo constitui‐se num instrumento de proteção intelectual que valoriza
elementos sociais, culturais e históricos, apresentando‐se também como
uma forma de integrar a conservação de ambientes característicos e
ameaçados pelos habituais modos de homogeneização do mercado.
Portanto, na implementação de uma Indicação Geográfica voltada aos
princípios do desenvolvimento sustentável se deve buscar a inclusão de
produtores locais, a diversidade cultural e histórica, a melhoria da qualidade
de vida, econômica, social e ambientalmente, ou seja, deve promover o
61
crescimento com equidade, a inclusão e a justiça social e, também, a gestão
dos recursos naturais.
De modo geral, de acordo com Sachs (2009), o objetivo para o
desenvolvimento deveria ser o estabelecimento de um aproveitamento
racional e ecologicamente sustentável da natureza em benefício das
populações, como um componente de estratégia. Outra maneira, ainda, de
encarar o desenvolvimento, segundo o autor, consiste em reconceituá‐lo se
apropriando de três gerações dos direitos humanos: os direitos políticos,
civis e cívicos; os direitos econômicos, sociais e culturais; e os direitos
coletivos ao meio ambiente e desenvolvimento.
O envolvimento entre território, fatores naturais e humanos
desencadeia a formação de uma identidade territorial que, ao longo do
tempo, vem se destacando como uma possibilidade estratégica, singular e
competitiva de inserção de regiões e territórios no mercado globalizado,
além da possibilidade de acesso a bens e serviços. Para Sacco dos Anjos
(2011), a Indicação Geográfica é uma forma de fomentar o desenvolvimento
de zonas rurais que sofrem com o isolamento e crise de perspectivas em
relação ao seu futuro.
O conceito de Indicação Geográfica passou a existir quando
determinados produtos apresentavam qualidade ímpar e eram nominados
pela sua origem geográfica. Esse costume surgiu na Europa, há mais de 150
anos, com produtos como queijos e vinhos. No entanto, tal conceito vem
sendo difundido no meio acadêmico e também em propostas de
desenvolvimento. Para Froehlich e Dullius (2011), no mundo
contemporâneo, onde o mercado valoriza produtos diferenciados, estas
estratégias baseadas em qualidade tornaram‐se um vetor de alto poder de
agregação de valor territorial.
No Brasil, o órgão responsável pela Indicação Geográfica é o Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que a define como a identificação
de um produto ou um serviço originário de um local, região ou país, quando
determinada reputação, característica e/ou qualidade possam ser
vinculadas essencialmente a sua origem particular. É uma garantia relativa à
origem de um produto quanto às suas qualidades e características regionais.
Ou seja, a Indicação Geográfica não pode ser criada, apenas reconhecida.
A Lei nº 9.729, de 14 de maio de 1996, regula a Propriedade Industrial
brasileira e apresenta, em seus artigos 177 a 182, as definições para a
indicação de procedência e denominação de origem, bem como as
modalidades da Indicação Geográfica. Para a Indicação de Procedência,
considera‐se o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu
território que se tenha tornado conhecido, para Denominação de Origem.
Além do nome geográfico, deve‐se se levar em conta qualidades ou
características vinculadas essencialmente ao respectivo meio geográfico,
incluindo os fatores naturais e humanos.
62
A normatização jurídica favoreceu a efetivação de um mercado
diferenciador, cujos produtos com especificidades e garantia dos modos de
produção têm atraído um maior número de consumidores que, segundo
Glass e Castro (2009), estão cada vez mais motivados em consumir esses
produtos, pela sua singularidade e tradição. Bruch (2008) aponta a
Indicação Geográfica como a busca de proteção ao consumidor, assegurando
uma informação correta sobre o produto e a garantia de procedência e
genuinidade.
Ainda quanto aos aspectos jurídicos do reconhecimento de uma
Indicação Geográfica no Brasil, Pimentel (2013) destaca requisitos
essenciais para o pedido de registro e sua concessão tais como: a
organização dos produtores, instituições públicas, associações, empresários,
entre outros, e a comprovação dos produtores estabelecidos na área
geográfica em questão; a comprovação de notoriedade de produtos; as
normas de controle, ou seja, requisitos aos participantes de comum acordo
para serem cumpridos; o design dos sinais distintivos ou logos; o
instrumento oficial que delimita a área geográfica. O autor conclui que, a
partir desses elementos, a Indicação Geográfica se mostra como uma
estratégia coletiva para promoção e comercialização dos produtos.
Para Froehlich e Dullius (2011), recentemente propaladas no Brasil, as
Indicações Geográficas (IGs) são um desafio a ser enfrentado, pois são ainda
incipientes as articulações e os investimentos, dadas as potencialidades da
ampla diversidade biocultural do país e o diferencial de mercado que se
pode atingir. Ainda, para os autores, uma das principais estratégias que
articula identidade territorial e desenvolvimento são as IGs, pois permite a
valorização de atributos locais específicos, buscando associar, no imaginário
do consumidor, relações de tipicidade, cultura e tradição, além de proteger o
patrimônio agrícola nacional e a gerar renda.
Assim, as IGs são vistas como instrumentos importantes para o
desenvolvimento territorial e sustentável. Para Sacco dos Anjos (2011), nos
encontramos diante de um novo discurso sobre a ruralidade em favor dos
produtos, processos e serviços com identidade cultural. O autor expõe o
papel das IGs para o dinamismo, a inovação e a diversificação de áreas
rurais.
3. DESCRIÇÃO METODOLÓGICA
63
Quadro 1 – Questões‐chave para investigação das experiências
64
Catarinense, a qual ficou popularmente conhecida como Região de
Urussanga.
Fonte: Silva et al. (2011 apud VIEIRA; WATABABE; BRUCH. 2012, p. 336, adaptado)
65
Figura 1 – Localização da Indicação de Procedência Vinhos de Pinto Bandeira
66
entrevistados assumem o posicionamento de que a Indicação Geográfica
facilita o turismo, o qual dá mais visibilidade ao território e,
consequentemente, favorece a implantação de novos empreendimentos e
novas alternativas de desenvolvimento.
Logo, segundo os entrevistados, o valor agregado no produto não se
apresenta como principal conquista, mas, sim, a maior visibilidade dos
produtos, facilitando o acesso aos mercados nacional e internacional.
Argumentaram que a IG possibilitou o acesso de um maior número de
visitantes à região no território, o que, por sua vez, proporciona maiores
ganhos, já que atinge outros empreendimentos e possibilita a venda de
produtos que não possuem selo de IG. A principal reclamação dos
entrevistados está na dificuldade de conseguir inserir produtos nas grandes
redes de mercado no território nacional. Outro fato interessante a ser
considerado é que os entrevistados não colocaram o retorno financeiro
como principal quesito, mas, sim, a valorização do seu produto.
A Indicação Geográfica apresenta‐se como socialmente inclusiva nas
duas experiências. Além da conquista de muitas parcerias e melhoria nas
relações entre empresários, houve também a possibilidade de criar uma
rede que divulga e atrai diferentes públicos, além dos que produzem e
comercializam os produtos com IG, tais como hotéis, restaurantes, artesãos,
todos, mesmo que indiretamente, beneficiando‐se no território.
Um deles resume o fato, afirmando que pode ser considerada “uma
cesta de produtos – turismo, IG, cultura, valorização do território, visitação.
Pousadas e restaurantes usam o selo também para divulgação e atrativo”.
Outra importante contribuição é o fato de que o turismo proporciona essa
inclusão das pessoas envolvidas direta ou indiretamente. “A IG incluiu não
só os produtores e vinícolas, como outros empreendimentos, artesão, etc. Só
não está incluso quem não optou pelo tipo de produção”.
Para um dos entrevistados: “devido ao turismo, é inclusivo. Quando se
fala em cooperativa, é mais fácil a inclusão; trouxe oportunidade de trabalho
na região”. Complementa‐se com outra resposta: “o turista faz quilômetros
para conhecer o vinho”. Ou seja, a região começa a ser inserida em um
cenário mais amplo de produtos diferenciados e começa a ganhar
notoriedade.
A forma de inclusão é específica para cada produtor vinícola ou
empreendimento. Um dos entrevistados contou: “para me incluir tive que
colocar vendedores na rua, diferente de outras vinícolas que têm o turista na
porta”. É possível observar o esforço e a particularidade de cada
vitivinicultor, já que estão localizados em diferentes localidades dentro da
região.
Dois entrevistados apontam situações de exclusão. Para um, “a
legislação brasileira não existe para vinho colonial, isso bloqueia algumas
possibilidade de mercado”; para outro, “a legislação exclui, pois só pode ter
67
selo aqueles que tiverem inscrição no Ministérios da Agricultura, o que
necessita de uma infraestrutura”; em contrapartida, um dos entrevistados
considera que “o produtor não precisa investir muito para produzir vinho
com selo”.
Os entrevistados se referiram à melhoria da qualidade de vida, descrita
nas relações com a comunidade, valorização da cultura e da população local,
interação com o poder público, além de situações mais específicas, como no
acesso aos serviços básicos, tais como água, luz, coleta de lixo e avanços
positivos na infraestrutura. De maneira geral, a Indicação Geográfica
possibilitou o bem‐estar a partir da melhoria das relações e parcerias nos
diferentes setores, no acesso a recursos e serviços.
Na dimensão cultural se questionou sobre a relação entre inovação e
tradição, a permanência da cultura no território e as ações locais de
preservação e valorização cultural. Essa foi a dimensão que teve maior
expressão nas respostas dos inquiridos nas duas experiências de Indicação
Geográfica. Os entrevistados demonstraram preocupação e zelo com a
história e cultura do meio e relação com os produtos. Deixaram clara a
intenção de preservar o território e a paisagem. Foi possível observar o
respeito à tradição e à inovação, além da ampliação da capacidade de
mobilização endógena na busca por objetivos comuns. Em geral, as
inovações não indicam desconfiguração do produto, apenas facilitam o
trabalho dos colaboradores e proprietários, com avanços tecnológicos no
processo produtivo. A tradição é mantida dentro da vinícola como um
acervo para o turista.
As respostas permitem observar que a longa história e a cultura
presente nos territórios são o ponto‐chave para o turismo, sendo esse
concebido na perspectiva da conservação e manutenção das paisagens. A
Indicação Geográfica se tornaria um recurso importante para a manutenção
e permanência dessa cultura no território. No entanto, a falta de mais
projetos por parte do poder público é considerada pelos entrevistados como
preocupante, pois consideram que seria fundamental para o sucesso da
Indicação Geográfica.
Nas duas experiências de IG, houve concordância quanto à importância
das Associações que coordenam as atividades da IGs. Nessa categoria, todos
os posicionamentos foram positivos.
Nas respostas dos entrevistados a associação tem um papel importante,
pois, em suma: “incentiva e melhora as condições de venda, o que possibilita
uma maior visibilidade da região e do vinho”; “realiza festas regionais,
participação de feiras e eventos, parcerias com EPAGRI”; “responsabilidade
sobre o selo da IG, marketing e atrativos turísticos”; “sinalização, folders,
contato com jornalistas, parcerias para fortalecimento, aumento do número
de visitantes; assuntos sobre turismo e vinhos são levados para reuniões,
68
palestras para a comunidade, ações com escolas, artesanato como
valorização”.
A dimensão ambiental envolve a sustentabilidade ambiental, a
conservação da paisagem natural, a utilização dos recursos naturais e a
contribuição da atividade com o desenvolvimento sustentável
ecologicamente. Nas experiências de IG analisadas, essa dimensão não é
vista como prioridade. Além disso, não há preocupação aparente dos
produtores ou proprietários vinícolas com as questões ecológicas. A racional
utilização de recursos naturais não é levada em conta na produção de
produtos com selo de Indicação Geográfica.
Para os entrevistados há um grande interesse em conservar a paisagem
natural atual do território. Notou‐se durante os questionamentos que, como
as vinícolas já estão instaladas e já conseguem fazer uma projeção de
produção/plantio, não há preocupação na desconfiguração do território com
o aumento de parreirais. Para um entrevistado, “há preocupação com a
especulação imobiliária e a migração do interior para cidade”.
Como a indicação geográfica está diretamente ligada ao turismo, para
eles o turismo tem relação com a paisagem natural. Os entrevistados
demonstraram “grande preocupação com a paisagem; a paisagem vai no
nosso rótulo”; “a IG está estritamente relacionada ao território e sua
paisagem. Sua manutenção é fundamental para a consolidação da IG”;
também vale ressaltar que “a intenção é que as pessoas venham para cá
conhecer a paisagem”. Ratifica‐se nas palavras de outro entrevistado, “a
vinícola está inserida em roteiros turísticos. Estar entre a serra e o mar faz
com que seja especial. A paisagem tem causado curiosidade e está sendo
inserida no mapa turístico brasileiro”.
Quanto à utilização dos recursos naturais não há distinção da utilização
antes ou depois da implantação da IG. De acordo com um dos entrevistados,
“a IG para vinhos está relacionada ao “terroir”, que envolve o clima, solo,
inclinação do terreno e até mesmo o manejo do vinhedo”, mas, de modo
geral, não é um fator dominante para a Indicação Geográfica.
Outro entrevistado afirma: “Nunca fiz esta relação. Existe um limite de
produção por hectare, mas não por região, poderia plantar vinhedos por
toda a região. Isto é uma escolha da vinícola em utilizar os recursos naturais
e conservar a paisagem”.
Não se percebe uma preocupação dos produtores ou vinícolas com a
ecologia. Doze, dos treze entrevistados se posicionaram negativamente
quanto à contribuições para o desenvolvimento sustentável ecologicamente.
O que os produtores ou vinícolas realizam são o controle de recolhimento de
embalagens, o cadastro vitícola, referente à produção familiar e o
atendimento às legislações ambientais existentes.
Somente um entrevistado posicionou‐se positivamente afirmando que
69
na sua vinícola tem instalado o TPC (sistema Thermal Pest Control), um
processo de imunização de culturas agrícolas à base do ar quente.
No entanto, os entrevistados afirmaram que há um grande interesse em
conservar a paisagem natural atual do território. Ou seja, a paisagem natural
é vista como atrativo, tem relação direta com a venda do produto e o
turismo. No entanto, não é considerada um ativo diferencial.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
70
por exemplo, na sustentação do setor turístico; (3) incentivo à conservação
da paisagem, como patrimônio cultural e ambiental da comunidade local; (4)
facilitação das relações entre empresários, sociedade local e poder público;
(5) criação de estratégias que favorecessem a competitividade dos produtos
locais frente ao mercado nacional e internacional. Especificamente em
relação à dimensão ambiental, implicaria em uma alternativa de
desenvolvimento gerada por experiências de Indicação Geográfica que
atentasse ao uso racional da água, o uso e conservação do solo, preservação
de áreas naturais existentes e aplicação de práticas agrícolas sustentáveis
como diferencial na produção dos produtos.
Tomando como referência as experiências analisadas, conclui‐se que as
variáveis relacionadas às dimensões social e cultural estão minimamente
contempladas. No entanto, em relação à dimensão ambiental, a preocupação
resume‐se ao atendimento das exigências legais, sendo necessários novos
avanços.
Tem‐se consciência das limitações do presente estudo, principalmente
por terem sido observadas apenas duas experiências de um único setor.
Além disso, se tratam de experiências ainda recentes, sendo que a análise da
sua prática atinge um período muito curto, não permitindo análises mais
aprofundadas. Mesmo em se tratando da análise dessas ou outras
experiências, sugere‐se para pesquisas futuras envolver um maior número
de entrevistados, atingindo os demais setores produtivos locais, ou seja,
pousadas, restaurantes, hotéis e a comunidade, com a intenção de melhor
perceber o impacto da Indicação Geográfica em todo o território.
REFERÊNCIAS
71
Desenvolvimento Territorial Rural a partir de Serviços e Produtos com Identidade –
RIMISP, mar. 2006.
FROEHLICH, J. M. et al. A agricultura familiar e as experiências de Indicações Geográficas
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sisal. RDE ‐ Revista de Desenvolvimento Econômico, ano 3, n. 5, p. 6‐17, 2001.
72
CAPÍTULO 4
INTRODUÇÃO
1
O texto resume reflexões realizadas durante a execução do Projeto de Pesquisa Território,
Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como
estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, financiado pela
FAPESC, Chamada Pública Nº04/ 2012/Universal.
2
A Rede resultou de encontro que reuniu professores de universidades brasileiras, de Portugal
e Espanha, no dia 17 de agosto de 2014, na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
Propõe o estudo comparado de práticas de desenvolvimento territorial e governança,
envolvendo pesquisadores universitários, técnicos profissionais ou gestores públicos e
privados que estudam ou estão envolvidos em experiências de desenvolvimento territorial e
governança. Na objetivação de seu propósito básico propõe-se realizar parcerias com
pesquisadores universitários e estudiosos de países iberoamericanos. O endereço provisório de
contato é: valdirroqued897@gmail.com.
3
Sobre o assunto, é interessante mencionar a publicação de Krone e Menasche (2010) na qual
é analisada o uso de ferramenas como patrimonialização e indicações geográficas para gerar
desenvolvimento regional com base em produtos tradicionais.
73
Apesar do patrimônio cultural não ser especificamente o objeto
tutelado pelas Indicações Geográficas, a exclusividade sobre o signo
distintivo vinculado a uma região geográfica está intrinsecamente
relacionada à tradição e identidade cultural da comunidade dessa região.
Essa relação impacta direta e indiretamente a comunidade local e sua
participação e pertencimento à exploração econômica dos produtores e/ou
serviços com o signo distintivo protegido por indicações geográficas.
Portanto, para que esse processo de desenvolvimento regional ocorra,
se faz necessária a reflexão sobre o patrimônio cultural das comunidades
envolvidas. É imprescindível que a comunidade, mais especificamente, os
agentes da cadeia produtiva, reconheça o potencial que uma integração
cooperada pode gerar para todos. E mais, que se tomem os devidos cuidados
para que não exista um esvaziamento simbólico desse patrimônio cultural, o
que tornaria determinado produto e/ou serviço apenas uma commodity a
ser consumida, desassociado da trajetória histórica e patrimonial da
comunidade.
Nesse esforço, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), associado ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e
com o apoio de membros da Rede Iberoamericana de Estudos sobre
Desenvolvimento Territorial e Governança, elaborou um curso com o
objetivo de gerar empoderamento sobre o potencial das IGs, cuja proposta é
formar gestores locais para promover as Indicações Geográficas e sua
relação direta com o patrimônio cultural de uma comunidade. Essa mesma
comunidade precisa ser envolvida num amplo trabalho de Educação
Patrimonial para que possa reconhecer e valorizar sua cultura. Não é tarefa
fácil, haja vista que a fase atual do capitalismo remete para os grandes
monopólios e os oligopólios, que tentam dominar o mercado e impor, dessa
forma, uma uniformização cultural para uma massificação do consumo.
74
produção, criada no final da IIª Guerra Mundial na indústria Toyota, no
Japão (BENKO, 1999). O consumo de massa alterava hábitos e costumes (ou
seja, alterava as culturas) principalmente entre os mais jovens.
A cultura aqui discutida se baseia no conceito criado por Tylor (1877,
apud MINTZ 2009) no qual busca “[...] refletir os produtos comportamentais,
espirituais e materiais da vida social humana”. A cultura é inerente ao ser
humano em sociedade.
No sistema mais flexível, Benko (1999, p 29) destacou que a passagem
para o novo regime de acumulação é acompanhado de mudanças
importantes nos modos de produção e de consumo. O consumo em massa
continua como importante forma de acumulação para as indústrias de modo
geral. Entretanto, como resistência involuntária, há a valorização de
produtos com referências culturais distintas.
Essa sociedade de consumo e massificação está vinculada à própria pós‐
modernidade, que tem como principais critérios a performatividade e
funcionalidade. Segundo Westphal (2004, p. 20), “[...] para a filosofia pós‐
moderna, não há um poder regulamentador ou um ponto de convergência,
pois o critério não é o da justiça ou de autoridade e nem de verdade, mas de
performatividade (desempenho)”. Em outras palavras, a principal questão
hoje é: para que serve, qual sua função, qual retorno deste objeto? Ainda
conforme Westphal (2004, p. 21), “[...] o que se busca não está mais ligado ao
falso ou verdadeiro, ao justo ou injusto, mas ao critério da competência e
performatividade, ou seja, da eficiência e da lucratividade”.
Ao se aplicar a lógica da performatividade e funcionalidade (produção
em massa) para esses produtos e/ou serviços tradicionais, poderá haver um
esvaziamento do próprio sentido do patrimônio cultural existente na forma
de fazer tradicional. Esvaziado o ativo cultural, essa comunidade local não
conseguirá sobreviver à lógica de mercado das grandes corporações, por
não ter escalarilidade suficiente para suprir as demandas de mercado. Com
isto, haverá uma desvalorização da comunidade local e uma exclusão e
desempoderamento desses agentes tradicionais.
Portanto, auxiliar uma comunidade no reconhecimento de sua
identidade cultural e, a partir daí, do seu potencial econômico é uma
estratégia fundamental para o processo de criação das Indicações
Geográficas como promotoras do desenvolvimento regional, tendo sempre
em conta que a identidade cultural em si é um dos principais ativos.
75
debates da atualidade que se manifestam como elemento‐chave do combate
à globalização é a questão da territorialidade do lugar e da identidade”. O
reconhecimento do patrimônio cultural de uma comunidade é fundamental
para posicionar o cidadão em seu contexto, tornar sua visão de mundo mais
ampla e destituir as suas amarras políticas e ideológicas. Repensar a
identidade à luz da complexidade significa perceber o constante
renascimento do cidadão, significa a integração do local e do global num
intenso fluxo de conexão (CAMARGO, 2009, p. 41 a 43).
Para Castells (1996), as pessoas ainda vivem em lugares onde a função e
o poder são organizados no espaço e onde a lógica da dominação estrutural
altera essencialmente o significado e a dinâmica do lugar. A construção da
identidade de um povo está na base cultural, afirma o autor. O processo de
globalização ocorre no lugar, mas quando a identidade cultural é basilar ela
pode ser o diferencial no sistema produtivo (CASTELLS, 1996, p. 458).
Por essa razão, a própria Constituição Federal Brasileira de 1988 sofreu
uma alteração em 2012, pela Emenda Constitucional nº 71, a qual, dentre
outras alterações, acrescentou o art. 216‐A, que destaca a importância da
cultura para o desenvolvimento nacional e a importância da participação de
todos, de forma descentralizada e participativa, envolvendo tanto os entes
da federação como a própria sociedade. E no Art. 216, manteve o conceito
amplo de patrimônio cultural, englobando bens de natureza material ou
imaterial, conforme se vê abaixo:
76
cotidiano”. Daí a importante relação entre Indicação Geográfica, ativos
territoriais e patrimônio cultural. Para Guia (2010), o debate sobre o
ordenamento territorial e o desenvolvimento regional brasileiro precisa ser
discutido à luz da temática social, ambiental e econômica. Nesse sentido, o
patrimônio cultural é uma referência pouco utilizada quando se trata do
desenvolvimento do Brasil. Já quando se trata de agências internacionais,
Unesco, Banco Mundial, entre outros, como lembrou o autor, o elemento
cultural é fundamental para discutir o desenvolvimento econômico de
diversas atividades, dentre elas o turismo. No Brasil, país com enorme
diversidade cultural, o conteúdo cultural de seu território sofre de um
“processo de anomia generalizada”.
Segundo o Guia,
4
Exemplos dessas tentativas são as associações que se organizam para pedir IGs com base no
saber-fazer tradicional local de, principalmente, produtos. Contudo, dessas IGs registradas,
poucas efetivamente estão atuantes no mercado, gerando renda e desenvolvimento regional
para as comunidades.
77
desenvolvimento solidário. Para ele, o desenvolvimento capitalista é
realizado com os valores da competição, do individualismo e do Estado
mínimo. Já o desenvolvimento solidário é realizado com pequenas
comunidades, por meio de cooperativas ou associações de trabalhadores,
que, mesmo competindo entre si pelo mercado, estabelecem uma espécie de
ajuda mútua.
Nesse sentido, a proposta das indicações geográficas é a de estabelecer
um desenvolvimento solidário, já que se faz necessário gerar na cadeia
produtiva ações coletivas com benefícios para todos os produtores, ainda
mais considerando que a titularidade da indicação geográfica é coletiva5.
Ainda segundo Singer (2004), uma das características do desenvolvimento
capitalista é o seu caráter excludente. Nos últimos anos os consumidores
têm se beneficiado com oportunidade de satisfazer as suas necessidades de
novos bens e serviços com preços mais reduzidos. No entanto, reforçou
Singer (2004, p.10), o “[…] desenvolvimento capitalista é seletivo, tanto
social como geograficamente”. Haja vista o comércio internacional, no qual
os países do Atlântico Norte apresentam comércio externo com
movimentação portuária muito mais intensa se comparado aos países do
Atlântico Sul. As localidades excluídas perdem participação na renda global,
perdem vigor econômico, reduzindo as possibilidades de novos
investimentos em infraestruturas, educação, saúde, entre outros. Cria‐se o
círculo vicioso do subdesenvolvimento.
O surgimento das reflexões e de diversas iniciativas baseadas no
desenvolvimento solidário pode gerar alternativas de renda a partir do
patrimônio cultural da comunidade. Aparece como uma forma de resistência
à “economia do dinheiro”, a qual Marx acusava de dissolver as comunidades
tradicionais (apud HARVEY, 2001, p. 98).
5
Essa é, inclusive, uma exigência legal, consubstanciada no art. 182, da Lei nº 9.279/1996: “O
uso da indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no
local, exigindo-se, ainda, em relação às denominações de origem, o atendimento de requisitos
de qualidade”.
78
destaca essa instrumentalização da arte e da cultura, fruto da própria
desmaterialização das várias fontes de crescimento. Esta ocorre ora para
legitimar diferenças culturais, ora para estimular o crescimento econômico.
[...] hoje em dia é quase impossível encontrar declarações públicas que não
arregimentem a instrumentalização da arte e da cultura, ora para melhorar as
condições sociais, como na criação de tolerância multicultural e participação
cívica através de defesas como as da UNESCO pela cidadania cultural e por
direito culturais, ora para estimular o crescimento econômico através de
projetos de desenvolvimento cultural urbano e a concomitante proliferação de
museus para o turismo cultural, culminados pelo crescente número de
franquias de Guggenheim.
79
‘modernidade liquida’ (BAUMAN, 2001). Nela o fragmento, a aparência e o
individualismo imperam.
80
Para Peregrino (2012):
81
O operário tem mais flexibilidade para auxiliar em diversas tarefas nas
pequenas e médias empresas, inclusive aprendendo sobre o negócio, o que
lhe permite criar, em algumas condições, seu próprio negócio ou crescer
com a empresa.
Nesse sentido, trazemos como exemplo um empreendimento criado
numa comunidade rural de origem alemã, no Município de São Martinho SC.
A empresa Fluss Haus, ou Casa do Rio, cujo lema se respalda nas tradições
culturais quando diz logo na entrada: pensando no futuro, sem perder as
tradições do passado (figura 1).
Figura 1: Placa na entrada da Fluss Haus na Comunidade de Vargem do Cedro, São Martinho.
Fonte: autora.
82
Figura 2: Acesso a Fluss Haus ‐ na Comunidade de Vargem do Cedro em São Martinho SC.
83
Manter o ambiente sustentável e sensibilizar os demais moradores do
Município, por meio da Educação Patrimonial, pode auxiliar na preservação
das tradições culturais e projetar o futuro. Essas indicações permitirão que
outros exemplos como este possam surgir em tantos municípios brasileiros
que carecem de alternativas geradoras de renda, apesar de estarem
sentados sobre o "pote de ouro", a sua riqueza cultural, mas que não a
reconhecerem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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espaço social. In: ALMEIDA, Flávio Gomes. SOARES, Luiz Antonio Alves (Org.).
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84
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ROSSI, A.V. Patrimônio cultural: entenda e preserve. Guia de atividades de educação
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Cultura, 2009.
SANTOS, M. Espaço e sociedade. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1982.
SINGER, P. Desenvolvimento capitalista e desenvolvimento solidário. Estud. av., vol.18,
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VELOSO, M. Fetiche do patrimônio. Habitus. Goiânia, v. 4, n. 1, p. 437‐454, jan./jun. 2006.
WESTPHAL, E. R. O oitavo dia: na era da seleção artificial. São Bento do Sul‐SC: União
Cristã, 2004.
85
CAPÍTULO 5
DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE
AMBIENTAL E INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
AGROPECUÁRIAS1
INTRODUÇÃO
1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública Nº 04/2012/Universal.
87
será feita uma reflexão acerca de como o aspecto ambiental tem sido
incluído no tema das Indicações Geográficas, partindo da legislação que
trata sobre o tema, da instrução normativa que rege o registro das
Indicações Geográficas (nº25/2013) e do Guia para a Solicitação e Registro
das Indicações Geográficas de Produtos Agropecuários, elaborado pelo
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Por fim, serão
propostas alternativas e sugestões para que o aspecto ambiental seja melhor
considerado nesse processo.
88
grupo social, ao apropriarem‐se de um dado território, decidem quais
intervenções realizarão. Intervenções essas que, por sua vez, estão
relacionadas às suas concepções éticas, opções políticas e nível tecnológico.
Com relação à dimensão simbólica/cultural, ao se definir uma
identidade coletiva, também se define a relação que será estabelecida com
os outros, criando‐se a imagem de quem é o “amigo” e “inimigo”, “rival” e
“aliado”. A dimensão cultural atua, nesse contexto, como um “um fio invisível
que vincula os indivíduos ao espaço”, diferenciando as comunidades
(ALBAGLI, 2004).
Por fim, para Albagli (2004), a dimensão econômica também possui
uma forte dimensão espacial. Segundo o autor, os territórios possuem
diferentes capacidades de oferecer competitividade e rentabilidade para
empreendimentos e investimentos, o que traz diversas vantagens de
localização. Há uma divisão do trabalho e do processo de acumulação de
capital que pode ser identificada na hierarquização e diferenciação das
atividades predominantes dos lugares.
O território não pode ser confundido, simplesmente com uma
materialidade do espaço construído socialmente, e tampouco com um
“conjunto de forças mediadas por esta materialidade” (HAESBAERT;
LIMONAD, 2007, p. 42). Para os autores, o território é sempre apropriação e
domínio de um espaço socialmente compartilhado. Enquanto a apropriação
possui um sentido mais simbólico, o domínio apresenta uma acepção mais
política e econômica. O território é uma construção histórica, social, e parte
de relações de poder que incluem, concomitantemente, a sociedade e o
espaço geográfico.
Para Dallabrida (2011, Apud MARCHESAN e DALLABRIDA, 2013, p.
