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Governança nos territórios ou governança territorial:


distância entre concepções teóricas e a prática

Article in Revista Grifos · September 2016


DOI: 10.22295/grifos.v25i40.3356

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4 authors, including:

Valdir Roque Dallabrida Adriana Marques Rossetto


Universidade Federal do Paraná Federal University of Santa Catarina
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SEE PROFILE SEE PROFILE

Eliane Salete Filippim


Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC)
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INDICAÇÃO GEOGRÁFICA E
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL:
reflexões sobre o tema e potencialidades no
Estado de Santa Catarina
Comitê Científico

Ary Baddini Tavares (UNIMESP)


Daniel Arruda Nascimento (UFF)
Deyve Redyson (UFPB)
Eduardo Kickhofel (UNIFESP)
Eduardo Saad Diniz (USP, Ribeirão Preto)
Jorge Miranda de Almeida (UESB)
Marcia Tiburi (Mackenzie)
Marcelo Martins Bueno (Mackenzie)
Maria J. Binetti (CONICET, ARG)
Maurício Cardoso (FFLCH – USP)
Patrícia C. Dip (UNGS/CONICET, ARG)
Saly Wellausen (Mackenzie, Pres.)
Valdir Roque Dallabrida
(Organizador)

INDICAÇÃO GEOGRÁFICA E
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL:
reflexões sobre o tema e potencialidades no
Estado de Santa Catarina

1ª edição

Editora LiberArs
São Paulo
2015
INDICAÇÃO GEOGRÁFICA E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL:Reflexões sobre o tema e
potencialidades no Estado de Santa Catarina
© 2015, O organizador

Direitos de edição reservados à


Editora Liber Ars Ltda

ISBN 978‐85‐64783‐58‐4

Editores
Fransmar Costa Lima
Lauro Fabiano de Souza Carvalho

Revisão e supervisão técnica e ortográfica


Ana Beatriz Lopes Lancha

Editoração
Cesar Lima

Imagem de Capa
Fabio Costa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP

Dallabrida, Valdir Roque


D15d Indicação geográfica e desenvolvimento territorial: reflexões sobre
o tema e potencialidade no Estado de Santa Catarina / Valdir
Roque Dallabrida (org.) ‐ São Paulo: LiberArs, 2015.

ISBN 978‐85‐64783‐58‐4

1. Desenvolvimento Regional – Santa Catarina 2. Indicação


Geográfica – Santa Catarina 3. Desenvolvimento Territorial –
Governança Territorial I. Título

CDD 338.9
CDU 338

Bibliotecário responsável: Neuza Marcelino da Silva – CRB 8/8722

Todos os direitos reservados. A reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio,
das páginas que compõem este livro, para uso não individual, mesmo para fins didáticos,
sem autorização escrita do editor, é ilícita e constitui uma contrafação danosa à cultura.
Foi feito o depósito legal.

Editora LiberArs Ltda


www.liberars.com.br
contato@liberars.com.br
SUMÁRIO

DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E
INDICAÇÃO GEOGRÁFICA: APRESENTAÇÃO DE COLETÂNEA
E INTRODUÇÃO AO TEMA...............................................................................................7

CAPÍTULO 1.........................................................................................................................23
GOVERNANÇA NOS TERRITÓRIOS, OU GOVERNANÇA TERRITORIAL:
DISTÂNCIA ENTRE CONCEPÇÕES TEÓRICAS E A PRÁTICA
VALDIR ROQUE DALLABRIDA ‐ UNC
JAIRO MARCHESAN ‐ UNC
ADRIANA MARQUES ROSSETTO ‐ UFSC
ELIANE SALETE FILIPPIM ‐ UNOESC

CAPÍTULO 2.........................................................................................................................41
A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DE PRODUTOS: UM ESTUDO SOBRE
SUA CONTRIBUIÇÃO ECONÔMICA NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
GIOVANE JOSÉ MAIORKI ‐ UNC
VALDIR ROQUE DALLABRIDA – UNC

CAPÍTULO 3.........................................................................................................................57
A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO CONTRIBUTO PARA
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ANÁLISE A PARTIR DE
EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS NO SETOR VINÍCOLA
SABRINA DHIENIFFER SANDER ‐ UNC
VALDIR ROQUE DALLABRIDA ‐ UNC

CAPÍTULO 4.........................................................................................................................73
O PATRIMÔNIO CULTURAL COMO ATIVO TERRITORIAL
NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
MÁRCIA FERNANDES ROSA NEU ‐ UFPR
PATRICIA DE OLIVEIRA AREA ‐ UNIVILLE

CAPÍTULO 5.........................................................................................................................87
DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL
E INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS AGROPECUÁRIAS
CRISTIANE DE MORAIS RAMOS ‐ UFSC
ADRIANA MARQUES ROSSETTO ‐ UFSC

CAPÍTULO 6.......................................................................................................................105
ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO NO MUNICÍPIO DE CANOINHAS (SC):
UM ESTUDO A PARTIR DO MANEJO DE FRAGMENTOS DE FLORESTA
OMBRÓFILA MISTA E SUA RELAÇÃO COM A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA
LAURO WILLIAM PETRENTCHUK ‐ UNC
JAIRO MARCHESAN ‐ UNC
VALDIR ROQUE DALLABRIDA ‐ UNC
CAPÍTULO 7 ...................................................................................................................... 117
SIGNOS DISTINTIVOS E POTENCIAIS BENEFÍCIOS
AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
SUELEN CARLS ‐ UFSC
LILIANA LOCATELLI ‐ UFSC
LUIZ OTÁVIO PIMENTEL ‐ UFSC

CAPÍTULO 8 ...................................................................................................................... 135


PRODUTOS COM IDENTIDADE TERRITORIAL
NO ESTADO DE SANTA CATARINA: POTENCIAIS PARA
A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA
MAYARA ROHRBACHER SAKR ‐ UNC
NATANY ZEITHAMMER ‐ UNC
STAVROS WROBEL ABIB ‐ UNIVALI
VALDIR ROQUE DALLABRIDA ‐ UNC

CAPÍTULO 9 ...................................................................................................................... 173


CONTRIBUIÇÃO DO QUEIJO ARTESANAL SERRANO PARA O
DESENVOLVIMENTO REGIONAL E PRESERVAÇÃO DOS CAMPOS DE ALTITUDE
DO SUL DO BRASIL
ULISSES DE ARRUDA CÓRDOVA ‐ EPAGRI‐LAGES‐SC
ANDRÉIA DE FÁTIMA DE MEIRA BATISTA FERREIRA SCHLICKMANN ‐ EPAGRI‐LAGES‐SC
CASSIANO EDUARDO PINTO ‐ EPAGRI‐LAGES‐SC

CAPÍTULO 10 .................................................................................................................... 187


DESAFIOS PARA O ASSOCIATIVISMO DE BASE TERRITORIAL:
O CASO DO PROJETO TRANÇAS DA TERRA
ANA LÚCIA BEHREND LISTONE ‐ UNOESC
ELIANE SALETE FILIPPIM ‐ UNOESC

CAPÍTULO 11 .................................................................................................................... 213


FORMAÇÃO HISTÓRICA, TERRITORIAL E ECONÔMICA
DA MESORREGIÃO OESTE CATARINENSE: LIMITES E POSSIBILIDADES DE
CONSTITUIÇÃO DE INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
JAIRO MARCHESAN ‐ UNC
ROSANA MARIA BADALOTTI ‐ UNOCHAPECÓ

CAPÍTULO 12 .................................................................................................................... 241


INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DA ERVA-MATE NO
TERRITÓRIO DO CONTESTADO: REFLEXÕES E PROJEÇÕES
VALDIR ROQUE DALLABRIDA; FERNANDA TEIXEIRA SANTOS; LAURO WILLIAM PETRENTCHUK; MAYARA
ROHRBACHER SAKR; MURILO ZELINSKI BARBOSA; NATANY ZEITHAMMER; PAULO MOREIRA; TIAGO LUIZ
SCOLARO; JAIRO MARCHESAN ‐ UNC

CAPÍTULO 13 .................................................................................................................... 273


INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO POLÍITICAS PÚBLICAS
DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL - O CASO DOS VALES DA UVA
GOETHE
ADRIANA CARVALHO PINTO VIEIRA ‐ UNESC
VALDINHO PELLIN ‐ FURB
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
E INDICAÇÃO GEOGRÁFICA: APRESENTAÇÃO DE
COLETÂNEA E INTRODUÇÃO AO TEMA

Neste livro, retoma‐se o tema da Indicação Geográfica como alternativa


para o desenvolvimento territorial. Trata‐se de uma coletânea de textos, que
resumem os resultados do Projeto de Pesquisa TERRITÓRIO, IDENTIDADE
TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: a especificação de ativos territoriais
como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina,
o qual contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e
Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC). Contou com a colaboração
de colegas de universidades catarinenses, membros da equipe de pesquisa
do referido projeto, seja como pesquisadores ou alunos da Pós‐Graduação e
Iniciação Científica.
A coletânea, na sua primeira parte, reúne textos que refletem questões
relacionadas ao tema Indicação Geográfica (IG). Na segunda parte, são
apresentadas as principais potencialidades de produtos do Estado de Santa
Catarina que têm condições de serem reconhecidas como experiências de
Indicação Geográfica. Além da experiência de IG registrada, o caso do Vale
da Uva Goethe, outros quatro produtos são contemplados com uma análise
mais aprofundada.
Indicação Geográfica, desde 2012, foi tema de investigação e de
publicações, das quais participei, seja como autor, coautor ou organizador
(DALLABRIDA, 2012a/b; 2013; 2014a/b/c; DALLABRIDA, et al., 2013;
2014a/b; DALLABRIDA e MARCHESAN, 2013; DALLABRIDA e FERRÃO,
2014).
Quanto às investigações, Indicação Geográfica foi tema de estudo, até o
momento, em quatro projetos de pesquisa: o primeiro, iniciado em 2012 e
finalizado em 2014, Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a
especificação de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas
regiões do Estado de Santa Catarina, por mim coordenado, na Universidade
do Contestado (UnC), com financiamento da FAPESC; o segundo, Ativos
Territoriais como Estratégia de Desenvolvimento: um estudo sobre a eficácia
da estrutura de governança territorial, como contributo à sustentabilidade
social, econômica e ambiental dos territórios, o qual serviu de base aos
estudos realizados no Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de
Lisboa, referentes ao Plano de Trabalho da Bolsa do CNPq, Pós Doutorado no
1
Exterior (PDE) ; o terceiro, Estratégias de especificação de Ativos Territoriais

1
Está no prelo, na revista EURE (Chile), artigo com os resultados da investigação. Uma
primeira abordagem sobre o tema ativos territoriais foi realizada em Dallabrida e Ferrão
(2014).

7
como alternativa de Desenvolvimento, que servirá como referência às minhas
atividades de investigação, entre 2013 e 2016, relacionados à Bolsa
Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq); por fim, Signos Distintivos Territoriais e
Indicação Geográfica: um estudo sobre os desafios e perspectivas como
alternativa de Desenvolvimento Territorial, iniciado em dezembro de 2014,
com financiamento do CNPq, devendo se estender até 2016.
As iniciativas de investigação e publicações mencionadas convergem no
debate sobre Indicação Geográfica, tendo como substrato o
desenvolvimento territorial e a governança territorial. Ou seja, partem do
entendimento da Indicação Geográfica como meio, o desenvolvimento
territorial como fim e a governança territorial como forma de gestão
societária, tendo por base um entendimento pessoal das referidas categorias
conceituais.

A governança territorial corresponde a um processo de planejamento e gestão


de dinâmicas territoriais que prioriza uma ótica inovadora, partilhada e
colaborativa, por meio de relações horizontais. No entanto, esse processo
inclui lutas de poder, discussões, negociações e, por fim, deliberações, entre
agentes estatais, representantes dos setores sociais e empresariais, de centros
universitários ou de investigação. Processos desta natureza fundamentam‐se
num papel insubstituível do Estado, numa concepção qualificada de
democracia e no protagonismo da sociedade civil, objetivando harmonizar
uma visão para o futuro e um padrão qualificado de desenvolvimento
territorial. O desenvolvimento territorial é entendido como um processo de
mudança continuada, situado histórica e territorialmente, mas integrado em
dinâmicas intraterritoriais, supraterritoriais e globais, sustentado na
potenciação dos recursos e ativos (materiais e imateriais, genéricos e
específicos) existentes no local, com vistas à dinamização socioeconômica e à
melhoria da qualidade de vida da sua população (DALLABRIDA, 2014b, p. 16).

O Projeto de Pesquisa do qual resulta esta coletânea contou com a


atuação de treze professores pesquisadores: Adriana Carvalho Pinto Silveira
(UNESC), Adriana Marques Rossetto (UFSC), Cassiano Eduardo Pinto
(EPAGRI), Eliane Salete Filippim (UNOESC), Jairo Marchesan (UnC), Luiz
Otávio Pimentel (UFSC), Márcia Fernandes Rosa Neu (UNESUL), Patrícia de
Oliveira Areas (UNIVILLE), Rosana Maria Badalotti (UNOCHAPECÓ), Stavros
Wrobel Abib (UNIVALI), Ulisses de Arruda Córdova (EPAGRI), Valdinho
Pellin (FURB) e, como Coordenador, Valdir Roque Dallabrida (UnC). Além
dos pesquisadores, a investigação contou com a participação de quatro
mestrandos: três da UnC (já formados), Lauro William Petrentchuk, Giovane
José Maiorki e Sabrina Dhieniffer Sander; e Cristiane de Morais Ramos da
UFSC. Por fim, contou com a participação de três alunas de Iniciação
Científica: Mayara Rohrbacher Sakr (UnC); Natany Zeithammer (UnC); Ana
Lúcia Behrend Listo (UNOESC).

8
O livro está dividido em duas partes. Na primeira, são tratadas questões
atinentes a um dos propósitos do projeto de pesquisa: o aprofundamento da
compreensão sobre as potencialidades e limites de estratégias de
especificação de ativos territoriais, tais como a Indicação Geográfica, como
alternativa de desenvolvimento territorial.
O primeiro capítulo do livro faz referência à questão da governança
territorial, tema do artigo Governança nos Territórios, ou Governança
Territorial: distância entre concepções teóricas e a prática, o qual contempla
uma avaliação e análises sobre os sistemas de governança territorial
utilizados nas experiências de Indicação Geográfica, tendo como foco o
estudo de experiências brasileiras e de Portugal. Conclui que ainda há uma
grande distância entre as concepções teóricas e as práticas de governança
territorial.
O segundo e o terceiro capítulo, respectivamente, A Indicação
Geográfica de produtos: um estudo sobre sua contribuição econômica no
Desenvolvimento Territorial e A Indicação Geográfica como contributo para o
Desenvolvimento Sustentável: análise a partir de experiências brasileiras no
setor vinícola, resultam de duas dissertações realizadas no âmbito do
Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC, as quais estudaram os
possíveis impactos no desenvolvimento territorial de experiências de IG,
considerando as dimensões econômica, social, cultural e ambiental. Quanto à
dimensão econômica, os resultados obtidos foram suficientes para reafirmar
a importância da Indicação Geográfica como vetor do desenvolvimento de
territórios e regiões, salientando, no entanto, que isso não ocorre de forma
autônoma, mas, sim, pelo envolvimento integrado da sociedade civil e dos
setores da economia que fazem parte do objeto da IG. Já em relação às
dimensões social e cultural, conclui‐se que estão minimamente
contempladas. No entanto, em relação à dimensão ambiental, a preocupação
resume‐se ao atendimento das exigências legais, sendo necessários mais
avanços.
O Patrimônio Cultural como ativo territorial no desenvolvimento regional
é o título do quarto capítulo. Como o próprio título sugere, o objetivo foi
refletir sobre o papel que a educação patrimonial pode ocupar no
desenvolvimento territorial, na medida em que auxilia no reconhecimento e
valorização do patrimônio cultural de uma comunidade. Esse
reconhecimento e valorização, como a autora propõe, poderá elevar a auto‐
estima e, portanto, auxiliar na busca de soluções para o desenvolvimento
solidário. Trata‐se, ainda, de uma reflexão teórica, mas que versa sobre uma
dimensão importante ao se referir ao processo de reconhecimento de uma
IG.
O quinto capítulo ‐ Desenvolvimento, Sustentabilidade Ambiental e
Indicações Geográficas agropecuárias ‐ traz uma reflexão sobre o papel das
Indicações Geográficas na promoção do desenvolvimento regional, dando

9
ênfase ao aspecto ambiental. Inicia pela explicitação das premissas que
sustentam a relação intrínseca entre desenvolvimento e território e como a
demarcação de uma IG pode estar associada à sustentabilidade. Com base na
legislação brasileira e o Guia para a Solicitação e Registro das Indicações
Geográficas de Produtos Agropecuários, elaborado pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), expõe alternativas para que
o aspecto da sustentabilidade ambiental seja inserido de forma mais efetiva
nas premissas das IG.
Reafirmando a dimensão da sustentabilidade ambiental antes referida,
o sexto capítulo ‐ Alternativas de desenvolvimento no município de Canoinhas
(SC): um estudo a partir do manejo de fragmentos de floresta ombrófila mista
e sua relação com a indicação geográfica ‐ aborda o tema, demonstrando
como alternativas de desenvolvimento que utilizem ou não a estratégia da
IG, podem contribuir, não só para geração de emprego e renda, mas também
como uma estratégia de preservação e regeneração de fragmentos florestais.
A erva‐mate é um dos muitos exemplos em que sua valorização por meio do
reconhecimento de uma IG pode contribuir para a preservação e
recuperação das matas nativas.
Já o último capítulo da primeira parte do livro ‐ Signos Distintivos e
potenciais benefícios ao Desenvolvimento Territorial ‐ apresenta trata da
gestão dos ativos intangíveis do território, focalizando os direitos de
propriedade industrial das marcas de produtos e serviços, marcas coletivas
e de certificação e as Indicações Geográficas, destacando que a formalização
desses institutos potencializa sua valorização e os protege juridicamente no
mercado, podendo alicerçar a economia de uma região e compor estratégias
de promoção do desenvolvimento territorial.
A segunda parte do livro atende a um dos propósitos do projeto de
pesquisa em referência: mapear as principais potencialidades de
especificação de ativos territoriais situadas nas diferentes mesorregiões
catarinenses, na forma de signos distintivos com potencial de registro, seja
na condição de Indicação Geográfica ou Marca Coletiva. Vai além do
mapeamento, contemplando a caracterização e apontamento de potenciais
em cinco regiões do Estado de Santa Catarina.
Assim, o capítulo oito – Produtos com Identidade Territorial no Estado de
Santa Catarina: potenciais para a Indicação Geográfica ‐ identifica e
caracteriza os produtos catarinenses que apresentam potencialidades para
adquirirem o reconhecimento como IG, destacando sua localização,
possíveis impactos econômicos e as formas de valorização assumidas local e
regionalmente. Como ponto de partida, foi utilizado um estudo preliminar
realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
2
(SEBRAE) utilizando uma metodologia própria para tal . Além da

2
Um dos propósitos do projeto de pesquisa que resultou neste livro era propor indicativos
metodológicos que facilitassem a prospecção de ativos e recursos com especificidade

10
experiência de IG já reconhecida, o Vale da Uva Goethe, são apontados vinte
e sete produtos com potencialidade de registro, distribuídos nas
mesorregiões catarinenses. Algumas experiências merecem uma atenção
especial, tal como o caso da erva‐mate.
Na sequência, os capítulos nove, dez, onze e doze registram e
caracterizam experiências de produtos com potencialidade para o
reconhecimento de IG, em quatro regiões do Estado de SC: a Serra
Catarinense (queijo serrano); o Meio Oeste (tranças da terra); o Oeste
Catarinense (suinocultura); o Planalto Norte (erva‐mate). Os capítulos são,
respectivamente: (1) Contribuição do Queijo Artesanal Serrano para o
desenvolvimento regional e preservação dos campos de altitude do sul do Brasil;
(2) Desafios para o associativismo de base territorial: o caso do Projeto
Tranças da Terra; (3) Formação histórica, territorial e econômica da
Mesorregião Oeste Catarinense: limites e possibilidades de constituição de
Indicações Geográficas; (4) Indicação Geográfica da erva‐mate no Território
do Contestado: reflexões e projeções. Trata‐se de quatro experiências sobre as
quais já existem iniciativas em andamento, em especial, a primeira e a
quarta.
O último capítulo ‐ A utilização das Indicações Geográficas como políticas
públicas de desenvolvimento territorial rural: o caso dos Vales da Uva Goethe ‐
diz respeito à única experiência de IG registrada no Estado de SC. Uma das
observações feitas pelos autores no capítulo, refere‐se ao que se espera das
experiências de IG: as IG podem ser entendidas, do ponto de vista
econômico, como uma estratégia para agregar valor a produtos ou serviços
que têm características próprias relacionadas ao território ao qual estão
inseridas, e, consequentemente, fortalecer o desenvolvimento territorial,
principalmente em espaços rurais. Assim, em relação à única experiência de
IG catarinense, os autores afirmam o que todos almejamos constatar quando
do registro de uma IG: após o reconhecimento, se observou importantes
vantagens, sobretudo econômicas, como o aumento nas vendas e o acesso a
novos mercados. Além disso, identificou‐se o desenvolvimento de atividades
complementares tais como o enoturismo e a preservação da identidade
local.
É importante lembrar os principais resultados esperados, quando da
elaboração do projeto de pesquisa. Como uma forma de prestação de contas,
transcrevemos no quadro a seguir os resultados esperados e uma avaliação
da sua eficácia.

territorial. No entanto, apesar dos esforços, não foi possível concluir esta tarefa a tempo de
finalizar um texto possível de ser contemplado neste livro. Ficou como tarefa adicional às
atividades do projeto de pesquisa, assumida por três pesquisadores da equipe, a ser finalizada
até o primeiro semestre de 2015, que fará parte de outra publicação.

11
Quadro 1 ‐ Análise dos resultados esperados e avaliação da eficácia

Resultado esperado Avaliação da eficácia


‐Tomar conhecimento e sistematizar o A execução do projeto de pesquisa, para muitos dos
estado da arte sobre o tema território, pesquisadores envolvidos, foi a primeira oportunidade de
identidade territorial e desenvol‐ tomar contato com o tema Indicação Geográfica. Sem
vimento, especificação de ativos dúvida, pelas leituras exigidas aos autores para elaboração
territoriais e Indicação Geográfica. de seus textos, a experiência de muitos em analisar
práticas, a oportunidade de participar do debate sobre o
tema, seja em reuniões da equipe de trabalho, ou pela
‐Situar no contexto do tema, questões participação em eventos, os temas território, identidade
como a concepção de território, territorial, ativos territoriais e Indicação Geográfica
identidade territorial e desenvolvi‐ passaram a fazer parte das leituras e da compreensão de
mento. um grupo multidisciplinar de pesquisadores, atingindo a
quase totalidade das universidades catarinenses. A
qualidade e diversidade de enfoques que os textos contêm,
demonstram isso, além do interesse do grupo em
continuar estudando o tema em outras investigações.
‐Tomar conhecimento e sistematizar a Além do exercício da leitura, da escrita e da análise de
atual situação, funcionamento, experiências regionais catarinenses, mesmo que em graus
avanços e desafios das experiências de diferenciados, a equipe tomou conhecimento da situação,
especificação de ativos, no sentido de com suas potencialidades, mas também com seus desafios,
contribuírem para a qualificação de em relação às experiências de IG brasileiras e
processos de desenvolvimento (local, internacionais. Essas experiências, algumas visitadas pela
regional, territorial). equipe, serviram para aprofundamento dos estudos sobre
o tema no Estado de SC.
‐Elaboração de um quadro síntese, Os artigos da segunda parte do livro atendem ao propósito
demonstrando a situação da(s) de elaboração de um quadro síntese sobre as
experiência(s) de especificação de potencialidades de IG no Estado de SC. Além do
ativos territoriais catarinense, as mapeamento, foram caracterizadas cinco experiências de
potencialidades que se apresentam e produtos com potencial para o reconhecimento de futuras
sua contribuição no desenvolvimento. IG.
Por outro lado, análises oportunizadas pelas visitas
‐Apreender as principais lições que realizadas em experiências brasileiras, seja pelos
podem ser retiradas das experiências pesquisadores, ou mesmo pelos alunos, quando da
brasileiras já solidificadas de realização de suas pesquisas de campo, foram da maior
Indicação Geográfica para a realidade importância. Servirão como reflexões e análises, que
catarinense, as quais poderão servir poderão servir de referência para pensar políticas públicas
como recomendações para as políticas relacionadas às IG no Estado de SC.
públicas estaduais. É importante, ainda, salientar que, além dos estudos
realizados por ocasião da presente investigação, outros
projetos de pesquisa paralelos, já finalizados ou em
processo de execução, como os relacionados na parte
inicial deste texto, serviram para aprofundar temas aqui
previstos e até avançar na discussão da temática. Neste
sentido, um exemplo é o projeto de pesquisa recentemente
aprovado no CNPq, o qual dará continuidade aos estudos
aqui iniciados. Fazemos referência ao Projeto de Pesquisa
Signos Distintivos Territoriais e Indicação Geográfica: um
estudo sobre os desafios e perspectivas como alternativa de
Desenvolvimento Territorial. A proposta de investigação é
ousada, pois reúne uma rede de pesquisadores do Brasil,
Argentina, Espanha e Portugal, propondo‐se avaliar
experiências destes países, por meio de estudos
documentais e bibliográficos, realização de reuniões de

12
trabalho com pesquisadores e especialistas, visitação de
experiências e entrevistas com atores dos territórios
envolvidos. Como questões orientadoras, que ao mesmo
tempo servirão como referencial metodológico nos
estudos, visitações e entrevistas, foram escolhidas as
seguintes: (1) Qual compreensão e o que ocorre na
realidade sobre a relação entre Indicação Geográfica e
Desenvolvimento Territorial? Meio, fim principal, relação
dialógico‐dialética? (2) Qual o papel das estruturas de
governança territorial, ou seja, das formas de
planejamento e gestão das dinâmicas territoriais, tais
como, as que ocorrem em experiências de associativismo
territorial no campo da Indicação Geográfica? (3) Os
processos de gestão de Indicações Geográficas em que
aspectos se assemelham à concepção de gestão estratégica
(ou empresarial), ou de gestão social, ou societária? Que
implicações práticas decorrem disso? (4) Até que ponto a
dinâmica territorial constituída pelo processo de
estruturação e gestão da Indicação Geográfica tem se
constituído num programa integrado de desenvolvimento
territorial, ultrapassando a dimensão de territórios‐zona
aos territórios‐rede, rumo a uma nova inteligência
territorial? (5) Os recursos e ativos territoriais que
compõem o que chamamos de Capital Territorial até que
ponto são considerados na definição de uma experiência
de Indicação Geográfica? Qual seu potencial para servir de
referência para avaliar as condições necessárias para
propor uma experiência de Indicação Geográfica? (6) Qual
o papel do patrimônio cultural e das relações identitárias
para impulsionar a organização dos ativos ou recursos
territoriais, que possam resultar em Indicações
Geográficas? (7) Quais os principais desafios em relação às
questões de ordem legal nas experiências de Indicação
Geográfica? (8) Qual o papel desempenhado pelas
atividades turísticas nas experiências de indicação
Geográfica? Fator impulsionador, resultante,
complementar, ou ambos? (9) Como é internalizada na
prática das experiências de Indicação Geográfica a
concepção de sustentabilidade ambiental? Quais os
aspectos reais e potenciais e suas implicações? (10) Até
que ponto os benefícios oriundos de experiências de
Indicação Geográfica são socializados territorialmente?
(distribuição dos resultados entre os atores territoriais)
(11) Sistematizando, resumidamente, de que natureza são
os principais desafios e potencialidades de experiências de
Indicação Geográfica? O estudo, no final, resultará em
publicação de artigos científicos e de livros, com os
resultados da investigação. Com os estudos, pretende‐se
contribuir na qualificação das políticas públicas brasileiras
voltadas ao apoio de novas e atuais iniciativas de
Indicação Geográfica, qualificando o debate acadêmico,
social e institucional. É importante salientar que a rede de
pesquisadores tem um caráter multidisciplinar. A única
restrição em relação ao projeto referido é que necessita de
um maior aporte de recursos financeiros para a execução
na sua totalidade, problema que se espera que seja
equacionado pela sensibilização dos órgãos estatais
financiadores sobre a importância de estudos com essa
envergadura.

13
Propor indicativos de políticas Este propósito, em boa parte, foi atingido, principalmente,
públicas para o Estado de Santa nas análises e indicativos propostos nos textos desta
Catarina, com vista à utilização dos coletânea. A caracterização e análise de experiências, seja
recursos e ativos com especificidade a já consolidada, o caso do Vale da Uva Goethe, ou mesmo
territorial como apoiadoras das as que estão em processo de discussão, contemplam
estratégias de desenvolvimento (local, indicativos interessantes.
regional, territorial). Por outro lado, parte dos pesquisadores está envolvida em
atividades acadêmicas (orientação de alunos, ou
realizando projetos de pesquisa ou extensão) ou de
participação comunitária, assessorando experiências (caso
da Uva Goethe, Queijo Serrano, Tranças da Terra, Erva
mate, Suinocultura do Oeste Catarinense), outros
participando de fóruns formais ou oficiais. É o caso de
pesquisadores da equipe de pesquisa do presente projeto,
que participam da Câmara Setorial de Certificação de
Qualidade dos Produtos Agropecuários de Santa Catarina,
da Secretaria Estadual da Agricultura e Pesca do Estado de
SC, fórum oficial no qual serão discutidas e propostas
políticas públicas para certificação territorial, como o
exemplo da IG. Como ação concreta, no caso da Câmara
Setorial, já foram apresentados, a convite da coordenação,
os resultados preliminares do presente projeto de
pesquisa, ainda em 2014, além da disponibilização do
presente livro aos atores e instituições que compõem a
mesma.

Fonte: Elaboração própria

Reconhecemos que não é comum esta forma de prestação de contas à


sociedade, em relação aos resultados de investigações custeadas com
recursos públicos. Como equipe, entendemos ser indispensável.
Por fim, este texto apresenta dois propósitos: primeiro, retomar
algumas categorias conceituais que se constituíram no referencial teórico
básico da presente investigação; segundo, reafirmar que a Indicação
Geográfica não deve ser vista como fim e, sim, como um meio no processo de
desenvolvimento territorial.
Uma categoria conceitual que precisa ser lembrada é ativos e recursos
territoriais. Ativos são fatores em atividades, enquanto os recursos são
fatores a revelar, a desenvolver, ou ainda a organizar, como potenciais reais.
Tomemos como exemplo a existência de um tipo especial de solo, num
determinado território. Enquanto não aproveitado na sua totalidade,
permanece como recurso; na medida em que sua utilização é plena,
aproveitando suas potencialidades na produção de cereais, ou outros
possíveis usos, passa a ser um ativo.
Os recursos e ativos podem ser materiais ou imateriais. Materiais são
ativos ou recursos que uma determinada região ou território possuem,
possíveis de utilização e aproveitamento, tais como: matérias‐primas
vegetais e animais; rochas, solo e minérios; instalações, equipamentos e
máquinas utilizados no processo de produção; bens de consumo e uso;

14
tecnologia empregada na produção, etc. Imateriais, são ativos ou recursos
que uma determinada região ou território possuem, não necessariamente
possíveis de serem manipulados, no entanto, que interferem no dinamismo
socioeconômico e cultural, tais como: saber‐fazer local, ou conhecimento
acumulado historicamente; propensão à cooperação, confiança,
associativismo, ou outras que contribuem para estimular o dinamismo
sociocultural e a agregação de valor material e imaterial local; nível de
escolaridade; cultura local.
Ativos ou recursos, sejam eles materiais ou imateriais, podem ser
genéricos ou específicos. Ativos e recursos genéricos são totalmente
transferíveis e seu valor é um valor de troca, estipulado no mercado via o
sistema de preços. Em geral, também são classificados como commodities.
Exemplos de ativos genéricos: matérias‐primas exploradas, equipamentos
em uso, conhecimentos codificados; tecnologia geral utilizada na produção,
força de trabalho não qualificada, conhecimento, fatores estes em utilização
no processo de produção. Já os ativos e recursos específicos, possibilitam um
uso particular e seu valor constitui‐se em função das condições de seu uso e
apresentam um custo de transferência que pode ser alto e irrecuperável.
Exemplos de ativos específicos: matérias‐primas locais raras, em utilização
ou passíveis de exploração e uso; força de trabalho qualificada;
conhecimentos e tecnologias raras ou inovadoras possíveis de serem
utilizadas na produção; conhecimentos acumulados que tenham
3
especificidade local; ambiente institucional favorável .
Tomando como exemplo a produção de queijo num determinado
território, ele será genérico quando o mesmo não tenha qualquer
diferenciação do que é produzido em outros lugares. No entanto, na medida
em que o mesmo tenha um diferencial, resultante do saber fazer, da cultura
ou da tradição local, ele passa a ser específico.
O conjunto dos ativos e recursos genéricos e específicos, materiais e
imateriais, constituem o que podemos chamar de capital territorial, definido
em documento da LEADER (2009) como o conjunto dos elementos de que
dispõe o território ao nível material e imaterial e que podem construir
vantagens ou desvantagens, dependendo de sua qualificação. O capital
territorial remete para aquilo que constitui a riqueza do território
(atividades, paisagens, patrimônio, saber‐fazer, etc.), na perspectiva, não de
um inventário contabilístico, mas da procura das especificidades que
possam ser valorizadas.
O debate sobre o tema Indicação Geográfica exige que se tenha um
entendimento aprofundado sobre a diferença entre ativos e recursos
materiais e imateriais, pois os processos de certificação de produtos dos

3
A abordagem sobre recursos e ativos é feita com base em Benko e Pecqueur (2001).

15
territórios estarão sempre focados nos que têm um caráter de especificidade
territorial, ou seja, os específicos. Da mesma forma, para o reconhecimento
de experiências de IG é indispensável considerar o conjunto dos fatores que
constituem o capital territorial, abrangendo as dimensões do capital
produtivo, natural, humano, intelectual, cultural, social e institucional, na
perspectiva de um projeto integrado de desenvolvimento territorial.
Sobre as categorias Desenvolvimento e Governança Territorial já
fizemos referência no início deste texto. Resta uma pergunta para
ampliarmos a reflexão: porque o uso da categoria conceitual
Desenvolvimento Territorial, ao se fazer referência ao tema Indicação
Geográfica?
Tanto autores como leitores, por vezes, utilizam as categorias
conceituais Desenvolvimento Regional e Territorial, como sinônimas. Ambas
têm um sentido comum: estarem se referindo a processos de mudança
continuada, situados histórica e territorialmente, que resultem na
dinamização socioeconômica e na melhoria da qualidade de vida de sua
população. No entanto, concordamos com Rallet (2007, p. 80), quando
afirma que se trata de duas noções distintas:

Desenvolvimento regional e desenvolvimento territorial são duas noções


distintas. Elas remetem a duas maneiras diferentes de apreender os espaços
geográficos na sua relação com o desenvolvimento [...]. O desenvolvimento
territorial faz referência a um espaço geográfico que não é dado, mas
construído. Construído pela história, por uma cultura e por redes sociais que
desenham suas fronteiras. O conteúdo define o recipiente: as fronteiras do
território são os limites (móveis) de redes socioeconômicas. Ali onde a rede se
extingue, termina o território. A iniciativa surge menos de uma instância de
planificação do que de uma mobilização das forças internas.

Para Jean (2010), o conceito de desenvolvimento territorial rompe com


tradições mais antigas sobre desenvolvimento regional, articulando duas
noções: território e desenvolvimento. Tomando como exemplo o estudo das
regiões rurais, Abramovay (2010) afirma que a noção de território [e, por
extensão, desenvolvimento territorial] favorece o avanço em vários
aspectos. Primeiro, convida que se abandone um horizonte estritamente
setorial, que considera a agricultura como um único setor e os agricultores
como os únicos atores. Segundo, a noção de território impede a confusão
entre crescimento econômico e o processo de desenvolvimento, noções que
são distintas. Terceiro, o estudo empírico dos atores e de suas organizações
torna‐se absolutamente crucial para compreender situações localizadas,
tendo a compreensão que esses atores provêm de vários setores econômicos
e possuem origens políticas e culturais diversificadas. Quarto, o território
coloca ênfase na maneira como uma sociedade utiliza os recursos de que
dispõe em sua organização produtiva e, portanto, na relação entre sistemas
sociais e ecológicos.

16
Reforçando essa linha de argumentação, Bonal, Cazella e Maluf (2008)
reafirmam a multifuncionalidade da agricultura contemporânea e sua
relação direta com o desenvolvimento territorial.
A argumentação de Ambramovay (2010) é reforçada, ainda, por outros
autores, tais como, Froehlich e Dullius (2011, p. 226):

A dimensão territorial do desenvolvimento enfatiza o estudo das redes,


convenções e instituições que permitem ações cooperativas capazes de
enriquecer o tecido social de uma determinada região. Essa abordagem supõe
a dinamização de áreas contradizendo as teorias que relegam ao mundo rural
um papel secundário no desenvolvimento contemporâneo. A ruralidade deixa
de ser uma etapa do desenvolvimento social a ser superada com o avanço do
progresso e urbanização, passando a ser um valor para as sociedades
contemporâneas.

Já Pecqueur (2009) é enfático ao situar os elementos constitutivos da


dinâmica territorial nos processos de desenvolvimento contemporâneo.
Para o autor, uma economia não situada é impensável. A ancoragem
territorial se tornou uma constante da organização econômica do mundo.
"Uma economia outra que não a geográfica [ou territorial] tem todas as
chances de parecer irreal da perspectiva atual gerada pelos processos de
globalização" (PECQUER, 2009, p. 105). Apesar da perspectiva otimista ou
indicativa apresentada pelo autor, da importância e indispensabilidade da
ancoragem territorial das firmas, em muitos territórios dos chamados países
subdesenvolvidos predominam empresas multinacionais que, pelo
contrário, podem ser consideradas como "enclaves territoriais" (SANTOS e
SILVEIRA, 2001), ou seja, direcionam sua ação numa única lógica, qual seja
de usurpar riquezas dos territórios, sem enraizar‐se ou lhes proporcionar
vantagens significativas.
Mas a prática do desenvolvimento territorial tem desafios. Assim sendo:

O desenvolvimento territorial pressupõe também que cada território deva


construir, por meio de uma dinâmica interna, seu próprio modelo específico de
desenvolvimento. Pois o modelo que obteve êxito num dado território e, num
dado momento, pode muito bem fracassar em outro território... Promover com
êxito o desenvolvimento territorial pressupõe um processo de aprendizagem
social [...] (JEAN, 2010, p. 74‐75).

A acepção atribuída à categoria ancoragem territorial se aproxima ao


que outros autores se referem como territorialidade. Albagli (2004, p. 63)
ressalta a necessidade de revalorização do território e da territorialidade, a
partir de suas diferenças e especificidades socioculturais, políticas e
econômicas, afirmando que considera possível “fortalecer territorialidades”,
estimulando laços de identidade e cooperação baseados no interesse comum
de proteger, valorizar e capitalizar aquilo que um dado território tem de seu

17
– suas especificidades culturais, tipicidades, natureza enquanto recurso e
enquanto patrimônio ambiental, práticas produtivas e potencialidades
econômicas. No entanto, conclui: “Mas dificilmente será possível construir
territorialidades a partir do externo sem uma base prévia, sem uma dotação
inicial de ‘capital socioterritorial’, acumulado e herdado a partir de
processos históricos de mais longo prazo”.
Sintetizando a abordagem dos autores mencionados ‐ Rallet (2007);
Jean (2010); Bonal, Cazella e Maluf (2008); Ambramovay (2010); Froehlich
e Dullius (2011); Pecqueur (2009); Santos e Silveira (2001); Albagli (2004) ‐
, consideramos necessários os seguintes destaques: (1) é mais adequado se
utilizar a acepção de desenvolvimento territorial, por esta ressaltar a
dimensão da intersetorialidade, da multifuncionalidade e da ação coletiva
territorializada na busca de soluções para o território e projeções do futuro
desejado; (2) só teremos produtos que tenham condições de serem
reconhecidos com o atributo da Indicação Geográfica, num entorno
territorial em que elementos, tais como a territorialidade e a identidade
territorial, com suas referidas acepções, estejam presentes de forma
significativa; (3) a Indicação Geográfica diz respeito ao reconhecimento de
produtos com ancoragem territorial, produtos enraizados no território, que
resultem do saber fazer coletivo e representem os elementos identitários, a
cultura, as tradições e as técnicas das pessoas que habitam determinado
território.
No nosso entendimento, esses indicativos teórico‐práticos, precisam ser
referências indispensáveis, no debate sobre Indicação Geográfica e sua
relação com Governança e Desenvolvimento Territorial. Desconsiderar esses
indicativos pode implicar no insucesso de experiências de IG e reduzir seus
possíveis impactos no desenvolvimento dos territórios atingidos.
No entanto, é fundamental reconhecer que não se constroem
territorialidades, identidades, a partir do externo. Reconhecem‐se as
mesmas, desde que haja um acumulo prévio, herdado a partir de processos
históricos de mais longo prazo. Talvez, a falta desse acúmulo histórico, seja a
principal causa que explique o fato de que experiências de Indicação
Geográfica já reconhecidas no Brasil não tenham prosperado,
permanecendo total ou parcialmente inativas. Essa é uma questão da maior
importância, o que exige investigações para avaliar a validade desta hipótese
e propor avanços que possam superar os desafios que motivam seu
insucesso.
Portanto, para finalizar este texto introdutório, queremos assumir um
posicionamento pessoal, entendendo que, integralmente ou em parte, seja
do conjunto dos pesquisadores que participaram da presente investigação,
sobre uma questão frequentemente discutida: a Indicação Geográfica deve
ser vista como fim ou meio no processo de desenvolvimento territorial?

18
O questionamento é oportuno, pois, mesmo que atualmente um número
maior de pesquisadores entenda a Indicação Geográfica como ferramenta ou
estratégia no processo de desenvolvimento territorial, é possível interpretar
ações práticas voltadas ao seu apoio, ainda, como demasiadamente
finalísticas. Ressaltamos: a Indicação Geográfica não deve ser vista como fim
e, sim, como um meio no processo de desenvolvimento territorial. Essa
interpretação não restringe a importância do reconhecimento de produtos
com Indicação Geográfica. Taxativamente, reafirmamos que os processos de
certificação territorial de produtos, como a Indicação Geográfica, têm
maiores chance de êxito se estiverem inseridos numa proposta integrada de
desenvolvimento territorial.
Não importa o tamanho do recorte territorial a que esteja se referindo,
podendo ser uma pequena localidade, uma região definida como o exemplo
do Planalto Norte Catarinense, ou mesmo recortes macrorregionais, como o
exemplo do Território do Contestado, que abrange parte dos estados de
Santa Catarina e do Paraná.
Para finalizar, um agradecimento especial à FAPESC, pela
disponibilização de recursos financeiros que viabilizaram o custeio das
atividades de investigação, bem como a impressão do presente livro. Da
mesma forma, como coordenador do projeto de pesquisa, agradeço o
empenho de todos os colegas pesquisadores das diversas universidades
catarinenses, os quais espero contar como parceiros em outros projetos ou
atividades. Também, não se poderia deixar de expressar um agradecimento
especial à direção e às coordenações de cursos das universidades
participantes, pelo apoio e disponibilização de nossos tempos acadêmicos, o
que permitiu nos envolver nas atividades de pesquisa. Obrigado a todos.
O Organizador

REFERÊNCIAS

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competitiva. Brasília: SEBRAE, p. 23‐69, 2004.
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Florianópolis, v. 11, n. 32, p. 31‐50, jul./dez. 2001.
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20
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Rumo a um desenvolvimento territorial solidário para um bom desenvolvimento dos
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PECQUEUR, B. A guinada territorial da economia global. Política & Sociedade, n. 14, p.
79‐105, abril/2009.
RALLET, A. Comentários do texto de Oliver Crevoisier. In: MOLLARD, A. et al. Territoires
et enjeux du développment régional. Versailles: Éditions, 2007.
SANTOS, M.; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI.
Rio de Janeiro: Record, 2001.

21
CAPÍTULO 1

GOVERNANÇA NOS TERRITÓRIOS, OU


GOVERNANÇA TERRITORIAL: DISTÂNCIA ENTRE
CONCEPÇÕES TEÓRICAS E A PRÁTICA1

Valdir Roque Dallabrida ‐ UnC


Jairo Marchesan ‐ UnC
Adriana Marques Rossetto ‐ UFSC
Eliane Salete Filippim ‐ UNOESC

INTRODUÇÃO

Uma das inovações recentes nos territórios é a utilização de diferentes


estruturas de governança territorial. Utiliza‐se o conceito Governança
Territorial, apresentado em Dallabrida (2011), para referir‐se ao conjunto
de iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade
organizada territorialmente para gerir os assuntos públicos a partir do
envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e
institucionais, incluindo o Estado nas suas diferentes instâncias.
Os recortes territoriais podem ser regiões administrativas, regiões
metropolitanas, áreas de abrangência de comitês de bacias hidrográficas, um
município ou parte dele, um bairro, ou mesmo a área de abrangência de
2
experiências de Indicação Geográfica (Brasil ). No entanto, o recorte que
venhamos a identificar como um território pode estar demarcado por laços
de identidade territorial, condição necessária a uma maior participação
democrática dos cidadãos no destino de seu entorno espacial.
Neste artigo pretendemos retomar reflexões teórico‐práticas sobre
governança, dando destaque à dimensão territorial.
Após a introdução, apresentamos os procedimentos metodológicos que
orientaram o trabalho, para, na sequência, sintetizar o debate teórico sobre
território, identidade territorial e governança, destacando as principais
abordagens e os desafios da sua prática apontados por autores

1
Artigo com publicação na Revista Grifos da Unochapecó. Numa primeira versão, o texto foi
apresentado no 19º Congresso da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Regional
(APDR), na Universidade do Minho (Braga-Portugal), entre 20 e 22 de junho de 2013.
2
Indicação Geográfica aproxima-se em significado ao que se denomina Designação de Origem
Protegida em Portugal, ou experiências referidas por categorias conceituais correspondentes,
em outros países.

23
contemporâneos. A análise de práticas de governança a fazemos tendo como
base o processo de descentralização político‐administrativa do estado de
Santa Catarina (Brasil) e cinco experiências de Indicação Geográfica (IG)
brasileiras. Por fim, fazemos algumas considerações finais.

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este artigo resulta de estudos realizados em dois momentos: primeiro,


3
em Projeto de Pesquisa realizado entre 2010 e 2012 ; o segundo, de estudos
4
de experiências brasileiras de IG, em 2013 . No primeiro, foram realizadas
entrevistas com atores de todas as macrorregiões do estado de Santa
Catarina, sobre a prática de governança que ocorrem nas SDR. Além disso,
foi citada, de maneira a exemplificar, uma prática de governança que ocorre
nos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (CDR) do Estado de Santa
Catarina, por meio da consulta a artigos publicados em periódicos que se
referiam ao tema e com base em estudos anteriores dos autores. No
segundo, foram sistematizadas análises resultantes de observações quando
da visitação de experiências brasileiras de IG’S, realizadas de janeiro a maio
de 2013, em entrevistas a atores qualificados, por meio de questões
semiestruturadas.
Como categorias e critérios de análise foram utilizados os seguintes: (1)
processo de discussão (canais de inclusão, qualidade da informação, órgãos
de acompanhamento); (2) inclusão (abertura dos espaços de decisão,
aceitação social e valorização cidadã); (3) pluralismo (participação de
diferentes atores); (4) igualdade participativa (formas de escolha dos
representantes, valorização das intervenções dos atores envolvidos); (5)
autonomia (origem das proposições, perfil da liderança, possibilidade de
exercício da vontade política individual e coletiva); (6) bem comum (alcance
5
dos objetivos e aprovação dos resultados pelos atores envolvidos) .

3
Refere-se ao Projeto de Pesquisa GESTÃO TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO:
Descentralização, Estruturas Subnacionais de Gestão do Desenvolvimento, Capacidades
Estatais e Escalas Espaciais da Ação Pública, o qual contou com apoio financeiro da FAPESC
e da Universidade do Contestado (UnC).
4
Trata-se de atividades inseridas no Projeto de Pesquisa TERRITÓRIO, IDENTIDADE
TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO: a especificação de ativos territoriais como
estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, em realização entre
2013 e 2014, com o apoio financeiro da FAPESC, contando na sua equipe com pesquisadores
de universidade de todo o Estado de Santa Catarina.
5
Utilizou-se como referência Villela (2012), com adaptações. A aplicação destas categorias e
critérios de análise, no processo de investigação realizado em 2013 demonstrou a necessidade
de aperfeiçoamento metodológico.

24
2. O DEBATE TEÓRICO SOBRE GOVERNANÇA TERRITORIAL E
DESENVOLVIMENTO

O debate sobre governança territorial pressupõem noções introdutórias


sobre a concepção de território, que segundo Haesbaert (2007), na Ciência
Geográfica considera três vertentes básicas, sendo elas a política, a cultural e
a econômica. Segundo o autor, a vertente política destaca as relações
espaço‐poder e concebe o território como espaço delimitado e controlado,
muitas vezes relacionado ao poder político do Estado, e que atualmente,
porém, incorpora múltiplos poderes. A vertente cultural entende o território
como produto da apropriação e da valorização simbólica de um grupo em
relação ao espaço vivido, ao cotidiano. Já a vertente econômica o considera
como fonte de recursos ou como produto da divisão territorial do trabalho.
Ainda, para Haesbaert (1997), o território precisa ser compreendido numa
perspectiva integradora, ou seja, como um domínio politicamente
estruturado e também como apropriação simbólica, identitária, inerente a
certa classe social, com o que a identidade territorial é definida histórica e
territorialmente.
Dallabrida (2011) sintetiza essas vertentes e concebe o território como
uma fração do espaço historicamente construída através das inter‐relações
dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam no âmbito
espacial, apropriada a partir de relações de poder sustentadas em
motivações políticas, sociais, ambientais, econômicas, culturais ou religiosas,
emanadas do Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituições ou
indivíduos. Portanto, tal concepção é considerada neste estudo.
O estudo das especificidades do território, segundo Pecqueur (2009, p.
96‐97), exigiria tomar como unidade de análise o território, não o sistema
produtivo nacional, o que se constitui uma novidade essencial na percepção
dos sistemas de organização da economia. O território, concebido como

[...] um espaço postulado e pré‐delimitado, no qual se desenvolvem dinâmicas


específicas sob a égide das autoridades locais. O território é, também, ou
sobretudo, o resultado de um processo de construção e de delimitação
efetivado pelos atores.

Tais atores locais têm interesses diferenciados, o que torna mais


desafiante qualquer intervenção. Em outra obra, Pecqueur (2005) afirma
que o desenvolvimento territorial constitui um modelo de desenvolvimento
dotado de características bem precisas que lhe são próprias e que se apoiam,
essencialmente, na dinâmica de “especificação” dos recursos por um
conjunto de atores constituído num “território”.
Assumimos aqui a concepção de desenvolvimento territorial expressa
em Dallabrida (2011, p. 19):

25
O desenvolvimento (local, regional, territorial) pode ser entendido como um
processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade organizada
territorialmente, sustentado na potencialização dos recursos e ativos
(materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes no local, com vistas
à dinamização econômica e a melhoria da qualidade de vida de sua população.

Com isso, estamos reafirmando que a denominação de território, trata‐


se de um recorte espacial onde convivem pessoas com identidade própria, e
que pode ser um espaço de conflito e disputa de poder. Assim, necessita de
estruturas de governança para a gestão das demandas coletivas e para o
desenvolvimento territorial.

6
2.1 O DEBATE CONTEMPORÂNEO SOBRE GOVERNANÇA

Recorrendo à literatura internacional, é possível encontrar diferentes


concepções sobre governança, pois, como colocado por Romero e Farinós
(2011), governança é ainda um conceito polissêmico e ambíguo. Num
extremo, estão as que sobrevalorizam o caráter empresarial, como as
abordagens que versam sobre governança corporativa; no outro,
concepções que se referem a formas de governança democrática,
compartilhada entre os diferentes atores sociais, institucionais,
governamentais e empresariais.
Entre as concepções de governança encontramos abordagens sobre: (1)
Governança Corporativa (COASE, 1967; ANDRADE E ROSSETI, 2004;
LORRAIN, 1998); (2) governança, como Nova Gestão Pública (BRESSER
PEREIRA e CUNILL, 1999; HOOD, 1991); (3) “Boa Governança” (WORLD
BANK, 1992); (4) governança, como Sistemas Sócio‐Cibernéticos
(KOOIMAN, 1993; 2003; 2004); (5) governança, como Redes Auto‐
Organizadas, com suas variações teóricas ‐
Governance/Gouvernance/Governança, Governança Moderna, Governança
Relacional (RHODES, 1996 E 1997; STOKER, 1998; MAYNTZ, 1998; 2001;
ROSENAU e CZEMPIEL, 1992; SORENSEN e TORFING, 2005; KAZANCIGIL,
2002; CZEMPIEL, 2000; HÉRITIER e LEHMKUHL, 2011; WEALE, 2011;
MILANI e SOLINÍS, 2002; BLANCO e COMÀ, 2003; GRAÑA, 2005;
CHEVALLIER, 2003; KLINK, 2010); (6) Governança Urbana/Metropolitana
(LE GALÈS, 1995; LEFÈVRE, 2009); (7) Governança Ambiental (JACOBI et al.,
2012); (8) Governança Local/Regional/Territorial (FERRÃO, 2010, 2013;
JESSOP, 2002, 2006; FARINÓS, 2008; ROMERO e FARINÓS, 2011; FEIO E
CHORINCAS, 2009); (9) Governança Multinível (RÓTULO e DAMIANI, 2010).

6
O debate teórico sobre governança, bem como sobre os desafios apontados adiante, retoma
abordagem feita em Dallabrida (2013; 2014). Já em Dallabrida (2014), além de aprofundar o
debate teórico, são feitos indicativos metodológicos para a avaliação de práticas de governança
territorial.

26
As abordagens sobre governança não se esgotam com as referências
destacadas. No entanto, elas são representativas do conjunto de obras e
7
autores que abordam o tema atualmente .
Sobre ao que seja a governança, no sentido geral, é possível sintetizar:
(1) instrumento para conceber os problemas e as oportunidades em
contextos na fronteira entre o social e o político (KOOIMAN, 2004); (2) jogo
de interações, enraizadas na confiança e reguladas por regras do jogo
negociadas e acordadas pelos participantes da rede (RHODES, 1996); (3)
conjunto complexo de instituições e atores, públicos e não‐públicos, que
agem num processo interativo (STOKER, 1998); (4) uma forma de governar
mais cooperativa, diferente do antigo modelo hierárquico, no qual as
autoridades estatais exerciam um poder soberano sobre os grupos e
cidadãos que constituíam a sociedade civil (MAYNTZ, 1998); (5) redes auto‐
organizadas envolvendo conjuntos complexos de organizações provenientes
dos setores público e privado (ROSENAU e CZEMPIEL, 1992); (6) articulação
relativamente estável e horizontal de atores interdependentes, mas
funcionalmente autônoma (SORENSEN e TORFING, 2005); (7) processo de
tomada de decisão relativamente horizontal, como modo de fazer política,
envolvendo autoridades estatais e locais, o setor de negócios, os sindicatos
de trabalhadores e os agentes da sociedade civil ‐ ONGs e movimentos
populares (KAZANCIGIL, 2002); (8) novos modos de formulação de políticas
públicas que incluem atores privados e públicos, mas fora do domínio
legislativo e que têm como foco áreas setoriais ou funcionais específicas
(HÉRITIER e LEHMKUHL, 2011); (9) espaços de prestação de contas ‐
accountability (WEALE, 2011); (10) novo modelo de regulação coletiva,
baseado na interação em rede de atores públicos, associativos, mercantis e
comunitários (BLANCO e COMÀ, 2003); (11) processo de tomada de decisão
coletiva, baseado em uma ampla inclusão de atores atingidos, prática
fundada não mais na dominação nem na violência legítima, senão na
negociação e cooperação com base em certos princípios submetidos ao
consenso (GRAÑA, 2005).
8
Sobre o que seja governança (local, regional, territorial) , é possível
uma síntese: (1) processo de planejamento e gestão de dinâmicas
territoriais, numa ótica inovadora, partilhada e colaborativa (FERRÃO,
2010); (2) novas formas de associação do Estado com entidades sindicais,
associações empresariais, centros universitários e de investigação,
municípios e representações da sociedade civil (JESSOP, 2006); (3) relações

7
Alguns autores propõem a introdução do conceito governamentabilidade, como uma
concepção que poderia superar insuficiências explicativas da concepção sobre governança
territorial – ex. Vigil (2013).
8
Mesmo sendo minoria, alguns autores preferem o uso do termo ‘governação’ ao invés de
governança, com o mesmo sentido. Ex. Feio e Chorincas (2009).

27
voluntárias e não‐hierárquicas de associação entre atores públicos,
semipúblicos e privados (FERRÃO, 2013); (4) novo modo de gestão e
decisão dos assuntos públicos num território (FARINÓS, 2008); (5)
modalidade reforçada de bom governo, fundamentada num papel
insubstituível do Estado, uma concepção mais sofisticada de democracia e
maior protagonismo da sociedade civil (ROMERO e FARINÓS, 2011); (6)
capacidade de integrar e adaptar organizações, diferentes grupos e
interesses territoriais (FEIO e CHORINCAS, 2009).
O termo governança recebe várias adjetivações. Algumas delas apenas
indicam o contexto a que se refere o processo de governança: exemplo,
governança metropolitana. Outras adjetivações indicam uma forma
específica de governança. Por exemplo, governança corporativa. Outras
fazem referência à escala territorial. Por exemplo, governança local/regional
ou governança mundial. Outras, ainda, referem‐se a um foco temático. Por
exemplo, governança ambiental.
Sobre os propósitos da governança no seu sentido geral, é possível
assim sintetizar: (1) a busca de propósitos comuns ao conjunto de atores
que interagem num determinado meio (KOOIMAN, 1993), (2) e pelo qual
definem‐se formas de regulação deste meio (RHODES, 1996); (3)
desempenhar um papel mais amplo do que o de governo (ROSENAU e
CZEMPIEL, 1992); (4) a interação social com o fim de produzir propósitos
públicos (SORENSEN e TORFING, 2005); (5) fazer coisas sem a competência
legal para ordenar que elas sejam feitas (CZEMPIEL, 2000); (6)
envolvimento da multiplicidade de autores em processos de regulação
(MILANI e SOLINÍS, 2002); (7) gestão cooperativa para a superação de
conflitos de interesses (Chevallier, 2003).
Sobre os propósitos da governança (local, regional, territorial), é
possível assim sintetizar: (1) orientar e promover o desenvolvimento dos
recursos locais (JESSOP, 2006); (2) estabelecer voluntariamente relações
horizontais de cooperação e parceria (FERRÃO, 2013); (3) acordar uma
visão compartilhada para o futuro do território entre todos os níveis e
atores envolvidos (FARINÓS, 2008); assegurar a representação de diferentes
grupos e interesses territoriais face a atores externos e o desenvolvimento
de estratégias (unificadas e unificadoras) em relação ao mercado e ao
Estado (FEIO e CHORINCAS, 2009).
Associamo‐nos a autores, por exemplo, Dallabrida (2013), que
reivindicam uma adjetivação substantiva para o termo governança, o qual
inclui a dimensão de recorte territorial, como um processo protagonizado
por uma sociedade situada histórica e geograficamente, por meio de
relações estabelecidas entre os diferentes atores territoriais (sociais,
políticos e corporativos), na perspectiva de debater, pactuar decisões e
deliberar temas de interesse coletivo.

28
2.2.1 DESAFIOS APONTADOS NA LITERATURA SOBRE A PRÁTICA DA
GOVERNANÇA

Recorrendo à literatura aqui mencionada, é possível listar alguns


desafios à prática da governança: (1) necessidade de avançar na capacidade
para afrontar novas temáticas e satisfazer novas expectativas e, em termos
de legitimidade, o aprofundamento democrático numa linha mais cidadã e
participativa (BLANCO e COMÀ, 2003); (2) necessidade de contemplar um
adequado equilíbrio entre esfera pública, mercado e sociedade civil
(ROMERO e FARINÓS, 2011); (3) necessidade de reforçar a prática da
democracia, pois, sem isso, processos de governança efetiva são inviáveis
(ROMERO e FARINÓS, 2011); (4) necessidade de empoderamento da
sociedade e uma reinterpretação de sua função (ROMERO e FARINÓS,
2011); (5) necessidade de obtenção de mecanismos de
cooperação/coordenação horizontal e vertical entre (a) vários níveis de
governo (governação multinível, relações verticais), (b) políticas setoriais
com impacto territorial e (c) organizações governamentais, organizações
não governamentais e cidadãos (FEIO e CHORINCAS, 2009); (6) necessidade
de melhorar a ancoragem democrática nos políticos eleitos, com base numa
cidadania territorialmente definida e uma conduta democrática, envolvendo
as diferentes formas de organização da sociedade para melhorar o
desempenho democrático de redes de governança (SORENSEN e TORFING,
2005); (7) necessidade de integrar políticas de ordenamento do território e
governança (FERRÃO, 2013) e (8) necessidade de conceitualmente,
governança superar seu caráter de imprecisão, polissemia e ambiguidade
(ROMERO e FARINÓS, 2011).
As observações e análises realizadas recentemente no Brasil em
experiências intraestaduais de descentralização político‐administrativa,
sobretudo no estado de Santa Catariana (Brasil) e em experiências de IGS,
confirmam ao menos parte dos desafios apontados pela literatura
consultada. Tais análises serão referenciadas posteriormente.

3. PRÁTICAS DE GOVERNANÇA EM EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS DE GESTÃO DE


TERRITÓRIOS

O desenvolvimento incorpora a prerrogativa da existência de


protagonistas que, numa ação integrada, tracem e executem planejamento
capaz de promovê‐lo. No caso brasileiro, a partir da Constituição de 1988, o
planejamento para o desenvolvimento, antes ditado tradicionalmente pelo
governo central, passou a observar competências e atribuições legadas aos
municípios e regiões (Art. 30). O novo marco constitucional tirou do setor
público federal o monopólio na condução dos assuntos relacionados ao
desenvolvimento (PETERS, 2003). Além disso, reconhece a relevância de

29
outros atores e a pertinência de propostas formuladas a partir do espaço
local e da escala regional, demandando articulações e parcerias para a
construção de territórios (BENKO e LIPIETZ, 1994; PAIVA, 2004), o que viria
a atender as prerrogativas conceituais de governança territorial.
Esse novo cenário e as demandas por uma organização mais eficaz dos
(e nos) territórios frente aos desafios do desenvolvimento motivam novas
práticas de governança, como as encontradas nas unidades federativas do
Brasil, particularmente no estado de Santa Catarina. Outras experiências,
tais como as de IG, pelo fato de articularem produtores rurais, empresários
ou artesãos, são organizadas por associações e por Conselho Regulador.
Tanto as associações como o conselho podem ser consideradas estruturas
de governança territorial.
Adiante, caracterizaremos uma experiência subnacional de
descentralização político‐administrativa e experiências de IG, na sequência,
fazendo análises sobre a prática da governança territorial nas mesmas.

3.1 A EXPERIÊNCIA SUBNACIONAL DE DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICO‐


ADMINISTRATIVA NO ESTADO DE SANTA CATARIANA (BRASIL)

Estudos efetuados sobre a experiência catarinense de descentralização


político‐administrativa por Filippim e Rossetto (2008), sintetizados a seguir,
evidenciaram a forte relação entre os resultados obtidos no processo e os
aspectos da governança territorial.
No estado de Santa Catarina, intensificou‐se, a partir de 1990, um
movimento por maior participação de diferentes atores nos processos de
desenvolvimento, chegando a um conjunto de iniciativas cujo objetivo tem
sido a articulação entre a sociedade civil e o poder público. Entre as
iniciativas de formação de redes interorganizacionais pelo desenvolvimento,
três alcançaram destaque, quais sejam: as Associações de Municípios, os
Fóruns de Desenvolvimento Regional e as Secretarias de Desenvolvimento
Regional, com seus respectivos conselhos.
As Associações de municípios são entidades que congregam
municipalidades de acordo com critérios de vizinhança, segundo interesses
políticos comuns. As finalidades essenciais dessas associações são articular
os municípios associados em um fórum permanente de debates acerca das
questões comuns e prestar‐lhes serviços de natureza técnica especializada,
para busca de soluções concertadas aos problemas que dificilmente os
municípios conseguiriam fazer frente de maneira isolada.
Além das associações dos municípios, outra iniciativa no sentido de
articulação de esforços para a implantação de políticas de desenvolvimento
territorial foi a criação, em Santa Catarina, dos Fóruns de Desenvolvimento
Regional em 1998. Estes surgiram em um contexto motivado pelas
limitações do governo central no debate sobre desenvolvimento, pelo

30
resgate da cidadania e pela necessidade do envolvimento de diferentes
atores na definição e implementação de políticas públicas. Surgidos da
iniciativa da sociedade civil, esses fóruns, propostos como espaço de diálogo
entre instituições públicas e privadas, representativas de classe, segmentos
organizados da sociedade, universidades e instituições financeiras, tinham
como propósito a qualificação do processo de desenvolvimento das diversas
regiões catarinenses.
As atividades desses fóruns regionais geraram a necessidade de criação
de um mecanismo que proporcionasse suporte operacional para a execução
das ações demandadas. Para tanto, criou‐se uma estrutura de governança
entre as instituições atuantes no território, denominada Agência de
Desenvolvimento Regional (ADR). Essas agências foram inspiradas nas
ADRs europeias e buscavam ser uma plataforma técnico‐institucional de
caráter operativo, que identificaria os problemas de desenvolvimento
setorial ou regional, selecionando as oportunidades para intervenção e
levantamento de recursos necessários ao desenvolvimento no âmbito do
território.
Além das associações dos municípios, dos fóruns e das agências, outra
forma de articulação regional foi conduzida e implantada no estado de Santa
Catarina por iniciativa do governo do estado: a criação de 29 SDR, pela Lei
Complementar n. 243, de 30 de janeiro de 2003. As SDR foram criadas com o
objetivo de representar o governo do estado no âmbito de cada região,
articular as ações governamentais, promovendo a descentralização e a
integração regional dos diversos setores da administração pública, bem
como a coordenação das ações de desenvolvimento no território de sua
abrangência. Em 2005, com a Lei Complementar n. 284 as SDR foram
ampliadas para 30 SDR e por meio da Lei Complementar n. 381, em 2007, o
número de SDR foi elevado a 36.
O processo de descentralização do governo estadual de Santa Catarina
gerou, ainda, a criação dos Conselhos de Desenvolvimento Regional, que
intencionavam, na sua criação, ser instância de governança para o
desenvolvimento regional. Congregando atores públicos e privados que
atuam no território das SDR, a composição do CDR ficou assim disposta:
prefeitos, presidentes dos legislativos municipais e dois representantes da
sociedade civil de cada município da região de abrangência das SDR.

3.2 AS EXPERIÊNCIAS DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA BRASILEIRAS

Na concepção de território e de desenvolvimento territorial de


Dallabrida (2011), utilizadas neste estudo, ressalta‐se a importância dos
recursos e ativos materiais e imateriais específicos, num processo de
mudança de uma sociedade organizada territorialmente, remetendo ao
debate sobre IG e a questão da governança.

31
No Brasil a certificação de produtos com especificidade territorial é feita
via uma IG. Essa consiste em dois estágios: a Indicação de Procedência e a
Denominação de Origem. A Indicação de Procedência faz referência ao nome
geográfico de um país, cidade, região ou território que se tornou conhecido
como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto
ou prestação de serviço. Já a Denominação de Origem é o nome geográfico
de um país, cidade, região ou território, que designe produto ou serviço
cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao
meio geográfico específico, incluídos fatores naturais e humanos. Assim, a
diferença singular entre as formas de IG está associada às características e
peculiaridades físicas e humanas potencializadas pelo território que possam
designar uma Denominação de Origem, enquanto que para a Indicação de
Procedência é suficiente a vinculação do produto ou serviço a um espaço
9
geográfico, independente de suas características e qualidades intrínsecas .
Por exigência da legislação brasileira, os produtores rurais, artesãos e
empresários envolvidos nas experiências de IGs organizam‐se em
associações. Além disso, há outra instância de gestão que são os Conselhos
Reguladores. Nas associações são debatidas questões mais afins às
normatizações, estratégias relacionadas à produção, ao mercado e
relacionadas à organização coletiva. Já o Conselho Gestor é o órgão
responsável pela gestão, manutenção e preservação da IG regulamentada,
tendo como atribuições gerais de orientar e controlar a produção,
elaboração e a qualidade dos produtos amparados pela certificação. Em
geral os associados em IGs reúnem‐se com frequência semanal ou mensal
para discutir suas dificuldades, situações de produção, distribuição e
negócios.

3.3 ANÁLISES SOBRE PRÁTICAS DE GOVERNANÇA TERRITORIAL NO BRASIL

Tomaremos como unidades de análise empírica a experiência de


descentralização político‐administrativa do estado de Santa Catariana
(Brasil) e cinco experiências brasileiras de IG.

3.3.1 LIMITAÇÕES QUANTO AO PROCESSO DE GOVERNANÇA NA EXPERIÊNCIA


CATARINENSE DE ARTICULAÇÃO REGIONAL PELO DESENVOLVIMENTO

As três formas de articulação pelo desenvolvimento presentes em Santa


Catarina ─ associações de municípios, fóruns/ agências e SDR ─ coexistem e,
por vezes, entrechocam‐se, já que têm objetivos muito similares e atuam em

9
Conf. Lei 9.279, de 14/05/1996 e Resolução Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI) 75/2000. A referida Lei regula os direitos e obrigações relativos à propriedade
industrial, incluindo o registro de produtos ou serviços com especificidade territorial.

32
um mesmo território. Observa‐se nessas experiências um fenômeno muito
apontado pela literatura, o da fragmentação de políticas públicas e a atuação
de diferentes atores e esquemas de gestão em uma mesma realidade, não
raro gerando o desperdício de recursos já escassos e a baixa concentração
de esforços em torno de um objetivo comum. Embora a implantação das SDR
tenha sido motivada, segundo seus protagonistas, por uma maior
aproximação do governo estadual com as demandas regionais, essas
secretarias ainda estão longe de se constituir em instância de governança
territorial intensiva e efetiva em participação civil na deliberação dos rumos
do desenvolvimento.
Estudos realizados por Filippim e Abrucio (2010) observaram que a
demarcação das SDR não levou em conta nem a demarcação das Associações
de Municípios (em número de 21) nem a estrutura de governança pré‐
existente dos Fóruns de Desenvolvimento Regional. Observa‐se, assim, nesse
campo empírico, os problemas de (falta de) governança apontados pela
literatura: a falta de coordenação, a baixa participação popular na tomada de
decisão e a sobreposição de estruturas e de políticas públicas para o
desenvolvimento num mesmo território.
O Conselho de Desenvolvimento Regional, órgão responsável pela
definição dos projetos de desenvolvimento regionais na estratégia de
descentralização em vigor em Santa Catarina, vê‐se, por vezes, sem a
perspectiva de efetivação dos projetos por ele encaminhados, uma vez que
há discrepância entre os pleitos apresentados pelo CDR de cada região e
aqueles efetivamente aprovados pelo governo do estado por meio da
Secretaria Central. Nesse sentido, esta estrutura de governança territorial,
concebida e implantada pelo governo do estado, estimula que as 36 regiões
administrativas (SDR) nos seus Conselhos (CDR) tomem a decisão sobre
quais projetos de desenvolvimento são prioritários. Contudo, no momento
de executá‐los, a decisão por qual executar ou não acaba sendo da Secretaria
Central. Ou seja, embora os CDR contem com a presença de membros da
sociedade civil organizada, ainda não são intensivos em participação social,
uma vez que os agentes públicos (especialmente agentes políticos) ainda
constituem o maior grupo.
A composição social dos CDR comporta pessoas originárias de
diferentes áreas do conhecimento, níveis de escolaridade e atividades
sociais, econômicas e políticas, configurando‐se em arena de disputa dos
diferentes interesses regionais. As pessoas indicadas (visto que não há
eleição) para comporem os CDR têm por objetivo, conforme consta no
regimento interno dos CDR, deliberar coletivamente, dar aconselhamentos,
orientações e formulações de normas e diretrizes gerais para a execução de
programas e projetos voltados para o desenvolvimento regional. Entretanto,
esses conselhos não possuem autonomia para o gerenciamento dos recursos
públicos destinados à região.