205), território corresponde
89
Ainda segundo o autor, o território é natureza e sociedade, não havendo
separação entre eles. O território é “[...] economia, política e cultura;
edificações e relações sociais; des‐continuidades; conexão e redes; domínio
e subordinação; degradação e proteção ambiental, etc”. Ele representa
90
sustentável, publicou diversos trabalhos com essa temática, dentre eles:
Capitalismo de Estado e Subdesenvolvimento: Padrões de setor público em
economias subdesenvolvidas, 1969; Ecodesenvolvimento: crescer sem
destruir, 1981; Espaços, tempos e estratégias do desenvolvimento, 1986;
Rumo à Ecossocioeconomia ‐ teoria e prática do desenvolvimento, 2007;
Caminhos para o desenvolvimento sustentável, 2006; Desenvolvimento
includente, sustentável e sustentado, 2006.
Segundo Sachs (2004), o desenvolvimento se distingue do crescimento
econômico à medida que os objetivos do desenvolvimento transpassam o
objetivo de aumento de riqueza material. O autor considera o crescimento
uma condição necessária, porém, não o bastante para alcançar uma melhor
qualidade de vida, mais completa e mais feliz para todos e não um objetivo
em si.
Sachs (2004) compreende que a igualdade, equidade e solidariedade
fazem parte do que é entendido por desenvolvimento, e que, ao invés de se
buscar o aumento do PIB, o objetivo deve tornar‐se a promoção da
igualdade e maximização das vantagens dos que possuem as piores
condições, buscando‐se diminuir a pobreza, que é desnecessária e
vergonhosa em um mundo no qual existe a abundância. O autor ressalta que
o desenvolvimento sustentável acrescenta a dimensão da sustentabilidade
ambiental e sustentabilidade social, que é baseada em solidariedade com as
gerações futuras.
O desenvolvimento sustentável, assim, prima pela solidariedade das
gerações presentes e futuras e também requer que estejam claros os
critérios para sustentabilidade social e ambiental e para a viabilidade
econômica. Nesse sentido, somente soluções que resultem em crescimento
econômico com impactos positivos em termos sociais e ambientais,
merecem receber a denominação de desenvolvimento (SACHS, 2004).
Para o autor, o desenvolvimento sustentável está firmado sobre cinco
pilares, a saber: social, ambiental, territorial, econômico e político. O pilar
social é fundamental devido à “perspectiva da disrupção social”, presente de
forma ameaçadora em muitos lugares do planeta. O pilar ambiental possui
outras duas dimensões, os sistemas de sustentação da vida como provedor
de recursos e como “recipientes” para a disposição de resíduos. O pilar
econômico, com relação a sua viabilidade, é entendido como condictio sine
qua non para que as coisas aconteçam. Por fim, o pilar territorial está “[...]
relacionado à distribuição espacial dos recursos, das populações e das
atividades”; e o pilar político está relacionado à “[...] governança
democrática como valor fundador e um instrumento necessário para fazer
as coisas acontecerem; a liberdade faz toda a diferença” (SACHS, 2004, p.
15).
Partindo, então, para a relação entre o território e o desenvolvimento
91
(sustentável), os autores Cazella e Carrière (2006, p. 25), apontam que a
corrente de pensamento sobre o desenvolvimento que abarca a noção de
território, “[...] representa uma tomada de consciência dos limites da
capacidade do Estado central de ordenar e planejar de maneira adequada o
território”.
Pecqueur (2004 apud CAZELLA; CARRIÈRE, 2006), ressalta que se há
quinze anos se falava de desenvolvimento local, atualmente é preferível falar
em desenvolvimento territorial, já que esse estilo de desenvolvimento não
se reduz à pequena dimensão.
Para Cazella e Carrière (2006), espaço‐território é diferenciado do
espaço‐lugar pela sua “construção” a partir da dinâmica entre indivíduos
que o habitam. Nesse sentido, o território é definido como o resultado da
confrontação dos espaços individuais dos atores nas suas dimensões
econômicas, socioculturais e ambientais. O território, assim, não está em
oposição ao espaço‐lugar funcional, e, sim, o exemplifica.
Segundo Pecqueur (2004 apud CAZELLA; CARRIÈRE, 2006), a formação
de um território é assumida, por vários atores atuais, como um resultado do
encontro, da mobilização e da interação de seus atores sociais com um dado
espaço geográfico, com vistas a encontrarem soluções para um problema
comum. Em outro sentido, um “território dado”, com delimitação política‐
administrativa, pode abrigar vários “territórios construídos”. Nesse sentido,
as dinâmicas territoriais apresentam como características serem múltiplas e
sobrepostas, não possuírem limites nítidos e buscarem valorizar o potencial
de recursos latentes.
Nesse momento, então, faz‐se necessária a diferenciação entre os
termos “ativo” e “recursos”. Segundo Cazella e Carrière (2006), o ativo pode
ser definido como um fator “em atividade”, que já possui valorização no
mercado. Já o recurso pode ser entendido como uma reserva, um potencial
latente e/ou virtual, que pode vir a se transformar futuramente em um ativo.
Segundo Bonnal et al. (2014), o desenvolvimento territorial pode ser
considerado como uma metodologia, sendo, assim, uma forma de pensar e
de fazer o desenvolvimento, correspondendo, então a um processo de
articulação entre os atores sociais e entre os setores relacionados à
perspectiva da descentralização. Segundo os autores, o desenvolvimento
territorial passa pelo inventário de seus recursos locais, capaz de
transformar aspectos negativos em novos projetos de desenvolvimento, em
que valores meramente simbólicos passam a desempenhar um papel de
recursos socioeconômicos. A dinâmica de desenvolvimento territorial não se
instala sem a criação ou cooperação. Precisam existir estruturas de troca
entre os pesquisadores, associações civis, empresas privadas, órgãos
públicos, passo que é essencial para estimular uma reflexão para novos
projetos.
O desenvolvimento territorial deriva, então, da negociação entre os
92
atores do território, mesmo que seus interesses não sejam os mesmos, mas
que encontrem um ponto em comum em novos projetos. Ele também pode
ser considerado “[...] um processo tributário da descentralização político‐
administrativa do Estado”, sendo que seu sucesso pode depender da
qualidade das atitudes cívicas de iniciativas locais. Esse fato decorre da
premissa do modelo de desenvolvimento de requalificar o “saber‐fazer”
local, fazendo o uso de novas tecnologias (BONNAL et al., 2008, p. 204).
93
sendo 33 Indicações de Procedência e 8 Denominações de Origem; e 8
estrangeiras, todas Denominações de Origem. Destaca‐se, no Brasil, pelo
número de Indicações Geográficas, a produção de vinhos (Vale dos Vinhedos
‐ RS, Altos Montes ‐ RS, Monte Belo‐RS, Pinto Bandeira‐RS, , Vales da Uva
Goethe – SC) e a produção de café (Região do Cerrado Mineiro‐ MG, Alta
Mogiana – SP, Norte Pioneiro do Paraná – PR, Região da Serra da
Mantiqueira – MG) (INPI, 2014).
94
como uma orientação aos requerentes do registro. Portanto, esse guia não
tem a função de acrescentar regras ao processo de registro de IG’s e, sim,
esclarecer as regras já existentes.
Porém, analisando o Guia elaborado pelo MAPA, encontramos a
seguinte afirmação:
95
aspecto ambiental nessa afirmação, para que o mesmo fosse considerado e
entendido pelos produtores requerentes das IG’s e leitores desse guia, como
uma parte intrínseca ao desenvolvimento de seus respectivos territórios.
Ainda no texto do Guia para Solicitação de Registro de Indicação
Geográfica para Produtos Agropecuários, encontra‐se a seguinte afirmação:
96
a) o nome geográfico;
97
exclusivo da denominação de origem, bem como sobre o produto ou prestação
do serviço distinguido com a Denominação de Origem;
2
Esse livro traz maiores informações acerca dos procedimentos para obtenção de registro,
dentre outras informações, que são objeto de estudo destes pesquisadores, portanto, trazem um
melhor detalhamento sobre o que deve contar no regulamento de uso e controle das indicações
geográficas.
98
aspecto ambiental.
Nesse sentido, outra informação contida no livro referente ao Curso
sobre Indicações Geográficas é que:
3
Ver conclusões de estudo sobre a questão ambiental e IG, constantes no texto do Capítulo 3
deste livro.
99
estudo das Indicações Geográficas e sua relação com o meio ambiente e ao
desenvolvimento sustentável. Assim como também tem sido de extrema
importância as parcerias realizadas entre produtores, Universidades e
Institutos de Pesquisa, surgindo como uma das alternativas para a falta de
norteamento oferecido pelas diretrizes governamentais existentes.
Como sugestão e alternativa à falta de norteamento para o alcance do
desenvolvimento do território, e no caso específico da sustentabilidade
ambiental, seria incorporar, dentro da legislação e/ou no guia referente ao
registro das Indicações Geográficas algo semelhante ao que se conhece por
indicadores de desenvolvimento sustentável.
Um exemplo existente de indicadores de desenvolvimento sustentável
no Brasil é o elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), cuja última versão corresponde ao ano de 2012, e é chamado de IDS
2012. Esse documento possui 350 páginas e elenca indicadores nas
dimensões: ambiental, social, econômica e institucional.
No documento, os indicadores são entendidos como ferramentas que
contém duas ou mais variáveis que, ao serem associadas de várias formas,
mostram significados sobre os fenômenos a que se referem. Já os
indicadores de desenvolvimento sustentável, por sua vez, são instrumentos
capazes de guiar ações e subsidiar o monitoramento e avaliação de um
progresso rumo ao desenvolvimento sustentável. Assim, dever ser vistos
como um meio para alcançarem o desenvolvimento sustentável, e não um
fim em si mesmo (IBGE, 2012).
Nesse documento (IDS‐2012), a dimensão ambiental está relacionada
ao uso dos recursos naturais, à degradação ambiental e também aos
objetivos de preservação e conservação do meio ambiente, fundamentais
para a qualidade de vida das gerações atuais e futuras. Essas questões estão
apresentadas nos temas atmosfera; terra; água doce; oceanos, mares e áreas
costeiras; biodiversidade e saneamento, como pode ser observado no
Quadro 1 (IBGE, 2012). Além do IDS‐2012, existem outros sistemas de
indicadores de desenvolvimento sustentável, como, por exemplo, o Sistema
de Indicadores de Desenvolvimento Municipal Sustentável do Estado de
Santa Catarina, o SIDMS. Esse sistema tem por objetivo central “facilitar o
acesso dos agentes públicos à imensa quantidade de informações
espalhadas pelas bases de dados dos órgãos públicos federais e estaduais,
além das pesquisas da própria FECAM, tratando e consolidando os
conteúdos mais estratégicos para os municípios, associações de municípios
e aos diversos recortes territoriais usados em Santa Catarina” (SIDMS,
2014).
A incorporação de indicadores de sustentabilidade, no entanto, não
viria de forma a tornar a fase de registro “engessada” ou trazer mais
empecilhos à mesma. Ela poderia atuar esclarecendo aos próprios
100
requerentes das IG’s, quais aspectos da sustentabilidade ambiental (e
também econômica e social), deveriam ser considerados para que o produto
pudesse colaborar de forma mais efetiva para o desenvolvimento de seu
respectivo território.
Dimensão ambiental
Emissões de origem antrópica dos gases associados ao efeito estufa
Consumo industrial de substâncias destruidoras da camada de ozônio
Concentração de poluentes no ar em áreas urbanas
Terra
Uso de fertilizantes
Atmosfera
Uso de agrotóxicos
Terras em uso agrossilvipastoril
Queimadas e incêndios florestais
Desflorestamento da Amazônia Legal
Desmatamento nos biomas extra‐amazônicos
Água doce Qualidade de águas interiores
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
102
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Curso de propriedade
intelectual & inovação no agronegócio: Módulo II, indicação geográfica / Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento; organização Luiz Otávio Pimentel – 4ª ed. –
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103
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Oxford and New York: Oxford University Press, 1987.
104
CAPÍTULO 6
ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO NO
MUNICÍPIO DE CANOINHAS (SC): UM ESTUDO A
PARTIR DO MANEJO DE FRAGMENTOS DE
FLORESTA OMBRÓFILA MISTA E SUA RELAÇÃO
COM A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA1
INTRODUÇÃO
1
Texto apresentado no II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014. Faz
parte também dos estudos realizados quando da execução do Projeto de Pesquisa Território,
Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como
estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, com financiamento
da FAPESC.
105
CARACTERIZAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA
106
As quase dizimadas e extensas áreas desse sistema florestal, que se fazia
presente no planalto sul‐brasileiro, eram mescladas por áreas de campos.
Segundo o IBGE (2012), atualmente existem quatro formações da FOM.
Aluvial: em terraços antigos associados à rede hidrográfica; Submontana:
constituindo disjunções em altitudes inferiores a 400 metros; Montana:
situada aproximadamente entre 400 e 1000 metros de altitude; e
Altomontana: compreendendo as altitudes superiores a 1000 metros.
107
Os estudos dos remanescentes florestais da FOM do Estado de Santa
Catarina (Figura 03) são decorrentes do mapeamento da Fundação SOS
Mata Atlântica realizado no ano de 2008, registrando uma cobertura
florestal remanescente da Floresta Ombrófila Mista de 13.741,03 Km², ou
seja, 24,4% da sua área original5 .2
108
a serraria da Souther Brazil Lumber & Colonization Company’ (Lumber) na
época considerada a maior serraria da América do Sul, que chegou a serrar
aproximadamente trezentos metros cúbicos de araucária por dia”. Marques
(2007, p. 53) complementa:
109
diferentes áreas do globo terrestre, atuando na perspectiva que melhor
convenha aos interesses de circulação, acumulação e dominação capitalista.
Portanto, de maneira geral, pode‐se afirmar que o processo relatado
interferiu na identidade física, ambiental, política e econômica regional.
Superado esse ciclo, torna‐se necessário investigar novas alternativas
para o município, resgatando os restos genéticos dos remanescentes da
floresta e analisar as possíveis potencialidades econômicas para esse
território.
A FLORESTA E A LEGISLAÇÃO
110
ALTERNATIVAS DE USO DA FLORESTA
Para que seja possível manejar a floresta natural, é necessário incrementar sua
rentabilidade, o que depende, basicamente, de quatro fatores: a) produtividade
da floresta (sítio, estado de conservação, estágio de desenvolvimento); b)
produtividade das atividades de colheita, seja ela de produtos madeiráveis ou
não madeiráveis (organização e planejamento, habilidade, força); c)
infraestrutura (caminhos, acessos, rotas, equipamentos); d) mercados
(produtos e preços) (ROSOT, 2007, p. 80).
111
Segundo Nasser (2000, apud BENTES‐GAMA et al., 2006, p. 11),
“estudos em economia regional estão ligados à necessidade de
conhecimento das especificidades regionais enquanto bases produtivas ou
dinâmicas”. Essas novas bases produtivas referem‐se aos produtos não
madeiráveis que podem ser extraídos da floresta como possibilidades de
manejo florestal sustentado. Apesar de a Floresta Ombrófila Mista possuir
grande parte desses produtos, muitos não são disseminados na cultura local
e, de maneira geral, são desconhecidos por muitos proprietários rurais.
Embora se conheça a erva‐mate, o pinhão, entre outros produtos não
madeiráveis utilizáveis, existem muitos mais, possivelmente ainda
desconhecidos, que podem guardar enormes potenciais econômicos, sociais
e ambientais.
Além disso, tais produtos naturais (PFNM) podem suprir necessidades
de sobrevivência e produção econômica do habitante rural. Para Itto (1988,
apud BRAZ et al., 2005, p 19), “[...] os produtos não madeiráveis geralmente
são base para a produção artesanal e industrial de pequena escala, além de
gerar empregos, considerando que a exploração requerida exige intensa
mão de obra”.
Várias são as espécies nativas que fornecem algum tipo de alimento,
entre elas as da família Myrtaceae, que são as mais encontradas nas áreas de
Floresta Ombrófila Mista no Planalto Norte Catarinense: pitanga (Eugenia
uniflora), guabiju (Myrcianthes pungens), guabiroba (Campomanesia
xanthocarpa), cerejeira (Eugenia involucrata), araçá (Psidium cattleianum),
jaboticaba (Myrciaria trunciflora), uvaia (Eugenia pyriformis), grumixama
(Eugenia brasiliensis), araticum (Annona cacans), ingá‐feijão (Ingá capitata),
entre outras. Além dessas, outras são potenciais para o desenvolvimento de
PFNM como a guaçatunga (Casearia decandra), a araucária, através dos
pinhões, e a palmeira jerivá (Syagrus romanzoffiana).
A flora brasileira, de modo geral, não produz muitas espécies de frutas
comercialmente viáveis. Por isso, muitas espécies frutíferas somente são
conhecidas na sua região de origem, embora possam gerar uma demanda
local pelos produtos e subprodutos delas advindos. Determinadas plantas
são ricas fontes de substâncias orgânicas de interesse científico e
tecnológico. Tais substâncias são conhecidas como metabólicos secundários
e encontram‐se distribuídas por toda a planta. Muitas delas desempenham
importante papel regulador de desenvolvimento do mecanismo de defesa do
corpo humano e na reprodução da espécie para fins comerciais
farmacêuticos. Quanto maior a diversidade biológica de uma determinada
floresta, maior será a sua diversidade química, podendo‐se citar a Mata
Atlântica como um dos mais ricos sistemas biológicos do mundo.
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
113
Os remanescentes florestais na forma de Reserva Legal e Áreas de
Preservação Permanentes podem viabilizar economicamente as
propriedades rurais através da produção de bens e serviços, além da
conservação da biodiversidade. Por essa razão, os fragmentos de
remanescentes da floresta nativa regional em forma de Reserva Legal e
Áreas de Preservação Permanente não podem ser considerados áreas
“improdutivas”, ou, por vezes, entendidos e mantidos apenas por exigência
da legislação ambiental, mas como possibilidade de exploração econômica
sustentável.
Em estudos3já realizados anteriormente (SANDER, 2014), a dimensão
ambiental de conservação da paisagem natural não é vista como prioridade,
além de mostrar que a não preocupação e a correta utilização dos recursos
naturais não é valorizada na produção dos produtos com selo de IG. O fato é
que não faz sentindo a conquista de um registro de IG para um produto
exclusivo oriundo de uma paisagem singular e de uma espécie endêmica
sem a conservação e valorização desta paisagem da qual a rica matéria‐
prima chamada erva‐mate faz parte.
Assim, deve‐se zelar pela preservação do capital natural, não limitando
os usos da floresta, mas desenvolvendo estratégias seguras para as suas
fragilidades como o avanço da agricultura, ou monoculturas silvícolas. A IG
pode ser um excelente recurso de integração entre desenvolvimento e
sustentabilidade ambiental para a floresta ombrófila mista, desde que atue
intrinsicamente com os atores locais, a sua capacidade de resiliência,
atividades econômicas e valorização cultural e histórica.
REFERÊNCIAS
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madeireiros – experiência e novos rumos em Rondônia. Porto Velho‐RO: Embrapa
Rondônia, 2006.16 p.
114
MARQUES, A. Planejamento da paisagem da floresta nacional de Três Barras (Três
Barras – SC): Subsídios ao plano de Manejo. Curitiba: UFPR, 2007 (Dissertação de
Mestrado).
115
CAPÍTULO 7
1. INTRODUÇÃO
1
O presente texto se integra aos estudos do Projeto de Pesquisa Território, Identidade
Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de
desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, o qual contou com o apoio
financeiro da FAPESC.
117
com vistas a fomentar a economia de determinadas regiões e promover o
desenvolvimento territorial.
A metodologia utilizada adota a abordagem qualitativa, com enfoque
indutivo na análise das informações, baseada em pesquisa bibliográfica
secundária de livros, artigos, legislação, dados estatísticos disponibilizados
por órgãos governamentais ou privados e outros materiais pertinentes
sobre o tema.
2. TERRITÓRIO
118
2
perspectiva do espaço geográfico, ou seja, a dimensão espacial . É um
conceito que se associa a ideia de continente e não de conteúdo. E nele, no
território, “[...] é qualquer recorte da superfície terrestre, mas nem todos os
territórios são de interesse igual a partir da perspectiva do
desenvolvimento” (BOISER, 2006).
É nesse sentido que Franco (2002, p. 72) observa que: “[...] o
desenvolvimento de uma localidade depende de, entre inumeráveis outros
fatores, sempre de dois fatores: o capital social e humano existentes no
ambiente das suas relações”.
Anjos et al. (2013) compartilham pensamento semelhante e afirmam
que o território exige interação social para se desenvolver. Logo não deve
ser entendido apenas como um conjunto de recursos materiais, mas,
principalmente, a partir da forma como pessoas e organizações nesse
território se comportam em relação aos recursos e os utilizam. Portanto, é
peremptório estabelecer pactos para a geração de benefícios, do
desenvolvimento.
3
Assim é que a ideia do capital social faz enxergar que indivíduos não
agem de maneira isolada, nem independentes são seus objetivos e seu
comportamento nem sempre se traduz em egoísmo. É por isso que “[...] as
estruturas sociais devem ser vistas como recursos, como um ativo de capital
que os indivíduos podem dispor” (ABRAMOVAY, 2003, p. 86).
Nesse cenário, ações para o desenvolvimento e gestão do território são
pensadas tanto a partir de ativos tangíveis como de intangíveis, sejam eles
utilizados isolada ou conjuntamente. Particularmente em um país de
dimensões continentais como o Brasil, no qual se percebe uma variada carga
cultural, a utilização desses recursos, se geridos com objetivos claros, pode
render frutos nos mais diversos campos, como o econômico, o social e o
cultural, propriamente dito, a partir do estímulo à preservação e promoção
das identidades.
É nesse horizonte que se encontram, entre outras possibilidades, os
signos distintivos, parte dos direitos da propriedade intelectual que objetiva
diferenciar empresas, produtos e serviços a partir de marcas, marcas
coletivas, marcas de certificações e indicações geográficas, a depender do
caso. A utilização desses signos, combinada a um projeto de gestão
abrangente do território, é capaz de gerar benefícios e promover a
2
Incluídas nesse contexto também as concepções de desenvolvimento local e regional.
3
Conforme Bourdieu (1989) pode-se dizer a respeito do capital econômico que, sob a forma
dos diferentes fatores de produção (terras, fábricas, trabalho) e do conjunto de bens
econômicos (dinheiro, patrimônio, bens materiais) é acumulado, reproduzido e ampliado por
meio de estratégias específicas de investimento econômico e de outras relacionadas a
investimentos culturais e à obtenção ou manutenção de relações sociais que podem possibilitar
o estabelecimento de vínculos economicamente úteis, a curto e longo prazo.
119
cooperação entre empresas, pessoas e coletividades. Essa ideia se resume à
capacidade de articulação das forças produtivas, culturais e sociais de um
território, guiada por um mesmo propósito: o desenvolvimento do
território.
3.1 MARCAS
120
As marcas têm por função precípua diferenciar visualmente produtos
ou serviços de outros, semelhantes ou idênticos, disponíveis no mercado
consumidor. Nessa categoria a titularidade pode pertencer a pessoa física ou
4
jurídica, esta última de direito público ou privado .
Já as marcas de certificação são signos distintivos cuja titularidade
pertence à pessoa física ou jurídica obrigatoriamente sem relação e/ou
5
interesse com o produto ou serviço a ser certificado . A origem desses
produtos ou serviços não guarda, necessariamente, vínculo geográfico
específico, apenas exige‐se que se atenda aos padrões estabelecidos pela
entidade certificadora.
Em diferentes termos, as marcas de certificação:
4
Artigo 128. [...] § 1º As pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca
relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas
que controlem direta ou indiretamente, declarando, no próprio requerimento, esta condição,
sob as penas da lei.
5
Artigo 128. [...] § 3º O registro da marca de certificação só poderá ser requerido por pessoa
sem interesse comercial ou industrial direto no produto ou serviço atestado.
6
Artigo 128. [...] § 2º O registro de marca coletiva só poderá ser requerido por pessoa jurídica
representativa de coletividade, a qual poderá exercer atividade distinta da de seus membros.
121
um mesmo produto ou serviço, sem que exista qualquer tipo de conflito
apresentado pelo conjunto normativo nacional. Além disso, muitas vezes a
utilização de mais de um signo distintivo representa um avanço na
diferenciação e promoção do produto ou serviço no mercado, podendo
impactar positivamente na gestão dos ativos e geração de desenvolvimento.
Mas, antes que se pense em acumular signos distintivos, é preciso
conhecer a legislação que os regulamenta. Nesse sentido, a começar pelas
marcas (de produto ou serviço), uma lista de 23 incisos especificando os
sinais não registráveis está contida no artigo 124 de Lei n. 9.279/1996
(BRASIL, 1996).
Os artigos seguintes (125, 126 e 127) tratam da marca de alto renome,
da marca notoriamente conhecida e do direito de prioridade relativo a
depósitos feito em país que mantenha acordo com o Brasil.
No que se refere ao pedido, “[...] deverá referir‐se a um único sinal
distintivo e, nas condições estabelecidas pelo INPI, conterá: I ‐
requerimento; II ‐ etiquetas, quando for o caso; e III ‐ comprovante do
pagamento da retribuição relativa ao depósito”. Ademais, todos os
documentos que acompanharem o pedido deverão estar em língua
portuguesa, seja no original ou em tradução simples (BRASIL, 1996).
A aquisição da propriedade da marca se concretiza pelo registro
validamente expedido e que assegura ao titular a exclusividade de utilização
em todo o território nacional pelo período de 10 anos a partir da data da
concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos e “[...]
abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos
relativos à atividade do titular”, observadas as restrições do artigo 132 e
incisos (BRASIL, 1996). Além disso:
122
depósito, caso não acompanhe o pedido, sob pena de arquivamento (BRASIL,
1996).
O pedido de registro de marca de certificação, por sua vez, deverá
contemplar: “I ‐ as características do produto ou serviço objeto de
certificação; e II ‐ as medidas de controle que serão adotadas pelo titular”,
estas devendo, da mesma forma como ocorre na marca coletiva, serem
apresentadas em no máximo 60 dias, caso não façam parte da documentação
entregue com o pedido, sob pena de arquivamento (BRASIL, 1996).
Caso sejam empreendidas modificações no regulamento de utilização da
marca, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) deverá ser
comunicado por meio de petição com todos os detalhes das mudanças.
Além dos casos de extinção da marca de produto ou serviço, aplicam‐se
também às marcas coletivas e de certificação as seguintes causas: “Art. 151
[...] I ‐ a entidade deixar de existir; ou II ‐ a marca for utilizada em condições
outras que não aquelas previstas no regulamento de utilização” (BRASIL,
1996).
Os dispositivos seguintes estabelecem:
Art. 153. A caducidade do registro será declarada se a marca coletiva não for
usada por mais de uma pessoa autorizada, observado o disposto nos arts. 143
a 146.
Art. 154. A marca coletiva e a de certificação que já tenham sido usadas e cujos
registros tenham sido extintos não poderão ser registradas em nome de
terceiro, antes de expirado o prazo de 5 (cinco) anos, contados da extinção do
registro (BRASIL, 1996).
123
A legislação brasileira define que: “Art. 177. Considera‐se indicação de
procedência o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu
território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração,
produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de
determinado serviço” (BRASIL, 1996).
Observa‐se que a lei exige como requisito para o reconhecimento desse
signo a notoriedade do meio geográfico de origem dos produtos ou serviços.
Quando se fala em indicações geográficas, tendo em vista sua origem
europeia, a ideia que vem à tona é justamente a de tradição e qualidade em
produtos ou serviços que utilizam esse signo. A tradição, por sua vez, não foi
expressa na Lei n. 9.279/1996, embora tal legislação não a exclua.
A diferença entre essas duas características – notoriedade e tradição –
pode ser tênue em alguns casos e significativa em outros. A tradição
pressupõe práticas reiteradas que se consolidam no decurso do
tempo/história, passando de gerações para gerações. A notoriedade, por sua
vez, pressupõe o reconhecimento, o tornar público. Nesses termos, a
notoriedade do meio geográfico de origem pode advir da sua tradição na
produção de bens ou serviços, mas também pode ser alcançada a curto
prazo com estratégias de marketing.
É possível exemplificar essa distinção imaginando que determinada
localidade resolva explorar novos produtos, não característicos ou
tradicionais da região. Os novos produtores investem em publicidade,
eventos de divulgação e em curto tempo a localidade é reconhecida regional
ou nacionalmente pela produção de seus bens. Nesse caso, independente da
tradição, está preenchido o requisito legal para o reconhecimento de uma
Indicação de Procedência. Aqui, a tradição não foi o pressuposto para que o
meio geográfico de origem dos produtos se tornasse conhecido.
Como exemplo de Indicação de Procedência, não se pode deixar de
mencionar o Vale dos Vinhedos, por ter sido a primeira IG nacional, a qual se
refere a vinhos tintos, brancos e espumantes, tendo o seu registro deferido
em novembro de 2002 (BRASIL, 2014), mais de seis anos após o advento da
7
atual legislação de propriedade industrial .
No Estado de Santa Catarina, a primeira Indicação de Procedência
também está vinculada a vinhos (da uva Goethe), e teve seu registro
deferido em fevereiro de 2012 – Vales da Uva Goethe. Trata‐se de uma
microrregião localizada entre as encostas da Serra Geral e o litoral sul
catarinense nas bacias do rio Urussanga e rio Tubarão, compreendendo
vários municípios (Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da
Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara) que se tornou
reconhecida na produção desses vinhos (BRASIL, 2014).
7
Mais tarde, reconheceu-se também a Denominação de Origem Vale dos Vinhedos, para uma
gama menor de variedades de vinhos e espumantes.
124
Não obstante alguns exemplos pioneiros, as Indicações de Procedência
nacionais não se restringem a vinhos, tendo diversos outros produtos tanto
do segmento agroalimentar, como não agroalimentares, como os artesanais
e industriais. Citam‐se como exemplos: o Vale do Submédio São Francisco,
para uvas de mesa e mangas, em 2009; a Região da Serra da Mantiqueira de
Minas Gerais, para o café, em 2011; a Região do Jalapão do Estado do
Tocantins, para o artesanato em capim dourado, também em 2011; Franca,
para calçados, em 2012; Canastra, para queijo, também em 2012; Mossoró,
para o melão, em 2013; Rio Negro, para peixes ornamentais, em 2014;
Microrregião de Abaíra, para cachaça, também em 2014. De 41 IGs
8
nacionais, têm‐se 33 indicações de procedência (BRASIL, 2014).
Esses exemplos aleatórios evidenciam a diversidade de produtos e
regiões brasileiras que obtiveram o registro de uma Indicação de
Procedência, agregando à sua produção tradicional um reconhecimento
vinculado ao patrimônio imaterial dessas regiões e sua respectiva produção.
No que se refere às Denominações de Origem, por outro lado, a Lei n.