33
Da mesma forma que os CDR, as SDR propostas como estruturas de
descentralização político‐administrativa têm cumprido muito mais o papel
de desconcentrar as atividades administrativas e burocráticas do governo
estadual do que se configurado em estruturas de governança territorial
capaz de cooperar democraticamente para o desenvolvimento regional.

3.3.2 LIMITAÇÕES QUANTO AO PROCESSO DE GOVERNANÇA NAS


10
EXPERIÊNCIAS DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

As análises sobre as limitações do processo de governança nas


experiências de IGS ainda são preliminares, visto que o processo de
investigação ainda não está concluso. Por isso, neste momento, evitaremos
mencionar o nome das mesmas. Tratam‐se muito mais de percepções
iniciais, colhidas por meio de entrevistas semiestruturadas, que ainda
merecem uma análise mais apurada.
Nas entrevistas realizadas foi possível observar aspectos críticos quanto
à governança nas experiências de IGs, tais como: (1) confunde‐se a função
das associações, atribuindo‐se pouca importância às mesmas, pelo fato de
não conseguirem aportar recursos financeiros para a manutenção das
atividades de produção e/ou industrialização, esquecendo que seu caráter é
representativo e não financeiro; (2) existe dificuldade em articular os
associados de IGs, pelo fato de, muitas vezes, tratar‐se de pessoas com baixa
formação social e acadêmica; (3) nas associações as decisões, com raras
exceções, são tomadas pela direção; tal procedimento tem dupla origem: a
baixa participação de associados nas reuniões ou comportamentos de
liderança concentradora de parte da direção; (4) existe o descumprimento,
de forma eventual, de regras de controle de qualidade por parte de alguns
associados, o que faz com que produtos possam estar fora do padrão
estabelecido; (5) existem problemas administrativos na direção das
associações; (6) frequentemente ocorrem disputas internas por liderança e
domínio de mercado; (7) existe dependência demasiada da iniciativa
abnegada de alguns poucos associados, geralmente da direção, o que
fragiliza o processo de governança; (8), ocorrem conflitos, entre a dimensão
representativa e comercial das associações, alguns defendendo que é preciso
ser criada uma empresa comercial porque só a associação não impulsiona
suficientemente às IGs; (9) alguns produtores ainda não entenderam como o
selo pode ajudá‐los e não reconhecem devidamente o papel da associação;

10Alem do processo de investigação objeto do Projeto de Pesquisa antes mencionado, essas


análises foram aprofundadas em estudos de pós‐doutorado, realizados durante o segundo
semestre de 2013 no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, por um dos
autores deste artigo (Valdir), contemplando estudos comparados com experiências
europeias.

34
(10) existe demora em estruturar IGs e alguns produtores desistem antes de
conseguirem o selo, demonstrando desconfiança em iniciativas que exigem
associativismo e parceria; (11) a política partidária, nos processos de
governança gera muito conflito, sendo que a mesma influencia muito no
processo associativo; (12) ocorrem problemas de inadequações na
legislação que rege as IGs, dificultando o seu funcionamento; (13) a
existência de marcas próprias entre os associados dificulta a articulação
mais qualificada dos mesmos, além de induzir a formas variadas de acesso
ao mercado; (14) dificuldade em abandonar o individualismo e pensar
coletivamente.
Até o momento o estudo confirmou discussão encontrada na literatura
de que a consolidação das IGs esbarra nas questões de governança e de seus
processos de articulação no território. Em livro recente publicado por
Ortega e Jeziorny (2011, p. 149), dedicado a estudar a experiência de IG do
Vale dos Vinhedos (Serra Gaúcha‐RS), os autores concluem que as IGs e o
território “[...] formam uma espécie de simbiose, pois não existe IG sem o
território, ao passo em que o próprio território pode se desenvolver por
meio da construção de uma IG”. Para tais autores, o território pressupõe
interação social, além de ser fonte de conhecimento, “[...] de geração e
difusão de inovação” (p. 113).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento territorial pressupõe um processo de melhoria das


condições de vida da população a partir de mudança estrutural
empreendida por uma sociedade organizada territorialmente sustentada
pelos recursos e ativos existentes no local (Dallabrida, 2011). Esse processo
pressupõe governança territorial e, embora ainda seja um termo cuja
construção conceitual encontra‐se em debate, se constitui, ainda
referendando a concepção do mesmo autor, no conjunto de iniciativas ou
ações que expressam a capacidade dessa sociedade para gerir os assuntos
públicos a partir do envolvimento coletivo e cooperativo dos atores sociais,
econômicos e institucionais, incluindo o Estado nas suas diferentes
instâncias.
A reflexão aqui colocada tem como intuito avançar na tentativa de
reduzir a polissemia e ambiguidade do termo governança territorial,
consolidando seu conceito e, sobretudo, identificando sua contribuição para
o desenvolvimento dos territórios, sem deixar de referir‐se aos seus
desafios. Estes, aqui abordados, confirmam indicativos apontados por
estudos, os quais destacam o problema da governança como o principal
fator que inviabiliza as iniciativas de articulação para o desenvolvimento
dos territórios, como visto nas duas experiências apresentadas.

35
Considerando que a prática de governança territorial, como
demonstrado nas experiências e como é reconhecido pelos próprios
envolvidos, ainda tem desafios a enfrentar, entendemos que uma associação
ou outro tipo de entidade/instituição gestora do processo, precisa, dentre
outras condições, de lideranças e um conselho regulador atuante, do
envolvimento do poder público assessorando e/ou custeando despesas de
manutenção necessárias, além de instituições públicas ou semipúblicas que
contribuam na coordenação e articulação dos atores. Portanto, tais
condições são fundamentais para a qualificação dos processos de
governança territorial. Por outro lado, a mobilização da população é
imprescindível nesse processo.
A governança territorial, apesar dos propósitos inseridos em sua
concepção teórica, enfrenta desafios na sua prática originados pelo
desacordo de muitas ações dos atores envolvidos no processo, tanto os
públicos quanto da sociedade civil. Urge medidas para superá‐los, pois, caso
contrário, algumas experiências de associativismo territorial tendem a se
inviabilizar ou conduzidas ao descrédito. Em outros estudos pretendemos
voltar ao tema, aprofundando‐o e apontando possíveis alternativas.

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39
CAPÍTULO 2

A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DE PRODUTOS: UM


ESTUDO SOBRE SUA CONTRIBUIÇÃO ECONÔMICA
NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL1

Giovane José Maiorki ‐ UnC


Valdir Roque Dallabrida – UnC

INTRODUÇÃO

A Indicação Geográfica (IG) refere‐se a uma qualidade atribuída a um


produto originário de um território cujas características são inerentes a sua
origem geográfica. Representa uma qualidade relacionada ao meio natural
ou a fatores humanos que lhes atribuem notoriedade e especificidade
territorial.
O registro de produtos com IG no Brasil é feito pelo Instituto Nacional
da Propriedade Industrial (INPI), e que vem crescendo nos últimos cinco
anos. Os fatores para que um produto adquira certa notoriedade estão
relacionados com o local de produção, em função do solo, do clima, da forma
de produção e colheita, ou com outras características que lhe confiram um
diferencial. Essa especificidade tende a contribuir com a agregação de valor
a esses produtos, o que pode gerar maior retorno financeiro aos atores
envolvidos, com possíveis impactos no desenvolvimento territorial.
Nesse sentido, em investigação que resultou no presente artigo, buscou‐
se responder a seguinte questão: qual a contribuição econômica da
Indicação Geográfica de produtos no desenvolvimento territorial? Partiu‐se
da hipótese de trabalho de que, se os produtos que possuem Indicação
Geográfica são capazes de gerar um incremento no preço de venda e com
isso contribuir para a agregação de renda, a Indicação Geográfica pode
contribuir economicamente com o desenvolvimento de um território2.
O estudo realizado teve como campo de observação duas experiências
de IG do setor vinícola do sul do Brasil. Trata‐se de uma pesquisa ainda de

1
O presente artigo tem publicação na Revista Interações (Campo Grande), Vol. 16, N. 1,
jan/jun /2015. Está integrado aos estudos do Projeto de Pesquisa Território, Identidade
Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de
desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, o qual contou com o apoio
financeiro da FAPESC.
2
Este artigo sintetiza estudos realizados na Dissertação no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional, na Universidade do Contestado (Santa Catarina - Brasil), sendo o
primeiro e o último autor, respectivamente, mestrando e orientador.

41
caráter exploratório, sustentada no estudo de dois casos, através de visitas
de observação e entrevistas com atores envolvidos. Complementarmente, a
consulta à bibliografia recente também serviu de referência.
Estudos dessa natureza tornam‐se necessários, visto que no Brasil o
debate sobre produtos com IG é recente em relação aos países da Europa e
Ásia, tendo seus primeiros registros ocorridos há pouco mais de dez anos. A
iniciativa do estudo foi um ponto positivo, pois trouxe algumas evidências e
apontou diferentes desafios, os quais, por conseguinte, é que exigirão novos
estudos.
Além desta introdução, o texto foi estruturado em cinco partes: (1)
retrospecto histórico sobre Indicação Geográfica; (2) aspectos teóricos e
conceituais dos temas relacionados ao objeto da pesquisa; (3) questões de
ordem metodológica e caracterização do objeto de estudo; (4) resultados da
pesquisa quanto à percepção dos entrevistados; (5) última parte, com
considerações finais sobre possíveis impactos de uma IG no
desenvolvimento de um território, levando‐se em consideração a dimensão
econômica, com base nas duas experiências estudadas.

1. INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS: RETROSPECTO HISTÓRICO E


CONTEXTUALIZAÇÃO

Mundialmente a Indicação Geográfica, segundo Kakuta et al. (2006),


ocorre desde a era Romana e na antiga Grécia (século 4 A.C). Na primeira,
pela produção de vinhos e na segunda pelos mármores de Carrara, como
uma forma de proteger os produtos e atribuir punição aos que
descumprissem as normas. Para Pimentel (2013), ao utilizar o sistema de
propriedade intelectual as nações buscam por meio deste o crescimento e
desenvolvimento, através de recursos que podem ser explorados como
ativos econômicos.
Segundo Gontijo (2005), foi o acordo de Paris um importante marco
regulatório. Mundialmente, no ano de 1994, foi instituído o marco legal,
quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) reconheceu o conceito
de Indicação Geográfica, no acordo Trade‐Related Aspects of Intellectual
Property Rights (TRIPS). O Acordo TRIPS, segundo Ferreira et al. (2013, p.
128): "Tratava de questões ligadas ao comércio de bens cujo diferencial
competitivo pudesse estar protegido por mecanismos de propriedade
intelectual e que foi subscrito por todos os países que desejavam pertencer à
OMC, incluindo o Brasil, contando atualmente com 157 países".
Na Europa, segundo Sacco dos Anjos et al. (2013), é através do
regulamento CE 2081/92 que são apresentados os dois tipos de certificação.
A primeira referente à Denominação de Origem Protegida (DOP) e a segunda
à Indicação Geográfica Protegida (IGP). Já o regulamento CE 2082/92 trata

42
da certificação de características específicas ou especialidades tradicionais
garantidas, sendo que essas contemplam apenas produtos agroalimentares.
Para tais autores, há diferenças entre as experiências de IG europeias e as
brasileiras. Enquanto nos países europeus incluem‐se apenas alimentos, no
Brasil a certificação inclui vários produtos, como alimentos, calçados,
mármores e até serviços.
Mas há outras diferenças entre o Brasil e a Europa em relação às IGs. A
primeira está no fato de existir uma aprovação transitória e, somente após
esta, pela Comissão Europeia de Agricultura e Desenvolvimento, obtém‐se o
registro definitivo. No Brasil, ocorre em caráter definitivo pelo INPI, sem a
necessidade de certificação prévia, sendo um processo único. Para Sacco dos
Anjos et al. (2013), a segunda é a existência das empresas do setor privado
ou as autoridades públicas, que são entidades certificadoras de cada país
Europeu responsáveis por fiscalizar o cumprimento do Caderno de Normas.
Elas são igualmente subordinadas aos regimes de controle e fiscalização, o
que não existe no modelo brasileiro.
O Brasil, mesmo sendo país signatário da Convenção da União de Paris
(CUP) desde 1883, somente após o acordo de Madrid, em 1975, passou a
repreender as falsas indicações de procedência (FERREIRA et al., 2013). No
ano 1967, é promulgado o Código de Propriedade Industrial (CPI) brasileiro,
com o qual se passa a reconhecer e a proteger a produção nacional contra a
falsificação dos produtos e da procedência dos mesmos.
Atualmente, no Brasil, a Lei nº 9279 de 14 de maio de 1996 é que
regulamenta os direitos e obrigações sobre propriedade intelectual. A
Indicação Geográfica está disciplinada no Título IV, nos Art. 176 a 182. O
parágrafo único do Art. 182 estabelece que o órgão responsável pela
concessão e registro das Indicações Geográficas é o INPI.

1.1 A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA (IG) NO BRASIL

A Indicação Geográfica constitui um processo, como o próprio nome diz,


de identificar um produto ou serviço de determinado território. É um
procedimento similar ao registro civil de uma pessoa, que lhe garante
direitos civis estabelecidos pela constituição.
A identificação de produtos e serviços com Indicação Geográfica
também garante a esses direitos civis. Ferreira et al. (2013) caracteriza IG
como um direito exclusivo ligado à propriedade industrial, com natureza e
uso coletivo e vinculado a uma região específica.
Outros autores também conceituam Indicação Geográfica. Para Gollo e
Castro (2006) é um produto originário do território cujas características são
atribuídas à origem geográfica. Já Pimentel (2013) define como uma
propriedade intelectual do tipo industrial, coletiva e exclusiva a produtores

43
de determinado local. Dentre os principais objetivos da Indicação
Geográfica, segundo o autor, está o desenvolvimento econômico do
território por meio de vinculação do produto, sua qualidade e especificidade
em relação ao território onde este é produzido.
Boechat e Alves (2011) evidenciam a importância da IG na valorização
do patrimônio cultural e do turismo, o que, segundo eles, pode trazer uma
maior abertura de mercado, a padronização dos produtos e o estímulo ao
agroturismo. Para Kakuta et al. (2006), os benefícios do uso da Indicação
Geográfica são a proteção ao patrimônio, o desenvolvimento rural, a
promoção e facilidades de exportação e o desenvolvimento. O registro no
INPI é considerado, de modo geral, como o ponto de chegada, mas deveria
ser visto como ponto de partida para fomentar novas alianças entre turismo,
serviços e demais setores. Nesse sentido, entende‐se que a certificação de
uma IG deve ter início com a intenção de transformar um recurso em um
ativo com especificidade territorial. Para tanto, é necessária a mobilização
de pessoas para formar uma associação ou cooperativa e, assim, obter o ato
declaratório de IG.
No Brasil, as experiências de IG podem ser registradas como Indicação
de Procedência ou Denominação de Origem.

1.1.1 INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA

A definição de Indicação de Procedência (IP) está prevista no Art. 177


da Lei nº 9.279/1996. A IP se refere ao local, o território onde foi produzido,
sem que este esteja relacionado especificamente com fatores de
diferenciação em relação à qualidade do produto com outros similares. O
seu diferencial é o modo de produção e o aspecto cultural que o fazem
reconhecido como de qualidade diferenciada em relação aos demais. Essa
diferenciação pode gerar um valor de venda maior.
De acordo com o INPI, na data de 25 de janeiro de 2014, no Brasil
existiam 30 registros de Indicação de Procedências, todas nacionais. O
estado de Minas Gerais aparece com 7 registros, o Rio Grande do Sul, com 6
e o estado do Espírito Santo, com 3 indicações. As demais experiências de IG
são de outros estados brasileiros que possuem apenas uma Indicação de
Procedência.

1.1.2 DENOMINAÇÃO DE ORIGEM

O Registro de Denominação de Origem (DO) está prevista no Art. 178 da


Lei nº 9.279/1996. A DO está relacionado com componentes físico‐químicos
encontrados nos produtos, que devido às condições geográficas (solo e
clima) não poderão ser encontradas em outras regiões, ou seja, a DO indica

44
que o produto somente pode ser encontrado em determinada região, o que
lhe confere uma personalíssima característica.
De acordo com o INPI (2014), em maio de 2014, no Brasil existiam 16
registros de Denominação de Origem, das quais 8 eram nacionais.

2. INDICAÇÃO GEOGRÁFICA: CONCEPÇÕES TEÓRICAS QUE FUNDAMENTAM O


TEMA

Dentre as concepções teóricas que fundamentam a discussão sobre o


tema Indicação Geográfica, algumas são fundamentais: a concepção de
território, identidade e desenvolvimento territorial.

2.1 TERRITÓRIO E SUA RELAÇÃO COM A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

Etimologicamente, território vem do latim territorium, pedaço de terra


apropriado, que transmite a ideia de poder, identidade e domínio.
Para Santos (1996, p. 51): “A configuração territorial é dada pelo
conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou
numa dada área e pelos acréscimos que os homens superpuseram a esses
sistemas naturais”. Em outra obra, Santos (2007, p. 13), define território: “O
lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os
poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do
homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência”.
Na concepção de Saquet e Silva (2008, p. 17): “O território corresponde
aos complexos naturais e às construções/obras feitas pelo homem: estradas,
plantações, fábricas, casas, cidades. O território é construído historicamente,
cada vez mais, como negação da natureza natural”. Já Para Pollice (2010, p.
8): “Em síntese, o território pode ser entendido como aquela porção do
espaço geográfico na qual uma determinada comunidade se reconhece e se
relaciona no seu agir individual ou coletivo [...]”. Souza (2001, p. 111) assim
conceitua território: “[...] todo espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma
gangue de jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN”.
Na concepção de Haesbaert (2004, p. 79), “[...] o território pode ser
conhecido a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder
mais material das relações econômico‐políticas ao poder mais simbólico das
relações de ordem mais estritamente cultural”. Em relação à forma de poder,
para Haesbaert (2010), deve‐se entender que não está se referindo a um
poder material, mas os efeitos desse.
Para Haesbaert (2007), o território também possui uma forte ligação
com a natureza e com os recursos nela existentes, configurando assim,
juntamente com o homem, os costumes e a história, um dos elementos para
a formação de um território.

45
Sobre a definição de território, assume‐se aqui uma conceituação
referenciada em Dallabrida e Fernández (2008, p. 40). Para esses autores o
território é entendido como:

Uma fração do espaço historicamente construída através das inter‐relações


dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam neste âmbito
espacial, apropriada a partir de relações de poder sustentadas em motivações
políticas, sociais, ambientais, econômicas, culturais ou religiosas, emanadas do
Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituições ou indivíduos.

A relação entre Indicação Geográfica e território é apresentada por


Jeziorny (2009, p. 148): “Concluímos que as indicações geográficas e o
território formam uma espécie de simbiose, pois não existe indicação
geográfica sem o território, ao passo em que o próprio território pode se
desenvolver por meio da construção de uma indicação geográfica”.
Considerando as definições sobre território, de forma especial o
argumento que esse se forma por uma relação de poder (SOUZA, 2011), e
que não existe Indicação Geográfica sem território (JEZIORNY, 2009), fica
implícito que a Indicação Geográfica é um processo de demarcação de um
território, pois a declaração expedida pelo INPI define quais pessoas e em
que locais podem se beneficiar da certificação de produtos ora produzidos.

2.2 IDENTIDADE E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

Definido território como espaço delimitado pelas relações de poder, a


identidade territorial é a expressão cultural e do estoque de fatores
endógenos que identificam esse território. A identidade territorial, chamada
por Pollice (2010) de identidade geográfica, é aquela que nasce da
consciência coletiva das pessoas que habitam determinado território. Assim,
somente se pode ter uma identidade territorial ou geográfica quando advém
do desejo das pessoas de serem reconhecidas como atores desse processo
de identificação. Quando a identidade territorial se dá pelo aspecto negativo
de representação, essa identificação é feita por fontes externas, como, por
exemplo, pessoas que moram em regiões próximas à chamada
“Cracolândia”, em São Paulo. Os indivíduos que moram nessas regiões
jamais se sentirão como pessoas que moram no território da “Cracolândia”.
Por outro lado, quando a identificação é benéfica ou reforça o estoque
cultural e os fatores endógenos do lugar, essa recebe contornos de
notoriedade, como, por exemplo, o território do Vale dos Vinhedos no estado
do Rio Grande do Sul.
Assume‐se uma concepção de desenvolvimento territorial pautada em
Dallabrida (2014): processo de mudança continuada, situado histórica e
territorialmente, mas integrado em dinâmicas intraterritoriais,
supraterritoriais e globais, sustentado na potenciação dos recursos e ativos

46
(materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes no local, com
vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da qualidade de vida da
sua população.
Por fim, Pollice (2010) estabelece uma relação entre identidade e
desenvolvimento territorial, conforme sintetizado no Quadro 1.

Quadro 1‐ Relações entre identidade territorial e desenvolvimento

Indicador Relação
Identidade e valores A identidade territorial tende a reforçar o poder normativo dos valores
sociais éticos e comportamentais localmente compartilhados. Sobre o plano
socioeconômico a presença desses valores e, sobretudo, o entrecruzamento
deles, consente em melhorar o nível de relação produtiva e comercial,
favorecendo a manifestação daquelas formas de colaboração competitiva
que constituem o fundamento das economias distritais.
Identidade e Manifesta‐se um “apego afetivo” ao saber localmente determinado e uma
transferência do propensão mais forte que em outro lugar para a atualização desse
saber patrimônio cognitivo.
Identidade e sentido Talvez esse seja o exemplo mais emblemático da interação virtuosa entre
de pertença identidade territorial e desenvolvimento local. O sentido de pertença
constitui, de fato, o cimento do sistema econômico‐territorial e impele os
atores locais a preferir, também na presença de algumas deseconomias,
conter relações transacionais e colaborativas no interior do âmbito local.
Identidade e Melhorar o nível de relação produtiva e comercial, favorecendo a
autorreprodução manifestação daquelas formas de colaboração competitiva que constituem o
fundamento das economias distritais.
Identidade e política A relação entre identidade e política é muito forte, tende a crescer, no
âmbito da arena política, o nível de convergência sobre os temas e o
desenvolvimento de atores locais adequando‐os às exigências do território
e evitando que resulte numa desorganização dos equilíbrios locais.
Identidade e O desenvolvimento endógeno se substancia na capacidade da comunidade
valorização dos local de “colocar em valor” o território e, em particular, aqueles recursos
recursos territoriais não localizáveis que, além de constituir elemento de diferenciação, podem
tornar‐se, em termos projetivos, certos plus competitivos em torno dos
quais se pode construir a estratégia de desenvolvimento local.
Identidade e Os sentimentos identitários determinam em nível local um apego afetivo
sustentabilidade aos valores paisagísticos e culturais do território que tende, por sua vez, a
traduzir‐se na adoção de comportamentos individuais e coletivos voltados à
tutela e à valorização daqueles valores. A presença de uma forte identidade
territorial favorece a maturação de modelos de desenvolvimento
sustentável, enquanto este se funda sobre a valorização, especificidade dos
lugares; valorização que é tanto mais eficaz quanto maior é o envolvimento
ativo da comunidade local. Além disso, a “sustentabilidade” dos processos
em escala local não é um objetivo mensurável somente em termos
ambientais, mas também em termos econômicos e culturais.

Fonte: Adaptado de Pollice (2010 p. 18‐20)

Considerando as fortes relações entre a noção de território, identidade e


desenvolvimento territorial com o que se espera das experiências de IG, é
oportuno remeter este debate à averiguação da sua prática.

47
3. QUESTÕES DE ORDEM METODOLÓGICA E CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE
ESTUDO

Para investigar as possíveis contribuições econômicas de uma Indicação


Geográfica de produtos no desenvolvimento territorial, foram estudadas
duas experiências de IG do setor vinícola, a Asprovinho, localizada no estado
do Rio Grande do Sul, e a Progoethe, localizada ao sul do estado de Santa
Catarina.
Inicialmente foram realizados estudos bibliográficos sobre a Indicação
Geográfica e demais temas conexos. Para a coleta de dados e informações
sobre os dois casos, foram realizadas pesquisas documentais nos arquivos
das associações, além de entrevistas com associados e dirigentes das duas
associações que detêm o ato declaratório do INPI. Foi aplicado um
questionário semiestruturado, ficando de fora apenas três associados de
uma das experiências por não estarem presentes quando da visita aos dois
territórios estudados, durante os meses de julho de 2013.
Na sequência, são caracterizadas as duas experiências objeto de estudo.

3.1 TERRITÓRIO DO VALE DA UVA GOETHE

A Indicação Geográfica da Uva Goethe está inserida na região sul do


estado de Santa Catarina. De acordo com os dados do INPI, o Vale da Uva
Goethe, está localizado entre as encostas da Serra Geral e o litoral sul
catarinense nas Bacias do Rio Urussanga e Rio Tubarão. Segundo dados da
Progoethe, os limites nos vales formados pelas sub‐bacias dos rios América,
Caeté, Cocal, Carvão e Maior, que são afluentes do rio Urussanga e o vale
principal desse mesmo rio, acrescidas das sub‐bacias dos rios Lajeado,
Molha, Armazém e Azambuja que fazem parte da bacia do rio Tubarão. A
delimitação da área geográfica são os municípios de Urussanga, Pedras
Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova
Veneza e Içara no Estado de Santa Catarina, conforme a figura 1.
A fundação da Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe da
Região de Urussanga (Progoethe) ocorreu em 05 de setembro de 2007.
Dentre as características do vinho da Uva Goethe, bem como os fatores que
contribuíram para que fosse possível receber o selo de Indicação Geográfica,
destaca‐se, além das particularidades técnicas do produto, o aspecto ligado à
imigração italiana no século XIX, que consolidou junto ao INPI a identidade
dos "Vales da Uva Goethe" como um território único direcionado à produção
dos vinhos Goethe. Essa foi a primeira Indicação Geográfica do estado de
Santa Catarina, sendo considerado o único território a produzir tal
variedade de uva em escala comercial, no mundo. A uva Goethe não é
considerada uma uva fina ou uva vinífera. Classifica‐se como uma uva
americana. Seu conjunto é composto de uvas menos sofisticadas e, dessa

48
forma, o preço de venda do vinho produzido com elas é inferior ao dos
vinhos finos. Porém, possui um público consumidor específico.

Figura 1 – Municípios pertencentes à área delimitada dos Vales da Uva Goethe

Fonte: Silva et al. (2011 apud VIEIRA, WATABABE e BRUCH 2012, p. 336) (adaptado)

3.2 TERRITÓRIO DO VINHO DE PINTO BANDEIRA

A Indicação Geográfica do Vinho de Pinto Bandeira, originalmente,


estava localizada no município de Bento Gonçalves, além de 9% em
Farroupilha, no estado do Rio Grande do Sul. No início de 2013, o Distrito de
Pinto Bandeira emancipou‐se de Bento Gonçalves, sendo que, a partir de
então, a maior parte da IG se localiza neste novo município, conforme a
Figura 2.
O município de Pinto Bandeira possui as vinícolas que fazem parte da
IG, além de se destacar na produção de pêssego. Trata‐se de um município
essencialmente agrícola e com potencial para o turismo rural ou ecoturismo.
No setor vinícola, além da tradição na produção de vinhos de regiões de
altitude, a região detentora da IG destaca‐se na industrialização de
espumantes de qualidade.
A Associação dos Produtores de Vinhos de Pinto Bandeira (Asprovinho)
foi criada em 29 de junho de 2001 e, segundo seus estatutos, tem com o
objetivo proteger a natureza, a cultura local, os produtores de vinho e,
sobretudo, preservar a qualidade e afirmar a identidade dos vinhos e
espumantes produzidos no local. Os vinhos produzidos no território que
detém o selo de IP são denominados “Vinhos Pinto Bandeira”. O controle de

49
qualidade é realizado pela Asprovinho, a qual contempla desde o
cadastramento dos vinhedos e vinícolas, análises químicas, degustação e
selo de controle.

Figura 2 – Limites da região delimitada da IG Pinto Bandeira

Fonte: Site da Asprovinho (2013, Adaptado)

4. RESULTADOS DA INVESTIGAÇÃO

Para este estudo, a avaliação das experiências de IG em referência, além


de todo arcabouço teórico, contou com a análise de informações
documentais. Neste artigo, fazemos um recorte, considerando a percepção
que os associados e dirigentes têm sobre a IG, a partir da análise do
conteúdo das entrevistas, conforme a síntese que consta nos Quadros 2 e 3.
À esquerda dos quadros estão os aspectos focados pelas perguntas das
entrevistas, tendo, à direita, uma síntese das respostas.

Quadro 02 – Síntese das observações e análises das entrevistas com associados

Aspecto Principais observações ou análises permitidas pela


investigação
Os custos de produção Para as vinícolas que estavam produzindo fora do Caderno de
após a declaração de Normas, houve o custo de adequação, além do fato de se obter
IG uma conversão menor de litros de vinho por kg de uva, para obter
uma melhor qualidade.
Preço de venda após a Foi possível perceber uma elevação do preço de venda,
IG principalmente em Urussanga.
A utilização do Mark‐ Em Pinto Bandeira, além dos custos de produção, impostos e o
up para a fixação do lucro, que compõem o Mark‐up, são aliados aos fatores de
preço de venda mercado, no caso a percepção de qualidade comparada a outros
produtos, principalmente aos importados. Em relação ao vinho

50
Goethe, além da definição do preço pelo Mark‐up, é observado o
valor de mercado.
Participação dos Identificou‐se uma pequena parcela da produção com selo de IG e
produtos com IG em em alguns casos nenhum produto com selo.
relação à produção
total
Impacto do projeto de No território da Progoethe, constatou‐se uma expectativa de
Indicação Geográfica retorno financeiro com a agregação de valor aos produtos e a
padronização da qualidade. No território de Pinto Bandeira, o
principal argumento é a visibilidade, a força do conjunto e o
objetivo de obter uma DO.
O diferencial para os Para grande parte dos associados, o maior problema está no
produtos com IG aspecto do consumidor brasileiro ter pouca informação sobre o
que significa um selo de IG e como são controlados os produtos
que receberão esse selo.
A importância do O turismo é tido como um ponto de extrema relevância para o
turismo na Indicação sucesso da IG, uma estratégia de marketing e divulgação dos
Geográfica produtos. É pelo turista que os produtos são levados a outros
centros consumidores, que se interessam pelo produto e pela
região, indicando‐os a outras pessoas.
A importância das Na opinião dos produtores, fica evidente que foi pela união de
Associações esforços em uma associação que o processo da obtenção da IG se
consolidou.
A IG e o A pesquisa permitiu concluir que só a estruturação da IG não
desenvolvimento de consegue desenvolver o território, depende de outros fatores
um território associados, com destaque para o turismo como forma de
divulgação do produto. O desenvolvimento é complexo e necessita
de um conjunto de ações por parte da sociedade e do poder
público na busca de vetores de desenvolvimento e certamente a
IG é um desses vetores, não o único.
O mercado para o Em geral, existe um excedente de uva no mercado. Esse faz com
ramo da vinicultura que o preço pago ao produtor seja baixo. Para as vinícolas, o
maior problema são os vinhos importados com tributação
diferenciada. A substituição tributária do ICMS também gera um
desequilíbrio de caixa, pois o imposto será recolhido por ocasião
da venda.

Fonte: Dados da pesquisa (2013)

No Quadro 3 está uma síntese das entrevistas com os dirigentes das


associações.

Quadro 03 – Observações e análises das entrevistas com dirigentes das associações

Aspecto Principais observações ou análises permitidas pela


investigação
A IG e o A opinião de todos é unânime, que a IG é, sim, uma
desenvolvimento de alternativa para o desenvolvimento do território,
um território contribuindo para a agregação de valor à cadeia
produtiva e ao comércio local, mas que a IG sozinha não é
capaz de desenvolver um território, depende de outros

51
fatores e deve estar aliada ao turismo, pois comporá a
cesta de serviços oferecidos ao turista.
As estratégias de As associações vêm participando de eventos e feiras,
marketing das firmando parcerias com organizações de forma a
Associações para demonstrar o que é uma Indicação Geográfica.
divulgar a IG
O turismo da região A importância do turismo no processo de divulgação de
como fator de uma IG também é voz corrente entre as associações e não
divulgação dos apenas uma opinião dos vinicultores.
produtos com
certificação de IG
Interesse de outras Houve interesse de outros empreendimentos,
pessoas em fazer principalmente os ligados ao turismo, o que demonstra
parte da associação de forma clara que a IG é uma alternativa para o
após a declaração de desenvolvimento territorial e para o crescimento do
IG comércio local.
Ações para motivar A visibilidade do produto e os benefícios de uma IG foram
os associados a os principais aspectos utilizados pelas associações.
buscar a certificação
de IG
Registros quanto ao Atualmente o controle sobre a produção e os benefícios
volume de produção gerados é reduzido, pois haverá apenas o controle sobre
dos associados o volume de produção com selo de IG.
Perspectivas de Não existe previsão, e na visão da Asprovinho o fator
exportação dos limitador é a carga tributária do produto, que o torna
produtos com IG muito caro no mercado internacional.

Fonte: Dados da pesquisa (2013)

Os dois quadros resumem as principais percepções dos entrevistados


quanto à interrogação que originou a presente investigação. Para finalizar,
são feitas algumas considerações finais, sintetizando as principais análises
permitidas pelo estudo realizado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta pesquisa foi analisar a contribuição econômica da


Indicação Geográfica de produtos no desenvolvimento territorial, pela
realização de estudos bibliográficos e documentais, a visitação às
experiências e realização de entrevistas.
A dimensão econômica foi tratada no universo do desenvolvimento
territorial, uma vez que a Indicação Geográfica representa a delimitação de
um espaço territorial com especificidade. Assim, a IG se constitui, segundo
as normas brasileiras, em um ato declaratório que, de acordo com sua
tipologia, será uma Indicação de Procedência ou uma Denominação de
Origem.

52
A IG no Brasil está em um processo de expansão e ao mesmo tempo
estruturação, pois muitas delas estão se constituindo no decorrer dos
últimos cinco anos. Nos dois territórios estudados, foram encontradas
situações diversas, pois uma das experiências já está comercializando os
produtos e a outra iniciará em 2014 a comercialização da primeira safra.
Nesse contexto, os aspectos econômicos precisaram ser analisados não
apenas pelo ganho em escala de produção, mas também pelas expectativas
de possíveis impactos econômicos no desenvolvimento territorial.
Ao analisar o volume de produção, verificou‐se que os produtos com IG
apresentam valores pouco representativos em relação ao total das receitas.
A pouca relevância entre o volume de produção com certificação de IG em
relação ao total produzido, não chega a ser uma restrição à importância da
IG, mas, sim, uma questão de mercado, pois nas regiões pesquisadas os
produtos com IG são vinhos brancos e espumantes, ao passo que o mercado
consome mais vinhos tintos. Assim, verifica‐se que os produtos com IG
compõem o mix de produtos da vinícola, onde existem produtos de menor
valor e com maior volume de vendas e produtos diferenciados com valor
maior, no caso os produtos com IG. Nas vinícolas pesquisadas, ficou evidente
que os produtos com IG são destinados a um público mais seletivo, sendo
que são mais significativos os reflexos indiretos, favorecendo aos demais
produtos em função da visibilidade que a IG proporciona.
A análise dos dois casos estudados revela que é pelo turismo a principal
forma através da qual os produtos com IG são reconhecidos fora de seu
território. Da mesma forma, uma região que pensa em desenvolver o
turismo, ao buscar evidenciar seus atributos, deve considerar que estes
podem estar associados a produtos com IG. Desse modo, observa‐se uma
relação muito próxima entre a IG e o turismo, o que certamente favorecerá o
desenvolvimento do território, com a integração dessas duas estratégias de
desenvolvimento territorial. A relação intrínseca entre turismo e IG é
descrita por Nascimento, Nunes e Bandeira (2012, p. 380): “A aliança entre
turismo e Indicação Geográfica propicia o reconhecimento de culturas
tradicionais, a valorização da gastronomia típica, produção sustentável de
alimentos, proteção dos manuseios artesanal e cultural”.
Outro aspecto a destacar, está relacionado à identidade territorial, que é
a busca de atributos do território, que podem estar associados com aspectos
geográficos, históricos ou por um tipo de produto ou sabor especial. A busca
na identificação desses atributos é o esforço dos atores sociais do território
na trajetória do seu desenvolvimento. Em ambas as experiências visitadas,
foi possível observar no aspecto prático a importância desses atores sociais.
Os resultados obtidos dão conta de um considerável entrosamento
entre a existência de uma IG e a promoção socioeconômica e cultural do
território atingido, como um processo de benefício mútuo. Esse argumento
foi evidenciado quando perguntado sobre o interesse de outras pessoas em

53
se associarem após a certificação de IG. Verificou‐se que houve a integração
de empresas e pessoas ligadas ao setor de serviço, mais precisamente, os
serviços de atendimento aos turistas. Constatou‐se, então, que os turistas
vêm em busca do produto com IG e, por conseguinte, consomem diferentes
produtos e serviços, trazendo benefícios econômicos para outros
empreendimentos locais. Entende‐se, então, que a IG é uma estratégia que,
mesmo sendo exclusividade das pessoas que detêm o direito ao uso do selo,
torna‐se inclusiva, pois gera benefícios indiretos a outros setores da
economia.
A Indicação Geográfica, como já fora citada na revisão bibliográfica, é
um processo de construção coletiva que visa beneficiar a um território, seja
diretamente aos produtores envolvidos na IG, seja pelo benefício indireto ao
comércio local. Com os estudos realizados, ficou evidenciado que a IG gera
mais benefícios indiretos para o desenvolvimento territorial do que diretos,
implicando a necessidade da integração com os outros setores da economia
local. Dessa forma, o primeiro passo da IG é a união de pessoas em torno de
um objetivo coletivo.
Portanto, pode‐se dizer que a IG gera encadeamentos para frente e para
traz, impactando no desenvolvimento territorial. No caso do vinho, essa
cadeia produtiva envolve de forma descendente, a partir das vinícolas, os
produtores e, estes, as empresas, principalmente as que comercializam
insumos agrícolas. De forma ascendente, partindo da vinícola para o setor de
transporte e, deste, para o setor de serviços (combustíveis, autopeças, etc.).
De forma lateral, tem‐se o turismo, este capaz de gerar um novo
desencadeamento. Poderia, ainda, se dizer que os produtos com IG,
conforme propõe a teoria dos polos de crescimento, seriam a indústria
motriz, capaz de desenvolver outras atividades em seu entorno.
É possível concluir, então, que, quando um território possui um produto
ou serviço com diferencial e que este possa ser declarado como IG, são
gerados impactos não somente para os produtores e à cadeira produtiva
ligada ao produto com IG, mas para todo território circundante. Assim, a
hipótese levantada: se os produtos que possuem Indicação Geográfica são
capazes de gerar um incremento no preço de venda e com isso contribuir
para a agregação de renda e ainda corroborar economicamente o
desenvolvimento territorial. Conclui‐se que essa hipótese se confirmou. No
entanto, os benefícios não estão simplesmente relacionados a um
incremento de preço, pois os resultados econômicos para o território são
bem superiores. Além da elevação dos preços de venda dos produtos com IG,
os demais produtos similares também obtêm um ganho econômico, além
dos demais setores da sociedade.
Por fim, como recomendação, entende‐se que a divulgação na mídia de
massa sobre o que é uma IG, representaria um grande impulso para a busca
de produtos e serviços com diferencial, com contributos no

54
desenvolvimento dos territórios. O consumidor, no caso do vinho, tem uma
preferência pelos importados, principalmente pela fama de vinhos de
qualidade superior, discurso construído pela mídia de massa. Utilizar esses
mesmos meios para evidenciar que os produtos nacionais com selo de IG são
produtos de qualidade e que são certificados faria com que a visibilidade tão
pretendida pelos produtores de vinho das duas regiões pudesse ser atingida.
Os estudos nas duas regiões devem ser ampliados, por exemplo, para
avaliar se com o passar do tempo as expectativas dos produtores da Uva
Goethe se confirmam com o aumento da produção e agregação de valor ao
produto, assim podendo gerar maior renda aos produtores e vinícolas. Da
mesma forma, em Pinto Bandeira, avaliar a aspiração de, se for declarada,
uma DO, trará maiores impactos territoriais do que a declaração de IP. São
estudos que merecem ser realizados no futuro.

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56
CAPÍTULO 3

A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO CONTRIBUTO


PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
ANÁLISE A PARTIR DE EXPERIÊNCIAS
BRASILEIRAS NO SETOR VINÍCOLA1

Sabrina Dhieniffer Sander ‐ UnC


Valdir Roque Dallabrida ‐ UnC

1. INTRODUÇÃO

A Indicação Geográfica tem sido um tema discutido por pesquisadores


como um instrumento que valoriza territórios através do resgate de sua
cultura, história ou então da tipicidade de produtos ou serviços prestados.
Junto a essa valorização dos territórios e seus produtos, surge uma corrente
amparada na sustentabilidade e na preservação de diferentes ambientes.
Consumidores atentos a tais questões e exigentes no consumo de produtos
passam a participar cada vez mais do mercado, aumentando a demanda de
produtos com qualidade e garantia de procedência, como o caso de produtos
com Indicação de Procedência e Denominação de Origem.
Nesse contexto, as discussões em projetos de Indicação Geográfica (IG)
e desenvolvimento sustentável apresentam muitos desafios. De um lado, os
de associar e incluir suas diferentes dimensões (social, cultural, ambiental e
econômica). De outro, promover a homogeneidade social, direito à
educação, à saúde, renda justa, manutenção das tradições e o respeito à
capacidade de resiliência dos ecossistemas.
De acordo com Paula (2004), o Brasil tem experimentado diversas
formas de desenvolvimento nos territórios. No entanto, as experiências são
recentes e precisam se tornar em observatórios para não se desperdiçar a
oportunidade de testar as alternativas e desbravar novos caminhos para um
desenvolvimento humano, social e sustentável.
Dentro desse contexto, Sacco dos Anjos (2013) salienta o notável
crescimento de Indicações Geográficas (IGs) no Brasil. Ao abordar duas

1
Este artigo sintetiza estudos realizados na Dissertação no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional, na Universidade do Contestado (Santa Catarina - Brasil), sendo o
primeiro e o último autor, respectivamente, mestrando e orientador. Está integrado aos estudos
do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação
de ativos territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa
Catarina, o qual contou com o apoio financeiro da FAPESC.

57
experiências do Rio Grande do Sul, o Vale dos Vinhedos e a Carne do Pampa
Gaúcho, e fazer análises com base em suas pesquisas sobre as diversas
situações que as envolvem, chega à conclusão que as IGs podem se converter
num instrumento de desenvolvimento territorial. No entanto, não devem ser
vistas como destino final, mas, sim, como ponto de partida em uma longa
caminhada de construção social da qualidade e da diferenciação.
Diante dessa incerteza quanto ao impacto de diferentes experiências
brasileiras no desenvolvimento, a presente pesquisa tem o intuito de
responder o seguinte questionamento: qual a contribuição de experiências
de Indicação Geográfica do setor vinícola no desenvolvimento dos
territórios em que estão inseridos, considerando as dimensões social,
cultural e ambiental?
Para responder a esse questionamento, parte‐se da premissa de que
algumas regiões ou territórios possuem produtos ou serviços que
apresentam fortes traços de especificidade territorial, condição necessária
para o registro de uma Indicação Geográfica, o que, em geral, resulta na
agregação de valor e valorização econômica dos mesmos no mercado.
Entende‐se, então, que a Indicação Geográfica é um dos instrumentos de
valorização dos produtos com especificidade territorial e que pode, ainda,
contribuir para o desenvolvimento das regiões ou territórios atingidos,
principalmente nas dimensões social, cultural e ambiental.
Assim, teoricamente a pesquisa justificou‐se pela possibilidade de
realçar a importância da Indicação Geográfica para o desenvolvimento de
regiões e territórios atingidos, considerando as dimensões social, cultural e
ambiental do desenvolvimento. Sob o aspecto prático, foi possível levar a
conhecimento o impacto das duas experiências brasileiras de Indicação
Geográfica no setor vinícola já implantada, traçando particularidades e
necessidades para um efetivo avanço em relação ao desenvolvimento dos
territórios de forma sustentável.
Com esse propósito, foram analisadas duas experiências de Indicação
Geográfica já implantadas, ambas do setor vinícola, a Associação dos
Produtores de Vinhos de Pinto Bandeira (Asprovinho), localizada na região
serrana do estado do Rio Grande do Sul e a Associação dos Produtores da
Uva e do Vinho Goethe da Região de Urussanga (Progoethe), localizada ao
sul do estado de Santa Catarina, sendo que em ambas o produto é o vinho,
analisando por meio delas o impacto no desenvolvimento de territórios em
que estão inseridos, considerando as dimensões social, cultural e ambiental.
Em específico, buscou‐se: a revisão bibliográfica sobre Indicação Geográfica
e temas conexos (espaço geográfico, território, identidade territorial,
sustentabilidade e desenvolvimento regional); a investigação da realidade
de Indicações Geográficas do setor vinícola focando as dimensões social,
cultural e ambiental; e a sistematização das principais evidências quanto à

58
sustentabilidade do desenvolvimento de territórios abrangidos por
experiências desse tipo no setor vinícola.
Tomando como referência as experiências analisadas, observou‐se que
as variáveis relacionadas às dimensões social e cultural estão minimamente
contempladas. No entanto, em relação à dimensão ambiental, a preocupação
resume‐se ao atendimento das exigências legais, fazendo‐se necessários
mais avanços.

2. IDENTIDADE TERRITORIAL, INDICAÇÃO GEOGRÁFICA E SUSTENTABILIDADE

No âmbito das discussões sobre desenvolvimento territorial e projetos


de Indicação Geográfica, destaca‐se a perspectiva territorial, possibilidade
que leva em conta a produção de produtos e serviços e a permanência dos
traços históricos e culturais. Junto a isso, debate‐se sobre a capacidade de
organização da sociedade e a gestão de seu território, amparado em um
desenvolvimento que sustente as dimensões sociais, culturais e ambientais.
A sociedade está intimamente ligada ao espaço. É através dele que é
possível observar e perceber as constantes mudanças nas relações
econômicas, políticas ou culturais e identificar suas particularidades. Já o
território é apresentado aqui como gerador de raízes e identidades, ou seja,
singularidade e diferenciação, indispensáveis às regiões e territórios com
projetos de Indicação Geográfica.
A discussão sobre Indicação Geográfica, além de sua relação conceitual
com espaço e território, remete à necessidade de referenciar a questão do
enfoque territorial.
As questões territoriais, conforme Silva e Silva (2001), vêm se
destacando, refletindo o interesse da sociedade como um todo pela temática,
como resultado da crescente e competitiva integração global de lugares e
regiões. Para os autores, o território carece ser entendido sob as seguintes
perspectivas: (a) O território expressa um complexo e dinâmico conjunto de
relações socioeconômicas, culturais e políticas, historicamente
desenvolvidas e contextualmente espacializadas, incluindo sua perspectiva
ambiental; (b) em função das diferentes formas de combinação temporal e
espacial das relações acima citadas, por conseguinte os territórios
apresentam grande diversidade, com fortes características identitárias e isto
envolvendo diferentes escalas; (c) os territórios assim identificados tendem,
potencialmente, a apresentar laços de coesão e solidariedade também
estimulados e dinamizados pelo crescimento das competitivas relações
entre diferentes unidades territoriais no contexto da globalização; (d) os
territórios tendem a valorizar agora suas vantagens (e possibilidades)
comparativas através de formas organizacionais sociais, institucionalmente
territorializadas, capazes de promover uma inserção competitiva e bem

59
sucedida nas novas e dinâmicas relações socioeconômicas, culturais e
políticas de nossos tempos, em uma escala global. Convém destacar que isto
é relativamente recente.
As relações entre o homem e o meio, segundo Chelotti (2010),
possibilitaram que as sociedades historicamente construíssem identidades
territoriais com símbolos, signos e marcas. Com isso, as economias locais
expostas a processos corrosivos de sua dinâmica econômica e de seu tecido
social poderiam engendrar formas de relacionamento capazes de fomentar
identidades, territorial ou histórico‐cultural, que tenham como resultado a
construção de caminhos alternativos para o desenvolvimento, o que de
forma expressa remete à discussão do tema identidade territorial.
Ao notar que os processos atuais de globalização não foram capazes de
adentrar certas regiões ou territórios, é possível perceber a conservação de
diferentes características ligadas à história e cultura em determinados
espaços ou territórios. Atualmente, essas características têm se tornado uma
alternativa de desenvolvimento regional.
A identidade territorial é um elemento diferenciador, seus traços e
características estão ligados ao espaço, à cultura, às relações sociais e ao
patrimônio ambiental, elementos essenciais à Indicação Geográfica e ao
desenvolvimento regional. Nas palavras de Albagli (2004), tais elementos
são chamados de dimensões e são elas as responsáveis pela particularidade
dos territórios, os quais passam a serem moldados a partir da combinação
de forças internas e externas, tais sejam: a dimensão física (clima, solo,
relevo, vegetação e a resultante do uso e práticas dos atores sociais), a
dimensão econômica (consumo e comercialização), a dimensão simbólica
(lugares particulares, relações culturais, afetivas) e a dimensão sociopolítica
(dominação e poder).
A identidade territorial na definição de Haesbaert (1999) é uma
identidade social definida através do território, dentro de uma relação de
apropriação que se dá tanto no campo das ideias quanto na realidade
concreta. Assim, a relação construída entre determinada sociedade e seu
espaço geográfico produzem a identidade territorial. Para Cuche (1999), a
identidade exprime a resultante das diversas interações entre o indivíduo e
seu ambiente social, próximo ou distante.
Saquet e Briskievicz (2009) salientam que as identidades resultam dos
processos históricos e relacionais. Assim, a identidade configura‐se num
patrimônio territorial a ser preservado e valorizado pelos atores envolvidos.
Para os autores, o território envolve o patrimônio identitário, ou seja, o
saber‐fazer, as edificações, os monumentos, os museus, os dialetos, as
crenças, os arquivos históricos, as relações sociais das famílias, as empresas,
as organizações políticas. Esses podem ser potencializados em projetos e
programas de desenvolvimento. Na mesma linha de raciocínio, Fonte et al.

60
(2006) afirmam que a identidade expressa‐se pelos sinais materiais e
imateriais, como os sítios arqueológicos, a música, literatura e artes e,
também, através de sua arquitetura, paisagem, tradição, folclore,
biodiversidade e os produtos alimentares típicos e os produtos artesanais.
Uma forte identidade territorial, para Pollice (2010), não contribui
apenas para estimular processos de desenvolvimento (endógeno e
autocentrado), mas para predeterminar objetivos e estratégias.
Saquet e Briskievicz (2009) contemplam a ideia de que o território, a
territorialidade e identidade acontecem simultaneamente e há uma
dependência mútua também entre território ‐ identidade –
desenvolvimento.
Uma comunidade local, como já se indicou, tende a atribuir um valor
simbólico a alguns elementos da paisagem, reconhecendo‐os como
expressão tangível da própria identidade territorial. A atribuição desses
valores simbólicos se funda quase sempre sobre a imagem que a
comunidade local (insiders) possui de si mesma e da própria especificidade
territorial (POLLICE, 2010, p. 13).
De acordo com Flores (2006), uma gama de novos conceitos
relacionados ao espaço rural vem sendo debatida em nível internacional.
Esses conceitos passam pela agricultura familiar, pluriatividade,
multifuncionalidade da agricultura, atividades não agrícolas rurais,
agroecologia, certificação de origem e qualidade de produtos e
territorialidade, entre outros. Toda essa discussão, segundo o autor, busca a
reaproximação do processo de desenvolvimento rural às expectativas dos
atores locais e o confronto às questões culturais locais e, com o processo de
globalização, no intento de se pensar e programar uma nova lógica de
desenvolvimento.
Na globalização, a produção em massa tem proporcionado a abertura de
um mercado a produtos diferenciados com garantia de qualidade,
procedência e características específicas. “Os ventos da globalização e da
transformação da base técnico‐produtiva trouxeram, em contrapartida, a
revalorização do território e alçaram a territorialidade a fator de
dinamismo, diferenciação e competitividade” (ALBAGLI, 2004, p. 62).
As Indicações Geográficas representam, assim, uma alternativa para
regiões que se encontram fora do processo competitivo da globalização. Tal
processo constitui‐se num instrumento de proteção intelectual que valoriza
elementos sociais, culturais e históricos, apresentando‐se também como
uma forma de integrar a conservação de ambientes característicos e
ameaçados pelos habituais modos de homogeneização do mercado.
Portanto, na implementação de uma Indicação Geográfica voltada aos
princípios do desenvolvimento sustentável se deve buscar a inclusão de
produtores locais, a diversidade cultural e histórica, a melhoria da qualidade
de vida, econômica, social e ambientalmente, ou seja, deve promover o

61
crescimento com equidade, a inclusão e a justiça social e, também, a gestão
dos recursos naturais.
De modo geral, de acordo com Sachs (2009), o objetivo para o
desenvolvimento deveria ser o estabelecimento de um aproveitamento
racional e ecologicamente sustentável da natureza em benefício das
populações, como um componente de estratégia. Outra maneira, ainda, de
encarar o desenvolvimento, segundo o autor, consiste em reconceituá‐lo se
apropriando de três gerações dos direitos humanos: os direitos políticos,
civis e cívicos; os direitos econômicos, sociais e culturais; e os direitos
coletivos ao meio ambiente e desenvolvimento.
O envolvimento entre território, fatores naturais e humanos
desencadeia a formação de uma identidade territorial que, ao longo do
tempo, vem se destacando como uma possibilidade estratégica, singular e
competitiva de inserção de regiões e territórios no mercado globalizado,
além da possibilidade de acesso a bens e serviços. Para Sacco dos Anjos
(2011), a Indicação Geográfica é uma forma de fomentar o desenvolvimento
de zonas rurais que sofrem com o isolamento e crise de perspectivas em
relação ao seu futuro.
O conceito de Indicação Geográfica passou a existir quando
determinados produtos apresentavam qualidade ímpar e eram nominados
pela sua origem geográfica. Esse costume surgiu na Europa, há mais de 150
anos, com produtos como queijos e vinhos. No entanto, tal conceito vem
sendo difundido no meio acadêmico e também em propostas de
desenvolvimento. Para Froehlich e Dullius (2011), no mundo
contemporâneo, onde o mercado valoriza produtos diferenciados, estas
estratégias baseadas em qualidade tornaram‐se um vetor de alto poder de
agregação de valor territorial.
No Brasil, o órgão responsável pela Indicação Geográfica é o Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que a define como a identificação
de um produto ou um serviço originário de um local, região ou país, quando
determinada reputação, característica e/ou qualidade possam ser
vinculadas essencialmente a sua origem particular. É uma garantia relativa à
origem de um produto quanto às suas qualidades e características regionais.
Ou seja, a Indicação Geográfica não pode ser criada, apenas reconhecida.
A Lei nº 9.729, de 14 de maio de 1996, regula a Propriedade Industrial
brasileira e apresenta, em seus artigos 177 a 182, as definições para a
indicação de procedência e denominação de origem, bem como as
modalidades da Indicação Geográfica. Para a Indicação de Procedência,
considera‐se o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu
território que se tenha tornado conhecido, para Denominação de Origem.
Além do nome geográfico, deve‐se se levar em conta qualidades ou
características vinculadas essencialmente ao respectivo meio geográfico,
incluindo os fatores naturais e humanos.

62
A normatização jurídica favoreceu a efetivação de um mercado
diferenciador, cujos produtos com especificidades e garantia dos modos de
produção têm atraído um maior número de consumidores que, segundo
Glass e Castro (2009), estão cada vez mais motivados em consumir esses
produtos, pela sua singularidade e tradição. Bruch (2008) aponta a
Indicação Geográfica como a busca de proteção ao consumidor, assegurando
uma informação correta sobre o produto e a garantia de procedência e
genuinidade.
Ainda quanto aos aspectos jurídicos do reconhecimento de uma
Indicação Geográfica no Brasil, Pimentel (2013) destaca requisitos
essenciais para o pedido de registro e sua concessão tais como: a
organização dos produtores, instituições públicas, associações, empresários,
entre outros, e a comprovação dos produtores estabelecidos na área
geográfica em questão; a comprovação de notoriedade de produtos; as
normas de controle, ou seja, requisitos aos participantes de comum acordo
para serem cumpridos; o design dos sinais distintivos ou logos; o
instrumento oficial que delimita a área geográfica. O autor conclui que, a
partir desses elementos, a Indicação Geográfica se mostra como uma
estratégia coletiva para promoção e comercialização dos produtos.
Para Froehlich e Dullius (2011), recentemente propaladas no Brasil, as
Indicações Geográficas (IGs) são um desafio a ser enfrentado, pois são ainda
incipientes as articulações e os investimentos, dadas as potencialidades da
ampla diversidade biocultural do país e o diferencial de mercado que se
pode atingir. Ainda, para os autores, uma das principais estratégias que
articula identidade territorial e desenvolvimento são as IGs, pois permite a
valorização de atributos locais específicos, buscando associar, no imaginário
do consumidor, relações de tipicidade, cultura e tradição, além de proteger o
patrimônio agrícola nacional e a gerar renda.
Assim, as IGs são vistas como instrumentos importantes para o
desenvolvimento territorial e sustentável. Para Sacco dos Anjos (2011), nos
encontramos diante de um novo discurso sobre a ruralidade em favor dos
produtos, processos e serviços com identidade cultural. O autor expõe o
papel das IGs para o dinamismo, a inovação e a diversificação de áreas
rurais.

3. DESCRIÇÃO METODOLÓGICA

Foram analisadas duas experiências de Indicação Geográfica do setor


vinícola, já implantadas: a Associação dos Produtores de Vinhos de Pinto
Bandeira (RS) (Asprovinho) e a Associação dos Produtores da Uva e do
Vinho Goethe da Região de Urussanga (SC) (Progoethe). Aplicou‐se um
questionário a empresários, agricultores e técnicos envolvidos, tendo como
referencial os elementos teórico‐metodológicos elencados no Quadro 1.

63
Quadro 1 – Questões‐chave para investigação das experiências

Componentes Questões para as entrevistas


Critério
(Sachs, 2009)
* Alcance de um patamar * Como a Indicação Geográfica eleva as
razoável de homogeneidade oportunidades sociais?
social. * Como a Indicação Geográfica aumenta a
* Distribuição de renda justa. viabilidade econômica local e a melhor
* Autonomia, com qualidade de distribuição de renda?
vida descente. * De que forma a Indicação Geográfica se torna
Social

* Acesso a recursos e serviços. inclusiva com os indivíduos envolvidos direta e


indiretamente?
* Melhoria do ambiente urbano.
* Como a Indicação Geográfica organiza os
grupos sociais e quais os reflexos para a
qualidade de vida?

* Equilíbrio entre inovação e * Como a Indicação Geográfica mantém o


tradição. equilíbrio entre inovação e tradição? Ou seja,
* Autoconfiança com abertura em que inova, sem desconsiderar os aspectos
Cultural

para o mundo. ligados à tradição local?


* Respeito à formação cultural. * Como a Indicação Geográfica possibilita a
permanência da cultura no território?
* Quais ações a associação que coordena a
Indicação Geográfica realiza para preservar e
valorizar a cultura do território e sua gente?
* Preservação do potencial de * Como a Indicação Geográfica conserva a
capital natural na produção de paisagem natural do território?
Ambiental

recursos renováveis. * Como a Indicação Geográfica utiliza os


* Limitação do uso dos recursos recursos naturais envolvidos na produção dos
não‐renováveis. produtos?
* Estratégias de desenvolvimento * De que forma a Indicação Geográfica
ambiental seguras para as áreas contribui para o desenvolvimento sustentável
ecologicamente frágeis. ecologicamente?

Fonte: Elaboração própria.

Em contato com as associações responsáveis, foi solicitado o


agendamento de visitas in loco a todas as vinícolas das duas experiências
para aplicação das questões‐chave, observações e coleta de material
disponível. De um total de dezessete vinícolas ou instituições, 82% (13)
participaram da pesquisa.

3.1 VALES DA UVA GOETHE

A Indicação Geográfica denominada Vales da Uva Goethe (Mapa 1) está


estruturada na forma de Indicação de Procedência. Integra os municípios de
Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Treze de Maio, Nova Veneza, Içara,
Orleans e Morro da Fumaça, localizados entre a Serra Geral e o Litoral Sul

64
Catarinense, a qual ficou popularmente conhecida como Região de
Urussanga.

Mapa 1 – Mapa da Região da Indicação Geografia da Uva Goethe

Fonte: Silva et al. (2011 apud VIEIRA; WATABABE; BRUCH. 2012, p. 336, adaptado)

A região de Urussanga foi colonizada por imigrantes italianos com forte


cultura vitivinícola. A história do vinho está presente há mais de 130 anos
nesta região e detém relevante importância socioeconômica.
A Indicação Geográfica em referência é articulada pela Associação dos
Produtores da Uva e do Vinho Goethe (Progoethe), fundada em 2005, que
abrange os produtores de uva e vinho Goethe, além dos prestadores de
serviços de enoturismo, como hotéis, pousadas, restaurantes da região dos
Vales da Uva Goethe. Com grande importância cultural, os Vales das Uvas
Goethe possuem uma identidade única em relação à produção de vinho já
que sua paisagem é característica, seu clima agradável e o patrimônio
histórico mantêm‐se preservado. A cultura e a tradição estão presentes em
todas as vinícolas e famílias que integram os Vales.

3.2 VINHOS DE PINTO BANDEIRA

A área Geográfica delimitada é de 81,38 km²; aproximadamente 91% da


região está localizada em Bento Gonçalves e 9% em Farroupilha, no Estado
do Rio Grande do Sul. (Figura 1).
Antigo distrito do município de Bento Gonçalves, Pinto Bandeira foi
reinstalado no município em 2013, depois de várias discussões judiciais.

65
Figura 1 – Localização da Indicação de Procedência Vinhos de Pinto Bandeira

Fonte: ASPROVINHO (2014, adaptado).

Pinto Bandeira é dotado de identidade territorial e cultural, possui


particularidades nas suas paisagens como as extensas plantações de frutas e
seus parreirais. A característica cultural é a produção de vinhos em
pequenas propriedades familiares. Atualmente, os associados da
ASPROVINHO são: Dom Diovane, Vinícola Valmarino, Vinícola Pompéia,
Vinícola Geisse, Vinícola Aurora e Vinícola Terraças.

4. ANÁLISE DOS DADOS

Os dados coletados foram analisados e interpretados, conforme o


Quadro 1, pelas dimensões social, cultural e ambiental e suas respectivas
questões‐chave.
Na análise da dimensão social, buscaram‐se respostas quanto às
oportunidades sociais, a viabilidade econômica, a inclusão dos indivíduos e a
qualidade de vida. Nas respostas das entrevistas, percebeu‐se que a maioria
não considerou significativo o aumento de oportunidades sociais a partir da
IG. No entanto, destacaram o turismo como estratégia para a melhoria das
oportunidades de acesso a novos serviços e empreendimentos
mercadológicos, pois a Indicação Geográfica trouxe a valorização do meio
local, da cultura e das famílias envolvidas.
Alguns entrevistados afirmam que o preço do produto com IG vem
sendo diluído ao longo do tempo para que não haja um grande impacto no
mercado. Então, verifica‐se um processo contínuo de melhora. Em suma, os

66
entrevistados assumem o posicionamento de que a Indicação Geográfica
facilita o turismo, o qual dá mais visibilidade ao território e,
consequentemente, favorece a implantação de novos empreendimentos e
novas alternativas de desenvolvimento.
Logo, segundo os entrevistados, o valor agregado no produto não se
apresenta como principal conquista, mas, sim, a maior visibilidade dos
produtos, facilitando o acesso aos mercados nacional e internacional.
Argumentaram que a IG possibilitou o acesso de um maior número de
visitantes à região no território, o que, por sua vez, proporciona maiores
ganhos, já que atinge outros empreendimentos e possibilita a venda de
produtos que não possuem selo de IG. A principal reclamação dos
entrevistados está na dificuldade de conseguir inserir produtos nas grandes
redes de mercado no território nacional. Outro fato interessante a ser
considerado é que os entrevistados não colocaram o retorno financeiro
como principal quesito, mas, sim, a valorização do seu produto.
A Indicação Geográfica apresenta‐se como socialmente inclusiva nas
duas experiências. Além da conquista de muitas parcerias e melhoria nas
relações entre empresários, houve também a possibilidade de criar uma
rede que divulga e atrai diferentes públicos, além dos que produzem e
comercializam os produtos com IG, tais como hotéis, restaurantes, artesãos,
todos, mesmo que indiretamente, beneficiando‐se no território.
Um deles resume o fato, afirmando que pode ser considerada “uma
cesta de produtos – turismo, IG, cultura, valorização do território, visitação.
Pousadas e restaurantes usam o selo também para divulgação e atrativo”.
Outra importante contribuição é o fato de que o turismo proporciona essa
inclusão das pessoas envolvidas direta ou indiretamente. “A IG incluiu não
só os produtores e vinícolas, como outros empreendimentos, artesão, etc. Só
não está incluso quem não optou pelo tipo de produção”.
Para um dos entrevistados: “devido ao turismo, é inclusivo. Quando se
fala em cooperativa, é mais fácil a inclusão; trouxe oportunidade de trabalho
na região”. Complementa‐se com outra resposta: “o turista faz quilômetros
para conhecer o vinho”. Ou seja, a região começa a ser inserida em um
cenário mais amplo de produtos diferenciados e começa a ganhar
notoriedade.
A forma de inclusão é específica para cada produtor vinícola ou
empreendimento. Um dos entrevistados contou: “para me incluir tive que
colocar vendedores na rua, diferente de outras vinícolas que têm o turista na
porta”. É possível observar o esforço e a particularidade de cada
vitivinicultor, já que estão localizados em diferentes localidades dentro da
região.
Dois entrevistados apontam situações de exclusão. Para um, “a
legislação brasileira não existe para vinho colonial, isso bloqueia algumas
possibilidade de mercado”; para outro, “a legislação exclui, pois só pode ter

67
selo aqueles que tiverem inscrição no Ministérios da Agricultura, o que
necessita de uma infraestrutura”; em contrapartida, um dos entrevistados
considera que “o produtor não precisa investir muito para produzir vinho
com selo”.
Os entrevistados se referiram à melhoria da qualidade de vida, descrita
nas relações com a comunidade, valorização da cultura e da população local,
interação com o poder público, além de situações mais específicas, como no
acesso aos serviços básicos, tais como água, luz, coleta de lixo e avanços
positivos na infraestrutura. De maneira geral, a Indicação Geográfica
possibilitou o bem‐estar a partir da melhoria das relações e parcerias nos
diferentes setores, no acesso a recursos e serviços.
Na dimensão cultural se questionou sobre a relação entre inovação e
tradição, a permanência da cultura no território e as ações locais de
preservação e valorização cultural. Essa foi a dimensão que teve maior
expressão nas respostas dos inquiridos nas duas experiências de Indicação
Geográfica. Os entrevistados demonstraram preocupação e zelo com a
história e cultura do meio e relação com os produtos. Deixaram clara a
intenção de preservar o território e a paisagem. Foi possível observar o
respeito à tradição e à inovação, além da ampliação da capacidade de
mobilização endógena na busca por objetivos comuns. Em geral, as
inovações não indicam desconfiguração do produto, apenas facilitam o
trabalho dos colaboradores e proprietários, com avanços tecnológicos no
processo produtivo. A tradição é mantida dentro da vinícola como um
acervo para o turista.
As respostas permitem observar que a longa história e a cultura
presente nos territórios são o ponto‐chave para o turismo, sendo esse
concebido na perspectiva da conservação e manutenção das paisagens. A
Indicação Geográfica se tornaria um recurso importante para a manutenção
e permanência dessa cultura no território. No entanto, a falta de mais
projetos por parte do poder público é considerada pelos entrevistados como
preocupante, pois consideram que seria fundamental para o sucesso da
Indicação Geográfica.
Nas duas experiências de IG, houve concordância quanto à importância
das Associações que coordenam as atividades da IGs. Nessa categoria, todos
os posicionamentos foram positivos.
Nas respostas dos entrevistados a associação tem um papel importante,
pois, em suma: “incentiva e melhora as condições de venda, o que possibilita
uma maior visibilidade da região e do vinho”; “realiza festas regionais,
participação de feiras e eventos, parcerias com EPAGRI”; “responsabilidade
sobre o selo da IG, marketing e atrativos turísticos”; “sinalização, folders,
contato com jornalistas, parcerias para fortalecimento, aumento do número
de visitantes; assuntos sobre turismo e vinhos são levados para reuniões,

68
palestras para a comunidade, ações com escolas, artesanato como
valorização”.
A dimensão ambiental envolve a sustentabilidade ambiental, a
conservação da paisagem natural, a utilização dos recursos naturais e a
contribuição da atividade com o desenvolvimento sustentável
ecologicamente. Nas experiências de IG analisadas, essa dimensão não é
vista como prioridade. Além disso, não há preocupação aparente dos
produtores ou proprietários vinícolas com as questões ecológicas. A racional
utilização de recursos naturais não é levada em conta na produção de
produtos com selo de Indicação Geográfica.
Para os entrevistados há um grande interesse em conservar a paisagem
natural atual do território. Notou‐se durante os questionamentos que, como
as vinícolas já estão instaladas e já conseguem fazer uma projeção de
produção/plantio, não há preocupação na desconfiguração do território com
o aumento de parreirais. Para um entrevistado, “há preocupação com a
especulação imobiliária e a migração do interior para cidade”.
Como a indicação geográfica está diretamente ligada ao turismo, para
eles o turismo tem relação com a paisagem natural. Os entrevistados
demonstraram “grande preocupação com a paisagem; a paisagem vai no
nosso rótulo”; “a IG está estritamente relacionada ao território e sua
paisagem. Sua manutenção é fundamental para a consolidação da IG”;
também vale ressaltar que “a intenção é que as pessoas venham para cá
conhecer a paisagem”. Ratifica‐se nas palavras de outro entrevistado, “a
vinícola está inserida em roteiros turísticos. Estar entre a serra e o mar faz
com que seja especial. A paisagem tem causado curiosidade e está sendo
inserida no mapa turístico brasileiro”.
Quanto à utilização dos recursos naturais não há distinção da utilização
antes ou depois da implantação da IG. De acordo com um dos entrevistados,
“a IG para vinhos está relacionada ao “terroir”, que envolve o clima, solo,
inclinação do terreno e até mesmo o manejo do vinhedo”, mas, de modo
geral, não é um fator dominante para a Indicação Geográfica.
Outro entrevistado afirma: “Nunca fiz esta relação. Existe um limite de
produção por hectare, mas não por região, poderia plantar vinhedos por
toda a região. Isto é uma escolha da vinícola em utilizar os recursos naturais
e conservar a paisagem”.
Não se percebe uma preocupação dos produtores ou vinícolas com a
ecologia. Doze, dos treze entrevistados se posicionaram negativamente
quanto à contribuições para o desenvolvimento sustentável ecologicamente.
O que os produtores ou vinícolas realizam são o controle de recolhimento de
embalagens, o cadastro vitícola, referente à produção familiar e o
atendimento às legislações ambientais existentes.
Somente um entrevistado posicionou‐se positivamente afirmando que

69
na sua vinícola tem instalado o TPC (sistema Thermal Pest Control), um
processo de imunização de culturas agrícolas à base do ar quente.
No entanto, os entrevistados afirmaram que há um grande interesse em
conservar a paisagem natural atual do território. Ou seja, a paisagem natural
é vista como atrativo, tem relação direta com a venda do produto e o
turismo. No entanto, não é considerada um ativo diferencial.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito desta pesquisa foi investigar acerca da contribuição das


experiências de Indicação Geográfica do setor vinícola no desenvolvimento
dos territórios atingidos, considerando as dimensões social, cultural e
ambiental. Para o presente estudo, foram tomadas como referência duas
experiências do setor vinícola, a Associação dos Produtores de Vinhos de
Pinto Bandeira, localizada na região serrana do estado do Rio Grande do Sul.
e a Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe da Região de
Urussanga, localizada ao sul do estado de Santa Catarina. Como
procedimento metodológico, foram utilizadas entrevistas, observação direta,
pesquisa documental e bibliográfica.
Nesta investigação, partiu‐se da hipótese de que algumas regiões ou
territórios possuem produtos ou serviços com especificidade territorial e
que a Indicação Geográfica poderia contribuir para o desenvolvimento
sustentável dos territórios atingidos, em especial, nas dimensões social,
cultural e ambiental.
Finalizando, retoma‐se a questão central que motivou esta investigação:
qual a contribuição de experiências de Indicação Geográfica no
desenvolvimento dos territórios em que estão inseridas, considerando as
dimensões social, cultural e ambiental?
A investigação dessa temática é fundamental, pois o Brasil possui um
extenso território, com diferentes especificidades, o que se apresenta como
potencialidade para a instituição de um grande número de experiências de
Indicação Geográfica, valorizando os ativos naturais e culturais, além de
surgimento de novos produtos turísticos, os quais a longo prazo, pelo menos
em tese, poderiam estimular o desenvolvimento territorial com destaque
para as dimensões socioeconômica, cultural e ambiental.
Considerando as análises permitidas pela presente investigação,
entende‐se que a Indicação Geográfica pode contribuir para potenciar
estratégias de desenvolvimento territorial sustentável. No entanto,
deveriam considerar regras para a produção de produtos que levassem em
conta as dimensões social, cultural e ambiental, além da econômica.
Entende‐se que a efetividade dessa perspectiva implicaria em que o
planejamento de experiências de IG considerasse aspectos tais como: (1) a
valorização da economia local, com apoio aos empreendimentos já
existentes; (2) a manutenção da tradição e cultura local, o que contribuiria,

70
por exemplo, na sustentação do setor turístico; (3) incentivo à conservação
da paisagem, como patrimônio cultural e ambiental da comunidade local; (4)
facilitação das relações entre empresários, sociedade local e poder público;
(5) criação de estratégias que favorecessem a competitividade dos produtos
locais frente ao mercado nacional e internacional. Especificamente em
relação à dimensão ambiental, implicaria em uma alternativa de
desenvolvimento gerada por experiências de Indicação Geográfica que
atentasse ao uso racional da água, o uso e conservação do solo, preservação
de áreas naturais existentes e aplicação de práticas agrícolas sustentáveis
como diferencial na produção dos produtos.
Tomando como referência as experiências analisadas, conclui‐se que as
variáveis relacionadas às dimensões social e cultural estão minimamente
contempladas. No entanto, em relação à dimensão ambiental, a preocupação
resume‐se ao atendimento das exigências legais, sendo necessários novos
avanços.
Tem‐se consciência das limitações do presente estudo, principalmente
por terem sido observadas apenas duas experiências de um único setor.
Além disso, se tratam de experiências ainda recentes, sendo que a análise da
sua prática atinge um período muito curto, não permitindo análises mais
aprofundadas. Mesmo em se tratando da análise dessas ou outras
experiências, sugere‐se para pesquisas futuras envolver um maior número
de entrevistados, atingindo os demais setores produtivos locais, ou seja,
pousadas, restaurantes, hotéis e a comunidade, com a intenção de melhor
perceber o impacto da Indicação Geográfica em todo o território.

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72
CAPÍTULO 4

O PATRIMÔNIO CULTURAL COMO ATIVO


TERRITORIAL NO DESENVOLVIMENTO
REGIONAL1

Márcia Fernandes Rosa Neu ‐ UFPR


Patricia de Oliveira Area – UNIVILLE

INTRODUÇÃO

A produção deste artigo se fundamenta nas reflexões realizadas durante


a participação na execução de um Projeto de Pesquisa, financiado pela
FAPESC, coordenado pelo Prof. Valdir Roque Dallabrida, da Universidade do
Contestado, nas reuniões com a equipe de pesquisa do referido projeto e
quando da participação na Rede Iberoamericana de Estudos sobre
Desenvolvimento Territorial e Governança2.
Durante as pesquisas e os debates sobre desenvolvimento regional e
Indicações Geográficas, um problema se apresentava recorrente entre os
pesquisadores: a participação ou adesão da população na implantação e
implementação de uma Indicação de Procedência ou de uma Denominação
de Origem. A participação da comunidade em geral é o que garante o seu
próprio reconhecimento. A exemplo dos países europeus que, de modo
geral, possuem uma grande experiência de desenvolvimento regional
fundamentado nos pequenos produtores, no associativismo e nas ações
cooperadas para a valorização das Indicações Geográficas (IGs), no Brasil
têm surgido vários movimentos, inclusive por meio de políticas públicas,
para gerar o desenvolvimento regional com o reconhecimento dos próprios
produtores do seu potencial.3

1
O texto resume reflexões realizadas durante a execução do Projeto de Pesquisa Território,
Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como
estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, financiado pela
FAPESC, Chamada Pública Nº04/ 2012/Universal.
2
A Rede resultou de encontro que reuniu professores de universidades brasileiras, de Portugal
e Espanha, no dia 17 de agosto de 2014, na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
Propõe o estudo comparado de práticas de desenvolvimento territorial e governança,
envolvendo pesquisadores universitários, técnicos profissionais ou gestores públicos e
privados que estudam ou estão envolvidos em experiências de desenvolvimento territorial e
governança. Na objetivação de seu propósito básico propõe-se realizar parcerias com
pesquisadores universitários e estudiosos de países iberoamericanos. O endereço provisório de
contato é: valdirroqued897@gmail.com.
3
Sobre o assunto, é interessante mencionar a publicação de Krone e Menasche (2010) na qual
é analisada o uso de ferramenas como patrimonialização e indicações geográficas para gerar
desenvolvimento regional com base em produtos tradicionais.

73
Apesar do patrimônio cultural não ser especificamente o objeto
tutelado pelas Indicações Geográficas, a exclusividade sobre o signo
distintivo vinculado a uma região geográfica está intrinsecamente
relacionada à tradição e identidade cultural da comunidade dessa região.
Essa relação impacta direta e indiretamente a comunidade local e sua
participação e pertencimento à exploração econômica dos produtores e/ou
serviços com o signo distintivo protegido por indicações geográficas.
Portanto, para que esse processo de desenvolvimento regional ocorra,
se faz necessária a reflexão sobre o patrimônio cultural das comunidades
envolvidas. É imprescindível que a comunidade, mais especificamente, os
agentes da cadeia produtiva, reconheça o potencial que uma integração
cooperada pode gerar para todos. E mais, que se tomem os devidos cuidados
para que não exista um esvaziamento simbólico desse patrimônio cultural, o
que tornaria determinado produto e/ou serviço apenas uma commodity a
ser consumida, desassociado da trajetória histórica e patrimonial da
comunidade.
Nesse esforço, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA), associado ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e
com o apoio de membros da Rede Iberoamericana de Estudos sobre
Desenvolvimento Territorial e Governança, elaborou um curso com o
objetivo de gerar empoderamento sobre o potencial das IGs, cuja proposta é
formar gestores locais para promover as Indicações Geográficas e sua
relação direta com o patrimônio cultural de uma comunidade. Essa mesma
comunidade precisa ser envolvida num amplo trabalho de Educação
Patrimonial para que possa reconhecer e valorizar sua cultura. Não é tarefa
fácil, haja vista que a fase atual do capitalismo remete para os grandes
monopólios e os oligopólios, que tentam dominar o mercado e impor, dessa
forma, uma uniformização cultural para uma massificação do consumo.

2. PATRIMÔNIO CULTURAL E OS ATIVOS DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL

“O capitalismo é um processo, não é uma coisa”, já disse David Harvey


(1989, p. 307). Contudo, continua o autor, é um processo de reprodução da
vida social por meio da produção de mercadorias, envolvendo todas as
pessoas no mundo capitalista. Enquanto o capital mascara. fetichiza e
alcança crescimento mediante a destruição criativa, cria novos desejos
humanos e necessidades, transforma espaços e acelera o ritmo da vida. Ou
seja, muda culturas (HARVEY, 1989).
O fordismo, modelo de desenvolvimento e regime de acumulação
implantado em meados do século XX, se fundamentou na produção em série
e apoiou‐se no consumo de massa. A crise desse modelo de produção levou
ao que muitos autores chamaram de fase pós‐fordista, ou fase flexível de

74
produção, criada no final da IIª Guerra Mundial na indústria Toyota, no
Japão (BENKO, 1999). O consumo de massa alterava hábitos e costumes (ou
seja, alterava as culturas) principalmente entre os mais jovens.
A cultura aqui discutida se baseia no conceito criado por Tylor (1877,
apud MINTZ 2009) no qual busca “[...] refletir os produtos comportamentais,
espirituais e materiais da vida social humana”. A cultura é inerente ao ser
humano em sociedade.
No sistema mais flexível, Benko (1999, p 29) destacou que a passagem
para o novo regime de acumulação é acompanhado de mudanças
importantes nos modos de produção e de consumo. O consumo em massa
continua como importante forma de acumulação para as indústrias de modo
geral. Entretanto, como resistência involuntária, há a valorização de
produtos com referências culturais distintas.
Essa sociedade de consumo e massificação está vinculada à própria pós‐
modernidade, que tem como principais critérios a performatividade e
funcionalidade. Segundo Westphal (2004, p. 20), “[...] para a filosofia pós‐
moderna, não há um poder regulamentador ou um ponto de convergência,
pois o critério não é o da justiça ou de autoridade e nem de verdade, mas de
performatividade (desempenho)”. Em outras palavras, a principal questão
hoje é: para que serve, qual sua função, qual retorno deste objeto? Ainda
conforme Westphal (2004, p. 21), “[...] o que se busca não está mais ligado ao
falso ou verdadeiro, ao justo ou injusto, mas ao critério da competência e
performatividade, ou seja, da eficiência e da lucratividade”.
Ao se aplicar a lógica da performatividade e funcionalidade (produção
em massa) para esses produtos e/ou serviços tradicionais, poderá haver um
esvaziamento do próprio sentido do patrimônio cultural existente na forma
de fazer tradicional. Esvaziado o ativo cultural, essa comunidade local não
conseguirá sobreviver à lógica de mercado das grandes corporações, por
não ter escalarilidade suficiente para suprir as demandas de mercado. Com
isto, haverá uma desvalorização da comunidade local e uma exclusão e
desempoderamento desses agentes tradicionais.
Portanto, auxiliar uma comunidade no reconhecimento de sua
identidade cultural e, a partir daí, do seu potencial econômico é uma
estratégia fundamental para o processo de criação das Indicações
Geográficas como promotoras do desenvolvimento regional, tendo sempre
em conta que a identidade cultural em si é um dos principais ativos.

2.1 O PAPEL DOS ATIVOS NO DESENVOLVIMENTO DOS TERRITÓRIOS E SUA


RELAÇÃO COM A CULTURA LOCAL

O processo de mundialização em curso destrói as identidades culturais


das comunidades locais. Para Camargo (2009, p. 41) “[...] um dos grandes

75
debates da atualidade que se manifestam como elemento‐chave do combate
à globalização é a questão da territorialidade do lugar e da identidade”. O
reconhecimento do patrimônio cultural de uma comunidade é fundamental
para posicionar o cidadão em seu contexto, tornar sua visão de mundo mais
ampla e destituir as suas amarras políticas e ideológicas. Repensar a
identidade à luz da complexidade significa perceber o constante
renascimento do cidadão, significa a integração do local e do global num
intenso fluxo de conexão (CAMARGO, 2009, p. 41 a 43).
Para Castells (1996), as pessoas ainda vivem em lugares onde a função e
o poder são organizados no espaço e onde a lógica da dominação estrutural
altera essencialmente o significado e a dinâmica do lugar. A construção da
identidade de um povo está na base cultural, afirma o autor. O processo de
globalização ocorre no lugar, mas quando a identidade cultural é basilar ela
pode ser o diferencial no sistema produtivo (CASTELLS, 1996, p. 458).
Por essa razão, a própria Constituição Federal Brasileira de 1988 sofreu
uma alteração em 2012, pela Emenda Constitucional nº 71, a qual, dentre
outras alterações, acrescentou o art. 216‐A, que destaca a importância da
cultura para o desenvolvimento nacional e a importância da participação de
todos, de forma descentralizada e participativa, envolvendo tanto os entes
da federação como a própria sociedade. E no Art. 216, manteve o conceito
amplo de patrimônio cultural, englobando bens de natureza material ou
imaterial, conforme se vê abaixo:

Art. 216‐A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de


colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de
gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e
permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por
objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno
exercício dos direitos culturais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de
2012) [...].

Portanto, patrimônio cultural é um conceito complexo, que reflete em


seu conteúdo não só a construção histórica da sociedade, mas
principalmente a relação que estas possuem com as pessoas que fazem parte
de manifestações culturais. Está relacionado a pertencimento, memória,
identidade cultural, o que está vinculado necessariamente a pessoas, à
coletividade. Veloso (2006, p. 440 et seq) destaca tal relação com a
coletividade: “[...] o importante a destacar é a intrínseca relação existente
entre patrimônio cultural e experiência coletiva, ou seja, os saberes e fazeres
tradicionais e genuínos são conhecimentos compartilhados que fazem parte
do repertório cultural comum de um determinado grupo”. A tradição
cultural, por sua vez, “[...] é fruto de uma tessitura muito complexo que os
indivíduos tecem com base em elementos da história, da memória e do

76
cotidiano”. Daí a importante relação entre Indicação Geográfica, ativos
territoriais e patrimônio cultural. Para Guia (2010), o debate sobre o
ordenamento territorial e o desenvolvimento regional brasileiro precisa ser
discutido à luz da temática social, ambiental e econômica. Nesse sentido, o
patrimônio cultural é uma referência pouco utilizada quando se trata do
desenvolvimento do Brasil. Já quando se trata de agências internacionais,
Unesco, Banco Mundial, entre outros, como lembrou o autor, o elemento
cultural é fundamental para discutir o desenvolvimento econômico de
diversas atividades, dentre elas o turismo. No Brasil, país com enorme
diversidade cultural, o conteúdo cultural de seu território sofre de um
“processo de anomia generalizada”.
Segundo o Guia,

[…] a agenda de desenvolvimento econômico do país desconsidera o


patrimônio cultural ou pelo desconhecimento acerca do conteúdo cultural do
território brasileiro, ou pela resistência, em suas políticas nacionais e
subnacionais, de considerar os instrumentos de proteção (inventário, chancela,
tombamento, registro) como medidas eficazes de promoção do
desenvolvimento nacional (GUIA, 2010, p. 4).

O Brasil sofre de grande desconsideração do patrimônio cultural


brasileiro, lembrou o autor, já que o Brasil dispõe de “[...] mais 1.125 bens
tombados pelo Governo Federal, incluindo igrejas, terreiros, jardins
históricos, paisagens naturais, lugares sagrados" [...], dentre outros bens e
manifestações culturais (GUIA, 2010, p. 5). Esses patrimônios culturais e
diversos outros que ainda não foram inventariados já não seriam suficiente
para se promover arranjos produtivos locais?
Algumas tentativas têm sido realizadas a fim de estimular a organização
da base produtiva local em torno da identidade cultural, mas com pouca
adesão da população4. Qual o motivo para esse distanciamento? Como
aproximar as pessoas para construir alternativas produtivas que promovam
o desenvolvimento regional? Uma hipótese plausível para esse
distanciamento é a fase atual da organização do desenvolvimento capitalista,
existente na pós‐modernidade, que reforça o individualismo, com pequenas
participações em associações, sindicatos, entre outras iniciativas de
organização da sociedade civil. Westphal (2010, p. 11) afirma que "[...] o eu
passa a ser o eixo e o critério para o agir moral. A pergunta fundamental é: O
que eu ganho ao ser ético na relação com o outro?”
Singer (2004) diferenciou o desenvolvimento capitalista do

4
Exemplos dessas tentativas são as associações que se organizam para pedir IGs com base no
saber-fazer tradicional local de, principalmente, produtos. Contudo, dessas IGs registradas,
poucas efetivamente estão atuantes no mercado, gerando renda e desenvolvimento regional
para as comunidades.

77
desenvolvimento solidário. Para ele, o desenvolvimento capitalista é
realizado com os valores da competição, do individualismo e do Estado
mínimo. Já o desenvolvimento solidário é realizado com pequenas
comunidades, por meio de cooperativas ou associações de trabalhadores,
que, mesmo competindo entre si pelo mercado, estabelecem uma espécie de
ajuda mútua.
Nesse sentido, a proposta das indicações geográficas é a de estabelecer
um desenvolvimento solidário, já que se faz necessário gerar na cadeia
produtiva ações coletivas com benefícios para todos os produtores, ainda
mais considerando que a titularidade da indicação geográfica é coletiva5.
Ainda segundo Singer (2004), uma das características do desenvolvimento
capitalista é o seu caráter excludente. Nos últimos anos os consumidores
têm se beneficiado com oportunidade de satisfazer as suas necessidades de
novos bens e serviços com preços mais reduzidos. No entanto, reforçou
Singer (2004, p.10), o “[…] desenvolvimento capitalista é seletivo, tanto
social como geograficamente”. Haja vista o comércio internacional, no qual
os países do Atlântico Norte apresentam comércio externo com
movimentação portuária muito mais intensa se comparado aos países do
Atlântico Sul. As localidades excluídas perdem participação na renda global,
perdem vigor econômico, reduzindo as possibilidades de novos
investimentos em infraestruturas, educação, saúde, entre outros. Cria‐se o
círculo vicioso do subdesenvolvimento.
O surgimento das reflexões e de diversas iniciativas baseadas no
desenvolvimento solidário pode gerar alternativas de renda a partir do
patrimônio cultural da comunidade. Aparece como uma forma de resistência
à “economia do dinheiro”, a qual Marx acusava de dissolver as comunidades
tradicionais (apud HARVEY, 2001, p. 98).

2.2 RISCOS E DESAFIOS DA MERCANTILIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Como se observou, o uso das Indicações Geográficas se estabelecem


como uma importante ferramenta para o desenvolvimento regional a partir
da exploração econômica de produtos e/ou serviços, com identidade
cultural, vinculando‐os a signos distintivos baseados em nomes geográficos.
Em outras palavras, é utilizar‐se da própria origem tradicional dos produtos
e/ou serviços como diferencial competitivo no mercado, gerando renda e
espaço no mercado para os produtores tradicionais.
Yudice (2013, p. 26‐27), tratando a cultura como recurso, também

5
Essa é, inclusive, uma exigência legal, consubstanciada no art. 182, da Lei nº 9.279/1996: “O
uso da indicação geográfica é restrito aos produtores e prestadores de serviço estabelecidos no
local, exigindo-se, ainda, em relação às denominações de origem, o atendimento de requisitos
de qualidade”.

78
destaca essa instrumentalização da arte e da cultura, fruto da própria
desmaterialização das várias fontes de crescimento. Esta ocorre ora para
legitimar diferenças culturais, ora para estimular o crescimento econômico.

[...] hoje em dia é quase impossível encontrar declarações públicas que não
arregimentem a instrumentalização da arte e da cultura, ora para melhorar as
condições sociais, como na criação de tolerância multicultural e participação
cívica através de defesas como as da UNESCO pela cidadania cultural e por
direito culturais, ora para estimular o crescimento econômico através de
projetos de desenvolvimento cultural urbano e a concomitante proliferação de
museus para o turismo cultural, culminados pelo crescente número de
franquias de Guggenheim.

Pode ser uma importante ferramenta para o desenvolvimento regional


e empoderamento da comunidade, coordenando crescimento econômico
com preservação sustentável do patrimônio cultural local. Contudo, a
exploração econômica, por si só, não é garantidora de desenvolvimento
sustentável de uma comunidade e seu patrimônio cultural. Muito pelo
contrário, ela pode trazer consequências prejudiciais no que tange à
preservação do patrimônio cultural. A exposição e submissão do patrimônio
cultural à lógica do mercado, do consumo próprio da pós‐modernidade,
pode provocar externalidades negativas, na medida em que transforma o
bem cultural em uma simples commodity, provocando um “esvaziamento”
do conteúdo patrimonial desse bem. Veloso (2006, p. 439) destaca esse
perigo:

O perigo que se corre é o de transformar os bens culturais em meros objetos de


consumo, em transformar o patrimônio material em expressão de uma história
rasa; ou, ainda, transformar as manifestações culturais do patrimônio imaterial
em fetiche, ou seja, privilegiar o produto transformado em objeto de consumo
como qualquer outra mercadoria que circula na sociedade atual.

Veloso (2006) chama essa situação de “fetiche do patrimônio”, que é


transformá‐lo em produto customizado para consumo, promovendo uma
distinção social daqueles que o consomem. Nas palavras de Veloso (2006, p.
438):

O chamado capitalismo tardio, marcado pela internacionalização do capital e


flexibilidade do trabalho, entre outras consequências, provocou uma profunda
mercantilização da cultura, introduzindo a noção de que o consumo cultural
promove distinção social. O patrimônio cultural, tanto o material quanto o
imaterial, extrai sua singularidade por expressar ‘marcas de distinção’ que, por
sua vez, remetem a situações específicas vividas por uma determinada
comunidade [...]

[…] Portanto, tornar o patrimônio um fetiche, considerar apenas o seu


produto objetivado é um risco palpável diante da sociedade de consumo e da

79
‘modernidade liquida’ (BAUMAN, 2001). Nela o fragmento, a aparência e o
individualismo imperam.

Assim, a maior riqueza do patrimônio cultural é a ideia de


pertencimento (VELOSO 2006) e é através dele que se poderá efetivar o
empoderamento da população sobre a exploração econômica dos produtos
e/ou serviços tradicionais vinculados ao território. Ademais, há que se
atentar para os riscos que o consumo desses ativos territoriais podem trazer
para a própria referência cultural do patrimônio cultural das comunidades.
Os ativos do território existem em todas as localidades, mas precisam
ser descobertos já que muitas vezes as pessoas, individualmente envolvidas
em suas rotinas, não identificam novas possibilidades. Para esse despertar
da valorização cultural da comunidade, acredita‐se que é necessário
empregar as metodologias da Educação Patrimonial.
A Educação Patrimonial é um processo que precisa atuar baseado nos
princípios de Paulo Freire, de uma educação libertadora. A Educação
Patrimonial não pode atuar como acumulação de conhecimentos, nem como
disciplina escolar, mas deve ser capaz de ajudar na estruturação do tempo e
do espaço, desenvolvendo os sentidos e, mais particularmente, a capacidade
de ver, de desvelar.

2.3 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E A CULTURA LOCAL

A cultura das comunidades está encoberta por muitas investidas da


industrial cultural de massa. Segundo Morin (2002):

[...] a chegada do cinema, da grande imprensa e depois do rádio e da televisão


no século XX conduziram ao desenvolvimento da industrialização e da
comercialização da cultura com o auxílio dos seguintes fatores: da divisão
especializada do trabalho, da padronização do produto e sua mensuração
cronométrica, da busca da rentabilidade e do lucro (MORIN, 2002, p. 02).

A cultura de cada comunidade se integra à complexidade e permite ao


ser humano se reconhecer no grupo, na sociedade. Os meios de comunicação
de massa tendem a homogeneizar as culturas, garantindo, assim, a
lucratividade. No desenvolvimento capitalista, segundo Singer (2004),
somente alguns conseguem realmente ganhar.
A proposta de desenvolvimento solidário parte da cultura local,
permitindo o reconhecimento das potencialidades das comunidades e
constituindo, em toda a cadeia produtiva, um processo de ajuda e de
cooperação.
É outra lógica, fora dos padrões reproduzidos pela população.
Entretanto, as estratégias que envolvem a educação patrimonial tornam
possível o estabelecimento do vínculo com a comunidade e, a partir daí, uma
proposta de desenvolvimento solidário.

80
Para Peregrino (2012):

[...] a forma de garantir a preservação dos valores culturais da sociedade e a


inserção do patrimônio cultural no cotidiano das comunidades passa
necessariamente por ações voltadas para a sensibilização dos cidadãos,
sujeitos da transformação social e importantes agentes para se alcançar o
desenvolvimento sociocultural (PEREGRINO, 2012, p. 5).

Nesse sentido, segundo o autor, a palavra patrimônio carrega a noção


de bens carregados de memória, aquilo que herdamos, que se acumula com
o passar do tempo, podendo assumir valor econômico, mas que precisa estar
relacionado ao “[…] vínculo do apoderamento, de pertencimento”
(PEREGRINO, 2012, p. 5). O patrimônio cultural referencia a identidade de
uma comunidade, cria forma e permite a criação das indicações Geográfica,
pois, na maioria dos casos, a cultura tem valor econômico.
A valorização do patrimônio cultural brasileiro precisa passar por ações
pedagógicas, nos lembrou Peregrino (2012), já que precisa desenvolver um
processo permanente de conhecimento junto à comunidade. A Educação
Patrimonial pode ser uma das formas de gerar a formação cidadã, pois
auxilia o sujeito no processo de solidariedade, que, de modo coletivo, possa
buscar o sentido de pertencimento e apoderamento. Tais sentidos, na visão
do autor, são essenciais para a auto‐estima comunitária e contribuem para a
preservação do patrimônio cultural.
Para Londres (2012), a valorização do patrimônio cultural se
fundamenta na transmissão, difusão e apropriação dos cidadãos que, em
comunidade, preservarão seus bens. Os produtos regionais passam a
apresentar‐se com especificidades da cultura, fortalecendo os vínculos
identitários. A educação patrimonial remete a um caminho de preservação
dos bens como prática social, inserida na vida das pessoas, em interlocução
com a sociedade e os serviços públicos (LONDRES, 2012, p. 15).

2.4 DESENVOLVIMENTO SOLIDÁRIO OU SEMI‐SOLIDÁRIO ‐ CASO DA FLUSS


HAUS EM SÃO MARTINHO ‐ SC

Singer (2004, p. 15) refletiu sobre o “[…] desenvolvimento semi‐


capitalistas ou semi‐solidário”, que na fase do capitalismo flexível aparece
com mais evidência. O aumento das pequenas e médias empresas propicia
aos trabalhadores atuar junto com os proprietários e até auxiliar na
condução da empresa.
Segundo o autor,

[…] Neste ambiente, não há segredo do negócio. Os empregados em geral


conhecem os clientes e o valor do bem ou serviço que lhes é vendido. Podem
calcular o valor que produzem e o que lhes é pago (SINGER, 2004, p. 15).

81
O operário tem mais flexibilidade para auxiliar em diversas tarefas nas
pequenas e médias empresas, inclusive aprendendo sobre o negócio, o que
lhe permite criar, em algumas condições, seu próprio negócio ou crescer
com a empresa.
Nesse sentido, trazemos como exemplo um empreendimento criado
numa comunidade rural de origem alemã, no Município de São Martinho SC.
A empresa Fluss Haus, ou Casa do Rio, cujo lema se respalda nas tradições
culturais quando diz logo na entrada: pensando no futuro, sem perder as
tradições do passado (figura 1).

Figura 1: Placa na entrada da Fluss Haus na Comunidade de Vargem do Cedro, São Martinho.

Fonte: autora.

Essa empresa atua há 18 anos e representa para os moradores a


alternativa ao êxodo rural. Na história da empresa, segundo os
proprietários, há um misto de superação, trabalho em família e tradição.
Segundo eles, uma grande crise na lavoura forçou a busca de soluções:
fabricar pequenos lotes de pães, roscas, bolachas decoradas com receitas da
família e vender na região.
Quando as pessoas conheceram os produtos começaram a comprar,
enfrentado estrada de chão com pontes de madeira, passando por diversas
áreras rurais, até uma pequena comunidade com pouco mais de 30 casas
espalhadas nas propriedades rurais e cercadas por plantação de milho, soja,
fumo, feijão entre outros. Durante o trajeto, os compradores já tinham
iniciado seu mergulho na cultura local, alguns se identificando mais, outros,
estranhando. Mas havia, de modo geral, o encantamento do ingresso em uma
cultura diferente. Ao chegar lá, optavam por comer os produtos no local e
pediam aos proprietários café e chá para acompanhar as bolachas, roscas e
pães caseiros. A partir dessa demanda, montar um café colonial, com ampla
área de lazer e almoço nos fins de semana, foi um pequeno passo (figura 2).

82
Figura 2: Acesso a Fluss Haus ‐ na Comunidade de Vargem do Cedro em São Martinho SC.

Fonte: site www.flusshaus.com.br.

Atualmente, a comunidade gira em torno desse empreendimento, que


emprega mais de 80 trabalhadores fixos e terceiriza parte da produção de
salgados e tortas, gerando novos empreendimentos no entorno. Alguns
vendem artesanato em pequenas lojas, outros instalaram uma pousada,
todos próximo a Fluss Haus, sem contar ainda restaurantes no trajeto, que
aproveitam as belezas naturais das quedas d’agua e o constante fluxo de
turistas pele estrada. A comunidade, e mais especificamente a Fluss Haus,
recebe em torno de 5 mil pessoas por mês, o que supera em muito toda a
população de São Martinho que, segundo o IBGE 2010, é de 3.323
habitantes.
No entanto, é necessário que os moradores e os empreendimentos
formem uma comunidade organizada onde, segundo Singer, (2004, P. 16)
“[…] o progresso dele depende do progresso da comunidade e, portanto, do
progresso de cada um dos outros membros dela […]”. Essa região poderia
ser condenada ao esvaziamento e a saída dos jovens para a cidade, como
tantas outras realidades brasileiras. Atualmente, porém, muitos jovens
retornam, pois conseguem empregos na sua comunidade.
A Indicação Geográfica dos produtos de Vargem do Cedro (São
Martinho) poderia ser uma sequência natural, pois a comunidade já teve o
seu despertar da Educação Patrimonial, que não chegou por meio de pessoas
alheias à comunidade, mas partir de iniciativa criada numa situação de
extrema necessidade, combinada à cultura da comunidade.

83
Manter o ambiente sustentável e sensibilizar os demais moradores do
Município, por meio da Educação Patrimonial, pode auxiliar na preservação
das tradições culturais e projetar o futuro. Essas indicações permitirão que
outros exemplos como este possam surgir em tantos municípios brasileiros
que carecem de alternativas geradoras de renda, apesar de estarem
sentados sobre o "pote de ouro", a sua riqueza cultural, mas que não a
reconhecerem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Indicações Geográficas constituem mecanismo de geração de renda


num modelo de desenvolvimento solidário. No entanto, nossa cultura
econômica deriva do capitalismo, que pressupõe competição, exclusão. Para
esse modelo que se propõe, se faz necessária a cooperação, de modo que em
todos na comunidade possam crescer juntos.
Contudo, os produtores e a própria população da respectiva
comunidade participarão quanto maior for sua consciência de
pertencimento com o empreendimento da indicação geográfica. E essa
consciência está intrínsecamente relacionada com o patrimônio cultural
local.
Para isso, se fazem necessários o reconhecimento e a valorização da
riqueza cultural das comunidades. A globalização no processo fordista de
produção gerou a massificação tanto do consumo como da produção. No
entanto, a crise desse modelo permite o surgimento de modelos
alternativos, mais cooperativos, centrados na cultura local. Esse diferencial
de produção não encontra concorrência, pois é único, não existe outro igual.
No entanto, a sensibilização da comunidade requer ações de Educação
Patrimonial, envolvendo as escolas e outras associações para o
empreendedorismo solidário, coletivo, capaz de gerar, a partir da cultura
local, renda. Para isso, é necessário que a comunidade tenha sua autoestima
elevada, percebendo condições culturais que a diferenciam de outras.
A educação patrimonial também pode ser uma importante ferramenta
para evitar a “fetichização” do patrimônio cultural, na medida em que
possibilita que tanto a comunidade local como as pessoas que a visitam
tenham pleno conhecimento da história, memória, identidade cultural e o
cotidiano que gerou o saber fazer da respectiva comunidade.

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espaço social. In: ALMEIDA, Flávio Gomes. SOARES, Luiz Antonio Alves (Org.).
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84
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SANTOS, M. Espaço e sociedade. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1982.
SINGER, P. Desenvolvimento capitalista e desenvolvimento solidário. Estud. av., vol.18,
n.51, p. 7‐22, 2004.
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WESTPHAL, E. R. O oitavo dia: na era da seleção artificial. São Bento do Sul‐SC: União
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vínculos e a descoberta da alteridade. In: LAMAS N. C.; MORAES, T. M. R. (Orgs.).
(Pro)posições Culturais. 1 ed. Joinville: Editora Univille, p. 11‐32, 2010.

85
CAPÍTULO 5

DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE
AMBIENTAL E INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
AGROPECUÁRIAS1

Cristiane de Morais Ramos ‐ UFSC


Adriana Marques Rossetto ‐ UFSC

INTRODUÇÃO

Uma das premissas atribuídas à existência das Indicações Geográficas


no Brasil é que estas atuam como promotoras do desenvolvimento
sustentável do território onde estão inseridas (BRASIL, 2008).
No entanto, essa premissa torna‐se ilusória, em parte, à medida que
existe uma carência de orientação relativa à promoção da sustentabilidade
ambiental, um dos aspectos do desenvolvimento sustentável, ou falta de
apoio por parte do governo aos produtores desses territórios, durante o
processo de registro, implantação e manutenção das Indicações Geográficas.
Apesar da obrigatoriedade do cumprimento da legislação ambiental (e
demais pertinentes) para obtenção do registro das Indicações Geográficas, a
carência de normativas, leis e diretrizes específicas para o alcance dessa
premissa faz com que recaia sobre os produtores a responsabilidade pelo
próprio estabelecimento e definição de ações, de forma individual ou
coletiva, que objetivem a promoção da sustentabilidade ambiental de seus
respectivos territórios. Ações que, no entanto, têm ocorrido de forma
voluntária, não abrangendo a totalidade das IG’s brasileiras e de seus
produtores.
Reconhecer e entender o vínculo existente entre as Indicações
Geográficas e sua origem geográfica é de extrema importância, pois a partir
desse entendimento será possível compreender sua influência no
desenvolvimento de um território, em seus aspectos sociais, ambientais e
econômicos.
Assim, para a compreensão da problemática exposta anteriormente, faz‐
se necessário, primeiramente, uma breve descrição de alguns conceitos
essenciais, tais como território, desenvolvimento e Indicações Geográficas, a
qual será apresentada a seguir. Após a apresentação desses conceitos‐chave,

1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública Nº 04/2012/Universal.

87
será feita uma reflexão acerca de como o aspecto ambiental tem sido
incluído no tema das Indicações Geográficas, partindo da legislação que
trata sobre o tema, da instrução normativa que rege o registro das
Indicações Geográficas (nº25/2013) e do Guia para a Solicitação e Registro
das Indicações Geográficas de Produtos Agropecuários, elaborado pelo
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Por fim, serão
propostas alternativas e sugestões para que o aspecto ambiental seja melhor
considerado nesse processo.

1. TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Um dos principais autores brasileiros a tratar sobre o território, Milton


Santos (2000), o define não apenas como o resultado da superposição de um
conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas
pelo homem. Para o autor, o território é o chão acrescido da população. É
uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que pertence a
nós. O território também é base do trabalho, da residência, das trocas
materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele exerce influência e é
influenciado. Ao falar‐se em território, subentende‐se a área utilizada por
uma determinada população.
Albagli (2004, p. 28), ao definir o território, relembra a origem do
termo. Este se originou do termo em latim territorium, que deriva de terra e
significa pedaço de terra apropriado. O autor também cita que, na língua
francesa, a palavra territorium deu origem às palavras terroir e territoire.
Para Abagli (2004, p. 26), “[...] o território é o espaço apropriado por um
ator, sendo definido e delimitado a partir de relações de poder, em suas
múltiplas dimensões. Cada território é produto da intervenção e do trabalho
de um ou mais atores sobre determinado espaço”.
Albagli (2004) não reduz o território à sua dimensão material e
concreta, considerando‐o uma teia de relações sociais projetadas em um
espaço definido. Ele aponta e explica, ainda, quatro dimensões do território,
a saber: física, política/organizacional, simbólica/cultural e econômica. A
dimensão física do território está relacionada à sua materialidade. Nesse
sentido, os elementos naturais de um território são transformados em
potencialidades, no momento em que a sociedade reconhece sua
importância, transformando‐os em recursos e os incluindo em atividades de
seus territórios, podendo ser predatórias ou sustentáveis para o ambiente.
A dimensão político/organizacional, levantada por Albagli (2004), diz
respeito ao sistema político, e este, por sua vez, integra outras duas
dimensões: os conflitos e alianças entre grupos socialmente distintos e a
cooperação entre grupos espacialmente diferenciados. O domínio desse
espaço o torna território e é fonte de poder social. Nesse sentido, o ator ou

88
grupo social, ao apropriarem‐se de um dado território, decidem quais
intervenções realizarão. Intervenções essas que, por sua vez, estão
relacionadas às suas concepções éticas, opções políticas e nível tecnológico.
Com relação à dimensão simbólica/cultural, ao se definir uma
identidade coletiva, também se define a relação que será estabelecida com
os outros, criando‐se a imagem de quem é o “amigo” e “inimigo”, “rival” e
“aliado”. A dimensão cultural atua, nesse contexto, como um “um fio invisível
que vincula os indivíduos ao espaço”, diferenciando as comunidades
(ALBAGLI, 2004).
Por fim, para Albagli (2004), a dimensão econômica também possui
uma forte dimensão espacial. Segundo o autor, os territórios possuem
diferentes capacidades de oferecer competitividade e rentabilidade para
empreendimentos e investimentos, o que traz diversas vantagens de
localização. Há uma divisão do trabalho e do processo de acumulação de
capital que pode ser identificada na hierarquização e diferenciação das
atividades predominantes dos lugares.
O território não pode ser confundido, simplesmente com uma
materialidade do espaço construído socialmente, e tampouco com um
“conjunto de forças mediadas por esta materialidade” (HAESBAERT;
LIMONAD, 2007, p. 42). Para os autores, o território é sempre apropriação e
domínio de um espaço socialmente compartilhado. Enquanto a apropriação
possui um sentido mais simbólico, o domínio apresenta uma acepção mais
política e econômica. O território é uma construção histórica, social, e parte
de relações de poder que incluem, concomitantemente, a sociedade e o
espaço geográfico.
Para Dallabrida (2011, Apud MARCHESAN e DALLABRIDA, 2013, p.
205), território corresponde

“[...] a uma fração do espaço historicamente construída através das inter‐


relações dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam neste
âmbito espacial, apropriada a partir de relações de poder sustentadas em
motivações políticas, sociais, ambientais, econômicas, culturais ou religiosas,
emanadas do Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituições ou
indivíduos”.

Saquet (2006, p. 82) reitera que a natureza está na sociedade, como a


natureza inorgânica do homem, e por outro lado, “a sociedade está na
natureza através do homem como ser genérico”, e assimila a relação entre a
dinâmica econômica e processos políticos e culturais. Para o autor, “a
dinâmica econômica está, na constituição do território, nos processos
políticos e culturais, identitários, e estes estão ligados ao movimento
mercantil”, ressaltando que os arranjos e as relações entre os elementos das
territorialização variam de lugar para lugar, de momento e período
histórico.

89
Ainda segundo o autor, o território é natureza e sociedade, não havendo
separação entre eles. O território é “[...] economia, política e cultura;
edificações e relações sociais; des‐continuidades; conexão e redes; domínio
e subordinação; degradação e proteção ambiental, etc”. Ele representa

[...] heterogeneidade e traços comuns; apropriação e dominação


historicamente condicionadas; é produto e condição histórica e trans‐escalar;
com múltiplas variáveis, determinações, relações e unidade. É espaço de
moradia, de produção, de serviços, de mobilidade, de des‐organização, de arte,
de sonhos, enfim, de vida (objetiva e subjetivamente). O território é processual
e relacional, (i)material, com diversidade e unidade, concomitantemente
(SAQUET, 2006, p. 83).

1.1 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL

Após a apresentação de algumas das definições acerca do território,


podemos seguir para as considerações sobre o desenvolvimento e, em
seguida, sua relação com o território, chegando a um dos pontos centrais
deste trabalho, o desenvolvimento territorial sustentável.
O desenvolvimento dito como sustentável se diferencia fortemente do
crescimento econômico, que tem o produto interno bruto (PIB) como seu
mais importante indicador, e está restrito aos aspectos econômicos de um
território. Porém, por muito tempo (e até hoje em alguns casos), foi tratado
com sinônimo do termo desenvolvimento.
Para o entendimento das dinâmicas de um território e da medição da
qualidade de vida de sua população, o crescimento econômico e o PIB se
tornam insuficientes, fazendo com que outras formas de desenvolvimento
sejam consideradas necessárias, e também outros tipos de indicadores.
Nesse sentido, Celso Furtado, já em 1974, em seu livro intitulado “O mito do
desenvolvimento econômico”, trazia à tona a questão da incompatibilidade
entre a busca pelo crescimento econômico, em si, e o desenvolvimento, à
medida que apontava a impossibilidade de países periféricos atingirem o
mesmo grau de pressão sobre os recursos, que foi característico dos países
capitalistas centrais. Este fato, a pressão sobre os recursos ocasionada pela
busca dos países periféricos em alcançarem um consumo equivalente ao da
população dos países centrais, acarretaria em uma exaustão desses
recursos, assim como impactos negativos no ambiente e na sociedade.
Nesse contexto, dois grandes autores se destacam: Amartya Sen e
Ignacy Sachs. Sen, ganhador do prêmio Nobel em economia, em seu trabalho
“Desenvolvimento como liberdade” (2000) entende o desenvolvimento
como um processo de ampliação das liberdades dos indivíduos,
contrastando essa visão àquela que limita a compreensão do
desenvolvimento como crescimento do produto interno bruto (PIB).
Sachs, um dos pioneiros a trabalhar com o tema desenvolvimento

90
sustentável, publicou diversos trabalhos com essa temática, dentre eles:
Capitalismo de Estado e Subdesenvolvimento: Padrões de setor público em
economias subdesenvolvidas, 1969; Ecodesenvolvimento: crescer sem
destruir, 1981; Espaços, tempos e estratégias do desenvolvimento, 1986;
Rumo à Ecossocioeconomia ‐ teoria e prática do desenvolvimento, 2007;
Caminhos para o desenvolvimento sustentável, 2006; Desenvolvimento
includente, sustentável e sustentado, 2006.
Segundo Sachs (2004), o desenvolvimento se distingue do crescimento
econômico à medida que os objetivos do desenvolvimento transpassam o
objetivo de aumento de riqueza material. O autor considera o crescimento
uma condição necessária, porém, não o bastante para alcançar uma melhor
qualidade de vida, mais completa e mais feliz para todos e não um objetivo
em si.
Sachs (2004) compreende que a igualdade, equidade e solidariedade
fazem parte do que é entendido por desenvolvimento, e que, ao invés de se
buscar o aumento do PIB, o objetivo deve tornar‐se a promoção da
igualdade e maximização das vantagens dos que possuem as piores
condições, buscando‐se diminuir a pobreza, que é desnecessária e
vergonhosa em um mundo no qual existe a abundância. O autor ressalta que
o desenvolvimento sustentável acrescenta a dimensão da sustentabilidade
ambiental e sustentabilidade social, que é baseada em solidariedade com as
gerações futuras.
O desenvolvimento sustentável, assim, prima pela solidariedade das
gerações presentes e futuras e também requer que estejam claros os
critérios para sustentabilidade social e ambiental e para a viabilidade
econômica. Nesse sentido, somente soluções que resultem em crescimento
econômico com impactos positivos em termos sociais e ambientais,
merecem receber a denominação de desenvolvimento (SACHS, 2004).
Para o autor, o desenvolvimento sustentável está firmado sobre cinco
pilares, a saber: social, ambiental, territorial, econômico e político. O pilar
social é fundamental devido à “perspectiva da disrupção social”, presente de
forma ameaçadora em muitos lugares do planeta. O pilar ambiental possui
outras duas dimensões, os sistemas de sustentação da vida como provedor
de recursos e como “recipientes” para a disposição de resíduos. O pilar
econômico, com relação a sua viabilidade, é entendido como condictio sine
qua non para que as coisas aconteçam. Por fim, o pilar territorial está “[...]
relacionado à distribuição espacial dos recursos, das populações e das
atividades”; e o pilar político está relacionado à “[...] governança
democrática como valor fundador e um instrumento necessário para fazer
as coisas acontecerem; a liberdade faz toda a diferença” (SACHS, 2004, p.
15).
Partindo, então, para a relação entre o território e o desenvolvimento

91
(sustentável), os autores Cazella e Carrière (2006, p. 25), apontam que a
corrente de pensamento sobre o desenvolvimento que abarca a noção de
território, “[...] representa uma tomada de consciência dos limites da
capacidade do Estado central de ordenar e planejar de maneira adequada o
território”.
Pecqueur (2004 apud CAZELLA; CARRIÈRE, 2006), ressalta que se há
quinze anos se falava de desenvolvimento local, atualmente é preferível falar
em desenvolvimento territorial, já que esse estilo de desenvolvimento não
se reduz à pequena dimensão.
Para Cazella e Carrière (2006), espaço‐território é diferenciado do
espaço‐lugar pela sua “construção” a partir da dinâmica entre indivíduos
que o habitam. Nesse sentido, o território é definido como o resultado da
confrontação dos espaços individuais dos atores nas suas dimensões
econômicas, socioculturais e ambientais. O território, assim, não está em
oposição ao espaço‐lugar funcional, e, sim, o exemplifica.
Segundo Pecqueur (2004 apud CAZELLA; CARRIÈRE, 2006), a formação
de um território é assumida, por vários atores atuais, como um resultado do
encontro, da mobilização e da interação de seus atores sociais com um dado
espaço geográfico, com vistas a encontrarem soluções para um problema
comum. Em outro sentido, um “território dado”, com delimitação política‐
administrativa, pode abrigar vários “territórios construídos”. Nesse sentido,
as dinâmicas territoriais apresentam como características serem múltiplas e
sobrepostas, não possuírem limites nítidos e buscarem valorizar o potencial
de recursos latentes.
Nesse momento, então, faz‐se necessária a diferenciação entre os
termos “ativo” e “recursos”. Segundo Cazella e Carrière (2006), o ativo pode
ser definido como um fator “em atividade”, que já possui valorização no
mercado. Já o recurso pode ser entendido como uma reserva, um potencial
latente e/ou virtual, que pode vir a se transformar futuramente em um ativo.
Segundo Bonnal et al. (2014), o desenvolvimento territorial pode ser
considerado como uma metodologia, sendo, assim, uma forma de pensar e
de fazer o desenvolvimento, correspondendo, então a um processo de
articulação entre os atores sociais e entre os setores relacionados à
perspectiva da descentralização. Segundo os autores, o desenvolvimento
territorial passa pelo inventário de seus recursos locais, capaz de
transformar aspectos negativos em novos projetos de desenvolvimento, em
que valores meramente simbólicos passam a desempenhar um papel de
recursos socioeconômicos. A dinâmica de desenvolvimento territorial não se
instala sem a criação ou cooperação. Precisam existir estruturas de troca
entre os pesquisadores, associações civis, empresas privadas, órgãos
públicos, passo que é essencial para estimular uma reflexão para novos
projetos.
O desenvolvimento territorial deriva, então, da negociação entre os

92
atores do território, mesmo que seus interesses não sejam os mesmos, mas
que encontrem um ponto em comum em novos projetos. Ele também pode
ser considerado “[...] um processo tributário da descentralização político‐
administrativa do Estado”, sendo que seu sucesso pode depender da
qualidade das atitudes cívicas de iniciativas locais. Esse fato decorre da
premissa do modelo de desenvolvimento de requalificar o “saber‐fazer”
local, fazendo o uso de novas tecnologias (BONNAL et al., 2008, p. 204).

2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS

No Brasil, as Indicações Geográficas (IG) são definidas e regulamentadas


pela Lei nº 9.279/96, conhecida como Lei de Propriedade Industrial (LPI).
Estão as IG enquadradas como figura da propriedade intelectual, e está a
cargo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) o
estabelecimento das condições de seu registro.
De acordo com o artigo 176 da lei nº 9.279/96 (LPI), constitui‐se como
indicação geográfica a “indicação de procedência ou a denominação de
origem”. De acordo com os artigos 177 e 178 da LPI brasileira, as Indicações
Geográficas podem ocorrer de duas maneiras distintas: as indicações de
procedência e as denominações de origem.
A Indicação de Procedência é o nome geográfico de um país, cidade,
região ou uma localidade de seu território que se tornou conhecido como
centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ou
prestação de determinado serviço. Nesse caso, para provar a Indicação de
Procedência, é necessária a apresentação de documentos para comprovar
que o nome geográfico é conhecido como centro de extração, produção ou
fabricação do produto ou prestação do serviço. A Denominação de Origem é
o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que
designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam
exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e
humanos. Para a solicitação da denominação de origem, deverá ser
apresentada a descrição completa das qualidades e as características do
produto ou serviço que se destacam, de forma exclusiva, ou essencialmente,
por causa do meio geográfico, ou também devido aos fatores naturais e
humanos (INPI, 2014).
O nome geográfico, que deverá ser registrado junto ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é, assim, o elemento de distinção
do produto ou serviço específico. Esse nome pode ser o nome oficial,
tradicional ou costumeiro que identifica a área geográfica onde é
desenvolvida a atividade referente à indicação geográfica. Ressalta‐se que as
Indicações Geográficas não possuem prazo de validade e o interesse
nacional por essa certificação torna‐se cada vez maior.
Atualmente (novembro/2014), são reconhecidas pelo Instituto Nacional
da Propriedade Industrial (INPI) 49 Indicações Geográficas: 41 nacionais,

93
sendo 33 Indicações de Procedência e 8 Denominações de Origem; e 8
estrangeiras, todas Denominações de Origem. Destaca‐se, no Brasil, pelo
número de Indicações Geográficas, a produção de vinhos (Vale dos Vinhedos
‐ RS, Altos Montes ‐ RS, Monte Belo‐RS, Pinto Bandeira‐RS, , Vales da Uva
Goethe – SC) e a produção de café (Região do Cerrado Mineiro‐ MG, Alta
Mogiana – SP, Norte Pioneiro do Paraná – PR, Região da Serra da
Mantiqueira – MG) (INPI, 2014).

2.1 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS: A DIMENSÃO AMBIENTAL DO


DESENVOLVIMENTO

Neste tópico serão apresentados os documentos que, atualmente,


fornecem as diretrizes para o pedido de registro das Indicações Geográficas,
buscando‐se refletir sobre como o aspecto ambiental do desenvolvimento é
abordado por esses documentos, à medida que se constituem como a base
para todo o processo de implantação das Indicações Geográficas pelos
produtores/requerentes das Indicações Geográficas.
Como mencionado anteriormente, o desenvolvimento se distingue do
crescimento econômico por incluir as dimensões ambiental e social.
Partindo desse entendimento, é importante relembrar que uma das
premissas atribuídas às Indicações Geográficas é a promoção do
desenvolvimento sustentável de seu território. Tal desenvolvimento, no
entanto, para ocorrer de forma efetiva, deverá englobar aspectos sociais,
econômicos e também ambientais (BRASIL, 2008; SACHS, 2004).
Ou seja, é necessário que haja um equilíbrio entre esses aspectos e que
todos sejam incluídos e considerados no momento do registro,
implementação e manutenção de uma indicação geográfica, para que haja
garantia de sua consecução. Porém, é na etapa de registro que ocorrerá o
estabelecimento, pelos próprios requerentes da IG, do regulamento de uso e
das formas de controle que serão utilizadas, conforme exigido pela instrução
normativa INPI nº25/2015, que será abordada mais detalhadamente
posteriormente.
Com relação ao registro das IG’s, podem ser encontrados os seguintes
documentos e legislação que fornecem orientação para o mesmo: o Guia
para Solicitação de Registro de Indicação Geográfica para Produtos
Agropecuários; a Instrução Normativa Nº 25/2013, estabelecida pelo
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
O Guia para Registro de Indicações Geográficas para Produtos
Agropecuários é um manual para a orientação para os
produtores/requerentes de IG essencialmente agropecuárias. Nele constam
os itens exigidos pela instrução normativa do INPI (órgão responsável pelo
registro das IG’s), nº 25/2013, de maneira mais detalhada, de forma a servir

94
como uma orientação aos requerentes do registro. Portanto, esse guia não
tem a função de acrescentar regras ao processo de registro de IG’s e, sim,
esclarecer as regras já existentes.
Porém, analisando o Guia elaborado pelo MAPA, encontramos a
seguinte afirmação:

O objetivo da concessão de IG apoiada pelo MAPA é o desenvolvimento


sustentável, via agregação de valor aos produtos agropecuários, ressaltando as
diferenças e identidades culturais próprias, organizando as cadeias produtivas
e assegurando inocuidade e qualidade aos produtos agropecuários (BRASIL,
2008, p. 4).

Nota‐se que, apesar de o MAPA, a partir dessa afirmação, colocar que o


objetivo da concessão de IG apoiada por ele é o desenvolvimento
sustentável, há pouca referência ao aspecto ambiental do desenvolvimento
no decorrer do documento. O mesmo pode ser observado na legislação que
rege as IG (LPI), apresentada anteriormente, e na instrução normativa do
INPI nº25/2013.
A partir dessa afirmação, pode ser subentendido que a principal
maneira da indicação geográfica contribuir para o desenvolvimento
sustentável, apoiada pelo MAPA é por meio da agregação de valor aos
produtos agropecuários, uma característica que é, essencialmente,
econômica. No entanto, tal guia, diz que as formas de agregar valor a esses
produtos são:

1. Ressaltar as diferenças e identidades culturais próprias;


2. Organizar cadeias produtivas;
3. Assegurar a inocuidade e qualidade aos produtos
agropecuários.

Relacionando esaas três formas aos três aspectos gerais do


desenvolvimento (social, econômico e ambiental), observa‐se que é
apresentada referência clara ao aspecto ambiental. Embora esse aspecto
possa ser trabalhado em cada umas das maneiras de agregação de valor ao
produto citadas anteriormente, o mesmo não é claramente explicitado nessa
afirmação inicial do guia, contrariamente ao que ocorre com os demais
aspectos, econômico e social. Tendo em vista a prevalência, no atual
paradigma economicista da sociedade contemporânea, do aspecto
econômico em detrimento a outros aspectos do desenvolvimento, a inclusão
de critérios relativos a práticas ambientais adequadas seria determinante à
efetiva sustentabilidade do território.
Seria importante citar claramente e objetivamente a relação da
Indicação Geográfica e do desenvolvimento, incluindo a importância do seu

95
aspecto ambiental nessa afirmação, para que o mesmo fosse considerado e
entendido pelos produtores requerentes das IG’s e leitores desse guia, como
uma parte intrínseca ao desenvolvimento de seus respectivos territórios.
Ainda no texto do Guia para Solicitação de Registro de Indicação
Geográfica para Produtos Agropecuários, encontra‐se a seguinte afirmação:

Objetivos da IG: As indicações geográficas são uma ferramenta coletiva de


promoção comercial de produtos onde qualidade, reputação ou outras
características devem‐se essencialmente à origem geográfica. As IG podem
proteger produtos/ regiões de falsificações e usurpações indevidas, servem
como garantia para o consumidor, indicando que se trata de um produto
especial e diferenciado. No Brasil, o MAPA tem fomentado que, para IG
agropecuárias, o ideal seria a combinação da qualidade do produto com a
ocupação harmoniosa do espaço rural, sendo também, uma ferramenta de
preservação da biodiversidade aliada ao desenvolvimento e promoção regional”
(BRASIL, 2008, grifo do autor).

Nessa afirmação, definida como “objetivos da IG”, encontramos uma


primeira menção ao aspecto ambiental do desenvolvimento, onde ressalta‐
se que, para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, seria
ideal que nas Indicações Geográficas agropecuárias houvesse uma
combinação entre a qualidade do produto e a ocupação harmoniosa do
espaço rural, e que as IG’s também poderiam ser utilizadas como uma
ferramenta para a preservação da biodiversidade aliada ao desenvolvimento
regional.
O texto, porém, limita‐se a essa afirmação, não fornecendo indicações
mais específicas aos produtores e requerentes das IG’s de como realizar a
ocupação harmoniosa do espaço rural e de como utilizar as IG’s como
ferramenta para a preservação da biodiversidade aliada ao desenvolvimento
regional. Esse objetivo, então, torna‐se apenas uma sugestão, à medida que
não é condição obrigatória para o registro das IG’s. Pois, para deixar de ser
sugestão, deveria ser incluída na instrução normativa que regulamenta o
registro.
Partimos, então, para uma análise da Instrução Normativa nº25/2013,
editada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e
responsável pela regulamentação do registro da IG no Brasil. A referida
instrução normativa regulamenta as exigências para que se solicite o
registro das Indicações Geográficas junto ao INPI, conforme pode ser
observado a seguir no artigo 6º:

Art. 6º. O pedido de registro de Indicação Geográfica deverá referir‐se a um


único nome geográfico e nas condições estabelecidas em ato próprio do INPI,
conterá:

I – requerimento (modelo I), no qual conste:

96
a) o nome geográfico;

b) a descrição do produto ou serviço;

II – instrumento hábil a comprovar a legitimidade do requerente, na forma do


art. 5º;

III – regulamento de uso do nome geográfico.

IV – instrumento oficial que delimita a área geográfica;

V – etiquetas, quando se tratar de representação gráfica ou figurativa da


Indicação Geográfica ou de representação de país, cidade, região ou localidade
do território, bem como sua versão em arquivo eletrônico de imagem;

VI – procuração, se for o caso, observando o disposto nos art. 20 e 21;

VII – comprovante do pagamento da retribuição correspondente.

Também diferencia os requisitos necessários para as duas formas de


indicação geográfica, a indicação de procedência e a denominação de
origem, conforme pode ser observado nos artigos 8º e 9º:

Art. 8º. Em se tratando de pedido de registro de Indicação de Procedência,


além das condições estabelecidas no Art. 6º, o pedido deverá conter:

a) documentos que comprovem ter o nome geográfico se tornado conhecido


como centro de extração, produção ou fabricação do produto ou de prestação
de serviço;

b) documento que comprove a existência de uma estrutura de controle sobre


os produtores ou prestadores de serviços que tenham o direito ao uso
exclusivo da Indicação de Procedência, bem como sobre o produto ou a
prestação do serviço distinguido com a Indicação de Procedência;

c) documento que comprove estar os produtores ou prestadores de serviços


estabelecidos na área geográfica demarcada e exercendo, efetivamente, as
atividades de produção ou prestação do serviço.

Art. 9º Em se tratando de pedido de registro de Denominação de Origem, além


das condições estabelecidas no Art. 6º, o pedido deverá conter:

a) elementos que identifiquem a influência do meio geográfico, na qualidade


ou características do produto ou serviço que se devam exclusivamente ou
essencialmente ao meio geográfico, incluindo fatores naturais e humanos.

b) descrição do processo ou método de obtenção do produto ou serviço, que


devem ser locais, leais e constantes;

c) documento que comprove a existência de uma estrutura de controle sobre


os produtores ou prestadores de serviços que tenham o direito ao uso

97
exclusivo da denominação de origem, bem como sobre o produto ou prestação
do serviço distinguido com a Denominação de Origem;

d) documento que comprove estar os produtores ou prestadores de serviços


estabelecidos na área geográfica demarcada e exercendo, efetivamente, as
atividades de produção ou de prestação do serviço.

Na instrução normativa apresentada, nº25/2013, podem ser


encontrados alguns indícios do aspecto ambiental do desenvolvimento,
como no seu artigo 9º: “a) elementos que identifiquem a influência do meio
geográfico, na qualidade ou características do produto ou serviço que se
devam exclusivamente ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo
fatores naturais e humanos”. Aqui, pode ser subentendido que os fatores
naturais (que podem ser percebidos como sinônimo de fatores ambientais)
são importantes na relação entre o produto e o meio geográfico, portanto,
para a própria existência e qualidade do produto.
Já nos trechos “b” e “c”, do mesmo artigo, observa‐se a exigência da
elaboração do Regulamento de Uso (b) e da comprovação da existência de
estrutura de controle pelos requerentes do registro da Indicação Geográfica.
Nesse sentido, “As normas de produção são uma etapa chave no
processo de implementação de uma Indicação Geográfica. Elas devem ser
claramente descritas e passíveis de ser objeto de controle; elas são o
resultado de acordos coletivos entre os membros da região e da cadeia
produtiva (representado pela entidade requerente)”. A afirmação está
contida no livro referente ao Curso de propriedade industrial e inovação no
2
agronegócio, módulo 2 – Indicações Geográficas (BRASIL, 2014, p. 165).
De acordo com os autores,

A legislação em si não estabelece minimamente os requisitos ou o que deve


conter ou não um regulamento de uso, mas, através das próprias definições de
IP e DO que ela apresenta, temos “dicas” sobre o que deve constar nele. O
regulamento de uso, na verdade, servirá para o controle dos produtores (ou
servidores) sobre a qualidade de seu produto (ou serviço). O que (quais os
fatores), para cada caso, promove a qualidade desejada (reconhecida pela IG)
no produto? Essa é a pergunta norteadora para a construção de um
regulamento de uso, que deverá ser definido pelas pessoas envolvidas no
processo produtivo (produtores, consumidores, pesquisadores, etc.) (BRASIL,
2014, p. 167).

Assim, caberia aos próprios solicitantes dos registros de IG estabelecer


critérios, no regulamento de uso ou controle, por exemplo, que incluíssem o

2
Esse livro traz maiores informações acerca dos procedimentos para obtenção de registro,
dentre outras informações, que são objeto de estudo destes pesquisadores, portanto, trazem um
melhor detalhamento sobre o que deve contar no regulamento de uso e controle das indicações
geográficas.

98
aspecto ambiental.
Nesse sentido, outra informação contida no livro referente ao Curso
sobre Indicações Geográficas é que:

O respeito ao regulamento de uso de um produto IG não libera os produtores a


cumprir as regras mínimas exigidas pelos órgãos responsáveis. Também o
regulamento de uso de uma IG não pode ser apenas um resumo ou uma
enumeração das legislações em vigor. O respeito às regras exigidas pela
legislação federal, estadual ou municipal é obrigatório e não constitui um
diferencial (BRASIL, 2014, p. 168).

O aspecto ambiental, tanto com relação ao desenvolvimento quanto à


sua própria importância, para si e para o território, não é demonstrado e
solicitado na instrução normativa 25/2013. Conforme dito anteriormente,
tal aspecto, a partir do momento que não é especificado na legislação ou em
documento oficial de órgãos governamentais, se resume ao cumprimento da
legislação ambiental vigente3. Nesse sentido, o seu papel enquanto parte do
desenvolvimento do território das IG’s se encontra limitado.
Embora o documento (dossiê) gerado pelos solicitantes das Indicações
Geográficas, como integrante do pedido de registro das IG’s junto ao INPI,
seja normalmente extenso, contendo em sua maioria mais de 100 páginas, as
orientações aos requerentes para pedido do registro são gerais e trazem
pouca informação específica sobre o que deve ser conteúdo do dossiê,
conforme pode ser observado no Guia (apresentado anteriormente), e
também na instrução normativa citada acima. Nota‐se que as exigências
solicitadas por essa normativa são apresentadas de forma genérica,
podendo trazer dificuldades na preparação dos documentos solicitados, se
os mesmos não forem elaborados de forma conjunta e em parceria com
especialistas e/ou institutos de pesquisa que trabalhem e tenham grande
conhecimento sobre o tema.

2.2 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO CAMINHO PARA A SUSTENTABILIDADE


AMBIENTAL

Apesar da falta de norteamento governamental, na forma de legislação


e/ou guias específicos, para o alcance do desenvolvimento sustentável dos
territórios, no que diz respeito às Indicações Geográficas, alguns territórios
têm se destacado ao incorporar aspectos da sustentabilidade ambiental, de
forma voluntária ou para suprir a própria exigência de novos mercados
consumidores. Alguns autores (LOPES, 2011; SOUZA, 2006; BOWENA;
ZAPATA, 2008; SANTILLI, 2009; TRENTINE, 2009) têm se dedicado ao

3
Ver conclusões de estudo sobre a questão ambiental e IG, constantes no texto do Capítulo 3
deste livro.

99
estudo das Indicações Geográficas e sua relação com o meio ambiente e ao
desenvolvimento sustentável. Assim como também tem sido de extrema
importância as parcerias realizadas entre produtores, Universidades e
Institutos de Pesquisa, surgindo como uma das alternativas para a falta de
norteamento oferecido pelas diretrizes governamentais existentes.
Como sugestão e alternativa à falta de norteamento para o alcance do
desenvolvimento do território, e no caso específico da sustentabilidade
ambiental, seria incorporar, dentro da legislação e/ou no guia referente ao
registro das Indicações Geográficas algo semelhante ao que se conhece por
indicadores de desenvolvimento sustentável.
Um exemplo existente de indicadores de desenvolvimento sustentável
no Brasil é o elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), cuja última versão corresponde ao ano de 2012, e é chamado de IDS
2012. Esse documento possui 350 páginas e elenca indicadores nas
dimensões: ambiental, social, econômica e institucional.
No documento, os indicadores são entendidos como ferramentas que
contém duas ou mais variáveis que, ao serem associadas de várias formas,
mostram significados sobre os fenômenos a que se referem. Já os
indicadores de desenvolvimento sustentável, por sua vez, são instrumentos
capazes de guiar ações e subsidiar o monitoramento e avaliação de um
progresso rumo ao desenvolvimento sustentável. Assim, dever ser vistos
como um meio para alcançarem o desenvolvimento sustentável, e não um
fim em si mesmo (IBGE, 2012).
Nesse documento (IDS‐2012), a dimensão ambiental está relacionada
ao uso dos recursos naturais, à degradação ambiental e também aos
objetivos de preservação e conservação do meio ambiente, fundamentais
para a qualidade de vida das gerações atuais e futuras. Essas questões estão
apresentadas nos temas atmosfera; terra; água doce; oceanos, mares e áreas
costeiras; biodiversidade e saneamento, como pode ser observado no
Quadro 1 (IBGE, 2012). Além do IDS‐2012, existem outros sistemas de
indicadores de desenvolvimento sustentável, como, por exemplo, o Sistema
de Indicadores de Desenvolvimento Municipal Sustentável do Estado de
Santa Catarina, o SIDMS. Esse sistema tem por objetivo central “facilitar o
acesso dos agentes públicos à imensa quantidade de informações
espalhadas pelas bases de dados dos órgãos públicos federais e estaduais,
além das pesquisas da própria FECAM, tratando e consolidando os
conteúdos mais estratégicos para os municípios, associações de municípios
e aos diversos recortes territoriais usados em Santa Catarina” (SIDMS,
2014).
A incorporação de indicadores de sustentabilidade, no entanto, não
viria de forma a tornar a fase de registro “engessada” ou trazer mais
empecilhos à mesma. Ela poderia atuar esclarecendo aos próprios

100
requerentes das IG’s, quais aspectos da sustentabilidade ambiental (e
também econômica e social), deveriam ser considerados para que o produto
pudesse colaborar de forma mais efetiva para o desenvolvimento de seu
respectivo território.

Quadro 1. Indicadores de desenvolvimento sustentável (IDS‐2012)

Dimensão ambiental
Emissões de origem antrópica dos gases associados ao efeito estufa
Consumo industrial de substâncias destruidoras da camada de ozônio
Concentração de poluentes no ar em áreas urbanas
Terra
Uso de fertilizantes
Atmosfera
Uso de agrotóxicos
Terras em uso agrossilvipastoril
Queimadas e incêndios florestais
Desflorestamento da Amazônia Legal
Desmatamento nos biomas extra‐amazônicos
Água doce Qualidade de águas interiores

Oceanos, mares e áreas Balneabilidade


costeiras População residente em áreas costeiras
Espécies extintas e ameaçadas de extinção
Biodiversidade Áreas protegidas
Espécies invasoras
Acesso a sistema de abastecimento de água
Acesso a esgotamento sanitário
Saneamento Acesso a serviço de coleta de lixo doméstico
Tratamento de esgoto
Destinação final do lixo

Fonte: IBGE, 2012

Para que isso ocorra, no entanto, é necessária a escolha de indicadores


que tenham relação com as Indicações Geográficas, ou seja, que considerem
a singularidade desses produtos, que por sua vez possuem forte relação com
o seu meio geográfico e social.

101
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação entre o aspecto ambiental e o desenvolvimento dos


territórios, aos quais pertencem as IG’s, não é claramente exposta na
legislação e demais documentos elaborados por órgãos governamentais
responsáveis pela orientação e normatização do registro das Indicações
Geográficas.
Muitas vezes, existem informações referentes ao aspecto ambiental
nesses documentos, mas as mesmas se encontram dispersas, não havendo
conectividade com o desenvolvimento como um todo e com as próprias
Indicações Geográficas. Nota‐se falta de clareza na demonstração da
importância deste aspecto para o desenvolvimento do território a que
pertencem essas IG’s, e também pouca informação acerca de quais são os
reais potenciais das IG’s enquanto promotoras do desenvolvimento
sustentável. Para isso, é importante haver estudos que relacionem o aspecto
ambiental do desenvolvimento com o desenvolvimento em si e as Indicações
Geográficas, tendo como referência as Indicações Geográficas já existentes
no Brasil.
Também é importante que continuem sendo levantados, tendo como
referência IG’s já estabelecidas (nacionalmente ou internacionalmente), os
reais potenciais das IG’s como promotoras do desenvolvimento do
território, relacionando‐os com o aspecto ambiental do desenvolvimento,
para que os resultados desses estudos possam ser utilizados como subsídios
para elaboração de legislação e documentos relacionados às Indicações
Geográficas.
Os indicadores de desenvolvimento sustentável poderiam surgir, então,
como uma alternativa à falta de clareza das exigências atuais do INPI para o
registro das IG’s. Esses indicadores teriam a função de nortear os
requerentes da IG na busca por transformá‐la, efetivamente, em ferramenta
potencializadora do desenvolvimento de seu território.

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104
CAPÍTULO 6

ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO NO
MUNICÍPIO DE CANOINHAS (SC): UM ESTUDO A
PARTIR DO MANEJO DE FRAGMENTOS DE
FLORESTA OMBRÓFILA MISTA E SUA RELAÇÃO
COM A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA1

Lauro William Petrentchuk ‐ UnC


Jairo Marchesan ‐ UnC
Valdir Roque Dallabrida ‐ UnC

INTRODUÇÃO

As discussões formadas em estudos de Indicações Geográficas (IG’s) e


de desenvolvimento sustentável possuem desafios imensuráveis,
envolvendo múltiplas faces, com o dever de agregar diferentes grandezas
como a social, ambiental, cultural e econômica Conforme Sander (2014, p.
12): “A indicação geográfica tem sido um tema discutido por pesquisadores
como instrumento que valoriza territórios [...]. Junto a essa valorização[...]
surge uma corrente amparada na sustentabilidade e na preservação de
diferentes ambientes”.
O texto tem o propósito de apresentar a paisagem natural do território
de Canoinhas‐ SC, onde a Floresta Ombrófila Mista se desenvolve, propondo
a valorização dessa paisagem para os processos de IG da erva‐mate, por
meio de potenciais fontes de desenvolvimento econômico oriundos do
manejo florestal, que consiste em “administrar a floresta” para a obtenção
de seus serviços nos âmbitos sociais, econômicos e ambientais, dando
respaldo aos mecanismos de sustentação do ecossistema.
Diariamente, observa‐se uma crescente necessidade de programas e
políticas públicas que ajustem a conservação das florestas aos anseios da
sociedade, por produtos e serviços ou, ainda, pelo espaço que as florestas
ocupam concorrendo com outros usos da terra. A produção de informações
sobre recursos florestais é muito importante para indicar as formulações de
políticas que incidem sobre regiões agrícolas, influenciando os padrões de
uso da terra pela população. Neste texto pretendemos fazer alguns aportes
sobre o tema em referência, além de indicativos de políticas públicas.