9.279/1996, em seu artigo 178, aduz que: “Considera‐se denominação de
origem o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu
território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou
características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico,
incluídos fatores naturais e humanos” (BRASIL, 1996). Aqui, as qualidades
ou características do produto, vinculadas ao meio geográfico de origem,
constituem o requisito essencial para o reconhecimento da indicação.
Nesses casos, mais do que tradição ou notoriedade são relevantes,
sendo exigida uma comprovação de características que relacionem o
produto/serviço à sua origem geográfica, tornando‐o peculiar ou único em
razão dela.
Além desse requisito, a Lei n. 9.279/1996, no artigo 182, dispõe que a
titularidade ou o direito de uso da IG é restrito aos produtores e prestadores
estabelecidos no local, inferindo‐se que estes explorem a atividade
característica da IG. No caso da Denominação de Origem, a lei
expressamente exige o cumprimento dos requisitos de qualidade que a
determinam. Tal distinção se faz relevante no momento da elaboração do
Regulamento de Uso da indicação, bem como no momento de verificar a
legitimidade do produtor/prestador para se utilizar do signo geográfico.
No Brasil, das 41 IGs registradas, oito são Denominações de Origem. A
primeira Denominação de Origem nacional registrada no INPI foi o Litoral
Norte Gaúcho, para o arroz, em 2010. Neste caso,
8
Dados atualizados pelo INPI até 14 de outubro de 2014 e disponíveis no link contido na lista
de referências.
125
As características climáticas da região do Litoral Norte Gaúcho são
determinantes sobre a lavoura de arroz irrigado e isto é fartamente
comprovado na literatura existente. O grão produzido tem características de
alto rendimento de grãos inteiros, aparência vítrea e baixo percentual de
gessamento mantendo uma constância ao longo de diferentes safras. Isto
caracteriza um arroz diferenciado, valorizado não somente pela indústria
beneficiadora, mas também pelos consumidores finais que buscam além da
melhor aparência do grão um maior rendimento de panela e melhores
características de cocção que permitam servir um arroz “solto”, não
“empapado” e de fácil preparo (APROARROZ, 2010).
9
Sobre o tema, sugere-se consultar ANJOS et al., 2013.
126
Nesse mesmo contexto, a generalização do nome geográfico merece
especial atenção aqui, motivo pelo qual também foi abordada pelo legislador
nacional. Assim, consolidou‐se que estão excluídos da proteção como IG os
nomes que tenham se tornado de uso comum (artigo 180). Observa‐se uma
questão complexa, considerando que o INPI, órgão responsável pelo registro
das IGs no Brasil, acabou relativizando a exigência ao deferir o registro para
IGs, especialmente estrangeiras, que se tornaram de uso comum no Brasil.
Entende‐se que uma das funções precípuas das IGs é informar ao
consumidor, relacionando o produto à sua origem geográfica. Quando o
nome geográfico se generaliza, sua proteção como IG, além de confundir o
consumidor, pode gerar restrições injustificadas aos demais produtores ou
prestadores que se utilizavam desse nome genérico de boa‐fé. Resta a tais
produtores, dependendo do caso, recorrer ao Poder Judiciário para ver seus
direitos resguardados.
A regulamentação do conflito entre IGs e marcas também é prevista na
Lei n. 9.279/1996 (artigo 181). A problemática aqui está centrada no fato de
inúmeros nomes geográficos nacionais já terem sido registrados como
marcas, não obstante possuírem características próprias das IGs. Tal fato
causa transtornos aos produtores e prestadores das indicações, tornando o
processo de reconhecimento moroso, caro e incerto.
A mesma Lei n. 9.279/1996 (artigo 182, parágrafo único) dispõe, por
fim, que cabe ao INPI determinar as condições para o registro das IGs, órgão
que, no intuito de regulamentar a matéria, editou normas próprias. A
recente Instrução Normativa (IN) n. 25/2013 trouxe poucas alterações em
relação à Resolução n. 75/2000 que regulamentou a matéria após a edição
da Lei n. 9.279/1996, não refletindo em quaisquer modificações
substanciais nos requisitos e documentos exigidos para o deferimento do
pedido.
A primeira e importante disposição do INPI refere‐se à natureza jurídica
do registro de uma IG, qual seja, declaratória. Tal disposição implica no fato
de que o registro não constitui nenhuma nova situação, apenas reconhece
um direito já existente (BRASIL, 2013b).
A legitimidade para requerer o registro, por sua vez, nos termos da IN n.
25/2013, artigo 5º, é atribuída, no caso das indicações nacionais, às
associações, aos institutos e às pessoas jurídicas que representem o grupo
de produtores ou prestadores legitimados ao uso do nome geográfico (na
qualidade de substitutos processuais), quando não se tratar de
produtor/prestador único (BRASIL, 2013b). Interessa observar que a norma
do INPI designa a legitimidade como requerente ao registro, o que não
determina a titularidade do direito de uso, já prevista na Lei n. 9.279/1996.
O pedido de registro deverá conter, nos termos da IN n. 25/2013, artigo
6º:
127
I – requerimento (modelo I), no qual conste:
a) o nome geográfico;
b) a descrição do produto ou serviço;
II – instrumento hábil a comprovar a legitimidade do requerente, na forma do
art. 5º;
III – regulamento de uso do nome geográfico.
IV – instrumento oficial que delimita a área geográfica;
V – etiquetas, quando se tratar de representação gráfica ou figurativa da
Indicação Geográfica ou de representação de país, cidade, região ou localidade
do território, bem como sua versão em arquivo eletrônico de imagem;
VI – procuração, se for o caso, observando o disposto nos art. 20 e 21;
VII – comprovante do pagamento da retribuição correspondente (BRASIL,
2013b).
128
geográfico no produto, bem como a descrição dos processos e métodos de
obtenção, caracterizando a influência de fatores humanos. Nesse último
caso, destaca‐se que tais métodos devem ser locais, leais e constantes, a fim
de garantir ao consumidor o diferencial que o referido produto promete.
Para a verificação de todos esses elementos, há, ainda, que se apresentar
uma estrutura de controle que fiscalize produtores/prestadores e
produtos/serviços (BRASIL, 2013b).
As demais exigências do INPI são de natureza burocrática para
instrumentalizar o pedido, como o formulário de requerimento,
comprovante de pagamento, procuração quando pertinente e documento
que ateste a legitimidade da instituição requerente.
Observa‐se que dentre os maiores desafios enfrentados na formalização
do pedido de reconhecimento de uma IG está a organização dos produtores,
considerando os diferentes interesses envolvidos, bem como as práticas
individualizadas que requerem uma harmonização e a estrutura de controle
que é um importante instrumento para garantir a credibilidade perante os
consumidores, mas que traz custos e, por vezes, conflitos entre os
produtores, especialmente quando a regras não estão adequadas às práticas
10
consolidadas .
10
Sobre o tema, sugere-se consultar Claire et al. (2014).
129
localizadas em território mineiro” (IMA, 2009).
Como benefícios da adoção da certificação, podem ser citados: a
diferença obtida por arroba, que em 2009 era de R$ 6,00, chegou a R$ 18,00
a mais do que a de animais não certificados.
Outro benefício que a certificação trouxe foi a profissionalização da
gestão da propriedade. A responsável técnica da Arroba Certificadora
explica o primeiro obstáculo para os produtores que se interessam pela
certificação é a documentação. “Acostumados a tocar a propriedade de
maneira informal, ao buscar a rastreabilidade o produtor se dá conta de que
precisa ter informações precisas e idênticas nos órgãos estaduais e federais”
e assim a propriedade e produção se tornam mais organizadas (IMA, 2009).
No cenário mineiro, em especial em virtude das experiências bem
sucedidas, a certificação tende a alcançar mais propriedades. E, ainda que o
pequeno produtor tenha um gasto cerca de quatro vezes maior que o grande
para garantir a certificação, ele continua interessado, já que é uma exigência
do mercado externo e agrega valor ao produto (IMA, 2009).
A partir da certificação, os produtores obtiveram melhoria em sua
gestão e no produto que oferecem ao consumidor, promovendo
positivamente, ainda, o território no qual estão estabelecidos.
O segundo caso diz respeito à marca coletiva Amorango, que tem como
slogan “Cultivados com amor” e pertence à Associação dos agricultores fa‐
miliares de produtores de morango de Nova Friburgo (Amorango). A marca
foi desenvolvida no âmbito do projeto ABRE do Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) como parte de uma estratégia para
fortalecer a região produtora e a cooperação entre os produtores e a
comunidade (BARBOSA, 2014, p. 277‐278).
Entre as vantagens que uma marca coletiva pode trazer, são citados:
“[...] redução dos gastos com propaganda e marketing e a facilidade de
entrada em novos mercados” (BRASIL, 2013a). A Amorango vem apostando
nessas e noutras questões e os produtores a ela vinculados estão bastante
otimistas.
Fernando Hottz, produtor e presidente da Amorango, afirma que “[...] o
produto identificado pela Marca Coletiva ganha maior credibilidade do
mercado e, com o tempo, dos consumidores, o que facilita a comercialização”
(BRASIL, 2013a).
A marca ainda é recente, posto que seu certificado de registro foi
entregue aos produtores em setembro de 2013, mas as expectativas são
boas. O agricultor José Luiz Brantes é um dos beneficiados pelas ações de
fortalecimento do cultivo do morango na região de Friburgo, no Rio de
Janeiro. Para ele, “a marca coletiva chegou em um ótimo momento. Nosso
diferencial de mercado são os morangos selecionados” (GOVERNO..., 2013, p.
2).
130
Em contextos como esse, a marca coletiva é um ativo promissor no
fortalecimento da cooperação e promoção do território, com possibilidades
de geração de desenvolvimento. Reúne esforços, divide responsabilidades,
otimiza investimentos e compartilha diferentes experiências na busca de um
objetivo comum.
De outro lado, as marcas de produtos ou serviços também são
instrumentos importantes de diferenciação dos produtos, especialmente
quando existem qualidades ou características especiais relacionadas a um
ou outro produtor individualmente. Elas podem coexistir com as demais
marcas e fortalecer estas potencialidades individuais, gerando um
reconhecimento perante o mercado consumidor.
No caso das IGs, as potencialidades econômicas já são reconhecidas em
vários aspectos, podendo citar: o aumento da demanda; a valorização do
produto no mercado consumidor (valor agregado); geração de empregos;
inserção no mercado internacional; fomento às atividades lucrativas
indiretas; valorização imobiliária da área demarcada (LOCATELLI, 2007).
Corroborando com as potencialidades referidas, DULLIUS (2009, p.
123) aduz, ainda, que as IGs possuem aptidão para instrumentalizar o
desenvolvimento territorial “[...] conferindo originalidade à produção
brasileira e fortalecendo a competitividade no mercado externo e interno
através dos produtos da agricultura familiar, que possuem fortes vínculos
com o território de origem e com as tradições e modos de fazer
diferenciados.” Destaca que tal estratégia deveria ser observada também por
territórios rurais marginalizados e desfavorecidos.
Um dos exemplos de consolidação de muitas das potencialidades acima
citadas é a IG pioneira no Brasil – o Vale dos Vinhedos. Além dos benefícios
mercadológicos, vislumbra‐se nesta experiência, em adição, a satisfação do
produtor diante da valorização do seu produto, o estímulo a investimentos e
melhorias na produção e na qualidade dos produtos e, em especial, a
preservação da tipicidade dos produtos, enquanto patrimônio daquela
região (APROVALE).
Não obstante se destaquem as potencialidades econômicas, essa é
apenas uma das facetas do desenvolvimento territorial. Importa referir que
no que tange aos signos distintivos, as indicações geográficas assumem
especial relevância, uma vez que permitem concretizar além dessas
potencialidades, permitindo a preservação da identidade e cultura destas
regiões, novas formas de governança e um estímulo a que as famílias
reencontrem sua fonte de subsistência no campo aliada à possibilidade de
preservar sua história.
Contudo, o reconhecimento ou registro de qualquer signo distintivo, por
si só, não é capaz de consolidar os benefícios acima descritos nem mesmo
outros que também podem ser alcançados. Para tanto, faz‐se necessária a
131
adequada gestão desses ativos, o que envolve uma participação direta dos
produtores/prestadores em todo o processo. Com a união dos envolvidos
em prol do interesse comum, benefícios das mais variadas ordens podem ser
obtidos, impactando positivamente na produção, na comunidade e na
promoção territorial sob as perspectivas econômica, social e cultural
(CARLS, 2013).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
132
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133
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garantir‐qualidade‐da‐carne>. Acesso em: 10 dez. 2014.
LOCATELLI, L. Indicações geográficas: a proteção jurídica sob a perspectiva econômica.
Curitiba: Juruá, 2007.
SANTOS, M. Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método. Boletim
Paulista de Geografia, São Paulo: AGB, p. 81‐ 99, 1977.
134
CAPÍTULO 8
INTRODUÇÃO
1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública Nº 04/2012/Universal, estando
também integrado a dois projetos de Iniciação Científica, desenvolvidos na UnC, pelas alunas
Mayara - Valorização dos produtos com identidade territorial como estratégia de
desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina - e Natany - Valorização dos
produtos com identidade territorial como estratégia de desenvolvimento: um estudo sobre as
potencialidades da erva-mate no Planalto Norte Catarinense -, coautoras.
135
exercício de avaliação acerca dos 27 produtos territoriais que possuem
potenciais de obtenção de IG em Santa Catarina, aprofundando a análise no
caso da Erva‐Mate do Planalto Norte Catarinense (produto que já busca a
certificação territorial).
Temos neste capítulo um objetivo central: tendo como referência inicial
o estudo do SEBRAE, caracterizar os produtos com especificidade territorial
das diferentes regiões do estado de Santa Catarina, apresentados como
potencial para futura IG. Tendo em vista o propósito maior desta coletânea,
a caracterização será breve. Como propósito complementar, aprofundamos
a caracterização de uma das experiências apresentadas, o caso da erva‐mate,
mais no sentido de demonstrar as ações necessárias para se chegar a um
registro de produto com IG, além de expor alguns desafios. O tema da IG da
erva‐mate será retomado num dos capítulos deste livro, quando, então, além
da caracterização, merecerá uma análise propositiva.
Na primeira parte deste trabalho se faz uma construção teórica, na qual
se destacam os seguintes conceitos recorrentes na bibliografia relativa ao
assunto: Identidade territorial, Especificidade territorial, Indicação
Geográfica e Desenvolvimento Territorial.
Na segunda parte se elabora uma rápida apresentação dos
procedimentos de pesquisa empregados.
Na terceira parte se apresenta o resultado de uma pesquisa nomotética
em que os 27 produtos catarinenses são condensados em um texto sucinto
destacando sua localização e formas de valorização econômica e regional.
Na quarta parte se apresenta o resultado de uma pesquisa idiográfica, o
estudo de caso da erva‐mate (Ilexparaguariensis St. Hil), abordando suas
potencialidades socioeconômicas para a obtenção da IG, bem como as
perspectivas de impacto no desenvolvimento territorial.
Na quinta parte se fazem as considerações finais e se propõem alguns
encaminhamentos para pesquisas futuras. Também se discorre sobre as
limitações encontradas na pesquisa.
1. REVISÃO TEÓRICA
136
Também se elencou o conceito “Capital Social” a fim de relacioná‐las, já que
participa da raiz da lógica do argumento em que as Indicações Geográficas
podem desencadear processos que promovem o desenvolvimento
territorial.
Anjos et al. (2013) descrevem o Capital Social como não pertencente às
categorias de Capital Físico (terra e capital) e Capital Humano (nível de
escolaridade), uma vez que esses dois, por si só, não seriam capazes de
explicar os diferentes processos que provocam o desenvolvimento nas
sociedades e, devido a essa aparente necessidade, o Capital Social veio a ser
o fator de preenchimento das lacunas que formam o roteiro de crescimento,
avanço social, tecnológico, econômico e político dentre as comunidades.
137
emergente entre os territórios, passa a ser o elemento de reconhecimento e
diferenciação no processo de posicionamento comunicativo de cidades,
regiões e países. Complementando a argumentação sobre o tema, Chelotti
(2010) destaca que a identidade é construída por subjetividades individuais
e coletivas ou pode estar relacionada a grupos sociais ou ao pertencimento
territorial.
Para fins deste trabalho, se compreende que a identidade territorial
desempenha um papel estratégico no desenvolvimento territorial, uma vez
que o pertencer a determinado local representa fator determinante no
processo de desenvolvimento como um todo. Em geral, a atenção de
pesquisa em uma categoria como esta recairá sobre variáveis que tenham o
potencial de apresentar como se identifica no contexto específico de uma
Indicação Geográfica subjetividades individuais e coletivas ou pode estar
relacionada a grupos sociais ou ao pertencimento territorial.
Pollice (2010) afirma que a identidade territorial nasce por um
processo autorreferencial colocado em ação por uma comunidade que se
apropria culturalmente de um âmbito espacial predefinido, gerando e
orientando os processos de territorialização, pois o território é interpretado
como fonte de criação dos valores, estes desempenhando um papel
importante na constituição e na gestão dos territórios. O autor ainda
complementa que a identidade territorial pode ser interpretada como
sentido de pertença, identificação social, representação partilhada de um
coletivo, sendo que, de modo algum pode ser identificada seguindo uma
visão reduzida, nas suas manifestações exteriores, nos sinais deixados sobre
o território. Também é relacionada ao agir político, quando deveria tender a
preservar não somente as expressões identitárias da cultura dos lugares,
mas também os valores identitários que tais expressões contribuíram a
plasmar.
Com essa breve revisão, argumentamos que a identidade territorial tem
potencialmente a capacidade de ser operacionalizada enquanto categoria
analítica, portanto, prática.
Complementando o debate sobre o tema, Pecqueur (2005) cita os
recursos e ativos territoriais como referência da identidade territorial. Para
ele, o desafio das estratégias de desenvolvimento constitui‐se em se
apropriar dos recursos específicos e buscar o que possa se constituir no
potencial identificável de um território. Para tal, segundo o autor, deve
ocorrer um processo de especificação ou ativação de recursos, ou seja,
transformar recursos em ativos específicos. O autor faz uma diferenciação
entre ativos e recursos genéricos, de ativos e recursos específicos,
descrevendo que os primeiros são totalmente transferíveis e seu valor é um
valor de troca, estipulado no mercado via sistema de preços. Esses ativos e
recursos não permitem que um território se diferencie de forma consistente
138
de outros, uma vez que eles são transferíveis, ou seja, são transacionados no
mercado. Já os ativos e recursos específicos possibilitam um uso particular e
seu valor constitui‐se em função das condições de seu uso. Além disso, eles
apresentam um custo de transferência que pode ser alto e irrecuperável.
Os recursos específicos merecem maior atenção, já que possibilitam a
construção de uma argumentação que destaca a importância dos produtos
com identidade territorial, para o desenvolvimento, sendo que esse recorte é
assumido no que se refere à categoria de Identidade Territorial.
139
Para fins desta pesquisa, a especificidade territorial não apenas é um
indício de que é possível obter desenvolvimento territorial a partir de uma
Indicação Geográfica, como também, aponta para que a identificação da
especificidade territorial em um contexto particular pode ser dada a partir
da observância da variável notoriedade de um recurso específico.
140
pelo qual se compreende que, na perspectiva apresentada, existe uma
relação intrínseca entre o território e a cultura de um local, assim como
entre esses e o contexto econômico global, algo que tem como agente
integrador o produto ou serviço local singular.
2
Dois capítulos desta coletânea, em especial, resultaram de estudos que tiveram como
propósito avaliar a relação entre uma IG e o desenvolvimento dos territórios atingidos pela
mesma. São os capítulos 2 e 3.
141
considerando as três interpretações destacadas por Niederle (2014),
parece‐nos que a terceira tem uma maior proximidade com o papel essencial
de uma IG.
Dallabrida e Marchesan (2013) ressaltam a ideia de que as
potencialidades locais, definidas como IG, podem converter‐se,
decididamente, num instrumento de desenvolvimento territorial desde que
outras condições e circunstâncias estejam presentes, e reafirma que a
criação de uma IG não deve ser o destino final de um processo, mas, sim, um
meio para se atingir o fim maior que é o desenvolvimento dos territórios
atingidos.
Dullius et al. (2008, p. 6), resumindo contribuições de autores que
abordam o tema (a exemplo de Albagli (2004) e Lagares, Lages e Braga
(2006), considera o território como uma relação entre raízes históricas,
configurações políticas e identidades, preponderantes para o
desenvolvimento. Seguindo essa perspectiva, ele afirma que o território é
construído através da memória coletiva e das relações sociais formadas
pelas trocas locais e externas (DULLIUS et al., 2008).
Este argumento acaba por alinhar‐se com a terceira interpretação
listada por Niederle (2014) e com a observação de Dallabrida e Marchesan
(2013) acerca da meta que ultrapassa a IG e aponta para a construção social
da qualidade, além de compartilhar com Dullius et al. (2008) e Dallabrida
(2011), a noção de que o objetivo do desenvolvimento territorial envolve o
crescimento socioeconômico e melhoria da qualidade de vida.
142
local singular. Nesse tocante, reforça‐se a importância da pesquisa sobre as
variáveis recurso específico e sua notoriedade.
No caso da grande categoria Desenvolvimento Territorial se
compreende a necessidade de identificar a construção de sistemas produtivos
locais fundados na autenticidade, tipicidade e originalidade dos produtos,
além da busca por identificar a construção social da qualidade, e os efeitos
das IG em termos de desenvolvimento socioeconômico e melhoria da
qualidade de vida (avaliando inclusive os recursos e ativos genéricos e
específicos, materiais e imateriais).
As variáveis listadas no caso da categoria Desenvolvimento Territorial
podem ser identificadas em termos de potencialidade para a proposição de
uma IG. Ressaltamos que a grande maioria dessas variáveis possui alta
complexidade e não será foco de aprofundamento neste trabalho.
2. PROCEDIMENTOS
143
Por sua natureza, a pesquisa idiográfica é predominantemente
qualitativa, centrada em um estudo aprofundado acerca da essência do
fenômeno, tendo como referencial literatura regional que trata do tema.
Com base nisso, volta‐se à pesquisa nomotética, avaliando os casos mais
significativos do fenômeno de estudo. Do universo da pesquisa, duas foram
as possibilidades aventadas em função de constituírem‐se nos casos mais
adiantados no processo de solicitação da certificação territorial, são eles: o
Queijo Serrano e a Erva‐Mate.
Tanto o Queijo Serrano quanto a Erva‐Mate apresentam o mesmo
potencial de pesquisa. No caso da Erva‐Mate, aprofundamos neste texto seu
estudo. O caso do Queijo Serrano, é dedicado um capítulo especial3.
Ressalvamos que no estudo de caso as categorias analíticas empregadas
foram a Indicação Geográfica e o Desenvolvimento Territorial, mais
precisamente as variáveis que as vinculam: a autenticidade, tipicidade e
originalidade do produto, bem como a construção social da qualidade e o
desenvolvimento socioeconômico. Está preservada também a construção
anterior na qual se vinculam a Indicação Geográfica e as categorias
Identidade Territorial e Especificidade Territorial, envolvendo a variável
recurso específico.
No que se refere à coleta de dados, tratamento e obtenção de resultados
houve uma orientação fenomenológica que resultou na condensação dos
resultados em torno das variáveis e das categorias elencadas. Optamos por
apresentar, a seguir, apenas os textos dos resultados já com as discussões
feitas, de uma forma sintética.
Mesmo que se trate de um texto elaborado a quatro mãos, é importante
salientar que os autores, em específico, tiveram funções diferenciadas. As
alunas de Iniciação Científica Mayara e Natany ativeram‐se mais, a primeira,
à pesquisa sobre as potencialidades de IG nas regiões do estado de Santa
Catarina, enquanto a segunda se ocupou, em especial, na caracterização da
experiência da erva‐mate no Planalto Norte Catarinense. Os dois outros
autores supervisionaram o processo de escrita das alunas de graduação,
além disso, contribuindo, em especial, na estruturação do referencial
teórico.
3
Fazemos menção ao Capítulo 9. Já o Capítulo 10, apresenta uma outra potencialidade, o caso
do artesanato Tranças da Terra, que, apesar de ainda não haver ações a esse respeito,
apresenta-se, em especial, como uma futura experiência de IG.
144
obtenção da Indicação Geográfica devido as suas especificidades territoriais.
Ao fim deste tópico há uma figura (Figura 01) identificando o mapeamento
de cada produto no estado de Santa Catarina.
145
3.3 BANANA DE CORUPÁ: MUNICÍPIO DE CORUPÁ E ENTORNO, SITUADO NA
REGIÃO NORTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
146
bananas desse município é a Associação dos Bananicultores de Luís Alves
(ABLA)4.
4
Apesar de apresentarmos em separado os casos da banana de Curupá e Luís Alves, é possível
pressupor que as duas experiências poderiam compor uma única IG, pela sua proximidade e
semelhança nas características climáticas e de paisagem. No entanto, é importante ressaltar que
são processos próximos, que se assemelham, mas que têm características identitárias
diferenciadas.
147
considerado o terceiro maior polo industrial de calçados do país, com
movimentações mercadológicas também voltadas às empresas fabricantes
de componentes e acessórios para esses produtos.
São João Batista possui hoje cerca de 150 indústrias voltadas para o
setor calçadista, oferecendo milhares de empregos e melhores
oportunidades econômico‐financeiras para sua população.
148
todo o país e também estrangeiros. Esse evento busca maneiras de
aprimorar as tecnologias empregadas na produção agrícola da cebola, além
de divulgar investimentos e melhorias no cultivo, beneficiando todos os
ramos empresariais do município. Conjuntamente, são realizados outros
programas de natureza cultural e recreativa no evento comemorativo.
Importante ressaltar que existem no município diversas empresas que
utilizam a produção, o comércio, a armazenagem e a exportação de cebolas
como base para suas atividades econômicas.
149
possível contemplar ao vivo o processo de produção em determinados
roteiros. Além do Roteiro Industrial dos Cristais, a cidade conta, também,
com o Museu do Cristal, que reúne um acervo de documentos, fotografias e
informações das indústrias produtoras dessas peças que ajudaram a
construir as manifestações históricas e culturais da região. Conhecer as
fábricas e seus processos é um passeio encantador para muitas pessoas que
participam dessa rota turística, onde é possível observar a tecnologia
empregada, os recursos humanos qualificados e o cuidado detalhista com
que cada material é produzido.
Importante ressaltar que essa produção é, predominantemente, manual,
a fim de manter intactas a cultura e a tradição da região ao produzir
produtos de qualidade inigualável. Entre as empresas de cristais da região
estão a Cristais Blumenau, Cristallerie Strauss e Glas Park. Essas abrem às
portas ao turismo industrial e contribuem com as manifestações culturais
desse município, além de promoverem empregos e fontes de renda para a
população. Blumenau é, portanto, referência nacional na produção de
cristais.
150
3.12 FRESCAL DE SÃO JOAQUIM: MUNICÍPIO DE SÃO JOAQUIM, NA REGIÃO DA
SERRA CATARINENSE
151
municípios dessa região, predominantemente de origem alemã, lideram um
forte movimento que busca o tombamento imaterial desse alimento,
tornando‐o patrimônio histórico e cultural. É certo que esse tipo de queijo
não possui referência e destaque em nenhuma outra região do país, por isso
os turistas são atraídos por esse prato singular ao visitarem a região do Vale
do Itajaí.
5
Ou seja, no caso de se pensar numa IG, a mesma poderia estender sua área de abrangência
também para áreas daquele estado.
152
fortemente presente nessa região. Inúmeras receitas culinárias utilizam a
Linguiça Blumenau como matéria‐prima, desde aperitivos até pratos
principais, sendo que possui um mercado consumidor consolidado. Existem
blumenauenses, produtores isolados, que até hoje usam os ensinamentos
dos seus antepassados para o preparo da Linguiça Blumenau, muito
apreciada com pão preto e mostarda forte.
Esse e outros produtos da região oportunizam eventos, como o "Festival
Gastronômico", com a participação de restaurantes que elaboram pratos
exclusivos para o festival utilizando‐se de produtos específicos regionais.
Eventos como esse difundem a cultura regional e movimentam a economia
do município de Blumenau e região, nas áreas industrial, comercial e de
serviços.
O município de São Joaquim, além de ser famoso pelas suas mais de 800
horas de frio ao ano, com presença eventual de neve, é reconhecido pela sua
produção de maçãs, principalmente as da qualidade Fuji, tanto que possui o
título de maior produtor dessa fruta no Estado de SC. Cerca de 70% da base
econômica de São Joaquim gira em torno da produção e comercialização dessa
fruta, considerada por muitos de sabor, aparência, cor e textura incomparáveis.
A cada dois anos, o município promove a "Festa Nacional da Maçã",
realizada entre o final do mês de abril e início de maio, a qual possui atrações
turísticas tradicionais, como camping, cancha de laço e palco para shows,
atraindo milhares de turistas e mantendo uma tradição que já existe a cerca de
50 anos. Envolvendo a culinária, trajes típicos, shows, palestras e seminários,
esse evento contribui para a divulgação da cultura típica regional e classificam a
maçã como um produto essencial para o município de São Joaquim.
Hoje, São Joaquim conta com mais de mil pequenos produtores e com a
Associação de Produtores de Maçã e Pera (AMAP). Essa fruta atrai
investimentos tecnológicos para sua produção, no que diz respeito à sua
industrialização e na variedade de subprodutos como doces, balas e geléias.
Como exemplo de empresas que proporcionam fontes de emprego e rendas
para a população utilizando‐se da maçã como matéria‐prima econômica,
pode‐se citar a SANJO ‐ Cooperativa Agrícola de São Joaquim, que hoje conta
com cerca de 330 funcionários e produz, colhe e comercializa essa fruta
durante todas as épocas do ano.
153
pela árvore Mimosa Scabrella (a popular bracatinga), a partir do ataque da
cochonilha, um parasita que possui tempo de vida de dois anos. Portanto o
auge da produção desse mel ocorre a cada dois anos.
Essa modalidade de mel configura‐se como único, menos açucarado e
com uma cor mais escura que o mel obtido do néctar floral. Esse produto por
muito tempo foi desconhecido e desvalorizado pelos apicultores. Na época
de seu surgimento, retiravam suas abelhas dos locais de origem para que a
produção do mel tradicional não fosse comprometida.
Na Serra Catarinense ‐ compreendida pelos municípios de Urubici, Bom
Retiro, Rio Rufino, Bocaina do Sul, Palmeira, Lages e entorno ‐ o Mel de
Melato produzido é "puro" devido à grande quantidade de bracatingas
existentes, o que não ocorre em outras regiões do sul, em que a produção se
mistura com a de outras flores.
O Mel de Melato já recebeu premiações que o configuram como melhor
mel do mundo e, por possuir certificações de produção com origem em
florestas nativas, respeita a regulamentação para orgânicos da União
Europeia, o que facilita a sua exportação. A Alemanha é a principal
importadora desse produto Estima‐se que existam cerca de 1.800
apicultores na Serra Catarinense, os quais focam suas produções no Mel de
Melato.
154
o consumidor final. O polo moveleiro se estende aos municípios próximos,
como o de Rio Negrinho.
6
O Capítulo 9 desta coletânea trata com mais profundidade o tema.
155
inerente à Serra Catarinense vem da produção desse queijo artesanal que
remonta processos seculares, tradições passadas de geração a geração.
A qualidade do Queijo Serrano resulta das técnicas artesanais utilizadas
na região, como o leite das vacas que se alimentam das pastagens naturais e
o clima típico, que, segundo estudos, atribuem a esse produto características
únicas e reconhecidas nacionalmente. Com o objetivo de qualificar os
produtores, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa
Catarina (Epagri), em parceria com o Consórcio Serra Catarinense (Cisama),
promove a Capacitação de Boas Práticas de Fabricação (BPF) de Queijo
Artesanal Serrano. Em Lages, visando promover a melhor organização das
estratégias da cadeia produtiva do Queijo Serrano, foi realizada a
constituição da Associação de Produtores de Queijo Artesanal Serrano da
Serra Catarinense (Aproserra).
No município de Laurentino (SC) ocorre a "Festa Estadual do Queijo",
contribuindo no fortalecimento da cultura regional, promovendo maior
integração e divulgação dos potenciais econômicos da região, juntamente
com a cultura e a tradição da sociedade serrana.
156
Trazida na época da colonização açoriana, em meados do século XVIII,
são tranças de fios que desenham rendas com pequenas peças de madeira
(os bilros) e é muito famosa na ilha catarinense, principalmente nas
localidades de Ribeirão da Ilha, Santo Antônio de Lisboa e Lagoa da
Conceição.
Na localidade de Pântano do Sul existe a Casa das Rendeiras, que
preserva a cultura e a tradição dessa atividade. Nesse local, diversas pessoas
se reúnem, desde rendeiras até turistas e curiosos, se configurando uma
modalidade de oficina de renda que funciona como uma cooperativa de
artes manuais. As técnicas para a confecção das Rendas de Bilros foram
passadas de geração a geração. A diferenciação desse modo de confecção é
que é necessário utilizar um tecido como base. A “Maria Morena” e a
“Tramoia” são denominações de algumas das rendas mais conhecidas na
região, tidas como produtos típicos e específicos da capital catarinense.
157
3.24 TRANÇAS DA TERRA DO MEIO OESTE CATARINENSE: MUNICÍPIOS DA
REGIÃO MEIO OESTE CATARINENSE, TENDO JOAÇABA COMO POLO
158
3.26 VIME DE RIO RUFINO: RIO RUFINO, NA SERRA CATARINENSE
159
solar, com pequena produção por parreira, a fim de garantir a sua qualidade.
A "Vindima de Vinhos Finos de Altitude" é um evento que ocorre nos
municípios serranos catarinenses produtores dessa bebida, com a realização
do enoturismo, visitação das vinícolas, passeios, palestras, degustações e
almoços típicos da culinária, com traços culturais da região. Com o Instituto
Catarinense de Tecnologia em Vitivinicultura, estão sendo elaborados selos
de qualidade que distinguem os vinhos dessas localidades. Muitas famílias
serranas sobrevivem do plantio da uva, da sua colheita, da confecção do
vinho e da comercialização dessa bebida no mercado.
Estes são os 27 produtos que, segundo estudos já realizados,
apresentam especificidade territorial, a qual poderá contribuir no
reconhecimento de futuras experiências de IG nas diferentes regiões do
estado de SC. Na Figura 1, estão mapeadas essas experiências, incluindo a IG
Vale da Uva Goethe.
160
4.1 RESGATE HISTÓRICO
161
monopolística, passaram a receber do Estado a concessão de terras para
explorar o produto. Com isso, segundo o autor, os antigos moradores foram
expropriados de suas terras e dos ervais, sua tradicional fonte de renda,
transformando‐se, então, em assalariados das empresas ervateiras.
Pode se dizer que essa região foi marcada por conflitos que impactaram
na economia local, na forma de exploração dos habitantes nativos. Sendo
assim, desde o século XIX até a década de 1930, o principal produto de
exportação do Paraná e de Santa Catarina, embora perdendo a primazia
econômica, foi a erva‐mate para chimarrão, o que continua até os dias atuais,
mesmo que com menor importância econômica (MAFRA, 2008).
Desde o terço final do século XIX até meados anos 1980 este território foi a
principal região catarinense de produção e transformação de erva‐mate. Nos
anos 1960 chegou a constituir mais de 93% de toda a produção estadual
(SOUZA, 2009, p. 02).
162
e as historias das famílias, além de contribuir para a conservação dos
remanescentes florestais e de espécies arbóreas ameaçadas de extinção.
Dessa forma, os processos de reconhecimento e registro de uma IG, é
uma forma efetiva de valorizar o território, através da reputação do produto
ou através do diferencial no produto que essa região incorpora. É uma
vantagem decisiva para as pequenas e médias empresas e para os
agricultores competir no mundo globalizado (DALLABRIDA, 2012).
4.3 PERSPECTIVAS
4.3.1 SOCIOECONÔMICAS
7
Dados obtidos do site erva mate Canoinhas -
http://ervamatecanoinhas.com.br/reportagem.php?id=261.
163
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
(2012), a cidade de Canoinhas é o principal polo produtor de erva‐mate da
região e do Estado de Santa Catarina (Figura 1). Apesar de a produção estar
enraizada na história da região, essa atividade enfrenta dificuldades. Os
dados que envolvem a cadeia produtiva da erva‐mate são difíceis de serem
levantados devido à amplitude de formas como a erva‐mate é cultivada,
extraída, processada e comercializada (LOPES, 2011).
Dessa forma, para este texto, foi possível identificar apenas o volume
anual de erva‐mate produzida, na forma de folha verde e cancheada. Mesmo
assim, esses dados são aproximados, pois, as fontes de informação são
imprecisas, servindo apenas como um referencial. A partir disso, sentimos a
necessidade de busca de informações junto às prefeituras, órgãos públicos
de extensão rural ou ervateiros.
Na figura 2 estão listados os municípios do PNC e seus volumes de
produção. Esses dados foram obtidos somando os informados como erva‐
mate verde e cancheada, sendo os dados em folha verde convertido para
erva‐mate cancheada. Portanto, há uma grande fragilidade estatística nos
dados, pois as informações são aproximadas. Mesmo assim, podemos ter
uma ideia sobre a importância da erva‐mate na região do PNC. No entanto,
exigindo a organização e busca de informações mais precisas, por exemplo,
pela realização de um inventário.
Figura 2 – Mapa de localização do maior volume de produção de erva‐mate
no Planalto Norte Catarinense
164
Souza (2009), em estudo realizado, fez uma entrevista com 23
indústrias ervateiras, na região do PNC, diretores de cooperativas de mate e
representantes de associações de classe da indústria ervateira, entre
novembro de 2009 e março de 2010, referente às perspectivas quanto ao
futuro da atividade ervateira. O autor demonstra que os entrevistados
dedicados ao mercado interno, expressam a preocupação com a forte
concorrência do mercado gaúcho, pois eles têm menores preços e fazem a
utilização de açúcar, hoje permitido, desde que informado. Os entrevistados
que se dedicam ao mercado externo, especialmente o mercado Uruguaio,
expressam preocupação com concorrências da erva‐mate argentina, pois
tem menos preço (SOUZA, 2009).
Em síntese, a valorização do produto erva‐mate tem significativa
importância, tanto econômica quanto social, para milhares de agricultores e
suas famílias, além de muitas outras pessoas envolvidas nessa cadeia de
produção.
165
A produção, em quase sua totalidade, é oriunda de “ervais
nativos”, abarcando 95% do total em 2008;
Mais de 20 empresas com marcas próprias na região, sendo a
mais antiga datada do ano de 1918;
Dentre as empresas, estão as Cooperativas de Mate de
Canoinhas e de Campo Alegre, datadas de 1932 e 1938,
respectivamente;
São produzidos diversos tipos de produtos da erva‐mate para
consumo interno e para exportação, do chimarrão a chás verdes
e tostados;
Em 1960 e 1970, o território era responsável por 97% e 81% da
erva‐mate produzida em Santa Catarina; hoje ainda responde
por 41%, sendo que ao redor de 4.000 famílias estão envolvidas
na atividade (Censo Agropecuário 1996);
Em 2009, 31% da exportação brasileira de mate teve origem do
território em referência, gerando US$13.989.535,00 em divisas.
166
Mate”. Assim, está em fase execução o referido projeto, visando seu objetivo
principal, que é promover todas as ações de apoio à estruturação e a
constituição da Indicação Geográfica para produtos derivados da erva‐mate
regional (NEPPEL, 2013).
8
Sob a coordenação do Prof. Dr. Valdir Roque Dallabrida, com financiamento da FAPESC,
executado no Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado.
9
Perspectivas apresentadas em palestra proferida no II Workshop sobre Desenvolvimento
Regional na Região do Contestado, representando a EPAGRI.
10
Título do projeto em execução: Ações de apoio à estruturação da Indicação Geográfica
Planalto Norte Catarinense para produtos da erva mate.
11
Título do projeto: Identificação e caracterização morfogenéticas de árvores matrizes de erva
mate para implantação de área de produção de sementes e banco ativo de germoplasma na
mesorregião Norte Catarinense com vistas a Indicação Geográfica.
167
mate seja valorizado, contribuirá também para a ampliação da cobertura
vegetal, pois haverá interesse em ampliar a área plantada com erva‐mate na
região (DALLABRIDA, 2012). Assim, o reconhecimento da IG da erva‐mate
produzirá a valorização econômica dos ervais nativos, que é um dos
elementos característicos das matas de araucária. Dessa forma a IG para
erva‐mate, além dos possíveis impactos socioeconômicos, será um meio
decisivo para a manutenção e reprodução das matas de araucárias
(DALLABRIDA et al., 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
168
um quadro mais representativo das potencialidades catarinenses em relação
a futuras experiências de Indicação Geográfica, ou Marcas Coletivas12,
quando for o caso.
O passo final procurou analisar especificamente um caso significativo,
em termos da própria construção teórico‐metodológica central deste
trabalho, o caso da erva‐mate do Planalto Norte Catarinense.
A abordagem do caso serve para conhecermos possíveis trajetórias para
o reconhecimento de um produto com IG, além dos desafios que os
processos impõem. Assim sendo, os resultados mostraram que o produto
erva‐mate ainda terá desafios a serem superados, não apenas para a
obtenção da IG, mas para que essa estratégia possa contribuir efetivamente
no desenvolvimento territorial. Entre os desafios, ressaltamos que falta a
caracterização dos componentes do capital territorial do Planalto Norte
Catarinense, o que só será possível pela realização de um inventário. Falta
também a conscientização e comprometimento dos produtores rurais,
técnicos, autoridades, agentes de desenvolvimento (em geral, todos os
atores da cadeia produtiva envolvidos com o desenvolvimento do projeto
IG). Ou seja, ainda que se consiga parcialmente identificar a construção de
sistemas produtivos locais fundados na autenticidade, tipicidade e
originalidade dos produtos, há um longo trajeto até se poder afirmar que se
obteve a construção social da qualidade e o desenvolvimento socioeconômico
e melhoria da qualidade de vida, como meta finalística.
Por fim, considera‐se ser necessário muito trabalho, pesquisas e
estudos, empenho, negociação e fortificação de parcerias para que o
potencial latente de desenvolvimento territorial advindo de uma IG se
realize no contexto estudado, em especial algo que fica evidente quando se
aprofunda a análise no estudo de caso da erva‐mate13. No entanto, também
se identifica que há grandes oportunidades e ganhos caso se consiga superar
os obstáculos encontrados.
A notoriedade de algumas cidades e regiões advém de produtos e
serviços que se destacam pela qualidade e tradição dos mesmos. Quando
esses fatores estão contidos em um mesmo espaço físico (território), a IG
torna‐se um fator decisivo para garantir as suas diferenciações. Se
atribuirmos este indicativo às diferentes regiões do estado de Santa
Catarina, pelas potencialidades apontadas neste capítulo, somado à
contribuição do conjunto dos capítulos desta coletânea, é possível pensar o
desenvolvimento territorial de uma forma otimista. No entanto, salientamos
que a dinamização socioeconômica necessária com vistas ao reconhe‐
12
O Capítulo 7 desta coletânea aborda o tema das Marcas Coletivas, como alternativa para
reconhecimento das especificidades territoriais, abordando, em especial, a questão da
legislação sobre o tema.
13
Ressaltamos, novamente, que o Capítulo 12 retoma e aprofunda o estudo do caso da erva-
mate. Recomendamos a leitura.
169
cimento de uma IG precisa ser considerada como um processo complexo,
que exige estudos multidisciplinares especializados, articulação, negocia‐
ções entre todos os atores envolvidos, sem tempo pré‐definido.
Não é possível esquecer que, no Brasil, os processos de constituição de
IG são recentes. Nos últimos 20 anos, passamos de poucas experiências, para
mais de 40 atualmente. Avançamos, então. No entanto, em função da falta
prévia de estudos multidisciplinares mais avançados, o despreparo técnico
dos agentes governamentais e institucionais para articulação de formas
especiais de associativismo territorial ‐ como são as Indicações Geográficas ‐
, a excessiva visão mercadológica, sem considerar aspectos sociais, culturais,
históricos relacionados com o processo de constituição de uma IG, fez com
que muitas experiências que têm registro, estejam pouco ativas, ou até
totalmente paralisadas.
O desafio é avançarmos. O estado de Santa Catarina tem vantagens
diferenciais que poderão evitar casos futuros de insucesso. Destaco três
delas: (1) estamos ainda no estágio inicial, o que evita que a falta de
experiência do passado possa ter contribuído para fracassos, como ocorreu
em outros estados brasileiros; (2) temos pesquisadores de dentro e fora das
universidades, executando projetos de investigação, formando grupos de
pesquisa, realizando eventos sobre IG, produzindo material informativo e
reflexivo (boletins, artigos e livros), proporcionando conhecimento,
formação e reflexão sobre o tema, atingindo técnicos, produtores,
empresários e população em geral; (3) recentemente, o estado brasileiro,
tanto na esfera federal como na estadual, tem despertado para rever as
práticas iniciais, qualificar e melhor articular sua atuação, com o fim de
pensar políticas públicas que sirvam de apoio aos processos de constituição
de experiências de Indicação Geográfica.
Para referendar a melhora na ação governamental, destacamos duas
iniciativas. No âmbito federal, o MAPA, há mais de três anos tem executado a
realização de cursos de formação gratuitos, na modalidade à distância,
atingindo técnicos, produtores, empresários e população em geral.
Adicionalmente, a partir de 2014, o MAPA passou a articular um grupo de
especialistas do Brasil e da América Latina, com o fim de colocar em prática
um novo curso de formação, tendo como tema Desenvolvimento Territorial
e Indicações Geográficas. Além disso, o MAPA tem disponibilizado equipes
técnicas especializadas no apoio às iniciativas de IG, seja financiando as
mesmas, prestando assessoria, ou apoiando a publicação de livros e outros
materiais14. No âmbito estadual, o Governo do Estado de SC tem se
170
envolvido diretamente no tema Signos Distintivos Territoriais e Indicação
Geográfica. A principal iniciativa, além do aporte de recursos para
investigações, foi a constituição, em 2014, da Câmara Setorial de Certificação
de Qualidade dos Produtos Agropecuários, a qual já está em funcionamento,
contando com a participação colegiada de agentes governamentais e
institucionais, universidades e representantes dos setores produtivos. A
articulação é feita pela Secretaria de Estado da Agricultura e da Pesca.
São iniciativas que deixa, a nós investigadores, otimistas quando aos
avanços futuros.
REFERÊNCIAS
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relativos à propriedade industrial. Presidência da República, Casa Civil: Disponível em
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pela exploração da erva‐mate – região sul do vale do Rio Negro. Canoinhas: Universidade
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171
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junto aos agricultores familiares do Planalto Norte Catarinense. Curitiba: UFPR, 2014
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regional: reflexões sobre Indicação Geográfica e novas possibilidades de
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VELA, J. S. E. Fundamentos Conceptuales y teóricos para marcas de território. Boletín de
la A. G. E, nº 62, p. 189‐211, 2013.
172
CAPÍTULO 9
INTRODUÇÃO
1
Os estudos que resultaram no presente artigo estão integrados ao projeto de pesquisa
Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, com financiamento da FAPESC.
Versão deste artigo foi publicada em Desenvolvimento Regional em debate, V. 4, N.
2/2014.
173
produção do queijo artesanal serrano ultrapassam séculos e perpassam
gerações, conferindo a condição de um produto típico da região, apreciado e
valorizado além dos limites da sua área de fabricação. O queijo serrano,
mais que um produto, representa um modo de vida, reconhecido por sua
identidade territorial de relevância histórica, social, cultural e econômica
para milhares de pecuaristas familiares (Figura 1).
174
Saberes do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan),
como patrimônio cultural de natureza imaterial do Brasil, além da
legalização da produção e comercialização em toda a região produtora.
Esses reconhecimentos contribuirão para que se tenha uma legislação
própria para o QAS, permitindo que as famílias que possuem nessa atividade
uma importante fonte de renda e, mais do que isso, um modo de vida
carregado de simbolismo e identidade cultural, venham a legitimar a sua
comercialização e possam contribuir ainda mais para o desenvolvimento
regional.
No texto a seguir, inicialmente é feito um resgate histórico sobre o
recorte territorial onde se produz o QAS. Em seguida são apresentadas as
principais características da produção do QAS, em relação ao ambiente de
produção, o sistema e o processo de fabricação, além de fazer referência à
sua relação com a identidade de um povo, situando‐o não somente como
produto, mas como patrimônio. Finalizando, são feitas considerações
destacando aspectos econômicos e culturais, apontando a possibilidade do
QAS buscar no futuro seu registro como uma Indicação Geográfica.
175
iniciou quando os portugueses vieram ocupar essa vasta região, mais
precisamente, de fevereiro de 1728 a outubro de 1730, quando foi aberto o
Caminho dos Conventos, ligando o Cone Sul da América à província de São
Paulo, e, alguns anos mais tarde quando o traçado foi retificado por
Cristóvão Pereira de Abreu, ficando conhecido como Caminho das Tropas
(Figura 2). A partir desse período tem início um dos mais importantes ciclos
da economia brasileira, o tropeirismo e assim, o futuro povoamento das
Lagens passa a ser um dos locais de pouso: “[...] fazia‐se sempre uma parada
prolongada nos campos de Lages” (DEFFONTAINES, citado COSTA, 1982,
p.170).
176
troca por mercadorias que não podiam ser produzidas na Serra Catarinense,
como açúcar, farinha, café, sal, entre outros. Esse comércio era intenso com
as regiões litorâneas, transpondo serras, que somente os cascos afiados e
firmes das mulas conseguiam vencer. Segundo Krone (2006), citando
produtores entrevistados “o queijo descia e o mantimento subia” [...]; “eram
duas viagens, para abastecer no inverno e no verão”. Esse registro evidencia
o queijo serrano como moeda básica utilizada na troca de produtos entre a
serra e o litoral catarinense.
177
Figura 3 – Geada e neve: fenômenos comuns na Serra Catarinense no inverno
178
Em se tratando do manejo do gado, na maioria das propriedades os
terneiros ficam com as vacas durante o dia e são apartados no fim da tarde.
São criados de duas maneiras: a) nos rebanhos de aptidão leiteira são
separados das vacas e amamentados em baldes ou mamadeiras com o
desmame feito entre 60 e 90 dias, sendo suplementados com ração feita na
propriedade; b) nos rebanhos de corte os terneiros são criados ao pé da
vaca e amamentados por cerca de 7 a 10 meses, sendo depois vendidos para
serem recriados para abate. Nesse caso, a ordenha das vacas não tem como
finalidade única a obtenção da matéria‐prima para a fabricação do queijo
serrano, mas, sim, o manejo do gado (KRONE, 2006).
Quanto ao manejo reprodutivo, 63,1% dos produtores usam monta
natural o ano todo e 36,9% usam inseminação artificial; somente 21%
(principalmente as propriedades maiores) usam a estação de monta
definida para concentrar a parição na primavera‐verão, quando a oferta de
alimentos é maior. Nos pecuaristas familiares o touro permanece o tempo
todo com as matrizes.
Devido à importância da renda para a família, atualmente a maioria dos
pequenos produtores de QAS, 71,3%, produzem durante o ano todo, e
28,7% produzem o queijo somente na primavera‐verão quando há maior
oferta de pastagens naturais e ou naturalizadas.
Os produtores, em sua maioria, utilizam produtos convencionais
(alopáticos) para o controle dos ecto e endoparasitos, mas cerca de 14%
opta pela homeopatia e 14,4 % usam algumas plantas medicinais para
combater essas pragas.
Para 50% dos produtores, o QAS representa a principal fonte de renda.
Estima‐se que na Serra Catarinense existem aproximadamente 2.000
produtores que comercializam o QAS, gerando uma renda bruta estimada
em aproximadamente R$ 21 milhões por ano, possibilitando uma renda
média familiar superior a R$ 10.360,00 por ano, o que representa mais de
um salário mínimo por mês. Referente à comercialização, 53% dos queijos
produzidos são vendidos diretamente para os consumidores, enquanto 47%
para varejistas.
179
Sendo o queijo serrano um produto artesanal, de pequena escala,
fabricado com o leite cru integral da propriedade, em sua maioria de vacas
de corte, tendo como base de alimentação as pastagens nativas, é um
alimento regional, podendo ser considerado identitário de um determinado
grupo. Conforme Maciel e Menachem (2003, p. 5), citado por Krone (2006):
"São quase desconhecidos pelas demais regiões, muitas vezes pelo simples
fato de que os ingredientes necessários são exclusivos do lugar de origem,
mas também por razões de ordem cultural, que determinam certos hábitos
alimentares".
Uma das poucas alterações no processo de fabricação é a substituição
de coalho animal pelo coalho industrial usado para coagulação da massa,
sendo que outras modificações estão relacionadas com a adequação de
utensílios, como forma e prensa, conforme exigência da legislação.
A primeira prática para fabricar o queijo começa na tarde do dia
anterior, quando as vacas são recolhidas e os terneiros são apartados até a
ordenha do dia seguinte (Figura 4).
Figura 4 – Recolhendo as vacas para fazer QAS no dia seguinte
180
auxílio de faca ou pá; e) dessorarem, retirada do soro com pressão manual
sobre a massa; f) enformagem, moldagem da massa com auxílio de um
tecido fino; g) prensagem, retirada do excesso de soro, deixando na prensa
por aproximadamente oito horas com três a quatro viragens; h) cura, feita
em temperatura ambiente sobre prateleiras de madeira, fórmica ou sob
refrigeração; i) embalagem, em filme plástico; j) armazenamento em
temperatura ambiente.
O tempo de cura varia em média 15 dias e a venda é realizada pelos
próprios produtores. Apesar das restrições impostas pela legislação vigente,
o QAS ainda é muito procurado e consumido e toda a produção é
comercializada.
Disto tudo [...] ocupando o planalto, resultou o serrano. Tipo físico definido.
Atividades econômicas semelhantes, em toda a Serra Catarinense. Uma
linguagem própria nas suas corruptelas [...]. Até em seus costumes e sua
cultura, um mundo próprio [...] (MARTORANO, 1982, p. 173).
181
trabalho educativo, que requer tempo, persistência, união e parceria com
produtor, consumidor, comerciantes, instituições de pesquisa e extensão
rural, bem como com os órgãos fiscalizadores. Para isso, é fundamental
trabalhar na lógica territorial, num processo que vincula as pessoas a um
lugar, o seu lugar. E, nessa perspectiva, o queijo artesanal serrano é um
produto típico de terroir, ou seja, suas características particulares são
determinadas por influências do ambiente, mas também do ser humano
(saber fazer tradicional, origem histórica, características típicas). Assim,
passa a exprimir a interação entre o meio natural e os fatores humanos.
Figura 5 – Severina Mota de 84 anos aprendeu a fazer queijo com a avó e repassou a seus
descendentes (esquerda) Filha de produtor de queijo (direita)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
182
pode obter, no médio prazo, o status de signo distintivo coletivo, o que pode
torná‐lo um produto ainda mais reconhecido e com identidade territorial,
pelo registro, como uma Indicação Geográfica, na categoria de Denominação
de Origem, tornando‐se patrimônio cultural de natureza imaterial do Brasil.
Para isso, é necessário aprofundar os estudos e pesquisas, organizar
melhor a cadeia produtiva e buscar a padronização e segurança alimentar
para conquistar mercados mais exigentes. Esses objetivos somente serão
conseguidos com a conjugação de esforços entre produtores e instituições
parceiras pertencentes aos campos da extensão, pesquisa e ensino.
REFERÊNCIAS
COSTA, Licurgo. O continente das Lagens: sua história e influência no sertão da terra
firme. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982.
PIRES, N; CORRÊA, Z. Base histórica de Lages através dos tropeiros. 1 ed. Lages:
Ed. 75, 1991.
183
CARTA DE FORTALEZA
184
de Inspeção Industrial de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), não se
construirá legislação diferenciada que contemple, de forma própria e
adequada, a produção artesanal. Persistiremos no velho erro de tratar
igualmente os desiguais.
Ao invés de criar regulamentos restritivos e punitivos a inspeção oficial
deveria enfrentar o desafio posto pela produção artesanal de queijos e
construir uma proposta própria, ouvindo os atores envolvidos,
especialmente produtores para conhecer os problemas e encontrar soluções
adequadas.
Nesse seminário, em que pudemos contemplar a diversidade de queijos
artesanais do Brasil, nos deparamos com produtores dedicados à
manutenção da tradição. Esses produtores elaboram queijos artesanais pela
convicção de que são produtos diferenciados, valorizados pelos
consumidores e que representam a cultura e o modo de vida de suas regiões.
Em cada peça de queijo artesanal temos a história, cultura, tradição e
expressão do meio onde são produzidas.
185
CAPÍTULO 10
1. INTRODUÇÃO
1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Potencialidades e desafios para o
associativismo de base territorial: o caso do Projeto Tranças da Terra - Edital 07/ Unoesc-R/
2014 (Art. 170). Da mesma forma, esteve integrado aos estudos realizados quando da
execução do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, com
financiamento da FAPESC. Numa primeira versão foi publicado em Desenvolvimento
Regional em debate, V. 4, N. 2/2014.
187
inauguração do núcleo administrativo, uma central de vendas e uma loja.
Nesse contexto, o estudo buscou descrever a trajetória de constituição
da associação desde 2006, quais os resultados alcançados pelo Projeto e
quais os seus principais desafios para o futuro. Nesse sentido, as perguntas
que nortearam esta pesquisa foram: o projeto Tranças da Terra se constitui
numa alternativa que pode contribuir para o desenvolvimento da região
Meio Oeste de Santa Catarina? Existe possibilidade de buscar a Indicação
Geográfica (IG) para os produtos do Projeto Tranças da Terra?
Visando aprofundar a compreensão sobre as potencialidades e limites
de estratégias de especificação de ativos territoriais como alternativa de
desenvolvimento, buscou‐se estudar um caso específico, o do Projeto
Tranças da Terra. Para tal, foram traçados os seguintes objetivos: o Objetivo
Geral foi descrever o projeto Tranças da Terra observando se ele pode
contribuir para o desenvolvimento da região Meio Oeste de Santa Catarina.
Objetivos específicos: a) Caracterizar a região Meio Oeste Catarinense; b)
Descrever breve histórico do Projeto Tranças da Terra; c) Identificar os
produtos do Projeto Tranças da Terra demonstrando sua tradição
territorial; d) Conhecer a forma de gestão do Projeto Tranças da Terra; e)
Registrar iniciativas que estejam sendo realizadas no sentido da valorização
do produto; f) Caracterizar as potencialidades do Projeto Tranças da Terra
em termos de geração e agregação de renda e como nova atividade
econômica regional. Este estudo contém as seguintes partes: após esta
introdução, apresenta‐se a revisão bibliográfica, seguida da descrição dos
procedimentos metodológicos. Após, apresenta‐se a análise dos dados, a
conclusão e as referências atualizadas.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
188
desigualdades; b) sustentabilidade econômica: busca aumentar a geração de
renda e a riqueza social por meio da endogenização; c) sustentabilidade
ecológica: visa melhorar a qualidade do meio ambiente e a preservação dos
recursos energéticos; d) sustentabilidade espacial: busca superar as
desigualdades regionais e entre cidade/campo; e) sustentabilidade cultural:
incentiva o resgate e o respeito à cultura local (MONTIBELLER, 2002).
No estudo da temática do desenvolvimento, não apenas o espaço local e
regional deve ser considerado, uma vez que há escalas decisórias que fogem
da alçada da região. O processo de globalização em curso tem exigido dos
territórios e das organizações uma constante reformulação de suas
estratégias, a fim de que consigam manterem‐se competitivos.
Um projeto ancorado em desenvolvimento sustentável social,
econômica, ecológica, cultural e geograficamente tem como premissa
considerar que deve gerar renda para seus participantes por meio da
atividade que tenha raízes em um processo de identificação cultural e no
respeito ao meio ambiente. Entende‐se que o artesanato tem esse potencial
de sustentabilidade, uma vez que faz parte da tradição cultural de uma
região. A partir de técnica artesanal há muito utilizada, podem‐se criar
novos produtos e intensificar a agregação de valor.
189
O artesanato insere‐se como um dos campos de representação da
cultura popular, responsável por contribuir com a identidade cultural de um
dado território.
190
conflitam) buscam atender objetivos individuais, muitas vezes
impossibilitando a regulação dessa ação pelos poderes públicos.Tal
fragmentação pode levar à deterioração da solidariedade e da cooperação
características de grupos sociais que compartilham as mesmas vivências e
tradições.
Em relação à Identidade Territorial, Castells (1999, p. 23) afirma que:
191
2.3.1 GOVERNANÇA DE BASE TERRITORIAL
192
postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das estruturas
estatais nas suas diferentes instâncias.
Uma das principais estratégias que articula os potenciais de
desenvolvimento territorial à Noção de identidade territorial é a Indicação
Geográfica.
193
tenham qualidade e se identifiquem com o território de origem. De forma
semelhante, Acampora e Fonte (2008) reforçam a necessidade de políticas
públicas com a finalidade de reconhecer e proteger as especificidades
territoriais e culturais, pela valorização da identidade territorial por meio de
uma cesta de bens. Já Albagli (2004) propõe diferentes estratégias no
sentido do fortalecimento e capitalização de territorialidades em favor do
desenvolvimento (local, regional, territorial).