1
Texto apresentado no II SEDRES, Campina Grande (PB), de 13 a 15 de agosto de 2014. Faz
parte também dos estudos realizados quando da execução do Projeto de Pesquisa Território,
Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como
estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, com financiamento
da FAPESC.

105
CARACTERIZAÇÃO DA MATA ATLÂNTICA

A Mata Atlântica abrange um conjunto de formações florestais,


constituído de campos naturais, manguezais, restingas e outros tipos de
vegetação de grande biodiversidade. “Quando os primeiros europeus
chegaram ao Brasil em 1500, a mata atlântica cobria 15% do território
brasileiro; [...] existem hoje [apenas] 27% de remanescentes, incluindo
vários estágios de regeneração [...]” (CAMPANILI e SCHAFFER, 2010).
Mesmo fragmentada e com uma redução considerável de sua área original,
estima‐se que a Mata Atlântica possua algo entre 33% e 36% de todas as
espécies vegetais existentes no Brasil. Comparada com a Amazônia, a Mata
Atlântica oferece, proporcionalmente ao seu tamanho, maior diversidade
biológica. Campanili e Schaffer (2010, p.05) lembram que “[...] a Mata
Atlântica é um Hotspot, uma área de alta biodiversidade e endemismo e ao
mesmo tempo altamente ameaçada de extinção”.

A FLORESTA OMBRÓFILA MISTA (FOM)

A Floresta Ombrófila Mista (FOM) é também conhecida como mata de


araucária, mata de pinhais ou floresta com araucária, perfazendo um
ecossistema que acolhe grande variedade de espécies. É um ecossistema
oriundo de uma formação florestal integrante do bioma Mata Atlântica.
Medeiros (2002, apud SCHAFFER e PROCHNOW, 2002, p. 15) assim a define:
“Sua feição é caracterizada por dois estratos arbóreos ‐ um superior,
dominado pelo [...] pinheiro brasileiro, que confere à floresta um desenho
exclusivo, e outro inferior, dominado por variedades como a canela e a
imbuia”. Embora ainda seja característica a existência de estratos arbustivos
no sub‐bosque (Figura 01) com predominância de espécies como a Ilex
paraguariensis (erva‐mate), a Diksonia sellowiana (xaxim) entre outras.

Figura 01 – Perfil esquemático destacando a estrutura de um segmento de Floresta Ombrófila Mista

Fonte: Fupef (1990).

106
As quase dizimadas e extensas áreas desse sistema florestal, que se fazia
presente no planalto sul‐brasileiro, eram mescladas por áreas de campos.
Segundo o IBGE (2012), atualmente existem quatro formações da FOM.
Aluvial: em terraços antigos associados à rede hidrográfica; Submontana:
constituindo disjunções em altitudes inferiores a 400 metros; Montana:
situada aproximadamente entre 400 e 1000 metros de altitude; e
Altomontana: compreendendo as altitudes superiores a 1000 metros.

FLORESTA OMBRÓFILA MISTA MONTANA

Essa formação está preservada em poucos locais, principalmente no


planalto acima de 500 metros de altitude (Figura 02), nos estados do
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (IBGE, 2012. p 83).

Ao norte do Estado de Santa Catarina e ao sul do Estado do Paraná, o pinheiro‐


brasileiro ou pinheiro‐do‐paraná estava associado à imbuia (Ocotea porosa),
formando agrupamentos bem característicos; atualmente grandes agrupamen‐
tos gregários foram substituídos pelas monoculturas de soja e trigo,
intercaladas (IBGE, 2012, p. 83).

É nessa formação que se encontra inserido o município de Canoinhas


(SC) e onde os remanescentes florestais são de interesse principal desta
pesquisa.

Figura 02 ‐ Perfil esquemático da FOM

Fonte: IBGE (2012) apud Veloso, Rangel Filho e Lima (1991).

Distribui‐se, portanto, sobre o Planalto catarinense, em altitudes que


variam de 500 a 1.800 metros. Caracteriza‐se principalmente pela presença
do pinheiro brasileiro, destacando‐se no dossel, formando uma paisagem
muito peculiar. Existem hoje 27% de remanescentes, incluindo vários
estágios de regeneração [...] (CAMPANILI e SCHAFFER, 2010).

107
Os estudos dos remanescentes florestais da FOM do Estado de Santa
Catarina (Figura 03) são decorrentes do mapeamento da Fundação SOS
Mata Atlântica realizado no ano de 2008, registrando uma cobertura
florestal remanescente da Floresta Ombrófila Mista de 13.741,03 Km², ou
seja, 24,4% da sua área original5 .2

Figura 03 – Mapa dos remanescentes florestais da FOM em SC.

Fonte: IFFSC (2013) adaptado de SOS Mata Atlântica (2009).

DEGRADAÇÃO DA FLORESTA OMBRÓFILA MISTA

A crescente colonização do sul do país por europeus e o avanço da


fronteira econômica sobre muitas áreas cobertas da Floresta Ombrófila
Mista e, consequentemente, a sua destruição aconteceu com maior
intensidade durante todo o século passado, motivada por questões
comerciais de exploração do pinheiro brasileiro. Segundo Vibras et al. (2012,
p. 158), “em razão de sua madeira de ótima qualidade e valor econômico, [...]
juntamente com outras espécies, como canela e cedro, foram exploradas
pela indústria madeireira durante boa parte do século XX”. Conforme IBAMA
(2003; THOMÉ, 1995 apud MARQUES 2007, p. 53), “[...] no início do século
passado, [...] foi instalada no norte catarinense, no município de Três Barras,

5 Considerando um conjunto de parâmetros estatísticos e os trabalhos de campo do Inventário


Florístico e Florestal de Santa Catarina (IFFSC), é possível afirmar, baseado no mapeamento
do Atlas 2008 (Fundação SOS Mata Atlântica, 2009) e com probabilidade de 95%, que a
cobertura florestal era de 13.741.03Km² (equivalente a 24,4% da área original) com intervalo
de confiança entre 12.350,40 e 15.170,13Km² (equivalente a uma cobertura florestal entre
21,9% e 26,9%) para um nível de probabilidade de 95%). Fonte: Vibrans et al (2013).

108
a serraria da Souther Brazil Lumber & Colonization Company’ (Lumber) na
época considerada a maior serraria da América do Sul, que chegou a serrar
aproximadamente trezentos metros cúbicos de araucária por dia”. Marques
(2007, p. 53) complementa:

A ação desta empresa foi uma das principais causas do desencadeamento da


“Guerra do Contestado”, um dos maiores e mais violentos conflitos brasileiros.
A exploração madeireira pela Lumber durou até 1940, quando o governo
federal incorporou a empresa e parte de suas áreas de terras, mas a exploração
predatória da Floresta com Araucárias continuou através de inúmeras
serrarias nacionais.

A indústria ervateira movimentou com grande intensidade a economia


desse território durante as primeiras décadas de emancipação política, entre
1911 e 1930, juntamente com a exploração madeireira. Nessa situação, a
base econômica do município de Canoinhas era fundamentada em dois
principais produtos oriundos da floresta nativa: um produto florestal não
madeireiro, a erva‐mate, e outro produto florestal, as madeiras nobres de
araucária, imbuia (Ocotea porosa), canela preta (Ocotea catharinensis), cedro
rosa (Cedrela fissilis) e bracatinga (Mimosa scabrella), as quais eram
utilizadas para fabricação de móveis, pisos e também para a construção civil.
Outras espécies não‐madeiráveis comuns nesse território, como o Xaxim
(Diksonia sellowiana), exploradas como produtos secundários, sofreram
uma grande redução em suas reservas naturais (NASCIMENTO et al., 2001
apud VIBRANS et al., 2013, p. 146).
Portanto, a extração de madeiras nativas regionais ocorreu de forma
intensiva e sistemática desde o início do século passado. Consequentemente,
o território do Planalto Norte Catarinense, mais especificamente o município
de Canoinhas, sofreu um retrocesso econômico nas décadas de 1980 e 1990.
Após a estagnação desse ciclo econômico‐florestal, o espaço rural regional
foi alvo de atividades agrícolas em larga escala, predominantemente de
monoculturas, especialmente a fumageira, de grãos e de reflorestamentos
com espécies exóticas (pinus e eucaliptos), alterando, assim, mais uma vez, o
cenário da paisagem regional.
As causas da mudança desse cenário podem ser consideradas como
consequências da globalização política econômica em curso, calcada em
mercados competitivos, economia de extrativismo, entre outros. Entende‐se
por globalização o movimento político‐econômico que abrange várias áreas
do globo terrestre impondo regras e sistemas de produção, circulação,
acumulação e dominação através da lógica capitalista. Essa lógica destrói
identidades físicas, sociais, políticas e econômicas, impactando
negativamente sobre as diferentes formas de vida, principalmente na
destruição dos recursos naturais.
A globalização propõe pseudomaneiras de “integração” das mais

109
diferentes áreas do globo terrestre, atuando na perspectiva que melhor
convenha aos interesses de circulação, acumulação e dominação capitalista.
Portanto, de maneira geral, pode‐se afirmar que o processo relatado
interferiu na identidade física, ambiental, política e econômica regional.
Superado esse ciclo, torna‐se necessário investigar novas alternativas
para o município, resgatando os restos genéticos dos remanescentes da
floresta e analisar as possíveis potencialidades econômicas para esse
território.

A FLORESTA E A LEGISLAÇÃO

O Código Florestal, Lei Federal 4.771 de 1965, atualmente revogado


pelo novo Código Florestal Brasileiro, Lei 12.651, de 2012, dispõe sobre a
proteção da vegetação nativa e obriga a recompor e/ou preservar 20% de
suas propriedades como reserva florestal legal, além das áreas de
preservação permanente (APP's). Essa “obrigação” é, por vezes, rejeitada
pelos proprietários rurais, pois, aparentemente, torna improdutiva uma
parcela de área significativa em suas propriedades.
A legislação prevê, também, uma determinada área da propriedade,
para a preservação ambiental. Tal área é denominada de Reserva Legal (RL),
que é a área pertencente a cada propriedade particular onde não é
permitido o desmatamento, mas que pode ser utilizada em forma de manejo
sustentado.
A Reserva Legal é uma área prescrita na legislação ao uso sustentável
dos recursos naturais, destinada à conservação e reabilitação dos processos
ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo da fauna e flora
nativa. Na região sul do Brasil, onde existe a Mata Atlântica, a reserva legal é
de 20% de cada propriedade. Conforme a Lei 12.651, de 25 de maio de 2012,
tem‐se:

[...] Art. 20. No manejo sustentável da vegetação florestal da Reserva Legal,


serão adotadas práticas de exploração seletiva nas modalidades de manejo
sustentável sem propósito comercial para consumo na propriedade e manejo
sustentável para exploração florestal com propósito comercial.

Conforme Blum e Oliveira (s.d. apud SANTOS, 2008, p. 09), “[...] é de


grande importância a busca de meios para transformar a conservação de
fragmentos florestais na forma de reserva legal em atividades que gerem
benefícios diretos e indiretos aos proprietários rurais, tornando‐a desejável
para estes”.

110
ALTERNATIVAS DE USO DA FLORESTA

Ao se considerar apenas a superfície florestal da propriedade, surgem


limites da cultura rural, privilegiando atividades agrícolas e pecuárias e em
escala a floresta é considerada um obstáculo, pouco ou nada acrescentando
à renda familiar. Para mudar esse cenário, algumas ações podem ser
adotadas no intuito de melhorar as condições de produção e reprodução dos
proprietários no espaço rural. As áreas de Reserva Legal e Preservação
Permanente garantem o patrimônio florestal nativo dentro das
propriedades rurais, com seus múltiplos benefícios. Nessas áreas o
proprietário rural ou agricultor poderá obter novas fontes de renda através
de vários produtos provenientes desses remanescentes, podendo manejar
os recursos naturais da propriedade rural com a diversificação de renda.

Para que seja possível manejar a floresta natural, é necessário incrementar sua
rentabilidade, o que depende, basicamente, de quatro fatores: a) produtividade
da floresta (sítio, estado de conservação, estágio de desenvolvimento); b)
produtividade das atividades de colheita, seja ela de produtos madeiráveis ou
não madeiráveis (organização e planejamento, habilidade, força); c)
infraestrutura (caminhos, acessos, rotas, equipamentos); d) mercados
(produtos e preços) (ROSOT, 2007, p. 80).

Rosot (2007, p. 80) afirma que “[...] a floresta funcional precisa de


manejo silvicultural". O manejo possibilita a melhoria da floresta em termos
de estrutura e, consequentemente, pode gerar benefícios às famílias que
sobrevivem no espaço rural, oportunizando novas dinâmicas e ganhos
ambientais, econômicos e sociais. Uma das alternativas de desenvolvimento
das propriedades rurais com intenção de valoração da floresta é a utilização
dos recursos ou produtos florestais não madeireiros (PFNM). Os PFNM são
os diversos recursos naturais disponíveis em todas as formações florestais
existentes. Historicamente, foram extraídos e utilizados para diferentes fins:
econômicos, saúde, ornamental, entre outros. Entre os produtos florestais
não madeiráveis, destacam‐se as plantas medicinais, extratos, frutas,
sementes, cipós, cortiças, fibras, resinas, taninos, óleos, etc. Muitos deles são
amplamente utilizados em processos de produção industrial ou artesanal,
cuja demanda é crescente.
Conforme Bentes‐Gama (2006, p. 11):

A possibilidade de gerar bens e serviços ambientais e econômicos com a


conservação das florestas naturais vem incentivando novos mercados. Um
exemplo disso está na demanda das indústrias nacionais de cosméticos que
procuram utilizar matérias‐primas vegetais inovadoras em seus produtos, cuja
produção, além de estar vinculada ao compromisso de conservação da
biodiversidade, também proporciona a geração de trabalho e renda em
comunidades envolvidas com o extrativismo.

111
Segundo Nasser (2000, apud BENTES‐GAMA et al., 2006, p. 11),
“estudos em economia regional estão ligados à necessidade de
conhecimento das especificidades regionais enquanto bases produtivas ou
dinâmicas”. Essas novas bases produtivas referem‐se aos produtos não
madeiráveis que podem ser extraídos da floresta como possibilidades de
manejo florestal sustentado. Apesar de a Floresta Ombrófila Mista possuir
grande parte desses produtos, muitos não são disseminados na cultura local
e, de maneira geral, são desconhecidos por muitos proprietários rurais.
Embora se conheça a erva‐mate, o pinhão, entre outros produtos não
madeiráveis utilizáveis, existem muitos mais, possivelmente ainda
desconhecidos, que podem guardar enormes potenciais econômicos, sociais
e ambientais.
Além disso, tais produtos naturais (PFNM) podem suprir necessidades
de sobrevivência e produção econômica do habitante rural. Para Itto (1988,
apud BRAZ et al., 2005, p 19), “[...] os produtos não madeiráveis geralmente
são base para a produção artesanal e industrial de pequena escala, além de
gerar empregos, considerando que a exploração requerida exige intensa
mão de obra”.
Várias são as espécies nativas que fornecem algum tipo de alimento,
entre elas as da família Myrtaceae, que são as mais encontradas nas áreas de
Floresta Ombrófila Mista no Planalto Norte Catarinense: pitanga (Eugenia
uniflora), guabiju (Myrcianthes pungens), guabiroba (Campomanesia
xanthocarpa), cerejeira (Eugenia involucrata), araçá (Psidium cattleianum),
jaboticaba (Myrciaria trunciflora), uvaia (Eugenia pyriformis), grumixama
(Eugenia brasiliensis), araticum (Annona cacans), ingá‐feijão (Ingá capitata),
entre outras. Além dessas, outras são potenciais para o desenvolvimento de
PFNM como a guaçatunga (Casearia decandra), a araucária, através dos
pinhões, e a palmeira jerivá (Syagrus romanzoffiana).
A flora brasileira, de modo geral, não produz muitas espécies de frutas
comercialmente viáveis. Por isso, muitas espécies frutíferas somente são
conhecidas na sua região de origem, embora possam gerar uma demanda
local pelos produtos e subprodutos delas advindos. Determinadas plantas
são ricas fontes de substâncias orgânicas de interesse científico e
tecnológico. Tais substâncias são conhecidas como metabólicos secundários
e encontram‐se distribuídas por toda a planta. Muitas delas desempenham
importante papel regulador de desenvolvimento do mecanismo de defesa do
corpo humano e na reprodução da espécie para fins comerciais
farmacêuticos. Quanto maior a diversidade biológica de uma determinada
floresta, maior será a sua diversidade química, podendo‐se citar a Mata
Atlântica como um dos mais ricos sistemas biológicos do mundo.

112
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Floresta Ombrófila Mista regional sofreu grande intervenção humana


e intensa exploração econômica desde o início do século passado através do
processo de colonização, extração e beneficiamento da madeira.
A implantação de Unidades de Conservação (UC), o controle da
expansão de espécies exóticas, a criação de políticas públicas específicas
voltadas ao manejo múltiplo de recursos florestais não madeiráveis e o
incentivo a novas pesquisas de tecnologias para melhor uso e conservação
dessa floresta, entre outras, são ações e sugestões que podem ser pensadas,
articuladas e até implantadas, no intuito de proteção dos remanescentes da
floresta nativa regional.
No âmbito das IG’s, o contraste com o desenvolvimento sustentável
deve buscar inclusão de fatores como a diversidades cultural e histórica do
local, resgatando o valor do “Contestado”, além de promover um
crescimento equilibrado com a justiça social, e gestão de recursos naturais
da paisagem local lançados também a participar da ação de IG. A estratégia
primordial para um bom aproveitamento da paisagem natural do mate e sua
valorização no processo de IG deve primar o estabelecimento de um
aproveitamento inteligente e sustentável da floresta em benefício das
populações residentes no território.
A valorização de espécies endêmicas e produtos associados erva‐mate
são detalhes que se fazem essenciais para valorização dessa paisagem única.
Algumas delas, como o Caraguatá (Bromelia antiacantha), desempenham
uma papel fundamental na paisagem com grande apelo paisagístico e
também potencial medicinal, além de muitas outras espécies que são
associadas a erva‐mate na fitossociologia florestal e também podem servir
de subsídios na valorização da paisagem e na conquista da IG da erva‐mate
através do aproveitamento dos frutos para fabricação de sucos, geleias,
polpa congelada e até mesmo a comercialização do fruto in natura no caso
do pinhão.
Sugere‐se a utilização sustentável da Floresta Ombrófila Mista, isto é, o
manejo adequado dos produtos florestais não madeireiros. É indispensável
também considerar futuras investigações sobre a temática, além de
fortalecer as políticas públicas rurais com incentivos à adoção de produção
agrícola no modelo de Sistemas Agroflorestais, aliando a produção de
alimentos. Outra possibilidade a ser considerada nas estratégias de
desenvolvimento são os pagamentos por serviços ambientais oferecidos
pelos fragmentos da FOM, tais como o sequestro de CO², a polinização e a
manutenção de recursos hídricos. Esse ressarcimento aos produtores rurais
está previsto no atual código florestal e a sua execução (ou não) depende do
poder público.

113
Os remanescentes florestais na forma de Reserva Legal e Áreas de
Preservação Permanentes podem viabilizar economicamente as
propriedades rurais através da produção de bens e serviços, além da
conservação da biodiversidade. Por essa razão, os fragmentos de
remanescentes da floresta nativa regional em forma de Reserva Legal e
Áreas de Preservação Permanente não podem ser considerados áreas
“improdutivas”, ou, por vezes, entendidos e mantidos apenas por exigência
da legislação ambiental, mas como possibilidade de exploração econômica
sustentável.
Em estudos3já realizados anteriormente (SANDER, 2014), a dimensão
ambiental de conservação da paisagem natural não é vista como prioridade,
além de mostrar que a não preocupação e a correta utilização dos recursos
naturais não é valorizada na produção dos produtos com selo de IG. O fato é
que não faz sentindo a conquista de um registro de IG para um produto
exclusivo oriundo de uma paisagem singular e de uma espécie endêmica
sem a conservação e valorização desta paisagem da qual a rica matéria‐
prima chamada erva‐mate faz parte.
Assim, deve‐se zelar pela preservação do capital natural, não limitando
os usos da floresta, mas desenvolvendo estratégias seguras para as suas
fragilidades como o avanço da agricultura, ou monoculturas silvícolas. A IG
pode ser um excelente recurso de integração entre desenvolvimento e
sustentabilidade ambiental para a floresta ombrófila mista, desde que atue
intrinsicamente com os atores locais, a sua capacidade de resiliência,
atividades econômicas e valorização cultural e histórica.

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FUPEF. Levantamento Fitossociológico das Principais Associações Arbóreas da


Floresta Nacional de Três barras. Curitiba: Convênio IBAMA‐FUPEF, 1990.

IBGE‐ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual Técnico da Vegetação


Brasileira. V. 1, 2.ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. (Série Manuais Técnicos em
Geociências)

114
MARQUES, A. Planejamento da paisagem da floresta nacional de Três Barras (Três
Barras – SC): Subsídios ao plano de Manejo. Curitiba: UFPR, 2007 (Dissertação de
Mestrado).

ROSOT, M. A. D. Manejo florestal de uso múltiplo: uma alternativa contra a extinção


com floresta com araucária? Colombo–PR: Embrapa, 2007.

SANDER, S. D. A Indicação Geográfica como contributo para o desenvolvimento


Sustentável: Uma análise a partir de experiências brasileiras no setor vinícola.
2014. Canoinhas‐SC: Universidade do Contestado, 2014 (Dissertação de Mestrado.
Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional).

SANTOS, F. B. Estudo e caracterização de essências nativas para utilização em


sistemas silvipastoris nas pequenas propriedades familiares do Bioma Mata
Atlântica. Florianópolis – SC: 2008

SCHAFFER, W.B; PROCHNOW, M. A Mata Atlântica e Você: como preservar, recuperar e


se beneficiar da mais ameaçada floresta brasileira. Brasília: Apremavi, 2002. 156 p.

VIBRANS, A.C; et al. Inventário Florístico e Florestal de Santa Catarina: diversidade e


conservação dos remanescentes florestais. Vol.1. Blumenau‐SC: Edifurb, 2012.

VIBRANS, A.C; et al. Inventário Florístico e Florestal de Santa Catarina: Floresta


Ombrófila Mista. Vol.3. Blumenau‐SC: Edifurb, 2013.

115
CAPÍTULO 7

SIGNOS DISTINTIVOS E POTENCIAIS BENEFÍCIOS


AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL1

Suelen Carls ‐ UFSC


Liliana Locatelli ‐ UFSC
Luiz Otávio Pimentel ‐ UFSC

1. INTRODUÇÃO

A gestão do território, com todos os elementos que o compõem, pode


gerar ativos tangíveis e intangíveis. Considerando a natureza jurídica desses
ativos, comumente, os indivíduos tendem a valorizar e a reconhecer com
maior facilidade os ativos tangíveis, os quais ainda representam a forma
preponderante de fomentar a economia e garantir o sustento das famílias ali
inseridas.
Diante de uma tendência crescente de valorizar o patrimônio imaterial
vinculado aos territórios, especialmente por influência europeia,
vislumbram‐se novas perspectivas sobre instrumentos que possam
fomentar o desenvolvimento territorial.
Dentre esses instrumentos, estão os signos distintivos, institutos que
permitem uma maior diferenciação dos produtos e serviços no mercado de
consumo, bem como podem propiciar a gestão coletiva dos ativos
intangíveis advindos da exploração de atividades econômicas ligadas ao
território. Portanto, a abrangência do estudo foi delimitada com o intuito de
se compreender esses signos distintivos a partir de sua natureza jurídica e
formas de proteção, perpassando exemplos estabelecidos na realidade
brasileira, até mesmo a possibilidade de coexistência de mais de um signo
para a mesma atividade ou produto e suas potencialidades econômicas, sem
esquecer dos aspectos relevantes vinculados à questão territorial.
Para a construção dos argumentos, foi realizada introdução relacionada
ao território, seguida de uma análise normativa e das marcas de produtos e
serviços, marcas coletivas e de certificação e indicações geográficas,
finalizada com uma apreciação formal desses institutos como potenciais
instrumentos de valorização e proteção dos respectivos ativos intangíveis

1
O presente texto se integra aos estudos do Projeto de Pesquisa Território, Identidade
Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos territoriais como estratégia de
desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina, o qual contou com o apoio
financeiro da FAPESC.

117
com vistas a fomentar a economia de determinadas regiões e promover o
desenvolvimento territorial.
A metodologia utilizada adota a abordagem qualitativa, com enfoque
indutivo na análise das informações, baseada em pesquisa bibliográfica
secundária de livros, artigos, legislação, dados estatísticos disponibilizados
por órgãos governamentais ou privados e outros materiais pertinentes
sobre o tema.

2. TERRITÓRIO

A ideia de localidade assumiu, nas últimas décadas, um papel de


protagonista nas questões vinculadas ao desenvolvimento da atividade
produtiva, inclusive no que diz respeito às estratégias utilizadas pelas
próprias empresas, individual ou coletivamente (CALDAS; CERQUEIRA;
PERIN, 2005).
Isso conduz a considerar que o desenvolvimento dito territorializado se
torna ponto de partida para a construção de uma nova dimensão do setor
produtivo: a dimensão espacial, de um desenvolvimento localizado no
território, cujo referencial é pensado justamente a partir da delimitação
territorial.
Trata‐se de desenvolvimento a partir da utilização dos ativos
disponíveis em determinado ponto do território: ativos tangíveis e
intangíveis que, uma vez utilizados por empresas, individual ou em conjunto
com a comunidade, permitem uma requalificação (positiva) do território,
gerando desenvolvimento.
Nesse contexto, o território, é visto como berço e habitat da reprodução
das relações sociais de produção. Dessa forma, Santos (1977, p. 87), aponta
que:

Os modos de produção tornam‐se concretos sobre uma base territorial


historicamente determinada. Deste ponto de vista, as formas espaciais seriam
uma linguagem dos modos de produção. Daí, na sua determinação geográfica,
serem eles seletivos, reforçando dessa maneira a especificidade dos lugares.

Dallabrida (2006, p. 161), a seu tempo, afirma:

O conceito território refere‐se a uma fração do espaço historicamente


construída através das interrelações dos atores sociais, econômicos e
institucionais que atuam nesse âmbito espacial, apropriada a partir de relações
de poder sustentadas em motivações políticas, sociais, econômicas, culturais
ou religiosas, emanadas do Estado, de grupos sociais ou corporativos,
instituições ou indivíduos.

Nessa seara, a concepção de desenvolvimento territorial é a mais ampla


concepção de desenvolvimento entre aquelas que se coadunam com a

118
2
perspectiva do espaço geográfico, ou seja, a dimensão espacial . É um
conceito que se associa a ideia de continente e não de conteúdo. E nele, no
território, “[...] é qualquer recorte da superfície terrestre, mas nem todos os
territórios são de interesse igual a partir da perspectiva do
desenvolvimento” (BOISER, 2006).
É nesse sentido que Franco (2002, p. 72) observa que: “[...] o
desenvolvimento de uma localidade depende de, entre inumeráveis outros
fatores, sempre de dois fatores: o capital social e humano existentes no
ambiente das suas relações”.
Anjos et al. (2013) compartilham pensamento semelhante e afirmam
que o território exige interação social para se desenvolver. Logo não deve
ser entendido apenas como um conjunto de recursos materiais, mas,
principalmente, a partir da forma como pessoas e organizações nesse
território se comportam em relação aos recursos e os utilizam. Portanto, é
peremptório estabelecer pactos para a geração de benefícios, do
desenvolvimento.
3
Assim é que a ideia do capital social faz enxergar que indivíduos não
agem de maneira isolada, nem independentes são seus objetivos e seu
comportamento nem sempre se traduz em egoísmo. É por isso que “[...] as
estruturas sociais devem ser vistas como recursos, como um ativo de capital
que os indivíduos podem dispor” (ABRAMOVAY, 2003, p. 86).
Nesse cenário, ações para o desenvolvimento e gestão do território são
pensadas tanto a partir de ativos tangíveis como de intangíveis, sejam eles
utilizados isolada ou conjuntamente. Particularmente em um país de
dimensões continentais como o Brasil, no qual se percebe uma variada carga
cultural, a utilização desses recursos, se geridos com objetivos claros, pode
render frutos nos mais diversos campos, como o econômico, o social e o
cultural, propriamente dito, a partir do estímulo à preservação e promoção
das identidades.
É nesse horizonte que se encontram, entre outras possibilidades, os
signos distintivos, parte dos direitos da propriedade intelectual que objetiva
diferenciar empresas, produtos e serviços a partir de marcas, marcas
coletivas, marcas de certificações e indicações geográficas, a depender do
caso. A utilização desses signos, combinada a um projeto de gestão
abrangente do território, é capaz de gerar benefícios e promover a

2
Incluídas nesse contexto também as concepções de desenvolvimento local e regional.
3
Conforme Bourdieu (1989) pode-se dizer a respeito do capital econômico que, sob a forma
dos diferentes fatores de produção (terras, fábricas, trabalho) e do conjunto de bens
econômicos (dinheiro, patrimônio, bens materiais) é acumulado, reproduzido e ampliado por
meio de estratégias específicas de investimento econômico e de outras relacionadas a
investimentos culturais e à obtenção ou manutenção de relações sociais que podem possibilitar
o estabelecimento de vínculos economicamente úteis, a curto e longo prazo.

119
cooperação entre empresas, pessoas e coletividades. Essa ideia se resume à
capacidade de articulação das forças produtivas, culturais e sociais de um
território, guiada por um mesmo propósito: o desenvolvimento do
território.

3. SIGNOS DISTINTIVOS E SUA REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA

Para uma gestão apropriada dos signos distintivos compreendidos em


determinado território, é imprescindível conhecer a regulamentação
jurídica dos institutos. A existência de regras claras e o domínio das mesmas
se traduzem em confiança na proteção da propriedade intelectual e faz com
que se forme um ciclo de aprendizado e desenvolvimento, no qual os
vínculos se fortalecem. Nesse sentido, a existência de normas nacionais
coerentes em matéria de propriedade intelectual é de elevada importância
para o fomento do desenvolvimento a partir da proteção jurídica dos ativos
intangíveis compreendidos nessa espécie de propriedade.

3.1 MARCAS

As marcas representam uma categoria múltipla de signos distintivos


compreendidos nos direitos de propriedade intelectual: podem ser marcas
de produto ou serviços, marcas de certificação ou marcas coletivas.
A Lei n. 9.279/1996 prescreve que são registráveis como marca os “[...]
sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas
proibições legais”, e especifica (BRASIL, 1996):

Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera‐se:

I ‐ marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou


serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;

II ‐ marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um


produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas,
notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia
empregada; e

III ‐ marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços


provindos de membros de uma determinada entidade.

Conceitualmente, Bruch et al. (2014, p. 80) esclarece que:

Marcas são signos nominativos, figurativos, mistos ou tridimensionais,


destinados a identificar e distinguir determinados produtos ou serviços de
outros, de procedência diversa. Para que o signo possa ser registrado como
marca é necessário que os requisitos da novidade, distinguibilidade, ainda que
relativa, e da licitude estejam presentes.

120
As marcas têm por função precípua diferenciar visualmente produtos
ou serviços de outros, semelhantes ou idênticos, disponíveis no mercado
consumidor. Nessa categoria a titularidade pode pertencer a pessoa física ou
4
jurídica, esta última de direito público ou privado .
Já as marcas de certificação são signos distintivos cuja titularidade
pertence à pessoa física ou jurídica obrigatoriamente sem relação e/ou
5
interesse com o produto ou serviço a ser certificado . A origem desses
produtos ou serviços não guarda, necessariamente, vínculo geográfico
específico, apenas exige‐se que se atenda aos padrões estabelecidos pela
entidade certificadora.
Em diferentes termos, as marcas de certificação:

[...] são usadas para atestar a conformidade de um produto ou serviço com


determinadas normas, especificações técnicas ou padrões de identidade e
qualidade. O titular da marca de certificação é um terceiro que verifica se um
produto ou serviço foi elaborado conforme o regulamento por ele criado. Se
aprovado, permite a utilização do signo que identifica esta certificação (BRUCH
et al., 2014, p. 83).

Diferente situação é verificada no que diz respeito às marcas coletivas.


Nessa espécie, a titularidade pertence a uma entidade coletiva
representativa de um grupo de produtores ou prestadores de serviço que se
6
unem com um propósito comum . Nesse caso, apenas os que estiverem na
condição de associados e que respeitarem as normas coletivamente
estabelecidas poderão se utilizar da marca coletiva e sua representação
gráfica.
Segundo expõem Bruch et al. (2014, p. 82):

A marca coletiva identifica produtos ou serviços provindos de membros de


uma determinada entidade. Esse tipo de marca também tem uma função
diferenciadora. Ela pode ser utilizada por Associações ou Cooperativas, por
exemplo, cujos associados ou cooperados elaboram produtos que são
disponibilizados no mercado com uma mesma marca. Isso pode garantir uma
maior visibilidade e força à marca, o que não aconteceria se cada um dos
associados ou cooperados utilizasse uma marca própria.

Oportuno mencionar que a marca (de produto ou serviço), a marca


coletiva, a marca de certificação e a Indicação Geográfica podem coexistir em

4
Artigo 128. [...] § 1º As pessoas de direito privado só podem requerer registro de marca
relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente, de modo direto ou através de empresas
que controlem direta ou indiretamente, declarando, no próprio requerimento, esta condição,
sob as penas da lei.
5
Artigo 128. [...] § 3º O registro da marca de certificação só poderá ser requerido por pessoa
sem interesse comercial ou industrial direto no produto ou serviço atestado.
6
Artigo 128. [...] § 2º O registro de marca coletiva só poderá ser requerido por pessoa jurídica
representativa de coletividade, a qual poderá exercer atividade distinta da de seus membros.

121
um mesmo produto ou serviço, sem que exista qualquer tipo de conflito
apresentado pelo conjunto normativo nacional. Além disso, muitas vezes a
utilização de mais de um signo distintivo representa um avanço na
diferenciação e promoção do produto ou serviço no mercado, podendo
impactar positivamente na gestão dos ativos e geração de desenvolvimento.
Mas, antes que se pense em acumular signos distintivos, é preciso
conhecer a legislação que os regulamenta. Nesse sentido, a começar pelas
marcas (de produto ou serviço), uma lista de 23 incisos especificando os
sinais não registráveis está contida no artigo 124 de Lei n. 9.279/1996
(BRASIL, 1996).
Os artigos seguintes (125, 126 e 127) tratam da marca de alto renome,
da marca notoriamente conhecida e do direito de prioridade relativo a
depósitos feito em país que mantenha acordo com o Brasil.
No que se refere ao pedido, “[...] deverá referir‐se a um único sinal
distintivo e, nas condições estabelecidas pelo INPI, conterá: I ‐
requerimento; II ‐ etiquetas, quando for o caso; e III ‐ comprovante do
pagamento da retribuição relativa ao depósito”. Ademais, todos os
documentos que acompanharem o pedido deverão estar em língua
portuguesa, seja no original ou em tradução simples (BRASIL, 1996).
A aquisição da propriedade da marca se concretiza pelo registro
validamente expedido e que assegura ao titular a exclusividade de utilização
em todo o território nacional pelo período de 10 anos a partir da data da
concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos e “[...]
abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos
relativos à atividade do titular”, observadas as restrições do artigo 132 e
incisos (BRASIL, 1996). Além disso:

Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de:


I ‐ ceder seu registro ou pedido de registro;
II ‐ licenciar seu uso;
III ‐ zelar pela sua integridade material ou reputação (BRASIL, 1996).

Da mesma forma, a lei também prevê os casos em que o registro da


marca se extingue e os direitos sobre ela são perdidos: expiração do prazo
de vigência sem que haja renovação, renúncia total ou parcial, caducidade ou
ausência de procurador constituído no Brasil no caso de titular residente no
exterior (BRASIL, 1996).
Acerca das marcas coletivas e das marcas de certificação, a Lei n.
9.279/1996 reserva os artigos 147 a 154 para tratar das particularidades
dessas categorias.
Os dispositivos alertam que: “[...] o pedido de registro de marca coletiva
conterá regulamento de utilização, dispondo sobre condições e proibições
de uso da marca”, devendo ser protocolizado no máximo 60 dias após o

122
depósito, caso não acompanhe o pedido, sob pena de arquivamento (BRASIL,
1996).
O pedido de registro de marca de certificação, por sua vez, deverá
contemplar: “I ‐ as características do produto ou serviço objeto de
certificação; e II ‐ as medidas de controle que serão adotadas pelo titular”,
estas devendo, da mesma forma como ocorre na marca coletiva, serem
apresentadas em no máximo 60 dias, caso não façam parte da documentação
entregue com o pedido, sob pena de arquivamento (BRASIL, 1996).
Caso sejam empreendidas modificações no regulamento de utilização da
marca, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) deverá ser
comunicado por meio de petição com todos os detalhes das mudanças.
Além dos casos de extinção da marca de produto ou serviço, aplicam‐se
também às marcas coletivas e de certificação as seguintes causas: “Art. 151
[...] I ‐ a entidade deixar de existir; ou II ‐ a marca for utilizada em condições
outras que não aquelas previstas no regulamento de utilização” (BRASIL,
1996).
Os dispositivos seguintes estabelecem:

Art. 152. Só será admitida a renúncia ao registro de marca coletiva quando


requerida nos termos do contrato social ou estatuto da própria entidade, ou,
ainda, conforme o regulamento de utilização.

Art. 153. A caducidade do registro será declarada se a marca coletiva não for
usada por mais de uma pessoa autorizada, observado o disposto nos arts. 143
a 146.

Art. 154. A marca coletiva e a de certificação que já tenham sido usadas e cujos
registros tenham sido extintos não poderão ser registradas em nome de
terceiro, antes de expirado o prazo de 5 (cinco) anos, contados da extinção do
registro (BRASIL, 1996).

Feita essa revisão de conceitos, usos e regulamentação, é possível


perceber que a marca, em todas as suas variantes, tem potencial para a
valorização territorial. Isso considerado em conjunto com os apontamentos
realizados acima a respeito do território e da cooperação entre pessoas,
empresas e coletividade em prol da valorização dos ativos presentes em
determinado espaço territorial.

3.2 INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS

A Lei n. 9.279/1996 prescreve que as Indicações Geográficas (IG)


podem ser reconhecidas como Indicação de Procedência ou Denominação de
Origem. Assim, ao analisar os requisitos legais para o reconhecimento de
uma IG, importa observar as diferenças entre a Indicação de Procedência e a
Denominação de Origem.

123
A legislação brasileira define que: “Art. 177. Considera‐se indicação de
procedência o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu
território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração,
produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de
determinado serviço” (BRASIL, 1996).
Observa‐se que a lei exige como requisito para o reconhecimento desse
signo a notoriedade do meio geográfico de origem dos produtos ou serviços.
Quando se fala em indicações geográficas, tendo em vista sua origem
europeia, a ideia que vem à tona é justamente a de tradição e qualidade em
produtos ou serviços que utilizam esse signo. A tradição, por sua vez, não foi
expressa na Lei n. 9.279/1996, embora tal legislação não a exclua.
A diferença entre essas duas características – notoriedade e tradição –
pode ser tênue em alguns casos e significativa em outros. A tradição
pressupõe práticas reiteradas que se consolidam no decurso do
tempo/história, passando de gerações para gerações. A notoriedade, por sua
vez, pressupõe o reconhecimento, o tornar público. Nesses termos, a
notoriedade do meio geográfico de origem pode advir da sua tradição na
produção de bens ou serviços, mas também pode ser alcançada a curto
prazo com estratégias de marketing.
É possível exemplificar essa distinção imaginando que determinada
localidade resolva explorar novos produtos, não característicos ou
tradicionais da região. Os novos produtores investem em publicidade,
eventos de divulgação e em curto tempo a localidade é reconhecida regional
ou nacionalmente pela produção de seus bens. Nesse caso, independente da
tradição, está preenchido o requisito legal para o reconhecimento de uma
Indicação de Procedência. Aqui, a tradição não foi o pressuposto para que o
meio geográfico de origem dos produtos se tornasse conhecido.
Como exemplo de Indicação de Procedência, não se pode deixar de
mencionar o Vale dos Vinhedos, por ter sido a primeira IG nacional, a qual se
refere a vinhos tintos, brancos e espumantes, tendo o seu registro deferido
em novembro de 2002 (BRASIL, 2014), mais de seis anos após o advento da
7
atual legislação de propriedade industrial .
No Estado de Santa Catarina, a primeira Indicação de Procedência
também está vinculada a vinhos (da uva Goethe), e teve seu registro
deferido em fevereiro de 2012 – Vales da Uva Goethe. Trata‐se de uma
microrregião localizada entre as encostas da Serra Geral e o litoral sul
catarinense nas bacias do rio Urussanga e rio Tubarão, compreendendo
vários municípios (Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da
Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara) que se tornou
reconhecida na produção desses vinhos (BRASIL, 2014).

7
Mais tarde, reconheceu-se também a Denominação de Origem Vale dos Vinhedos, para uma
gama menor de variedades de vinhos e espumantes.

124
Não obstante alguns exemplos pioneiros, as Indicações de Procedência
nacionais não se restringem a vinhos, tendo diversos outros produtos tanto
do segmento agroalimentar, como não agroalimentares, como os artesanais
e industriais. Citam‐se como exemplos: o Vale do Submédio São Francisco,
para uvas de mesa e mangas, em 2009; a Região da Serra da Mantiqueira de
Minas Gerais, para o café, em 2011; a Região do Jalapão do Estado do
Tocantins, para o artesanato em capim dourado, também em 2011; Franca,
para calçados, em 2012; Canastra, para queijo, também em 2012; Mossoró,
para o melão, em 2013; Rio Negro, para peixes ornamentais, em 2014;
Microrregião de Abaíra, para cachaça, também em 2014. De 41 IGs
8
nacionais, têm‐se 33 indicações de procedência (BRASIL, 2014).
Esses exemplos aleatórios evidenciam a diversidade de produtos e
regiões brasileiras que obtiveram o registro de uma Indicação de
Procedência, agregando à sua produção tradicional um reconhecimento
vinculado ao patrimônio imaterial dessas regiões e sua respectiva produção.
No que se refere às Denominações de Origem, por outro lado, a Lei n.
9.279/1996, em seu artigo 178, aduz que: “Considera‐se denominação de
origem o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu
território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou
características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico,
incluídos fatores naturais e humanos” (BRASIL, 1996). Aqui, as qualidades
ou características do produto, vinculadas ao meio geográfico de origem,
constituem o requisito essencial para o reconhecimento da indicação.
Nesses casos, mais do que tradição ou notoriedade são relevantes,
sendo exigida uma comprovação de características que relacionem o
produto/serviço à sua origem geográfica, tornando‐o peculiar ou único em
razão dela.
Além desse requisito, a Lei n. 9.279/1996, no artigo 182, dispõe que a
titularidade ou o direito de uso da IG é restrito aos produtores e prestadores
estabelecidos no local, inferindo‐se que estes explorem a atividade
característica da IG. No caso da Denominação de Origem, a lei
expressamente exige o cumprimento dos requisitos de qualidade que a
determinam. Tal distinção se faz relevante no momento da elaboração do
Regulamento de Uso da indicação, bem como no momento de verificar a
legitimidade do produtor/prestador para se utilizar do signo geográfico.
No Brasil, das 41 IGs registradas, oito são Denominações de Origem. A
primeira Denominação de Origem nacional registrada no INPI foi o Litoral
Norte Gaúcho, para o arroz, em 2010. Neste caso,

8
Dados atualizados pelo INPI até 14 de outubro de 2014 e disponíveis no link contido na lista
de referências.

125
As características climáticas da região do Litoral Norte Gaúcho são
determinantes sobre a lavoura de arroz irrigado e isto é fartamente
comprovado na literatura existente. O grão produzido tem características de
alto rendimento de grãos inteiros, aparência vítrea e baixo percentual de
gessamento mantendo uma constância ao longo de diferentes safras. Isto
caracteriza um arroz diferenciado, valorizado não somente pela indústria
beneficiadora, mas também pelos consumidores finais que buscam além da
melhor aparência do grão um maior rendimento de panela e melhores
características de cocção que permitam servir um arroz “solto”, não
“empapado” e de fácil preparo (APROARROZ, 2010).

O maior rendimento é decorrência, então, desses fatores naturais que


resultam na característica sui generis do produto. Evidencia‐se, neste
exemplo pioneiro, um produto que sofre influências do meio geográfico de
origem, agregando características peculiares que se devem exclusivamente a
ele. Diferente das Indicações de Procedência, como mencionado
anteriormente, não se trata somente de reputação ou notoriedade do Litoral
Norte Gaúcho, mas de qualidades do produto originário daquele território,
que podem ser comprovadas cientificamente e vinculadas a essa origem,
decorrentes de fatores naturais e humanos.
Há outros exemplos nacionais que obtiveram reconhecimento posterior
como Denominação de Origem, como a Costa Negra, para o camarão, em
2011, e os Manguezais de Alagoas, para a Própolis vermelha e extrato de
própolis vermelha, em 2012. Ao total, têm‐se atualmente oito denominações
nacionais registradas. (BRASIL, 2014)
Importa mencionar, ainda, o caso de uma mesma região ter sido
reconhecida como Indicação de Procedência e posteriormente ter seu
registro também como Denominação de Origem. No Brasil, o Vale dos
Vinhedos e o Cerrado Mineiro estão nessa situação. Trata‐se de uma
possibilidade não prevista na legislação nacional, nem vedada, motivo pelo
qual permite interpretações diversas.
Faz‐se necessário observar que a Indicação de Procedência não deve ser
vista como uma etapa prévia da Denominação de Origem, uma vez que o
9
objeto tutelado por ambas é distinto. Tal concepção pode ensejar confusão
ao consumidor quando se tratar do mesmo produto, por não saber
diferenciar tais signos, o que acarretaria uma menor valorização do produto
e, consequentemente, a falta de retorno aos investimentos dos produtores,
especialmente na Denominação que, em tese, gera mais custos,
especialmente no controle.
Na regulamentação das IGs há muitas lacunas e omissões, bem como
situações em que os casos práticos e a interpretação do INPI têm dado o
alcance dos dispositivos legais.

9
Sobre o tema, sugere-se consultar ANJOS et al., 2013.

126
Nesse mesmo contexto, a generalização do nome geográfico merece
especial atenção aqui, motivo pelo qual também foi abordada pelo legislador
nacional. Assim, consolidou‐se que estão excluídos da proteção como IG os
nomes que tenham se tornado de uso comum (artigo 180). Observa‐se uma
questão complexa, considerando que o INPI, órgão responsável pelo registro
das IGs no Brasil, acabou relativizando a exigência ao deferir o registro para
IGs, especialmente estrangeiras, que se tornaram de uso comum no Brasil.
Entende‐se que uma das funções precípuas das IGs é informar ao
consumidor, relacionando o produto à sua origem geográfica. Quando o
nome geográfico se generaliza, sua proteção como IG, além de confundir o
consumidor, pode gerar restrições injustificadas aos demais produtores ou
prestadores que se utilizavam desse nome genérico de boa‐fé. Resta a tais
produtores, dependendo do caso, recorrer ao Poder Judiciário para ver seus
direitos resguardados.
A regulamentação do conflito entre IGs e marcas também é prevista na
Lei n. 9.279/1996 (artigo 181). A problemática aqui está centrada no fato de
inúmeros nomes geográficos nacionais já terem sido registrados como
marcas, não obstante possuírem características próprias das IGs. Tal fato
causa transtornos aos produtores e prestadores das indicações, tornando o
processo de reconhecimento moroso, caro e incerto.
A mesma Lei n. 9.279/1996 (artigo 182, parágrafo único) dispõe, por
fim, que cabe ao INPI determinar as condições para o registro das IGs, órgão
que, no intuito de regulamentar a matéria, editou normas próprias. A
recente Instrução Normativa (IN) n. 25/2013 trouxe poucas alterações em
relação à Resolução n. 75/2000 que regulamentou a matéria após a edição
da Lei n. 9.279/1996, não refletindo em quaisquer modificações
substanciais nos requisitos e documentos exigidos para o deferimento do
pedido.
A primeira e importante disposição do INPI refere‐se à natureza jurídica
do registro de uma IG, qual seja, declaratória. Tal disposição implica no fato
de que o registro não constitui nenhuma nova situação, apenas reconhece
um direito já existente (BRASIL, 2013b).
A legitimidade para requerer o registro, por sua vez, nos termos da IN n.
25/2013, artigo 5º, é atribuída, no caso das indicações nacionais, às
associações, aos institutos e às pessoas jurídicas que representem o grupo
de produtores ou prestadores legitimados ao uso do nome geográfico (na
qualidade de substitutos processuais), quando não se tratar de
produtor/prestador único (BRASIL, 2013b). Interessa observar que a norma
do INPI designa a legitimidade como requerente ao registro, o que não
determina a titularidade do direito de uso, já prevista na Lei n. 9.279/1996.
O pedido de registro deverá conter, nos termos da IN n. 25/2013, artigo
6º:

127
I – requerimento (modelo I), no qual conste:
a) o nome geográfico;
b) a descrição do produto ou serviço;
II – instrumento hábil a comprovar a legitimidade do requerente, na forma do
art. 5º;
III – regulamento de uso do nome geográfico.
IV – instrumento oficial que delimita a área geográfica;
V – etiquetas, quando se tratar de representação gráfica ou figurativa da
Indicação Geográfica ou de representação de país, cidade, região ou localidade
do território, bem como sua versão em arquivo eletrônico de imagem;
VI – procuração, se for o caso, observando o disposto nos art. 20 e 21;
VII – comprovante do pagamento da retribuição correspondente (BRASIL,
2013b).

No caso da Indicação de Procedência, o nome geográfico deve ser


reconhecido e sua notoriedade/reputação comprovada, juntamente com a
demarcação da área geográfica, cujo documento deve ser expedido pelo
órgão competente de cada Estado, nos termos da IN n. 25/2013, artigo 7º,
que dispõe como órgãos competentes,

[...] no Brasil, no âmbito específico de suas competências, a União Federal,


representada pelos Ministérios afins ao produto ou serviço distinguindo como
nome geográfico, e os Estados, representados pelas Secretarias afins ao
produto ou serviço distinguido com o nome geográfico.

Os produtos ou serviços que poderão se utilizar da IG deverão ser


determinados e devidamente caracterizados, sendo que o direito de uso do
signo não é extensivo a todo e qualquer produto ou serviço originado na
respectiva região/localidade.
O Regulamento de Uso, por sua vez, estabelecerá essa caracterização,
bem como todas as demais regras que nortearão o uso da IG. Nesse sentido,
o Regulamento pode prever os processos produtivos e suas peculiaridades;
forma de gestão e controle da IG; mecanismo de deliberação dos
produtores/prestadores; custos do selo; regras quanto à matéria prima,
produtividade, armazenamento e embalagem; publicidade e divulgação do
selo; entre outras.
A IN n. 25/2013, artigo 8º, solicita, ainda, documentos que comprovem:
a notoriedade do nome geográfico ‐ relacionada à produção ou prestação
característica; a existência de uma estrutura de controle; e que os
produtores/prestadores autorizados a utilizar o selo estejam estabelecidos
na área geográfica demarcada e explorem a atividade respectiva. Sendo essa
última exigência também aplicável às Denominações de Origem (BRASIL,
2013b).
No caso da Denominação de Origem, o pedido deve conter também a
comprovação dos elementos que determinam a influência do meio

128
geográfico no produto, bem como a descrição dos processos e métodos de
obtenção, caracterizando a influência de fatores humanos. Nesse último
caso, destaca‐se que tais métodos devem ser locais, leais e constantes, a fim
de garantir ao consumidor o diferencial que o referido produto promete.
Para a verificação de todos esses elementos, há, ainda, que se apresentar
uma estrutura de controle que fiscalize produtores/prestadores e
produtos/serviços (BRASIL, 2013b).
As demais exigências do INPI são de natureza burocrática para
instrumentalizar o pedido, como o formulário de requerimento,
comprovante de pagamento, procuração quando pertinente e documento
que ateste a legitimidade da instituição requerente.
Observa‐se que dentre os maiores desafios enfrentados na formalização
do pedido de reconhecimento de uma IG está a organização dos produtores,
considerando os diferentes interesses envolvidos, bem como as práticas
individualizadas que requerem uma harmonização e a estrutura de controle
que é um importante instrumento para garantir a credibilidade perante os
consumidores, mas que traz custos e, por vezes, conflitos entre os
produtores, especialmente quando a regras não estão adequadas às práticas
10
consolidadas .

4. AS POTENCIALIDADES ECONÔMICAS ADVINDAS DA UTILIZAÇÃO DOS SIGNOS


DISTINTIVOS E O IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

Como mencionado anteriormente, os signos distintivos possibilitam a


diferenciação e valorização dos produtos, bem como quanto aos coletivos,
novas formas de organização/gestão e melhor aproveitamento dos ativos
intangíveis nos territórios. Os potenciais benefícios advindos desse processo
são variados e vão desde a produção até a inserção no mercado consumidor.
Nesse sentido, faz‐se pertinente mencionar alguns exemplos nos quais
esses signos distintivos trouxeram benefícios aos produtores e comunidade
envolvidos, traduzidos em valorização territorial, além de estabelecer novo
diálogo com os consumidores.
No primeiro exemplo, estão as marcas de certificação Rastro do Boi
Certificadora e Arroba Certificadora. Com o intuito de atender exigências do
mercado interno e externo, produtores mineiros apostaram na
rastreabilidade do rebanho para garantir a oferta de carne de qualidade. Os
produtores contaram (e contam) com apoio do IMA (Instituto Mineiro de
Agropecuária) nessas questões e a certificação tem sido uma estratégia
rentável. Em 2009, Minas Gerais já possuía o “[...] maior número de
propriedades capazes de fornecer animais para frigoríficos exportadores
para a União Europeia: das 1.371 fazendas aptas em todo o país, 530 [eram]

10
Sobre o tema, sugere-se consultar Claire et al. (2014).

129
localizadas em território mineiro” (IMA, 2009).
Como benefícios da adoção da certificação, podem ser citados: a
diferença obtida por arroba, que em 2009 era de R$ 6,00, chegou a R$ 18,00
a mais do que a de animais não certificados.
Outro benefício que a certificação trouxe foi a profissionalização da
gestão da propriedade. A responsável técnica da Arroba Certificadora
explica o primeiro obstáculo para os produtores que se interessam pela
certificação é a documentação. “Acostumados a tocar a propriedade de
maneira informal, ao buscar a rastreabilidade o produtor se dá conta de que
precisa ter informações precisas e idênticas nos órgãos estaduais e federais”
e assim a propriedade e produção se tornam mais organizadas (IMA, 2009).
No cenário mineiro, em especial em virtude das experiências bem
sucedidas, a certificação tende a alcançar mais propriedades. E, ainda que o
pequeno produtor tenha um gasto cerca de quatro vezes maior que o grande
para garantir a certificação, ele continua interessado, já que é uma exigência
do mercado externo e agrega valor ao produto (IMA, 2009).
A partir da certificação, os produtores obtiveram melhoria em sua
gestão e no produto que oferecem ao consumidor, promovendo
positivamente, ainda, o território no qual estão estabelecidos.
O segundo caso diz respeito à marca coletiva Amorango, que tem como
slogan “Cultivados com amor” e pertence à Associação dos agricultores fa‐
miliares de produtores de morango de Nova Friburgo (Amorango). A marca
foi desenvolvida no âmbito do projeto ABRE do Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) como parte de uma estratégia para
fortalecer a região produtora e a cooperação entre os produtores e a
comunidade (BARBOSA, 2014, p. 277‐278).
Entre as vantagens que uma marca coletiva pode trazer, são citados:
“[...] redução dos gastos com propaganda e marketing e a facilidade de
entrada em novos mercados” (BRASIL, 2013a). A Amorango vem apostando
nessas e noutras questões e os produtores a ela vinculados estão bastante
otimistas.
Fernando Hottz, produtor e presidente da Amorango, afirma que “[...] o
produto identificado pela Marca Coletiva ganha maior credibilidade do
mercado e, com o tempo, dos consumidores, o que facilita a comercialização”
(BRASIL, 2013a).
A marca ainda é recente, posto que seu certificado de registro foi
entregue aos produtores em setembro de 2013, mas as expectativas são
boas. O agricultor José Luiz Brantes é um dos beneficiados pelas ações de
fortalecimento do cultivo do morango na região de Friburgo, no Rio de
Janeiro. Para ele, “a marca coletiva chegou em um ótimo momento. Nosso
diferencial de mercado são os morangos selecionados” (GOVERNO..., 2013, p.
2).

130
Em contextos como esse, a marca coletiva é um ativo promissor no
fortalecimento da cooperação e promoção do território, com possibilidades
de geração de desenvolvimento. Reúne esforços, divide responsabilidades,
otimiza investimentos e compartilha diferentes experiências na busca de um
objetivo comum.
De outro lado, as marcas de produtos ou serviços também são
instrumentos importantes de diferenciação dos produtos, especialmente
quando existem qualidades ou características especiais relacionadas a um
ou outro produtor individualmente. Elas podem coexistir com as demais
marcas e fortalecer estas potencialidades individuais, gerando um
reconhecimento perante o mercado consumidor.
No caso das IGs, as potencialidades econômicas já são reconhecidas em
vários aspectos, podendo citar: o aumento da demanda; a valorização do
produto no mercado consumidor (valor agregado); geração de empregos;
inserção no mercado internacional; fomento às atividades lucrativas
indiretas; valorização imobiliária da área demarcada (LOCATELLI, 2007).
Corroborando com as potencialidades referidas, DULLIUS (2009, p.
123) aduz, ainda, que as IGs possuem aptidão para instrumentalizar o
desenvolvimento territorial “[...] conferindo originalidade à produção
brasileira e fortalecendo a competitividade no mercado externo e interno
através dos produtos da agricultura familiar, que possuem fortes vínculos
com o território de origem e com as tradições e modos de fazer
diferenciados.” Destaca que tal estratégia deveria ser observada também por
territórios rurais marginalizados e desfavorecidos.
Um dos exemplos de consolidação de muitas das potencialidades acima
citadas é a IG pioneira no Brasil – o Vale dos Vinhedos. Além dos benefícios
mercadológicos, vislumbra‐se nesta experiência, em adição, a satisfação do
produtor diante da valorização do seu produto, o estímulo a investimentos e
melhorias na produção e na qualidade dos produtos e, em especial, a
preservação da tipicidade dos produtos, enquanto patrimônio daquela
região (APROVALE).
Não obstante se destaquem as potencialidades econômicas, essa é
apenas uma das facetas do desenvolvimento territorial. Importa referir que
no que tange aos signos distintivos, as indicações geográficas assumem
especial relevância, uma vez que permitem concretizar além dessas
potencialidades, permitindo a preservação da identidade e cultura destas
regiões, novas formas de governança e um estímulo a que as famílias
reencontrem sua fonte de subsistência no campo aliada à possibilidade de
preservar sua história.
Contudo, o reconhecimento ou registro de qualquer signo distintivo, por
si só, não é capaz de consolidar os benefícios acima descritos nem mesmo
outros que também podem ser alcançados. Para tanto, faz‐se necessária a

131
adequada gestão desses ativos, o que envolve uma participação direta dos
produtores/prestadores em todo o processo. Com a união dos envolvidos
em prol do interesse comum, benefícios das mais variadas ordens podem ser
obtidos, impactando positivamente na produção, na comunidade e na
promoção territorial sob as perspectivas econômica, social e cultural
(CARLS, 2013).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como observado, o território envolve mais do que os fatores materiais


que o integram, como a interação desses recursos com os atores sociais
envolvidos naquele espaço. Por essa perspectiva, há diferentes formas de
gestão ou governança desses espaços, bem como de interação entre os
diversos atores envolvidos. Os instrumentos que permitem o melhor
aproveitamento desses recursos são inúmeros, dentre os quais se destacam
os signos distintivos.
As marcas e as Indicações Geográficas se apresentam como ferramentas
que permitem que a produção advinda dos territórios possa ser reconhecida
por seus diferenciais, tanto de qualidade quanto culturais. A partir da
utilização desses signos, é possível consolidar características peculiares dos
produtos e serviços, alcançando novos mercados e uma maior demanda.
Em relação aos signos coletivos, por vez, visualiza‐se a possibilidade da
gestão compartilhada dos ativos, buscando soluções conjuntas, dividindo
investimentos e estratégias que fomentem o desenvolvimento territorial.
Mais especificamente, no caso das IGs, se permite, além de obter benefícios
econômicos, garantir a preservação da história, tradição e diversidade
cultural das diferentes regiões do país.
Contudo, a formalização e proteção desses signos devem estar atrelada
a ações conjuntas de planejamento e gestão, com a efetiva inserção e o
protagonismo da comunidade envolvida, para que os potenciais benefícios
venham a se consolidar respeitando à realidade e às necessidades locais.

REFERÊNCIAS

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geográfica e novas possibilidades de desenvolvimento com base em ativos com
especificidade territorial. São Paulo: LiberArs, p. 159‐196, 2013.
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2003.
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132
APROVALE. Indicação geográfica. Vinho e sua procedência. [????]. Disponível em:
<http://www.valedosvinhedos.com.br/vale/conteudo.php?view=70&idpai=132#null>.
Acesso em: 2 dez. 2014.
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agronegócio: módulo II, indicação geográfica. 4.ed. MAPA, Florianópolis: FUNJAB, p. 270‐
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BRASIL. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à
propriedade industrial. Disponível em:
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reconhecidas, lista atualizada até 14 out. 2014 Disponível em:
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BRASIL. Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Instrução Normativa n. 25, de
28 de agosto de 2013. Estabelece as condições para o registro das indicações geográficas.
Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/images/stories/ResolucaoIG.pdf>. Acesso em:
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BRUCH, K. L. Indicações Geográficas e Outros Signos Distintivos: Aspectos Legais. In:
PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.). Curso de propriedade intelectual & inovação no
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CARLS, S. O aproveitamento da indicação geográfica na promoção de
desenvolvimento regional: o caso dos cristais artesanais da região de Blumenau. 2013.
166 f., il. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) ‐ Programa de Pós‐
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CERDAN, C. M. T. et al. Elaboração do regulamento de uso, conselho regulador e definição
do controle. In: PIMENTEL, Luiz Otávio (Org.) Curso de propriedade intelectual &
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DULLIUS, P. R. Indicações geográficas e desenvolvimento territorial: as experiências do
Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado. UFSM. 2009. Disponível em:
<http://w3.ufsm.br/ppgexr/images/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Dullius.pdf>. Acesso
em: 25 nov. 2014.

133
FRANCO, A. Pobreza & desenvolvimento local. Tradução de Maria Mercedes
Quihilaborda Mourão, Susie Casement Moreira. Brasília: ARCA Sociedade do
Conhecimento, 2002.
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro,
ano 39, n. 83, parte 3, p. 2. Morango vira marca coletiva em Nova Friburgo. 9 maio 2013.
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IMA (INSTITUTO MINEIRO DE AGROPECUÁRIA). Minas incentiva certificação para
garantir qualidade da carne. 12 ago. 2009. Disponível em:
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garantir‐qualidade‐da‐carne>. Acesso em: 10 dez. 2014.
LOCATELLI, L. Indicações geográficas: a proteção jurídica sob a perspectiva econômica.
Curitiba: Juruá, 2007.
SANTOS, M. Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método. Boletim
Paulista de Geografia, São Paulo: AGB, p. 81‐ 99, 1977.

134
CAPÍTULO 8

PRODUTOS COM IDENTIDADE TERRITORIAL


NO ESTADO DE SANTA CATARINA: POTENCIAIS
PARA A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA 1

Mayara Rohrbacher Sakr ‐ UnC


Natany Zeithammer ‐ UnC
Stavros Wrobel Abib ‐ UNIVALI
Valdir Roque Dallabrida ‐ Un

INTRODUÇÃO

Os produtos com identidade territorial no Brasil podem ser alvo de


certificação territorial, sendo denominados, genericamente, de Indicação
Geográfica (IG). As Indicações Geográficas (IGs) podem ser de dois tipos
(BRASIL, 1996): Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem
(DO). No primeiro caso, refere‐se ao nome geográfico de uma localidade que
se tornou conhecida como centro de produção, fabricação ou extração de
determinado produto ou prestação de determinado serviço. No segundo
caso, estão envolvidas as qualidades ou características que se devam
exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo fatores naturais e
humanos.
O Estado de Santa Catarine possui uma única experiência de IG, uma
Indicação de Procedência – “Vales da Uva Goethe”, em Urussanga ‐ e mais
duas em processo de encaminhamento para certificação ‐ Queijo Serrano e
Erva‐Mate do Planalto Norte Catarinense. Estudos preliminares realizados
pelo Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Microempresa (SEBRAE)
apontaram, além da experiência de IG existente – Vale da Uva Goethe ‐, 27
produtos com potencialidades para adquirirem esse reconhecimento e, com
isso, contribuir no desenvolvimento dos territórios em que se situam.
Este capítulo procura explorar brevemente alguns conceitos
recorrentes do campo teórico relativo ao tema, propondo, na sequência um

1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública Nº 04/2012/Universal, estando
também integrado a dois projetos de Iniciação Científica, desenvolvidos na UnC, pelas alunas
Mayara - Valorização dos produtos com identidade territorial como estratégia de
desenvolvimento nas regiões do Estado de Santa Catarina - e Natany - Valorização dos
produtos com identidade territorial como estratégia de desenvolvimento: um estudo sobre as
potencialidades da erva-mate no Planalto Norte Catarinense -, coautoras.

135
exercício de avaliação acerca dos 27 produtos territoriais que possuem
potenciais de obtenção de IG em Santa Catarina, aprofundando a análise no
caso da Erva‐Mate do Planalto Norte Catarinense (produto que já busca a
certificação territorial).
Temos neste capítulo um objetivo central: tendo como referência inicial
o estudo do SEBRAE, caracterizar os produtos com especificidade territorial
das diferentes regiões do estado de Santa Catarina, apresentados como
potencial para futura IG. Tendo em vista o propósito maior desta coletânea,
a caracterização será breve. Como propósito complementar, aprofundamos
a caracterização de uma das experiências apresentadas, o caso da erva‐mate,
mais no sentido de demonstrar as ações necessárias para se chegar a um
registro de produto com IG, além de expor alguns desafios. O tema da IG da
erva‐mate será retomado num dos capítulos deste livro, quando, então, além
da caracterização, merecerá uma análise propositiva.
Na primeira parte deste trabalho se faz uma construção teórica, na qual
se destacam os seguintes conceitos recorrentes na bibliografia relativa ao
assunto: Identidade territorial, Especificidade territorial, Indicação
Geográfica e Desenvolvimento Territorial.
Na segunda parte se elabora uma rápida apresentação dos
procedimentos de pesquisa empregados.
Na terceira parte se apresenta o resultado de uma pesquisa nomotética
em que os 27 produtos catarinenses são condensados em um texto sucinto
destacando sua localização e formas de valorização econômica e regional.
Na quarta parte se apresenta o resultado de uma pesquisa idiográfica, o
estudo de caso da erva‐mate (Ilexparaguariensis St. Hil), abordando suas
potencialidades socioeconômicas para a obtenção da IG, bem como as
perspectivas de impacto no desenvolvimento territorial.
Na quinta parte se fazem as considerações finais e se propõem alguns
encaminhamentos para pesquisas futuras. Também se discorre sobre as
limitações encontradas na pesquisa.

1. REVISÃO TEÓRICA

Para fundamentar teoricamente o debate sobre Indicação Geográfica


(IG) e seu potencial de desenvolvimento territorial, faz‐se o emprego de
categorias analíticas. Tais categorias não são definitivas e exclusivas, são
construções baseadas nas discussões acerca do tema localizadas em uma
revisão de literatura elaborada sobre o assunto, bem como são o resultado
da seleção feita a partir de um critério. O critério escolhido tem a
responsabilidade de ser capaz de estabelecer uma relação intrínseca entre
as temáticas centrais Indicação Geográfica e Desenvolvimento Territorial.
Nesse sentido, as próprias temáticas centrais participam da revisão.

136
Também se elencou o conceito “Capital Social” a fim de relacioná‐las, já que
participa da raiz da lógica do argumento em que as Indicações Geográficas
podem desencadear processos que promovem o desenvolvimento
territorial.
Anjos et al. (2013) descrevem o Capital Social como não pertencente às
categorias de Capital Físico (terra e capital) e Capital Humano (nível de
escolaridade), uma vez que esses dois, por si só, não seriam capazes de
explicar os diferentes processos que provocam o desenvolvimento nas
sociedades e, devido a essa aparente necessidade, o Capital Social veio a ser
o fator de preenchimento das lacunas que formam o roteiro de crescimento,
avanço social, tecnológico, econômico e político dentre as comunidades.

O capital social, como vaticinou Abramovay (2003), corresponde ao ethos de


certa sociedade e, ao nosso entendimento, a uma identidade moldada a partir
de um conjunto de valores compartilhados, os quais não são transferíveis de
um contexto para o outro.[...] uma capacidade de articulação que faça aflorar as
forças produtivas de um território em torno a uma determinada ideia‐ guia
(ANJOS et al., 2013, p.168).

Complementarmente, Niederle (2014, p. 245) afirma: “Teorias recentes


também têm destacado o papel das ideias como fator determinante do
desenvolvimento nas sociedades do conhecimento”. Portanto entende‐se
que “[...] são novas ideias capazes de produzir combinações inovadoras de
recursos que fundamentam o sucesso das economias avançadas”. Sendo
assim, o Capital Social conduz à necessidade de avaliar a categoria
Identidade Territorial, que é pautada em recursos intangíveis, histórias e
culturas promotoras do desenvolvimento de um território ou uma região.
Entendemos que a promoção de uma IG, num é um bom exemplo de "novas
ideias capazes de produzir combinações inovadoras", nos territórios que
possuam produtos com especificidade territorial.
É nesse cenário que surge o conceito de IG visando reconhecer as
especificidades e agregar valor a produtos com potencialidades de
adquirirem identidade territorial para, consequentemente, promoverem o
citado desenvolvimento.
Apresentamos a seguir uma relação sintética entre variáveis que serão
observadas quando da apresentação dos resultados da pesquisa.

1.1 IDENTIDADE TERRITORIAL

A identidade territorial está enraizada no contexto social e histórico de


cada localidade, ressaltando as características e valores próprios de cada
lugar. São essas características identitárias que geram os traços típicos dos
lugares dentro de um contexto global.
Segundo Vela (2013), a identidade, em um contexto de concorrência

137
emergente entre os territórios, passa a ser o elemento de reconhecimento e
diferenciação no processo de posicionamento comunicativo de cidades,
regiões e países. Complementando a argumentação sobre o tema, Chelotti
(2010) destaca que a identidade é construída por subjetividades individuais
e coletivas ou pode estar relacionada a grupos sociais ou ao pertencimento
territorial.
Para fins deste trabalho, se compreende que a identidade territorial
desempenha um papel estratégico no desenvolvimento territorial, uma vez
que o pertencer a determinado local representa fator determinante no
processo de desenvolvimento como um todo. Em geral, a atenção de
pesquisa em uma categoria como esta recairá sobre variáveis que tenham o
potencial de apresentar como se identifica no contexto específico de uma
Indicação Geográfica subjetividades individuais e coletivas ou pode estar
relacionada a grupos sociais ou ao pertencimento territorial.
Pollice (2010) afirma que a identidade territorial nasce por um
processo autorreferencial colocado em ação por uma comunidade que se
apropria culturalmente de um âmbito espacial predefinido, gerando e
orientando os processos de territorialização, pois o território é interpretado
como fonte de criação dos valores, estes desempenhando um papel
importante na constituição e na gestão dos territórios. O autor ainda
complementa que a identidade territorial pode ser interpretada como
sentido de pertença, identificação social, representação partilhada de um
coletivo, sendo que, de modo algum pode ser identificada seguindo uma
visão reduzida, nas suas manifestações exteriores, nos sinais deixados sobre
o território. Também é relacionada ao agir político, quando deveria tender a
preservar não somente as expressões identitárias da cultura dos lugares,
mas também os valores identitários que tais expressões contribuíram a
plasmar.
Com essa breve revisão, argumentamos que a identidade territorial tem
potencialmente a capacidade de ser operacionalizada enquanto categoria
analítica, portanto, prática.
Complementando o debate sobre o tema, Pecqueur (2005) cita os
recursos e ativos territoriais como referência da identidade territorial. Para
ele, o desafio das estratégias de desenvolvimento constitui‐se em se
apropriar dos recursos específicos e buscar o que possa se constituir no
potencial identificável de um território. Para tal, segundo o autor, deve
ocorrer um processo de especificação ou ativação de recursos, ou seja,
transformar recursos em ativos específicos. O autor faz uma diferenciação
entre ativos e recursos genéricos, de ativos e recursos específicos,
descrevendo que os primeiros são totalmente transferíveis e seu valor é um
valor de troca, estipulado no mercado via sistema de preços. Esses ativos e
recursos não permitem que um território se diferencie de forma consistente

138
de outros, uma vez que eles são transferíveis, ou seja, são transacionados no
mercado. Já os ativos e recursos específicos possibilitam um uso particular e
seu valor constitui‐se em função das condições de seu uso. Além disso, eles
apresentam um custo de transferência que pode ser alto e irrecuperável.
Os recursos específicos merecem maior atenção, já que possibilitam a
construção de uma argumentação que destaca a importância dos produtos
com identidade territorial, para o desenvolvimento, sendo que esse recorte é
assumido no que se refere à categoria de Identidade Territorial.