De forma semelhante, Acampora e Fonte (2008) reforçam a necessidade
de políticas públicas com a finalidade de reconhecer e proteger as
especificidades territoriais e culturais, pela valorização da identidade
territorial por meio de uma cesta de bens. Já Albagli (2004) propõe
diferentes estratégias no sentido do fortalecimento e capitalização de
territorialidades em favor do desenvolvimento (local, regional, territorial).
Outra questão que tem referência com o tema da identidade territorial e
sua relação com o desenvolvimento é a questão dos recursos e ativos
territoriais. Para Pecqueur (2005), o desafio das estratégias de
desenvolvimento constitui‐se em se apropriar dos recursos específicos e
buscar o que possa se estabelecer como potencial identificável de um
território. Para tal, deve ocorrer um processo de especificação ou ativação
de recursos, ou seja, transformar recursos em ativos específicos. O autor faz
uma diferenciação entre ativos e recursos genéricos, de ativos e recursos
específicos. Os ativos e recursos genéricos são totalmente transferíveis e seu
valor é um valor de troca, estipulado no mercado via o sistema de preços.
Esses ativos e recursos não permitem que um território se diferencie de
forma consistente de outros, uma vez que eles são transferíveis, ou seja, são
transacionados no mercado. Já os ativos específicos, por sua vez,
possibilitam um uso particular e seu valor constitui‐se em função das
condições de seu uso. Além disso, eles apresentam um custo de
transferência que pode ser alto e irrecuperável. Assim, os recursos
específicos merecem maior atenção. Eles possibilitam a construção de uma
argumentação que destaca a importância dos produtos com identidade
territorial para o desenvolvimento. Ressalta ainda o autor que os recursos
específicos, ao contrário dos recursos genéricos, não são mensuráveis, ou
seja, não são expressos em preços e não podem ser transferidos, como
qualquer produto transacionado no mercado. São elaborados num espaço de
proximidade geográfica e institucional, a partir de uma troca não mercantil:
a reciprocidade.
Benko e Pecqueur (2001, p. 31), ao lembrarem que apesar da
mundialização, a metropolização, a formação das áreas de livre comércio, a
articulação entre o global e o local estarem no centro das preocupações da
economia espacial, a mundialização não significa homogeneização dos
espaços.
194
Para Saquet (2003), a territorialidade corresponde às relações sociais e
às atividades diárias que os homens têm com seu entorno. É o resultado do
processo de produção de cada território, sendo fundamental para a
construção da identidade e para a reorganização da vida quotidiana. Assim
sendo, a identidade é construída pelas múltiplas relações‐territorialidades
que se estabelecem todos os dias e isso envolve, necessariamente, as obras
materiais e imateriais produzidas, como os templos, as canções, as crenças,
os rituais, os valores, as casas, as ruas, além de outros aspectos.
Outro autor brasileiro, Souza (2005), salienta que o território é um
espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. Para o
autor, a autonomia é a base do desenvolvimento, este encarado como
processo de auto‐instituição da sociedade rumo à uma maior liberdade e
menor desigualdade. Assim sendo, uma sociedade autônoma é aquela que
logra defender e gerir livremente seu território. Trata‐se de uma sociedade
com poder, onde o Estado não pode ser concebido enquanto instância de
poder centralizadora e separada da sociedade. A concepção de território
autônomo implica num ambiente onde as pessoas têm a liberdade de
manifestar suas escolhas e potencialidades, gerando um espaço socialmente
equitativo e democrático.
O conjunto dos ativos e recursos genéricos e específicos, materiais e
imateriais, constituem o que podemos chamar de capital territorial, definido
em documento da LEADER (2009, p. 19) como o conjunto dos elementos de
que dispõe o território ao nível material e imaterial e que podem construir
vantagem ou desvantagens, dependendo de sua qualificação. O capital
territorial remete para aquilo que constitui a riqueza do território
(atividades, paisagens, patrimônio, saber‐fazer, etc.), na perspectiva, não de
um inventário contabilístico, mas da procura das especificidades podendo
ser valorizadas.
Ao final desta revisão bibliográfica, sistematizam‐se no quadro 1 alguns
tópicos norteadores do estudo.
Quadro 1 ‐ Tópicos norteadores do estudo
195
homem,
‐representação da cultura popular,
‐responsável por contribuir com a
identidade cultural de um dado
território.
Território ‐Domínio politicamente estruturado Haesbaert, 2007.
resultante de apropriação simbólica Raffestin, 1993.
identitária, inerente a certa classe Souza, 1995.
social, Andrade, 1995.
‐espaço definido e delimitado por e Santos e Silveira, 2001.
a partir de relações de poder, Santos, 1997.
‐espaço apropriado a partir da ideia Fernández e Dallabrida, 2008.
de poder, de controle, quer se faça Brandão, 2007.
referência ao poder público ou a Amin, 2008.
grandes empresas, Dallabrida, 2006; 2007;
‐nome político para o espaço de um 2010b.
país, Saquet 2007.
‐espaço usado, apropriado, Coro 1999.
‐governança territorial. Cassiolato e Lastres, 2003.
Castells, 1999.
Benko e Pecquer, 2001.
Pecqueur, 2001; 2006; 2009.
Corrêa, 1986.
Gomes, 1995.
Indicação Geográfica ‐Marcas territoriais que reconhecem Anjos, 2012.
os direitos coletivos referentes aos Gurgel, 2006.
sinais distintivos de um território, Leader, 2009.
‐ferramentas coletivas de Souza, 2005.
valorização de produtos tradicionais Saquet, 2003.
vinculados a determinados Benko e Pecquer, 2001.
territórios, Albagli, 2004.
‐ativo intangível da propriedade Pecqueur, 2005.
intelectual que representa um Acampora e Fonte (2008)
atributo, uma qualidade atribuída Dallabrida, 2012.
ao meio, ou a fatores humanos ou Ferreira et al, 2013.
uma reputação que distingue
produtos ou serviços relacionados a
uma determinada origem
geográfica,
‐com função de agregar valor ao
produto e proteger a região
produtora.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
196
os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.
A análise do caso teve duas frentes de investigação: a bibliográfica e a
pesquisa de campo. A pesquisa bibliográfica consultou a literatura sobre os
temas: desenvolvimento sustentável, artesanato, território, governança
territorial e indicação geográfica.
Para a coleta de dados foi realizada a busca, leitura e análise de textos,
reportagens, atas e demais documentos referentes ao Projeto Tranças da
Terra no período de sua existência (2006 a 2014). Também foram realizadas
02 entrevistas abertas com: 01 representante da associação Tranças da
Terra (Artesã) e 01 gestor do Sebrae (gestor), entidade que dá suporte para
o Tranças da Terra. As 02 entrevistas foram feitas no mesmo dia, horário e
local (dia 01/07/2014, às 13h30min, na loja do Tranças da Terra em
Joaçaba) e tiveram a duração de 48 minutos. Versaram sobre
desenvolvimento regional, artesanato, território, Indicação Geográfica e,
sobretudo, sobre o Projeto Tranças da Terra. Com o consentimento das
entrevistadas, as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas e
analisadas.
Realizou‐se também a observação das atividades do Projeto Tranças da
terra, por meio da visita a núcleo produtor de artesanato e à loja na qual são
vendidos os produtos.
Os dados coletados nas diferentes frentes foram analisados por meio de
recursos interpretativos, cotejando‐os com a revisão bibliográfica realizada.
A base para a análise foram os tópicos descritos no quadro 01. Buscou‐se, ao
analisar os dados coletados agrupados e classificados nestes tópicos, em sua
relação com a revisão bibliográfica realizada, responder aos objetivos de
pesquisa.
4. ANÁLISE
197
Caçador a mais populosa, com 70.762 habitantes.
O povoamento da região teve como aspecto marcante a construção da
estrada de ferro que liga o Rio Grande do Sul a São Paulo e a chegada dos
imigrantes gaúchos de origem italiana. A colonização da região foi também
influenciada por alemães, caboclos, austríacos e paranaenses.
Conforme dados do IBGE, relativos a 2009, a movimentação econômica
dos 32 municípios da Macrorregião, segundo a composição do PIB, foi de
aproximadamente R$ 7,4 bilhões, o equivalente a 5,7% do PIB estadual e
alcançando o 7º maior no comparativo entre as nove macrorregiões.
A região ocupa uma posição de destaque no setor primário catarinense,
como maior produtora estadual de milho, soja e trigo. Também possui uma
atividade agropecuária bastante expressiva, respondendo, em 2010, por
19% do rebanho catarinense de suínos e por 22% do de frangos. Na
agricultura, destaca‐se a fruticultura e horticultura (uva, pêssego, maçã e
tomate), o cultivo de milho e a produção florestal.
O setor industrial estabelece uma forte sinergia com a atividade
agropecuária da região, cabendo assinalar a representatividade do número
de empresas e empregos dos segmentos de fabricação de alimentos e
bebidas, do setor madeireiro e o de produção de papel e embalagens de
papel. O segmento da Indústria de transformação, em 2011, foi responsável
por 35.531 empregos formais, o equivalente a 32% dos postos de trabalho
da Macrorregião Meio Oeste.
O quadro 2 apresenta, de maneira sucinta, alguns dados gerais e
históricos da região em estudo.
Quadro 2 ‐ Aspectos gerais e históricos na Macrorregião Meio Oeste
198
Luzerna Salto Veloso
Caçador Ibicaré
Macieira Tangará
Calmon Iomerê
Matos Costa Timbó Grande
Capinzal Ipira
Ouro Treze Tílias
Catanduvas Jaborá
Peritiba Vargem Bonita
Erval Velho Joaçaba
Pinheiro Preto Videira
Fraiburgo Lacerdópolis
Piratuba
2
Tomou-se como base o Inventário do Capital Territorial do Território elaborado para Projeto
de Pesquisa, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa
Catarina (FAPESC), que deu origem ao projeto de Iniciação científica, cujos resultados aqui
são relatados.
199
introduzido por imigrantes italianos e alemães. O artesanato feito em palha
de trigo era uma tradição, responsável pela produção de chapéus e sportas
(palavra de origem italiana que significa sacolas), usados principalmente nas
lidas da lavoura e nas idas à cidade para compras. Com a mudança da
fronteira agrícola para o estado do Paraná e a mecanização da agricultura,
ocorridas a partir dos anos 1970, a cultura do trigo foi praticamente
descontinuada no Meio Oeste Catarinense. Dessa forma, o artesanato em
palha de trigo se restringiu a poucas comunidades de agricultores que
prosseguiram cultivando o cereal nos moldes tradicionais, sem uso de
máquinas.
Visando resgatar o artesanato tradicional em palha de trigo, em 9 de
agosto de 2005 o ProjetoTranças da terra foi lançado, com a adesão de seis
municípios: Água Doce, Capinzal, Catanduvas, Joaçaba, Luzerna e Ouro.
Aderiu, ainda, ao projeto a Secretaria de Estado do Desenvolvimento
Regional (SDR) de Joaçaba. Também na ocasião, apoiaram o projeto
empresas do setor privado, especialmente uma tradicional do ramo de
moagem de trigo e farinhas; empresa de comunicações (grande rede do Sul
do Brasil) e empresas de contabilidade. No início de 2006, o projeto ganhou
mais força com a adesão de outras empresas privadas e de uma empresa
pública que presta assessoria a pequenos agricultores em SC.
O processo de constituição da rede de base para efetivar o Projeto
Tranças da Terra teve início com a instalação de alguns núcleos: a) 01
núcleo produtor da matéria‐prima, com produtores rurais de Catanduvas e
de Água Doce; b) 06 núcleos de produtores de artesanato, com sede nos
municípios de Água Doce, Capinzal, Catanduvas, Joaçaba, Luzerna e Ouro, e
c) 01 núcleo de armazenagem da matéria‐prima, no município de Luzerna.
Implantados os núcleos, em novembro de 2006, foi concluída a constituição
da associação com a inauguração do núcleo administrativo, da central de
vendas e de uma loja para comercialização dos produtos.
Desde a implantação do Projeto, em 2006, até 2014, várias atividades
foram realizadas, tais como: articulação de parceiros, mobilização e adesão
de artesãos, criação da marca Tranças da Terra, prospecção de mercado,
realização de oficinas técnicas e capacitação nas áreas de gestão e
associativismo, pesquisas e desenvolvimento de novos produtos,
formalização da Associação de Artesanato Tranças da Terra, apresentação
dos produtos à comunidade local e regional, elaboração do plano estratégico
de marketing da Associação de artesanato Tranças da Terra, implantação da
Loja Tranças da Terra, capacitação e consultoria empresarial, consultoria
tecnológica e acesso ao mercado. Com essas etapas, o projeto prevê
aumentar o volume de produção, o número de clientes ativos e atingir um
faturamento base por mês, buscar outros pontos e canais de venda dos
produtos e implantar o comércio eletrônico. (TRANÇAS DA TERRA, 2014).
200
De acordo com Tranças da Terra (2014), o projeto Tranças da Terra
possui alguns destaques e reconhecimento externo importante, tais como os
apresentados no quadro 3.
Quadro 3 ‐ Destaques e reconhecimentos do Tranças da Terra
Seleção Rede Globo São Paulo‐ em 2012, a emissora selecionou o Tranças da Terra para
gravação do Programa Ação Comunitária, transmissão sábado, às 7h30 da manhã;
Prêmio House e Gift de design, considerado o "Oscar" do design brasileiro ‐ em 2011 foi
premiado com a Luminária Flores;
Prêmio Planeta Casa ‐ em 2011, ficou entre os dez finalistas na categoria ação social
(concorreu com mais de 400 inscritos, segundo informação da organização planeta casa);
Programa Caixa de Apoio ao Artesanato Brasileiro ‐ em 2009, selecionado através da
Caixa Econômica Federal (CEF) para o programa;
Prêmio Planeta Casa – em 2008, na categoria Ação Social – uma ação pioneira da revista
Casa Claudia;
Prêmio FINEP ‐ em 2008 foi a terceira colocada região Sul na categoria Tecnologia Social;
Prêmio SEBRAE TOP 100 de Artesanato ‐ em 2008, entre as três unidades selecionadas,
ficando em primeiro lugar no Estado obtendo a melhor pontuação;
Prêmio SEBRAE TOP 100 de Artesanato ‐ em 2006, ficou entre as cinco unidades
selecionadas em Santa Catarina;
Prêmio House e Gift de design ‐ em 2006, premiado com a Cesta Flores na categoria
Artesanato Regional;
Prêmio FINEP na categoria Inovação Social ‐ em 2006, 2º Lugar.
201
econômica rentável. Pelo contrário, os atuais participantes do Projeto o
consideram pouco rentável, o que não atrai novos interessados e gera o
desânimo das atuais artesãs. Dessa forma, não ocorrem atualmente
capacitações, como ocorreram no início do projeto, porque não se tem
público para tal atividade. Ainda, de acordo com as entrevistas (2014):
Quem está no projeto desde o início, acompanhou todo este processo, acabou
se apaixonando pela causa, e a questão nem é tanto o retorno financeiro, até
porque como são várias, tem um pouco para cada uma então se teria que
vender muito para ter um retorno financeiro bom. Quem tá fora quer saber o
quanto vai ganhar se entrar no projeto, se for artesã do Tranças, e aí se falar a
pessoa não vai querer, então tem que se apaixonar mesmo pela causa, ver além
do financeiro [...]. Este envolvimento com a parte da gestão, por exemplo, traz a
pessoa para um convívio social. (Artesã 1)
Elas ganham por produção, é feito sempre levantamento do que cada núcleo
tem e se percebe, por exemplo, Lacerdópolis: eles desenvolveram uma
habilidade maior em fazer peças pequenas, produzem bastante. Em
Catanduvas já fazem mais peças maiores. Então quando você produz 100 peças
pequenas equivale a duas ou três peças grandes, então tem que ser por
produção, porque depende muito da quantidade de matéria‐prima que de
utiliza na peça e do tempo pra produzir, é assim que a gente faz o cálculo do
valor da mão de obra, então é por produção que a gente paga. (Artesã 2)
Outra dificuldade que existe desde o início do Projeto e que persiste até
hoje é com relação à matéria‐prima, porque ela depende do clima. Apesar de
a região ter clima apropriado para a produção do trigo, se faltar chuva, a
matéria‐prima estraga e se chover demais também há perda. Esse é um fator
que pode fazer com que, em determinados anos, a produção de trigo seja
maior ou menor, causando efeito sobre a produção de artesanato em palha
de trigo.
202
Projeto possui um estoque considerável de matéria‐prima, porque compra
toda a produção do agricultor que faz parte da associação para não perder a
adesão do produtor e nem a semente. Os agricultores que plantam a
variedade de trigo específica para o artesanato são orientados por técnicos
da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
(Epagri), desde como se faz o plantio e o manejo até como faz a colheita.
Inclusive, antes da escolha da variedade, a Epagri cooperou com o Projeto
Tranças e estudou qual a melhor semente para dar a melhor haste para o
artesanato, chegando‐se à variedade conhecida na região como Peladinho,
cujo nome científico é triticum. Na colheita, o agricultor não pode usar
máquina para cortar a palha porque a estraga, precisando fazer a colheita
manualmente. Essa variedade é tradicional na região Meio Oeste, porém seu
cultivo praticamente desapareceu quando do processo denominado de
modernização agrícola, ocorrido nos anos 1960, quando se introduziu a
mecanização consorciada com o uso intensivo de agrotóxicos,
eufemisticamente chamados de defensivos agrícolas.
A variedade de haste de trigo utilizada no Projeto Tranças da Terra
atende as dimensões de sustentabilidade ambiental, pois é produzida sem
qualquer uso de agrotóxico e sem causar danos ao meio ambiente. Também
atende à dimensão cultural, visto que se trata de um cultivo tradicional que
requer um saber específico, desde o plantio até a colheita e armazenamento.
Na produção das peças artesanais, geralmente não se aplica qualquer
corante sobre a palha de trigo, porém, quando isso é demandado, são usados
corantes naturais, como, por exemplo, corantes a partir de cipó‐índio e casca
de pinheiro araucária.
O saber dos artesãos sobre o processo de produção do trigo peladinho
somou‐se ao saber da Epagri, que, além de resgatar a semente tradicional,
também orienta os produtores no uso das técnicas tradicionais e do Curso
de Ciências Biológicas da Unoesc ‐ que cooperou com o Projeto
compartilhando o seu conhecimento sobre formas de secagem e
armazenamento do trigo.
No início do Projeto Tranças da Terra havia muitos agricultores que
faziam este plantio do trigo específico para o Projeto Tranças. Porém, no
momento da pesquisa, foram identificados apenas três (dois homens e uma
mulher). Um dos motivos é que ele precisa plantar exclusivamente para o
Projeto, porque essa variedade de trigo, o trigo peladinho, tem uma palha
mais comprida, mas não produz grãos muito bons para fazer a farinha. O
agricultor planta o trigo objetivando a produção de farinha, pois lhe gera
maior lucro do que a produção da variedade tradicional, que tem menor
produção de farinha, mas serve para o artesanato.
Essa questão da produção da matéria‐prima causa impacto direto sobre
a possibilidade de continuidade do Projeto Tranças da Terra. Os produtos
203
em palha de trigo consolidam o artesanato tradicional local, estando
relacionados às artes e ofícios dos colonizadores da região do Meio Oeste
Catarinense. Tratam‐se, portanto, de produtos com marcada vinculação a
um território e a uma identidade de uma comunidade local/regional.
204
‐ Porta‐guardanapo flor; de trigo.
‐ Sousplat flor;
‐Trilho mesa flores.
Coleção ‐ Bowl; Os produtos são um resgate das curvas
Curvas da ‐ Bolsa curvas; dos trigais e esculturas religiosas
Terra ‐ Capitel; presentes na região.
‐ Cesta curvas; Todos os produtos são feitos com palha
‐ Chapéu curvas; de trigo.
‐ Rechaud (porta‐velas);
‐ Sousplat caracol;
‐ Anjo;
‐ Minicuia.
Coleção Cores ‐ Americano; Os produtos são coloridos com materiais
da Terra ‐ Bandeja sporta; extraídos na natureza. Todos os produtos
‐ Marcador de livro; são feitos com palha de trigo.
‐ Porta‐guardanapo;
‐ Porta‐cartão sporta;
‐ Descanso de panela
quadrado;
‐ Sporta;
‐ Sporta para vinho.
Coleção ‐ Bromélia; Os produtos são desenvolvidos para
Interiores ‐ Folha (porta‐bala); decoração de ambiente e interiores.
‐ Luminária casulo‐ Todos os produtos são feitos com palha
arandela;; de trigo.
‐ Luminária casulo‐mesa;
‐ Luminária de flor‐
pendente;
‐ Mandala;
‐ Revisteiro.
Coleção Flor ‐ Adorno; Os produtos são inspirados em
de Menina ‐ Baton flor; acessórios femininos.
‐ Cinto flor; Todos os produtos são feitos com palha
‐ Colar flor; de trigo.
‐ Flor‐presilha para lenço;
‐ Prendedor cabelo.
205
4.5 O CAPITAL INSTITUCIONAL E PRODUTIVO DO PROJETO TRANÇAS DA
TERRA
206
seguro a respeito. Atualmente, a associação foi contemplada com recursos
de um projeto do governo federal chamado Rede Solidária. Com o recurso, o
Projeto está construindo um novo espaço, num terreno doado pela
prefeitura de Joaçaba, mas é em um bairro novo, longe do centro. Como não
fica num centro comercial, não será usado como loja, mas como ponto de
encontro das artesãs e para estoque de matéria‐prima e de peças prontas.
No início, o Projeto vendia muito mais para outros estados do Brasil,
como Bahia, Salvador, Minas Gerais e Rio de Janeiro, porque, na visão das
entrevistadas “[...] o nosso estado, a nossa região não valorizava tanto o
artesanato, hoje em dia a situação já mudou muito, e os produtos já são
muito mais valorizados por aqui.” (artesã).
Os mais de 30 produtos diferentes produzidos pelas artesãs do projeto
ajudam na geração de renda às suas famílias, mas de forma pouco
significativa. Esse é talvez um dois maiores desafios do Projeto: encontrar
formas de melhorar as vendas para que se possa aumentar, também, o
retorno para as artesãs participantes do Projeto e, assim, contribuir mais
significativamente para o desenvolvimento regional. As entrevistadas não
passaram os valores atuais percebidos pelos artesãos participantes do
projeto, apenas asseguraram que o valor é baixo.
Tem‐se também um paradoxo: de um lado, o Projeto tem poucos
associados devido à baixa geração de renda, de outro, o projeto fica em
dificuldade para ampliar o volume de produção, pois tem poucos associados.
Esse aspecto constitui‐se num desafio que a Associação terá que enfrentar
em breve.
Busca‐se a inovação constantemente nos produtos. Um exemplo disso é
a coleção mais recentemente lançada, a coleção Flor de Menina, que foi
elaborada para atender especialmente ao público feminino, sendo que foram
criadas presilhas de cabelo, cintos, colares, prendedores, entre outros.
A técnica de costurar a trança para fazer as peças também agrega
valorização ao produto, já que não é usado cola, o que aumenta a
durabilidade dos produtos. Os produtos originais receberam valorização por
meio do design ecológico incorporado.
Um dos pontos críticos no Projeto Tranças da Terra é a demanda por
produtos comerciais e com baixo valor de comercialização, o que dificulta a
venda de algumas linhas mais elaboradas que o Projeto produz. Dessa
forma, os produtos que mais receberam.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
207
favorecem, como a forte identidade cultural dos seus produtos com o
território do Meio Oeste Catarinense. Contudo, há sérios desafios a serem
vencidos, como a baixa geração de recursos para seus associados, o grande
número de artesãos que deixaram o Projeto e a falta de interesse de novos
artesãos de se associarem ao Tranças da Terra.
Observou‐se, ao longo do trabalho de campo, que a atividade artesanal
ainda é percebida como um passatempo para alguns participantes do
Projeto, carecendo de uma dedicação mais contínua de horas de trabalho no
Projeto. Se por um lado a geração de renda extra é baixa, por outro a
produção de peças também é pequena. O dilema para pensar a
sustentabilidade econômica do projeto é como aumentar a produção do
grupo diante um quadro de associados que disponibilizam pouco tempo
para o trabalho no Tranças da Terra?
No que se refere às características da região Meio Oeste Catarinense em
sua relação com o Projeto Tranças da Terra, observa‐se que o Projeto nasceu
de práticas tradicionais já decorrentes entre os imigrantes italianos e
alemães colonizadores da região, bem como do capital social e institucional
presentes nesse território. Os produtos têm forte apelo a essas tradições e
receberam significativo aporte de conhecimento e inovação pela introdução
de design ecológico e pela forma de produção baseada na dimensão
ambiental da sustentabilidade. Contudo, apesar das dimensões cultural e
ambiental serem bem atendidas pelo Projeto, os produtos são de certa
forma elitizados, pois demandam um consumidor que valorize estes
atributos e aceite remunerar o artesão por um produto mais elaborado e
com conhecimento social, cultural e ambiental injetado.
No histórico do Projeto Tranças da Terra percebeu‐se que foi
fundamental para a sua constituição os seminários realizados nos
municípios participantes do projeto, para apresentação e sensibilização
sobre a ideia, para a mobilização e para o cadastramento de pessoas
interessadas em desenvolver‐se nesse ofício. Observou‐se também que de
2006 a 2014 o Projeto recebeu capacitação de diferentes conteúdos e
formas.
Quanto à forma de gestão do Projeto Tranças da Terra, ela se dá por
meio de uma associação formalizada e que recebe apoio institucional de
diversas entidades, sobretudo do Sebrae (SC) e de seis prefeituras da região
Meio Oeste Catarinense. É possível, a partir da observação das
pesquisadoras, que a atual forma de gestão mereça incrementos, sobretudo
na dinamização da estratégia de vendas, na motivação do quadro de
associados, no desenvolvimento de produtos que, resguardando as
dimensões da sustentabilidade, tenham também mercado acessível a um
público maior.
Sobre as potencialidades do Projeto Tranças da Terra em termos de
geração e agregação de renda e como nova alternativa de atividade
208
econômica regional, é necessário uma reflexão e tomada de posição da
diretoria da Associação em conjunto com o Sebrae, entidade parceira, sobre
os rumos para o Projeto. Embora o Tranças da Terra tenha diversos
componentes relevantes como: sustentabilidade social e ambiental, ele não
tem hoje sustentabilidade econômica e não representa fonte de geração de
renda significativa para seus membros e para a comunidade regional. Essa é,
possivelmente, uma grande oportunidade de estudo futura para verificar em
que medida o projeto Tranças da Terra e a sua respectiva associação podem
ser viabilizados do ponto de vista econômico. Acredita‐se que o Tranças da
Terra possa ser viabilizado e alcance novo patamar de sustentabilidade
econômica. Contudo, é necessária uma ampla concentração de esforços de
seus principais atores, especialmente dos artesãos e da diretoria da
Associação, para discutir os rumos do Projeto e permitir a sua emancipação
e consolidação.
REFERÊNCIAS
209
CASSIOLATO, J.E. LASTRES H.M.M. O foco em arranjos produtivos e inovativos locais de
micro e pequenas empresas. In: CASSIOLATO, J.E; LASTRES, H.M.M & MACIEL, M. L.
(Orgs.). Pequena empresa – cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro, RJ:
Relume Dumará, 2003.
CORO, G. Distritos e sistemas de pequena empresa na transição. In: URANI, A; COCCO, G.;
GALVÃO, A. P. (Org.). Empresários e empregos nos novos territórios produtivos: O
caso da Terceira Itália. Tradução: Monié, F; AGUIAR, E; CAMPOS, S. M. Rio de Janeiro:
DP&A, p. 147‐198, 1999.
210
FERNÁNDEZ, V. R.; DALLABRIDA, V. R. Nuevo Regionalismo y desarrollo territorial en
ámbitos periféricos. Aportes y redefiniciones en la perspectiva latinoamericana. In:
FERNÁNDEZ, V. R.; AMIN, A.; VIGIL, J. I. (Comps.). Repensando el Desarrollo Regional –
Contribuciones globales para una estrategia latinoamericana. Buenos Aires: Editorial
Miño y Dávila, p. 481‐519, 2008.
GOMES, P. C. da C. O conceito de região e sua discussão. In: CASTRO, Iná E; CORRÊA, R. L.;
GOMES, Paulo César da C. (Orgs.). Geografia, conceitos e temas. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, p. 49‐74, 1995.
GURGEL, V. Aspectos jurídicos da indicação geográfica. In: LAGARES, L.; LAGES, V.;
BRAGA, C. (Orgs). Valorização de produtos com diferencial de qualidade e
identidade: Indicações Geográficas e certificações para competitividade nos negócios.
Brasília: SEBRAE, 2006.
211
PECQUEUR, B. A guinada territorial da economia global. Política & Sociedade, n. 14, p.
79‐105, abril/2009.
212
CAPÍTULO 11
INTRODUÇÃO
1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública N.04/2012/Universal.
213
regional, com destaque às possibilidades e limites das Indicações
Geográficas no referido território.
2
A Mesorregião Oeste Catarinense baseia-se nas delimitações político-administrativas
estabelecidas pelo IBGE e, também, pela sua formação e identificação histórico-cultural e
socioeconômica.
214
Figura 1: Mapa de Localização da Mesorregião do Oeste Catarinense.
215
Para Poli (1995, p.99), “ [...] o caboclo do Oeste não é simplesmente
originário de cruzamento racial puro, mas do cruzamento de indivíduos já
miscigenados [...] A conceituação de caboclo é muito mais social e econômica
do que racial”. Para o autor, suas origens são ainda bastante confusas, mas
as pesquisas apontam que essa população foi se formando, principalmente, a
partir dos pousos do tropeirismo (caminho das tropas do Rio Grande do Sul
a São Paulo), dos que se deixavam perder pelo caminho ou dos que
buscavam a sobrevivência através da extração e exploração da erva‐mate
pelo interior. Vale observar que os caboclos, de maneira geral, tinham a
posse da terra, mas não a propriedade dela.
As populações caboclas sucederam às indígenas e precederam os
colonizadores imigrantes, sendo que os caboclos viviam, principalmente, da
agricultura de subsistência e da extração da erva‐mate. Por possuir
características de vida e hábitos bastante diferentes dos colonizadores
imigrantes, que chegaram à região objetivando implantar novas relações
econômicas e outros padrões culturais, essa população não se coadunava
com os interesses capitalistas em curso. Por essa razão, os caboclos foram
sendo gradativamente espoliados, marginalizados, expropriados e
explorados pelo processo capitalista.
216
Percebe‐se, também, que, desde o início do processo de
3
desbravamento, é forte o interesse de progresso a qualquer custo, sem
levar em consideração os limites dos recursos naturais e o respeito aos
primeiros habitantes da região, os indígenas e caboclos. D’Angelis (1992), na
conclusão do artigo “Para uma história dos índios do Oeste Catarinense”,
analisa o modelo colonizador agrícola na conjuntura do processo de
ocupação e colonização da região naquela época, afirmando que:
3
Desbravamento - Des + bravo + mento: explorar (terras desconhecidas), limpar, acabar com o
“bravo”: matas, índios, caboclos, etc (FERREIRA, 1998, p. 548). A fim de compreender o
significado desse processo, vale comparar os padrões histórico-culturais dos índios e caboclos
com os dos colonizadores, por exemplo, no que se refere ao uso dos recursos naturais. Na
verdade, os que já habitavam a região (índios e caboclos) eram menos “bravos” e agressivos
com os recursos naturais do que aqueles que vieram “colonizar” (colonizadores).
4
Devoluto – espaço desocupado, desabitado, terras que pertenciam ao Estado/União.
5
Guerra do Contestado – Disputa entre os Estados do Paraná e Santa Catarina por uma área de
terras de aproximadamente 48.000 km². Paralelamente ao conflito local, intensificaram-se as
217
denominados de jagunços.
O conflito do Contestado, ou Guerra do Contestado, como é conhecida,
está vinculado à disputa e divergências de limites territoriais entre o Brasil e
a Argentina, por uma área de terras de aproximadamente 48.000 km² dos
Estados do Paraná e Santa Catarina, conhecido também como a “Questão de
Palmas”. Mocelin (1990, p. 56) define o conflito afirmando que “[...] a Guerra
do Contestado foi uma insurreição camponesa, gerada pelas injustiças
sociais reinantes na época”, sendo que os sertanejos, [...] explorados pelos
estrangeiros, esquecidos pelas autoridades [...], ao seu modo, rebelaram‐se
contra essa ordem econômica, social e política que os sufocava”. Com a
ferrovia feita por uma empresa norte‐americana, veio a guerra pelo
território, pelas riquezas: a madeira e os ervais. Era o começo do século e os
combates envolviam principalmente os caboclos que viviam ali e o governo
com suas ideias de ocupação (FAGANELLO, 1997).
A construção da ferrovia contribuiu para o impulso da colonização,
atraindo colonos, comerciantes, madeireiros e outros, provenientes do Rio
Grande do Sul, e, consequentemente, a plena incorporação da região ao
mercado brasileiro.
218
(...) com a gestação de uma forte demanda por terras por parte dos pequenos
produtores do RS, logo surgiram empresas que viram na colonização uma
lucrativa atividade. Por outro lado, havia por parte do governo do Estado de SC
interesse na consolidação de sua soberania sobre os Campos de Palmas. A
ocupação daquele enorme vazio selaria por fim quaisquer divergências e
proporcionaria ao estado novas fontes de recursos (...). Desta forma tivemos a
conjugação de dois processos históricos ‐ o primeiro relacionado com a
evolução econômica das colônias rio‐grandenses e o segundo ligado à questão
do Contestado ‐ com os interesses da acumulação de capitais. Reuniram‐se
numa grande empreitada o governo estadual, o grande capital multinacional e
o capital nacional (1987, p. 98‐99).
219
recursos florestais e o cultivo do solo, agressivamente (ROSSETTO, 1995, p.
12).
220
pioneira: o Oeste remoto de Santa Catarina não foi desbravado a partir do
litoral, mas por povoadores que vieram do Sul e que exportam os seus
produtos para um mercado localizado a grande distância, mais ao Norte (1979,
p. 295).
221
desafios físicos, sociais ou culturais, dominaram e venceram topografias de
forma a inserirem‐se no mercado num mundo globalizado.
222
incorporada à ética dos colonos, que, associados à tecnologia, resultaram na
alta produtividade, tão necessária à lógica capitalista.
Se a colonização priorizou e facilitou a entrada dos migrantes
descendentes de europeus, cuja racionalidade permite toda forma de
intervenção sobre os espaços "vazios" da natureza, bem como os valores de
uso que primavam por interesses mercantis sobre o meio ambiente, isso não
quer dizer que os agricultores não possuíam também estratégias de
preservação da natureza. Segundo Silvestro,
223
augustifolia ‐, o pinheiro, como é conhecido, que muito influenciou no valor
das terras oestinas, bem como contribuiu fortemente para a opção da
colonização da região. O pinheiro não apenas servia para o uso das
construções na propriedade dos colonizadores, mas agregava também valor
econômico às terras quando vendidas.
Pela abundância de madeira na região do Alto Uruguai nesse território e
em virtude da necessidade que os colonos tinham de estabelecer um
comércio como forma de angariar recursos econômicos, se estabeleceu
comércio com os mercados platinos, conforme expresso por Poli (1995, p.
97): “A indústria madeireira desenvolveu‐se muito à medida que os colonos
foram se instalando, pois as terras eram desbravadas e a madeira vendida. O
baixo preço era compensado pela abundância do produto comercializado”.
O deslocamento da madeira, na forma de toras ou beneficiada, ocorria
6
via balsas durante os períodos de cheias do Rio Uruguai. Apesar da pouca
ou inexistente possibilidade de navegabilidade, nesse trecho, o Rio Uruguai
proporcionou aos colonizadores do Oeste Catarinense, até a década de 1960,
uma importante atividade econômica: serviu de caminho para o escoamento
da madeira para a Argentina e Uruguai. Esse comércio da madeira para os
países platinos proporcionou aos colonos, por muitas décadas, uma
possibilidade de angariar recursos econômicos, provenientes desse
mercantilismo fluvial.
De acordo com Rossetto (1995, p. 13), esse processo era o “resultado de
um desbravamento, ao mesmo tempo intensivo e extensivo, de toda a
região”. O comércio da madeira, por vezes clandestino, com os mercados
argentinos contava com a omissão de fiscalização do governo central, que
silenciosamente permitia essa prática (FAGANELLO, 1997).
A farta existência de mata nativa era um bem natural imprescindível e
propiciava aos colonos uma relativa autossuficiência econômica. Das matas
de suas propriedades, eram extraídas as madeiras que por eles eram
serradas e, com elas, edificadas suas construções (casas, pocilgas, estábulos,
paióis, cercados, pontes, móveis, etc.). Além disso, também confeccionavam
recipientes para o armazenamento de bebidas, grãos e alimentos,
equipamentos, ferramentas de trabalho e outros utensílios.
Os colonizadores se valeram também de uma economia florestal,
calcada na exploração do mato e que resultava em mais um recurso: a lenha.
Esta era utilizada não somente no fogão para cocção dos alimentos, mas
como combustível, para uma série de outras atividades, cotidianamente
necessárias na propriedade e que envolvesse o fogo.
6
Balsas: aglomerado de troncos, toras ou tábuas de madeira, reunidos à feição de jangada, que
desce o rio e, chegado ao destino, é desmanchado, sendo a madeira vendida (FERREIRA,
1998, p. 225).
224
A concepção que os colonizadores tinham, no início do século, em
relação à extração e à exploração das florestas no Oeste Catarinense, mais
precisamente da floresta de araucária, é assim expressa pelo historiador
Nilson Thomé:
225
doação de um pedaço de terra (geralmente de meia colônia a uma colônia)
para cada filho homem adulto que iria constituir uma nova unidade familiar,
à exceção do filho mais jovem, que geralmente herdava a propriedade
paterna. Essa lógica não se sustentava mais.
O modelo agrícola de produção, pautado na teoria da agricultura
moderna, levou os colonos a explorarem intensivamente o solo, como
necessidade de sobrevivência e para fazerem parte do mercado. Sobre essa
forma de utilização dos recursos naturais, Marx assim se manifesta:
226
crescente quantidade de dejetos. Frente a isso, e na tentativa de dar destino
aos dejetos, a alternativa foi de usá‐los como adubo orgânico para a
recuperação dos solos agrícolas. Evidentemente, devido à sua composição,
os dejetos se constituem em bons fertilizantes para as lavouras. Por outro
lado, causam violenta poluição dos solos agrícolas e, por extensão, fontes e
mananciais, comprometendo seriamente a qualidade das águas, o que
repercute na saúde pública da população e na vida das diferentes espécies
animais.
227
conservação dos recursos naturais e, mais especificamente, dos solos. Foi
flagrante a constante preocupação ambiental, expressa por diferentes
setores da sociedade, no que diz respeito às causas da erosão e poluição dos
solos e ao seu uso intensivo. Apontavam‐se essas práticas como
desencadeadoras de intensos prejuízos na produtividade agrícola.
Diante das consequências decorrentes dos ciclos econômicos já
descritos, nos desafiamos a apontar algumas possibilidades e reflexões em
torno de novos cenários econômicos regionais, entre eles as barragens
(produção de energia, instalação de tanques‐rede) e os crescentes
reflorestamentos com espécies vegetais exóticas. Por fim, analisamos os
novos cenários que emergem na economia regional, com destaque para as
possibilidades e limites das Indicações Geográficas no referido território.
228
torna‐se imprescindível destacar a importância do Rio Uruguai no contexto
desse processo de colonização.
As características físico‐geográficas que apresenta o Vale do Rio
Uruguai (encachoeirado, canyons, saltos, corredeiras, etc.), além da
quantidade de água oferecida no conjunto da bacia que forma o rio,
acabaram despertando motivações no governo e na iniciativa privada a
partir dos anos 80, os quais passaram a se interessar pela exploração do seu
potencial hidrelétrico. Não tardou o início de estudos, projetos e
investimentos que resultaram na aprovação e construção de barragens nas
décadas de 1990 a 2010 entre as quais, destacam‐se: Pai Querê, Barra
Grande, Machadinho, Itá, Foz do Chapecó e Itapiranga.
Consideramos importante a geração de energia, pois praticamente todo
o conjunto dos setores produtivos da economia da sociedade moderna está
estruturado sobre essa modalidade energética. No entanto, torna‐se
premente analisar os interesses que estão em jogo para a execução de
megaprojetos como esses. Questionamos se tais iniciativas estão levando em
conta os aspectos histórico‐culturais, econômicos e antropológicos das
populações que vivem ou viviam nesses territórios e que são atingidas pela
construção dessas barragens.
Haveria necessidade de construir obras dessas proporções quando
exemplos e estudos apontam e demonstram que seria possível construir
Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em rios menores com custos
inferiores e com reduzidos impactos, sejam eles sociais, econômicos ou
ambientais? Será que não existiria a possibilidade de aproveitamento de
outros recursos naturais para a geração de energia como, por exemplo, a
eólica e a solar, já que dispomos de tecnologias avançadas, sem causar
tantos impactos?
O Rio Uruguai, formado a partir da junção dos rios Canoas e Pelotas,
serve de divisor dos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Possui aproximadamente 2,3 mil km de extensão e uma média de 400
metros de largura. Junto com outros importantes afluentes, que formam sua
bacia ao longo de sua extensão territorial, tornou‐se historicamente de
grande relevância econômica. O fomento do turismo, proveniente dos lagos,
por exemplo, poderá se constituir numa nova atividade econômica regional,
capaz de estimular o desenvolvimento socioeconômico, gerando,
principalmente, emprego e renda.
Uma das atividades econômicas em curso desenvolvidas no lago da
Usina Hidrelétrica de Itá (UHI) é o Projeto “Tanques‐redes” 7. Tal atividade é
7
Tanques-rede (ou gaiolas): é um sistema de produção de peixes em alta densidade de
estocagem, ou seja, de forma intensiva, cujo resultado final é a alta produtividade. Em geral,
229
incentivada e coordenada pelo Governo Federal através do Ministério da
Pesca e Aquicultura e executado pela Prefeitura Municipal de Concórdia. Os
agricultores ribeirinhos interessados no desenvolvimento da atividade de
piscicultura se organizam em cooperativas denominadas “Colônia de
Pescadores”. É o que ocorreu com a experiência desenvolvida desde o ano
de 2011 e localizada na Comunidade Rural de Pinheiro Preto, interior do
município.
Atualmente, há 166 tanques redes para criação de peixes. Para o ano de
2015, há perspectivas da instalação de mais 200 tanques. A opção da espécie
de peixe é pela tilápia, pois tal espécie adaptou‐se bem ao clima, tem sabor
agradável, aceitabilidade de mercado, além do bom desempenho em termos
de produtividade. Segundo informações dos sócios da Colônia de
Pescadores, são comercializadas, mensalmente, cerca de 20 toneladas de
peixe. Tal atividade está gerando emprego, renda e contribuindo para o
desenvolvimento econômico e social regional.
Além dessa, outras atividades em expansão no Oeste Catarinense são as
plantações de monoculturas (pinus e eucaliptos), principalmente. No
entanto, questiona‐se: quais os impactos ambientais a curto, médio e longo
prazo, decorrentes de tais práticas monocultoras?
Dentro da Mesorregião Oeste Catarinense está o território do Meio
Oeste, conforme a Figura 2, composto por 25 municípios. Sua área territorial
é de aproximadamente 5.780,782 km².
são estruturas retangulares que flutuam na água e confinam peixes em seu interior. Esse
equipamento é constituído, basicamente, por flutuadores (galões, bombonas, bambu, isopor,
canos de PVC, etc.) que sustentam submersas redes de nylon, plásticos perfurados, arames
galvanizados revestidos com PVC, ou ainda, telas rígidas.
230
Figura 2: Mapa de Localização da área de atuação da APROSUI (Associação dos Produtores de Carne
e Derivados de Suínos do Meio Oeste Catarinense).
231
Portanto, criar suínos estava presente na cultura popular dos imigrantes e
seus descendentes. Da carne suína, resultavam os derivados, dentre os
quais, linguiça, "queijo de porco”, torresmo, etc. Tais produtos faziam e
fazem parte da dieta das famílias camponesas. Entretanto, conforme
ressaltado anteriormente, tais práticas tradicionais se transformaram, em
função do processo de modernização da agricultura, em especial devido à
verticalização da produção de suínos e aves, em forma de “integração
agroindustrial” instalada na região a partir da década de 1940. A partir
dessa década, constituíram‐se grandes complexos agroindustriais no Oeste
Catarinense, entre eles, a Seara, a Sadia e a Perdigão (BRF Brasil Foods),
além da Cooperativa Aurora. A viabilidade desses complexos se deu
mediante a implantação de sistemas de integração agroindustrial. Segundo
Mior (2005), a região agrega o maior complexo agroindustrial de carne
suína e de aves do Brasil e América Latina, sendo pioneira no
estabelecimento de um sistema de integração agroindustrial entre grandes
agroindústrias e a agricultura familiar.
Tal sistema é a forma e/ou modalidade como se estabeleceram e se
estabelecem as relações comerciais entre as agroindústrias e os agricultores.
As agroindústrias fornecem os insumos e a assistência técnica aos
agricultores e estes, em contrapartida, disponibilizam as instalações e
recursos naturais, principalmente água e mão de obra. Quando os animais
estão prontos para o abate, as agroindústrias os adquirem e remuneram os
produtores de acordo com interesses industriais e valores do mercado.
Dessa forma, através de um processo verticalizado, a população rural do
território do Oeste Catarinense foi orientada e/ou encaminhada a integrar‐
se aos complexos agroindustirais regionais e produzir produtos (suínos,
aves, bovinocultura de leite, fumo, entre outros) de forma homogeneizada.
Evidentemente, as agroindústrias utilizaram‐se de muitas estratégias para
manter as relações via projetos de integração agroindustrial.
Como resultado, ao longo do tempo, constituiu‐se toda uma estrutura
produtiva na forma de monocultora, com alta dependência do setor
agroindustrial. Com isso, historicamente, esse território passou a depender
quase que exclusivamente da matriz produtiva da agropecuária. Esse
modelo produtivo, até os anos 80, definiu uma forma de gestão do território
associada à forte influência dos interesses dos setores agroindustriais,
vinculados à ampliação da produção, número de produtores e política de
crédito via lógica produtivista, que caracterizou um padrão homogêneo de
desenvolvimento rural e regional (MIOR, 2005).
Por essa razão, constata‐se, atualmente, uma profunda dependência e,
por vezes, dificuldade de desvinculação de tal “modelo” de integração aos
complexos agroindustriais implantados, que prenuncia uma crise no
relacionamento entre agroindústrias e produção familiar, com profundas
232
repercussões no território regional. O processo de produção de suínos, por
exemplo, cada vez mais especializado, tem “[...] levado ao aumento das
escalas de produção e, consequentemente, à exclusão dos pequenos
suinocultores da cadeia” (MIOR, 2005, p. 87).
Essas reflexões remetem à necessidade de estudos que busquem
identificar novas possibilidades produtivas para o território em análise.
Diante desse cenário, por outro lado, será possível pensar em novas
matrizes produtivas para o referido território? O debate sobre as
possibilidades de constituição de Indicações Geográficas8 pode despertar
para novas matrizes produtivas ou novos cenários sociais, políticos,
econômicos e ambientais? Quais as possibilidades de novas Indicações
Geográficas regionais?
No Oeste Catarinense, há a criação de aproximadamente seis milhões de
suínos, sendo esse território identificado nacionalmente pelo profundo
vínculo com tal produção e pela atuação de pequenas, médias e grandes
agroindústrias. Desde 2010, ocorrem iniciativas para discutir a possibilidade
de Indicação Geográfica para a carne suína regional. Dentre as dúvidas que
permanecem, uma delas é: como pensar uma Indicação Geográfica, partindo
da notoriedade dos produtos cárneos suínos, num território dominado pelos
complexos agroindustriais, na perspectiva de inclusão de um maior número
de produtores rurais ao processo de produção e circulação? Tais questões
nos levam a refletir sobre as Indicações Geográficas como potenciais
indutores de desenvolvimento e identidade regional do Oeste Catarinense,
tomando como exemplo o caso da carne produzida na região.
8
Indicações Geográficas são ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais
vinculados a determinados territórios. Normalmente, possuem duas funções principais: agregar
valor ao produto e proteger a região produtora. O sistema de Indicações Geográficas deve
promover os produtos e sua herança histórico-cultural, que são intransferíveis. Essa herança
abrange vários aspectos relevantes: área de produção definida, tipicidade, autenticidade com
que os produtos são desenvolvidos e a disciplina quanto ao método de produção, garantindo
um padrão de qualidade. Tudo isso confere uma notoriedade exclusiva aos produtores da área
delimitada. Ao mesmo tempo em que se possui uma qualidade diferenciada, a mesma está
protegida por esse reconhecimento ser único em meio aos produtores daquela região. As
Indicações Geográficas contribuem para a preservação da biodiversidade, do conhecimento e
dos recursos naturais. Trazem contribuições extremamente positivas para as economias locais e
para o dinamismo regional, pois proporcionam o real significado de criação de valor local. As
Indicações Geográficas são divididas em duas espécies: Indicação de Procedência (IP) – que
valoriza a tradição produtiva e o reconhecimento público de que o produto de uma
determinada região possui uma qualidade diferenciada. É caracterizada por ser uma área
conhecida pela produção, extração ou fabricação de determinado produto. Ela protege a
relação entre o produto e sua reputação, em razão de sua origem geográfica específica; e
Denominação de Origem (DO) – em que as características daquele território agregam um
diferencial ao produto. Define que uma determinada área tenha um produto cujas qualidades
sofram influência exclusiva ou essencial por causa das características daquele lugar, incluindo
fatores naturais e humanos. Em suma, as peculiaridades daquela região devem afetar o
resultado final do produto, de forma identificável e mensurável (SEBRAE, INPE, 2011, p. 16).
233
A discussão sobre a especificação de ativos e recursos territoriais via
Indicação Geográfica ou outras formas assemelhadas estabelece um diálogo
direto com o tema território, identidade territorial e desenvolvimento, a
partir do entendimento de que o desenvolvimento resulta da forma como os
atores se relacionam, atuam e se identificam com um âmbito espacial
específico: o território. Nesse sentido, a partir de 2010, configurou‐se na
região em estudo um conjunto de ações que reuniu diferentes atores sociais
governamentais e não governamentais, tendo em vista a discussão e
elaboração de estratégias para uma possível constituição de Indicações
Geográficas para a carne suína desse território.
No dia 29 de novembro de 2010 ocorreu, no auditório da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), seção de Suínos e Aves de
Concórdia, o I Workshop para discutir a possibilidade de Indicação
Geográfica para carne suína no Oeste de Santa Catarina. O evento teve o
apoio da Associação Catarinense dos Criadores de Suínos (ACCS), do
Instituto Nacional da Carne Suína (INCS) e do SEBRAE. Foi um evento
voltado para associações, cooperativas, criadores de suínos, produtores,
agroindústrias, instituições públicas, técnicos e demais atores envolvidos
direta e indiretamente com a suinocultura regional.
Dando sequência a esse conjunto de ações e proposições, no dia 22 de
junho de 2012 um grupo de pequenos empresários vinculados a frigoríficos
ou agroindústrias constituiu a Associação de Produtores de Carne e
Derivados de Suínos do Meio Oeste Catarinense (APROSUI). A Associação
tem por objetivo buscar o reconhecimento dos produtos cárneos suínos
(defumados, embutidos, recheados, temperados...) no mercado consumidor
via Indicação Geográfica.
Assim, organizados pela Associação e em parceria com Instituições de
fomento e pesquisa, como, por exemplo, a EMBRAPA, através do Centro
Nacional de Pesquisas em Suínos e Aves (CNPSA), buscou‐se identificar a
possibilidade de alcançar o reconhecimento através do registro de Indicação
Geográfica para os produtos cárneos suínos produzidos nesse território.
No dia 12 de setembro de 2012, o superintendente do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) Jacir Massi, o fiscal federal
agropecuário José Carlos Ramos e a advogada da Embrapa e responsável
pelas Indicações Geográficas Suely Silva, receberam em Florianópolis o
presidente do Instituto Nacional da Carne Suína (INCS), Wolmir de Souza, o
presidente da Associação dos Produtores de Carnes e Derivados de Suínos
do Meio Oeste Catarinense (APROSSUI) Altair Dale Laste, e o pesquisador
responsável pela IG da Embrapa Suínos e Aves de Concórdia, Fabiano
Simioni, para definir etapas dos processos de efetivação do Selo de Indicação
Geográfica.
Posteriormente, no dia 20 de setembro, a Superintendência do Mapa
realizou em Concórdia (SC) uma reunião com os frigoríficos e produtores
234
independentes de suínos para estabelecer um cronograma de ações. Entre
os objetivos, buscou aprofundar a discussão e sensibilizar os participantes
do projeto quanto à importância da organização, produção e
industrialização para vencer as etapas. Entre os aspectos mais importantes,
se destacam: organização das etapas de fabricação dos produtos (desde a
criação dos suínos até a industrialização da carne), visão de mercado (como
vai ocorrer a comercialização dos produtos e a agregação de valor) e
aprovação das plantas no serviço de inspeção federal, para que os produtos
sejam comercializados dentro de todo o território nacional.
O presidente do Instituto Nacional da Carne Suína (INCS), Wolmir de
Souza, frisou que, antes do reconhecimento do Instituto Nacional de
Propriedade Intelectual (INPI) sobre a Indicação Geográfica da carne suína
do Meio Oeste Catarinense, os frigoríficos envolvidos no projeto passarão a
vender sob uma marca coletiva: “Esta ação vai abrir o mercado e agregar
valor aos produtos derivados de carne suína da região. Quando a
comercialização da marca iniciar é que o projeto vai estar concluído e apto
para receber a certificação de Indicação Geográfica”. O presidente reconhece
que o processo para a certificação é lento. Necessita de consenso e
comprometimento de todos os envolvidos no projeto para que a carne suína
ocupe o espaço de direito na mesa dos brasileiros e para que a região do
Meio Oeste, tradicional produtora de suínos, ganhe visibilidade no Brasil
como polo de produção de produtos à base de carne suína com garantia de
qualidade e sabor, pontuou o presidente.
Nesse sentido, no dia 9 de maio de 2013, tendo como local o Auditório
do Centro de Eventos de Concórdia, ocorreu o II Workshop sobre Indicação
Geográfica da carne suína do Meio Oeste Catarinense. Entre os objetivos do
Workshop, buscou‐se informar e mobilizar os atores (produtores,
autoridades políticas e empresários, profissionais ligados à cadeia de carne
suína e do turismo regional, entre outros). Além disso, o evento suscitou
pensar em possibilidades de articulação e construção de mecanismos a fim
de legitimar a Indicação Geográfica da Carne Suína nesse território.
Para os organizadores do Evento, o território do Meio Oeste Catarinense
foi um dos berços da suinocultura brasileira, pois os colonizadores alemães
e italianos, principalmente, sabiam criar, manejar e preparar produtos,
primeiramente para sua subsistência , sendo o excedente destinado ao
mercado. Com isso, conferiu‐se e confere‐se a especificidade cultural dos
colonizadores em produzir suínos e derivados e transformá‐los em produtos
diferenciados e qualificados. Assim, a região constituiu‐se em berço e sede
das maiores agroindústrias brasileiras e mundiais, entre elas a Sadia, a
Perdigão e a Aurora.
Além do mais, os organizadores acreditam na possibilidade de
constituição de IG, pois os produtos da carne suína produzidos por pequenas
235
agroindústrias da região possuem qualidade e sabor diferenciado,
principalmente em função do “saber‐fazer popular”, caracterizando o que
tem sido denominado de capital territorial.
O capital territorial constitui‐se na riqueza do território (atividades,
paisagens, patrimônio, saber‐fazer, etc.). Por outro lado, as relações do
território com o exterior são elementos determinantes do capital territorial
(LEADER, 2009). Os atores locais podem ativar e revalorizar o capital
territorial transformando os ativos genéricos em especificidades. Segundo
Rallet (1995), ao serem de natureza única e diferenciada, são dificilmente
transponíveis, ou transladáveis, constituindo‐se em uma das chaves
explicativas da competitividade territorial e do desenvolvimento.
A constituição de uma IG poderá agregar valor aos produtos cárneos,
promover o desenvolvimento socioeconômico e fortalecer toda a cadeia
suinícola, além de fomentar novos desdobramentos ao turismo e estímulo a
outras atividades econômicas, entre elas, o turismo gastronômico.
Entre os parceiros na perspectiva de constituição da IG, está a
EMBRAPA, por intermédio dos pesquisadores do CNPSA. A proposta inicial é
recuperar a genética animal do suíno mouro, do “tipo banha" ou “comum”,
melhorado geneticamente e a não utilização de insumos ou promotores de
crescimento. Para Volmir de Souza, “hoje, vende‐se marca, mas não carne
diferenciada”. Ou seja, o presidente do INCS reporta‐se pela venda de carne
em escala, profundamente vinculada à marca das agroindústrias e não a
produtos com especificidades ou diferenciais.
Além disso, nesse contexto, os recursos e ativos com especificidade
territorial precisam merecer atenção. Eles possibilitam a construção de uma
conformação socioeconômica que destaca a importância dos produtos (ou
serviços) com identidade territorial, para o desenvolvimento. Trata‐se de
ultrapassar a dimensão de uma vantagem comparativa para uma vantagem
diferenciadora, resultante de processos originais de emergência de recursos
e ativos com ancoragem territorial (PECQUEUR, 2009; DALLABRIDA, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
236
depender quase que exclusivamente da matriz produtiva da agropecuária.
Portanto, constata‐se, atualmente, a profunda dependência e, por vezes,
dificuldade de se desvencilhar de tal “modelo de integração” dos complexos
agroinstriais implantados.
Por outro lado, questiona‐se: será possível pensar em novas matrizes
produtivas para o referido território? O debate sobre as possibilidades de
constituição de Indicações Geográficas pode despertar para novas matrizes
produtivas ou novos cenários políticos, econômicos e ambientais? Quais as
possibilidades de novas Indicações Geográficas regionais?
O território do Meio Oeste Catarinense foi o berço do conflito do
Contestado (1912‐1916), a qual desenhou uma história diferenciada sobre
vários aspectos, entre eles, a alimentação dos habitantes desse lugar. A dieta
alimentar da sociedade humana regional antes, durante e após a Guerra do
9
Contestado era a quirera . Nesse sentido, esse alimento humano típico do
território do Contestado poderia constituir‐se numa Indicação Geográfica?
Além disso, pela formação geológica regional, aflora, em diferentes
áreas do território oestino, águas termais. Exemplo disso são os municípios
de Piratuba, Itá e Águas de Chapecó. Regionalmente, o balneário de maior
10
estrutura e movimento de turistas é o de Piratuba, que, igualmente,
poderia se constituir em uma Indicação de Procedência?
Essas e outras questões estão sendo apresentadas na perspectiva de
fomentar o debabe. Aliás, esse é um dos compromissos e uma das funções
sociais da Universidade, ou seja, estar na vanguarda da reflexão, proposição
e ação, e não apenas formar/preparar/qualificar mão‐de‐obra ou
profissionalizar sujeitos para operacionalizar máquinas e produzir
commoditys, mas, sim, estimular a pensar, refletir, criar e empreender.
Assim, pode‐se fomentar o empreendedorismo, o associativismo, o
cooperativismo e, com isso, promover o desenvolvimento social, cultural,
político e econômico. Ou seja, o desenvolvimento regional em suas
diferentes dimensões. Entende‐se por desenvolvimento territorial o
aprimoramento do conjunto de políticas e ações que melhorem a vida das
pessoas e do ambiente de um determinado território.
Obviamente, esse novo processo de desenvolvimento precisa pensar na
perspectiva da inclusão social, de modo a promover produção diferenciada,
qualificada e que distribua renda. Da mesma forma, impõe‐se a necessidade
9
Quirera: milho triturado em pilão. Após triturado e misturado com carne suína, fazia-se a
cocção. Tal alimentação fazia parte da dieta alimentar cotidiana do homem do Contestado.
10
No intuito de procurar petróleo, em 1964 a Petrobrás perfurou um poço com 2.271,30
metros de profundidade. Nos 674 metros, encontrou um lençol de águas sulfurosas. São águas
com temperaturas médias de 37,4º C na fonte. Suas águas são utilizadas para lazer, além de
recomendações no tratamento de reumatismos, úlceras, cálculos renais, hipertensão arterial,
eczema e estresse.
237
de se estabelecer uma nova relação com os recursos naturais, considerados
estratégicos ao desenvolvimento regional, produzindo e cuidando da
qualidade ambiental concomitantemente.
REFERÊNCIAS
238
MARCHESAN, J. A questão ambiental na produção agrícola: um estudo sócio‐histórico‐
cultural no Município de Concórdia (SC). Ijuí: Unijuí, 2003.
MARCHESAN, J. A água no contexto da suinocultura na Sub‐Bacia do Lajeado dos
Fragosos – Concórdia (SC). Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de
Geociências. Florianópolis, 2007. (Tese de Doutorado).
MIOR, L. C. Agricultores familiares, agroindústrias e redes de desenvolvimento
rural. Chapecó: Argos, 2005.
MOCELIN, R. Os guerrilheiros do Contestado. 2. ed. São Paulo: Editora do Brasil, 1990.
MONTEIRO, D.T. Os Errantes do Novo Século. São Paulo: Duas Cidades, 1974.
MOREIRA, R. O que é Geografia? São Paulo: Brasiliense, 1985.