1.2 ESPECIFICIDADE TERRITORIAL

Em trabalho anterior, Dallabrida (2012) identifica que, na atualidade, o


ambiente mercadológico valoriza produtos diferenciados. Argumenta o
autor que a elaboração de estratégias de desenvolvimento baseadas nas
especificidades territoriais tornou‐se um vetor de alto poder de agregação
de valor aos produtos ou serviços. Pela legislação brasileira e internacional,
os produtos ou serviços que apresentem uma especificidade e que se
identificam com o entorno territorial onde estão localizados podem
requerer sua certificação territorial. A partir da certificação territorial, os
produtos adquirem notoriedade, facilitando o acesso ao mercado, tendo
como resultado principal a agregação de valor, contribuindo assim para o
desenvolvimento territorial.
Dullius et al. (2008) considera que o reconhecimento notório de um
produto se atribui às características do território e do saber fazer dos
produtores, como a originalidade criativa, um bem imaterial que pode ser
explorado pelos atores territoriais.
Já, segundo Pecqueur (2009), cada produto deve ser diferenciado para
que ele se torne específico de cada território e, assim, escape da
concorrência. Justifica sua posição, afirmando que as produções encontram‐
se entregues a uma concorrência na qual somente as economias com baixo
custo de produção (com domínio equivalente das tecnologias) podem
triunfar. Assim, segundo o autor, para os territórios, trata‐se então de não
mais se especializar segundo a lógica do esquema comparativo, mas de
preferência escapar das leis da concorrência quando elas tornam‐se
impossíveis de serem seguidas, visando a produção para a qual eles
estariam (no modelo ideal) em situação de monopólio.
Aqui retomamos o argumento desenvolvido por Dallabrida e Marchesan
(2013) em que se reforça a ideia da especificidade dos produtos territoriais
e sua importância estratégica, afirmando que os territórios geram
competências que podem ser usadas para qualificar os produtos da região.
Então, pode‐se dizer que esse processo de especificação é o que diferencia
um território do outro.

139
Para fins desta pesquisa, a especificidade territorial não apenas é um
indício de que é possível obter desenvolvimento territorial a partir de uma
Indicação Geográfica, como também, aponta para que a identificação da
especificidade territorial em um contexto particular pode ser dada a partir
da observância da variável notoriedade de um recurso específico.

1.3 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

Relembrando o texto apresentado na introdução, recupera‐se a noção


de que a IG no Brasil pode constituir‐se em Indicação de Procedência (IP) ou
Denominação de Origem (DO). A IP faz referência ao nome geográfico de um
país, cidade, região ou território, que se tornou conhecida como centro de
produção, fabricação ou extração de determinado produto ou prestação de
serviço. Já a DO é o nome geográfico de um país, cidade, região ou território,
que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam
exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico específico, incluídos fatores
naturais e humanos. De tal modo, a diferença singular entre as formas de IG
está associada às características e peculiaridades físicas e humanas,
potencializadas pelo território, que podem designar uma DO, enquanto que
para a IP é suficiente a vinculação do produto ou serviço a um espaço
geográfico, independentemente de suas características e qualidades
intrínsecas.
Aprofundando a discussão para além da definição geral do que é uma
Indicação Geográfica, Souza (2010, p. 09) acrescenta, ainda, que há
possibilidade de valorização econômica e competitividade em termos de
mercado para um produto advindo de uma IG:

A Indicação Geográfica é uma das formas mais efetivas de valorização


econômica e de vantagem competitiva nos mercados. Ela é uma das mais antigas
formas de diferenciação de produtos e foi ratificada pelo Brasil nos recentes
acordos comerciais promovidos pela Organização Mundial do Comercio (OMC),
assim como as patentes, os direitos autorais, as marcas, os desenhos
industriais, os cultivares de plantas.

Em Dallabrida (2012) se encontra uma concepção mais abrangente da


IG. O autor elabora que a IG é uma das formas de valorização econômica, de
proteção do conhecimento e dos processos de produção e transformação
locais, uma vez que é propriedade coletiva da população de uma
determinada área geográfica, bem como um processo gerado pelos atores
locais, motivado pela criação de um monopólio baseado nos atributos
geográficos dos produtos, conferindo ao produto ou ao serviço uma
identidade própria, ligando suas características e sua origem.
Relacionando a visão que enfatiza as questões econômica e
mercadológica das IG, em Souza (2010), com o postulado mais abrangente
de Dallabrida (2012), constrói‐se um entendimento sintético da questão

140
pelo qual se compreende que, na perspectiva apresentada, existe uma
relação intrínseca entre o território e a cultura de um local, assim como
entre esses e o contexto econômico global, algo que tem como agente
integrador o produto ou serviço local singular.

1.4 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

A categoria desenvolvimento territorial ainda é confundida como


sinônima de outras, como o exemplo de desenvolvimento regional ou local.
Não aprofundaremos aqui o tema, mas lembramos de que tais categorias,
apesar de aproximarem‐se no seu sentido, têm acepções diferenciadas.
Pecqueur (2005) define desenvolvimento territorial afirmando que ele
se caracteriza a partir da constituição de uma entidade produtiva enraizada
num espaço geográfico. Já Dullius et al. (2008) argumenta que, a partir de
variados e persistentes estímulos e articulações socioeconômicas,
determinadas regiões respondem positivamente aos desafios territoriais da
globalização, conseguindo construir seus próprios modelos de
desenvolvimento.
Dallabrida (2011) conclui que o desenvolvimento refere‐se a um
processo de mudança estrutural empreendido por uma sociedade
organizada territorialmente, sustentado na potenciação dos recursos e
ativos (materiais e imateriais, genéricos e específicos) existentes no local,
com vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da qualidade de vida
de sua população.
Estas concepções parecem suficientes para sustentar a relação
pretendida entre desenvolvimento territorial e IG.
Niederle (2014, p. 245) pondera sobre a relação entre a IG e o
desenvolvimento. Para tanto, expõe três interpretações de autores que
questionam as implicações econômicas, políticas e socioculturais advindas
desse registro2. Uma das interpretações coloca o papel da IG como
mecanismos de mercado “[...] que transmitem informações essenciais sobre
o produto – geralmente pelo intermédio de um selo, o que possibilita reduzir
assimetrias entre produtores e consumidores”. A outra interpretação
envolve arranjos institucionais, ou seja, coloca a IG como estratégias
competitivas para controlar os mercados. A terceira interpretação “[...]
destaca a contribuição da IG na construção de sistemas produtivos locais
fundados na autenticidade, tipicidade e originalidade dos produtos”. O
mesmo autor enfatiza que as IG fundamentam o enraizamento sociocultural
em relação ao produto, produtor, consumidores e territórios. Portanto,

2
Dois capítulos desta coletânea, em especial, resultaram de estudos que tiveram como
propósito avaliar a relação entre uma IG e o desenvolvimento dos territórios atingidos pela
mesma. São os capítulos 2 e 3.

141
considerando as três interpretações destacadas por Niederle (2014),
parece‐nos que a terceira tem uma maior proximidade com o papel essencial
de uma IG.
Dallabrida e Marchesan (2013) ressaltam a ideia de que as
potencialidades locais, definidas como IG, podem converter‐se,
decididamente, num instrumento de desenvolvimento territorial desde que
outras condições e circunstâncias estejam presentes, e reafirma que a
criação de uma IG não deve ser o destino final de um processo, mas, sim, um
meio para se atingir o fim maior que é o desenvolvimento dos territórios
atingidos.
Dullius et al. (2008, p. 6), resumindo contribuições de autores que
abordam o tema (a exemplo de Albagli (2004) e Lagares, Lages e Braga
(2006), considera o território como uma relação entre raízes históricas,
configurações políticas e identidades, preponderantes para o
desenvolvimento. Seguindo essa perspectiva, ele afirma que o território é
construído através da memória coletiva e das relações sociais formadas
pelas trocas locais e externas (DULLIUS et al., 2008).
Este argumento acaba por alinhar‐se com a terceira interpretação
listada por Niederle (2014) e com a observação de Dallabrida e Marchesan
(2013) acerca da meta que ultrapassa a IG e aponta para a construção social
da qualidade, além de compartilhar com Dullius et al. (2008) e Dallabrida
(2011), a noção de que o objetivo do desenvolvimento territorial envolve o
crescimento socioeconômico e melhoria da qualidade de vida.

1.5 SÍNTESE DO REFERENCIAL TEÓRICO

Ao terminar a revisão teórica e a construção de categorias analíticas,


avalia‐se que há evidências na literatura sobre a Indicação Geográfica
potencialmente se constituir em vetor de Desenvolvimento Territorial. Além
disso, as categorias analisadas permitem construir um marco teórico, um
recorte possível, para compreender a constituição de como essa relação se
estabelece. Nesse tópico são apresentadas as sínteses de cada categoria e
suas articulações.
Da categoria Identidade Territorial se obteve a variável recursos
específicos como central da categoria já que destaca a importância dos
produtos com identidade territorial para o desenvolvimento.
Da categoria Especificidade Territorial se obteve a variável notoriedade
de um recurso específico, bem como sua capacidade de transferi‐la para uma
localidade particular.
Relativo às denominadas grandes categorias, como o caso das
Indicações Geográficas, podemos cotejar que existe uma relação intrínseca
entre o território e a cultura de um local, assim como entre esses e o contexto
econômico global, algo que tem como agente integrador o produto ou serviço

142
local singular. Nesse tocante, reforça‐se a importância da pesquisa sobre as
variáveis recurso específico e sua notoriedade.
No caso da grande categoria Desenvolvimento Territorial se
compreende a necessidade de identificar a construção de sistemas produtivos
locais fundados na autenticidade, tipicidade e originalidade dos produtos,
além da busca por identificar a construção social da qualidade, e os efeitos
das IG em termos de desenvolvimento socioeconômico e melhoria da
qualidade de vida (avaliando inclusive os recursos e ativos genéricos e
específicos, materiais e imateriais).
As variáveis listadas no caso da categoria Desenvolvimento Territorial
podem ser identificadas em termos de potencialidade para a proposição de
uma IG. Ressaltamos que a grande maioria dessas variáveis possui alta
complexidade e não será foco de aprofundamento neste trabalho.

2. PROCEDIMENTOS

No intuito de atingir os objetivos traçados para esta pesquisa, a


primeira fase refere‐se à elaboração da revisão de literatura na qual
buscamos articular conceitos que respondam se há evidências teóricas da
relação entre a Indicação Geográfica e a possibilidade potencial do
Desenvolvimento Territorial advindo dessa, bem como de que modo poderia
se dar um caminho possível caso provada a relação. Disso resultariam
categorias analíticas a serem empregadas em fase subsequente da pesquisa.
A segunda fase da pesquisa empregamos as categorias e variáveis
desenvolvidas anteriormente em um contexto particular: o estado de Santa
Catarina. Nessa fase privilegiamos o desenvolvimento de uma pesquisa
documental de orientação nomotética e um estudo de caso (também com
base em pesquisa documental) com orientação idiográfica.
A pesquisa nomotética emprega poucas variáveis e busca comparações
gerais entre diversas manifestações do fenômeno estudado. Seu propósito
será, prioritariamente, contextualizar os 27 produtos listados pelo SEBRAE
como tendo potencial para obtenção de IG no estado de Santa Catarina.
As categorias analíticas empregadas são Identidade Territorial e
Especificidade Territorial, respeitadas as variáveis recursos (específicos
prioritariamente) e notoriedade, respectivamente. Como se está
empregando o universo da pesquisa do SEBRAE, a variável recurso é
assumida como dada. A questão fica por conta da notoriedade, da
especialização do produto. Diante disso, propõe‐se tratar de cada produto
enquanto recurso especializado e descrevê‐los em termos dos aspectos
localização e formas de valorização econômica e regional.
Após a contextualização do fenômeno no estado de Santa Catarina o
trabalho passa a explorar um segundo nível de profundidade e especial‐
zação da questão ‐ fazemos a proposta de uma pesquisa idiográfica em um
estudo de caso.

143
Por sua natureza, a pesquisa idiográfica é predominantemente
qualitativa, centrada em um estudo aprofundado acerca da essência do
fenômeno, tendo como referencial literatura regional que trata do tema.
Com base nisso, volta‐se à pesquisa nomotética, avaliando os casos mais
significativos do fenômeno de estudo. Do universo da pesquisa, duas foram
as possibilidades aventadas em função de constituírem‐se nos casos mais
adiantados no processo de solicitação da certificação territorial, são eles: o
Queijo Serrano e a Erva‐Mate.
Tanto o Queijo Serrano quanto a Erva‐Mate apresentam o mesmo
potencial de pesquisa. No caso da Erva‐Mate, aprofundamos neste texto seu
estudo. O caso do Queijo Serrano, é dedicado um capítulo especial3.
Ressalvamos que no estudo de caso as categorias analíticas empregadas
foram a Indicação Geográfica e o Desenvolvimento Territorial, mais
precisamente as variáveis que as vinculam: a autenticidade, tipicidade e
originalidade do produto, bem como a construção social da qualidade e o
desenvolvimento socioeconômico. Está preservada também a construção
anterior na qual se vinculam a Indicação Geográfica e as categorias
Identidade Territorial e Especificidade Territorial, envolvendo a variável
recurso específico.
No que se refere à coleta de dados, tratamento e obtenção de resultados
houve uma orientação fenomenológica que resultou na condensação dos
resultados em torno das variáveis e das categorias elencadas. Optamos por
apresentar, a seguir, apenas os textos dos resultados já com as discussões
feitas, de uma forma sintética.
Mesmo que se trate de um texto elaborado a quatro mãos, é importante
salientar que os autores, em específico, tiveram funções diferenciadas. As
alunas de Iniciação Científica Mayara e Natany ativeram‐se mais, a primeira,
à pesquisa sobre as potencialidades de IG nas regiões do estado de Santa
Catarina, enquanto a segunda se ocupou, em especial, na caracterização da
experiência da erva‐mate no Planalto Norte Catarinense. Os dois outros
autores supervisionaram o processo de escrita das alunas de graduação,
além disso, contribuindo, em especial, na estruturação do referencial
teórico.

3. RECURSOS ESPECIALIZADOS E POTENCIALIDADES DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA


NO ESTADO DE SANTA CATARINA: PRODUTOS, LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO

A seguir são apresentados os resultados da pesquisa nomotética. Cada


recurso específico será apresentado com suas respectivas localizações e
rápida caracterização. São apontados como potenciais candidatos à

3
Fazemos menção ao Capítulo 9. Já o Capítulo 10, apresenta uma outra potencialidade, o caso
do artesanato Tranças da Terra, que, apesar de ainda não haver ações a esse respeito,
apresenta-se, em especial, como uma futura experiência de IG.

144
obtenção da Indicação Geográfica devido as suas especificidades territoriais.
Ao fim deste tópico há uma figura (Figura 01) identificando o mapeamento
de cada produto no estado de Santa Catarina.

3.1 ALHO DO PLANALTO NORTE E SERRA CATARINENSE: REGIÃO DA SERRA E


PLANALTO NORTE CATARINENSE, TENDO O MUNICÍPIO DE CORREIA PINTO
COMO REFERÊNCIA

Na década de 1970, Takashi Chonan começou o melhoramento genético


do alho brasileiro. A partir de 1977, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de
Santa Catarina transformou sua propriedade em campo experimental.
Durante mais de uma década ele recebeu visitas quase diárias de técnicos e
agrônomos que pesquisavam o desenvolvimento desse produto. Chonan
criou uma variedade especial de alho: branco por fora, roxo por dentro, e
com no máximo 15 dentes no bulbo. Em 1975, um técnico do Ministério da
Agricultura foi ao município de Frei Rogério conhecer o tal alho. No ato,
garantiu à variedade o nome do criador e o incentivo para a multiplicação do
experimento. Desde então, o cultivo da hortaliça é feito artesanalmente, o
plantio se dá dente por dente e a colheita, bulbo por bulbo.
A importância desse cultivo para o desenvolvimento regional do
Planalto Catarinense, e Serra Catarinense (compreendida pelo município de
Correia Pinto e seu entorno), pode ser exemplificada citando‐se a existência
de empresas de beneficiamento de alho que ali executam suas atividades,
como a Empresa Alho Planalto, que beneficia o alho in natura, embalando‐o
em diversos tamanhos para ser comercializado.

3.2 ARROZ DO ALTO VALE DO ITAJAÍ: REGIÃO DO ALTO VALE DO ITAJAÍ,


TENDO COMO MUNICÍPIO POLO RIO DO SUL E IBIRAMA

A região do Alto Vale do Itajaí é caracterizada por propriedades de


pequeno porte, cultivadas na forma de agricultura familiar. O relevo
relativamente acidentado contribui para a eficácia das plantações. Essa
região possui uma área cultivada de arroz irrigado de 10.697 hectares com
um rendimento de 8,5 t/ha, acima da média geral, tornando‐se um produto
de tradição regional, com forte preocupação acerca de novas tecnologias e
aumento do desempenho dos cultivares.
Os benefícios do cultivo do arroz trouxeram para essa região
oportunidades de emprego e renda, através de Unidades de Recebimento,
Classificação, Beneficiamento e Armazenagem de Cereais ‐ respondendo ao
anseio de pequenos agricultores que buscavam alternativas de renda para o
trabalho agrícola.

145
3.3 BANANA DE CORUPÁ: MUNICÍPIO DE CORUPÁ E ENTORNO, SITUADO NA
REGIÃO NORTE DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Trata‐se de um território envolto pela cadeia montanhosa da Serra do


Mar e pela Mata Atlântica, em áreas colonizadas por suíços, austríacos e
alemães. O município de Corupá é conhecido como a "Capital Catarinense da
Banana", possuindo a maior produção do estado. Sua base econômica
principal está na agricultura, especificamente no cultivo da banana e no seu
beneficiamento industrial. Com essa fruta, é possível elaborar uma gama
diversa de produtos e subprodutos, como exemplo pode‐se citar a banana‐
passa, as cachaças, os doces e as geléias. A culinária local é famosa pelos
pratos típicos, doces e salgados elaborados com a banana.
Além da utilização da bananeira como complemento à alimentação, ela
pode ser utilizada para confeccionar produtos artesanais, como bolsas,
cestos, chapéus e enfeites, sendo que do seu caule são extraídas as fibras
necessárias para essa atividade.
Anualmente, em outubro, o município festeja a Bananafest (festa da
banana), promovida pela Associação dos Bananicultores de Corupá, com o
intuito de divulgar a cultura desse município, com enfoque para a
importância da produção advinda da bananeira, seu uso e aproveitamento,
os manejos adequados para a produção dessa fruta, as tradições, a culinária
e produtos artesanais. Com municípios como Luís Alves, São João e Corupá,
Santa Catarina é o quarto maior produtor de bananas do país.

3.4 BANANA DE LUÍS ALVES: MUNICÍPIO DE LUÍS ALVES E ENTORNO, NA REGIÃO DO


VALE DO ITAJAÍ, CORUPÁ E ENTORNO, SITUADO NA REGIÃO NORTE DO ESTADO DE
SANTA CATARINA

Luís Alves é conhecido como “O Paraíso do Verde Vale” devido a sua


exuberante natureza. Em meados da década de 1970 que os luisalvenses
iniciaram o cultivo da banana, tornando‐se um fator decisivo para a
diminuição do êxodo rural e para o seu desenvolvimento. A banana é
utilizada como matéria‐prima para a confecção de cachaças, produto pelo
qual o município é reconhecido em escala nacional. Além dessa aplicação, a
fruta apresenta funções culinárias e artesanais, juntamente com o seu
consumo in natura.
A geração de melhores oportunidades, econômicas e sociais nesse
município se deve, em grande parte, ao cultivo da banana. Como exemplo
dos estabelecimentos que comprovam a geração de emprego e renda, além
dos fornecedores das sementes e insumos para o cultivo dessa fruta,
poderíamos mencionar várias empresas regionais que se dedicam à
comercialização da banana. A entidade representativa dos produtores de

146
bananas desse município é a Associação dos Bananicultores de Luís Alves
(ABLA)4.

3.5 CACHAÇA DE LUÍS ALVES: MUNICÍPIO DE LUÍS ALVES, NO VALE DO ITAJAÍ

O município de Luís Alves, localizado entre Blumenau, Joinville e Itajaí, é


reconhecido por sua aguardente produzida de forma artesanal, o que lhe
confere o título de “Capital Catarinense da Cachaça”. Considerado um dos
maiores produtores de cachaça de Santa Catarina, a aguardente do
município leva a classificação nobre de estar entre as melhores do país. A
bandeira do município traz a imagem de uma moenda, representando a
grande produção da cachaça e a geração de riquezas que ela proporciona.
A "Festa Nacional da Cachaça" ocorre no mês de julho, quando os
luisalvenses celebram a safra da cana‐de‐açúcar e a produção da cachaça.
Essa festividade atrai um número considerável de turistas e se concretiza
como uma ferramenta para difundir a cultura popular da região, sendo a
movimentação econômica importante para impulsionar as atividades
comerciais.
Pode‐se citar os Alambiques Wrück, Delmonego, Momm, SACCA e
Indústria e Comércio de Aguardente Morauer como empresas que exploram
a atividade do cultivo da cana e a elaboração da aguardente no município de
Luís Alves.

3.6 CALÇADOS FEMININOS DE SÃO JOÃO BATISTA: MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO


BATISTA, NO VALE DO RIO TIJUCAS

Inicialmente, a base econômica do município era a agricultura e, a partir


da instalação de indústrias calçadistas, a economia de São João Batista
passou a se sustentar no ramo dos calçados femininos, sendo hoje
considerada a "Capital Catarinense dos Calçados". Em âmbito nacional o
município destaca‐se por ser um dos que mais cresceram em termos
populacionais nos últimos cinco anos. Aproximadamente 80% de sua
economia está fundamentada na produção de sapatos.
Anualmente, nos meses de janeiro e fevereiro, São João Batista promove
a "Feira de Calçados Catarinense", atraindo milhares de turistas do estado e
de outras regiões do Brasil, movimentando todos os setores econômicos. O
município é considerado uma ótima rota de turismo de compras, devido ao
preço baixo e à qualidade dos produtos que oferece. Juntamente é

4
Apesar de apresentarmos em separado os casos da banana de Curupá e Luís Alves, é possível
pressupor que as duas experiências poderiam compor uma única IG, pela sua proximidade e
semelhança nas características climáticas e de paisagem. No entanto, é importante ressaltar que
são processos próximos, que se assemelham, mas que têm características identitárias
diferenciadas.

147
considerado o terceiro maior polo industrial de calçados do país, com
movimentações mercadológicas também voltadas às empresas fabricantes
de componentes e acessórios para esses produtos.
São João Batista possui hoje cerca de 150 indústrias voltadas para o
setor calçadista, oferecendo milhares de empregos e melhores
oportunidades econômico‐financeiras para sua população.

3.7 CARNE SUÍNA DO OESTE CATARINENSE: OESTE DO ESTADO DE SC,


MUNICÍPIOS DE CONCÓRDIA, CHAPECÓ, FRAIBURGO E SEARA

O Estado de Santa Catarina é considerado o maior produtor nacional de


frangos e suínos, sediando empresas como a Sadia e a Perdigão, além da
Seara e Cooperativa Aurora. Na pecuária, a região responde por 82% da
produção de carne de frango e 67% da carne suína de todo o estado.
Provando sua importância no cenário nacional, a região é considerada o
“Celeiro de Santa Catarina”.
A importância da suinocultura pode ser comprovada, por exemplo, por
sediar empresas de inovação em tecnologia para melhoramentos genéticos
em suínos. Os produtos cárneos de suínos da região, como defumados,
embutidos, recheados, temperados, entre outros, possuem características
específicas que lhes atribuem uma identidade singular.
Eventos, tais como a Exposição Feira Agropecuária, Industrial e
Comercial, o Salão Brasileiro da Suinocultura, a Feira Internacional de
Processamento e Industrialização da Carne, o Simpósio Brasil Sul de
Suinocultura, e a "Festa Nacional do Leitão Assado", ocorrem nos municípios
de Concórdia e Chapecó, tornando evidente a importância da carne suína
para essa região. As festividades envolvem a exposição da suinocultura, a
forma de criação do animal e do preparo dos alimentos – advindo dos
saberes populares dessa região – e expressam efetivamente a cultura do
Oeste do Estado.

3.8 CEBOLA DE ITUPORANGA: MUNICÍPIO DE ITUPORANGA,


NO VALE DO ITAJAÍ

O município de Ituporanga é o responsável por abastecer,


aproximadamente, 12 % do mercado nacional de consumo de cebola, além
de exportar esse vegetal, usufruindo, dessa forma, do título de “Capital
Nacional da Cebola”. Tem sua economia voltada para a agricultura,
destacando‐se também no turismo rural relacionado à produção desse
vegetal, onde é sanada a necessidade de divulgar os produtos, já que suas
qualidades são reconhecidas nacionalmente.
Anualmente ocorre a "Festa Nacional da Cebola", que atrai visitantes de

148
todo o país e também estrangeiros. Esse evento busca maneiras de
aprimorar as tecnologias empregadas na produção agrícola da cebola, além
de divulgar investimentos e melhorias no cultivo, beneficiando todos os
ramos empresariais do município. Conjuntamente, são realizados outros
programas de natureza cultural e recreativa no evento comemorativo.
Importante ressaltar que existem no município diversas empresas que
utilizam a produção, o comércio, a armazenagem e a exportação de cebolas
como base para suas atividades econômicas.

3.9 CERVEJAS ARTESANAIS DA REGIÃO DE BLUMENAU: MUNICÍPIO DE


BLUMENAU E ENTORNO

Blumenau, pertencente à região do Vale do Itajaí, é o terceiro município


mais populoso do Estado de Santa Catarina. Um setor tradicional e
altamente promissor da economia do município e região próxima é o da
produção de cervejas artesanais, como as marcas Eisenbahn e a Bierland. O
município leva o título de “Capital Nacional da Cerveja”, possuindo fortes
heranças culturais dos povos germânicos, seus principais colonizadores.
Na região de Blumenau existem mais de 10 microcervejarias, quase
todas respeitando a chamada Lei da Pureza Alemã (Reinheitsgebot), que impôs
a essa bebida apenas quatro ingredientes para sua confecção: água, lúpulo,
malte (de cevada ou de trigo) e fermento. Anualmente, em outubro, Blumenau
promove a Oktoberfest, cuja tradição configura a segunda maior festa sobre
cervejas do mundo (após Munique, na Alemanha), sendo uma das maiores
atrações culturais do país.
Uma das principais atrações turísticas da região é o Roteiro das
Cervejas Artesanais, que ocorre anualmente e é o maior encontro cervejeiro
do Brasil. Esse Roteiro expõe uma grande diversidade de aromas, texturas e
sabores de cervejas, a fim de demonstrar a qualidade e a singularidade das
mesmas que, nesses moldes de confecção, são encontradas somente nessa
região do país. O evento conta com shows, palestras e feiras com atrações
artísticas e gastronômicas; Sendo um dos seus principais objetivos fazer
com que os produtores nacionais de cerveja (fornecedores, bares,
cervejeiros) tenham oportunidades de maior crescimento no mercado
através do contato com o público consumidor, de modo a consolidar a
identificação da cidade e da região com essa bebida. Na cidade encontra‐se o
Museu da Cerveja, único do gênero do país.

3.10 CRISTAIS DE BLUMENAU: MUNICÍPIO DE BLUMENAU, NO VALE DO ITAJAÍ

O município de Blumenau, predominantemente de origem germânica,


tem como base de sua economia o setor industrial e, dentre as principais
indústrias, se destacam as de cristais. O município apresenta características
próprias na produção de cristais, tendo as suas variedades, cores, formas de
confecções e utilidades como motivo de atração turística na região, sendo

149
possível contemplar ao vivo o processo de produção em determinados
roteiros. Além do Roteiro Industrial dos Cristais, a cidade conta, também,
com o Museu do Cristal, que reúne um acervo de documentos, fotografias e
informações das indústrias produtoras dessas peças que ajudaram a
construir as manifestações históricas e culturais da região. Conhecer as
fábricas e seus processos é um passeio encantador para muitas pessoas que
participam dessa rota turística, onde é possível observar a tecnologia
empregada, os recursos humanos qualificados e o cuidado detalhista com
que cada material é produzido.
Importante ressaltar que essa produção é, predominantemente, manual,
a fim de manter intactas a cultura e a tradição da região ao produzir
produtos de qualidade inigualável. Entre as empresas de cristais da região
estão a Cristais Blumenau, Cristallerie Strauss e Glas Park. Essas abrem às
portas ao turismo industrial e contribuem com as manifestações culturais
desse município, além de promoverem empregos e fontes de renda para a
população. Blumenau é, portanto, referência nacional na produção de
cristais.

3.11 ERVA‐MATE DO PLANALTO NORTE CATARINENSE: PLANALTO NORTE


CATARINENSE, TENDO CANOINHAS COMO MUNICÍPIO POLO

A erva‐mate é famosa pela sua utilização no chimarrão, bebida


saboreada nas reuniões com amigos e confraternizações com o típico
churrasco e fogo de chão, configurando‐se como uma característica
originária da Região Sul do Brasil. Utilizada, também, para elaboração de
chás, adquirindo os mais variados aromas e sabores, o produto possui
potencialidades naturais com características de fazerem bem à saúde –
englobando um segmento de mercado em franca expansão. Atualmente, o
Estado de Santa Catarina é o segundo maior produtor de erva‐mate do país.
O Planalto Norte Catarinense destaca‐se na produção da erva, em especial o
município de Canoinhas, que teve sua origem no cultivo e na extração da
erva‐mate nativa.
Os imigrantes, como os de origem alemã, polonesa, italiana e ucraniana,
no passado, foram atraídos à região devido à produção da erva‐mate e suas
potencialidades. Esse município possui o Museu da Erva‐Mate, com
fotografias, imagens e objetos que refletem a produção da erva‐mate e seu
beneficiamento artesanal e industrial.
É tradição em Canoinhas, no mês de setembro, a promoção da "Festa da
Erva‐Mate", configurando‐se a maior festividade do município,
apresentando shows, leilões e exposição de produtos típicos da região, além
da gastronomia regional. Canoinhas declara‐se a “Capital Mundial da Erva‐
Mate”.

150
3.12 FRESCAL DE SÃO JOAQUIM: MUNICÍPIO DE SÃO JOAQUIM, NA REGIÃO DA
SERRA CATARINENSE

O município de São Joaquim é famoso por uma modalidade de preparo


da carne bovina, salgada e curtida ao relento (na ausência do Sol, geralmente
à noite), o famoso Frescal. Como se fosse uma variante do charque, adaptada
à cultura regional, o Frescal é feito a partir de carnes bovinas da região, de
qualidade nobre. Esse produto é genuinamente de São Joaquim, não
existindo sua fabricação, com as mesmas características, em nenhum outro
local do país. Estudiosos acreditam que o gosto singular existente no Frescal
de São Joaquim é devido ao fato de o gado se alimentar de pastagens
naturais próprias da região, que lhe confere o sabor diferenciado e digno de
destaque.
O Frescal é procurado por muitos turistas que visitam essa região em
busca da carne típica joaquinense, com fama de "derreter na boca" e ter
gosto de uma carne cuidadosamente curtida. A procura por esse alimento
aumenta nas estações de outono e inverno, quando o turismo do município é
mais acentuado pelo frio intenso e até pela presença de neve.
Como exemplo de investimentos voltados para esse produto pode‐se
citar os realizados pela empresa Frigozan, que possui o Frescal como uma
marca registrada, e o comercializa há cerca de 40 anos. Em muitos
supermercados e açougues catarinenses é possível conferir o Frescal
produzido no Planalto Serrano, com as devidas especificações que
comprovam sua procedência.

3.13 KOCHKAESE DO VALE DO ITAJAÍ: MUNICÍPIOS DO VALE DO ITAJAÍ, TENDO


OS MUNICÍPIOS DE BLUMENAU, INDAIAL E POMERODE COMO POLO

O queijo Kochkaese é elaborado de modo caseiro e não há a


pasteurização do leite no seu processo de confecção, razão pela qual essa
modalidade de queijo branco ainda está em processo de regulamentação
junto ao Ministério da Agricultura, sendo realizadas vendas em pequena
escala na região. O Kochkaese é vendido em feiras, por produtores que
confeccionam o produto isoladamente, sem a utilização de equipamentos
tecnológicos. Dessa forma se preserva a cultura popular e traz fonte de
renda para muitas famílias. A confecção desse alimento demora cerca de
sete dias e os muitos apreciadores dizem que possui um sabor inigualável.
Existem expectativas de que pesquisas que estão sendo realizadas
contribuam para uma posterior regulamentação do produto e, dessa forma,
se difunda a cultura gastronômica típica presente no Kochkaese. Como um
queijo cremoso, na forma atual de produção do Kochkaese, o processo de
envelhecimento é provocado, sendo que, antigamente, era usado o leite que
não mais seria consumido por estar envelhecido. Os produtores dos

151
municípios dessa região, predominantemente de origem alemã, lideram um
forte movimento que busca o tombamento imaterial desse alimento,
tornando‐o patrimônio histórico e cultural. É certo que esse tipo de queijo
não possui referência e destaque em nenhuma outra região do país, por isso
os turistas são atraídos por esse prato singular ao visitarem a região do Vale
do Itajaí.

3.14 LARANJA E SUCO DO VALE DO RIO URUGUAI: VALE DO RIO URUGUAI

O Vale do Rio Uruguai engloba municípios catarinenses como


Concórdia, Chapecó e Itapiranga, e municípios do Rio Grande do Sul como
Erechim, Iraí, Três Passos e Santa Rosa5.
Segundo estudos, nessas regiões se concentra a laranja de melhor
qualidade do país, com um menor grau de acidez, agradável ao paladar, um
tamanho adequado e uma coloração chamativa e vivaz, atraindo os
consumidores de forma significativa. Essas qualidades específicas se devem
a um microclima regional configurado pela presença de um vale nas
proximidades do Rio Uruguai e seus afluentes, que banham essa grande
área. Esse microclima possibilita a produção de cítricos, mesmo sendo em
áreas de clima subtropical.
A cadeia produtiva do Oeste catarinense é abrangida pela Associação
Catarinense de Citricultura (Acacitros), já tendo atingido cerca de 1.700
estabelecimentos rurais cultivando mais de três milhões de laranjeiras. O
aumento da área plantada nessa região é constante, e é altamente
promissor. No entanto, apesar da potencialidade que a laranja apresenta
nesta região, nos últimos anos, têm ocorrido crises de mercado, interferindo
na área de produção.
Mesmo assim, no Vale do Rio Uruguai existe festividades que expõem a
rica produção cítrica dos municípios, a laranja e seus derivados, produzidos
de forma artesanal pelas famílias locais, demonstrando a cultura típica da
região.

3.15 LINGUIÇA DE BLUMENAU: MUNICÍPIO DE BLUMENAU, NA REGIÃO DO


VALE DO ITAJAÍ

A Linguiça de Blumenau é um embutido famoso, no entanto, sua


produção ocorre em todo o estado catarinense. Em especial, esse produto
expressa a cultura e a singularidade da produção blumenauense, com
qualidade reconhecida e sabor resultante da utilização de carnes nobres da
região.
As origens dessa receita expressam as raízes da colonização alemã,

5
Ou seja, no caso de se pensar numa IG, a mesma poderia estender sua área de abrangência
também para áreas daquele estado.

152
fortemente presente nessa região. Inúmeras receitas culinárias utilizam a
Linguiça Blumenau como matéria‐prima, desde aperitivos até pratos
principais, sendo que possui um mercado consumidor consolidado. Existem
blumenauenses, produtores isolados, que até hoje usam os ensinamentos
dos seus antepassados para o preparo da Linguiça Blumenau, muito
apreciada com pão preto e mostarda forte.
Esse e outros produtos da região oportunizam eventos, como o "Festival
Gastronômico", com a participação de restaurantes que elaboram pratos
exclusivos para o festival utilizando‐se de produtos específicos regionais.
Eventos como esse difundem a cultura regional e movimentam a economia
do município de Blumenau e região, nas áreas industrial, comercial e de
serviços.

3.16 MAÇÃ DE SÃO JOAQUIM: MUNICÍPIO DE SÃO JOAQUIM, NA SERRA


CATARINENSE

O município de São Joaquim, além de ser famoso pelas suas mais de 800
horas de frio ao ano, com presença eventual de neve, é reconhecido pela sua
produção de maçãs, principalmente as da qualidade Fuji, tanto que possui o
título de maior produtor dessa fruta no Estado de SC. Cerca de 70% da base
econômica de São Joaquim gira em torno da produção e comercialização dessa
fruta, considerada por muitos de sabor, aparência, cor e textura incomparáveis.
A cada dois anos, o município promove a "Festa Nacional da Maçã",
realizada entre o final do mês de abril e início de maio, a qual possui atrações
turísticas tradicionais, como camping, cancha de laço e palco para shows,
atraindo milhares de turistas e mantendo uma tradição que já existe a cerca de
50 anos. Envolvendo a culinária, trajes típicos, shows, palestras e seminários,
esse evento contribui para a divulgação da cultura típica regional e classificam a
maçã como um produto essencial para o município de São Joaquim.
Hoje, São Joaquim conta com mais de mil pequenos produtores e com a
Associação de Produtores de Maçã e Pera (AMAP). Essa fruta atrai
investimentos tecnológicos para sua produção, no que diz respeito à sua
industrialização e na variedade de subprodutos como doces, balas e geléias.
Como exemplo de empresas que proporcionam fontes de emprego e rendas
para a população utilizando‐se da maçã como matéria‐prima econômica,
pode‐se citar a SANJO ‐ Cooperativa Agrícola de São Joaquim, que hoje conta
com cerca de 330 funcionários e produz, colhe e comercializa essa fruta
durante todas as épocas do ano.

3.17 MEL DE MELATO DA SERRA CATARINENSE: MUNICÍPIOS DA REGIÃO DA


SERRA CATARINENSE

O Mel de Melato se diferencia do mel tradicional, este último


confeccionado pelas abelhas a partir do pólen de variadas espécies de flores.
O Melato é resultante da utilização, pelas abelhas, de um líquido expelido

153
pela árvore Mimosa Scabrella (a popular bracatinga), a partir do ataque da
cochonilha, um parasita que possui tempo de vida de dois anos. Portanto o
auge da produção desse mel ocorre a cada dois anos.
Essa modalidade de mel configura‐se como único, menos açucarado e
com uma cor mais escura que o mel obtido do néctar floral. Esse produto por
muito tempo foi desconhecido e desvalorizado pelos apicultores. Na época
de seu surgimento, retiravam suas abelhas dos locais de origem para que a
produção do mel tradicional não fosse comprometida.
Na Serra Catarinense ‐ compreendida pelos municípios de Urubici, Bom
Retiro, Rio Rufino, Bocaina do Sul, Palmeira, Lages e entorno ‐ o Mel de
Melato produzido é "puro" devido à grande quantidade de bracatingas
existentes, o que não ocorre em outras regiões do sul, em que a produção se
mistura com a de outras flores.
O Mel de Melato já recebeu premiações que o configuram como melhor
mel do mundo e, por possuir certificações de produção com origem em
florestas nativas, respeita a regulamentação para orgânicos da União
Europeia, o que facilita a sua exportação. A Alemanha é a principal
importadora desse produto Estima‐se que existam cerca de 1.800
apicultores na Serra Catarinense, os quais focam suas produções no Mel de
Melato.

3.18 MÓVEIS DE SÃO BENTO DO SUL: MUNICÍPIO DE SÃO BENTO DO SUL,


NORTE DO ESTADO DE SC

A economia de São Bento do Sul é essencialmente industrial, com


empresas de cerâmica, metalúrgicas, têxteis e, principalmente, moveleiras.
Pode‐se citar o ramo moveleiro do município como fundamental para a
movimentação econômica e financeira dos setores primário (extração das
matérias‐primas, as madeiras), secundário (fabricação dos móveis) e
terciário (comercialização e prestação de serviços).
São Bento conta com extensos parques fabris para a confecção de
móveis customizados, com designs diferenciados e de alto padrão. Os móveis
produzidos adquiriram reconhecimento em caráter nacional, compondo,
também, o principal produto de exportação da cidade (a maior exportação
moveleira do país).
São Bento do Sul é reconhecido como "Capital dos Móveis" sendo,
semestralmente, realizada a feira FEISTOCK, com o intuito de promover o
comércio e o reconhecimento da região como polo de fabricação de móveis
diferenciados, customizados e de alta qualidade. Essa feira impulsiona o
turismo consideravelmente, com a promoção de eventos que envolvem toda
a região norte catarinense, movimentando a economia do município durante
sua execução, além de promover contratos entre indústrias e comércios com

154
o consumidor final. O polo moveleiro se estende aos municípios próximos,
como o de Rio Negrinho.

3.19 OSTRAS DE FLORIANÓPOLIS: ,


FLORIANÓPOLIS, CAPITAL DO ESTADO DE SC

As ostras alimentam‐se de detritos marinhos e operam como filtros


subaquáticos. A criação de ostras em Florianópolis começou a partir de
1990, sendo que foi implantada como alternativa de renda aos pescadores
artesanais. A parte insular de Florianópolis possui cerca de 100 hectares das
suas águas ocupadas pela maricultura, a criação de mariscos. No bairro
Ribeirão da Ilha aproximadamente 5.000 pessoas tiram seu sustento dessa
atividade.
Florianópolis possui as águas consideradas ideais para o cultivo desse
marisco, são rasas de até um metro e meio, calmas e possuem nutrientes
advindos da chuva que ocorre na Serra do Mar, na parte continental. Assim,
a ostra da capital catarinense desenvolve‐se completamente em cerca de
seis meses, enquanto a ostra francesa, referência mundial, demora seis vezes
mais.
Entre os principais eventos de Florianópolis, destaca‐se a "Festa
Nacional da Ostra", única festividade do gênero do Brasil, que reúne a
gastronomia típica, pratos exóticos e diferenciados feitos com frutos do mar,
tendo como base principal a ostra. Esse evento apresenta shows, palestras,
atividades técnicas, econômicas, científicas, artísticas e culturais focados na
produção desse marisco, trazendo oportunidades aos produtores para
consolidarem seu público consumidor e divulgarem a qualidade dos seus
produtos. Florianópolis detém 80% da produção nacional de ostras. A
Fazenda Marinha Ostra Viva é um exemplo de empresa produtora desse
marisco, desde 1998.

3.20 QUEIJO SERRANO: MUNICÍPIOS DA SERRA CATARINENSE E REGIÃO


SERRANA DO NORDESTE DO RIO GRANDE DO SUL

A Serra Catarinense, que se estende desde o município de Lages e


entorno, com extensão até a região serrana do nordeste do Rio Grande do
Sul, possui altitudes superiores a 1.000 metros e invernos rigorosos. Essa
região é famosa pela produção de queijos artesanais e coloniais, típicos
desse território, conhecidos como Queijo Serrano e intitulados pelo
patrimônio cultural territorial6.
A produção desse queijo é fonte de renda de muitas famílias da região,
produtores isolados e pequenos pecuaristas. Cerca de 50% da renda

6
O Capítulo 9 desta coletânea trata com mais profundidade o tema.

155
inerente à Serra Catarinense vem da produção desse queijo artesanal que
remonta processos seculares, tradições passadas de geração a geração.
A qualidade do Queijo Serrano resulta das técnicas artesanais utilizadas
na região, como o leite das vacas que se alimentam das pastagens naturais e
o clima típico, que, segundo estudos, atribuem a esse produto características
únicas e reconhecidas nacionalmente. Com o objetivo de qualificar os
produtores, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa
Catarina (Epagri), em parceria com o Consórcio Serra Catarinense (Cisama),
promove a Capacitação de Boas Práticas de Fabricação (BPF) de Queijo
Artesanal Serrano. Em Lages, visando promover a melhor organização das
estratégias da cadeia produtiva do Queijo Serrano, foi realizada a
constituição da Associação de Produtores de Queijo Artesanal Serrano da
Serra Catarinense (Aproserra).
No município de Laurentino (SC) ocorre a "Festa Estadual do Queijo",
contribuindo no fortalecimento da cultura regional, promovendo maior
integração e divulgação dos potenciais econômicos da região, juntamente
com a cultura e a tradição da sociedade serrana.

3.21 QUIRERA: TERRITÓRIO DO CONTESTADO, DE CONCÓRDIA, IRANI E


JOAÇABA, ATÉ CANOINHAS E SUL DO PARANÁ

Quirera é o nome popular atribuído ao milho triturado em pilão. Cozido


misturado com carne suína torna‐se um alimento nutritivo e de baixo custo.
Tal alimentação fazia parte da dieta alimentar cotidiana do homem do
Contestado. Assim, a dieta alimentar da sociedade regional, durante e após a
Guerra do Contestado era, basicamente, a quirera. Nesse sentido, esse
alimento típico do homem do Contestado poderia constituir‐se uma
especificidade territorial.
Atualmente, a quirera ainda é consumida na culinária da região. No
entanto, diferentemente da sua origem, hoje o milho é triturado
mecanicamente, o que não lhe atribui a mesma qualidade, aliado ao fato de
que não necessariamente há uma preocupação da indústria com a qualidade
da matéria prima.

3.22 RENDA DE BILRO DE FLORIANÓPOLIS: FLORIANÓPOLIS, CAPITAL DO


ESTADO DE SC

Originalmente, a economia de Florianópolis esteve relacionada com


atividades ligadas à pesca, usualmente feita por homens. Já as mulheres,
desde séculos passados, utilizavam‐se de atividades manuais, como o feitio
da Renda de Bilro para ajudar nas despesas da casa. Sendo assim, a Renda de
Bilro reflete a cultura e a tradição secular da sociedade que habita essa ilha,
expressadas pelo ditado “onde há rede, há renda”, referindo‐se às redes de
pesca e as Rendas de Bilro.

156
Trazida na época da colonização açoriana, em meados do século XVIII,
são tranças de fios que desenham rendas com pequenas peças de madeira
(os bilros) e é muito famosa na ilha catarinense, principalmente nas
localidades de Ribeirão da Ilha, Santo Antônio de Lisboa e Lagoa da
Conceição.
Na localidade de Pântano do Sul existe a Casa das Rendeiras, que
preserva a cultura e a tradição dessa atividade. Nesse local, diversas pessoas
se reúnem, desde rendeiras até turistas e curiosos, se configurando uma
modalidade de oficina de renda que funciona como uma cooperativa de
artes manuais. As técnicas para a confecção das Rendas de Bilros foram
passadas de geração a geração. A diferenciação desse modo de confecção é
que é necessário utilizar um tecido como base. A “Maria Morena” e a
“Tramoia” são denominações de algumas das rendas mais conhecidas na
região, tidas como produtos típicos e específicos da capital catarinense.

3.23 RENDAS DE CRIVO CATARINENSE: FLORIANÓPOLIS E MUNICÍPIOS DA


REGIÃO METROPOLITANA DE FLORIANÓPOLIS

A Renda de Crivo constitui‐se em uma modalidade de bordado


elaborado a partir da preparação de um determinado tecido de onde são
retirados alguns fios a fim de formar espaços. Esses espaços são preenchidos
com fios de cores diversas, delineando o desenho desejado pela rendeira.
Essa atividade, típica da Capital Catarinense, possui raízes na
colonização açoriana e, assim como a famosa Renda de Bilro, constitui a
cultura e a tradição secular dessa região.
Mulheres que praticam essa arte são denominadas “criveiras”. Elas se
reúnem em locais como a Casa da Cultura e a Galeria do Artesanato, também
na casa particular das amigas e companheiras, a fim de bordarem a Renda
de Crivo, sendo essa prática passada de geração em geração.
No mês de agosto, na região da Grande Florianópolis, ocorrem
celebrações e atividades culturais no denominado Dia do Folclore, evento
criado para divulgar os produtos artesanais da região, englobando, na
relação das artes manuais, a Renda de Bilro e a Renda de Crivo.
Investimentos são aplicados para que haja o resgate e o incentivo à
comercialização dessa modalidade de artesanato catarinense, considerado
uma identidade cultural do Estado. As galerias de arte, destinadas para esse
fim, recebem muitos visitantes que contemplam as técnicas empregadas na
confecção dessas artes em tecido, prestigiando os artesãos e a bagagem
histórica existente.

157
3.24 TRANÇAS DA TERRA DO MEIO OESTE CATARINENSE: MUNICÍPIOS DA
REGIÃO MEIO OESTE CATARINENSE, TENDO JOAÇABA COMO POLO

O Meio Oeste de Santa Catarina foi colonizado por alemães e italianos e


já foi considerado a “Capital do Trigo” do país na década de 50. As Tranças
da Terra configuram uma modalidade de artesanato feito com a palha do
trigo, muito praticado na região montanhosa e colonial do Meio Oeste
Catarinense, que possui essa atividade típica com especificidade territorial.
Essas tranças refletem culturas históricas, sendo que os artesãos detêm os
saberes relacionados às tradições dessas localidades, além de se
constituírem fonte de renda para inúmeras famílias que lá habitam.
Temendo que essa tradição seja perdida, existem projetos que visam
resgatar a cultura dessa arte manual na região, como o Projeto Tranças da
Terra. Esse foi criado por um grupo de mulheres e hoje conta com dezenas
de artesãos e produtores de trigo, espalhados entre os municípios de
Joaçaba, Catanduvas, Lacerdopólis, Luzerna e Ouro.
Essa modalidade de investimento cultural agrega valor à identidade dos
municípios, pois o número de pessoas que passam a se interessar pela arte
aumenta gradativamente, na proporção em que os produtos são expostos e as
técnicas divulgadas, tornando‐se uma rota de compras atrativa aos turistas. Esse
projeto, respeitando as raízes culturais da sociedade e possuindo como
perspectiva o desenvolvimento, envolve mais de cem famílias da região, tendo já
alcançado certificação e reconhecimento da qualidade dos produtos
confeccionados, como o "Prêmio SEBRAE TOP 100 de Artesanato".

3.25 TRUTA DA SERRA CATARINENSE: MUNICÍPIOS DE BOM JESUS DA SERRA,


PAINEL, LAGES, SÃO JOAQUIM, URUPEMA E URIBICI

Os municípios da Serra Catarinense possuem diversas atrações


turísticas relacionadas à truta, peixe famoso da região. Santa Catarina
encontra‐se entre principais estados produtores, graças à produção da
região serrana, onde a truticultura foi implantada em meados de 1970. Os
piscicultores, objetivando alavancar suas atividades, investiram em tanques
para truticultura. A truta movimenta a economia, com a presença de pesque‐
pagues, culinárias típicas e pousadas especializadas.
No município de Painel, o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) administra a Estação Nacional de
Truticultura. Já a Associação Brasileira de Truticultores (Abrat) investe em
projetos e inovação, como a criação da "Rota da Truta", roteiro que engloba
os municípios da região serrana, sedes das criações de peixes mais antigas
do estado. Sendo assim, é grande a expectativa quanto à integração da
truticultura com o setor turístico e na criação de um potencial “roteiro
temático” focado na pesca esportiva desse peixe.

158
3.26 VIME DE RIO RUFINO: RIO RUFINO, NA SERRA CATARINENSE

A economia do município de Rio Rufino é baseada na agricultura


familiar e na criação de bovinos para corte e produção leiteira. Porém, nas
últimas décadas, uma nova alternativa de desenvolvimento vem
despontando na região, a produção do vime.
Com o vime são elaborados inúmeros produtos artesanais, como cestos
e móveis. Rio Rufino e região possuem as condições ambientais ideais, como
o clima, temperatura, relevo e altitude para o cultivo desse arbusto, com
vimeiros que atingem cerca de dez metros de altura, adquirindo porte de
árvore frondosa de tamanho três vezes maior que o convencional. O
município é considerado a “Capital Nacional do Vime”, sendo responsável
por 90% da produção nacional, juntamente com Bom Retiro, Bocaina do Sul,
Urubici e Palmeira, municípios próximos.
No município de Rio Rufino existe a denominada Central das Cestas, que
reúne a produção de cerca de 25 artesãos e conta com a confecção de cerca
de 20 mil peças por mês, vendidas para entidades e empresas dentro e fora
do Estado, as quais realizam encomendas de cestas para os mais variados
fins, como cestas para café da manhã e flores. Dessa forma a mão de obra da
região é absorvida pelo artesanato, configurando fonte de renda para mais
de cem famílias.
A região promove, anualmente, a Festa Nacional do Vime, que expõem as
produções e atividades dos agricultores e artesãos típicas dessas
localidades, contando com shows, palestras e gastronomia.

3.27 VINHOS DE ALTITUDE DA SERRA CATARINENSE: MUNICÍPIOS DE SÃO


JOAQUIM, CAMPOS NOVOS E CAÇADOR

Os Vinhos de Altitude são produzidos em áreas situadas entre 900 e


1.400 metros. A infraestrutura que alguns municípios catarinenses possuem
para produzi‐los reflete potencialidades de uma nova especificidade
territorial, o Vinho de Altitude, sendo essa região detentora de cerca de 180
qualidades dessa bebida. Em São Joaquim existe a famosa Villa Francioni,
maior vinícola da região e considerada uma obra de arte, atraindo turistas e
contempladores da atividade vinícola.
O centro comercial Casa dos Vinhos, sediado em São Joaquim e com
filiais em outros municípios, aderiu à venda dos vinhos de altitude
produzidos na Serra Catarinense. Já a Associação Catarinense de Produtores
de Vinhos Finos de Altitude atua na divulgação dos vinhos dessa região
catarinense promovendo a feira "EXPOVINIS". Dessa forma, é possível
divulgar a qualidade certificada dos vinhos catarinenses, com aroma, textura
e paladar singulares. Outro fato que merece destaque é a forma da produção
e do cultivo da uva na região, plantadas em fileiras para captar mais luz

159
solar, com pequena produção por parreira, a fim de garantir a sua qualidade.
A "Vindima de Vinhos Finos de Altitude" é um evento que ocorre nos
municípios serranos catarinenses produtores dessa bebida, com a realização
do enoturismo, visitação das vinícolas, passeios, palestras, degustações e
almoços típicos da culinária, com traços culturais da região. Com o Instituto
Catarinense de Tecnologia em Vitivinicultura, estão sendo elaborados selos
de qualidade que distinguem os vinhos dessas localidades. Muitas famílias
serranas sobrevivem do plantio da uva, da sua colheita, da confecção do
vinho e da comercialização dessa bebida no mercado.
Estes são os 27 produtos que, segundo estudos já realizados,
apresentam especificidade territorial, a qual poderá contribuir no
reconhecimento de futuras experiências de IG nas diferentes regiões do
estado de SC. Na Figura 1, estão mapeadas essas experiências, incluindo a IG
Vale da Uva Goethe.

4. ERVA‐MATE NO PLANALTO NORTE CATARINENSE

Neste tópico iniciamos com uma breve contextualização do histórico em


torno do recurso específico da erva‐mate, bem como empregamos as
categorias e variáveis advindas da revisão de literatura a fim de caracterizar
esse produto em termos de seu potencial de obtenção de Indicação
Geográfica.

Figura 01 ‐ Potencialidades de Indicação Geográfica do Estado de SC:


produtos e localização

Fonte: Elaboração própria, com base nos dados da pesquisa

160
4.1 RESGATE HISTÓRICO

A erva‐mate foi a atividade econômica extrativa mais importante do


final do século XIX até por volta de 1970 para a chamada Região do
Contestado, estendendo‐se por todo o sul do vale do Rio Negro, que serve
como divisor físico entre os Estados de Santa Catarina e Paraná, na sua
porção central. Essa região corresponde, aproximadamente, ao Planalto
Norte Catarinense e Centro Sul do Paraná (DALLABRIDA, 2012; MAFRA,
2008).
Sendo ela o motivo principal de disputa entre os territórios de Santa
Catarina e Paraná, podemos destacar a construção da estrada de ferro São
Paulo – Rio Grande do Sul e o ramal que ligava Porto União ao porto de São
Francisco do Sul. Para tal obra, o governo federal contratou a empresa
americana Brazil Railway Company, subsidiária da Southern Brazil Lumber
and Colonization Company. Como parte do pagamento a empresa recebeu a
concessão da exploração da madeira em até 15 km de cada lado da estrada a
ser construída. Muitas dessas áreas eram ocupadas por posseiros, a maioria,
os chamados caboclos, os quais foram sendo expulsos (MARQUES, 2014).
A Lumber, além de explorar a madeira, ainda loteava os terrenos e os
repassava a imigrantes europeus. Essa situação de exclusão e abandono das
populações locais, em áreas sem a ação efetiva do governo catarinense ou
paranaense, gerou um ambiente propício para o desenvolvimento de um
movimento messiânico, liderado pelo monge José Maria, que agregou
milhares de famílias na luta pela terra e melhores condições de vida para as
populações locais, desencadeando a Guerra do Contestado, um dos maiores
conflitos da história brasileira (MARQUES, 2014).
A área de disputa de territórios ficou conhecida como Território do
Contestado. A área de maior incidência da erva‐mate corresponde às terras
próximas ao município de Canoinhas, na região do Planalto Norte
Catarinense e Centro Sul do Paraná, sendo esse um dos municípios que tem
maior identificação com a produção de erva‐mate (DALLABRIDA, 2012).
Nessa região viviam pessoas simples e humildes, que dependiam da
extração da erva‐mate para sobreviver. Durante muitos anos, extraíam e
produziam para seu próprio consumo e vendiam como forma de biscate.
Essa passou a ser uma atividade econômica tratada como questão de Estado,
pois os ervais catarinenses ao sul do Rio Negro despertavam interesse dos
empresários do mate e das empresas exportadoras no Paraná e, mais tarde,
em Santa Catarina (MAFRA, 2008).
Mafra (2008) destaca a importância econômica que teve a partir do ano
de 1902. Como já citado, a erva‐mate passou a ser explorada por empresas
de grande porte, de uma forma empresarial, substituindo formas de
exploração originais feita por posseiros. As empresas ervateiras, de forma

161
monopolística, passaram a receber do Estado a concessão de terras para
explorar o produto. Com isso, segundo o autor, os antigos moradores foram
expropriados de suas terras e dos ervais, sua tradicional fonte de renda,
transformando‐se, então, em assalariados das empresas ervateiras.
Pode se dizer que essa região foi marcada por conflitos que impactaram
na economia local, na forma de exploração dos habitantes nativos. Sendo
assim, desde o século XIX até a década de 1930, o principal produto de
exportação do Paraná e de Santa Catarina, embora perdendo a primazia
econômica, foi a erva‐mate para chimarrão, o que continua até os dias atuais,
mesmo que com menor importância econômica (MAFRA, 2008).

4.2 IMPORTÂNCIA ECONÔMICA

No Planalto Norte Catarinense (PNC) existe uma aglomeração de


empresas dedicadas à atividade ervateira, o que marcou profundamente a
história socioeconômica do território. Na atualidade, esse aglomerado de
empresas necessita de atenção para manter sua competitividade, sendo que
a exportação está presente desde o século XIX, tendo grande importância no
desenvolvimento socioeconômico do território (SOUZA, 2009).
O mesmo autor mencionado cita que:

Desde o terço final do século XIX até meados anos 1980 este território foi a
principal região catarinense de produção e transformação de erva‐mate. Nos
anos 1960 chegou a constituir mais de 93% de toda a produção estadual
(SOUZA, 2009, p. 02).

Souza (2009) relata que a competitividade das empresas ervateiras


desse território tem diminuído, tendo em vista, por um lado, os maiores
custos de produção da erva‐mate nesses ambientes manejados, em
comparação aos menores custos de produção de outras regiões ervateiras,
incluindo a dificuldade crescente de manutenção de mercados e da
diferenciação de preços frente à outras regiões produtoras.
Quanto aos sistemas tradicionais de produção de erva‐mate em
propriedades de agricultores familiares, tanto Paraná como Santa Catarina
têm grande importância econômica, social e ambiental, pois, além dessa ser
uma fonte de renda, contribui para a conservação da floresta de Araucária
(DALLABRIDA, 2012). Segundo esse mesmo autor, a erva‐mate é o principal
produto florestal não madeirável em ordem de valor do grupo de produtos
florestais, citando que em 2011 essa extração dos ervais nativos foi de
229.681 toneladas de erva‐mate cancheada.
Marques (2014) e Dallabrida (2012) salientam que a erva‐mate
constitui a atividade que produz uma renda segura, com poucos
investimentos assume importante função de reserva de valor e de
estabilização das unidades familiares, pois, é fortemente ligada às tradições

162
e as historias das famílias, além de contribuir para a conservação dos
remanescentes florestais e de espécies arbóreas ameaçadas de extinção.
Dessa forma, os processos de reconhecimento e registro de uma IG, é
uma forma efetiva de valorizar o território, através da reputação do produto
ou através do diferencial no produto que essa região incorpora. É uma
vantagem decisiva para as pequenas e médias empresas e para os
agricultores competir no mundo globalizado (DALLABRIDA, 2012).

4.3 PERSPECTIVAS

A seguir fazemos referências quanto às perspectivas socioeconômicas


de uma possível IG da erva‐mate.

4.3.1 SOCIOECONÔMICAS

De acordo com o censo de 2010, o PNC possui 364.206 habitantes


(MARQUES, 2014). Desses, 24% no meio rural e 76% no meio urbano. Essa
porcentagem da população rural é maior do que a média brasileira e
catarinense, ambas de 16%. Apesar da impressão de que se trata de uma
região com pouca relevância, o meio rural é de grande importância, uma vez
que a distribuição da população é desigual, concentrando a população
urbana em apenas seis municípios, os mais industrializados: Canoinhas, Três
Barras, Mafra, Porto União, Rio Negrinho e São Bento do Sul. Destaca‐se,
ainda, que os municípios de Monte Castelo, Itaiópolis, Papanduva, Timbó
Grande e Matos Costa possuem mais de 40% da população vivendo no meio
rural e esse índice atinge 60% em Major Vieira, 66% em Irineópolis e 86%
em Bela Vista do Toldo.
A principal atividade econômica da região está ligada à indústria
madeireira, se constituindo em um importante polo de móveis e de madeira
em tora para papel, celulose e outros fins, concentrando ainda uma grande
área de reflorestamento de pinus e eucalipto. A agricultura também assume
grande importância onde se destacam as culturas da soja, milho, fumo, além
da extração da erva‐mate.
Segundo Tokarski (2014):

Na economia de Canoinhas, a erva‐mate não representa mais que 2,5% da


receita municipal e 2% do total das indústrias locais. Mesmo assim, a produção
regional tem aumentado talvez decorrente da diminuição do intervalo entre as
colheitas, a exploração de novos ervais nativos e as melhorias de manejo e a
adoção de novas tecnologias de produção. Dados de 1995 dão conta que a
produção ervateira do Planalto Norte Catarinense foi de 27.054 toneladas de
erva cancheada, de um total de 79.350 toneladas produzidas nesse ano em
Santa Catarina7.

7
Dados obtidos do site erva mate Canoinhas -
http://ervamatecanoinhas.com.br/reportagem.php?id=261.

163
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
(2012), a cidade de Canoinhas é o principal polo produtor de erva‐mate da
região e do Estado de Santa Catarina (Figura 1). Apesar de a produção estar
enraizada na história da região, essa atividade enfrenta dificuldades. Os
dados que envolvem a cadeia produtiva da erva‐mate são difíceis de serem
levantados devido à amplitude de formas como a erva‐mate é cultivada,
extraída, processada e comercializada (LOPES, 2011).
Dessa forma, para este texto, foi possível identificar apenas o volume
anual de erva‐mate produzida, na forma de folha verde e cancheada. Mesmo
assim, esses dados são aproximados, pois, as fontes de informação são
imprecisas, servindo apenas como um referencial. A partir disso, sentimos a
necessidade de busca de informações junto às prefeituras, órgãos públicos
de extensão rural ou ervateiros.
Na figura 2 estão listados os municípios do PNC e seus volumes de
produção. Esses dados foram obtidos somando os informados como erva‐
mate verde e cancheada, sendo os dados em folha verde convertido para
erva‐mate cancheada. Portanto, há uma grande fragilidade estatística nos
dados, pois as informações são aproximadas. Mesmo assim, podemos ter
uma ideia sobre a importância da erva‐mate na região do PNC. No entanto,
exigindo a organização e busca de informações mais precisas, por exemplo,
pela realização de um inventário.
Figura 2 – Mapa de localização do maior volume de produção de erva‐mate
no Planalto Norte Catarinense

Fonte: IBGE – Somatório em toneladas da erva‐mate em folha verde e cancheada

164
Souza (2009), em estudo realizado, fez uma entrevista com 23
indústrias ervateiras, na região do PNC, diretores de cooperativas de mate e
representantes de associações de classe da indústria ervateira, entre
novembro de 2009 e março de 2010, referente às perspectivas quanto ao
futuro da atividade ervateira. O autor demonstra que os entrevistados
dedicados ao mercado interno, expressam a preocupação com a forte
concorrência do mercado gaúcho, pois eles têm menores preços e fazem a
utilização de açúcar, hoje permitido, desde que informado. Os entrevistados
que se dedicam ao mercado externo, especialmente o mercado Uruguaio,
expressam preocupação com concorrências da erva‐mate argentina, pois
tem menos preço (SOUZA, 2009).
Em síntese, a valorização do produto erva‐mate tem significativa
importância, tanto econômica quanto social, para milhares de agricultores e
suas famílias, além de muitas outras pessoas envolvidas nessa cadeia de
produção.

4.3.2 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DA ERVA‐MATE

Em artigo publicado recentemente, Dallabrida e Marchesan (2013)


referem‐se à importância da erva‐mate, nos últimos anos, abrindo
perspectivas para a oficialização da IG, pois se trata de um produto com
histórico diferenciado (notoriedade) e que pode ser facilmente reconhecido
pelos mercados consumidores, lembrando que esse trabalho está em fase de
debate regional, com vistas ao futuro registro junto aos órgãos oficiais
brasileiro. Entretanto, para que se concretize, essa possibilidade está
diretamente ligada à mobilização dos atores sociais e econômicos,
juntamente com a execução de estudos estruturadores (SOUZA et al., 2013).
Marques (2014) complementa citando que, em novembro de 2009 foi
fundada a Associação da Erva‐Mate do Planalto do Ouro Verde
(APROMATE), com a participação de representantes do Sindicato da Erva‐
Mate de Santa Catarina, das cooperativas de mate, de várias empresas
ervateiras, da associação de ervateiros, da Associação dos Trabalhadores
Rurais da Região da Erva‐Mate (Astramate), do Sindicado da Agricultura
Familiar Planalto Norte (Sintraf‐PN), técnicos da Epagri e UFSC, com a
finalidade de promover e apoiar o desenvolvimento do processo de IG da
erva‐mate dos municípios do PNC.
Não podendo deixar de lado a importância desse produto, Dallabrida
(2012) afirma que a erva‐mate é uma das principais riquezas naturais da
região do PNC e Centro‐Sul do Paraná.
Percebe‐se o grande potencial que a atividade ervateira tem no PNC,
conforme Marques (2014, p. 145‐146):

 A atividade comercial de erva‐mate ocorre há pelo menos 152


anos no Planalto Norte Catarinense;

165
 A produção, em quase sua totalidade, é oriunda de “ervais
nativos”, abarcando 95% do total em 2008;
 Mais de 20 empresas com marcas próprias na região, sendo a
mais antiga datada do ano de 1918;
 Dentre as empresas, estão as Cooperativas de Mate de
Canoinhas e de Campo Alegre, datadas de 1932 e 1938,
respectivamente;
 São produzidos diversos tipos de produtos da erva‐mate para
consumo interno e para exportação, do chimarrão a chás verdes
e tostados;
 Em 1960 e 1970, o território era responsável por 97% e 81% da
erva‐mate produzida em Santa Catarina; hoje ainda responde
por 41%, sendo que ao redor de 4.000 famílias estão envolvidas
na atividade (Censo Agropecuário 1996);
 Em 2009, 31% da exportação brasileira de mate teve origem do
território em referência, gerando US$13.989.535,00 em divisas.

Não há dúvidas sobre a identificação da erva‐mate com a história de


ocupação territorial, o que dá destaque à questão da Indicação Geográfica,
pois, sem dúvida, é uma marca que o território exerce durante todos esses
anos e uma estratégia para avançar regionalmente com base nos princípios
do desenvolvimento, sendo, principalmente, produto da agricultura familiar.
Muito já está sendo feito algo para que isso se concretize. Nesse sentido,
destacam‐se trabalhos já realizados como aporte para dar origem e
consolidar a proposta de IG no território em referência, para os produtos da
erva‐mate. No momento, estão ocorrendo discussões em vários fóruns,
seminários e reuniões, dos quais participam técnicos, produtores e
empresários do setor agropecuário, voltado para a possibilidade de
revitalização de sistemas tradicionais de produção de erva‐mate e dos
processos de produção e transformação artesanal nas propriedades.
Entre os anos de 1999 e 2003, foram realizados reuniões e seminários
de apresentação da proposta. Já em 2006, houve um trabalho de
constituição do primeiro projeto de IG para produtos de erva‐mate, mas não
pode seguir, pois ainda faltava um grau de mobilização adequado e apoio
mínimo do setor ervateiro. Contudo, em 2007, esse grau de mobilização
mínima foi atingido para o avanço da proposta. Isso só ocorreu através da
realização de reuniões para atualização técnica sobre produção e mercado
de erva‐mate, como alternativa de renda e conservação ambiental em
sistemas de produção de agricultura familiar (NEPPEL, 2013).
A partir disso, a EPAGRI visualizou a possibilidade de parceria e
obtenção de recursos junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), sendo deflagrado, então, um processo de busca
dessa parceria, no projeto denominado “Ações de apoio à estruturação da
Indicação Geográfica Planalto Norte Catarinense para produtos da Erva

166
Mate”. Assim, está em fase execução o referido projeto, visando seu objetivo
principal, que é promover todas as ações de apoio à estruturação e a
constituição da Indicação Geográfica para produtos derivados da erva‐mate
regional (NEPPEL, 2013).

5. ESTUDOS E INVESTIGAÇÕES SOBRE AS POTENCIALIDADES DA ERVA MATE

Como citado, há vários estudos já realizados com o intuito de pensar


uma Indicação Geográfica para a região em estudo, estando vários em
andamento. Dentre eles, podemos destacar o Projeto de Pesquisa Território,
Identidade Territorial e Desenvolvimento: a especificação de ativos
territoriais como estratégia de desenvolvimento nas regiões do Estado de
Santa Catarina8.
Neppel (2013) destaca ações realizadas no âmbito da Epagri (Regional
de Canoinhas) em relação à Indicação Geográfica da erva‐mate regional, em
especial as que foram iniciadas o ano de 2013, se estendendo até o ano de
20159. A principal ação refere‐se ao Projeto IG MAPA10, que tem por objetivo
a sensibilização através de reuniões com líderes dos municípios (prefeitos,
presidentes de sindicatos, clubes de serviço, vereadores, secretários
municipais, gerentes de bancos, cooperativas, universidades etc), reuniões
para técnicos, industriais, produtores de erva e sindicatos, reuniões com
Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural e a capacitação, através de
viagens de intercâmbio para técnicos, agentes de desenvolvimento,
indústrias e agricultores ervateiros, além de formatar os estatutos e
regulamentos da IG, viabilizar estudos de informações históricas e provas de
reputação/ notoriedade para a IG, levantar e propor delimitação para IG,
pesquisar, estudar e difundir práticas de manejo utilizadas pelos
agricultores para apoio a IG, realizar Seminário Estadual.
Outro é o Projeto IG Fapesc11, que tem o objetivo de realizar estudos de
identificação e caracterização morfogenética de árvores matrizes para
implantação de área de produção de sementes e banco ativo de
germoplasma.
Com isso, apresenta‐se uma situação com ações que representam
avanços no desenvolvimento da região. Na medida em que o produto erva‐

8
Sob a coordenação do Prof. Dr. Valdir Roque Dallabrida, com financiamento da FAPESC,
executado no Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado.
9
Perspectivas apresentadas em palestra proferida no II Workshop sobre Desenvolvimento
Regional na Região do Contestado, representando a EPAGRI.
10
Título do projeto em execução: Ações de apoio à estruturação da Indicação Geográfica
Planalto Norte Catarinense para produtos da erva mate.
11
Título do projeto: Identificação e caracterização morfogenéticas de árvores matrizes de erva
mate para implantação de área de produção de sementes e banco ativo de germoplasma na
mesorregião Norte Catarinense com vistas a Indicação Geográfica.

167
mate seja valorizado, contribuirá também para a ampliação da cobertura
vegetal, pois haverá interesse em ampliar a área plantada com erva‐mate na
região (DALLABRIDA, 2012). Assim, o reconhecimento da IG da erva‐mate
produzirá a valorização econômica dos ervais nativos, que é um dos
elementos característicos das matas de araucária. Dessa forma a IG para
erva‐mate, além dos possíveis impactos socioeconômicos, será um meio
decisivo para a manutenção e reprodução das matas de araucárias
(DALLABRIDA et al., 2014).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta central deste capítulo foi caracterizar os produtos com


especificidade territorial das diferentes regiões do estado de Santa Catarina,
apresentados como potencial para futura IG, por meio de um estudo
exploratório baseado na literatura e em bases documentais.
Pela revisão teórica, foi possível construir um marco teórico no qual as
Indicações Geográficas aparecem como potenciais articuladoras de
estratégias inovadoras de desenvolvimento dos territórios. De fato,
construíram‐se e articularam‐se categorias analíticas e suas variáveis, de
modo a obter categorias específicas (como Identidade Territorial e
Especificidade Territorial) ligadas à categoria Indicação Geográfica (IG),
mais ampla. Essa articulação foi gradualmente aproximando o debate que se
travava com o tema do desenvolvimento territorial. Ao fim foi possível
avançar para uma relação entre IG e Desenvolvimento Territorial,
vinculando as categorias analíticas específicas com as gerais e construindo
um caminho para pesquisar especificamente o contexto de Santa Catarina.
Um segundo passo foi dado no caso de reforçar a percepção da pesquisa
do SEBRAE acerca dos 27 recursos específicos com potenciais para
tornarem‐se IG em Santa Catarina, agora diante das categorias analíticas
produzidas. Apesar da afirmativa encontrada para resposta desta questão, a
pesquisa nomotética e as categorias e variáveis empregadas precisam ser
complementadas para um resultado mais seguro, portanto, merecendo
estudos futuros mais aprofundados.
Na pesquisa, se identificou uma dificuldade na operacionalização das
categorias analíticas e variáveis desenvolvidas, bem como se percebeu a
necessidade de incrementação do exercício teórico‐metodológico. Por
exemplo, em relação aos produtos, precisam ser adicionadas as
especificidades na forma de serviços, tais como roteiros turísticos desde as
praias às áreas de serra (como Serra do Rio do Rastro), estâncias
hidrominerais e de águas termais e/ou sulforosas, além de cidades
históricas (como Laguna). Os produtos das áreas do setor de serviços, se
somado à lista de 27 potencialidades aqui referidas, conseguirão construir

168
um quadro mais representativo das potencialidades catarinenses em relação
a futuras experiências de Indicação Geográfica, ou Marcas Coletivas12,
quando for o caso.
O passo final procurou analisar especificamente um caso significativo,
em termos da própria construção teórico‐metodológica central deste
trabalho, o caso da erva‐mate do Planalto Norte Catarinense.
A abordagem do caso serve para conhecermos possíveis trajetórias para
o reconhecimento de um produto com IG, além dos desafios que os
processos impõem. Assim sendo, os resultados mostraram que o produto
erva‐mate ainda terá desafios a serem superados, não apenas para a
obtenção da IG, mas para que essa estratégia possa contribuir efetivamente
no desenvolvimento territorial. Entre os desafios, ressaltamos que falta a
caracterização dos componentes do capital territorial do Planalto Norte
Catarinense, o que só será possível pela realização de um inventário. Falta
também a conscientização e comprometimento dos produtores rurais,
técnicos, autoridades, agentes de desenvolvimento (em geral, todos os
atores da cadeia produtiva envolvidos com o desenvolvimento do projeto
IG). Ou seja, ainda que se consiga parcialmente identificar a construção de
sistemas produtivos locais fundados na autenticidade, tipicidade e
originalidade dos produtos, há um longo trajeto até se poder afirmar que se
obteve a construção social da qualidade e o desenvolvimento socioeconômico
e melhoria da qualidade de vida, como meta finalística.
Por fim, considera‐se ser necessário muito trabalho, pesquisas e
estudos, empenho, negociação e fortificação de parcerias para que o
potencial latente de desenvolvimento territorial advindo de uma IG se
realize no contexto estudado, em especial algo que fica evidente quando se
aprofunda a análise no estudo de caso da erva‐mate13. No entanto, também
se identifica que há grandes oportunidades e ganhos caso se consiga superar
os obstáculos encontrados.
A notoriedade de algumas cidades e regiões advém de produtos e
serviços que se destacam pela qualidade e tradição dos mesmos. Quando
esses fatores estão contidos em um mesmo espaço físico (território), a IG
torna‐se um fator decisivo para garantir as suas diferenciações. Se
atribuirmos este indicativo às diferentes regiões do estado de Santa
Catarina, pelas potencialidades apontadas neste capítulo, somado à
contribuição do conjunto dos capítulos desta coletânea, é possível pensar o
desenvolvimento territorial de uma forma otimista. No entanto, salientamos
que a dinamização socioeconômica necessária com vistas ao reconhe‐

12
O Capítulo 7 desta coletânea aborda o tema das Marcas Coletivas, como alternativa para
reconhecimento das especificidades territoriais, abordando, em especial, a questão da
legislação sobre o tema.
13
Ressaltamos, novamente, que o Capítulo 12 retoma e aprofunda o estudo do caso da erva-
mate. Recomendamos a leitura.

169
cimento de uma IG precisa ser considerada como um processo complexo,
que exige estudos multidisciplinares especializados, articulação, negocia‐
ções entre todos os atores envolvidos, sem tempo pré‐definido.
Não é possível esquecer que, no Brasil, os processos de constituição de
IG são recentes. Nos últimos 20 anos, passamos de poucas experiências, para
mais de 40 atualmente. Avançamos, então. No entanto, em função da falta
prévia de estudos multidisciplinares mais avançados, o despreparo técnico
dos agentes governamentais e institucionais para articulação de formas
especiais de associativismo territorial ‐ como são as Indicações Geográficas ‐
, a excessiva visão mercadológica, sem considerar aspectos sociais, culturais,
históricos relacionados com o processo de constituição de uma IG, fez com
que muitas experiências que têm registro, estejam pouco ativas, ou até
totalmente paralisadas.
O desafio é avançarmos. O estado de Santa Catarina tem vantagens
diferenciais que poderão evitar casos futuros de insucesso. Destaco três
delas: (1) estamos ainda no estágio inicial, o que evita que a falta de
experiência do passado possa ter contribuído para fracassos, como ocorreu
em outros estados brasileiros; (2) temos pesquisadores de dentro e fora das
universidades, executando projetos de investigação, formando grupos de
pesquisa, realizando eventos sobre IG, produzindo material informativo e
reflexivo (boletins, artigos e livros), proporcionando conhecimento,
formação e reflexão sobre o tema, atingindo técnicos, produtores,
empresários e população em geral; (3) recentemente, o estado brasileiro,
tanto na esfera federal como na estadual, tem despertado para rever as
práticas iniciais, qualificar e melhor articular sua atuação, com o fim de
pensar políticas públicas que sirvam de apoio aos processos de constituição
de experiências de Indicação Geográfica.
Para referendar a melhora na ação governamental, destacamos duas
iniciativas. No âmbito federal, o MAPA, há mais de três anos tem executado a
realização de cursos de formação gratuitos, na modalidade à distância,
atingindo técnicos, produtores, empresários e população em geral.
Adicionalmente, a partir de 2014, o MAPA passou a articular um grupo de
especialistas do Brasil e da América Latina, com o fim de colocar em prática
um novo curso de formação, tendo como tema Desenvolvimento Territorial
e Indicações Geográficas. Além disso, o MAPA tem disponibilizado equipes
técnicas especializadas no apoio às iniciativas de IG, seja financiando as
mesmas, prestando assessoria, ou apoiando a publicação de livros e outros
materiais14. No âmbito estadual, o Governo do Estado de SC tem se

14Um exemplo é a publicação, em 2014, de um livro sobre Indicação Geográfica, com


artigos de especialistas nacionais e internacionais, com financiamento do MAPA. O livro
está disponível para download gratuito em:
http://www.unc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2421.

170
envolvido diretamente no tema Signos Distintivos Territoriais e Indicação
Geográfica. A principal iniciativa, além do aporte de recursos para
investigações, foi a constituição, em 2014, da Câmara Setorial de Certificação
de Qualidade dos Produtos Agropecuários, a qual já está em funcionamento,
contando com a participação colegiada de agentes governamentais e
institucionais, universidades e representantes dos setores produtivos. A
articulação é feita pela Secretaria de Estado da Agricultura e da Pesca.
São iniciativas que deixa, a nós investigadores, otimistas quando aos
avanços futuros.

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172
CAPÍTULO 9

CONTRIBUIÇÃO DO QUEIJO ARTESANAL SERRANO


PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL E
PRESERVAÇÃO DOS CAMPOS DE ALTITUDE DO
SUL DO BRASIL1
Ulisses de Arruda Córdova ‐ EPAGRI‐Lages‐SC
Andréia de Fátima de Meira Batista Ferreira Schlickmann ‐ EPAGRI‐Lages‐SC
Cassiano Eduardo Pinto ‐ EPAGRI‐Lages‐SC

INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultante de vários trabalhos de campo realizados


por técnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Difusão Tecnológica
(Epagri) na Serra Catarinense nos últimos anos. A metodologia inclui
pesquisa de campo com centenas de produtores de queijo artesanal
serrano (QAS), com o objetivo de resgatar a história desse produto
2
centenário, num vasto território de 16.000km , onde é produzido há mais de
dois séculos e onde a pecuária de corte sempre foi uma das principais fontes
de renda. Esses trabalhos de campo tiveram como objetivo buscar
conhecimentos para legalizar a produção e comercialização do QAS,
registrá‐ lo como patrimônio cultural de natureza imaterial e buscar uma
Indicação Geográfica na modalidade de Denominação de Origem (DO)
(CÓRDOVA et al., 2010; CÓRDOVA et al., 2011; CÓRDOVA; SCHLICKMANN,
2012a; CÓRDOVA; SCHLICKMANN, 2012b).
O objetivo deste estudo foi contextualizar o estado da arte do queijo
artesanal serrano, bem como demonstrar a sua importância econômica,
social e cultural para a população que sobrevive da produção e
comercialização desse produto, para a sociedade serrana de modo geral.
Sobretudo, propôs‐se evidenciar o potencial para se tornar um signo
distintivo coletivo e consequentemente, agregar valor ao mesmo,
permitindo que milhares de famílias de pecuaristas familiares permaneçam
no meio rural através de sua produção.
Na Serra Catarinense, as práticas e os saberes relacionados à

1
Os estudos que resultaram no presente artigo estão integrados ao projeto de pesquisa
Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, com financiamento da FAPESC.
Versão deste artigo foi publicada em Desenvolvimento Regional em debate, V. 4, N.
2/2014.

173
produção do queijo artesanal serrano ultrapassam séculos e perpassam
gerações, conferindo a condição de um produto típico da região, apreciado e
valorizado além dos limites da sua área de fabricação. O queijo serrano,
mais que um produto, representa um modo de vida, reconhecido por sua
identidade territorial de relevância histórica, social, cultural e econômica
para milhares de pecuaristas familiares (Figura 1).

Figura 1 – Queijo artesanal serrano, patrimônio dos


povos serranos de SC e RS.

Fonte: Equipe de pesquisa.

Assim, a partir desse contexto, desde 2009, a Epagri em conjunto com a


Associação Rio‐Grandense de Assistência Técnica e Extensão Rural
(Emater), mantém uma equipe de extensionistas e pesquisadores atuando
no Projeto Queijo Artesanal Serrano, que abrange os 18 municípios da Serra
Catarinense e mais 11 municípios nos Campos de Cima da Serra do no Rio
Grande do Sul.
Nesse período, diversas pesquisas de campo, publicação dos livros
“Queijo artesanal serrano: séculos de travessia de mares, serras e vales – A
história nos campos da Serra Catarinense” e “O Queijo artesanal serrano nos
campos do Planalto das Araucárias Catarinense”, além de outros meios de
divulgação (folders, pôsteres técnicos e de divulgação, relatórios e matérias
na imprensa), representaram avanços significativos, que fortaleceram e
tornaram o Projeto reconhecido.
O Projeto Queijo Artesanal Serrano, formado por uma rede de parcerias
com entidades, poder público, sociedade civil, associações e produtores,
promoveu, nesse período, o resgate histórico e cultural desse saber fazer, a
delimitação da região produtora, a descrição do sistema e do processo de
produção, a capacitação de produtores e buscou a caracterização do QAS
através de diversos tipos de análises laboratoriais.
Alicerçado num tripé composto pela valorizaçãodo produto, capacitação
de produtores e legalização do QAS, o Projeto possui como objetivo final a
concessão de uma Indicação Geográfica e o registro do produto no Livro dos

174
Saberes do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan),
como patrimônio cultural de natureza imaterial do Brasil, além da
legalização da produção e comercialização em toda a região produtora.
Esses reconhecimentos contribuirão para que se tenha uma legislação
própria para o QAS, permitindo que as famílias que possuem nessa atividade
uma importante fonte de renda e, mais do que isso, um modo de vida
carregado de simbolismo e identidade cultural, venham a legitimar a sua
comercialização e possam contribuir ainda mais para o desenvolvimento
regional.
No texto a seguir, inicialmente é feito um resgate histórico sobre o
recorte territorial onde se produz o QAS. Em seguida são apresentadas as
principais características da produção do QAS, em relação ao ambiente de
produção, o sistema e o processo de fabricação, além de fazer referência à
sua relação com a identidade de um povo, situando‐o não somente como
produto, mas como patrimônio. Finalizando, são feitas considerações
destacando aspectos econômicos e culturais, apontando a possibilidade do
QAS buscar no futuro seu registro como uma Indicação Geográfica.

HISTÓRIA: DOS TROPEIROS E AÇORIANOS À CONSTRUÇÃO DA CULTURA


SERRANA

O QAS é um produto vinculado aos altiplanos do Sul do Brasil, onde


ocorrem as maiores altitudes não andinas da América Meridional,
especialmente os municípios que compreendem a Serra Catarinense e os
Campos de Cima da Serra no Rio Grande do Sul.
Ressalta‐se que não por acaso a produção do queijo artesanal serrano
abrange as áreas limítrofes dos dois estados, devido às características
assemelhadas de clima, relevo, povoamento e cultura. Região conhecida
como o “Continente das Lajens”, por muito tempo, foi considerada um
prolongamento dos campos sul‐brasileiros e uruguaios, sendo assim,
pertencente ao estado do Rio Grande do Sul, como descreve Pires e Correa
(1991, p. 17).
Por volta de 1767, a Câmara de Viamão, no Rio Grande do Sul (RS), tinha
estabelecido como divisa com São Paulo o Rio Canoas, enquanto os paulistas
consideravam a divisa da capitania de São Paulo com o RS o Rio Pelotas. O
objetivo era demarcar o Rio Pelotas como divisa, para frear as pretensões
dos castelhanos, instalados na região das missões, e já na sua margem
esquerda, pois tinham grande interesse no território por estarem a serviço
da Coroa Espanhola. Isso, aliada à vontade dos próprios pioneiros desses
vastos campos, foi um dos motivos que levaram o Governador da Capitania
de São Paulo a determinar que Antônio Correia Pinto de Macedo tomasse
posse da região e fundasse um povoado, o que se concretizou em 1766.
A história do QAS nas regiões de altitude do Sul do Brasil certamente se

175
iniciou quando os portugueses vieram ocupar essa vasta região, mais
precisamente, de fevereiro de 1728 a outubro de 1730, quando foi aberto o
Caminho dos Conventos, ligando o Cone Sul da América à província de São
Paulo, e, alguns anos mais tarde quando o traçado foi retificado por
Cristóvão Pereira de Abreu, ficando conhecido como Caminho das Tropas
(Figura 2). A partir desse período tem início um dos mais importantes ciclos
da economia brasileira, o tropeirismo e assim, o futuro povoamento das
Lagens passa a ser um dos locais de pouso: “[...] fazia‐se sempre uma parada
prolongada nos campos de Lages” (DEFFONTAINES, citado COSTA, 1982,
p.170).

Figura 2 – Tropeirismo: Caminho das Tropas e transporte de queijo em mulas arrreadas

Fonte: Fotos de 1912, de domínio público

Na mesma época, chegaram ao Planalto Sul Catarinense famílias de


açorianos que vieram ocupar as imensidões de campos naturais, nos quais
se encontravam milhares de bovinos, chamados popularmente de
chimarrões. Com a intensificação do tropeirismo e a chegada dos açorianos
começam a se formar as primeiras propriedades no “Continente das
Lagens”, as quais tinha na pecuária a única fonte de renda.
É bastante provável que nessa época se tenha iniciado a fabricação de
QAS por pessoas que vieram formar a pátria e a querência no amanhecer da
formação do Sul. Especialmente os açorianos já tinham tradição secular na
fabricação de queijos, aperfeiçoada com a ajuda dos flamengos e,
provavelmente, esse saber fazer foi decisivo para o surgimento do QAS, há
mais de dois séculos. Porém, pode‐se presumir que os tropeiros paulistas, de
origem portuguesa, que também se fixaram na região já tivessem
conhecimento do processo de fabricação de queijo, pois muitos eram
oriundos da Serra da Estrela em Portugal, onde há séculos se produz um
queijo de leite de ovelha muito semelhante.
Assim, a origem do QAS é portuguesa, sendo ainda a principal etnia que
o produz. Por aproximadamente dois séculos o QAS foi transportado em
lombo de muares para comercialização (Figura 2), servindo como moeda de

176
troca por mercadorias que não podiam ser produzidas na Serra Catarinense,
como açúcar, farinha, café, sal, entre outros. Esse comércio era intenso com
as regiões litorâneas, transpondo serras, que somente os cascos afiados e
firmes das mulas conseguiam vencer. Segundo Krone (2006), citando
produtores entrevistados “o queijo descia e o mantimento subia” [...]; “eram
duas viagens, para abastecer no inverno e no verão”. Esse registro evidencia
o queijo serrano como moeda básica utilizada na troca de produtos entre a
serra e o litoral catarinense.

AMBIENTE DE PRODUÇÃO: LUGAR PRIVILEGIADO E SINGULAR

A alimentação típica de um povo vai além do objetivo de nutrição e


envolve diversos fatores que a tornam única e demarcam fronteiras de
identidade. O queijo serrano é um produto que, independente de receita,
inclui outros fatores fundamentais para sua produção, como clima,
temperatura, solo, altitude, vegetação, enfim, características que tornam a
região serrana de Santa Catarina (SC) e os Campos de Cima da Serra do Rio
Grande do Sul (RS), ambientes singulares na fabricação do queijo artesanal
serrano.
O clima da Serra Catarinense é classificado como Cfb, segundo Köeppen.
Ou seja, temperado constantemente úmido, sem estação seca definida e com
verão fresco. A temperatura média anual varia de 11,3 a 15,8°C. A
precipitação pluviométrica anual pode variar de 1.360 a 1.650 mm, com o
total de dias de chuva entre 123 e 140, sendo que a umidade relativa do ar
oscila entre 80 a 83%.
Outro fenômeno típico desse ambiente são as geadas, que podem
ocorrer de 20 a 36 vezes por ano e mesmo neves fortes (Figura 3). O número
de horas de frio abaixo ou iguais a 7,2°C varia de 642 a 1.120 horas
acumuladas por ano. A insolação total anual pode variar de 1.824 a 2.083
horas.
Os solos são originários de rochas sedimentares e de efusivas.
Apresentam baixa fertilidade natural, com teores elevados de matéria
orgânica e alumínio, pH e fósforo muito baixos. O teor de potássio varia de
médio a alto. Ocorre afloramento de rochas em grande escala, por essa
razão, aliada a declividade acentuada, estima‐se que somente 30% da
área total apresente possibilidade de mecanização.
A altitude mais comum está em torno de 900 a 1.200m acima do
nível do mar, podendo ultrapassar, 1.800m, com declividade sempre em
direção ao oeste. Referente à vegetação há predominância dos campos
naturais entremeados com a Floresta Ombrófila Mista (Mata de
Araucária). Esses campos são o produto de uma vasta história de
mudanças evolutivas que iniciaram há milhões de anos e são
remanescentes de um clima semiárido, mais antigo do que a selva pluvial.

177
Figura 3 – Geada e neve: fenômenos comuns na Serra Catarinense no inverno

Fonte: Registros feitos por moradores do local

São poucas as regiões do mundo que apresentam uma diversidade de


espécies campestres como as encontradas no subtrópico brasileiro. Essa
riqueza florística traz um fato pouco comum ao registrado no restante do
mundo, que é a associação de espécies C4, de crescimento estival, com
espécies C3, de crescimento hibernal.
Quanto à área geográfica da região produtora de QAS em SC, encontra‐
se nos Campos das Araucárias situados na Serra Catarinense, com uma área
geográfica de 16.000km², abrangendo 18 municípios, que representam 17%
da área total do Estado. A produção de QAS ocorre em toda essa vasta
região, realizada, na sua maioria, por agricultores familiares, estendendo‐se
até o RS.

SISTEMA DE PRODUÇÃO: PARTICULARIDADES QUE TORNAM O QAS UM


PRODUTO ÚNICO

O Sistema de produção do queijo artesanal serrano apresenta


características peculiares quanto a raças, alimentação, ordenha e manejo. Os
dados que serão citados têm como base a pesquisa de campo realizada com
centenas de produtores em todos os municípios da Serra Catarinense.
São utilizadas diversas raças bovinas para produzir o leite usado
na fabricação do QAS, sendo que 75% do rebanho é composto por raças de
corte e seus cruzamentos. 8,5% são raças de corte cruzadas com raças
leiteiras e 16,5% têm aptidão leiteira. Outro ponto característico é a
alimentação do rebanho com base em pastagens naturais, melhoradas e
cultivadas, principalmente de inverno. Em proporção bem menor, a dieta
inclui também silagem de milho e uso de milho em espigas moídas.
Todos os produtores fornecem sal mineral e/ou sal comum e, em poucas
propriedades, se usa ração concentrada. Quanto ao sistema de ordenha,
86,6% dos produtores utiliza a ordenha manual e somente 13,4%, a
ordenha mecânica.

178
Em se tratando do manejo do gado, na maioria das propriedades os
terneiros ficam com as vacas durante o dia e são apartados no fim da tarde.
São criados de duas maneiras: a) nos rebanhos de aptidão leiteira são
separados das vacas e amamentados em baldes ou mamadeiras com o
desmame feito entre 60 e 90 dias, sendo suplementados com ração feita na
propriedade; b) nos rebanhos de corte os terneiros são criados ao pé da
vaca e amamentados por cerca de 7 a 10 meses, sendo depois vendidos para
serem recriados para abate. Nesse caso, a ordenha das vacas não tem como
finalidade única a obtenção da matéria‐prima para a fabricação do queijo
serrano, mas, sim, o manejo do gado (KRONE, 2006).
Quanto ao manejo reprodutivo, 63,1% dos produtores usam monta
natural o ano todo e 36,9% usam inseminação artificial; somente 21%
(principalmente as propriedades maiores) usam a estação de monta
definida para concentrar a parição na primavera‐verão, quando a oferta de
alimentos é maior. Nos pecuaristas familiares o touro permanece o tempo
todo com as matrizes.
Devido à importância da renda para a família, atualmente a maioria dos
pequenos produtores de QAS, 71,3%, produzem durante o ano todo, e
28,7% produzem o queijo somente na primavera‐verão quando há maior
oferta de pastagens naturais e ou naturalizadas.
Os produtores, em sua maioria, utilizam produtos convencionais
(alopáticos) para o controle dos ecto e endoparasitos, mas cerca de 14%
opta pela homeopatia e 14,4 % usam algumas plantas medicinais para
combater essas pragas.
Para 50% dos produtores, o QAS representa a principal fonte de renda.
Estima‐se que na Serra Catarinense existem aproximadamente 2.000
produtores que comercializam o QAS, gerando uma renda bruta estimada
em aproximadamente R$ 21 milhões por ano, possibilitando uma renda
média familiar superior a R$ 10.360,00 por ano, o que representa mais de
um salário mínimo por mês. Referente à comercialização, 53% dos queijos
produzidos são vendidos diretamente para os consumidores, enquanto 47%
para varejistas.

PROCESSO DE FABRICAÇÃO: MAIS QUE UMA RECEITA, A ARTE DE UM SABER


FAZER

De acordo com dados históricos e os relatos obtidos na pesquisa de


campo, o saber envolvido na prática de fazer o QAS é secular, repassado de
geração a geração e sua receita segue praticamente inalterada e influenciada
sempre pelo ambiente, a alimentação do gado e o trabalho artesanal do
manipulador e, por isso, não é um alimento padronizado apesar de poder ser
identificado pelo seu sabor particular.

179
Sendo o queijo serrano um produto artesanal, de pequena escala,
fabricado com o leite cru integral da propriedade, em sua maioria de vacas
de corte, tendo como base de alimentação as pastagens nativas, é um
alimento regional, podendo ser considerado identitário de um determinado
grupo. Conforme Maciel e Menachem (2003, p. 5), citado por Krone (2006):
"São quase desconhecidos pelas demais regiões, muitas vezes pelo simples
fato de que os ingredientes necessários são exclusivos do lugar de origem,
mas também por razões de ordem cultural, que determinam certos hábitos
alimentares".
Uma das poucas alterações no processo de fabricação é a substituição
de coalho animal pelo coalho industrial usado para coagulação da massa,
sendo que outras modificações estão relacionadas com a adequação de
utensílios, como forma e prensa, conforme exigência da legislação.
A primeira prática para fabricar o queijo começa na tarde do dia
anterior, quando as vacas são recolhidas e os terneiros são apartados até a
ordenha do dia seguinte (Figura 4).
Figura 4 – Recolhendo as vacas para fazer QAS no dia seguinte

Fonte: Foto registrada pela equipe de pesquisa.

Quanto ao processamento do leite, as principais etapas que envolvem a


fabricação do QAS, podendo ocorrer pequenas variações de acordo com o
produtor: a) medição do leite e filtragem; b) salga realizada junto com a
filtragem do leite; c) coagulação feita com adição do coalho ao leite, para
formar a coalhada; d) corte da coalhada, divisão da massa em cubos com

180
auxílio de faca ou pá; e) dessorarem, retirada do soro com pressão manual
sobre a massa; f) enformagem, moldagem da massa com auxílio de um
tecido fino; g) prensagem, retirada do excesso de soro, deixando na prensa
por aproximadamente oito horas com três a quatro viragens; h) cura, feita
em temperatura ambiente sobre prateleiras de madeira, fórmica ou sob
refrigeração; i) embalagem, em filme plástico; j) armazenamento em
temperatura ambiente.
O tempo de cura varia em média 15 dias e a venda é realizada pelos
próprios produtores. Apesar das restrições impostas pela legislação vigente,
o QAS ainda é muito procurado e consumido e toda a produção é
comercializada.

GENTE E TERRITÓRIO: MAIS QUE UM PRODUTO, UM PATRIMÔNIO

O Planalto Catarinense foi ocupado por bandeirantes paulistas e


açorianos. Esses pioneiros, por séculos, viveram em permanentes
dessemelhanças e até mesmo contrastes com os habitantes do litoral.

Disto tudo [...] ocupando o planalto, resultou o serrano. Tipo físico definido.
Atividades econômicas semelhantes, em toda a Serra Catarinense. Uma
linguagem própria nas suas corruptelas [...]. Até em seus costumes e sua
cultura, um mundo próprio [...] (MARTORANO, 1982, p. 173).

A identidade serrana está envolvida no processo de trabalho nas


propriedades rurais, que inclui toda a família e influencia a rotina diária dos
envolvidos, com papéis definidos dependendo da idade e sexo. Entretanto,
as pesquisas evidenciaram o papel da mulher no contexto do QAS como a
principal envolvida, especialmente no processamento do leite. Conforme
Menasche e Belem (1996), citado por Krone (2006, p. 34), “[...] de um modo
geral, pode‐se perceber claramente uma divisão sexual do trabalho na
execução e planejamento das atividades que ao longo do ano envolvem a
produção de leite numa unidade familiar”. Mesmo que na maioria dos casos
seja o marido o reconhecido pela comercialização do produto, o
desenvolvimento dessa atividade pelas mulheres representa a importância
do seu trabalho, sua profissão e sua contribuição na geração de renda
familiar.
Portanto, produzir o queijo está intimamente ligado à afirmação da
identidade trabalhadora da mulher. Para Krone e Menasche (2007), mais do
que produtor de alimentos, o pecuarista familiar é um produtor de
significados, pois, além de produzir cultivos, o trabalho produz cultura
(WOORTMANN; WOORTMANN, 1997).
É inegável a necessidade da legalização do Queijo Artesanal Serrano
pela sua importância histórica, social e econômica, mas precisa de um

181
trabalho educativo, que requer tempo, persistência, união e parceria com
produtor, consumidor, comerciantes, instituições de pesquisa e extensão
rural, bem como com os órgãos fiscalizadores. Para isso, é fundamental
trabalhar na lógica territorial, num processo que vincula as pessoas a um
lugar, o seu lugar. E, nessa perspectiva, o queijo artesanal serrano é um
produto típico de terroir, ou seja, suas características particulares são
determinadas por influências do ambiente, mas também do ser humano
(saber fazer tradicional, origem histórica, características típicas). Assim,
passa a exprimir a interação entre o meio natural e os fatores humanos.

Figura 5 – Severina Mota de 84 anos aprendeu a fazer queijo com a avó e repassou a seus
descendentes (esquerda) Filha de produtor de queijo (direita)

Fonte: Foto registrada pela equipe de pesquisa


Assim, o saber fazer, historicamente repassado de geração a geração
(Figura 5), mais que uma receita, é a representação de uma cultura
específica, desenvolvida num contexto peculiar e protagonizada por um
grupo identitário que faz dessa atividade um modo de vida e de
estabelecimento de relações sociais, econômicas e culturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tradição de produção e comercialização do QAS reporta‐se além dos


aspectos econômicos; remete também a um simbolismo e identidade que
por mais de dois séculos vêm perpetuando uma cultura notoriamente
reconhecida, mas que precisa ser valorizada e, principalmente, ter seu
produto regulamentado, sob risco de se perder uma tradição secular.
Apesar de ser um produto secular e quase que totalmente na
informalidade, o queijo artesanal serrano, é a principal fonte formadora da
renda para milhares de pecuaristas familiares. Possui história, notoriedade e
faz parte do cotidiano e da cultura de um povo com etnia definida, a
portuguesa, e está ligado a um ambiente único, os campos de araucária.
Dessa forma, o QAS possui grande potencial para legalização de sua
produção e comercialização, agregando valor à mesma. Mas, sobretudo,

182
pode obter, no médio prazo, o status de signo distintivo coletivo, o que pode
torná‐lo um produto ainda mais reconhecido e com identidade territorial,
pelo registro, como uma Indicação Geográfica, na categoria de Denominação
de Origem, tornando‐se patrimônio cultural de natureza imaterial do Brasil.
Para isso, é necessário aprofundar os estudos e pesquisas, organizar
melhor a cadeia produtiva e buscar a padronização e segurança alimentar
para conquistar mercados mais exigentes. Esses objetivos somente serão
conseguidos com a conjugação de esforços entre produtores e instituições
parceiras pertencentes aos campos da extensão, pesquisa e ensino.

REFERÊNCIAS

CÓRDOVA, U. A. et al. O queijo artesanal serrano nos campos do Planalto das


Araucárias catarinense. Florianópolis, SC: Epagri, 2011.

CÓRDOVA, U. et al. Queijo artesanal serrano: séculos de travessia de mares, serras


e vales: a história nos campos da Serra Catarinense. Florianópolis: Epagri, 2010
(Epagri, Documentos, 234).

COSTA, Licurgo. O continente das Lagens: sua história e influência no sertão da terra
firme. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982.

KRONE, E. E.; MENASCHE, R. Agregados e mulheres, o “queijo de final de semana” e o


valor do trabalho. Raízes, Campina Grande, v. 26, n. 1‐2, p. 113‐119, jan./dez. 2007.

KRONE, E. E.; Práticas e saberes em movimento: a história da produção artesanal do


queijo serrano entre pecuaristas familiares do município de Bom Jesus – RS. 2006. 49 p.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Desenvolvimento Rural e Gestão
Agroindustrial) ‐ Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Encantado, RS, 2006.

MARTORANO, D. Temas catarinenses. Florianópolis. Ed. UFSC/Ed. Lunardelli. 1982.

PIRES, N; CORRÊA, Z. Base histórica de Lages através dos tropeiros. 1 ed. Lages:
Ed. 75, 1991.

WOORTMANN, E.; SCHILICKMANN, A. M. F. B. F. O queijo artesanal serrano nos


Altiplanos do Sul do Brasil. Agropecuária Catarinense, Florianópolis, v. 25, n. 3,
p. 13 ‐17, 2012a.

WOORTMANN, E.; SCHILICKMANN, A. M. F. B. F. Queijo artesanal serrano. Um queijo


com identidade territorial, histórica e cultural nos Altiplanos do Sul do Brasil.
Revista História Catarina, Lages, v. 7, n. 50, p. 25‐37, 2012b.

WOORTMANN, E.; WOORTIMANN, K. O trabalho e a terra: a lógica e a simbólica da


lavoura camponesa. Brasília: EdUnB, 1997.

183
CARTA DE FORTALEZA

Os queijos artesanais brasileiros são valiosas expressões da nossa


cultura e tradição. Suas qualidades estão intimamente ligadas ao ambiente
onde são produzidos, à cultura local e à história das famílias que há séculos
os elaboram.
No Brasil, estimam‐se em 100 mil propriedades que praticam a
agricultura familiar que depende, basicamente, da produção de queijos de
leite cru. Entretanto, a produção desses queijos, associada ao modo de vida e
identidade dos produtores artesanais, encontra‐se ameaçada pela
incompreensão das autoridades públicas em relação à importância dos
queijos artesanais na vida dos brasileiros.
Um produto incorporado há séculos como um componente da
alimentação de produtores e consumidores do Brasil inteiro não pode ser
objeto de ações persecutórias, violando, ainda, as escolhas alimentares
saudáveis de um imenso universo de consumidores.
O 1° Simpósio de Queijos Artesanais do Brasil, realizado em Fortaleza,
teve como objetivo principal chamar a atenção das autoridades do País para
a diversidade de queijos artesanais produzidos em nosso território. Além
disso, teve também o objetivo de mostrar para a sociedade brasileira a
situação de abandono em que estão vivendo os produtores de queijos
artesanais no Brasil, devido à imposição de uma legislação higiênico‐
sanitária inadequada e inatingível, que foi concebida, em 1953, para
produção industrial de queijos.
Assim, vivemos uma situação paradoxal: enquanto muitos países do
mundo vêm resgatando, preservando e protegendo seus patrimônios
culturais e gastronômicos, o Estado brasileiro age no sentido inverso,
criando mecanismos que estão levando muitos alimentos tradicionais ao
desaparecimento, como é o caso dos queijos artesanais.
As leis estaduais e federais excluem a produção artesanal na medida em
que não reconhecem a sua especificidade, submetendo‐a aos mesmos
padrões sanitários e de instalações de grandes empresas, inviabilizando,
assim, a produção artesanal devido aos elevados custos de adaptação,
inacessíveis ao pequeno produtor. Ao mesmo tempo, tal adaptação
compromete a qualidade sensorial do produto e o “saber‐fazer” do pequeno
produtor, consolidado através dos séculos de história.
As normativas direcionadas à produção de queijos no Brasil são ainda
discriminatórias e restringem a liberdade de escolha dos cidadãos que
querem consumi‐los.
Mesmo com as alterações propostas na reformulação do Regulamento

184
de Inspeção Industrial de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), não se
construirá legislação diferenciada que contemple, de forma própria e
adequada, a produção artesanal. Persistiremos no velho erro de tratar
igualmente os desiguais.
Ao invés de criar regulamentos restritivos e punitivos a inspeção oficial
deveria enfrentar o desafio posto pela produção artesanal de queijos e
construir uma proposta própria, ouvindo os atores envolvidos,
especialmente produtores para conhecer os problemas e encontrar soluções
adequadas.
Nesse seminário, em que pudemos contemplar a diversidade de queijos
artesanais do Brasil, nos deparamos com produtores dedicados à
manutenção da tradição. Esses produtores elaboram queijos artesanais pela
convicção de que são produtos diferenciados, valorizados pelos
consumidores e que representam a cultura e o modo de vida de suas regiões.
Em cada peça de queijo artesanal temos a história, cultura, tradição e
expressão do meio onde são produzidas.

185
CAPÍTULO 10

DESAFIOS PARA O ASSOCIATIVISMO


DE BASE TERRITORIAL: O CASO DO PROJETO
TRANÇAS DA TERRA1

Ana Lúcia Behrend Listone ‐ UNOESC


Eliane Salete Filippim ‐ UNOESC

1. INTRODUÇÃO

Por iniciativa de lideranças regionais e do poder público, em 1998, foi


implantado no Meio Oeste Catarinense um Fórum de Desenvolvimento
Regional que buscou firmar parcerias a fim de superar os limites restritos do
município e propor alternativas de desenvolvimento que integrassem o
território regional. O Fórum implantou, no ano de 2002, a sua agência
executiva denominada de Agência de Desenvolvimento do Meio Oeste
Catarinense (ADMOC).
Essa agência, em diagnóstico realizado, detectou como uma das
alternativas para o desenvolvimento regional o incremento do artesanato
em palha de trigo por meio da articulação de uma rede de artesãos que
atuava em tal atividade. Com base nesse diagnóstico, desenvolveu‐se, na
Unoesc (Universidade do Oeste de Santa Catarina), em 2003, um projeto de
iniciação científica pelo então aluno de Ciências Contábeis Maicon Progol,
orientado pela Professora Eliane Salete Filippim, que teve como objetivo
mapear o artesanato de palha de trigo remanescente, bem como cadastrar
os (as) mestre (s) desse ofício e as possibilidades da sua associação para
produzir esse tipo de artesanato. Os resultados da pesquisa serviram de
base para que o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas) organizasse a implantação de um Projeto que foi, depois,
denominado Tranças da Terra.
O processo de constituição da rede de base para efetivar o Projeto
Tranças da Terra teve início em 2005, com a instalação de núcleos. Em
novembro de 2006, foi concluída a constituição de uma associação com a

1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Potencialidades e desafios para o
associativismo de base territorial: o caso do Projeto Tranças da Terra - Edital 07/ Unoesc-R/
2014 (Art. 170). Da mesma forma, esteve integrado aos estudos realizados quando da
execução do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento, com
financiamento da FAPESC. Numa primeira versão foi publicado em Desenvolvimento
Regional em debate, V. 4, N. 2/2014.

187
inauguração do núcleo administrativo, uma central de vendas e uma loja.
Nesse contexto, o estudo buscou descrever a trajetória de constituição
da associação desde 2006, quais os resultados alcançados pelo Projeto e
quais os seus principais desafios para o futuro. Nesse sentido, as perguntas
que nortearam esta pesquisa foram: o projeto Tranças da Terra se constitui
numa alternativa que pode contribuir para o desenvolvimento da região
Meio Oeste de Santa Catarina? Existe possibilidade de buscar a Indicação
Geográfica (IG) para os produtos do Projeto Tranças da Terra?
Visando aprofundar a compreensão sobre as potencialidades e limites
de estratégias de especificação de ativos territoriais como alternativa de
desenvolvimento, buscou‐se estudar um caso específico, o do Projeto
Tranças da Terra. Para tal, foram traçados os seguintes objetivos: o Objetivo
Geral foi descrever o projeto Tranças da Terra observando se ele pode
contribuir para o desenvolvimento da região Meio Oeste de Santa Catarina.
Objetivos específicos: a) Caracterizar a região Meio Oeste Catarinense; b)
Descrever breve histórico do Projeto Tranças da Terra; c) Identificar os
produtos do Projeto Tranças da Terra demonstrando sua tradição
territorial; d) Conhecer a forma de gestão do Projeto Tranças da Terra; e)
Registrar iniciativas que estejam sendo realizadas no sentido da valorização
do produto; f) Caracterizar as potencialidades do Projeto Tranças da Terra
em termos de geração e agregação de renda e como nova atividade
econômica regional. Este estudo contém as seguintes partes: após esta
introdução, apresenta‐se a revisão bibliográfica, seguida da descrição dos
procedimentos metodológicos. Após, apresenta‐se a análise dos dados, a
conclusão e as referências atualizadas.

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Nesta parte, tratou‐se dos temas que dão base ao estudo:


desenvolvimento sustentável, artesanato, território, governança territorial e
Indicação Geográfica.

2.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Um território pode ser desenvolvido desde que adote estratégias


sustentáveis para as atuais e futuras gerações. Nesse sentido, projetos que
contemplem o resgate da cultura regional, os quais gerem renda, formem o
associativismo, preservem o meio ambiente e busquem superar as
disparidades cidade/campo, acabam por atender a critérios de
sustentabilidade (SACHS, 1994).
Para além de simples crescimento econômico, compreende‐se aqui
desenvolvimento sustentável como aquele que é capaz de atender a cinco
dimensões: a) sustentabilidade social: contempla a redução de

188
desigualdades; b) sustentabilidade econômica: busca aumentar a geração de
renda e a riqueza social por meio da endogenização; c) sustentabilidade
ecológica: visa melhorar a qualidade do meio ambiente e a preservação dos
recursos energéticos; d) sustentabilidade espacial: busca superar as
desigualdades regionais e entre cidade/campo; e) sustentabilidade cultural:
incentiva o resgate e o respeito à cultura local (MONTIBELLER, 2002).
No estudo da temática do desenvolvimento, não apenas o espaço local e
regional deve ser considerado, uma vez que há escalas decisórias que fogem
da alçada da região. O processo de globalização em curso tem exigido dos
territórios e das organizações uma constante reformulação de suas
estratégias, a fim de que consigam manterem‐se competitivos.
Um projeto ancorado em desenvolvimento sustentável social,
econômica, ecológica, cultural e geograficamente tem como premissa
considerar que deve gerar renda para seus participantes por meio da
atividade que tenha raízes em um processo de identificação cultural e no
respeito ao meio ambiente. Entende‐se que o artesanato tem esse potencial
de sustentabilidade, uma vez que faz parte da tradição cultural de uma
região. A partir de técnica artesanal há muito utilizada, podem‐se criar
novos produtos e intensificar a agregação de valor.

2.2 O ARTESANATO COMO ELEMENTO AGREGADOR

O artesanato não apenas representa um aspecto da memória cultural de


um povo, mas também se faz instrumento de valorização dos seus elementos
materiais, pois a atividade artesanal é um exercício do poder criativo do
homem, emprestando variedade e beleza às formas representativas da sua
cultura material (PEREIRA, 1979).
Como atividade cultural, o artesanato produzido em grande escala e
com alto potencial competitivo só pode ser feito por meio de parcerias de
vários artesãos constituindo uma rede. Os artesãos dispersos e buscando
colocação individual no mercado não têm conseguido lograr êxito. Alguns
fatores (o investimento em design, por exemplo) não são acessíveis a
pequenos produtores, mas, uma vez associados em rede, o seu potencial de
investimento fica ampliado e as chances de geração de renda se multiplicam.
Chegar a um eficiente estágio de cooperação requer a implantação de um
sistema de parceria regional, ancorado em mecanismos de associativismo.

A maestria no processo artesanal é observada em um grupo de pessoas que


conjugam, no seu fazer, técnica e sensibilidade. Por maestria entende‐se o
domínio de um campo de saberes e práticas relativamente definido enquanto
natureza e estrutura conceitual, ou seja, um campo disciplinado pela própria
estrutura do saber e com ritos de passagem que garantem a sua permanência e
renovação (FISCHER 2007, p. 4).

189
O artesanato insere‐se como um dos campos de representação da
cultura popular, responsável por contribuir com a identidade cultural de um
dado território.

2.3 TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO

O tema território é tratado por diferentes autores ‐ alguns, aqui


referenciados, cada um deles com sua concepção, em geral,
complementando‐se. O território é concebido, principalmente, como: (a)
domínio politicamente estruturado resultante de apropriação simbólica
identitária, inerente a certa classe social (HAESBAERT, 2007); (b) espaço
definido e delimitado por e a partir de relações de poder (RAFFESTIN, 1993;
SOUZA, 1995); (c) espaço apropriado a partir da ideia de poder, de controle,
quer se faça referência ao poder público ou a grandes empresas (ANDRADE,
1995); (d) como um nome político para o espaço de um país (SANTOS e
SILVEIRA, 2001); espaço usado, apropriado (SANTOS, 1997).
Apesar do poder de autonomia atribuído à escala territorial, é
necessário lembrar que os territórios estão inseridos num mundo
globalizado, em que a multiescalaridade dos processos está presente, sendo
que vários autores têm chamado atenção para esse fato (FERNÁNDEZ e
DALLABRIDA, 2008; BRANDÃO, 2007; AMIN, 2008; DALLABRIDA e
FERNÁNDEZ, 2008).
Corroborando, Saquet (2007) afirma ser o território a condição de
processos de desenvolvimento, reforçando a necessidade de se buscar
compreender as relações entre os atores e o lugar. Conforme o autor,
referimo‐nos a lugar não apenas como área geográfica, mas como um
contexto representado pelo território e pelas territorialidades.
Alguns autores enfatizam a noção de território para o desenvolvimento
local, na medida em que essa noção integra os diferentes atores, práticas
culturais, valores, características econômicas e sociais particulares de uma
dada região. Segundo Dallabrida (2006, p. 161), a concepção de território
envolve não a propriedade da terra, mas a apropriação do espaço, “[...] com
seus atributos naturais e socialmente construídos, o qual é apropriado,
ocupado, por um grupo social”.
No contexto da globalização o território torna‐se o espaço onde se
definem os embates entre os diferentes atores sociais e econômicos. Isso
ocorre porque a eficácia das ações econômicas está ligada ao espaço onde
essas são concretizadas: “[...] os atores mais poderosos se reservam os
melhores pedaços do território e deixam o resto para os outros” (SANTOS,
2000, p. 79).
Pode‐se dizer, então, que território é um espaço fragmentado, posto que
os diferentes atores (ou empresas hegemônicas) que nele atuam (e

190
conflitam) buscam atender objetivos individuais, muitas vezes
impossibilitando a regulação dessa ação pelos poderes públicos.Tal
fragmentação pode levar à deterioração da solidariedade e da cooperação
características de grupos sociais que compartilham as mesmas vivências e
tradições.
Em relação à Identidade Territorial, Castells (1999, p. 23) afirma que:

Existe um consenso de que toda identidade é uma construção social. Assim, a


construção de identidades vale‐se da matéria‐prima fornecida pela história,
geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória
coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos e pelo poder e revelações de
cunho religioso. Ao longo do tempo os grupos sociais e sociedades
reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos
culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de
tempo/espaço.

Os autores Benko e Pecquer (2001) afirmam que a noção de território


está de volta nas análises econômicas. Os territórios oferecem recursos
específicos, intransferíveis e incomparáveis no mercado, gerando uma
vantagem comparativa. A questão é saber como os territórios capitalizam ou
não isso a seu favor. Já Pecqueur (2009) propõe que estratégias para
desenvolvimento de sistemas produtivos que se originem a partir da
perspectiva territorial deveriam estar focadas no que chama de modelo de
qualidade, avançando da vantagem comparativa para a vantagem
diferenciadora.
Ao conceito de território liga‐se, também, a noção de região. De acordo
com Corrêa (1986), o termo região deriva do latim regio, cuja raiz regi se liga
à regência, regra, regente e se refere a uma unidade político‐territorial em
que se dividia o Império Romano, o que atribui à conceituação uma
conotação política, como área de extensão do poder centralizado em Roma,
de limites, de domínio.
Embora seja difícil estabelecer com precisão o significado da palavra
região, qualquer definição estará intimamente relacionada com as formas de
produção, desenvolvidas por grupos sociais em determinados territórios e
em um dado momento histórico. Para Gomes (1995), os diferentes usos do
conceito de região e suas diferentes operacionalidades variam no tempo e
no espaço, explicando também contextos políticos, econômicos,
institucionais e culturais.
As discussões acerca do conceito de território ganham importância com
a crescente necessidade de mudança nos sistemas de governo, incapazes de
suprir sozinhos as necessidades da maioria da população. Dessa forma, um
aspecto necessário de ser analisado em relação ao debate em torno do
território é a questão da governança territorial.

191
2.3.1 GOVERNANÇA DE BASE TERRITORIAL

Ferrão (2010, p. 30) afirma que a emergência do tema na atualidade:

Resulta de debates que têm como pano de fundo a necessidade de transcender


as limitações das concepções modernas até então prevalecentes sobre o
Estado, intencionando o aprofundamento da democracia e a melhoria da
eficiência da ação pública, representando a transição de um Estado
diretamente interventor e executor, uma visão de comando e controle, para
outra concepção do papel do Estado centrada em intervenções de natureza,
sobretudo reguladora e estratégica.

Complementando a argumentação sobre o tema, Dasí (2008) destaca


que a governança territorial pode ser encarada como aplicação dos
princípios de boa governança às políticas territoriais e urbanas, ou como um
processo de planejamento e gestão de dinâmicas territoriais numa óptica
inovadora, partilhada e colaborativa.
A análise dos diferentes processos de governança territorial e
desenvolvimento contribuem para firmar a convicção de que governa e
decide quem tem poder. A governança, assim, sinteticamente, refere‐se ao
ato de atribuir poder à sociedade, para governar, ou, de conquista de poder
pela sociedade, para governar. Portanto, o exercício da governança é
realizado por meio de relações de poder (DALLABRIDA, 2003; 2007). Ainda
de acordo com o autor, o termo governança territorial ao referir‐se às
iniciativas ou ações que expressam a capacidade de uma sociedade
organizada territorialmente para gerir os assuntos públicos, a partir do
envolvimento conjunto e cooperativo dos atores sociais, econômicos e
institucionais.
Brandão (2011) ressalta que é imprescindível buscar construir
estratégias multiescalares e governança multinível. Tais estratégias,
segundo o autor, precisam contemplar uma abordagem das diversas escalas
espaciais que se articulam no território em que se quer promover
determinado processo de desenvolvimento.
Em síntese, conforme Dallabrida (2011), a governança territorial pode
ser percebida como uma instância institucional de exercício de poder de
forma simétrica no nível territorial. A sua prática pode incidir sobre três
tipos de processos: (1) a definição de uma estratégia de desenvolvimento
territorial e a implementação das condições necessárias para sua gestão; (2)
a construção de consensos mínimos, através da instauração de diferentes
formas de concertação social como exercício da ação coletiva; e, por fim, (3)
a construção de uma visão prospectiva de futuro. Uma prática qualificada de
governança territorial é um requisito indispensável para o desenvolvimento.
A gestão do desenvolvimento, realizada na perspectiva da concertação
público‐privada, implica numa revalorização da sociedade, assumindo uma

192
postura propositiva, sem, no entanto, diminuir o papel das estruturas
estatais nas suas diferentes instâncias.
Uma das principais estratégias que articula os potenciais de
desenvolvimento territorial à Noção de identidade territorial é a Indicação
Geográfica.

2.4 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

No Brasil, de forma jurídica, as Indicações Geográficas são consideradas


marcas territoriais que reconhecem os direitos coletivos referentes aos
sinais distintivos de um território (ANJOS, 2012; GURGEL, 2006). Assim,
tornam‐se ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais
vinculados a determinados territórios, atendendo a duas funções: agregar
valor ao produto e proteger a região produtora.
A Indicação Geográfica se caracteriza como um ativo intangível da
propriedade intelectual que representa um atributo, uma qualidade
atribuída ao meio ou a fatores humanos ou a uma reputação que distingue
produtos ou serviços relacionados a uma determinada origem geográfica
(FERREIRA et al., 2013).
Para os autores Pecquer (2009) e Dallabrida (2012), a Indicação
Geográfica possibilita a construção de uma conformação socioeconômica
que destaca a importância dos produtos (ou serviços) com identidade
territorial para o desenvolvimento. Trata‐se de ultrapassar a dimensão de
vantagem comparativa para uma vantagem diferenciadora, resultante de
processos originais de emergência de recursos e ativos com ancoragem
territorial.
A literatura contemporânea que trata do tema, em geral, reconhece que
uma das principais estratégias que articula os potenciais de
desenvolvimento à noção de território e identidade territorial é a Indicação
Geográfica. Trata‐se de uma das principais alternativas para conferir aos
serviços e produtos de base territorial maior competitividade e, até mesmo,
a possibilidade de inserção diante de um mercado local ou mundial,
produzindo uma conjuntura favorável ao desenvolvimento (local, regional,
territorial). Das experiências brasileiras de Indicação Geográfica, apenas
uma delas situa‐se no estado de Santa Carina (SC). Trata‐se da experiência
de Urussanga e municípios próximos, no Sul catarinense, registrada como
Vales da Uva Goethe, dedicada à produção de vinho da uva Goethe,
articulada pela Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe da
Região de Urussanga (PROGOETHE).
Complementarmente, Pecqueur (2001; 2006) propõe um modelo que
chama de cesta de bens e serviços ancorados territorialmente, associando
bens e serviços com Denominação de Origem Protegida com outros, que

193
tenham qualidade e se identifiquem com o território de origem. De forma
semelhante, Acampora e Fonte (2008) reforçam a necessidade de políticas
públicas com a finalidade de reconhecer e proteger as especificidades
territoriais e culturais, pela valorização da identidade territorial por meio de
uma cesta de bens. Já Albagli (2004) propõe diferentes estratégias no
sentido do fortalecimento e capitalização de territorialidades em favor do
desenvolvimento (local, regional, territorial).
De forma semelhante, Acampora e Fonte (2008) reforçam a necessidade
de políticas públicas com a finalidade de reconhecer e proteger as
especificidades territoriais e culturais, pela valorização da identidade
territorial por meio de uma cesta de bens. Já Albagli (2004) propõe
diferentes estratégias no sentido do fortalecimento e capitalização de
territorialidades em favor do desenvolvimento (local, regional, territorial).
Outra questão que tem referência com o tema da identidade territorial e
sua relação com o desenvolvimento é a questão dos recursos e ativos
territoriais. Para Pecqueur (2005), o desafio das estratégias de
desenvolvimento constitui‐se em se apropriar dos recursos específicos e
buscar o que possa se estabelecer como potencial identificável de um
território. Para tal, deve ocorrer um processo de especificação ou ativação
de recursos, ou seja, transformar recursos em ativos específicos. O autor faz
uma diferenciação entre ativos e recursos genéricos, de ativos e recursos
específicos. Os ativos e recursos genéricos são totalmente transferíveis e seu
valor é um valor de troca, estipulado no mercado via o sistema de preços.
Esses ativos e recursos não permitem que um território se diferencie de
forma consistente de outros, uma vez que eles são transferíveis, ou seja, são
transacionados no mercado. Já os ativos específicos, por sua vez,
possibilitam um uso particular e seu valor constitui‐se em função das
condições de seu uso. Além disso, eles apresentam um custo de
transferência que pode ser alto e irrecuperável. Assim, os recursos
específicos merecem maior atenção. Eles possibilitam a construção de uma
argumentação que destaca a importância dos produtos com identidade
territorial para o desenvolvimento. Ressalta ainda o autor que os recursos
específicos, ao contrário dos recursos genéricos, não são mensuráveis, ou
seja, não são expressos em preços e não podem ser transferidos, como
qualquer produto transacionado no mercado. São elaborados num espaço de
proximidade geográfica e institucional, a partir de uma troca não mercantil:
a reciprocidade.
Benko e Pecqueur (2001, p. 31), ao lembrarem que apesar da
mundialização, a metropolização, a formação das áreas de livre comércio, a
articulação entre o global e o local estarem no centro das preocupações da
economia espacial, a mundialização não significa homogeneização dos
espaços.

194
Para Saquet (2003), a territorialidade corresponde às relações sociais e
às atividades diárias que os homens têm com seu entorno. É o resultado do
processo de produção de cada território, sendo fundamental para a
construção da identidade e para a reorganização da vida quotidiana. Assim
sendo, a identidade é construída pelas múltiplas relações‐territorialidades
que se estabelecem todos os dias e isso envolve, necessariamente, as obras
materiais e imateriais produzidas, como os templos, as canções, as crenças,
os rituais, os valores, as casas, as ruas, além de outros aspectos.
Outro autor brasileiro, Souza (2005), salienta que o território é um
espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. Para o
autor, a autonomia é a base do desenvolvimento, este encarado como
processo de auto‐instituição da sociedade rumo à uma maior liberdade e
menor desigualdade. Assim sendo, uma sociedade autônoma é aquela que
logra defender e gerir livremente seu território. Trata‐se de uma sociedade
com poder, onde o Estado não pode ser concebido enquanto instância de
poder centralizadora e separada da sociedade. A concepção de território
autônomo implica num ambiente onde as pessoas têm a liberdade de
manifestar suas escolhas e potencialidades, gerando um espaço socialmente
equitativo e democrático.
O conjunto dos ativos e recursos genéricos e específicos, materiais e
imateriais, constituem o que podemos chamar de capital territorial, definido
em documento da LEADER (2009, p. 19) como o conjunto dos elementos de
que dispõe o território ao nível material e imaterial e que podem construir
vantagem ou desvantagens, dependendo de sua qualificação. O capital
territorial remete para aquilo que constitui a riqueza do território
(atividades, paisagens, patrimônio, saber‐fazer, etc.), na perspectiva, não de
um inventário contabilístico, mas da procura das especificidades podendo
ser valorizadas.
Ao final desta revisão bibliográfica, sistematizam‐se no quadro 1 alguns
tópicos norteadores do estudo.
Quadro 1 ‐ Tópicos norteadores do estudo

Tópico Características Principais autores


Desenvolvimento regional ‐Adoção de estratégias sustentáveis, Sachs, 1994.
‐resgate da cultura regional, Montibeller, 2002.
‐geração de renda, Friedmann, 1992.
‐formação do associativismo,
‐preservação do meio ambiente,
‐busca por superar as disparidades
cidade/ campo.
Artesanato ‐Um aspecto da memória cultural de Pereira, 1979.
um povo, Fischer, 2007.
‐instrumento de valorização dos
seus elementos materiais,
‐exercício do poder criativo do

195
homem,
‐representação da cultura popular,
‐responsável por contribuir com a
identidade cultural de um dado
território.
Território ‐Domínio politicamente estruturado Haesbaert, 2007.
resultante de apropriação simbólica Raffestin, 1993.
identitária, inerente a certa classe Souza, 1995.
social, Andrade, 1995.
‐espaço definido e delimitado por e Santos e Silveira, 2001.
a partir de relações de poder, Santos, 1997.
‐espaço apropriado a partir da ideia Fernández e Dallabrida, 2008.
de poder, de controle, quer se faça Brandão, 2007.
referência ao poder público ou a Amin, 2008.
grandes empresas, Dallabrida, 2006; 2007;
‐nome político para o espaço de um 2010b.
país, Saquet 2007.
‐espaço usado, apropriado, Coro 1999.
‐governança territorial. Cassiolato e Lastres, 2003.
Castells, 1999.
Benko e Pecquer, 2001.
Pecqueur, 2001; 2006; 2009.
Corrêa, 1986.
Gomes, 1995.
Indicação Geográfica ‐Marcas territoriais que reconhecem Anjos, 2012.
os direitos coletivos referentes aos Gurgel, 2006.
sinais distintivos de um território, Leader, 2009.
‐ferramentas coletivas de Souza, 2005.
valorização de produtos tradicionais Saquet, 2003.
vinculados a determinados Benko e Pecquer, 2001.
territórios, Albagli, 2004.
‐ativo intangível da propriedade Pecqueur, 2005.
intelectual que representa um Acampora e Fonte (2008)
atributo, uma qualidade atribuída Dallabrida, 2012.
ao meio, ou a fatores humanos ou Ferreira et al, 2013.
uma reputação que distingue
produtos ou serviços relacionados a
uma determinada origem
geográfica,
‐com função de agregar valor ao
produto e proteger a região
produtora.

Fonte: elaborado pelas autoras com base na revisão bibliográfica.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Quanto aos procedimentos metodológicos, esta pesquisa define‐se como


qualitativa, uma vez que, além de dados objetivos, buscou analisar também
aqueles de difícil mensuração e apresentação numérica. Foram adotadas
múltiplas fontes de evidências para a coleta de dados: a entrevista, o relato
histórico e a observação direta, conforme recomenda Godoy (1995).
O método utilizado foi o estudo de caso, que, de acordo com Yin (2001,
p. 32), é uma “[...] investigação empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando

196
os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”.
A análise do caso teve duas frentes de investigação: a bibliográfica e a
pesquisa de campo. A pesquisa bibliográfica consultou a literatura sobre os
temas: desenvolvimento sustentável, artesanato, território, governança
territorial e indicação geográfica.
Para a coleta de dados foi realizada a busca, leitura e análise de textos,
reportagens, atas e demais documentos referentes ao Projeto Tranças da
Terra no período de sua existência (2006 a 2014). Também foram realizadas
02 entrevistas abertas com: 01 representante da associação Tranças da
Terra (Artesã) e 01 gestor do Sebrae (gestor), entidade que dá suporte para
o Tranças da Terra. As 02 entrevistas foram feitas no mesmo dia, horário e
local (dia 01/07/2014, às 13h30min, na loja do Tranças da Terra em
Joaçaba) e tiveram a duração de 48 minutos. Versaram sobre
desenvolvimento regional, artesanato, território, Indicação Geográfica e,
sobretudo, sobre o Projeto Tranças da Terra. Com o consentimento das
entrevistadas, as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas e
analisadas.
Realizou‐se também a observação das atividades do Projeto Tranças da
terra, por meio da visita a núcleo produtor de artesanato e à loja na qual são
vendidos os produtos.
Os dados coletados nas diferentes frentes foram analisados por meio de
recursos interpretativos, cotejando‐os com a revisão bibliográfica realizada.
A base para a análise foram os tópicos descritos no quadro 01. Buscou‐se, ao
analisar os dados coletados agrupados e classificados nestes tópicos, em sua
relação com a revisão bibliográfica realizada, responder aos objetivos de
pesquisa.

4. ANÁLISE

Nesta parte, foram abordados dados da região em estudo, a Meio Oeste


Catarinense, bem como a trajetória e características atuais do projeto
Tranças da Terra, suas formas de governança, iniciativas de valorização dos
produtos, potencialidades do projeto e sugestões e oportunidades de
melhorias.

4.1 A REGIÃO MEIO OESTE CATARINENSE LÓCUS DO PROJETO TRANÇAS DA


TERRA

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014), a


Macrorregião Meio Oeste Catarinense, na qual se situa o Projeto Tranças da
Terra, possuía, em 2010, uma população de 349.143 habitantes e uma
densidade populacional de 34,1 hab./km². O município de Joaçaba é
considerado o município sede da Macrorregião Meio Oeste e a cidade de

197
Caçador a mais populosa, com 70.762 habitantes.
O povoamento da região teve como aspecto marcante a construção da
estrada de ferro que liga o Rio Grande do Sul a São Paulo e a chegada dos
imigrantes gaúchos de origem italiana. A colonização da região foi também
influenciada por alemães, caboclos, austríacos e paranaenses.
Conforme dados do IBGE, relativos a 2009, a movimentação econômica
dos 32 municípios da Macrorregião, segundo a composição do PIB, foi de
aproximadamente R$ 7,4 bilhões, o equivalente a 5,7% do PIB estadual e
alcançando o 7º maior no comparativo entre as nove macrorregiões.
A região ocupa uma posição de destaque no setor primário catarinense,
como maior produtora estadual de milho, soja e trigo. Também possui uma
atividade agropecuária bastante expressiva, respondendo, em 2010, por
19% do rebanho catarinense de suínos e por 22% do de frangos. Na
agricultura, destaca‐se a fruticultura e horticultura (uva, pêssego, maçã e
tomate), o cultivo de milho e a produção florestal.
O setor industrial estabelece uma forte sinergia com a atividade
agropecuária da região, cabendo assinalar a representatividade do número
de empresas e empregos dos segmentos de fabricação de alimentos e
bebidas, do setor madeireiro e o de produção de papel e embalagens de
papel. O segmento da Indústria de transformação, em 2011, foi responsável
por 35.531 empregos formais, o equivalente a 32% dos postos de trabalho
da Macrorregião Meio Oeste.
O quadro 2 apresenta, de maneira sucinta, alguns dados gerais e
históricos da região em estudo.
Quadro 2 ‐ Aspectos gerais e históricos na Macrorregião Meio Oeste

Aspectos gerais e históricos


Coordenadoria Regional do SEBRAE/SC Macrorregião Meio Oeste
Município sede da Coordenadoria Joaçaba
Área territorial (km²) 10.236,8
População Total 2010 349.143
Densidade demográfica 2010 34,11
(hab/km²)
Altitude (metros) Altitude média de 957 metros acima do nível do mar,
sendo a mínima de 409 metros em Ipira e máxima de 870
em Palma Sola.
Clima Predomínio do clima Mesotérmico úmido, com
temperatura média 16°C.
Colonização Predomina na região a colonização de origem italiana e
alemã. Ainda que em menor número, assinala‐se a
colonização cabocla.
Número de Eleitores 265.269
Número de Municípios 32
Municípios Água Doce Herval d'Oeste
Lebon Régis Rio das Antas
Arroio Trinta Ibiam

198
Luzerna Salto Veloso
Caçador Ibicaré
Macieira Tangará
Calmon Iomerê
Matos Costa Timbó Grande
Capinzal Ipira
Ouro Treze Tílias
Catanduvas Jaborá
Peritiba Vargem Bonita
Erval Velho Joaçaba
Pinheiro Preto Videira
Fraiburgo Lacerdópolis
Piratuba

Fonte: Adaptado de IBGE (2012)

Desses municípios, os que participam diretamente do Projeto Tranças


da Terra são: Catanduvas, Água Doce; Capinzal, Joaçaba, Luzerna e Ouro.
A população da Macrorregião Meio Oeste apresentou, no ano de 2010,
crescimento de 7% desde o Censo Demográfico realizado em 2000. Os
homens representavam 49,76% da população e as mulheres, 50,24%.
A estrutura etária de uma população, habitualmente, é dividida em três
faixas: os jovens, que compreendem do nascimento até 19 anos, os adultos,
dos 20 anos até 59 anos, e os idosos, dos 60 anos em diante. Segundo essa
organização, na Macrorregião Meio Oeste, em 2010, os jovens
representavam 32,4% da população, os adultos, 56,5% e os idosos, 11,1%.
No decorrer dos 10 anos entre os censos do IBGE de 2000 e 2010, ocorreu
uma evolução positiva de 5,3% no percentual da população
economicamente ativa, passando de 49,8% no ano 2000, para 55,1% em
2010.
Visando melhor conhecer as potencialidades do Projeto Tranças da
Terra, presente nessa região, aplicou‐se um Inventário do Capital Territorial
do Território2. De acordo com o Capital Natural, Patrimônio Natural e Meio
Ambiente, o trigo é o produto vegetal de base para o Projeto Tranças da
Terra, sendo necessário caracterizar a sua tipificação e quais as formas de
uso.

4.2 TRAJETÓRIA E CAPITAL SOCIAL DO PROJETO TRANÇAS DA TERRA

De acordo com informações coletadas junto aos gestores do Projeto


Tranças da Terra, a região do Meio Oeste Catarinense foi considerada a
Capital Nacional do Trigo na década de 1950. A região montanhosa com
baixas temperaturas era ideal para o plantio desse cereal, cujo plantio foi

2
Tomou-se como base o Inventário do Capital Territorial do Território elaborado para Projeto
de Pesquisa, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa
Catarina (FAPESC), que deu origem ao projeto de Iniciação científica, cujos resultados aqui
são relatados.

199
introduzido por imigrantes italianos e alemães. O artesanato feito em palha
de trigo era uma tradição, responsável pela produção de chapéus e sportas
(palavra de origem italiana que significa sacolas), usados principalmente nas
lidas da lavoura e nas idas à cidade para compras. Com a mudança da
fronteira agrícola para o estado do Paraná e a mecanização da agricultura,
ocorridas a partir dos anos 1970, a cultura do trigo foi praticamente
descontinuada no Meio Oeste Catarinense. Dessa forma, o artesanato em
palha de trigo se restringiu a poucas comunidades de agricultores que
prosseguiram cultivando o cereal nos moldes tradicionais, sem uso de
máquinas.
Visando resgatar o artesanato tradicional em palha de trigo, em 9 de
agosto de 2005 o ProjetoTranças da terra foi lançado, com a adesão de seis
municípios: Água Doce, Capinzal, Catanduvas, Joaçaba, Luzerna e Ouro.
Aderiu, ainda, ao projeto a Secretaria de Estado do Desenvolvimento
Regional (SDR) de Joaçaba. Também na ocasião, apoiaram o projeto
empresas do setor privado, especialmente uma tradicional do ramo de
moagem de trigo e farinhas; empresa de comunicações (grande rede do Sul
do Brasil) e empresas de contabilidade. No início de 2006, o projeto ganhou
mais força com a adesão de outras empresas privadas e de uma empresa
pública que presta assessoria a pequenos agricultores em SC.
O processo de constituição da rede de base para efetivar o Projeto
Tranças da Terra teve início com a instalação de alguns núcleos: a) 01
núcleo produtor da matéria‐prima, com produtores rurais de Catanduvas e
de Água Doce; b) 06 núcleos de produtores de artesanato, com sede nos
municípios de Água Doce, Capinzal, Catanduvas, Joaçaba, Luzerna e Ouro, e
c) 01 núcleo de armazenagem da matéria‐prima, no município de Luzerna.
Implantados os núcleos, em novembro de 2006, foi concluída a constituição
da associação com a inauguração do núcleo administrativo, da central de
vendas e de uma loja para comercialização dos produtos.
Desde a implantação do Projeto, em 2006, até 2014, várias atividades
foram realizadas, tais como: articulação de parceiros, mobilização e adesão
de artesãos, criação da marca Tranças da Terra, prospecção de mercado,
realização de oficinas técnicas e capacitação nas áreas de gestão e
associativismo, pesquisas e desenvolvimento de novos produtos,
formalização da Associação de Artesanato Tranças da Terra, apresentação
dos produtos à comunidade local e regional, elaboração do plano estratégico
de marketing da Associação de artesanato Tranças da Terra, implantação da
Loja Tranças da Terra, capacitação e consultoria empresarial, consultoria
tecnológica e acesso ao mercado. Com essas etapas, o projeto prevê
aumentar o volume de produção, o número de clientes ativos e atingir um
faturamento base por mês, buscar outros pontos e canais de venda dos
produtos e implantar o comércio eletrônico. (TRANÇAS DA TERRA, 2014).