RENK, A. A luta da erva: Um ofício étnico da nação brasileira no oeste brasileiro. 2. Ed.
rev. Chapecó: Argos, 2006.
RENK, A. A reprodução social camponesa e suas representações. O caso de Palmitos‐
SC. Programa de Pós‐Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1997. (Tese de Doutorado)
ROCHE, J. A colonização e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. 806 p.
ROSSETTO, S. Síntese histórica da região Oeste. In: Para uma história do Oeste
Catarinense: 10 anos de CEOM. Chapecó (SC): UNOESC, 1995.
239
THOMÉ, N. São João Maria na história do Contestado. Caçador: UnC ‐ Universidade do
Contestado ‐ Campus Caçador, 1997. 72 p.
THOMÉ, Nilson. Sangue, suor e lágrimas no chão contestado: o homem do contestado,
as causas do conflito, a guerra do contestado. Caçador: UnC ‐ Universidade do Contestado
‐ Campus Caçador, 1992. 110 p.
THOMÉ, Nilson. A devastação da floresta da araucária e a Indústria da Madeira na
região do Contestado no Século XX. ‐ O caso de Caçador. In Anais do II Encontro de
Cientistas Sociais. Vol. II. UNOESC ‐ UNIJUÍ ‐ UNaM. Chapecó (SC) 18 a 21 de maio de
1994.
240
CAPÍTULO 12
INTRODUÇÃO
1
Este artigo foi publicado na revista DRd – Desenvolvimento Regional em debate, v. 4,
jul./dez. 2014. Sua elaboração foi feita no contexto do debate em curso no Grupo de Estudos e
Investigação sobre Signos Distintivos Territoriais, Indicação Geográfica e Desenvolvimento
Territorial (GEDET), no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da
Universidade do Contestado (Santa Catarina). Agradecemos aos colegas pelas críticas e
sugestões, as quais vieram a melhorar a qualidade do texto. No entanto, os posicionamentos
aqui assumidos são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por outro lado, em parte, o
texto resume resultados de dois projetos de investigação em curso: Território, Identidade
Territorial e Desenvolvimento (financiado pela FAPESC); Indicação Geográfica como
alternativa de desenvolvimento territorial (CNPq).
2
Grupo de Pesquisa registrado no CNPq, tendo na coordenação professor do Mestrado em
Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado.
3
Por esse motivo, optamos neste artigo por reduzir o referencial teórico a um conjunto de
categorias conceituais que, na nossa percepção, são básicas para situar o debate sobre
Indicação Geográfica.
241
esforços que os atores territoriais realizam em relação à definição de seu
futuro, afim de que tal estratégia de articulação territorial seja considerada
um meio e não um fim em si mesmo. Partindo dessa compreensão, a IG seria
entendida como uma estratégia, dentre outras, para articulação dos
processos de desenvolvimento territorial. Mesmo não sendo a única, não é a
menos importante, o que justifica o aprofundamento do seu estudo.
Retomando o tema, apresentamos um conjunto de reflexões para
fundamentar o debate sobre a proposta de IG da erva‐mate no Planalto
Norte Catarinense e Centro‐Sul do Paraná, recorte territorial que preferimos
denominar de Território do Contestado, ao mesmo tempo em que nos
desafiamos a fazer projeções.
O presente texto se apresenta como um ensaio, ao mesmo tempo em
que tem um caráter especulativo, na forma de pesquisa‐ação, refletindo
sobre uma determinada realidade e ousando em ser propositivo. Sustenta‐se
em estudos teórico‐analíticos, nacionais e internacionais, além da
experiência recente na investigação sobre o tema IG. Portanto, resulta de
estudos teóricos, de observações e análises oportunizadas por processos de
investigação, além incluir posicionamentos pessoais.
Iniciamos pelo debate teórico, dando destaque a algumas categorias
conceituais que consideramos fundamentais. Na sequência, fazemos a
contextualização da realidade sociocultural e econômica do recorte
territorial no qual está ocorrendo o debate para a proposição da IG da erva‐
4
mate, o Território do Contestado . Logo após, damos destaque a aspectos
práticos relacionados às normativas para o registro de uma IG, tendo como
referência o caso da erva‐mate no Território do Contestado. Finalizamos o
texto com análises e projeções, apontando indicativos em relação ao caso em
referência.
4
Temporalmente, fazemos referência ao segundo semestre de 2014.
242
1.1 TERRITÓRIO
1.2 TERRITORIALIDADE
243
local e que se caracterizem por serem genuínos e com tradição, e (3) o
reconhecimento e a valorização da territorialidade, na perspectiva da
dinamização social, produtiva e comercial, do resgate e valorização das
imagens e símbolos que a população autóctone valoriza. Esses referenciais
devem direcionar a forma de intervenção dos poderes públicos e das
organizações sociais num determinando território (ACAMPORA e FONTE,
2008).
A questão do fortalecimento e capitalização de territorialidades em
favor do desenvolvimento territorial, no caso do Território do Contestado,
implicaria em desencadear um processo de diagnóstico e planejamento
territorial integrado, valorizando todos os componentes do seu capital
territorial.
244
1.4 ANCORAGEM TERRITORIAL
245
o capital territorial, ou seja, os recursos ligados aos territórios, convertendo
aqueles que são genéricos em específicos, resultando numa das mais
importantes estratégias de desenvolvimento territorial.
Na Figura 1 estão representados os componentes do que chamamos de
capital territorial, ao mesmo tempo, integrando as demais categorias
conceituais. A compreensão de tais categorias e sua aplicabilidade e
implicação prática são fundamentais para o adequado direcionamento do
debate sobre a constituição de uma IG. Já tínhamos pensado nisso? Temos
considerado os elementos do capital territorial, integradamente, ao
propormos uma estratégia de desenvolvimento? Ou ainda somos dos que
pensam o desenvolvimento territorial de forma setorializada?
CAPITAL
TERRITORIAL
246
natureza fundamentam‐se num papel insubstituível do Estado, em uma
concepção qualificada de democracia e no protagonismo da sociedade civil,
objetivando harmonizar uma visão para o futuro e um padrão mais
qualificado de desenvolvimento territorial (DALLABRIDA, 2014a).
A menção à governança territorial é utilizada para referir‐se aos
processos de associativismo territorial, sejam eles sob a forma de fóruns ou
conselhos voltados ao debate sobre desenvolvimento regional ou a definição
de políticas públicas, sejam formas de associativismo, tais como, associações
de produtores ou artesãos, pequenas iniciativas na forma de cooperativas,
ou associações de bairros, entre outras. O que diferencia uma ação de
governança é que sempre se trata de intervenção coletiva voltada ao bem
comum do conjunto de atores envolvidos, que inclui atores de caráter
estatal, social e empresarial, integradamente, sustentada em relações
horizontais, onde todos, indistintamente, têm vez e voz. Difere de uma ação
de governo, de cunho vertical, sustentada em parâmetros legais. Da mesma
forma, difere de uma ação do setor empresarial, a qual se rege por
parâmetros de competitividade setorial e de ação privada.
Ousamos em afirmar que processos de desenvolvimento territorial só
são legítimos se geridos por formas de gestão aqui caracterizadas pela
concepção expressa pela categoria conceitual governança territorial.
No caso específico das IG, sua gestão também é realizada por estruturas
associativas, envolvendo atores sociais, empresariais e o Estado. Logo,
podemos fazer referência a tais processos de associativismo territorial como
práticas de governança territorial.
247
valorização de produtos tradicionais vinculados a determinados territórios,
atendendo a duas funções: agregar valor ao produto e proteger a região
produtora (GURGEL, 2006).
Uma IG pode ser de duas categorias. A Indicação de Procedência (IP),
caracterizada por ser área conhecida pela produção, extração ou fabricação
de determinado produto, ou prestação de serviço. Já a Denominação de
Origem (DO) é a categoria onde as características daquele território
agregam um diferencial ao produto, ou seja, um produto cujas qualidades
sofram influência exclusiva ou essencial, decorrente das características
daquele lugar, incluídos fatores naturais e humanos.
Assim, as singularidades vinculadas ao território podem ser
reconhecidas e protegidas mediante a IG, transformando‐se em uma
estratégia a ser considerada no processo de desenvolvimento territorial,
integrando os elementos constitutivos do capital territorial.
248
Em 2012, o jornal O Estado de São Paulo realizou uma série de
reportagens, sendo a principal delas intitulada Os meninos do Contestado. A
expressão meninos é uma referência à população sobrevivente da Guerra do
Contestado, que eram crianças na época do conflito. Vejamos uma referência
6
à população remanescente, feita pelo repórter Celso Junior , que faz pensar
e nos remete ao desafio de buscar superar carências históricas.
O olhar desses meninos revela sofrimento, muito sofrimento, mas por outro
lado revela um olhar guerreiro, de esperança, e quem sabe um dia, esta terra
outrora maldita, tenha dias melhores... O Contestado não é uma guerra do
passado, pois o estado brasileiro ainda não reparou os danos lá causados.
6
O documentário está disponível no site: http://topicos.estadao.com.br/contestado. A citação
acima é um recorte de comentários feitos pelo repórter jornalístico em um vídeo disponível no
site.
7
Os primeiros resultados dos referidos estudos foram apresentados em evento internacional,
na Espanha. O tema está motivando a realização de um convênio entre universidades
catarinenses, dentre elas a UnC, e a Universidad Castilla-La Macha, de Ciudad Real, na
Espanha, o qual prevê o aprofundamento das investigações e a circulação interinstitucional de
professores e estudantes de pós-graduação.
249
com interesses em produtos pouco valorizados localmente, no entanto, com
forte identidade paisagística e cultural e escassa integração dos produtores,
8
como o caso da Erva‐Mate do Contestado ; (4) a área litorânea, que se
estende de norte a sul, com predominância de atividades relacionadas ao
turismo e funções administrativas, com exceção do nordeste, onde se situa
um setor industrial dinâmico, exercendo uma forte pressão de atração de
capitais gerados no interior do estado, a exemplo dos investimentos no setor
imobiliário (DALLABRIDA et al., 2014).
8
Essa situação se repete no caso da atividade extrativo-florestal que serve de matéria prima
para as indústrias de papel e celulose, com acentuada presença no Território do Contestado.
250
9
multifuncionalidades, com padrões de exploração sustentáveis , e (4) uma
excessiva visão agrarista no padrão de desenvolvimento regional, além da
baixa participação cidadã no processo de debate sobre desenvolvimento
regional (DALLABRIDA et al., 2014).
O que aqui chamamos Território do Contestado trata‐se, então, do
recorte que compreende as áreas disputadas pelos Estados do Paraná e
Santa Catarina entre os anos de 1853 e 1917 e onde ocorreram os conflitos
da Guerra do Contestado, entre 1912 a 1916. O conflito representou a
resistência dos camponeses, os ocupantes desse território naquela época,
lutando contra forças militares institucionais que protegiam a ocupação
territorial por formas de colonização que representavam a implantação do
modo capitalista de produção. Os conflitos de resistência se tornam mais
evidentes quando da abertura da estrada de ferro, iniciada em 1890, a qual
resultou na desapropriação de terras situadas no seu entorno. Outro motivo
da revolta dos camponeses foi a presença da empresa madeireira americana
Lumber, que adquiriu na região mais de 3.000 hectares de terras cobertas
por araucárias, ocupadas pelos camponeses que exploravam a erva‐mate
nativa, como meio de sobrevivência.
No aspecto ambiental, a cobertura vegetal que abrigava, além da erva‐
mate, diferentes espécies, tais como a imbuia, as canelas e, em especial, a
araucária, passou a ser objeto da devastação, para ser transformada em
madeira. Concomitantemente, a erva‐mate passa a ser explora por empresas
ervateiras. A própria presença da Lumber, ao impedir a população
camponesa de ter acesso aos ervais nativos nas áreas em que adquiriu ou
em que fazia o corte da madeira, era motivo de revolta para os camponeses.
Tanto a erva‐mate como a madeira passam a ser destinada ao comércio
nacional e internacional.
É nesse contexto sócio‐histórico e econômico que a erva‐mate passa a
ter uma importância diferenciada; antes meio de sobrevivência dos
camponeses, a partir de então, uma mercadoria para comercialização. Todas
essas transformações, aliadas à disputa por limites entre catarinenses e
paranaenses, em grande parte motivada pelo interesse dos dois estados em
tributar a erva‐mate da região, foram motivos de contestação. Daí o nome
Contestado.
É notória a dificuldade para se localizar com precisão o Território do
Contestado. Por exemplo, o Governo do Estado de Santa Catarina definiu as
Regiões Turísticas, dentre as quais está destacada a região do Vale do
9
Uma das poucas exceções em termos de estudos é um trabalho que está em realização no
Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC que estuda as potencialidades
socioeconômicas nas áreas com a presença de remanescentes da Mata Atlântica. Ver resultados
preliminares do estudo em: Petrentchuk, Marchesan e Dallabrida (2014).
251
10
Contestado , conforme o Mapa 1. É uma forma de localização. No entanto, o
mapeamento não abrange toda a área onde predomina a produção ervateira
catarinense, estendendo‐se também no extremo oeste. Além disso, não inclui
a área ervateira do Estado do Paraná, que é contígua, estando presente,
principalmente, no médio vale do Rio Iguaçu. Portanto, o mapeamento não é
suficiente, sendo apenas indicativo, como um ponto de referência inicial.
Fonte: http://www.santacatarinaturismo.com.br/
10
A utilização da expressão Vale não é adequada sob o ponto de vista geográfico, pois, o
recorte territorial situa-se predominantemente numa área de planalto.
252
Figura 3: Recorte territorial da Guerra do Contestado
Fonte: http://www.estadao.com.br/infograficos/os‐principais‐embates‐da‐guerra,160605.htm
253
Figura 4: Mapeamento localizando a área territorial contestada dos estados de SC e PR
254
Tabela 1 ‐ Distribuição do maior volume de produção de erva‐mate nos estados de SC e PR
255
igura 6 ‐ Áreas de localização natural da erva‐mate no hemisfério sul
Fonte: www.google.com.br
256
Por fim, é importante salientarmos que a erva‐mate do território do
Contestado faz parte de um conjunto maior de produtos que apresentam
especificidade territorial, espalhados por todo o Estado de Santa Catarina.
No capítulo 8, já foi feita uma descrição e localização dos principais produtos
regionais que apresentam potencialidades para se transformarem
futuramente em uma IG. Não são os únicos. Com certeza, a estes é necessário
agregar outros. Além dos produtos, temos a área de serviços. Nesse sentido,
poderiam ser mencionadas, por exemplo, áreas turísticas tradicionais, tais
como as regiões de águas termais. Todos os potenciais, no entanto, ainda
carecem de estudos mais aprofundados para que se defina o caráter e a
forma de destacar cada uma das especificidades territoriais apontadas,
como ferramenta para articulação do desenvolvimento dos territórios da
área de abrangência.
257
cuja área de abrangência é extensa, há duas situações: conselhos de
associações de produtores; união das associações e cooperativas de
produtores. Há casos em que a IG é requerida por uma associação de
indústrias, em especial, quando se trata de um produto industrializado,
como o exemplo do couro, produto resultante do processo de
industrialização, no caso, de matadouros ou frigoríficos. É menos recorrente
que o registro de IG tenha sido requerido por cooperativas de produção,
consórcios ou sindicatos de produtores ou de indústrias.
No caso da erva‐mate no Planalto Norte Catarinense e Centro‐Sul do
Paraná, temos dois atores principais envolvidos. Em primeiro lugar e em
maior número, os produtores, na sua maioria de pequeno porte; em
segundo, vem o setor industrial e comercial. O setor empresarial,
atualmente, está organizado, nos estados produtores, pelo Sindicato da
Indústria do Mate, tanto em Santa Catarina como no Paraná e Rio Grande do
Sul, estados brasileiros que concentram a produção e industrialização da
erva‐mate no Brasil. Quanto aos produtores, os mesmos se agregam em
sindicatos de trabalhadores rurais. No entanto, não há no momento
associações de pequenos produtores, em específico da erva‐mate.
Portanto, no caso da IG da erva‐mate, poderão ser caracterizadas duas
situações. O registro poderá ser requerido por um ou mais sindicatos da
indústria do mate. No entanto, há aspectos favoráveis e desfavoráveis. O
favorável refere‐se ao fato de que se trata de estruturas organizacionais já
existentes. Porém, os aspectos desfavoráveis parecem ser em maior número.
Primeiro, é uma representação de apenas um segmento da cadeia produtiva,
o comercial e industrial. Segundo, o setor, apesar de sua importância
econômica, articula uma parcela muito pequena do setor produtivo da erva‐
mate, considerando‐se o grande número de produtores rurais que têm a
erva‐mate como uma atividade econômica prioritária ou complementar.
Ou seja, no caso da proposta de IG da erva‐mate, uma das evidências é
que o setor produtivo, que abrange a maior parte dos atores da cadeia
produtiva, precisa se organizar em uma ou mais associação ou cooperativa
de produtores. Essa é uma exigência com duplo sentido. Primeiro, é a única
forma de um dos elos da cadeia produtiva fazer representar seus interesses
frente ao sindicato da indústria, segmento já organizado. Segundo, o setor
produtivo agrícola precisará necessariamente ter representação e esta não
deve ser minoritária, seja no número de componentes ou, mesmo, no poder
de decisão. A razão é simples: são a maioria e, por que não dizer, a principal
razão de ser, ao se pensar no registro de uma IG como ferramenta para
agregação de valor em todos os segmentos da cadeia produtiva.
258
no mínimo, quatro situações. A primeira e mais comum é a relação do nome
geográfico com a delimitação da área de abrangência. Temos, então, nomes
de um município, a exemplo do caso de Paraty, com a IG da Cachaça Paraty.
Outra situação é associar o nome geográfico fazendo menção a uma
referência de localização regional, a exemplo da Região do Cerrado Mineiro,
com a IG do Café de Cerrado. A terceira situação é associar uma referência
de localização com um produto, a exemplo do Vale do Própolis Verde de
Minas Gerais, para uma DO de própolis recentemente registrada11. Uma
quarta situação é definir o nome geográfico associando localização
geográfica com algum fator de ordem cultural ou histórica. Ex.: Norte
Pioneiro do Paraná, onde está presente a dimensão geográfica ‐ Norte do
Paraná ‐, com um fator histórico, ao referir‐se a uma região caracterizada
pelo pioneirismo no cultivo do café.
Retomemos ao caso da erva‐mate. Mesmo que a discussão ainda esteja
no seu estágio preliminar, das sugestões mais referidas, duas se destacam. A
primeira é o nome geográfico fazer referência à área territorial onde se
concentra a maior produção. Nesse caso, referências feitas são: Planalto
Norte Catarinense e Centro Sul do Paraná; ou Vale dos rios Negro e Iguaçu.
Essas duas referências requerem ser analisadas no espaço, considerando a
necessidade de institucionalizar a regionalização e delimitação da área.
A análise preliminar da realidade socioeconômica e histórico‐cultural
do Contestado parece indicar que o mais adequado é associar o nome
geográfico da IG da erva‐mate, com fatores de ordem histórica e cultural,
além dos de localização. Ou seja, o termo Contestado remete a uma
referência de ordem histórico‐cultual e identitária, fazendo referência à
história de um povo que, graças aos seus valores culturais, rebelou‐se contra
a forma de ocupação territorial, além de ter a erva‐mate como hábito e meio
de sobrevivência. Refere‐se, também, aos aspectos de localização, pois está
institucionalizada pelo Estado de Santa Catarina a região turística do Vale do
Contesta. É claro que o nome vale, não é adequado sob o ponto de vista da
geografia, pois o recorte territorial é constituído predominantemente de
áreas de planalto, o que implica que essa questão seja revista, alterando a
legislação que a institucionalizou. Outro aspecto é o fato de que, caso se
pretenda abranger toda a área de produção da erva‐mate dos estados de
Santa Catarina e Paraná, a regionalização do Vale do Contestado não
contempla o recorte territorial paranaense, como somente parte da área de
cultivo de erva‐mate de SC.
Ou seja, há desafios a serem pensados antes de se definir o nome
geográfico. São alguns exemplos. Qual a área a ser definida para a IG? Qual o
tipo de IG? Caso se opte por uma IG tipo DO, quais características específicas
serão destacadas? Dependendo das opções de respostas, poderá se optar
11
No caso referido, o diferencial do produto é ter coloração predominantemente verde, em
função do tipo de vegetação na qual as abelhas buscam a matéria prima.
259
entre uma das diferentes possibilidades, dentre as quais, apresentamos
sugestões: Território Ervateiro do Contestado; Erva‐Mate Florestal do
Contestado; Território da erva‐mate nativa do Contestado. Mesmo estes
exemplos requerem análises e tomada de posição no que se refere à
oficialização da regionalização, visto que o que temos é apenas o chamado
Vale do Contestado, como região turística.
12
Um deles já mencionado: Marques (2014).
260
3.5 DELIMITAÇÃO DA ÁREA A SER ABRANGIDA PELA IG
261
(DALLABRIDA et al., 2014; MAIORSKI e DALLABRIDA, 2014; SANDER e
DALLABRIDA, 2014; PETRENTCHUK, MARCHESAN e DALLABRIDA, 2014);
(b) estudos de pós‐doutorado realizados em 2013 no Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa, abrangendo experiências de IG do Brasil
e de Portugal (DALLABRIDA, 2014a); (3) estudos realizadas em cinco
experiências brasileiras, cinco de Portugal e duas da Espanha, entre 2013 e
2014, que resultaram já em publicações nacionais e internacionais, tais
como, Dallabrida (2013; 2014b/c) e Dallabrida e Ferrão (2014).
Ainda, durante os meses de julho e agosto de 2014, foram realizados
estudos de investigação pelo Prof. Dr. Julio Plaza Tabasco, da Universidade
de La Mancha (Espanha), em sua atuação na Universidade do Contestado e
outras três de Santa Catarina, como Pesquisador Visitante, projeto
financiado pelo CNPq que teve como tema de estudo a "Erva‐mate como
alternativa de desenvolvimento territorial", contextualizando‐a no estudo
sobre as formas de usos de solo e seus impactos no desenvolvimento
regional. No mesmo período, em evento promovido pelo Programa de
Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado,
juntamente com a EPAGRI de Canoinhas, intitulado III Workshop sobre
Desenvolvimento Regional no Território do Contestado e II Seminário Sistemas
de Produção Tradicionais e Agroflorestais no Centro‐Sul do Paraná e Norte
Catarinense, foram apresentadas por palestrantes brasileiros, portugueses,
espanhóis argentinos, experiências brasileiras e internacionais, cujas
principais conclusões foram condensadas em documento disponibilizado às
13
instituições, lideranças e comunidade regional . Boa parte das conclusões
contidas no documento coincide com os indicativos aqui propostos.
Como já fizemos referência na introdução, há contribuições de um
conjunto significativo de pesquisadores brasileiros e de outros países, que
realizaram investigações e publicaram livros e artigos científicos, tratando
do tema, com análises de experiências brasileiras e europeias. Com base
nisso, acreditamos que é possível afirmar que temos uma base teórica e
prática que pode servir de referencial para propormos indicativos, com o
fim de orientar o processo de discussão e proposição da IG em referência.
Em síntese, tais estudos, somando‐se aos debates já realizados
regionalmente, apontam, no mínimo, seis questões referenciais, conforme
enumeradas adiante.
13
Trata-se do Documento Estratégico sobre Desenvolvimento Regional no Território do
Contestado, o qual pode ser disponibilizado aos interessados, pelos autores.
262
igualitária de todos os segmentos da cadeia produtiva da erva‐mate
(pequenos e grandes produtores rurais e representantes do setor sindical a
que pertencem; setor industrial, setores públicos municipais, estaduais e
federais relacionados ao setor agrícola...), além dos pesquisadores que
investigam o tema.
2. A atividade produtiva da erva‐mate precisa ser considerada na
dimensão do que podemos denominar uma agricultura multifuncional a
serviço do desenvolvimento sustentável (RÉMI, 2010), na forma de sistemas
agroalimentares localizados (SIAL) (REQUIER‐DESJARDINS, 2010), ou
sistemas produtivos locais agroecológicos (VIEIRA et al., 2010), o que implica
em que a avaliação de sua importância como fator impulsionador do
desenvolvimento precisa levar em conta não só os resultados econômicos da
atividade de produção e industrialização, mas sua contribuição na
preservação ambiental, na manutenção do agricultor familiar na sua
propriedade rural e na possibilidade de gerar alternativas futuras de
desenvolvimento, por exemplo, a valorização do patrimônio cultural e
ambiental ou o turismo rural, oportunizando com isso outras formas de
rendimento aos produtores rurais, sustentáveis econômica e
ambientalmente.
3. Da mesma forma que em outras atividades econômicas, no caso da
erva‐mate, é indispensável manter o foco central na agregação de valor aos
produtos, a fim de superar a tradição extrativista predatória e exportadora
de commodities de baixo valor agregado, historicamente presente no
Território do Contestado, o que implica:
a‐ Apoiar pesquisas em realização e incentivar novos estudos, com o
intuito de ampliar o desenvolvimento de novos produtos e subprodutos
oriundos da erva‐mate, tais como, bebidas, refrigerantes, sucos e outros,
tarefa responsabilidade dos órgãos de pesquisa, as universidades e demais
órgãos regionais;
b‐ De parte do setor empresarial, ter o foco na inovação industrial, com
lançamento de novos produtos, priorização da qualidade, além de ampliar o
processamento regional dos mesmos, evitando a comercialização ou
exportação da erva‐mate, como matéria prima semiprocessada.
4. Estudos, como os de Marques (2014), demonstram que em torno de
80% da erva‐mate produzida nas áreas produtoras de Santa Catarina e
Paraná provém de ervais nativos, ou o que também chamamos de "erva‐
mate sombreada". Além disso, a maior parte dessa produção não utiliza
agroquímicos no processo produtivo, o que reforça o indicativo de que seja
adotado como norma para a Indicação Geográfica da erva‐mate regional, na
forma de Denominação de Origem, duas exigências, tais sejam, ser
exclusivamente erva‐mate nativa ou sombreada e cultivada de forma
agroecológica, transformando‐se este no principal diferencial do produto em
263
relação às outras regiões produtoras, consequentemente, atribuindo‐lhe
maior notoriedade e valorização no mercado de consumo nacional e
internacional. A este diferencial, outros podem ser acrescidos, mediante
comprovação.
5. Realizar um inventário definindo e mapeando as áreas com
predominância de localização da erva‐mate sombreada, nos estados de
Santa Catarina e Paraná, caso essa característica seja assumida como
diferencial.
6. Que sejam aprofundados estudos em relação ao melhoramento
genético da erva‐mate, priorizando espécies nativas, originalmente
encontradas na Mata Atlântica da região, com o que, no futuro próximo, se
possa inserir mais este diferencial nas características a serem atribuídas a
erva‐mate que virá utilizar o selo de IG.
14
Conceito proposto por autores clássicos, tais como Oliveira Viana e Maria Isaura Queiroz,
para se referirem às relações de subordinação de senhores sobre escravos, ou, mais tarde, dos
coronéis, representados por grandes latifundiários, sobre as populações locais a eles
subordinadas. Hoje, poderíamos comparar com posturas ainda presentes em algumas regiões,
que se revelam no que chamamos de "votos de cabresto", ou formas correlatas de liderar
antidemocraticamente.
264
renegando práticas invasivas, individualistas e que não privilegiem os
interesses coletivos. Ou seja, o processo de registro da IG ser encarado como
um projeto coletivo, que inclua os diferentes sujeitos do território.
Uma segunda categoria conceitual referida é a identidade territorial,
entendida como elemento diferenciador de um determinado agrupamento
populacional. Conforme já referido, a identidade territorial, ao reafirmar as
normas e valores éticos e comportamentais, contribui para melhorar a
transferência do saber entre as gerações. Além disso, os sentimentos
identitários determinam, no nível local, um apego afetivo aos valores
paisagísticos e culturais do território. Assim, o desenvolvimento territorial
se sustenta na capacidade da comunidade local de valorização do território,
em particular, os recursos que constituem elementos de diferenciação. É o
que parece ser o grande desafio para o Território do Contestado, conforme
apontam estudos anteriormente referenciados.
Outra questão é a concepção de ancoragem territorial. Uma
determinada atividade econômica estar ancorada territorialmente
representa estar enraizada no território. Implica em inverter a lógica
histórica que ocorre em muitas regiões, e também no Território do
Contestado, que atende unicamente a dimensão de apropriação dos recursos
dos territórios. Empresas e produtores rurais precisam ter claro que a IG da
erva‐mate terá maiores contribuições ao desenvolvimento territorial, na
medida em que contribua para aumentar a circulação de renda regional, que
haja comprometimento, por exemplo, com a preservação ambiental, pois, no
caso da erva‐mate, esse é o principal recurso disponível para geração de
emprego e renda.
Tanto a acepção de território, identidade e ancoragem territorial,
remete à noção de capital territorial, como o conjunto dos recursos e ativos
de um determinado território. Trata‐se de enfrentar o desafio de ativar e
revalorizar o capital territorial, convertendo aqueles produtos genéricos em
específicos, resultando numa das mais importantes estratégias de
desenvolvimento territorial (BENKO E PECQUEUR, 2001; PECQUEUR, 2006).
Ou seja, é indispensável dedicar uma atenção especial ao reconhecimento e
valorização das características de especificidade territorial que possui a
erva‐mate do Território do Contestado. Se não for dedicada a atenção
necessária a essa dimensão, no máximo, estaremos dando um pouco mais de
notoriedade ao produto erva‐mate e continuaremos competindo no
mercado nacional e internacional, vendendo mais um commodity.
Sintetizando, a possibilidade de articulação do desenvolvimento
territorial por meio de estratégias tais como o reconhecimento e valorização
das características de especificidade territorial, a exemplo da Indicação
Geográfica, representa associar articuladamente as pessoas, o produto e o
território, como está representado na Figura 8.
265
Figura 8 ‐ Interação entre pessoas, o produto e o território
CONSIDERAÇÕES FINAIS
266
pensarmos na estruturação de centros de investigação, além de atividades
de apoio que possam contribuir na articulação da cadeia produtiva da erva‐
mate, na perspectiva de sua reestruturação, com destaque na inovação e
desenvolvimento de novos produtos.
Um segundo desafio é a necessidade de organização dos produtores
rurais que tem a erva‐mate como uma atividade prioritária ou
complementar se organizarem, de preferência, em microrregiões, seja na
forma de associação ou cooperativas de produtores. Justificando a
proposição, a projeção é de que a IG da erva‐mate venha abranger uma
grande área geográfica, inclusive atingindo mais de um estado brasileiro, no
caso, Santa Catarina e Paraná.