200
De acordo com Tranças da Terra (2014), o projeto Tranças da Terra
possui alguns destaques e reconhecimento externo importante, tais como os
apresentados no quadro 3.
Quadro 3 ‐ Destaques e reconhecimentos do Tranças da Terra

Seleção Rede Globo São Paulo‐ em 2012, a emissora selecionou o Tranças da Terra para
gravação do Programa Ação Comunitária, transmissão sábado, às 7h30 da manhã;
Prêmio House e Gift de design, considerado o "Oscar" do design brasileiro ‐ em 2011 foi
premiado com a Luminária Flores;
Prêmio Planeta Casa ‐ em 2011, ficou entre os dez finalistas na categoria ação social
(concorreu com mais de 400 inscritos, segundo informação da organização planeta casa);
Programa Caixa de Apoio ao Artesanato Brasileiro ‐ em 2009, selecionado através da
Caixa Econômica Federal (CEF) para o programa;
Prêmio Planeta Casa – em 2008, na categoria Ação Social – uma ação pioneira da revista
Casa Claudia;
Prêmio FINEP ‐ em 2008 foi a terceira colocada região Sul na categoria Tecnologia Social;
Prêmio SEBRAE TOP 100 de Artesanato ‐ em 2008, entre as três unidades selecionadas,
ficando em primeiro lugar no Estado obtendo a melhor pontuação;
Prêmio SEBRAE TOP 100 de Artesanato ‐ em 2006, ficou entre as cinco unidades
selecionadas em Santa Catarina;
Prêmio House e Gift de design ‐ em 2006, premiado com a Cesta Flores na categoria
Artesanato Regional;
Prêmio FINEP na categoria Inovação Social ‐ em 2006, 2º Lugar.

Fonte: As autoras com base em Tranças da Terra (2014).

A partir de informações coletadas nas entrevistas, as maiores


dificuldades encontradas no início do Projeto foram de tornar o produto
conhecido, interessante, útil, e de colocá‐lo no mercado. Nem todos os
artesãos que iniciaram no projeto conseguiram adquirir a habilidade em
trançar em palha de trigo. Esse foi um dos fatores que levou alguns artesãos
a desistir de participar do Projeto.
Quanto ao capital social, o Projeto Tranças da Terra, contou, na sua
origem, com 118 adesões de pessoas com habilidades manuais, critério
básico para aderir ao projeto. Aderiram ao projeto para a produção da
matéria‐prima (o trigo “peladinho”) 16 produtores rurais. Hoje, o Projeto
conta com 22 artesãs (somente do sexo feminino) associadas e 03
agricultores na produção de matéria‐prima.
Segundo as entrevistas, essa redução significativa no número de
artesãos é vista com muita preocupação pelas entrevistadas, porque, na
visão delas, o artesanato tem sido entendido pelas artesãs membro, apenas
como uma atividade para passar o tempo e não como uma atividade

201
econômica rentável. Pelo contrário, os atuais participantes do Projeto o
consideram pouco rentável, o que não atrai novos interessados e gera o
desânimo das atuais artesãs. Dessa forma, não ocorrem atualmente
capacitações, como ocorreram no início do projeto, porque não se tem
público para tal atividade. Ainda, de acordo com as entrevistas (2014):

Quem está no projeto desde o início, acompanhou todo este processo, acabou
se apaixonando pela causa, e a questão nem é tanto o retorno financeiro, até
porque como são várias, tem um pouco para cada uma então se teria que
vender muito para ter um retorno financeiro bom. Quem tá fora quer saber o
quanto vai ganhar se entrar no projeto, se for artesã do Tranças, e aí se falar a
pessoa não vai querer, então tem que se apaixonar mesmo pela causa, ver além
do financeiro [...]. Este envolvimento com a parte da gestão, por exemplo, traz a
pessoa para um convívio social. (Artesã 1)

Quanto à gestão da Associação, o Projeto Tranças da Terra é


administrado por uma diretoria formalizada, com presidência, gerência,
secretária, tesoureira e mais algumas líderes artesãs que não fazem parte da
diretoria, mas que contribuem com a gestão. São feitas reuniões mensais,
mesmo que não haja pauta prévia. As artesãs consideram esses encontros
fundamentais, por permitem que vários assuntos sejam discutidos e que as
profissionais mantenham o contato com a equipe dirigente.
A produção é feita nos núcleos produtivos e as artesãs ganham por
produção, conforme relatado nas entrevistas:

Elas ganham por produção, é feito sempre levantamento do que cada núcleo
tem e se percebe, por exemplo, Lacerdópolis: eles desenvolveram uma
habilidade maior em fazer peças pequenas, produzem bastante. Em
Catanduvas já fazem mais peças maiores. Então quando você produz 100 peças
pequenas equivale a duas ou três peças grandes, então tem que ser por
produção, porque depende muito da quantidade de matéria‐prima que de
utiliza na peça e do tempo pra produzir, é assim que a gente faz o cálculo do
valor da mão de obra, então é por produção que a gente paga. (Artesã 2)

Outra dificuldade que existe desde o início do Projeto e que persiste até
hoje é com relação à matéria‐prima, porque ela depende do clima. Apesar de
a região ter clima apropriado para a produção do trigo, se faltar chuva, a
matéria‐prima estraga e se chover demais também há perda. Esse é um fator
que pode fazer com que, em determinados anos, a produção de trigo seja
maior ou menor, causando efeito sobre a produção de artesanato em palha
de trigo.

4.3 CAPITAL NATURAL, HUMANO E INTELECTUAL PRESENTES NO TRANÇAS DA


TERRA

O principal capital natural do Projeto Tranças da Terra é o trigo,


matéria prima para todo o processo e para a confecção dos produtos. O

202
Projeto possui um estoque considerável de matéria‐prima, porque compra
toda a produção do agricultor que faz parte da associação para não perder a
adesão do produtor e nem a semente. Os agricultores que plantam a
variedade de trigo específica para o artesanato são orientados por técnicos
da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
(Epagri), desde como se faz o plantio e o manejo até como faz a colheita.
Inclusive, antes da escolha da variedade, a Epagri cooperou com o Projeto
Tranças e estudou qual a melhor semente para dar a melhor haste para o
artesanato, chegando‐se à variedade conhecida na região como Peladinho,
cujo nome científico é triticum. Na colheita, o agricultor não pode usar
máquina para cortar a palha porque a estraga, precisando fazer a colheita
manualmente. Essa variedade é tradicional na região Meio Oeste, porém seu
cultivo praticamente desapareceu quando do processo denominado de
modernização agrícola, ocorrido nos anos 1960, quando se introduziu a
mecanização consorciada com o uso intensivo de agrotóxicos,
eufemisticamente chamados de defensivos agrícolas.
A variedade de haste de trigo utilizada no Projeto Tranças da Terra
atende as dimensões de sustentabilidade ambiental, pois é produzida sem
qualquer uso de agrotóxico e sem causar danos ao meio ambiente. Também
atende à dimensão cultural, visto que se trata de um cultivo tradicional que
requer um saber específico, desde o plantio até a colheita e armazenamento.
Na produção das peças artesanais, geralmente não se aplica qualquer
corante sobre a palha de trigo, porém, quando isso é demandado, são usados
corantes naturais, como, por exemplo, corantes a partir de cipó‐índio e casca
de pinheiro araucária.
O saber dos artesãos sobre o processo de produção do trigo peladinho
somou‐se ao saber da Epagri, que, além de resgatar a semente tradicional,
também orienta os produtores no uso das técnicas tradicionais e do Curso
de Ciências Biológicas da Unoesc ‐ que cooperou com o Projeto
compartilhando o seu conhecimento sobre formas de secagem e
armazenamento do trigo.
No início do Projeto Tranças da Terra havia muitos agricultores que
faziam este plantio do trigo específico para o Projeto Tranças. Porém, no
momento da pesquisa, foram identificados apenas três (dois homens e uma
mulher). Um dos motivos é que ele precisa plantar exclusivamente para o
Projeto, porque essa variedade de trigo, o trigo peladinho, tem uma palha
mais comprida, mas não produz grãos muito bons para fazer a farinha. O
agricultor planta o trigo objetivando a produção de farinha, pois lhe gera
maior lucro do que a produção da variedade tradicional, que tem menor
produção de farinha, mas serve para o artesanato.
Essa questão da produção da matéria‐prima causa impacto direto sobre
a possibilidade de continuidade do Projeto Tranças da Terra. Os produtos

203
em palha de trigo consolidam o artesanato tradicional local, estando
relacionados às artes e ofícios dos colonizadores da região do Meio Oeste
Catarinense. Tratam‐se, portanto, de produtos com marcada vinculação a
um território e a uma identidade de uma comunidade local/regional.

4.4 O CAPITAL CULTURAL DO PROJETO TRANÇAS DA TERRA

O maior capital cultural do Projeto Tranças da Terra é a manutenção


viva de uma tradição da região Meio Oeste: a produção de artesanato com
base em palha de trigo, a preservação da arte de trançar esta palha de
diferentes maneiras e o seu arranjo pela costura artesanal formando peças
utilitárias e de decoração. Originalmente os objetos trançados resultavam,
principalmente, em chapéus e sacolas (sportas) utilizadas pelos
colonizadores da região, de origem ítalo e germânica, principalmente nas
atividades agrícolas. Além da durabilidade, os chapéus traziam um conforto
térmico adequado para os agricultores na lida na lavoura. Essa atividade
artesanal tradicional ainda é observada com frequência na região, contudo já
escasseiam as pessoas que têm o domínio da técnica tradicional de elaborar
as tranças.
Para o Projeto Tranças foram contratadas pelo Sebrae duas ecodesiners
que após estudarem e observarem detidamente as peças tradicionais e a
cultura regional elaboraram protótipos de produtos e submeteram à
apreciação dos membros da Associação para sua validação. Dessa forma, o
que se fez foi uma releitura dos produtos tradicionais, preservando na
íntegra a forma original de trançar.
Quanto ao nome do Projeto, Tranças da Terra, ele foi sugerido pelas
próprias artesãs, uma vez que a matéria‐prima ‐ a palha do trigo ‐ vem da
terra e o ato de tecer lembra também elos expressos pela própria trança e,
simbolicamente pelo associativismo, forma escolhida para a produção do
artesanato.
As coleções de produtos foram desenvolvidas alinhadas ao conceito de
design ecologicamente correto, por meio da contratação de consultoria em
ecodesign e são: Curvas da Terra, Flores da Terra, Cores da Terra, Coleção
Interiores e Coleção Flor de Menina. O quadro 4 apresenta os produtos do
Tranças da Terra na sua tradicionalidade.
Quadro 4 ‐ Produtos Tranças da Terra e tradicionalidade

Produto Descrição Tradicionalidade


Coleção Flores ‐ Bolsa flores oval; Os produtos são inspirados nos temas
da Terra ‐ Bolsa flores quadrada; florais dos panôs e esculturas, em
‐ Cesta flores; madeira, religiosas. O uso da flor
‐ Chapéu flores; representa o lar do povo imigrante que se
‐Descanso de panelas flor; estabeleceu no meio‐oeste catarinense.
‐ Móbiles; Todos os produtos são feitos com palha

204
‐ Porta‐guardanapo flor; de trigo.
‐ Sousplat flor;
‐Trilho mesa flores.
Coleção ‐ Bowl; Os produtos são um resgate das curvas
Curvas da ‐ Bolsa curvas; dos trigais e esculturas religiosas
Terra ‐ Capitel; presentes na região.
‐ Cesta curvas; Todos os produtos são feitos com palha
‐ Chapéu curvas; de trigo.
‐ Rechaud (porta‐velas);
‐ Sousplat caracol;
‐ Anjo;
‐ Minicuia.
Coleção Cores ‐ Americano; Os produtos são coloridos com materiais
da Terra ‐ Bandeja sporta; extraídos na natureza. Todos os produtos
‐ Marcador de livro; são feitos com palha de trigo.
‐ Porta‐guardanapo;
‐ Porta‐cartão sporta;
‐ Descanso de panela
quadrado;
‐ Sporta;
‐ Sporta para vinho.
Coleção ‐ Bromélia; Os produtos são desenvolvidos para
Interiores ‐ Folha (porta‐bala); decoração de ambiente e interiores.
‐ Luminária casulo‐ Todos os produtos são feitos com palha
arandela;; de trigo.
‐ Luminária casulo‐mesa;
‐ Luminária de flor‐
pendente;
‐ Mandala;
‐ Revisteiro.
Coleção Flor ‐ Adorno; Os produtos são inspirados em
de Menina ‐ Baton flor; acessórios femininos.
‐ Cinto flor; Todos os produtos são feitos com palha
‐ Colar flor; de trigo.
‐ Flor‐presilha para lenço;
‐ Prendedor cabelo.

Fonte: Elaborados pelas autoras com base em Tranças da Terra (2014)

A questão cultural é possivelmente a maior contribuição do projeto


Tranças da terra para a região na qual se situa. Trata‐se de um Projeto que
parte de uma técnica tradicional conferindo‐lhe novos usos e adicionando a
dimensão ambiental da sustentabilidade. O que se questiona é se esse
quesito seria suficiente para gerar a manutenção e permanência do Projeto
ao longo do tempo, bem como o seu potencial com marcas muito
particulares desse território. O que hoje é efetivamente produzido no
Projeto Tranças da Terra são produtos que só neste território se encontram,
mas a arte de trançar a palha de trigo é encontrada em outros territórios.
Por estes motivos, somam‐se as dificuldades de buscar a Indicação
Geográfica (IG) para os Produtos do Tranças da Terra.

205
4.5 O CAPITAL INSTITUCIONAL E PRODUTIVO DO PROJETO TRANÇAS DA
TERRA

O Projeto Tranças da Terra tem contado, ao longo de sua trajetória, com


instituições de apoio listadas no quadro 5.

Quando 5 ‐ Instituições de apoio

Instituição Forma de apoio


Sebrae Consultoria, capacitação.
Unoesc Pesquisa na área de gestão, redes e de ciências biológicas.
Prefeitura de Luzerna Fornecimento de local de trabalho às artesãs e de local para
estoque de matéria‐prima.
Prefeitura de Joaçaba Fornecimento de local para a loja do projeto.
Prefeitura de Fornecimento de local de trabalho as artesãs.
Catanduvas
Prefeitura de Água Fornecimento de local de trabalho as artesãs.
Doce
Prefeitura de Capinzal Fornecimento de local de trabalho as artesãs.
Prefeitura de Ouro Fornecimento de local de trabalho as artesãs.

Fonte: as autoras, com base nas entrevistas

Essas organizações listadas contribuem com aporte de conhecimento,


capacitação e consultoria, ou então com a cedência de instalações para o
trabalho do projeto Tranças da Terra. Contudo, o Projeto precisa encontrar
formas para gerar a sua auto sustentação o que ainda não se observa neste
período de 2006 a 2014.
Quanto à infraestrutura, o Projeto Tranças da Terra conta com uma loja
em Joaçaba, equipada com telefone e computador com acesso à internet.
Com relação às máquinas e equipamentos, o projeto conta com
máquinas de costura em todos os núcleos produtores. Os materiais de
escritório estão concentrados na loja de Joaçaba.
No que se refere recursos financeiros, algumas empresas compram os
produtos do projeto para dar como brindes corporativos, a Unoesc, o Sebrae
e a Acioc‐ Associação Comercial e Industrial do Oeste Catarinense, mas
mesmo essas empresas acabam achando que fica caro, porque quando se
fala em artesanato logo se pensa em crochê, tricô, que não fica tão caro
produzir como os produtos do tranças da terra.
Atualmente, a ajuda financeira recebida pelo projeto, em todas as
cidades em que ele atua, diz respeito à cessão pelas prefeituras dos locais de
trabalho, onde as artesãs trabalham e do local para a loja e para o estoque
das matérias primas. Essa é uma preocupação evidenciada pelas
entrevistadas, porque cada vez que muda a gestão das prefeituras é
necessário buscar a continuidade da cessão desses locais e nunca se está

206
seguro a respeito. Atualmente, a associação foi contemplada com recursos
de um projeto do governo federal chamado Rede Solidária. Com o recurso, o
Projeto está construindo um novo espaço, num terreno doado pela
prefeitura de Joaçaba, mas é em um bairro novo, longe do centro. Como não
fica num centro comercial, não será usado como loja, mas como ponto de
encontro das artesãs e para estoque de matéria‐prima e de peças prontas.
No início, o Projeto vendia muito mais para outros estados do Brasil,
como Bahia, Salvador, Minas Gerais e Rio de Janeiro, porque, na visão das
entrevistadas “[...] o nosso estado, a nossa região não valorizava tanto o
artesanato, hoje em dia a situação já mudou muito, e os produtos já são
muito mais valorizados por aqui.” (artesã).
Os mais de 30 produtos diferentes produzidos pelas artesãs do projeto
ajudam na geração de renda às suas famílias, mas de forma pouco
significativa. Esse é talvez um dois maiores desafios do Projeto: encontrar
formas de melhorar as vendas para que se possa aumentar, também, o
retorno para as artesãs participantes do Projeto e, assim, contribuir mais
significativamente para o desenvolvimento regional. As entrevistadas não
passaram os valores atuais percebidos pelos artesãos participantes do
projeto, apenas asseguraram que o valor é baixo.
Tem‐se também um paradoxo: de um lado, o Projeto tem poucos
associados devido à baixa geração de renda, de outro, o projeto fica em
dificuldade para ampliar o volume de produção, pois tem poucos associados.
Esse aspecto constitui‐se num desafio que a Associação terá que enfrentar
em breve.
Busca‐se a inovação constantemente nos produtos. Um exemplo disso é
a coleção mais recentemente lançada, a coleção Flor de Menina, que foi
elaborada para atender especialmente ao público feminino, sendo que foram
criadas presilhas de cabelo, cintos, colares, prendedores, entre outros.
A técnica de costurar a trança para fazer as peças também agrega
valorização ao produto, já que não é usado cola, o que aumenta a
durabilidade dos produtos. Os produtos originais receberam valorização por
meio do design ecológico incorporado.
Um dos pontos críticos no Projeto Tranças da Terra é a demanda por
produtos comerciais e com baixo valor de comercialização, o que dificulta a
venda de algumas linhas mais elaboradas que o Projeto produz. Dessa
forma, os produtos que mais receberam.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto às potencialidades e limites de estratégias de especificação de


ativos territoriais como alternativa de desenvolvimento, observou‐se neste
estudo que o Projeto Tranças da Terra possui alguns pontos que o

207
favorecem, como a forte identidade cultural dos seus produtos com o
território do Meio Oeste Catarinense. Contudo, há sérios desafios a serem
vencidos, como a baixa geração de recursos para seus associados, o grande
número de artesãos que deixaram o Projeto e a falta de interesse de novos
artesãos de se associarem ao Tranças da Terra.
Observou‐se, ao longo do trabalho de campo, que a atividade artesanal
ainda é percebida como um passatempo para alguns participantes do
Projeto, carecendo de uma dedicação mais contínua de horas de trabalho no
Projeto. Se por um lado a geração de renda extra é baixa, por outro a
produção de peças também é pequena. O dilema para pensar a
sustentabilidade econômica do projeto é como aumentar a produção do
grupo diante um quadro de associados que disponibilizam pouco tempo
para o trabalho no Tranças da Terra?
No que se refere às características da região Meio Oeste Catarinense em
sua relação com o Projeto Tranças da Terra, observa‐se que o Projeto nasceu
de práticas tradicionais já decorrentes entre os imigrantes italianos e
alemães colonizadores da região, bem como do capital social e institucional
presentes nesse território. Os produtos têm forte apelo a essas tradições e
receberam significativo aporte de conhecimento e inovação pela introdução
de design ecológico e pela forma de produção baseada na dimensão
ambiental da sustentabilidade. Contudo, apesar das dimensões cultural e
ambiental serem bem atendidas pelo Projeto, os produtos são de certa
forma elitizados, pois demandam um consumidor que valorize estes
atributos e aceite remunerar o artesão por um produto mais elaborado e
com conhecimento social, cultural e ambiental injetado.
No histórico do Projeto Tranças da Terra percebeu‐se que foi
fundamental para a sua constituição os seminários realizados nos
municípios participantes do projeto, para apresentação e sensibilização
sobre a ideia, para a mobilização e para o cadastramento de pessoas
interessadas em desenvolver‐se nesse ofício. Observou‐se também que de
2006 a 2014 o Projeto recebeu capacitação de diferentes conteúdos e
formas.
Quanto à forma de gestão do Projeto Tranças da Terra, ela se dá por
meio de uma associação formalizada e que recebe apoio institucional de
diversas entidades, sobretudo do Sebrae (SC) e de seis prefeituras da região
Meio Oeste Catarinense. É possível, a partir da observação das
pesquisadoras, que a atual forma de gestão mereça incrementos, sobretudo
na dinamização da estratégia de vendas, na motivação do quadro de
associados, no desenvolvimento de produtos que, resguardando as
dimensões da sustentabilidade, tenham também mercado acessível a um
público maior.
Sobre as potencialidades do Projeto Tranças da Terra em termos de
geração e agregação de renda e como nova alternativa de atividade

208
econômica regional, é necessário uma reflexão e tomada de posição da
diretoria da Associação em conjunto com o Sebrae, entidade parceira, sobre
os rumos para o Projeto. Embora o Tranças da Terra tenha diversos
componentes relevantes como: sustentabilidade social e ambiental, ele não
tem hoje sustentabilidade econômica e não representa fonte de geração de
renda significativa para seus membros e para a comunidade regional. Essa é,
possivelmente, uma grande oportunidade de estudo futura para verificar em
que medida o projeto Tranças da Terra e a sua respectiva associação podem
ser viabilizados do ponto de vista econômico. Acredita‐se que o Tranças da
Terra possa ser viabilizado e alcance novo patamar de sustentabilidade
econômica. Contudo, é necessária uma ampla concentração de esforços de
seus principais atores, especialmente dos artesãos e da diretoria da
Associação, para discutir os rumos do Projeto e permitir a sua emancipação
e consolidação.

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212
CAPÍTULO 11

FORMAÇÃO HISTÓRICA, TERRITORIAL E


ECONÔMICA DA MESORREGIÃO OESTE
CATARINENSE: LIMITES E POSSIBILIDADES DE
CONSTITUIÇÃO DE INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS1

Jairo Marchesan ‐ UnC


Rosana Maria Badalotti ‐ UNOCHAPECÓ

INTRODUÇÃO

Este texto, primeiramente, se propõe a descrever a formação histórica,


territorial e econômica da Mesorregião do Oeste Catarinense, perpassando a
constituição dos ciclos econômicos regionais até a situação atual.
Posteriormente, analisa os limites e possibilidades da trajetória histórica de
constituição de Indicações Geográficas nesse território, tendo como foco
estratégias de organização da Indicação Geográfica da carne suína e seus
derivados no recorte territorial do Meio Oeste Catarinense. Nesse território,
há aproximadamente seis milhões de suínos, sendo identificado
nacionalmente pelo profundo vínculo com tal produção e pela atuação de
pequenas, médias e grandes agroindústrias.
Por fim, propõe recuperar, também, o histórico e formação da
Associação dos Produtores de Carne e Derivados de Suínos do Meio Oeste
Catarinense (APROSUI), analisando os limites e possibilidades de
reconhecimento de instituição da Indicação Geográfica no referido
território. Além disso, propõe o debate com a sociedade na perspectiva de
divulgar e permitir o empoderamento dessa ferramenta como possibilidade
de agregar renda, valorização cultural, econômica e preservação ambiental.
Metodologicamente, se caracteriza por uma revisão de literatura sobre
o processo de formação histórica, territorial e econômica do Oeste
Catarinense, analisando a relação da sociedade humana com a natureza, o
processo de ocupação e transformação territorial regional em sua interface
com os ciclos econômicos regionais e, ainda, os novos cenários econômicos
regionais, entre eles as barragens (produção de energia, instalação de
tanques‐rede) e os crescentes reflorestamentos com espécies vegetais
exóticas. Por fim, analisa os novos cenários que emergem na economia

1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública N.04/2012/Universal.

213
regional, com destaque às possibilidades e limites das Indicações
Geográficas no referido território.

1. A FORMAÇÃO HISTÓRICA, TERRITORIAL E ECONÔMICA DO OESTE


CATARINENSE

Nesta seção, buscamos descrever e entender a formação da Mesorregião


Oeste Catarinense (Figura 1) sob os aspectos históricos, políticos e
econômicos. Para tanto, é interessante pedagogicamente antecipar a
apresentação geográfica do Oeste Catarinense. Portanto, geograficamente,
denomina‐se de Mesorregião Oeste Catarinense o território que se localiza
no Oeste do Estado de Santa Catarina e que se limita: ao Sul, com o Estado do
Rio Grande do Sul; ao Norte, com o Estado do Paraná; a Oeste, com a
República Argentina e, ao Leste, com o Planalto Catarinense. O Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) denomina essa região de
Mesorregião Oeste Catarinense, que é composta pelas microrregiões
2
Colonial e Oeste Catarinense. Essa Mesorregião possui uma dimensão de
27.365 km² (Figura 1) e conta com aproximadamente 1 milhão e 200 mil
habitantes.
As terras do Estado de Santa Catarina e, mais especificamente, do
Planalto Catarinense começaram a ser visitadas, a partir do ano de 1600,
quando os bandeirantes fizeram suas primeiras incursões pela região.
Devido ao Tratado de Tordesilhas, essas terras pertenciam à Espanha. Pelos
Tratados de Madri (1750) e de Santo Ildefonso (1777), as terras passaram
para a Coroa Portuguesa que, após a independência do Brasil, iniciou um
programa para a colonização do interior, através de incentivo à imigração.
Dessa forma, as províncias sulinas, apoiadas pelo Governo Imperial,
passaram a fazer concessões de terras às companhias estrangeiras (JORNAL
ABERTURA, 1984, p. 10).
Na história do Oeste Catarinense, o povoamento aconteceu muito antes
do processo de colonização, pois historiadores e pesquisadores confirmam a
presença de grupos humanos nômades (índios e caboclos) que, em tempos
remotos, habitavam esse território.
Quanto à população indígena, estudos apontam a dificuldade em
determinar a quantidade de índios que habitavam a região Oeste de Santa
Catarina. Segundo Ferreira (1992, p. 24), “ [...] a região do Alto Uruguai
Catarinense foi, por muito tempo, dominada por índios tupis‐guaranis que, a
partir do século XVIII, foram desaparecendo da região”. Ainda, para o
mesmo autor, (1992, p. 26), “ [...] o desenvolvimento da colonização levou‐os
a retirarem‐se da região, buscando zonas não colonizadas”.

2
A Mesorregião Oeste Catarinense baseia-se nas delimitações político-administrativas
estabelecidas pelo IBGE e, também, pela sua formação e identificação histórico-cultural e
socioeconômica.

214
Figura 1: Mapa de Localização da Mesorregião do Oeste Catarinense.

Fonte: Marchesan, 2007.

Sobre a população cabocla da região, conforme Poli (1995, p. 75),


quando se pesquisa a origem e formação do contingente populacional do
Oeste Catarinense, percebe‐se a predominância marcante dos luso‐
brasileiros, mais conhecidos por caboclos. Para o autor, os caboclos foram os
verdadeiros pioneiros na penetração e no desbravamento da região.

215
Para Poli (1995, p.99), “ [...] o caboclo do Oeste não é simplesmente
originário de cruzamento racial puro, mas do cruzamento de indivíduos já
miscigenados [...] A conceituação de caboclo é muito mais social e econômica
do que racial”. Para o autor, suas origens são ainda bastante confusas, mas
as pesquisas apontam que essa população foi se formando, principalmente, a
partir dos pousos do tropeirismo (caminho das tropas do Rio Grande do Sul
a São Paulo), dos que se deixavam perder pelo caminho ou dos que
buscavam a sobrevivência através da extração e exploração da erva‐mate
pelo interior. Vale observar que os caboclos, de maneira geral, tinham a
posse da terra, mas não a propriedade dela.
As populações caboclas sucederam às indígenas e precederam os
colonizadores imigrantes, sendo que os caboclos viviam, principalmente, da
agricultura de subsistência e da extração da erva‐mate. Por possuir
características de vida e hábitos bastante diferentes dos colonizadores
imigrantes, que chegaram à região objetivando implantar novas relações
econômicas e outros padrões culturais, essa população não se coadunava
com os interesses capitalistas em curso. Por essa razão, os caboclos foram
sendo gradativamente espoliados, marginalizados, expropriados e
explorados pelo processo capitalista.

[...] Esses, desprotegidos, ficaram sujeitos aos novos métodos adotados,


restando duas opções: deixar suas posses ou tornarem‐se empregados dos
imigrantes que começavam a chegar. Era a cobiça e a espoliação que vinham
junto com o progresso. Pela ação da companhia colonizadora, através de seus
encarregados pela segurança, o caboclo foi despejado de seus redutos e de suas
posses, através de métodos geralmente violentos, vendo‐se obrigado a retirar‐
se para os confins das matas. A ferro e fogo, o Alto Uruguai Catarinense ficou
“limpo” para os imigrantes (FERREIRA, 1992, p. 79‐80).

Nesse processo de povoamento e colonização, evidencia‐se o embate


entre forças humanas objetivando a conquista do espaço, que culminou na
inclusão dos imigrantes e na exclusão dos indígenas e caboclos.
Concomitantemente, excluíram‐se e/ou marginalizaram‐se suas culturas,
métodos de produção e formas organizativas.

Os caboclos foram substituídos por colonos gaúchos descendentes de italianos


e alemães. Estes, atraídos pela propaganda de Companhias Colonizadoras,
transpuseram o Rio Uruguai, superando, dessa forma, a fronteira da expansão
agrícola de seu estado de origem e iniciando a ocupação definitiva do solo do
Oeste de Santa Catarina e do Sudoeste do Paraná. Era o ‘pioneirismo’ da
economia de mercado, iniciada com a extração da madeira, cujo transporte
pelo Rio Uruguai e cuja comercialização na Argentina estabeleceram a base
econômica do atual processo de agro‐industrialização que se alicerça na
suinocultura e na avicultura, outra linha de fronteira entre o mercado nacional
e o mercado internacional (ROSSETTO, 1989, p. 18).

216
Percebe‐se, também, que, desde o início do processo de
3
desbravamento, é forte o interesse de progresso a qualquer custo, sem
levar em consideração os limites dos recursos naturais e o respeito aos
primeiros habitantes da região, os indígenas e caboclos. D’Angelis (1992), na
conclusão do artigo “Para uma história dos índios do Oeste Catarinense”,
analisa o modelo colonizador agrícola na conjuntura do processo de
ocupação e colonização da região naquela época, afirmando que:

Diante dos interesses econômicos não havia perspectiva ecológica, nem


direitos históricos, nem respeito humano que valesse a pena ser considerado:
o Oeste Catarinense foi devastado, tanto física como culturalmente (1992, p.
210).
4
Dessa forma, em tal espaço geográfico considerado devoluto, “vazio
demograficamente” e abundante em recursos naturais ‐ terras férteis, águas
e matas ‐, a colonização foi se consolidando em ritmo acelerado como forma
de ocupação das terras. Consequentemente, iniciou‐se a formação de
núcleos de povoamento, determinando‐se, gradativamente, o afastamento
dos índios e caboclos (mestiços) para outras áreas não colonizadas.
Sobre a importância dos recursos naturais para o desenvolvimento
socioeconômico, Testa e outros assim se manifestam:

Os recursos naturais da região constituíram‐se num dos pilares do processo de


colonização em pequenas propriedades e com produção familiar de excedentes
agrícolas. A existência de mata nativa exuberante e a boa fertilidade natural do
solo propiciaram aos imigrantes uma forte base de produção de meios para
viabilização do modelo (TESTA et al., 1996, p. 44).

Incentivados pela política do Governo Imperial, as Províncias Sulinas


passaram a fazer concessões de terras às companhias estrangeiras. Em
1906, a ferrovia São Paulo–Rio Grande começou a ser construída. Essa
ferrovia atravessava o Estado de Santa Catarina, no sentido Norte‐Sul e,
consequentemente, acabou promovendo o povoamento da região,
principalmente do Oeste. Os pioneiros dessa região ‐ construtores da
ferrovia e caboclos extratores de erva‐mate, ainda do período dos
5
bandeirantes ‐ foram, por ocasião da Guerra do Contestado (1912‐1916),

3
Desbravamento - Des + bravo + mento: explorar (terras desconhecidas), limpar, acabar com o
“bravo”: matas, índios, caboclos, etc (FERREIRA, 1998, p. 548). A fim de compreender o
significado desse processo, vale comparar os padrões histórico-culturais dos índios e caboclos
com os dos colonizadores, por exemplo, no que se refere ao uso dos recursos naturais. Na
verdade, os que já habitavam a região (índios e caboclos) eram menos “bravos” e agressivos
com os recursos naturais do que aqueles que vieram “colonizar” (colonizadores).
4
Devoluto – espaço desocupado, desabitado, terras que pertenciam ao Estado/União.
5
Guerra do Contestado – Disputa entre os Estados do Paraná e Santa Catarina por uma área de
terras de aproximadamente 48.000 km². Paralelamente ao conflito local, intensificaram-se as

217
denominados de jagunços.
O conflito do Contestado, ou Guerra do Contestado, como é conhecida,
está vinculado à disputa e divergências de limites territoriais entre o Brasil e
a Argentina, por uma área de terras de aproximadamente 48.000 km² dos
Estados do Paraná e Santa Catarina, conhecido também como a “Questão de
Palmas”. Mocelin (1990, p. 56) define o conflito afirmando que “[...] a Guerra
do Contestado foi uma insurreição camponesa, gerada pelas injustiças
sociais reinantes na época”, sendo que os sertanejos, [...] explorados pelos
estrangeiros, esquecidos pelas autoridades [...], ao seu modo, rebelaram‐se
contra essa ordem econômica, social e política que os sufocava”. Com a
ferrovia feita por uma empresa norte‐americana, veio a guerra pelo
território, pelas riquezas: a madeira e os ervais. Era o começo do século e os
combates envolviam principalmente os caboclos que viviam ali e o governo
com suas ideias de ocupação (FAGANELLO, 1997).
A construção da ferrovia contribuiu para o impulso da colonização,
atraindo colonos, comerciantes, madeireiros e outros, provenientes do Rio
Grande do Sul, e, consequentemente, a plena incorporação da região ao
mercado brasileiro.

As terras férteis, “livres” de índios e caboclos posseiros, a construção da


ferrovia, a ação das companhias colonizadoras, o aumento da população e a
saturação das colônias em partes do território gaúcho, a facilidade para a
aquisição de lotes rurais na região, foram algumas das principais causas
motivadoras da colonização do Meio Oeste Catarinense, que viria a se destacar,
desde seu início, como região potencialmente fornecedora de alimentos
(FERREIRA, 1992, p. 42).

Portanto, esse processo de “nomadismo” não se dava espontaneamente,


mas por uma necessidade econômica de sobrevivência e por interferência
das companhias colonizadoras, que tinham interesses comerciais,
justificando, assim, a exploração econômica sob a lógica capitalista.
De acordo com Campos,

divergências entre o Brasil e a Argentina, disputando o território contestado. Associada às


disputas pelas terras, ocorria a construção da Ferrovia São Paulo–Rio Grande, que traz para a
região a modernização e, concomitantemente, a exploração e a exclusão social em função da
expulsão dos posseiros das terras, que vinham sendo ocupadas pelas empresas construtoras da
ferrovia. Somados a esses fatores políticos, sociais e econômicos, um novo fator entra em
cena: o religioso. Os excluídos do conjunto desse processo, como sertanejos, posseiros,
construtores da ferrovia, (...) agrupam-se em torno de alguns líderes e fanáticos religiosos,
únicos a se interessarem pelo povo espoliado e abandonado. O Brasil defendia que a divisa
seriam os rios Santo Antônio e Peperi-Guaçu. Essa questão foi solucionada em 1895, quando o
presidente norte-americano Grover Cleveland arbitrou favorável ao Brasil. Paralelamente a
isso, os Estados de Santa Catarina e Paraná passaram a disputar entre si esse território e/ou
região. A Guerra do Contestado, como ficou conhecido esse episódio, provocou um genocídio
de aproximadamente vinte mil pessoas. Sobre o Contestado, ver as obras de Monteiro (1974),
Thomé (1992) e Auras (1995).

218
(...) com a gestação de uma forte demanda por terras por parte dos pequenos
produtores do RS, logo surgiram empresas que viram na colonização uma
lucrativa atividade. Por outro lado, havia por parte do governo do Estado de SC
interesse na consolidação de sua soberania sobre os Campos de Palmas. A
ocupação daquele enorme vazio selaria por fim quaisquer divergências e
proporcionaria ao estado novas fontes de recursos (...). Desta forma tivemos a
conjugação de dois processos históricos ‐ o primeiro relacionado com a
evolução econômica das colônias rio‐grandenses e o segundo ligado à questão
do Contestado ‐ com os interesses da acumulação de capitais. Reuniram‐se
numa grande empreitada o governo estadual, o grande capital multinacional e
o capital nacional (1987, p. 98‐99).

Em síntese, para Poli (1991, p. 48), a ocupação do Oeste Catarinense se


deu em três fases diferenciadas, cada uma com atividades econômicas
específicas: a fase da ocupação indígena, a fase cabocla e a fase da
colonização, com a vinda de migrantes do Rio Grande do Sul.
A fase de colonização nesse território ocorreu a partir do início do
século XIX por descendentes de imigrantes alemães e italianos,
principalmente, provenientes do Estado do Rio Grande do Sul, que tinham
como base de sua reprodução social as atividades de policultura associadas
ao trabalho familiar (BELATO, 1985; 1999; CALLAI, 1983; CAMPOS, 1987;
MARCHESAN, 2003; ROCHE, 1969; ROSSETTO, 1989; 1995).
Para Rossetto (1995, p. 11), “[...] a fase de colonização, propriamente
dita, ocorre somente após o término da Guerra do Contestado, em 1916”.
Conforme o autor, esse episódio se constituiu num marco histórico de
extrema importância dentro do contexto do processo de colonização e
transformação da estrutura socioeconômica de toda essa imensa região, a
qual descreveremos na sequência, considerando os diferentes ciclos
econômicos constituídos e que representam as diversas facetas e
particularidades da Mesorregião.
No decorrer do século XX e pelo processo de desenvolvimento movido
pela vinda dos “gaúchos”, provocou‐se a extinção, quase que total, dos
indígenas e a expulsão dos caboclos de suas terras e de seus processos
produtivos rurais, promovendo uma profunda transformação na estrutura
socioeconômica da região.

Desde o momento em que se solucionou a questão do Contestado, as grandes e


promissoras potencialidades de colonização do Oeste Catarinense
proporcionaram a alguns empresários a obtenção do Governo Catarinense de
enormes concessões de terras, para promover este processo de colonização
(...). Os sertanejos que, através de um processo de intrusamento, precederam
os colonizadores imigrantes, também desapareceram destruídos, diluídos ou
absorvidos pelo novo sistema que se instalava, caracterizado em pioneirismo
colonizador, de imigrantes gaúchos que levavam para o Oeste o processo da
competição pela ânsia do lucro. A preocupação passou a ser a exploração dos

219
recursos florestais e o cultivo do solo, agressivamente (ROSSETTO, 1995, p.
12).

A mola mestre, portanto, da conquista e povoamento do Oeste não foi


jamais a curiosidade, o desejo de aventura, o pioneirismo e o espírito
desbravador. A mola propulsora são os interesses econômicos mais amplos,
que nem são muitas vezes os do próprio posseiro ou do colono pioneiro. Nos
dois últimos séculos, a economia capitalista internacional dirigiu essa
ocupação de forma distante, às vezes, anárquica, apenas pela dinâmica
própria de relações econômicas baseadas na exploração da mão‐de‐obra e
na economia de mercado, com sua necessidade de permanente expansão
(D’ANGELIS, 1995).
As características básicas, fundantes da estrutura socioeconômica da
região Oeste de Santa Catarina, historicamente, estão pautadas no processo
de colonização, que se estabeleceu a partir do regime da pequena
propriedade agrícola familiar, voltada para a prática da policultura.
No Oeste Catarinense, os colonos não produziam apenas para a
subsistência, mas, principalmente, para o mercado. Esse diferencial está
intimamente associado às características étnicas, econômicas e culturais da
origem desses colonos: honra aos compromissos assumidos; atividade
econômica definitivamente vinculada ao mercado (agricultura e
suinocultura); necessidade de aquisição de bens e utensílios fundamentais
para o desenvolvimento da propriedade e do bem‐estar; valorização da
concepção da ideologia ética do trabalho, incorporada pelos colonos; isso é,
mediante o trabalho seria possível conseguir uma vida de fartura,
abundância e progresso econômico.
Ao referir‐se ao processo de colonização e integração da produção
regional ao mercado nacional, via rede ferroviária, Waibel assim analisa‐o:

A expansão do povoamento para o Norte, através do Rio Uruguai e da fronteira


do Estado do Rio Grande do Sul, penetrando no Estado de Santa Catarina,
começou em 1915, quando a estrada de ferro, vinda do Paraná e de São Paulo,
alcançou o Vale do Rio do Peixe, afluente do Rio Uruguai. O novo meio de
transporte possibilitou a exportação de porcos vivos e outros produtos
comerciais (alfafa) para a cidade de São Paulo e, assim, o hinterland
[interiorização] de Santa Catarina foi drenado comercialmente para o Norte,
para São Paulo, por gente que veio do Sul. A nova zona pioneira se expandiu
para jusante, com o avanço da estrada de ferro (1979, p. 238).

Sobre o mesmo assunto, mais adiante, Waibel se manifesta:

(...) A estrada de ferro atraiu magneticamente grande número de colonos


descendentes de alemães e italianos do Estado do Rio Grande do Sul,
facultando‐lhes ainda a possibilidade de exportar seus produtos,
principalmente, porcos e alfafa, para São Paulo, que ficava 1000 km de
distância. Este é um caso raro de uma “captura econômica” numa zona

220
pioneira: o Oeste remoto de Santa Catarina não foi desbravado a partir do
litoral, mas por povoadores que vieram do Sul e que exportam os seus
produtos para um mercado localizado a grande distância, mais ao Norte (1979,
p. 295).

A colonização do Oeste Catarinense pode ser interpretada pelos


interesses do Estado e as próprias necessidades dos camponeses pela busca
de terras. Porém, há que se destacar a interferência das Companhias
Colonizadoras, constituindo‐se na expansão capitalista, possuindo objetivos
políticos, econômicos e até estratégicos, em buscar a valorização dessas
terras por elas adquiridas e que estavam “desocupadas” e, portanto,
passíveis de serem colonizadas. Isso pode também ser explicado pela lógica
corrente: “colonizar para conquistar, explorar e valorizar”.
Os empreendimentos colonizadores foram planejados no sentido de dar
ênfase às pequenas propriedades, não porque estavam preocupados em
"facilitar a vida dos agricultores", que possuíam escassos recursos para
adquirir as terras, mas porque correspondia à política de colonização do
país que, a partir da Lei de Terras, viu na pequena propriedade fonte de
sucesso e progresso (RENK, 1997).
Segundo Renk (2006, p. 61), nas décadas de 40 a 60 o movimento
colonizador cresceu significativamente. O Oeste Catarinense era apontado
como o “Celeiro do Brasil”. Antes da colonização, era um tempo em que “[...]
a lei era o trabuco” e, depois, em que era a “[...] civilização e o progresso, a lei
e a justiça”. A "[...] civilização e o progresso, a lei e a justiça" estão associadas
a uma representação política oficial e legal.
Dessa forma, foi‐se consolidando o regime de trabalho familiar da
pequena propriedade rural, assentada na policultura.

Nessas pequenas propriedades predominava a policultura e uma pequena


criação de animais que, em geral, abrangia aves, porcos, alguns bovinos e
cavalos para puxar arado e carroça. Tudo girava em torno da ideia de que o
colono devia ser autossuficiente, vendendo os excedentes e produzindo alguns
gêneros em quantidade maior a fim de destiná‐los ao mercado interno
(PETRONE, 1982, p. 60‐61).

Conforme destacado anteriormente na descrição histórica sobre a


colonização e os aspectos que caracterizam a formação e constituição
socioeconômica da Mesorregião Oeste Catarinense, as atividades agrícolas
de subsistência através da policultura constituíram a base econômica e
social da agricultura familiar, que possibilitaram a expansão da economia
industrial e da instalação de uma lógica assentada na produção para o
mercado nacional e mundial.
É preciso entender também como é que os sujeitos sociais (colonos)
foram inseridos nesses espaços, construíram a capacidade de enfrentar

221
desafios físicos, sociais ou culturais, dominaram e venceram topografias de
forma a inserirem‐se no mercado num mundo globalizado.

Monopolista sobre o espaço geográfico, o capital controla os homens e a


natureza, para os tornar homens e natureza para o capital. Mediando a relação
homem‐meio e crescendo sobre ela, o capital tece a “geografia dos homens
concretos”. E esta geografia da alienação degrada o homem e a natureza (...).
Fomenta a escassez para forjar necessidades novas e renovar as necessidades
velhas, subordinando a existência dos homens e os movimentos da natureza ao
circuito das mercadorias (MOREIRA, 1985, p. 106).

Como consequência, mais tarde, pela ação dos conglomerados


agroindustriais, o capital, zeloso, estratégico, meticulosamente articulado e
organizado, encontra estratégias para investir em uma região relativamente
afastada dos centros nacionais de maior poder de abastecimento, produção
e consumo e tirar daí integrações que produzam suínos, aves e, mais
recentemente, leite e fumo, entre outros produtos, para competir não só no
mercado nacional, mas também mundial. Nesse sentido, Belato (1999, p. 43)
assinala que “o eixo sobre o qual gira a sociedade rural criada pelos
imigrantes não é mais o mesmo. Ele se engata nas engrenagens do capital e
do mercado mundial”.
Entretanto, o mesmo capital percebe e reconhece, nos imigrantes e seus
descendentes, forte potencial para o trabalho agrícola e, posteriormente,
para a indústria, uma vez que os mesmos estavam imbuídos de audacioso
espírito empreendedor, além de perseverante e arraigado senso de
poupança. Com certeza, essas características foram observadas e
apropriadas pelos investidores capazes de criar possibilidades e garantir a
implantação e a reprodução da visão capitalista no meio rural.
A partir dessa lógica, para reproduzir e agregar valor, o capital
necessitava de grupos sociais que possuíssem conhecimento construído e
acumulado historicamente expresso em atitudes, habilidades, experiências
herdadas e praticadas em seu universo cultural, concretizadas na criação de
animais ou cultivo de vegetais, o que é muito bem expresso em estudo de
Testa e outros (1996, p. 77): “O patrimônio cultural construído e
transmitido de geração em geração constitui um ‘capital social’, que está na
base do desenvolvimento alcançado pela região”.
No decorrer do desenvolvimento capitalista em curso, a agricultura
passou a sofrer rápidas transformações políticas e econômicas que
resultaram na sua modernização. Esse processo foi capaz de reverter uma
tradição histórica de produção, que dá lugar a uma nova lógica: a
produtividade. Esse novo imperativo da forma de produzir só pode ser
viabilizado sustentando‐se no tripé recursos naturais disponíveis, trabalho e
tecnologia. O capital e suas novas relações com os setores agrícolas
utilizaram‐se dos recursos naturais existentes e da moral do trabalho

222
incorporada à ética dos colonos, que, associados à tecnologia, resultaram na
alta produtividade, tão necessária à lógica capitalista.
Se a colonização priorizou e facilitou a entrada dos migrantes
descendentes de europeus, cuja racionalidade permite toda forma de
intervenção sobre os espaços "vazios" da natureza, bem como os valores de
uso que primavam por interesses mercantis sobre o meio ambiente, isso não
quer dizer que os agricultores não possuíam também estratégias de
preservação da natureza. Segundo Silvestro,

Antes de se efetuar o desmatamento ou corte para as lavouras, os imigrantes


estudavam com atenção a área de uma propriedade. Era preciso, em uma área
pequena, prestar atenção e não fazer um desmatamento arbitrário, pois havia
necessidade de conservar parte da floresta, para lenha e madeira para a
construção e posterior manutenção das benfeitorias. As encostas expostas ao
nascente geralmente eram derrubadas para as lavouras enquanto que as de
exposição para o poente ficavam como reserva. As primeiras, dizem eles, se
prestavam mais para o cultivo de todas as culturas. Com a falta de adubo, ou de
recursos para a sua aquisição, e a consequente impossibilidade de adubar,
restava ao imigrante a prática de deixar áreas em pousio e a cada quatro ou
cinco anos fazer o corte da capoeira para o plantio da lavoura (1995, p. 72‐73).

Portanto, o desmatamento, nesse primeiro momento, de acordo com o


autor, foi decorrência da necessidade de plantar e cultivar para sobreviver.
Mesmo nesse contexto existiu a preocupação de preservar algumas espécies,
as chamadas madeiras de lei, por sua utilidade ou até mesmo por sua beleza
(idem, p. 73).
De acordo com Poli (1991, p. 68), a transformação da terra em bem de
produção acarretou a institucionalização da propriedade privada, em
detrimento da simples ocupação ou posse. A partir da exploração da erva‐
mate e do início do ciclo da madeira, a terra passou a ser cobiçada e tomada
ou ganha pelas companhias colonizadoras, que, quase sempre, foram as
mesmas que exploraram a madeira. A retirada da riqueza natural permitia a
penetração do agricultor, oriundo do Rio Grande do Sul, pelos caminhos da
extração da madeira.
A compra de terras pelos imigrantes no Oeste Catarinense obedecia,
principalmente, à observação de um critério fundamental: a cobertura
vegetal.

Os imigrantes encontraram, portanto, profusa oferta de recursos arbóreos que


lhes asseguraram facilidades de processamento e opções de uso. Encontraram
espécies adequadas para combustão, outras adequadas para a rotina das
operações agrícolas, para a construção de cercas, paióis, depósitos, currais,
habitações (LAGO, 1988, p. 113).

Cabe destacar que a região disponibilizava, na visão do imigrante, de


forma abundante, a nobre espécie vegetal aciculifoliada ‐ araucária

223
augustifolia ‐, o pinheiro, como é conhecido, que muito influenciou no valor
das terras oestinas, bem como contribuiu fortemente para a opção da
colonização da região. O pinheiro não apenas servia para o uso das
construções na propriedade dos colonizadores, mas agregava também valor
econômico às terras quando vendidas.
Pela abundância de madeira na região do Alto Uruguai nesse território e
em virtude da necessidade que os colonos tinham de estabelecer um
comércio como forma de angariar recursos econômicos, se estabeleceu
comércio com os mercados platinos, conforme expresso por Poli (1995, p.
97): “A indústria madeireira desenvolveu‐se muito à medida que os colonos
foram se instalando, pois as terras eram desbravadas e a madeira vendida. O
baixo preço era compensado pela abundância do produto comercializado”.
O deslocamento da madeira, na forma de toras ou beneficiada, ocorria
6
via balsas durante os períodos de cheias do Rio Uruguai. Apesar da pouca
ou inexistente possibilidade de navegabilidade, nesse trecho, o Rio Uruguai
proporcionou aos colonizadores do Oeste Catarinense, até a década de 1960,
uma importante atividade econômica: serviu de caminho para o escoamento
da madeira para a Argentina e Uruguai. Esse comércio da madeira para os
países platinos proporcionou aos colonos, por muitas décadas, uma
possibilidade de angariar recursos econômicos, provenientes desse
mercantilismo fluvial.
De acordo com Rossetto (1995, p. 13), esse processo era o “resultado de
um desbravamento, ao mesmo tempo intensivo e extensivo, de toda a
região”. O comércio da madeira, por vezes clandestino, com os mercados
argentinos contava com a omissão de fiscalização do governo central, que
silenciosamente permitia essa prática (FAGANELLO, 1997).
A farta existência de mata nativa era um bem natural imprescindível e
propiciava aos colonos uma relativa autossuficiência econômica. Das matas
de suas propriedades, eram extraídas as madeiras que por eles eram
serradas e, com elas, edificadas suas construções (casas, pocilgas, estábulos,
paióis, cercados, pontes, móveis, etc.). Além disso, também confeccionavam
recipientes para o armazenamento de bebidas, grãos e alimentos,
equipamentos, ferramentas de trabalho e outros utensílios.
Os colonizadores se valeram também de uma economia florestal,
calcada na exploração do mato e que resultava em mais um recurso: a lenha.
Esta era utilizada não somente no fogão para cocção dos alimentos, mas
como combustível, para uma série de outras atividades, cotidianamente
necessárias na propriedade e que envolvesse o fogo.

6
Balsas: aglomerado de troncos, toras ou tábuas de madeira, reunidos à feição de jangada, que
desce o rio e, chegado ao destino, é desmanchado, sendo a madeira vendida (FERREIRA,
1998, p. 225).

224
A concepção que os colonizadores tinham, no início do século, em
relação à extração e à exploração das florestas no Oeste Catarinense, mais
precisamente da floresta de araucária, é assim expressa pelo historiador
Nilson Thomé:

A extração predatória de árvores nas florestas para a obtenção de madeira ‐


diga‐se de passagem ‐ não foi atividade exclusiva do homem do Contestado do
século XX. Em relação ao mesmo pinheiro, que o digam os rio‐grandenses,
paranaenses e paulistas; sobre o que se fez com a Mata Atlântica, que falem os
irmãos catarinenses da serra abaixo. E se recuarmos mais longe no tempo,
então que se expliquem os portugueses de 1500 que saquearam a árvore
símbolo do nosso país: o pau‐brasil. Por aí se tem que o extrativismo
desenfreado ocorrido no Planalto [e Oeste] estava embutido na mentalidade da
civilização da época, consumidora de bens, que solicitava a disponibilidade de
madeira serrada no mercado, pouco se importando com a procedência e muito
menos com a consequência (THOMÉ, 1994, p. 222).

Após mais de meio século de intensa exploração da vegetação da região,


convém destacar que, em função do modelo econômico estabelecido e das
políticas agrícolas em curso que estão inviabilizando a sustentação
econômica dos pequenos agricultores e, portanto, expulsando‐os do meio
rural, percebe‐se que há uma tendência à crescente regeneração quanto ao
repovoamento da vegetação nativa, de forma natural e original. Em outras
palavras, em função da inviabilidade de sustentar‐se economicamente numa
atividade que não consegue ser competitiva, a lógica do mercado agrícola
leva o pequeno agricultor a abandonar o meio rural.
Paralelamente à exploração vegetal no referido território, desenvolveu‐
se a agricultura. Tal atividade, que antes era predominantemente voltada
para a policultura e a subsistência, paulatinamente começa a ser
incorporada para atender às exigências do mercado. Este, por sua vez, lança‐
se com toda a sua voracidade sobre os agricultores, exigindo que produzam
em escala cada vez maior e de forma mais sistemática. Para tanto, os
agricultores foram sendo obrigados a implementar técnicas de exploração
intensiva dos recursos naturais, principalmente do solo, reduzindo a
“rotação de terras” e elevando sua capacidade produtiva permanentemente.
À medida que os bens naturais diminuem, porém, é necessário aprofundar a
exploração desses remanescentes.
Concomitante a esse período e a essas circunstâncias, começaram a
ocorrer sinais de esgotamento da ocupação das fronteiras agrícolas oestinas,
repercutindo diretamente na elevação do preço das terras. Isso fez com que
os pequenos agricultores aumentassem a capacidade produtiva das suas
unidades de produção, explorando de forma intensiva a terra e, assim,
garantindo a reprodução das unidades familiares (CAMPOS, 1987, p. 184).
O processo todo de modernização da agricultura a partir de 1970
dificultou diretamente a lógica da reprodução das unidades camponesas:

225
doação de um pedaço de terra (geralmente de meia colônia a uma colônia)
para cada filho homem adulto que iria constituir uma nova unidade familiar,
à exceção do filho mais jovem, que geralmente herdava a propriedade
paterna. Essa lógica não se sustentava mais.
O modelo agrícola de produção, pautado na teoria da agricultura
moderna, levou os colonos a explorarem intensivamente o solo, como
necessidade de sobrevivência e para fazerem parte do mercado. Sobre essa
forma de utilização dos recursos naturais, Marx assim se manifesta:

Cada progresso da agricultura capitalista constitui um progresso não só na


parte de rapinar o operário [agricultor], mas também na arte de rapinar o solo;
(...) constitui ao mesmo tempo um progresso da ruína das fontes duráveis
desta fertilidade (apud QUAINI, 1979, p. 133).

O Jornal Gazeta Mercantil refere‐se à exploração inadequada das terras,


ao analisar os espaços disponíveis para a agricultura em lavouras anuais:

Parte da responsabilidade é da exploração de terras inaptas para certas


atividades econômicas. É o caso do Oeste Catarinense, onde 43% da superfície
cultivada é inadequada para lavouras anuais. Outros 26% estão longe das
condições ideais (GAZETA MERCANTIL, A‐8: 27‐28/02 e 1º/03/99).

O desenvolvimento intenso de sistemas de cultivo, associado ao uso de


áreas de terras inadequadas à prática agrícola, gerou sérias consequências à
qualidade dos solos, verificadas através de intensos processos erosivos,
diminuição dos níveis de nutrientes e, por vezes, esgotamento.

Considera‐se a erosão como o principal problema ambiental da região, pois


ocorre em praticamente todo o território, afetando todos os agricultores de
acordo com as práticas de manejo, e pelas consequências ambientais e
econômicas dela decorrentes (TESTA et al., 1996, p. 137).

A topografia acidentada da região, bem como o modelo agrícola acima


referido, pautado numa dinâmica muito acelerada em relação ao uso e à
exploração sistemática do solo foram fatores determinantes da deterioração
e da elevação dos custos de produção.
A expansão dos complexos agroindustriais do Oeste Catarinense, a
partir de meados dos anos 1960, está associada ao processo de
modernização da agricultura e, consequentemente, da pequena propriedade
familiar, que, por sinal, sempre foi de elevada produção. Foram e são elas as
responsáveis diretas pelo fornecimento de matérias‐primas às
agroindústrias. Estas, gradativamente, foram se consolidando e exercendo
controle hegemônico dos setores de produção e distribuição, tanto regional
quanto nacional, efetivando tal modelo de desenvolvimento econômico.
Um dos problemas ambientais mais graves decorrentes do aumento na
produção agropecuária (suínos, aves e bovinos) nas últimas décadas foi a

226
crescente quantidade de dejetos. Frente a isso, e na tentativa de dar destino
aos dejetos, a alternativa foi de usá‐los como adubo orgânico para a
recuperação dos solos agrícolas. Evidentemente, devido à sua composição,
os dejetos se constituem em bons fertilizantes para as lavouras. Por outro
lado, causam violenta poluição dos solos agrícolas e, por extensão, fontes e
mananciais, comprometendo seriamente a qualidade das águas, o que
repercute na saúde pública da população e na vida das diferentes espécies
animais.

Deste quadro resulta ainda prejuízos à fauna aquática e ao abastecimento de


água aos animais domésticos, às propriedades rurais e a grande parte das
cidades da região. Em relação ao abastecimento das cidades, os custos
decorrentes da remoção dos sedimentos, redução da turbidez e tratamento da
água são elevados. Com o controle da poluição, grande parte desses custos
poderiam ser reduzidos, bem como seriam evitados certos poluentes químicos
(agrotóxicos), que não são retirados pelo tratamento convencional da água
(TESTA et al., 1996, p. 138).

Cabe destacar matéria publicada no Jornal Gazeta Mercantil sobre um


estudo que avalia o impacto do descarte de dejetos da suinocultura e suas
consequências, e isto vale para o município de Concórdia, profundamente
inserido nesse contexto:

Em 1993, as pocilgas do Oeste de Santa Catarina produziam 8,8 milhões de


metros cúbicos de esterco por ano – com potencial poluidor de uma cidade de
30 milhões de pessoas. A consequência é a contaminação de muitos rios.
Pesquisa realizada em Concórdia (SC) no início dos anos 90 mostrou que
36,8% das amostras de água coletadas tinham concentração de nitratos
superiores ao limite máximo legal (GAZETA MERCANTIL, A‐8: 27‐28/02 e
1º/03/99).

De acordo com a mesma matéria, ressalta‐se que, “[...] se fossem


industrializados, tais nitratos poderiam enriquecer a região. Cada tonelada
de esterco suíno corresponde a 10 quilos de adubo NPK” (nitrogênio, fosfato
e potássio) [Nutrientes Químicos] (GAZETA MERCANTIL, A‐8: 27‐28/02 e
1º/03/99).
A partir da década de 1970, principalmente, a questão ecológica passou
a conquistar maior espaço em nível mundial, através da Conferência de
Estocolmo (1972) e, por extensão, nacional. O debate em torno dessa
questão acabou permeando e influenciando os mais distintos espaços das
sociedades regionais, que, timidamente, foram ampliando as discussões,
com os diferentes setores educacionais, públicos e privados acerca das
questões ambientais decorrentes da adoção de um modelo econômico.
Nesse contexto, a partir de meados da década de 80, começam a ser, de
certa forma e em certos setores da sociedade, inclusive no nível regional,
intensificadas e aprofundadas as discussões em relação ao uso, manejo e

227
conservação dos recursos naturais e, mais especificamente, dos solos. Foi
flagrante a constante preocupação ambiental, expressa por diferentes
setores da sociedade, no que diz respeito às causas da erosão e poluição dos
solos e ao seu uso intensivo. Apontavam‐se essas práticas como
desencadeadoras de intensos prejuízos na produtividade agrícola.
Diante das consequências decorrentes dos ciclos econômicos já
descritos, nos desafiamos a apontar algumas possibilidades e reflexões em
torno de novos cenários econômicos regionais, entre eles as barragens
(produção de energia, instalação de tanques‐rede) e os crescentes
reflorestamentos com espécies vegetais exóticas. Por fim, analisamos os
novos cenários que emergem na economia regional, com destaque para as
possibilidades e limites das Indicações Geográficas no referido território.

2. NOVOS CENÁRIOS PARA A ECONOMIA REGIONAL

É importante observar, mediante a história da humanidade, que, por


uma necessidade vital de sobrevivência, as diversas populações, sejam elas
de caçadores, agricultores, nômades, sejam de sedentários que se
deslocavam para diferentes regiões, de forma temporária ou definitiva,
estabeleceram‐se, de maneira geral, junto ou próximo aos cursos d’água.
Essa lógica também ocorreu na ocupação do Oeste Catarinense pelos
primeiros grupos humanos (índios e caboclos).
Posteriormente, pelo processo de colonização da região pelos
imigrantes e seus descendentes, a mesma lógica se repete: habitar junto ou
próximo aos cursos d’água. As águas se constituíram, evidentemente, num
recurso fundamental para a sobrevivência, mas, também, essencialmente,
numa garantia necessária para os diferentes tipos de abastecimento, além
de servirem para as instalações do conjunto da propriedade, bem como
numa potencial fonte de energia onde quer que fossem estabelecer suas
propriedades.
As águas, principalmente dos pequenos rios, serviram, por vezes, para a
produção de energia, obtida através da instalação de grandes rodas de
madeira (rodas d’água) movimentadas pela força ou queda das águas,
gerando energia elétrica para o conjunto da propriedade. Vale dizer, ainda,
que, mesmo não encontrados com muita frequência, os moinhos e engenhos
(aparelhos destinados à atividade de beneficiamento) para moer cereais
como o milho, o arroz e outros também eram movidos utilizando‐se a
energia das águas dos rios.
Pela abundância de águas na região, era comum a presença de peixes,
constituindo‐se em uma importante fonte de alimentação, pois eram
encontrados em todos os rios e arroios. Ao estudar as águas da região,

228
torna‐se imprescindível destacar a importância do Rio Uruguai no contexto
desse processo de colonização.
As características físico‐geográficas que apresenta o Vale do Rio
Uruguai (encachoeirado, canyons, saltos, corredeiras, etc.), além da
quantidade de água oferecida no conjunto da bacia que forma o rio,
acabaram despertando motivações no governo e na iniciativa privada a
partir dos anos 80, os quais passaram a se interessar pela exploração do seu
potencial hidrelétrico. Não tardou o início de estudos, projetos e
investimentos que resultaram na aprovação e construção de barragens nas
décadas de 1990 a 2010 entre as quais, destacam‐se: Pai Querê, Barra
Grande, Machadinho, Itá, Foz do Chapecó e Itapiranga.
Consideramos importante a geração de energia, pois praticamente todo
o conjunto dos setores produtivos da economia da sociedade moderna está
estruturado sobre essa modalidade energética. No entanto, torna‐se
premente analisar os interesses que estão em jogo para a execução de
megaprojetos como esses. Questionamos se tais iniciativas estão levando em
conta os aspectos histórico‐culturais, econômicos e antropológicos das
populações que vivem ou viviam nesses territórios e que são atingidas pela
construção dessas barragens.
Haveria necessidade de construir obras dessas proporções quando
exemplos e estudos apontam e demonstram que seria possível construir
Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em rios menores com custos
inferiores e com reduzidos impactos, sejam eles sociais, econômicos ou
ambientais? Será que não existiria a possibilidade de aproveitamento de
outros recursos naturais para a geração de energia como, por exemplo, a
eólica e a solar, já que dispomos de tecnologias avançadas, sem causar
tantos impactos?
O Rio Uruguai, formado a partir da junção dos rios Canoas e Pelotas,
serve de divisor dos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Possui aproximadamente 2,3 mil km de extensão e uma média de 400
metros de largura. Junto com outros importantes afluentes, que formam sua
bacia ao longo de sua extensão territorial, tornou‐se historicamente de
grande relevância econômica. O fomento do turismo, proveniente dos lagos,
por exemplo, poderá se constituir numa nova atividade econômica regional,
capaz de estimular o desenvolvimento socioeconômico, gerando,
principalmente, emprego e renda.
Uma das atividades econômicas em curso desenvolvidas no lago da
Usina Hidrelétrica de Itá (UHI) é o Projeto “Tanques‐redes” 7. Tal atividade é

7
Tanques-rede (ou gaiolas): é um sistema de produção de peixes em alta densidade de
estocagem, ou seja, de forma intensiva, cujo resultado final é a alta produtividade. Em geral,

229
incentivada e coordenada pelo Governo Federal através do Ministério da
Pesca e Aquicultura e executado pela Prefeitura Municipal de Concórdia. Os
agricultores ribeirinhos interessados no desenvolvimento da atividade de
piscicultura se organizam em cooperativas denominadas “Colônia de
Pescadores”. É o que ocorreu com a experiência desenvolvida desde o ano
de 2011 e localizada na Comunidade Rural de Pinheiro Preto, interior do
município.
Atualmente, há 166 tanques redes para criação de peixes. Para o ano de
2015, há perspectivas da instalação de mais 200 tanques. A opção da espécie
de peixe é pela tilápia, pois tal espécie adaptou‐se bem ao clima, tem sabor
agradável, aceitabilidade de mercado, além do bom desempenho em termos
de produtividade. Segundo informações dos sócios da Colônia de
Pescadores, são comercializadas, mensalmente, cerca de 20 toneladas de
peixe. Tal atividade está gerando emprego, renda e contribuindo para o
desenvolvimento econômico e social regional.
Além dessa, outras atividades em expansão no Oeste Catarinense são as
plantações de monoculturas (pinus e eucaliptos), principalmente. No
entanto, questiona‐se: quais os impactos ambientais a curto, médio e longo
prazo, decorrentes de tais práticas monocultoras?
Dentro da Mesorregião Oeste Catarinense está o território do Meio
Oeste, conforme a Figura 2, composto por 25 municípios. Sua área territorial
é de aproximadamente 5.780,782 km².

3. INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO POTENCIAIS DE DENVOLVIMENTO E


IDENTIDADE REGIONAL NO OESTE DE SANTA CATARINA: O CASO DA CARNE
SUÍNA NO MEIO OESTE DE SANTA CATARINA

No território do Meio Oeste, a policultura da produção de milho, feijão,


trigo, fumo e mandioca, associada à criação de animais domésticos, entre os
quais, suínos, bovinos e aves, constituíram a base da economia.
Historicamente, a operacionalidade de tais atividades econômicas assentou‐
se no trabalho familiar, conforme destacado anteriormente.
Dentre as atividades econômicas mais importantes, historicamente
desenvolvidas nesse território, se destaca a suinocultura. Exemplo disso foi
e é o município de Concórdia:

Estima‐se que, em todo o município, na década de 1930, havia um rebanho de


cem mil cabeças. A atividade era incentivada pela companhia colonizadora
Mosele, que distribuía aos imigrantes que trazia do Rio Grande do Sul ovos de
aves e reprodutores de suínos (ACCS, 2010, p. 23).

são estruturas retangulares que flutuam na água e confinam peixes em seu interior. Esse
equipamento é constituído, basicamente, por flutuadores (galões, bombonas, bambu, isopor,
canos de PVC, etc.) que sustentam submersas redes de nylon, plásticos perfurados, arames
galvanizados revestidos com PVC, ou ainda, telas rígidas.

230
Figura 2: Mapa de Localização da área de atuação da APROSUI (Associação dos Produtores de Carne
e Derivados de Suínos do Meio Oeste Catarinense).

Fonte: Marchesan & Badalotti, 2014.

Inicialmente, desde o processo de colonização até a década de 1940, a


produção atendia basicamente a subsistência familiar. Posteriormente, com
a instalação dos primeiros frigoríficos e a crescente urbanização brasileira, o
excedente foi gradativamente voltando‐se ao mercado consumidor.

231
Portanto, criar suínos estava presente na cultura popular dos imigrantes e
seus descendentes. Da carne suína, resultavam os derivados, dentre os
quais, linguiça, "queijo de porco”, torresmo, etc. Tais produtos faziam e
fazem parte da dieta das famílias camponesas. Entretanto, conforme
ressaltado anteriormente, tais práticas tradicionais se transformaram, em
função do processo de modernização da agricultura, em especial devido à
verticalização da produção de suínos e aves, em forma de “integração
agroindustrial” instalada na região a partir da década de 1940. A partir
dessa década, constituíram‐se grandes complexos agroindustriais no Oeste
Catarinense, entre eles, a Seara, a Sadia e a Perdigão (BRF Brasil Foods),
além da Cooperativa Aurora. A viabilidade desses complexos se deu
mediante a implantação de sistemas de integração agroindustrial. Segundo
Mior (2005), a região agrega o maior complexo agroindustrial de carne
suína e de aves do Brasil e América Latina, sendo pioneira no
estabelecimento de um sistema de integração agroindustrial entre grandes
agroindústrias e a agricultura familiar.
Tal sistema é a forma e/ou modalidade como se estabeleceram e se
estabelecem as relações comerciais entre as agroindústrias e os agricultores.
As agroindústrias fornecem os insumos e a assistência técnica aos
agricultores e estes, em contrapartida, disponibilizam as instalações e
recursos naturais, principalmente água e mão de obra. Quando os animais
estão prontos para o abate, as agroindústrias os adquirem e remuneram os
produtores de acordo com interesses industriais e valores do mercado.
Dessa forma, através de um processo verticalizado, a população rural do
território do Oeste Catarinense foi orientada e/ou encaminhada a integrar‐
se aos complexos agroindustirais regionais e produzir produtos (suínos,
aves, bovinocultura de leite, fumo, entre outros) de forma homogeneizada.
Evidentemente, as agroindústrias utilizaram‐se de muitas estratégias para
manter as relações via projetos de integração agroindustrial.
Como resultado, ao longo do tempo, constituiu‐se toda uma estrutura
produtiva na forma de monocultora, com alta dependência do setor
agroindustrial. Com isso, historicamente, esse território passou a depender
quase que exclusivamente da matriz produtiva da agropecuária. Esse
modelo produtivo, até os anos 80, definiu uma forma de gestão do território
associada à forte influência dos interesses dos setores agroindustriais,
vinculados à ampliação da produção, número de produtores e política de
crédito via lógica produtivista, que caracterizou um padrão homogêneo de
desenvolvimento rural e regional (MIOR, 2005).
Por essa razão, constata‐se, atualmente, uma profunda dependência e,
por vezes, dificuldade de desvinculação de tal “modelo” de integração aos
complexos agroindustriais implantados, que prenuncia uma crise no
relacionamento entre agroindústrias e produção familiar, com profundas

232
repercussões no território regional. O processo de produção de suínos, por
exemplo, cada vez mais especializado, tem “[...] levado ao aumento das
escalas de produção e, consequentemente, à exclusão dos pequenos
suinocultores da cadeia” (MIOR, 2005, p. 87).
Essas reflexões remetem à necessidade de estudos que busquem
identificar novas possibilidades produtivas para o território em análise.
Diante desse cenário, por outro lado, será possível pensar em novas
matrizes produtivas para o referido território? O debate sobre as
possibilidades de constituição de Indicações Geográficas8 pode despertar
para novas matrizes produtivas ou novos cenários sociais, políticos,
econômicos e ambientais? Quais as possibilidades de novas Indicações
Geográficas regionais?
No Oeste Catarinense, há a criação de aproximadamente seis milhões de
suínos, sendo esse território identificado nacionalmente pelo profundo
vínculo com tal produção e pela atuação de pequenas, médias e grandes
agroindústrias. Desde 2010, ocorrem iniciativas para discutir a possibilidade
de Indicação Geográfica para a carne suína regional. Dentre as dúvidas que
permanecem, uma delas é: como pensar uma Indicação Geográfica, partindo
da notoriedade dos produtos cárneos suínos, num território dominado pelos
complexos agroindustriais, na perspectiva de inclusão de um maior número
de produtores rurais ao processo de produção e circulação? Tais questões
nos levam a refletir sobre as Indicações Geográficas como potenciais
indutores de desenvolvimento e identidade regional do Oeste Catarinense,
tomando como exemplo o caso da carne produzida na região.