Considerando que, nessa prospecção, teríamos um sindicato da
indústria e uma ou mais estruturas organizacionais dos produtores, seria
prudente que se imagine uma estrutura organizacional, integrando os
diferentes segmentos da cadeia produtiva da erva‐mate. Ressalta‐se esse
indicativo, considerando‐se que a reestruturação da cadeia produtiva da
erva‐mate poderá gerar outras iniciativas produtivas, a exemplo de rotas
turísticas de caráter histórico, cultural e ambiental, o que poderá
oportunizar o surgimento de outras iniciativas empresariais, tais como,
pousadas ou hotéis, restaurantes, empresas de transporte ou turismo,
museus e o comércio de produtos alimentares ou artesanato típico regional.
Ou seja, a estrutura organizacional mais recomendável seria a prevista sob a
forma de União das Associações de Empreendedores no Setor Ervateiro, ou
Consórcio do Setor Ervateiro, ou algo assemelhado. O título poderá ser
acrescido do nome geográfico a ser definido para a IG.
Em relação ao nome geográfico da IG da erva‐mate pela associação de
um produto com destaque no Território do Contestado, incluindo áreas de
Santa Catarina e Paraná, lembramos uma questão adicional: trata‐se
certamente da maior área de erva‐mate do mundo contígua ou próxima, com
predominância quase absoluta da forma de cultivo nativo ou sombreado,
incluindo formas de plantio natural, ou por processos de manejo florestal,
por adensamento em áreas de remanescentes da Mata Atlântica. Além disso,
predomina o cultivo agroecológico.
A questão ecológica é um dos aspectos de maior importância a ser
considerado para o desenvolvimento territorial. É um debate a ser assumido
com discernimento, superando interesses individualistas ou imediatistas,
seja do setor produtivo, comercial ou industrial. É importante ressaltar que
produzir agroecologicamente é conceber a produção agrícola como um
sistema vivo e complexo, integrado na natureza e mantendo a diversidade,
no qual a espécie humana se insere não como predadora, mas como um dos
elementos integrantes e promotora da preservação das demais espécies. O
principal bônus de produzir em sistemas de produção agroecológicos é que,
267
além de produzir alimentos mais saudáveis, os mesmos tendem a ser cada
vez mais valorizados pelo mercado, além de, no caso da erva‐mate, servir
como um diferencial qualificado.
Estudos preliminares apontam que a erva‐mate nativa ou sombreada e
cultivada de forma agroecológica apresenta um sabor mais suave, com
melhor aceitação no mercado brasileiro e uruguaio (LOPES, 2011;
MARQUES et al., 2012), além de que os manejos tradicionais da erva‐mate
junto a ervais florestais, pela maior valorização no mercado, compensaria
uma possível menor produtividade (MARQUES et al., 2014). Tais estudos
precisam ser aprofundados.
Já autores como Chaimsohn et al. (2014), apontam que a erva‐mate
cultivada de uma forma tradicional, ou agroecologicamente, traz vantagens
significativas.
268
de ser tanto críticos como propositivos, estamos abertos a admitir
posicionamentos contrários, no entanto, comprometendo‐nos com o
aprofundamento do debate sobre a temática aqui apresentada.
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272
CAPÍTULO 13
1. INTRODUÇÃO
1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública N.04/2012/Universal.
273
à autenticidade dos produtos, pela ação dos Conselhos Reguladores; facilita
o marketing; promove os produtos típicos; facilita o combate à fraude, o
contrabando, a contrafação e as usurpações; favorece as exportações e
protege os produtos contra a concorrência desleal externa.
É nesse contexto que emergiram recentemente no Brasil discussões
voltadas às contribuições que as IG’s podem oferecer para o
desenvolvimento territorial. Em concreto, este artigo pretende analisar
como o instituto da IG pode promover o desenvolvimento territorial no
espaço rural, identificando pontos fortes e vocações econômicas que podem
tornar a região mais competitiva. A análise será efetuada à luz da
experiência da Indicação de Procedência dos Vales da Uva Goethe, na região
de Urussanga – SC.
Metodologicamente, o artigo vale‐se de uma pesquisa qualitativa e
descritiva, visto que permite ao pesquisador se aproximar da vivência social
do grupo em estudo, entendendo como a construção dessa realidade que se
processou e como naquele contexto se movimenta (SHAW, 1999). E, quanto
aos meios de investigação, classifica‐se como bibliográfica e de estudo de
caso, uma vez que foi realizada como meio de investigação as fontes
secundárias.
A estrutura do artigo é dividida em três partes. Em um primeiro
momento, privilegia‐se uma breve abordagem sobre desenvolvimento
territorial no espaço rural, avançando para uma caracterização da
propriedade intelectual e da relação entre a vitivinicultura e as IG’s. Na
sequência efetua‐se a análise da experiência da Indicação de Procedência
dos Vales da Uva Goethe na região sul de Santa Catarina e, por fim,
apresentam‐se as considerações finais.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
274
sendo palco e ator nas relações que ali são produzidas (SANTOS E SILVEIRA,
2001).
Schneider (2004, p. 99) compreende o território enquanto “[...] um
espaço de ação em que transcorrem as relações sociais, econômicas,
políticas e institucionais. Esse espaço é construído a partir da ação entre os
indivíduos e o ambiente ou contexto objetivo em que estão inseridos”. Nesse
sentido, percebe‐o como dinâmico, em constante transformação e mudança.
Esse dinamismo é configurado tanto pelos atores internos e suas inter‐
relações como pela relação com fatores externos. Resultado de uma
construção social e coletiva, o território é considerado o espaço apropriado
por um determinado grupo que compartilha valores culturais, e se torna
foco do desenvolvimento, não sendo apenas o espaço físico, mas também
ator desse processo. Os territórios são, portanto, realidades em movimento,
nas quais imperaram as relações sociais, e a noção de território designa aqui
o resultado da confrontação dos espaços individuais dos atores nas suas
dimensões econômicas, socioculturais e ambientais (CARRIÀRE e CAZELLA
2006).
O desenvolvimento territorial designa todo processo de mobilização
dos atores que leve à elaboração de uma estratégia de adaptação aos limites
externos, na base de uma identificação coletiva com uma cultura e um
território (PECQUEUR, 2005). A noção de território, portanto, abre caminho
para um avanço notável no estudo do próprio desenvolvimento, já que
sugere uma ênfase na maneira como os diversos atores (privados, públicos e
associativos) relacionam‐se no plano local. O processo de desenvolvimento é
o resultado da forma específica como são usados os fatores materiais e
imateriais disponíveis, com base em ditas relações (ABRAMOVAY, 2006).
No Brasil, o debate em torno do desenvolvimento territorial sustentável
no meio rural intensifica‐se, não apenas como mais uma questão de corte
setorial, mas como um assunto que interessa a toda sociedade. O meio rural
passa a ser visto como um palco para a criação de dinâmicas inovadoras de
desenvolvimento. Isso ocorreu, principalmente nas últimas décadas, quando
a maioria da população brasileira observou o crescimento de uma
urbanização caótica e excessiva e que se torna cada vez mais problemática
em função do agravamento do êxodo rural, sobretudo da população jovem
proveniente do nordeste (ANDION, 2010).
Aliás, o processo de urbanização sempre estará presente nas discussões
relacionadas ao desenvolvimento no meio rural. A verdade é que, como bem
destaca Martini (1993), a redistribuição da população sobre o espaço
obedece à evolução da localização e da reestruturação da atividade
econômica. Ou seja, como a concentração espacial da grande maioria das
atividades econômicas localiza‐se nos grandes centros, é lá que se concentra
também a maior parte da população.
275
Quando se discute e se problematiza o êxodo rural e, em alguns casos,
os processos de litoralização2, é possível deparar‐se com estratégias
interessantes de fortalecimento dos espaços rurais. Na maioria dos casos,
essas estratégias têm demonstrado que os territórios rurais também podem
tornar‐se dinâmicos quando investem na sua multifuncionalidade. Pequenos
produtores rurais podem investir na produção orgânica ou de produtos
tradicionais locais agregando valor a estes produtos e tornando atividade
rentável economicamente. Outro exemplo é o desenvolvimento de
atividades não rurais em espaços rurais como é o caso do turismo.
Nesse cenário, emergem as IG’s como possíveis estratégias de
desenvolvimento ou fortalecimento de espaços rurais, sobretudo nas regiões
mais fragilizadas economicamente. Embora ainda em estágio embrionário
no Brasil, algumas experiências têm demonstrado vitalidade e resultados
positivos no aproveitamento das potencialidades locais, como, por exemplo,
o estímulo à produção e comercialização de produtos tradicionais,
promovendo uma melhoria na qualidade de vida da população autóctone.
Os produtos tradicionais podem ser considerados um importante ativo
para o desenvolvimento, em particular nas zonas rurais. Esse tema constitui
o objeto de uma literatura emergente, que se concentra especialmente na
interface entre o uso de marcas coletivas, as denominações de origem e o
desenvolvimento de atividades relacionadas ao turismo (LORENZINI,
CALZATI e GIUDICI, 2011).
2
É o caso que ocorre no Estado de Santa Catarina.
276
Novos nichos de mercados foram surgindo, adquirindo estratégias de
valorização do produto. A noção de indicações geográficas (IG) foi surgindo
de forma gradativa, quando produtores e consumidores passaram a
perceber sabores ou qualidades peculiares em alguns produtos que
provinham de determinados locais. Essas características não eram
encontradas em produtos equivalentes feitos em outro local. Assim,
começou‐se a denominar os produtos – que apresentavam um diferencial –
com o nome geográfico de sua procedência (FÁVERO et al., 2010).
No Brasil, o marco regulatório sobre propriedade intelectual foi quase
inteiramente renovado na década de noventa. E, dentre as diversas
legislações aprovadas sobre o tema, tem‐se a Lei n.º 9.279/96, denominada
de Lei de Propriedade Industrial (LPI). Quanto às indicações geográficas, a
norma não define o que é, mas estabelece suas espécies: a Indicação de
Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO), inexistindo hierarquia
legal entre elas, sendo possibilidades paralelas à escolha dos produtores ou
prestadores de serviços que planejam buscar essa modalidade de proteção,
atendidos os requisitos da lei e de sua regulamentação.
A Indicação de Procedência (IP) é caracterizada por ser o nome
geográfico conhecido pela produção, extração ou fabricação de determinado
produto, ou pela prestação de dado serviço, de forma a possibilitar a
agregação de valor quando indicada a sua origem, independente de outras
características. Ela protegerá a relação entre o produto ou serviço e sua
reputação em razão de sua origem geográfica específica, condição esta que
deverá ser, indispensavelmente, preexistente ao pedido de registro.
A Denominação de Origem (DO) cuida do nome geográfico “que designe
produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva
ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e
humanos”. Em suma, a origem geográfica deve afetar o resultado final do
produto ou a prestação do serviço, de forma identificável e mensurável, o
que será objeto de prova quando formulado um pedido de registro
enquadrado nessa espécie ante ao INPI, através de estudos técnicos e
científicos, constituindo‐se uma prova mais complexa do que a exigida para
as Indicações de Procedência.
Assim, a DO trata de um direito de propriedade intelectual, associado a
uma região, passível de utilização por aqueles que naquela área explorem
qualquer ramo de produção característico, sendo constituído pelo nome da
localidade, região ou mesmo país. Tem por função designar um produto ou
uma mercadoria originária, cuja qualidade e características são devidas
exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo mesmo fatores
humanos.
Barbosa (2013) aponta que a IP é a expressão ou sinal que indica a
origem geográfica específica de um produto ou serviço. Na DO, além da
277
origem geográfica o produto ou serviço possui características particulares
devido ao meio geográfico em que se encontra, como o tipo de solo que
confere sabores diferenciados, por exemplo a uma uva produtora de vinho. E
no presente estudo, cita‐se como exemplo o Vale dos Vinhedos. Nessa
proteção, podem ser incluídos fatores humanos singulares como as
condições específicas de produção. Por exemplo, a forma ímpar de manusear
o leite para transformá‐lo em queijo.
Nas palavras de Barbosa (2013), se percebe que a disposição feita no
Acordo TRIPs, descreve as IG’s como indicações que identificam um bem
como originário do território, ou de uma região ou de uma localidade, e não
um nome geográfico como na LPI. Dessa forma, o Brasil é mais restritivo ao
condicionar seus registros a nomes geográficos.
Portanto, diferenciando‐se a IP da DO, a primeira poderá ser aposta a
qualquer produto proveniente de uma determinada área, enquanto que DO
assinala um produto que provém de uma determinada região e que, além
disso, é produzido ali segundo métodos particulares associados devido ao
meio geográfico e que adquire especificidades da região.
3
Dados disponíveis em http://www.ibravin.org.br/regioesprodutoras.php
4
De acordo com o dicionário online de português, vitivinicultura é o processo ou
desenvolvimento que envolve o cultivo e/ou a fabricação de vinho. Pode ser entendido ainda
como a atividade que consiste na exploração econômica desse processo.
5
O aumento no consumo dos chamados “vinhos do novo mundo” já preocupa os produtores de
regiões vinícolas tradicionais. De acordo com Novakoski e Freitas (2003) enquanto as
exportações de vinhos europeus cresceram em torno de 20% nos últimos 20 anos, países não
tradicionais nesse setor como Nova Zelândia, EUA, Chile, Austrália, Argentina e África do Sul
experimentaram um crescimento de mais de 50% no mesmo período.
278
produtores de vinho da região mediterrânea. Nas últimas décadas esse setor
tem apresentado um significativo crescimento, principalmente em
decorrência da expansão de áreas cultivadas e da melhoria nas tecnologias
de produção de uvas e vinhos em diversas regiões brasileiras (VIEIRA,
WATANABE e BRUCH, 2012). No contexto da vitivinicultura brasileira,
destaca‐se a Serra Gaúcha como a principal região vitivinícola do Brasil.
Nessa região 12 mil pequenas propriedades rurais cultivam
aproximadamente 31 mil hectares de vinhedos. A região conta com cerca de
600 produtores de vinho, entre grandes empresas, cooperativas e cantinas
familiares (NIEDERLE, 2009).
É justamente a forte ligação com o território que favorece o
reconhecimento6 e o desenvolvimento de IG’s na vitivinicultura. Como
destacam Flores, Falcade e Medeiros (2010) na vitivinicultura o terroir7
pode caracterizar e diferenciar cada produto lhe conferindo uma identidade
própria. Essa identidade pode ser materializada através das IG’s que podem
fomentar e fortificar regiões. Nessa esteira de discussão Sato (2013) lembra
que atualmente no Brasil a IG para vinhos tem sido gradativamente adotada
por associações produtoras de vinhos, principalmente na região sul8, onde a
produção de vinhos finos e espumantes é mais significativa.
As IG’s, comuns na Europa9 e ainda pouco reconhecidas na América do
Sul e no Brasil, podem ser entendidas, do ponto de vista econômico, como
uma estratégia para agregar valor a produtos ou serviços que têm
características próprias, relacionadas ao território ao qual estão inseridas.
Essa agregação de valor pode representar um incremento na renda dos
produtores envolvidos, seja através do aumento no preço dos produtos
oferecidos, no aumento do volume de vendas ou na conquista de novos
mercados. Podem valorizar, também, as tradições locais, fortalecendo a
identidade cultural da região.
As IG’s têm sido amplamente utilizadas nos mercados agroalimentares
para proteger e valorizar produtos de diferentes tipos. Nesse sentido, têm
sido fomentadas iniciativas para que os produtos considerados locais criem
6
É importante destacar que uma IG não se cria, mas, sim, se reconhece.
7
De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), o terroir vitivinícola
compreende características específicas de solo, topografia, clima, paisagem e biodiversidade.
Além disso, seu conceito refere-se ao espaço onde se desenvolve um saber coletivo de
interações entre o meio físico, biológico e práticas vitivinícolas aplicadas (OIV, 2008).
8
A região sul apresenta, até o momento, o reconhecimento de quatro IGs de vinhos: Vale dos
Vinhedos (RS), Vales da Uva Goethe (SC), Vinhos Pinto Bandeira (RS) e Vinhos Altos Montes
(RS). Além destas está em andamento mais um projeto de reconhecimento de IG. Trata-se dos
Vinhos da Campanha, na região de Santana do Livramento- RS (Sato, 2013).
9
Na Europa, esse tipo de dispositivo de diferenciação é conhecido como Denominação de
Origem Protegida (DOP) ou Indicação Geográfica Protegida (IGP) e contempla principalmente
produtos agroalimentares, que podem ser oriundos de transformação agroindustrial ou
produtos in natura (SILVA, et al. 2012).
279
estratégias de diferenciação no mercado a partir das denominações de
origem, a exemplo da qualidade do produto, agregação de valor ao produto,
etc. (VIEIRA e BUAINAIN, 2011).
Estima‐se que o valor gerado pela venda de produtos com IG10 na União
Europeia em 2010 equivale a aproximadamente 54,3 bilhões de euros. Desse
total, os produtos com maior destaque são os vinhos, que representam em
torno de 56%, os produtos agrícolas e gêneros alimentícios em torno de
29% e as bebidas espirituosas11 com aproximadamente 15% do valor total
gerados pelos produtos. Ainda em relação às vendas, o estudo aponta que
60% destes produtos são comercializados no próprio país de produção, 20%
em outros países da união europeia e 20% são comercializados em país fora
da União Europeia. Outro dado importante apontado pelo estudo refere‐se à
agregação de valor aos produtos com IG. De acordo com o relatório do fundo
europeu, estima‐se que esses produtos são comercializados, em média, por
um valor 2,3312 vezes maior que produtos similares sem IG (CHEVER et al.,
2012) 13.
Ao contrário das marcas e das patentes, as IG’s são passíveis de uma
grande variedade de proteções. Podem ser protegidas por legislação sui
generis ou decretos ‐ esse é o sistema adotado pela França e por Portugal,
por exemplo. Outra possibilidade é o registro das indicações geográficas,
adotado pelo Brasil. É possível, também, apoiar‐se na lei contra a
concorrência desleal, ou na noção do ilícito do “passing off,” (fazer produtos
“passarem por” outros), que basicamente preveem práticas comerciais
desleais que não devem ser usadas. O uso de Indicação Geográfica para um
produto que não é proveniente da região indicada seria um ótimo exemplo
da prática da concorrência desleal. Se a proteção for buscar no Direito a
proteção contra ato ilícito, não existem formalidades a cumprir, como o
10
Nessa análise são considerados os produtos reconhecidos com Indicação Geográfica
Protegida e Denominação de Origem Protegida.
11
De acordo com o regulamento europeu, bebidas espirituosas são bebidas que possuem
características organolépticas específicas e um título alcoométrico mínimo de 15 % vol., sendo
produzidas diretamente por destilação, maceração ou adição de aromas ou pela mistura de uma
bebida espirituosa com outra bebida, de álcool etílico de origem agrícola ou de certos
destilados. São exemplos de bebidas espirituosas: o rum, aguardente, vodka.
12
Em relação a esta questão, é importante lembrar que isso não significa que a margem de
lucro desses produtores seja 2,23 vezes maior. É preciso considerar que, muitas vezes, os
produtos com IG e DO têm custos adicionais de produção em relação a seus similares por
necessitarem cumprir normas estabelecidas em seus cadernos de especificações da IG ou da
DO.
13
Os atores desenvolveram um estudo que procurou quantificar o valor econômico da
produção de produtos agrícolas e de gêneros alimentícios, de vinhos, de vinhos aromatizados e
de bebidas espirituosas cujo nome está protegido como Indicação Geográfica ou Denominação
de Origem na União Europeia. Os dados se referem ao período compreendido entre 2005 e
2010. O relatório completo está disponível em: http://ec.europa.eu/agriculture/external-
studies/value-gi_en.htm.
280
registro ou decisão administrativa; ou seja, a parte lesada vai direto aos
tribunais (VIEIRA e BUAINAIN, 2011; VIEIRA, WATANABE e BRUCH, 2012).
As IG’s podem ainda ser protegidas pelo registro de marcas coletivas ou
marcas de certificação. As marcas coletivas, ao contrário das marcas,
pertencem a um grupo de comerciantes ou produtores. A marca de
certificação, por outro lado, não pertence a ninguém: é registrada na
suposição que qualquer pessoa que preencha as condições prescritas pode
utilizá‐la. Por exemplo, o uso da marca de certificação para o queijo Stilton é
reservado a certos produtores que satisfazem as condições exigidas pelo
regulamento de utilização dessa marca (VIEIRA e BUAINAIN, 2011).
Representam, portanto, um instrumento de valorização de tradições,
costumes, saberes, práticas e outros bens imateriais associados à identidade
territorial. Utilizada pelos produtores como um instrumento de agregação
de valor e acesso a mercados e reputadas pelos consumidores como um
mecanismo de garantia de qualidade, as indicações geográficas também são
consideradas como potenciais instrumentos de desenvolvimento territorial,
posto que possibilitam a exploração de ativos intangíveis de difícil
transposição para outros territórios, constituindo uma vantagem
competitiva em mercados cada vez mais marcados pela diferenciação de
produtos (NIEDERLE, 2009; DULLIUS, 2009).
Todavia, existem outros benefícios que também precisam ser
considerados. De acordo com o Cerdan et al. (2010), as IG’s podem gerar
benefícios sociais e culturais, representados pela inserção de produtores ou
regiões desfavorecidas no mercado, e benefícios ambientais, relacionados à
preservação da biodiversidade e dos recursos genéticos locais.
Além disso, é importante destacar as atividades complementares que
podem surgir após a certificação de produtos tradicionais. Na grande
maioria dos casos, as indicações geográficas e as denominações de origem
protegida podem estabelecer relações com outros segmentos que não
tenham ligação direta com o produto certificado. Tal consequência pode
fortalecer atividades importantes, gerando emprego e renda local. É o que
Pecquer (2001) denomina de “cesta de bens e serviços do território”. Um
exemplo são as atividades voltadas ao turismo14.
Locatelli (2007) corrobora com as afirmações de Pecquer ao defender
que é possível observar o desenvolvimento e fortalecimento de atividades
voltadas ao turismo e a gastronomia em muitas regiões que obtiveram o
reconhecimento de IG’s para seus produtos. Para a autora, as IG’s, ao
estimularem a tradição e a cultura de uma região, atraem turistas e
possibilitam a exploração de atividades lucrativas indiretas.
14
Após o reconhecimento da indicação geográfica, o Vale dos Vinhedos estruturou propostas
de roteiros pelas vinícolas (roteiro enológico, gastronômico e cultural), aumentando
significativamente o fluxo de turistas na região e complementando a renda dos produtores,
principalmente das pequenas vinícolas.
281
3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DOS VALES DA UVA GOETHE
282
Mapa 1: Localização da delimitação área IPVUG
283
A região está intimamente ligada à cultura e tradição na produção da
uva e vinho Goethe (savoir faire ou fator humano), apresentando solos e
condições climáticas distintas (fatores naturais). São autorizados para os
vinhos Goethe da IPVUG exclusivamente a variedade de coloração branca,
rosada leve ou vermelho pálido: Goethe (Roger 1), dos clones Goethe
clássica e Goethe primo, em sistema de condução latada (sistema tradicional
utilizado no território delimitado pela IPVUG), em estrutura de pedras de
granito.
O reconhecimento da “Indicação de Procedência” (IP) ocorreu em 2012,
com a concessão do registro publicado na Revista de Propriedade Industrial
do INPI, sob n. 2.145, em 14 de fevereiro. Ainda, diante deste cenário, o
governo de Santa Catarina reconheceu a importância dos “Vales da uva
Goethe”, na região de Urussanga, como território único no Estado,
reforçando o pedido da Indicação de Procedência iniciado junto ao INPI.
E, conforme demonstrado por Vieira, Watanabe e Bruch (2012), com a
concessão do registro pelo INPI da indicação de procedência, criou um
“clima” favorável ao enoturismo15 em Urussanga. Ainda, os vinhos Goethe da
referida região são reconhecidos como verdadeiros terroirs devido a sua
íntima relação com as condições específicas de clima/solos. E, em
decorrência do seu caráter pioneiro em Santa Catarina, serve de exemplo
para o aprimoramento da produção e elaboração dos vinhos, bem como para
um conjunto de práticas agrícolas, que apresente potencial para se
integrarem ao processo de registro das indicações geográficas.
As vinícolas integrantes da IPVUG que elaboram vinhos à base de uva
Goethe e pertencentes à ProGoethe são: Vinícola Mazon ‐ Fundada na década
de 1970 pelos irmãos Genésio e Jayme Mazon, a Vinícola tem por objetivo
seguir a tradição da linha materna da família ‐, os Debiasi, preenchendo uma
lacuna no tradicional ramo da vitivinicultura de Urussanga; Vitivinícola
Urussanga – Proveniente de Longarone, Região do Vêneto, Itália, os Damian
estabeleceram‐se em Urussanga em fins do século XIX‐; Vinícola Quarezemin
‐ Atua desde 2002 na região; Vinícola Felippe – a família é proveniente da
região da Toscana na Itália, vindo para a região no final do século XIX. Além
destas, também cultivam a uva e elaboram vinhos artesanais os associados
Rodolfo Della Bruna, Denner Quarezemin, Deivson Baldin, Raul Savio, Rafael
Sorato, Márcio Scremin e Antonio de Lorenzi Cancelier (Progoethe, 2014).
Após o reconhecimento da IPVUG, foi possível observar algumas
vantagens econômicas importantes. Após dois anos de concessão do
registro, as vinícolas já começam a perceber um aumento nas vendas do
vinho Goethe, em média 20% e, dos espumantes, por volta de 30%, segundo
15
O enoturismo ocorre em função de deslocamentos motivados para o conhecimento do
processo da produção de vinhos, realizando visitas a vinhedos e vinícolas, fazendo parte da
experiência a degustação de vinhos e de seus derivados. Além disso, pode-se caracterizar como
uma atividade do segmento a visitação a festivais de vinhos e/ou mostras de vinhos onde a
motivação principal da viagem seja a degustação de vinhos.
284
apontado pelo presidente da ProGoethe. Esses produtos colocados no
mercado são a primeira safra controlados pelo Conselho Regulador (CR) a
partir das normas implementadas pelo Manual de Controle Interno (MCI),
com os selos nas garrafas.
Ainda, é reconhecido pela ProGoethe que há maior curiosidade por
parte dos consumidores (turistas), decorrente da divulgação dos produtos
advindos da uva Goethe, uma vez que eles vão visitar as vinícolas e já
solicitam o “vinho Goethe”, conforme apontado pelo presidente da
ProGoethe.
Portanto, verifica‐se que o próprio aumento no consumo do vinho
produzido logo deverá ser observado entre consumidores locais e regionais,
que o adquirem nos restaurantes e nas próprias vinícolas da IPVUG e em
algumas cidades do entorno da região do Sul de Santa Catarina.
Outro reflexo importante refere‐se ao acesso a novos mercados. O
reconhecimento da IG do vinho Goethe possibilitou que as vinícolas
comercializem seus produtos nas gôndolas de importantes redes de
supermercados na região, bem como fora do Estado (São Paulo, Rio de
Janeiro e Distrito Federal). Além disso, outras importantes vantagens estão
sendo potencializadas e estudadas, como a inserção do produto
internacionalmente. Para o Conselho Regulador, as vantagens para
pertencer a IPVUG são: reconhecimento da identidade cultural do território
como diferencial competitivo; valorização do produto e da sua terra;
divulgação de seus produtos; melhoria qualitativa dos produtos, bem como
o padrão tecnológico; preservação das características e da tipicidade dos
produtos, que constituem um patrimônio de cada região, entre outros.
Além disso, a aprovação da IPVUG levou os produtores e vinícolas da
região a investirem no desenvolvimento do enoturismo local, voltado ao
vinho, à cultura e à tradição, com o desenvolvimento de outras atividades
relacionadas a estas, tais como hotelaria (hotéis, pousadas), gastronomia
(restaurantes, fabricação artesanal de produtos típicos), enologia e a
valorização da história da imigração italiana. Nesse sentido, a região
prepara‐se para elaborar um plano de desenvolvimento da atividade
turística no espaço rural de maneira integrada com outros municípios da
região, contribuindo para o desenvolvimento territorial desses municípios.
Inclusive, na cidade de Urussanga, já foi realizado um levantamento da
potencialidade do enoturismo, pela Universidade do Extremo Sul
Catarinense – Unesc.
Portanto, o reconhecimento da IP tem como objetivo garantir uma
constância na demanda pelo produto e, se possível, agregar valor, buscar
uma melhoria na geração de renda de seus associados e fomentar o
desenvolvimento local (VIEIRA,WATANABE e BRUCH, 2012).
Finalmente, e não menos importante, os produtos que carregam a
certificação da indicação geográfica trazem consigo uma carga cultural,
285
enraizada nas tradições da região, preservando, dessa maneira, a identidade
do local e valorizando o território.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
286
autores apresentados que as IG’s possibilitam o desenvolvimento territorial,
aproveitando o conjunto natural da sua região, o patrimônio histórico, o
saber fazer, criando um “processo de qualificação” que permite uma
adequada colocação de seus produtos em mercados dinâmicos, as
habilidades artísticas, culinárias e a tradição folclórica de uma determinada
população, em busca da melhoria da qualidade de vida.
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288
DADOS DOS AUTORES
289
Giovane José Maiorki
Graduação em Contabilidade e Mestrado em Desenvolvimento Regional. Atua
professor na Universidade do Contestado Campus Mafra, além de ocupar cargo
administrativo. Endereço para contato: giovane@unc.br.
Jairo Marchesan
Doutor em Geografia. Professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento
Regional da Universidade do Contestado (UnC), Santa Catarina ‐ Brasil. Contato:
jairo.marchesan@gmail.com.
Liliana Locatelli
Bolsista PNPD/Capes, Pós‐Doutoranda em Direito, Grupo de Pesquisa
Propriedade Intelectual, Transferência de Tecnologia e Inovação, na
Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço para contato:
lilianalocatelli00@yahoo.com.br.
Natany Zeithammer
Acadêmica de Medicina Veterinária da Universidade do Contestado – UnC,
Presidente do Diretório Central Estudantil da Universidade do Contestado de
290
Canoinhas (Santa Catarina‐Brasil). Bolsista de Iniciação Científica. Endereço
para contato: ny.zeitham@hotmail.com.
Paulo Moreira
Geógrafo, mestrando no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional
da UnC. Endereço para contato: paulo.apirca@gmail.com.
Suelen Carls
Bolsista CNPq, Doutoranda em Direito, participante do Grupo de Pesquisa
Propriedade Intelectual, Transferência de Tecnologia e Inovação da
Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço para contato:
su.carls@gmail.com.
291
Valdinho Pellin
Graduado em Economia. Mestre e Doutorando em Desenvolvimento Regional na
Universidade Regional de Blumenau. Pesquisador do Núcleo de Políticas
Públicas/FURB. Bolsista Capes Programa Doutorado Sanduíche. Endereço para
contato: prof.pellin@tpa.com.br.
292
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