8
Indicações Geográficas são ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais
vinculados a determinados territórios. Normalmente, possuem duas funções principais: agregar
valor ao produto e proteger a região produtora. O sistema de Indicações Geográficas deve
promover os produtos e sua herança histórico-cultural, que são intransferíveis. Essa herança
abrange vários aspectos relevantes: área de produção definida, tipicidade, autenticidade com
que os produtos são desenvolvidos e a disciplina quanto ao método de produção, garantindo
um padrão de qualidade. Tudo isso confere uma notoriedade exclusiva aos produtores da área
delimitada. Ao mesmo tempo em que se possui uma qualidade diferenciada, a mesma está
protegida por esse reconhecimento ser único em meio aos produtores daquela região. As
Indicações Geográficas contribuem para a preservação da biodiversidade, do conhecimento e
dos recursos naturais. Trazem contribuições extremamente positivas para as economias locais e
para o dinamismo regional, pois proporcionam o real significado de criação de valor local. As
Indicações Geográficas são divididas em duas espécies: Indicação de Procedência (IP) – que
valoriza a tradição produtiva e o reconhecimento público de que o produto de uma
determinada região possui uma qualidade diferenciada. É caracterizada por ser uma área
conhecida pela produção, extração ou fabricação de determinado produto. Ela protege a
relação entre o produto e sua reputação, em razão de sua origem geográfica específica; e
Denominação de Origem (DO) – em que as características daquele território agregam um
diferencial ao produto. Define que uma determinada área tenha um produto cujas qualidades
sofram influência exclusiva ou essencial por causa das características daquele lugar, incluindo
fatores naturais e humanos. Em suma, as peculiaridades daquela região devem afetar o
resultado final do produto, de forma identificável e mensurável (SEBRAE, INPE, 2011, p. 16).

233
A discussão sobre a especificação de ativos e recursos territoriais via
Indicação Geográfica ou outras formas assemelhadas estabelece um diálogo
direto com o tema território, identidade territorial e desenvolvimento, a
partir do entendimento de que o desenvolvimento resulta da forma como os
atores se relacionam, atuam e se identificam com um âmbito espacial
específico: o território. Nesse sentido, a partir de 2010, configurou‐se na
região em estudo um conjunto de ações que reuniu diferentes atores sociais
governamentais e não governamentais, tendo em vista a discussão e
elaboração de estratégias para uma possível constituição de Indicações
Geográficas para a carne suína desse território.
No dia 29 de novembro de 2010 ocorreu, no auditório da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), seção de Suínos e Aves de
Concórdia, o I Workshop para discutir a possibilidade de Indicação
Geográfica para carne suína no Oeste de Santa Catarina. O evento teve o
apoio da Associação Catarinense dos Criadores de Suínos (ACCS), do
Instituto Nacional da Carne Suína (INCS) e do SEBRAE. Foi um evento
voltado para associações, cooperativas, criadores de suínos, produtores,
agroindústrias, instituições públicas, técnicos e demais atores envolvidos
direta e indiretamente com a suinocultura regional.
Dando sequência a esse conjunto de ações e proposições, no dia 22 de
junho de 2012 um grupo de pequenos empresários vinculados a frigoríficos
ou agroindústrias constituiu a Associação de Produtores de Carne e
Derivados de Suínos do Meio Oeste Catarinense (APROSUI). A Associação
tem por objetivo buscar o reconhecimento dos produtos cárneos suínos
(defumados, embutidos, recheados, temperados...) no mercado consumidor
via Indicação Geográfica.
Assim, organizados pela Associação e em parceria com Instituições de
fomento e pesquisa, como, por exemplo, a EMBRAPA, através do Centro
Nacional de Pesquisas em Suínos e Aves (CNPSA), buscou‐se identificar a
possibilidade de alcançar o reconhecimento através do registro de Indicação
Geográfica para os produtos cárneos suínos produzidos nesse território.
No dia 12 de setembro de 2012, o superintendente do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) Jacir Massi, o fiscal federal
agropecuário José Carlos Ramos e a advogada da Embrapa e responsável
pelas Indicações Geográficas Suely Silva, receberam em Florianópolis o
presidente do Instituto Nacional da Carne Suína (INCS), Wolmir de Souza, o
presidente da Associação dos Produtores de Carnes e Derivados de Suínos
do Meio Oeste Catarinense (APROSSUI) Altair Dale Laste, e o pesquisador
responsável pela IG da Embrapa Suínos e Aves de Concórdia, Fabiano
Simioni, para definir etapas dos processos de efetivação do Selo de Indicação
Geográfica.
Posteriormente, no dia 20 de setembro, a Superintendência do Mapa
realizou em Concórdia (SC) uma reunião com os frigoríficos e produtores

234
independentes de suínos para estabelecer um cronograma de ações. Entre
os objetivos, buscou aprofundar a discussão e sensibilizar os participantes
do projeto quanto à importância da organização, produção e
industrialização para vencer as etapas. Entre os aspectos mais importantes,
se destacam: organização das etapas de fabricação dos produtos (desde a
criação dos suínos até a industrialização da carne), visão de mercado (como
vai ocorrer a comercialização dos produtos e a agregação de valor) e
aprovação das plantas no serviço de inspeção federal, para que os produtos
sejam comercializados dentro de todo o território nacional.
O presidente do Instituto Nacional da Carne Suína (INCS), Wolmir de
Souza, frisou que, antes do reconhecimento do Instituto Nacional de
Propriedade Intelectual (INPI) sobre a Indicação Geográfica da carne suína
do Meio Oeste Catarinense, os frigoríficos envolvidos no projeto passarão a
vender sob uma marca coletiva: “Esta ação vai abrir o mercado e agregar
valor aos produtos derivados de carne suína da região. Quando a
comercialização da marca iniciar é que o projeto vai estar concluído e apto
para receber a certificação de Indicação Geográfica”. O presidente reconhece
que o processo para a certificação é lento. Necessita de consenso e
comprometimento de todos os envolvidos no projeto para que a carne suína
ocupe o espaço de direito na mesa dos brasileiros e para que a região do
Meio Oeste, tradicional produtora de suínos, ganhe visibilidade no Brasil
como polo de produção de produtos à base de carne suína com garantia de
qualidade e sabor, pontuou o presidente.
Nesse sentido, no dia 9 de maio de 2013, tendo como local o Auditório
do Centro de Eventos de Concórdia, ocorreu o II Workshop sobre Indicação
Geográfica da carne suína do Meio Oeste Catarinense. Entre os objetivos do
Workshop, buscou‐se informar e mobilizar os atores (produtores,
autoridades políticas e empresários, profissionais ligados à cadeia de carne
suína e do turismo regional, entre outros). Além disso, o evento suscitou
pensar em possibilidades de articulação e construção de mecanismos a fim
de legitimar a Indicação Geográfica da Carne Suína nesse território.
Para os organizadores do Evento, o território do Meio Oeste Catarinense
foi um dos berços da suinocultura brasileira, pois os colonizadores alemães
e italianos, principalmente, sabiam criar, manejar e preparar produtos,
primeiramente para sua subsistência , sendo o excedente destinado ao
mercado. Com isso, conferiu‐se e confere‐se a especificidade cultural dos
colonizadores em produzir suínos e derivados e transformá‐los em produtos
diferenciados e qualificados. Assim, a região constituiu‐se em berço e sede
das maiores agroindústrias brasileiras e mundiais, entre elas a Sadia, a
Perdigão e a Aurora.
Além do mais, os organizadores acreditam na possibilidade de
constituição de IG, pois os produtos da carne suína produzidos por pequenas

235
agroindústrias da região possuem qualidade e sabor diferenciado,
principalmente em função do “saber‐fazer popular”, caracterizando o que
tem sido denominado de capital territorial.
O capital territorial constitui‐se na riqueza do território (atividades,
paisagens, patrimônio, saber‐fazer, etc.). Por outro lado, as relações do
território com o exterior são elementos determinantes do capital territorial
(LEADER, 2009). Os atores locais podem ativar e revalorizar o capital
territorial transformando os ativos genéricos em especificidades. Segundo
Rallet (1995), ao serem de natureza única e diferenciada, são dificilmente
transponíveis, ou transladáveis, constituindo‐se em uma das chaves
explicativas da competitividade territorial e do desenvolvimento.
A constituição de uma IG poderá agregar valor aos produtos cárneos,
promover o desenvolvimento socioeconômico e fortalecer toda a cadeia
suinícola, além de fomentar novos desdobramentos ao turismo e estímulo a
outras atividades econômicas, entre elas, o turismo gastronômico.
Entre os parceiros na perspectiva de constituição da IG, está a
EMBRAPA, por intermédio dos pesquisadores do CNPSA. A proposta inicial é
recuperar a genética animal do suíno mouro, do “tipo banha" ou “comum”,
melhorado geneticamente e a não utilização de insumos ou promotores de
crescimento. Para Volmir de Souza, “hoje, vende‐se marca, mas não carne
diferenciada”. Ou seja, o presidente do INCS reporta‐se pela venda de carne
em escala, profundamente vinculada à marca das agroindústrias e não a
produtos com especificidades ou diferenciais.
Além disso, nesse contexto, os recursos e ativos com especificidade
territorial precisam merecer atenção. Eles possibilitam a construção de uma
conformação socioeconômica que destaca a importância dos produtos (ou
serviços) com identidade territorial, para o desenvolvimento. Trata‐se de
ultrapassar a dimensão de uma vantagem comparativa para uma vantagem
diferenciadora, resultante de processos originais de emergência de recursos
e ativos com ancoragem territorial (PECQUEUR, 2009; DALLABRIDA, 2012).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tradicionalmente, a população rural do território do Oeste Catarinense,


mais especificamente do Meio Oeste Catarinense, foi orientada e/ou
encaminhada a integrar‐se aos complexos agroindustriais regionais e
produzir produtos (suínos, aves, leite, fumo) em escala e de forma
homogeneizada. Evidentemente, os grandes complexos agroindustriais
utilizaram‐se e utilizam‐se de muitos artefatos e artimanhas para manter as
relações via projetos de integração agroindustrial por lhes ser conveniente.
Dessa forma, historicamente constituiu‐se toda uma estrutura
produtiva de monocultora e dependência, sendo que esse território passou a

236
depender quase que exclusivamente da matriz produtiva da agropecuária.
Portanto, constata‐se, atualmente, a profunda dependência e, por vezes,
dificuldade de se desvencilhar de tal “modelo de integração” dos complexos
agroinstriais implantados.
Por outro lado, questiona‐se: será possível pensar em novas matrizes
produtivas para o referido território? O debate sobre as possibilidades de
constituição de Indicações Geográficas pode despertar para novas matrizes
produtivas ou novos cenários políticos, econômicos e ambientais? Quais as
possibilidades de novas Indicações Geográficas regionais?
O território do Meio Oeste Catarinense foi o berço do conflito do
Contestado (1912‐1916), a qual desenhou uma história diferenciada sobre
vários aspectos, entre eles, a alimentação dos habitantes desse lugar. A dieta
alimentar da sociedade humana regional antes, durante e após a Guerra do
9
Contestado era a quirera . Nesse sentido, esse alimento humano típico do
território do Contestado poderia constituir‐se numa Indicação Geográfica?
Além disso, pela formação geológica regional, aflora, em diferentes
áreas do território oestino, águas termais. Exemplo disso são os municípios
de Piratuba, Itá e Águas de Chapecó. Regionalmente, o balneário de maior
10
estrutura e movimento de turistas é o de Piratuba, que, igualmente,
poderia se constituir em uma Indicação de Procedência?
Essas e outras questões estão sendo apresentadas na perspectiva de
fomentar o debabe. Aliás, esse é um dos compromissos e uma das funções
sociais da Universidade, ou seja, estar na vanguarda da reflexão, proposição
e ação, e não apenas formar/preparar/qualificar mão‐de‐obra ou
profissionalizar sujeitos para operacionalizar máquinas e produzir
commoditys, mas, sim, estimular a pensar, refletir, criar e empreender.
Assim, pode‐se fomentar o empreendedorismo, o associativismo, o
cooperativismo e, com isso, promover o desenvolvimento social, cultural,
político e econômico. Ou seja, o desenvolvimento regional em suas
diferentes dimensões. Entende‐se por desenvolvimento territorial o
aprimoramento do conjunto de políticas e ações que melhorem a vida das
pessoas e do ambiente de um determinado território.
Obviamente, esse novo processo de desenvolvimento precisa pensar na
perspectiva da inclusão social, de modo a promover produção diferenciada,
qualificada e que distribua renda. Da mesma forma, impõe‐se a necessidade

9
Quirera: milho triturado em pilão. Após triturado e misturado com carne suína, fazia-se a
cocção. Tal alimentação fazia parte da dieta alimentar cotidiana do homem do Contestado.
10
No intuito de procurar petróleo, em 1964 a Petrobrás perfurou um poço com 2.271,30
metros de profundidade. Nos 674 metros, encontrou um lençol de águas sulfurosas. São águas
com temperaturas médias de 37,4º C na fonte. Suas águas são utilizadas para lazer, além de
recomendações no tratamento de reumatismos, úlceras, cálculos renais, hipertensão arterial,
eczema e estresse.

237
de se estabelecer uma nova relação com os recursos naturais, considerados
estratégicos ao desenvolvimento regional, produzindo e cuidando da
qualidade ambiental concomitantemente.

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WAIBEL, L. Capítulos de Geografia Tropical e do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE,


1979.

240
CAPÍTULO 12

INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DA ERVA‐MATE NO


TERRITÓRIO DO CONTESTADO: REFLEXÕES E
PROJEÇÕES1
Valdir Roque Dallabrida; Fernanda Teixeira Santos; Lauro William
Petrentchuk; Mayara Rohrbacher Sakr; Murilo Zelinski Barbosa; Natany
Zeithammer; Paulo Moreira; Tiago Luiz Scolaro; Jairo Marchesan ‐ UnC

INTRODUÇÃO

Nos anos recentes, estudos foram realizados, avaliando experiências de


Indicação Geográfica (IG), alguns deles no Brasil, outros no exterior, em
especial nos países europeus. Para citar alguns, lembramos: Tonietto
(2003); Sacco dos Anjos e Caldas (2010); Silva et al. (2010); Ortega e
Jeziorny (2011); Sacco dos Anjos, Criado e Caldas (2011); Champredonde
(2011; 2012); Froehlich (2012); Santos e Ribeiro (2012); Niederle
(2013a/b); Dallabrida et al. (2013); Dallabrida (2012a/b; 2013; 2014a/b/c).
Algumas dessas obras são coletâneas, contemplando a visão de diferentes
autores. Parte das publicações mencionadas resulta de estudos realizados
por pesquisadores do Grupo de Estudos e Investigação sobre Signos
Distintivos Territoriais, Indicação Geográfica e Desenvolvimento Territorial
(GEDET)2.
No seu conjunto, as publicações referidas revisam literatura que trata
do tema IG3, além de realizar a análise de experiências brasileiras e
internacionais. Pela leitura das publicações, uma constatação é recorrente: o
debate do tema Indicação Geográfica precisa ser contextualizado entre os

1
Este artigo foi publicado na revista DRd – Desenvolvimento Regional em debate, v. 4,
jul./dez. 2014. Sua elaboração foi feita no contexto do debate em curso no Grupo de Estudos e
Investigação sobre Signos Distintivos Territoriais, Indicação Geográfica e Desenvolvimento
Territorial (GEDET), no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da
Universidade do Contestado (Santa Catarina). Agradecemos aos colegas pelas críticas e
sugestões, as quais vieram a melhorar a qualidade do texto. No entanto, os posicionamentos
aqui assumidos são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por outro lado, em parte, o
texto resume resultados de dois projetos de investigação em curso: Território, Identidade
Territorial e Desenvolvimento (financiado pela FAPESC); Indicação Geográfica como
alternativa de desenvolvimento territorial (CNPq).
2
Grupo de Pesquisa registrado no CNPq, tendo na coordenação professor do Mestrado em
Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado.
3
Por esse motivo, optamos neste artigo por reduzir o referencial teórico a um conjunto de
categorias conceituais que, na nossa percepção, são básicas para situar o debate sobre
Indicação Geográfica.

241
esforços que os atores territoriais realizam em relação à definição de seu
futuro, afim de que tal estratégia de articulação territorial seja considerada
um meio e não um fim em si mesmo. Partindo dessa compreensão, a IG seria
entendida como uma estratégia, dentre outras, para articulação dos
processos de desenvolvimento territorial. Mesmo não sendo a única, não é a
menos importante, o que justifica o aprofundamento do seu estudo.
Retomando o tema, apresentamos um conjunto de reflexões para
fundamentar o debate sobre a proposta de IG da erva‐mate no Planalto
Norte Catarinense e Centro‐Sul do Paraná, recorte territorial que preferimos
denominar de Território do Contestado, ao mesmo tempo em que nos
desafiamos a fazer projeções.
O presente texto se apresenta como um ensaio, ao mesmo tempo em
que tem um caráter especulativo, na forma de pesquisa‐ação, refletindo
sobre uma determinada realidade e ousando em ser propositivo. Sustenta‐se
em estudos teórico‐analíticos, nacionais e internacionais, além da
experiência recente na investigação sobre o tema IG. Portanto, resulta de
estudos teóricos, de observações e análises oportunizadas por processos de
investigação, além incluir posicionamentos pessoais.
Iniciamos pelo debate teórico, dando destaque a algumas categorias
conceituais que consideramos fundamentais. Na sequência, fazemos a
contextualização da realidade sociocultural e econômica do recorte
territorial no qual está ocorrendo o debate para a proposição da IG da erva‐
4
mate, o Território do Contestado . Logo após, damos destaque a aspectos
práticos relacionados às normativas para o registro de uma IG, tendo como
referência o caso da erva‐mate no Território do Contestado. Finalizamos o
texto com análises e projeções, apontando indicativos em relação ao caso em
referência.

1. SITUANDO TEORICAMENTE O TEMA INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

Inicialmente, partimos da concepção de que uma prática distinta requer


robusta fundamentação teórica. Por isso, iniciamos situando teoricamente o
debate sobre Indicação Geográfica, fazendo referência a seis categorias
conceituais: território, territorialidade, identidade territorial, ancoragem
territorial, capital territorial e governança territorial. Para facilitar o
entendimento, relacionamos a referência teórica com possíveis implicações
práticas. O fim a que sugerem processos com características designadas dela
acepção das mencionadas categorias é o desenvolvimento territorial. Um
dos meios para a consecução de fins dessa natureza é a Indicação Geográfica.
Por isso, finalizamos a abordagem teórica com uma breve referência sobre
Indicação Geográfica e desenvolvimento territorial.

4
Temporalmente, fazemos referência ao segundo semestre de 2014.

242
1.1 TERRITÓRIO

O território é uma construção social resultante de relações de poder


que, simultaneamente, contém a dimensão da unidade, da solidariedade e da
conflitualidade. Trata‐se de relações inseridas na história de uma sociedade
situada territorialmente. Refere‐se a uma fração do espaço, historicamente
construída pelas interelações dos atores sociais, econômicos e institucionais
que atuam nesse recorte espacial, apropriada a partir de relações de poder
sustentadas em motivações políticas, sociais, econômicas, culturais ou
religiosas, oriundas do Estado, de grupos sociais ou corporativos,
instituições ou indivíduos (DALLABRIDA, 2011).
O que convencionamos teoricamente chamar de território não se trata
de qualquer recorte espacial. É diferente do que chamamos de região, esta
sendo um recorte demarcado por limites político‐administrativos. Ex.
Região da 26ª Secretaria de Desenvolvimento Regional. Território é um
recorte cujos limites se estendem até a área abrangida por uma determinada
característica identitária e de poder. Dois exemplos: o "Território do
Contestado", como sendo a área onde residia um povo que tinha uma forma
de vida própria e que, por determinados ideais, lutou contra a forma de
ocupação que não atendia aos seus interesses; área abrangida por uma
forma histórica de ocupação da terra, a exemplo do cultivo de erva‐mate.
Nesse último exemplo, podemos fazer referência ao "território da erva
sombreada do Contestado", com predominância de uma forma específica de
cultivo.

1.2 TERRITORIALIDADE

Territorialidade refere‐se ao ato de pertencimento, ou seja, estar


integrado num meio que nos pertence (SANTOS e SILVEIRA, 2001). Também
corresponde às relações sociais e às atividades diárias que os homens têm
com seu entorno (SAQUET, 2007; HAESBAERT, 2011), ou, ainda, às relações
entre um indivíduo ou grupo social e seu meio de referência (ALBAGLI,
2004).
Albagli (2004) defende o fortalecimento e capitalização de
territorialidades em favor do desenvolvimento territorial, propondo, na
prática, a necessidade de identificação das unidades territoriais que se
revelam pelo senso de identidade e pertencimento territorial, de
exclusividade e tipicidade, pelos tipos e intensidade de interações entre
atores locais. Isso exige (1) a geração de conhecimentos sobre o território,
ou seja, identificar e caracterizar as especificidades que melhor traduzam e
distingue aquele território, (2) a promoção de sociabilidades, identificando e
mobilizando os atores e segmentos sociais que imprimam um dinamismo

243
local e que se caracterizem por serem genuínos e com tradição, e (3) o
reconhecimento e a valorização da territorialidade, na perspectiva da
dinamização social, produtiva e comercial, do resgate e valorização das
imagens e símbolos que a população autóctone valoriza. Esses referenciais
devem direcionar a forma de intervenção dos poderes públicos e das
organizações sociais num determinando território (ACAMPORA e FONTE,
2008).
A questão do fortalecimento e capitalização de territorialidades em
favor do desenvolvimento territorial, no caso do Território do Contestado,
implicaria em desencadear um processo de diagnóstico e planejamento
territorial integrado, valorizando todos os componentes do seu capital
territorial.

1.3 IDENTIDADE TERRITORIAL

A identidade territorial é o elemento diferenciador de um determinado


agrupamento populacional, pois seus traços e características estão ligados
ao espaço, à cultura, às relações sociais e ao patrimônio ambiental
territorial. Refere‐se tanto à dimensão social quanto à físico‐natural (tipo de
paisagem) e cultural (tradições e valores). A identidade territorial resulta de
processos históricos e relacionais. Assim, a identidade configura‐se num
patrimônio territorial a ser preservado e valorizado pelos atores envolvidos
(SAQUET e BRISKIEVICZ, 2009; RAMÍRES, 2007; FLORES, 2008; DENARDIN
e SULZBACH, 2010).
A identidade territorial envolve o patrimônio identitário, ou seja, o
saber‐fazer, as edificações, os monumentos, os museus, os dialetos, as
crenças, os arquivos históricos, as relações sociais das famílias, as empresas,
as organizações políticas, dentre outros aspectos. Tais elementos
identitários podem ser decompostos em projetos e programas de
desenvolvimento de cada território. Quanto aos possíveis impactos da
identidade territorial no processo de desenvolvimento, Pollice (2010)
destaca que esta tende a reforçar as normas, os valores éticos e
comportamentais localmente compartilhados, além de contribuir para
melhorar a transferência do saber entre as gerações.
Concordamos com Pollice (2010) quando afirma que os sentimentos
identitários determinam, no nível local, um apego afetivo aos valores
paisagísticos e culturais do território. Partindo dessa compreensão, o
desenvolvimento territorial se sustenta na capacidade da comunidade local
de valorização do território, em particular os ativos e recursos que
constituem elementos de diferenciação.

244
1.4 ANCORAGEM TERRITORIAL

A ancoragem territorial se parece com um diálogo entre ator e


território, inscrito no tempo, em que os processos se comunicam
mutuamente em uma relação sistêmica (FRAYSSIGNES, 2005). Estar
ancorado territorialmente representa estar enraizado no território.
Contrariamente à ancoragem, no processo de globalização, as empresas
transnacionais quando apenas se apropria dos recursos de territórios, não
necessariamente se enraízam. Pelo contrário, normalmente exercem a
exploração dos recursos naturais e humanos. Ou seja, é mais comum a
situação das empresas se transformar em verdadeiros enclaves territoriais
(SANTOS e SILVEIRA, 2001). Trata‐se de empreendimentos situados nos
territórios, com o interesse exclusivo de apropriar‐se das riquezas ali
disponíveis, transformando‐as em commodities, viabilizando a expansão do
capital empresarial e financeiro. Como exemplos, seriam certos
empreendimentos que apenas semi‐industrializam produtos de um
determinado território, sem agregar valor localmente.
Um produto resultante de processos de ancoragem territorial tem
maior potencial de transformar‐se em produto típico, logo, se constituir
numa potencial IG (CHAMPREDONDE, 2012). Resultante disso, empresas e
produtores não ancorados territorialmente se constituem em atores que
nem sempre atendem aos interesses específicos dos territórios, pois a
ancoragem é decisiva no processo de desenvolvimento territorial. O
5
documento FAO y SINER de 2010 , define qualidade específica como "[…]
um conjunto de características associadas a um bem ou serviço
reconhecidas como aspectos distintos em comparação com produtos
similares". Trata‐se de um produto originário de determinado território que
pode ser identificado por suas particularidades, diferenciando‐se assim dos
demais (CHAMPREDONDE, 2011).

1.5 CAPITAL TERRITORIAL

Capital territorial refere‐se ao conjunto dos elementos de que dispõe o


território ao nível material (produtos e serviços) e imaterial (valores e
tradições) e que podem construir, em alguns aspectos, vantagem e, em
outros, desvantagens (LEADER, 2009). O capital territorial constitui, então, a
riqueza do território, na forma de atividades produtivas, paisagens,
patrimônio, saber‐fazer, cultura e tradições.
O capital territorial se constitui nos recursos e ativos territoriais a
serem valorizadas. Caravaca e González (2009) propõem ativar e revalorizar
5
Trata-se do documento Uniendo personas, territorios y productos, citado em Champredonde
et all. (2012, p. 4).

245
o capital territorial, ou seja, os recursos ligados aos territórios, convertendo
aqueles que são genéricos em específicos, resultando numa das mais
importantes estratégias de desenvolvimento territorial.
Na Figura 1 estão representados os componentes do que chamamos de
capital territorial, ao mesmo tempo, integrando as demais categorias
conceituais. A compreensão de tais categorias e sua aplicabilidade e
implicação prática são fundamentais para o adequado direcionamento do
debate sobre a constituição de uma IG. Já tínhamos pensado nisso? Temos
considerado os elementos do capital territorial, integradamente, ao
propormos uma estratégia de desenvolvimento? Ou ainda somos dos que
pensam o desenvolvimento territorial de forma setorializada?

Figura 1 ‐ Capital Territorial e seus componentes

CAPITAL PRODUTIVO CAPITAL NATURAL CAPITAL HUMANO E


Recursos Financeiros, Patrimônio natural, meio INTELECTUAL
maquinaria, ambiente... Saber fazer local, formação
equipamentos, acadêmica e profissional,
infraestruturas... conhecimento,
criatividade...

CAPITAL
TERRITORIAL

CAPITAL CULTURAL CAPITAL INSTITUCIONAL


Valores e códigos de CAPITAL SOCIAL Institucionalidades estatais
conduta, patrimônio e não estatais, de caráter
Valores compartilhados
cultural, cultura social, corporativo, cultural,
socialmente,
empresarial... político, administrativo...
associativismo, redes
sociais estabelecidas...

Fonte: Elaboração própria, a partir de Caravaca e González (2009)

1.6 GOVERNANÇA TERRITORIAL

Por fim, resta uma questão importante: a gestão dos processos de


desenvolvimento territorial. Trata‐se da necessidade de mencionarmos
outra categoria conceitual, que chamamos de governança territorial.
A governança territorial corresponde a um processo de planejamento e
gestão de dinâmicas territoriais que prioriza uma ótica inovadora,
partilhada e colaborativa, por meio de relações horizontais. No entanto, esse
processo inclui lutas de poder, discussões, negociações e, por fim,
deliberações, entre agentes estatais, representantes dos setores sociais e
empresariais, de centros universitários ou de investigação. Processos dessa

246
natureza fundamentam‐se num papel insubstituível do Estado, em uma
concepção qualificada de democracia e no protagonismo da sociedade civil,
objetivando harmonizar uma visão para o futuro e um padrão mais
qualificado de desenvolvimento territorial (DALLABRIDA, 2014a).
A menção à governança territorial é utilizada para referir‐se aos
processos de associativismo territorial, sejam eles sob a forma de fóruns ou
conselhos voltados ao debate sobre desenvolvimento regional ou a definição
de políticas públicas, sejam formas de associativismo, tais como, associações
de produtores ou artesãos, pequenas iniciativas na forma de cooperativas,
ou associações de bairros, entre outras. O que diferencia uma ação de
governança é que sempre se trata de intervenção coletiva voltada ao bem
comum do conjunto de atores envolvidos, que inclui atores de caráter
estatal, social e empresarial, integradamente, sustentada em relações
horizontais, onde todos, indistintamente, têm vez e voz. Difere de uma ação
de governo, de cunho vertical, sustentada em parâmetros legais. Da mesma
forma, difere de uma ação do setor empresarial, a qual se rege por
parâmetros de competitividade setorial e de ação privada.
Ousamos em afirmar que processos de desenvolvimento territorial só
são legítimos se geridos por formas de gestão aqui caracterizadas pela
concepção expressa pela categoria conceitual governança territorial.
No caso específico das IG, sua gestão também é realizada por estruturas
associativas, envolvendo atores sociais, empresariais e o Estado. Logo,
podemos fazer referência a tais processos de associativismo territorial como
práticas de governança territorial.

1.7 MEIO E FIM: A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO UMA ESTRATÉGIA NO


PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

Finalizamos esta parte do texto situando a Indicação Geográfica como


uma estratégia para o desenvolvimento territorial.

1.7.1 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA

Consideramos as experiências de IG como uma das principais


estratégias que articula os potenciais de desenvolvimento territorial à noção
de território, territorialidade, identidade, ancoragem e capital territorial,
tendo como referencial para a sua gestão, a concepção de governança
territorial. Sobre IG, nos restringimos aqui a duas menções: sua concepção
básica e tipologia.
No Brasil, as Indicações Geográficas são consideradas marcas
territoriais que reconhecem os direitos coletivos referentes aos sinais
distintivos de um território. Assim, tornam‐se ferramentas coletivas de

247
valorização de produtos tradicionais vinculados a determinados territórios,
atendendo a duas funções: agregar valor ao produto e proteger a região
produtora (GURGEL, 2006).
Uma IG pode ser de duas categorias. A Indicação de Procedência (IP),
caracterizada por ser área conhecida pela produção, extração ou fabricação
de determinado produto, ou prestação de serviço. Já a Denominação de
Origem (DO) é a categoria onde as características daquele território
agregam um diferencial ao produto, ou seja, um produto cujas qualidades
sofram influência exclusiva ou essencial, decorrente das características
daquele lugar, incluídos fatores naturais e humanos.
Assim, as singularidades vinculadas ao território podem ser
reconhecidas e protegidas mediante a IG, transformando‐se em uma
estratégia a ser considerada no processo de desenvolvimento territorial,
integrando os elementos constitutivos do capital territorial.

1.7. 2 DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

A concepção de desenvolvimento territorial surge depois da década de


1970, no século XX, numa associação entre a noção de território e uma nova
concepção de desenvolvimento. De certa forma, origina‐se das formulações
teóricas que recusaram, consciente ou inconscientemente, o paradigma do
modelo único de desenvolvimento dominante até então (CAZELLA, BONNAL
e MALUF, 2008).
O desenvolvimento territorial pode ser entendido como um processo de
mudança continuada, situado histórica e territorialmente, integrado em
dinâmicas intraterritoriais, supraterritoriais e globais, sustentado na
potenciação dos recursos e ativos (materiais e imateriais, genéricos e
específicos), com vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da
qualidade de vida de sua população (DALLABRIDA, 2014a).
Partindo da concepção de desenvolvimento territorial, qualquer
estratégia ou projeto político de desenvolvimento que seja pensada para
lugares, municípios, regiões, territórios ou países implica em considerar
seus recursos e ativos integradamente, superando a tradicional concepção
setorial.

2. CONTEXTUALIZANDO A REALIDADE SOCIOCULTURAL E ECONÔMICA NA


QUAL ESTÁ SENDO PROPOSTA A IG DA ERVA‐MATE

É necessário contextualizar o recorte territorial da área de abrangência


em que está sendo proposta uma IG da erva‐mate, no contexto sociocultural
e econômico que resultaram na História do Contestado, com sua herança
histórica, suas formas de inclusão e exclusão social, seus valores éticos,
culturais e tradições.

248
Em 2012, o jornal O Estado de São Paulo realizou uma série de
reportagens, sendo a principal delas intitulada Os meninos do Contestado. A
expressão meninos é uma referência à população sobrevivente da Guerra do
Contestado, que eram crianças na época do conflito. Vejamos uma referência
6
à população remanescente, feita pelo repórter Celso Junior , que faz pensar
e nos remete ao desafio de buscar superar carências históricas.

O olhar desses meninos revela sofrimento, muito sofrimento, mas por outro
lado revela um olhar guerreiro, de esperança, e quem sabe um dia, esta terra
outrora maldita, tenha dias melhores... O Contestado não é uma guerra do
passado, pois o estado brasileiro ainda não reparou os danos lá causados.

A referência a que o estado brasileiro ainda não reparou os danos


causados pela forma de ocupação do Território do Contestado pode ser
percebida no atual padrão regional de desenvolvimento do Estado de Santa
Catarina. Temos uma região dinâmica que se estende pelo Vale do Rio Itajaí,
o nordeste do estado e o litoral de norte a sul, atividades agrárias e
industriais na serra e sul, além do oeste catarinense, onde se situam as
grandes empresas ligadas ao agronegócio de cereais e carnes. Na parte
central do estado, que corresponde ao recorte territorial do Contestado,
predominam atividades do tipo extrativo‐vegetal e um setor industrial
voltado à produção de semimanufaturados, a exemplo do setor ervateiro, de
papel e celulose. Mesmo os eixos rodoviários, praticamente a única forma de
circulação de pessoas e mercadorias, circundam o Contestado, deixando
vácuos de fluxos e atividades socioeconômicas no território, em especial no
Planalto Norte, onde situa‐se a cidade de Canoinhas. É o que está
representado na Figura 2.
Aliás, o padrão regional de desenvolvimento de SC foi tema de estudo de
pesquisadores catarinenses e espanhóis, durante os meses de julho e agosto
7
de 2014 . Tal estudo apontou quatro características básicas: (1) áreas no
Oeste Catarinense, com dominância de complexos agroindustriais, com
produtores totalmente integrados e identificados com o modelo; (2) áreas
com ausência de complexos agroindustriais, com produtores identificados
com produtos regionais, além das atividades industriais, como o caso do
Vale da Uva Goethe (IG‐2012), do Queijo Serrano na Serra Catarinense e o
Vale do Rio Itajaí; (3) áreas com existência de complexos agroindustriais

6
O documentário está disponível no site: http://topicos.estadao.com.br/contestado. A citação
acima é um recorte de comentários feitos pelo repórter jornalístico em um vídeo disponível no
site.
7
Os primeiros resultados dos referidos estudos foram apresentados em evento internacional,
na Espanha. O tema está motivando a realização de um convênio entre universidades
catarinenses, dentre elas a UnC, e a Universidad Castilla-La Macha, de Ciudad Real, na
Espanha, o qual prevê o aprofundamento das investigações e a circulação interinstitucional de
professores e estudantes de pós-graduação.

249
com interesses em produtos pouco valorizados localmente, no entanto, com
forte identidade paisagística e cultural e escassa integração dos produtores,
8
como o caso da Erva‐Mate do Contestado ; (4) a área litorânea, que se
estende de norte a sul, com predominância de atividades relacionadas ao
turismo e funções administrativas, com exceção do nordeste, onde se situa
um setor industrial dinâmico, exercendo uma forte pressão de atração de
capitais gerados no interior do estado, a exemplo dos investimentos no setor
imobiliário (DALLABRIDA et al., 2014).

Figura 2 ‐ Representação do padrão regional de desenvolvimento do Estado de SC

Fonte: Adaptada de Dallabrida et al. (2014)

Especificamente em relação ao caso da erva‐mate do Território do


Contestado, o estudo detecta desafios: (1) percebe‐se uma pressão de
empresas para controlar a produção de erva‐mate, inclusive com a compra
de ervateiras por multinacionais; (2) há desconhecimento local dos
potenciais da cadeia produtiva da erva‐mate, considerando o que ocorre em
outras regiões produtoras; (3) percebe‐se desconexão dos grupos de
investigação e falta de estudos sobre as potencialidades da conversão das
áreas de remanescentes da Mata Atlântica em espaços de

8
Essa situação se repete no caso da atividade extrativo-florestal que serve de matéria prima
para as indústrias de papel e celulose, com acentuada presença no Território do Contestado.

250
9
multifuncionalidades, com padrões de exploração sustentáveis , e (4) uma
excessiva visão agrarista no padrão de desenvolvimento regional, além da
baixa participação cidadã no processo de debate sobre desenvolvimento
regional (DALLABRIDA et al., 2014).
O que aqui chamamos Território do Contestado trata‐se, então, do
recorte que compreende as áreas disputadas pelos Estados do Paraná e
Santa Catarina entre os anos de 1853 e 1917 e onde ocorreram os conflitos
da Guerra do Contestado, entre 1912 a 1916. O conflito representou a
resistência dos camponeses, os ocupantes desse território naquela época,
lutando contra forças militares institucionais que protegiam a ocupação
territorial por formas de colonização que representavam a implantação do
modo capitalista de produção. Os conflitos de resistência se tornam mais
evidentes quando da abertura da estrada de ferro, iniciada em 1890, a qual
resultou na desapropriação de terras situadas no seu entorno. Outro motivo
da revolta dos camponeses foi a presença da empresa madeireira americana
Lumber, que adquiriu na região mais de 3.000 hectares de terras cobertas
por araucárias, ocupadas pelos camponeses que exploravam a erva‐mate
nativa, como meio de sobrevivência.
No aspecto ambiental, a cobertura vegetal que abrigava, além da erva‐
mate, diferentes espécies, tais como a imbuia, as canelas e, em especial, a
araucária, passou a ser objeto da devastação, para ser transformada em
madeira. Concomitantemente, a erva‐mate passa a ser explora por empresas
ervateiras. A própria presença da Lumber, ao impedir a população
camponesa de ter acesso aos ervais nativos nas áreas em que adquiriu ou
em que fazia o corte da madeira, era motivo de revolta para os camponeses.
Tanto a erva‐mate como a madeira passam a ser destinada ao comércio
nacional e internacional.
É nesse contexto sócio‐histórico e econômico que a erva‐mate passa a
ter uma importância diferenciada; antes meio de sobrevivência dos
camponeses, a partir de então, uma mercadoria para comercialização. Todas
essas transformações, aliadas à disputa por limites entre catarinenses e
paranaenses, em grande parte motivada pelo interesse dos dois estados em
tributar a erva‐mate da região, foram motivos de contestação. Daí o nome
Contestado.
É notória a dificuldade para se localizar com precisão o Território do
Contestado. Por exemplo, o Governo do Estado de Santa Catarina definiu as
Regiões Turísticas, dentre as quais está destacada a região do Vale do

9
Uma das poucas exceções em termos de estudos é um trabalho que está em realização no
Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da UnC que estuda as potencialidades
socioeconômicas nas áreas com a presença de remanescentes da Mata Atlântica. Ver resultados
preliminares do estudo em: Petrentchuk, Marchesan e Dallabrida (2014).

251
10
Contestado , conforme o Mapa 1. É uma forma de localização. No entanto, o
mapeamento não abrange toda a área onde predomina a produção ervateira
catarinense, estendendo‐se também no extremo oeste. Além disso, não inclui
a área ervateira do Estado do Paraná, que é contígua, estando presente,
principalmente, no médio vale do Rio Iguaçu. Portanto, o mapeamento não é
suficiente, sendo apenas indicativo, como um ponto de referência inicial.

Mapa 1‐ Regiões Turísticas do Estado de Santa Catarina

Fonte: http://www.santacatarinaturismo.com.br/

A região definida como Vale do Contestado, territorialmente,


corresponde aproximadamente ao que os historiadores registram como
sendo a área em que ocorreram os principais eventos da Guerra do
Contestado, conforme a Figura 3. Assinala os locais onde ocorreram os
principais eventos da Guerra do Contestado, além de trazer algumas
informações ‐ por exemplo, o traçado da estrada de ferro São Paulo‐Rio
Grande do Sul e localização da empresa Lumber ‐ além de informações sobre
os efeitos da guerra.

10
A utilização da expressão Vale não é adequada sob o ponto de vista geográfico, pois, o
recorte territorial situa-se predominantemente numa área de planalto.

252
Figura 3: Recorte territorial da Guerra do Contestado

Fonte: http://www.estadao.com.br/infograficos/os‐principais‐embates‐da‐guerra,160605.htm

Já o mapeamento do Território do Contestado, registrado na Figura 4, é


mais abrangente. Demarca o Território do Contestado, incluindo áreas
limítrofes entre Santa Catarina e Paraná, como a "área contestada", ou seja,
que no passado esteve em disputa entre paranaenses e catarinenses.
Percebamos que o recorte territorial abrange, além do Planalto Norte
Catarinense, todo o oeste de Santa Catarina e áreas próximas do Paraná, na
sua porção centro‐sul e oeste. Há nesse mapeamento uma melhor
aproximação entre as áreas de predomínio da erva‐mate no território
catarinense e paranaense.
A tarefa de mapearmos o Território do Contestado tem uma implicação
com o que vamos referir mais adiante, que é a questão do nome geográfico
da IG da erva‐mate e da delimitação da sua área de abrangência. Não deixa
de ter, também, relação com o tipo de IG que for decidido registrar: uma
Indicação de Procedência ou uma Denominação de Origem?
Em qualquer dos casos, é necessário o mapeamento das áreas com a
presença da erva‐mate com as características pretendidas para a IG. Ocorre
que, pelos dados estatísticos disponíveis atualmente, apenas conseguimos
identificar o volume anual de erva‐mate produzido, na forma de folha verde
e cancheada, conforme a Tabela 1. Mesmo esses dados, são aproximados,
pois as fontes de informações são imprecisas. Servem apenas como um
referencial. Esse fato reforça a necessidade de realização de um inventário, o
que demanda um trabalho de campo, além de buscar informações junto às
prefeituras, órgãos públicos de extensão rural ou ervateiras.

253
Figura 4: Mapeamento localizando a área territorial contestada dos estados de SC e PR

Fonte: Fraga (2010, p. 43, com base em Queiroz, 1981)

Na Tabela 1, estão listados os municípios dos Estados de Santa Catarina


e Paraná, na qual podemos ter uma primeira ideia sobre a distribuição
territorial da erva‐mate. Os dados, apesar da sua fragilidade estatística,
mostram que a erva‐mate tem uma concentração significativa nos
municípios situados no Planalto Norte Catarinense, do oeste de catarinense
e suas proximidades, além do centro‐sul e oeste do Paraná.
Se projetarmos essas informações no mapa dos estados de Santa
Catarina e Paraná, temos uma distribuição, com áreas de concentração e
outras mais dispersas no território. Ver na Figura 5.

254
Tabela 1 ‐ Distribuição do maior volume de produção de erva‐mate nos estados de SC e PR

periodo 1990 a 2012 periodo 1990 a 2012


Santa Ctarina Paraná
Municípios Total (ton) Municípios Total (ton)
Canoinhas - SC 201.987,667 São Mateus do Sul - PR 422.929,000
Mafra - SC 101.557,000 Cruz Machado - PR 342.406,333
Itaiópolis - SC 101.467,667 Bituruna - PR 233.867,333
Irineópolis - SC 79.489,333 Paula Freitas - PR 224.680,000
Abelardo Luz - SC 78.795,000 Pinhão - PR 179.936,000
Xaxim - SC 77.646,333 Inácio Martins - PR 169.984,000
Chapecó - SC 75.311,667 General Carneiro - PR 163.151,667
Ponte Serrada - SC 60.706,000 Guarapuava - PR 132.604,667
Major Vieira - SC 51.290,333 Prudentópolis - PR 109.628,333
Bela Vista do Toldo - SC 50.569,333 Palmas - PR 95.610,333
Concórdia - SC 47.317,333 Pitanga - PR 90.637,667
Xanxerê - SC 46.328,667 Coronel Domingos Soares - PR 79.950,000
Caçador - SC 40.585,333 Turvo - PR 78.321,000
Guatambú - SC 37.384,000 Mallet - PR 72.135,000
Porto União - SC 32.560,000 Santa Maria do Oeste - PR 58.791,667
Papanduva - SC 31.018,000 Paulo Frontin - PR 53.904,667
Monte Castelo - SC 29.777,000 Porto Vitória - PR 48.276,667
Vargeão - SC 26.217,333 São João do Triunfo - PR 46.484,333
Campo Alegre - SC 25.265,333 Fernandes Pinheiro - PR 39.898,667
Timbó Grande - SC 22.278,000 Imbituva - PR 37.127,000
Três Barras - SC 20.437,333 Mangueirinha - PR 34.707,333
Rio Negrinho - SC 20.012,000 União da Vitória - PR 33.953,000

Fonte: IBGE ‐ Somatório em toneladas da erva‐mate em folha verde e cancheada no período

Outro aspecto a considerar é que o Território do Contestado, como área


referida para constituir a IG da erva‐mate, faz parte de um recorte territorial
maior, que atinge parte do Brasil e outros países sul‐americanos. No entanto,
a erva‐mate do recorte territorial em referência tem um diferencial: trata‐se
da maior e mais contígua área de erva‐mate sombreada do mundo. É o que
apontam estudos recentes (MARQUES et al., 2012/2014; MARQUES, 2014;
CHAIMSOHN et al., 2014). Vejamos a localização das áreas de incidência de
erva‐mate na Figura 6. Uma explicação sobre a Figura 6: toda a área
marcada pela coloração mais escura é onde há a ocorrência de erva‐mate.
Vejam que na sua maior parte coincide com a área original ocupada por
índios da nação Tupi‐Gurarani. Esse é um registro para nos lembrar de que o
hábito do uso da erva‐mate foi por nós herdado dos indígenas.
O que denominamos de "erva‐mate nativa ou sombreada" se apresenta
na natureza de formas variadas, conforme demonstrado na Figura 7, uma
referência às áreas com a presença de erva‐mate, em associação com outras
espécies vegetais. A paisagem constitui as caívas, uma denominação regional
para se referir aos remanescentes de áreas florestais manejadas, com a
associação de espécies vegetais, dentre as quais a erva‐mate. Nas áreas de
caívas mais abertas, em geral, há a associação com a criação animais.

255
igura 6 ‐ Áreas de localização natural da erva‐mate no hemisfério sul

Fonte: www.google.com.br

Figura 7 ‐ Formas em que se apresenta a erva‐mate nativa ou sombreada na natureza

Fonte: Marques (2014)

256
Por fim, é importante salientarmos que a erva‐mate do território do
Contestado faz parte de um conjunto maior de produtos que apresentam
especificidade territorial, espalhados por todo o Estado de Santa Catarina.
No capítulo 8, já foi feita uma descrição e localização dos principais produtos
regionais que apresentam potencialidades para se transformarem
futuramente em uma IG. Não são os únicos. Com certeza, a estes é necessário
agregar outros. Além dos produtos, temos a área de serviços. Nesse sentido,
poderiam ser mencionadas, por exemplo, áreas turísticas tradicionais, tais
como as regiões de águas termais. Todos os potenciais, no entanto, ainda
carecem de estudos mais aprofundados para que se defina o caráter e a
forma de destacar cada uma das especificidades territoriais apontadas,
como ferramenta para articulação do desenvolvimento dos territórios da
área de abrangência.

3. ASPECTOS PRÁTICOS RELACIONADOS ÀS NORMATIVAS PARA O REGISTRO


DE UMA IG

Situado teoricamente o tema Indicação Geográfica e contextualizada a


realidade sobre a qual está sendo apresentada uma nova experiência de IG,
nos propomos, na sequência, mencionar os principais aspectos exigidos
pelas normativas que se referem ao registro, fazendo inferências sobre a
prática, tomando como referência, o caso da erva‐mate no Território do
Contestado.
Faremos referência aos principais aspectos que resultam das exigências
legais do órgão responsável pelo registro de uma IG, o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial (INPI), fazendo indicativas em relação à situação da
erva‐mate. Tais aspectos são: (a) o requerente da IG junto ao INPI; (b) o
nome geográfico da IG; (c) o produto ou serviço a ser registrado; (d) a
espécie de IG; (e) a delimitação da área a ser abrangida pela IG.

3.1 A QUEM CABE REQUERER UMA IG?

Observando as Indicações Geográficas registradas atualmente no Brasil


pelo INPI, temos distintas situações. Quanto ao requerente, sempre se trata
de um agente coletivo, por exemplo, na forma de associação, cooperativa,
consórcio ou sindicato. O registro de uma IG é feito junto ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI), mediante um instrumento
processual que solicita o reconhecimento.
Em quase todos os casos de IG, o registro é solicitado por uma
associação de produtores. São exemplos: associação dos produtores vinho,
carne, panelas de barro e café. Há casos em que o registro é requerido por
uma associação de produtores e amigos de um produto. Exemplo: associação
dos produtores e amigos da cachaça. Quando a IG se refere a um produto,

257
cuja área de abrangência é extensa, há duas situações: conselhos de
associações de produtores; união das associações e cooperativas de
produtores. Há casos em que a IG é requerida por uma associação de
indústrias, em especial, quando se trata de um produto industrializado,
como o exemplo do couro, produto resultante do processo de
industrialização, no caso, de matadouros ou frigoríficos. É menos recorrente
que o registro de IG tenha sido requerido por cooperativas de produção,
consórcios ou sindicatos de produtores ou de indústrias.
No caso da erva‐mate no Planalto Norte Catarinense e Centro‐Sul do
Paraná, temos dois atores principais envolvidos. Em primeiro lugar e em
maior número, os produtores, na sua maioria de pequeno porte; em
segundo, vem o setor industrial e comercial. O setor empresarial,
atualmente, está organizado, nos estados produtores, pelo Sindicato da
Indústria do Mate, tanto em Santa Catarina como no Paraná e Rio Grande do
Sul, estados brasileiros que concentram a produção e industrialização da
erva‐mate no Brasil. Quanto aos produtores, os mesmos se agregam em
sindicatos de trabalhadores rurais. No entanto, não há no momento
associações de pequenos produtores, em específico da erva‐mate.
Portanto, no caso da IG da erva‐mate, poderão ser caracterizadas duas
situações. O registro poderá ser requerido por um ou mais sindicatos da
indústria do mate. No entanto, há aspectos favoráveis e desfavoráveis. O
favorável refere‐se ao fato de que se trata de estruturas organizacionais já
existentes. Porém, os aspectos desfavoráveis parecem ser em maior número.
Primeiro, é uma representação de apenas um segmento da cadeia produtiva,
o comercial e industrial. Segundo, o setor, apesar de sua importância
econômica, articula uma parcela muito pequena do setor produtivo da erva‐
mate, considerando‐se o grande número de produtores rurais que têm a
erva‐mate como uma atividade econômica prioritária ou complementar.
Ou seja, no caso da proposta de IG da erva‐mate, uma das evidências é
que o setor produtivo, que abrange a maior parte dos atores da cadeia
produtiva, precisa se organizar em uma ou mais associação ou cooperativa
de produtores. Essa é uma exigência com duplo sentido. Primeiro, é a única
forma de um dos elos da cadeia produtiva fazer representar seus interesses
frente ao sindicato da indústria, segmento já organizado. Segundo, o setor
produtivo agrícola precisará necessariamente ter representação e esta não
deve ser minoritária, seja no número de componentes ou, mesmo, no poder
de decisão. A razão é simples: são a maioria e, por que não dizer, a principal
razão de ser, ao se pensar no registro de uma IG como ferramenta para
agregação de valor em todos os segmentos da cadeia produtiva.

3.2 NOME GEOGRÁFICO PARA A IG

Verificando os registros atuais de IG no INPI, observamos que existem,

258
no mínimo, quatro situações. A primeira e mais comum é a relação do nome
geográfico com a delimitação da área de abrangência. Temos, então, nomes
de um município, a exemplo do caso de Paraty, com a IG da Cachaça Paraty.
Outra situação é associar o nome geográfico fazendo menção a uma
referência de localização regional, a exemplo da Região do Cerrado Mineiro,
com a IG do Café de Cerrado. A terceira situação é associar uma referência
de localização com um produto, a exemplo do Vale do Própolis Verde de
Minas Gerais, para uma DO de própolis recentemente registrada11. Uma
quarta situação é definir o nome geográfico associando localização
geográfica com algum fator de ordem cultural ou histórica. Ex.: Norte
Pioneiro do Paraná, onde está presente a dimensão geográfica ‐ Norte do
Paraná ‐, com um fator histórico, ao referir‐se a uma região caracterizada
pelo pioneirismo no cultivo do café.
Retomemos ao caso da erva‐mate. Mesmo que a discussão ainda esteja
no seu estágio preliminar, das sugestões mais referidas, duas se destacam. A
primeira é o nome geográfico fazer referência à área territorial onde se
concentra a maior produção. Nesse caso, referências feitas são: Planalto
Norte Catarinense e Centro Sul do Paraná; ou Vale dos rios Negro e Iguaçu.
Essas duas referências requerem ser analisadas no espaço, considerando a
necessidade de institucionalizar a regionalização e delimitação da área.
A análise preliminar da realidade socioeconômica e histórico‐cultural
do Contestado parece indicar que o mais adequado é associar o nome
geográfico da IG da erva‐mate, com fatores de ordem histórica e cultural,
além dos de localização. Ou seja, o termo Contestado remete a uma
referência de ordem histórico‐cultual e identitária, fazendo referência à
história de um povo que, graças aos seus valores culturais, rebelou‐se contra
a forma de ocupação territorial, além de ter a erva‐mate como hábito e meio
de sobrevivência. Refere‐se, também, aos aspectos de localização, pois está
institucionalizada pelo Estado de Santa Catarina a região turística do Vale do
Contesta. É claro que o nome vale, não é adequado sob o ponto de vista da
geografia, pois o recorte territorial é constituído predominantemente de
áreas de planalto, o que implica que essa questão seja revista, alterando a
legislação que a institucionalizou. Outro aspecto é o fato de que, caso se
pretenda abranger toda a área de produção da erva‐mate dos estados de
Santa Catarina e Paraná, a regionalização do Vale do Contestado não
contempla o recorte territorial paranaense, como somente parte da área de
cultivo de erva‐mate de SC.
Ou seja, há desafios a serem pensados antes de se definir o nome
geográfico. São alguns exemplos. Qual a área a ser definida para a IG? Qual o
tipo de IG? Caso se opte por uma IG tipo DO, quais características específicas
serão destacadas? Dependendo das opções de respostas, poderá se optar

11
No caso referido, o diferencial do produto é ter coloração predominantemente verde, em
função do tipo de vegetação na qual as abelhas buscam a matéria prima.

259
entre uma das diferentes possibilidades, dentre as quais, apresentamos
sugestões: Território Ervateiro do Contestado; Erva‐Mate Florestal do
Contestado; Território da erva‐mate nativa do Contestado. Mesmo estes
exemplos requerem análises e tomada de posição no que se refere à
oficialização da regionalização, visto que o que temos é apenas o chamado
Vale do Contestado, como região turística.

3.3 PRODUTO OU SERVIÇO A SER REGISTRADO

Quanto ao produto a ser registrado, no caso em referência, será a erva‐


mate, nas suas diferentes formas de utilização, tais como: erva‐mate para
chimarrão; chás a base da erva‐mate; erva‐mate para sucos, refrigerantes,
energéticos ou outras bebidas; erva‐mate para uso culinário, farmacêutico,
cosmético e na indústria química em geral.
3.4 A ESPÉCIE DE IG

Neste quesito, dependendo do tipo de encaminhamento, poderemos


tornar a erva‐mate, por meio do processo de registro da IG, um produto com
mais especificidade e notoriedade, dependendo da espécie de registro, como
IP, ou DO.
Essa é uma questão da maior importância. Temos a possibilidade de
apenas registrar um produto pela sua notoriedade histórica e territorial, na
espécie de uma IP. Outra possibilidade é registrarmos uma DO. Trata‐se de
registrarmos um produto, ao mesmo tempo, com notoriedade e
especificidade. A segunda opção restringiria a atribuição do selo da IG para a
erva‐mate, da área a ser definida, que tenha características específicas.
12
Considerando estudos já realizados , os quais precisariam ser
aprofundados, cerca de 70% a 80% da erva‐mate das regiões do Planalto
Norte Catarinense e Centro‐Sul do Paraná, o que corresponde ao que
chamamos de Território do Contestado, tem duas características especiais: é
cultivada na forma nativa ou sombreada e sem uso de agrotóxicos.
Poderíamos acrescentar uma terceira: predominam nos ervais de espécies
nativas da região. Claro que esta última característica exigirá mais estudos,
de médio e longo prazo.
A associação dessas características poderá se constituir no indicativo da
possibilidade de se realizar o registro da erva‐mate regional na forma de
uma DO. Apesar de parecer algo restritivo, não deixaria de trazer reflexos de
notoriedade à erva‐mate produzida na área definida, tanto a que poderia
obter o selo de IG como o restante da produção. Uma questão deve ser
considerada: quanto maior a diferenciação do produto a ser registrado,
maior será a valorização pelo mercado, do que resultarão, por extensão,
maiores ganhos em toda a cadeia produtiva da erva‐mate.

12
Um deles já mencionado: Marques (2014).

260
3.5 DELIMITAÇÃO DA ÁREA A SER ABRANGIDA PELA IG

Da mesma forma que nos aspectos anteriormente referidos, observando


os registros de IG no Brasil, percebem‐se diferentes situações. Há IG
registrada, tendo como área de delimitação uma parte de um ou mais
municípios. Outras demarcações correspondem às regionalizações já
existentes, a exemplo da Região do Jalapão no Estado de Tocantins, no caso
da IG de artesanato de capim dourado. No entanto, é mais comum a
demarcação geográfica pelas coordenadas geográficas, de forma exclusiva,
ou associada às formas anteriormente mencionadas.
No caso da IG da erva‐mate, a demarcação da área de abrangência
dependerá, em parte, do nome geográfico e do tipo de IG escolhida, IP ou DO.
Ou seja, deverá corresponder, ao mesmo tempo, ao território de abrangência
dos fatos históricos relacionados com a Questão do Contestado, associado à
área de maior domínio da erva‐mate. Pelo que conhecemos, há uma
correspondência muito próxima, entre fatos históricos e área de domínio.
Nesse caso, restaria definir o recorte territorial que melhor correspondesse
aos dois fatores mencionados, seja por coordenadas geográficas, ou por área
de abrangência de um conjunto de municípios, sejam eles de Santa Catarina
ou do Paraná.

4. ANÁLISES E PROJEÇÕES SOBRE A IG DA ERVA‐MATE NO CONTESTADO

Mesmo que a forma com a qual fazemos essas análises e projeções


possa ser considerada um pouco anárquica, considerando o que é usual num
artigo científico, ousamos em apontar indicativos para reflexão e, se
possível, orientação das ações em relação à proposição da IG da erva‐mate
no Território do Contestado. O fazemos sem pedantismo e de forma que não
represente uma opinião isolada, nem temos a pretensão de representar a
verdade única. Tivemos, sim, o cuidado científico de sustentar nossas
proposições em estudos nacionais e internacionais já realizados sobre o
tema em referência.
Vários são estudos realizados sobre as potencialidades para a IG da
erva‐mate regional, nos quais nos sustentamos, a exemplo de dissertações e
teses de doutorado, tais como, de Souza (1998) e Marques (2014). Na
mesma linha, fazemos referência a investigações que foram realizadas desde
2010 no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da
Universidade do Contestado, destacando: (a) o Projeto de Pesquisa
Território, Identidade Territorial e Desenvolvimento (financiado pela
FAPESC), que estudou experiências de IG brasileiras, com a participação de
mais de uma dezena de pesquisadores das principais universidades
catarinenses, parte dos resultados registrados em publicações recentes

261
(DALLABRIDA et al., 2014; MAIORSKI e DALLABRIDA, 2014; SANDER e
DALLABRIDA, 2014; PETRENTCHUK, MARCHESAN e DALLABRIDA, 2014);
(b) estudos de pós‐doutorado realizados em 2013 no Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa, abrangendo experiências de IG do Brasil
e de Portugal (DALLABRIDA, 2014a); (3) estudos realizadas em cinco
experiências brasileiras, cinco de Portugal e duas da Espanha, entre 2013 e
2014, que resultaram já em publicações nacionais e internacionais, tais
como, Dallabrida (2013; 2014b/c) e Dallabrida e Ferrão (2014).
Ainda, durante os meses de julho e agosto de 2014, foram realizados
estudos de investigação pelo Prof. Dr. Julio Plaza Tabasco, da Universidade
de La Mancha (Espanha), em sua atuação na Universidade do Contestado e
outras três de Santa Catarina, como Pesquisador Visitante, projeto
financiado pelo CNPq que teve como tema de estudo a "Erva‐mate como
alternativa de desenvolvimento territorial", contextualizando‐a no estudo
sobre as formas de usos de solo e seus impactos no desenvolvimento
regional. No mesmo período, em evento promovido pelo Programa de
Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado,
juntamente com a EPAGRI de Canoinhas, intitulado III Workshop sobre
Desenvolvimento Regional no Território do Contestado e II Seminário Sistemas
de Produção Tradicionais e Agroflorestais no Centro‐Sul do Paraná e Norte
Catarinense, foram apresentadas por palestrantes brasileiros, portugueses,
espanhóis argentinos, experiências brasileiras e internacionais, cujas
principais conclusões foram condensadas em documento disponibilizado às
13
instituições, lideranças e comunidade regional . Boa parte das conclusões
contidas no documento coincide com os indicativos aqui propostos.
Como já fizemos referência na introdução, há contribuições de um
conjunto significativo de pesquisadores brasileiros e de outros países, que
realizaram investigações e publicaram livros e artigos científicos, tratando
do tema, com análises de experiências brasileiras e europeias. Com base
nisso, acreditamos que é possível afirmar que temos uma base teórica e
prática que pode servir de referencial para propormos indicativos, com o
fim de orientar o processo de discussão e proposição da IG em referência.
Em síntese, tais estudos, somando‐se aos debates já realizados
regionalmente, apontam, no mínimo, seis questões referenciais, conforme
enumeradas adiante.

1. Todas as ações voltadas à proposição de uma IG precisam estar


referenciadas no envolvimento social, ou seja, fazer com os atores
territoriais e não para eles, o que implica no envolvimento de forma

13
Trata-se do Documento Estratégico sobre Desenvolvimento Regional no Território do
Contestado, o qual pode ser disponibilizado aos interessados, pelos autores.

262
igualitária de todos os segmentos da cadeia produtiva da erva‐mate
(pequenos e grandes produtores rurais e representantes do setor sindical a
que pertencem; setor industrial, setores públicos municipais, estaduais e
federais relacionados ao setor agrícola...), além dos pesquisadores que
investigam o tema.
2. A atividade produtiva da erva‐mate precisa ser considerada na
dimensão do que podemos denominar uma agricultura multifuncional a
serviço do desenvolvimento sustentável (RÉMI, 2010), na forma de sistemas
agroalimentares localizados (SIAL) (REQUIER‐DESJARDINS, 2010), ou
sistemas produtivos locais agroecológicos (VIEIRA et al., 2010), o que implica
em que a avaliação de sua importância como fator impulsionador do
desenvolvimento precisa levar em conta não só os resultados econômicos da
atividade de produção e industrialização, mas sua contribuição na
preservação ambiental, na manutenção do agricultor familiar na sua
propriedade rural e na possibilidade de gerar alternativas futuras de
desenvolvimento, por exemplo, a valorização do patrimônio cultural e
ambiental ou o turismo rural, oportunizando com isso outras formas de
rendimento aos produtores rurais, sustentáveis econômica e
ambientalmente.
3. Da mesma forma que em outras atividades econômicas, no caso da
erva‐mate, é indispensável manter o foco central na agregação de valor aos
produtos, a fim de superar a tradição extrativista predatória e exportadora
de commodities de baixo valor agregado, historicamente presente no
Território do Contestado, o que implica:
a‐ Apoiar pesquisas em realização e incentivar novos estudos, com o
intuito de ampliar o desenvolvimento de novos produtos e subprodutos
oriundos da erva‐mate, tais como, bebidas, refrigerantes, sucos e outros,
tarefa responsabilidade dos órgãos de pesquisa, as universidades e demais
órgãos regionais;
b‐ De parte do setor empresarial, ter o foco na inovação industrial, com
lançamento de novos produtos, priorização da qualidade, além de ampliar o
processamento regional dos mesmos, evitando a comercialização ou
exportação da erva‐mate, como matéria prima semiprocessada.
4. Estudos, como os de Marques (2014), demonstram que em torno de
80% da erva‐mate produzida nas áreas produtoras de Santa Catarina e
Paraná provém de ervais nativos, ou o que também chamamos de "erva‐
mate sombreada". Além disso, a maior parte dessa produção não utiliza
agroquímicos no processo produtivo, o que reforça o indicativo de que seja
adotado como norma para a Indicação Geográfica da erva‐mate regional, na
forma de Denominação de Origem, duas exigências, tais sejam, ser
exclusivamente erva‐mate nativa ou sombreada e cultivada de forma
agroecológica, transformando‐se este no principal diferencial do produto em

263
relação às outras regiões produtoras, consequentemente, atribuindo‐lhe
maior notoriedade e valorização no mercado de consumo nacional e
internacional. A este diferencial, outros podem ser acrescidos, mediante
comprovação.
5. Realizar um inventário definindo e mapeando as áreas com
predominância de localização da erva‐mate sombreada, nos estados de
Santa Catarina e Paraná, caso essa característica seja assumida como
diferencial.
6. Que sejam aprofundados estudos em relação ao melhoramento
genético da erva‐mate, priorizando espécies nativas, originalmente
encontradas na Mata Atlântica da região, com o que, no futuro próximo, se
possa inserir mais este diferencial nas características a serem atribuídas a
erva‐mate que virá utilizar o selo de IG.

Por fim, algumas reflexões no sentido de que compreendamos melhor a


acepção dos conceitos que são propostos aqui para orientar a prática do
desenvolvimento territorial.
Primeiro, quando concebemos território como uma construção social
resultante de relações de poder, precisamos diferenciar do que poderia ser
14
entendido como o ressurgir do "mandonismo local" , ou do sistema de
patronagem. Ao contrário, a concepção de território como construção social,
no caso do chamado Território do Contestado, implica em rever e, se
possível, superar concepções de liderança centralizadoras, para uma prática
democrática. Implica, também, em renegar tentativas sutis de esquecimento
da história e identidade dos povos derrotados, representada por certo
desleixo para com o patrimônio histórico e cultural do Contestado, a
exemplo do abandono ou atenção insuficiente às igrejas e grutas, aos pontos
históricos como o caso da cidade de Irani, ou pelo esquecimento da culinária
e da arte do passado, além de outros exemplos negativos.
Implica em resgatar e reconstruir valores e tradições do passado.
Relembramos apenas três destes valores tão presentes no povo do
Contestado do passado: a cooperação, a ação coletiva e a indignação, esta, no
sentido de não aceitação passiva de imposições, sejam elas de qualquer
origem ou espécie. A definição de uma estrutura organizacional para gerir a
IG da erva‐mate, exigirá, além da prática democrática, muita cooperação,
capacidade de ação coletiva e, por vezes, posicionamentos de indignação,

14
Conceito proposto por autores clássicos, tais como Oliveira Viana e Maria Isaura Queiroz,
para se referirem às relações de subordinação de senhores sobre escravos, ou, mais tarde, dos
coronéis, representados por grandes latifundiários, sobre as populações locais a eles
subordinadas. Hoje, poderíamos comparar com posturas ainda presentes em algumas regiões,
que se revelam no que chamamos de "votos de cabresto", ou formas correlatas de liderar
antidemocraticamente.

264
renegando práticas invasivas, individualistas e que não privilegiem os
interesses coletivos. Ou seja, o processo de registro da IG ser encarado como
um projeto coletivo, que inclua os diferentes sujeitos do território.
Uma segunda categoria conceitual referida é a identidade territorial,
entendida como elemento diferenciador de um determinado agrupamento
populacional. Conforme já referido, a identidade territorial, ao reafirmar as
normas e valores éticos e comportamentais, contribui para melhorar a
transferência do saber entre as gerações. Além disso, os sentimentos
identitários determinam, no nível local, um apego afetivo aos valores
paisagísticos e culturais do território. Assim, o desenvolvimento territorial
se sustenta na capacidade da comunidade local de valorização do território,
em particular, os recursos que constituem elementos de diferenciação. É o
que parece ser o grande desafio para o Território do Contestado, conforme
apontam estudos anteriormente referenciados.
Outra questão é a concepção de ancoragem territorial. Uma
determinada atividade econômica estar ancorada territorialmente
representa estar enraizada no território. Implica em inverter a lógica
histórica que ocorre em muitas regiões, e também no Território do
Contestado, que atende unicamente a dimensão de apropriação dos recursos
dos territórios. Empresas e produtores rurais precisam ter claro que a IG da
erva‐mate terá maiores contribuições ao desenvolvimento territorial, na
medida em que contribua para aumentar a circulação de renda regional, que
haja comprometimento, por exemplo, com a preservação ambiental, pois, no
caso da erva‐mate, esse é o principal recurso disponível para geração de
emprego e renda.
Tanto a acepção de território, identidade e ancoragem territorial,
remete à noção de capital territorial, como o conjunto dos recursos e ativos
de um determinado território. Trata‐se de enfrentar o desafio de ativar e
revalorizar o capital territorial, convertendo aqueles produtos genéricos em
específicos, resultando numa das mais importantes estratégias de
desenvolvimento territorial (BENKO E PECQUEUR, 2001; PECQUEUR, 2006).
Ou seja, é indispensável dedicar uma atenção especial ao reconhecimento e
valorização das características de especificidade territorial que possui a
erva‐mate do Território do Contestado. Se não for dedicada a atenção
necessária a essa dimensão, no máximo, estaremos dando um pouco mais de
notoriedade ao produto erva‐mate e continuaremos competindo no
mercado nacional e internacional, vendendo mais um commodity.
Sintetizando, a possibilidade de articulação do desenvolvimento
territorial por meio de estratégias tais como o reconhecimento e valorização
das características de especificidade territorial, a exemplo da Indicação
Geográfica, representa associar articuladamente as pessoas, o produto e o
território, como está representado na Figura 8.

265
Figura 8 ‐ Interação entre pessoas, o produto e o território

Fonte: Adaptado de Vandecandelaere (2011, p. 11)

Restaria uma última interrogação: qual o significado do indicativo que


consta na Figura 8 sobre o processo coletivo de criação de valor? A
referência tem relação com o fato de que diferentes atores podem participar
no processo de criação de valor, desde as autoridades públicas, os órgãos de
investigação e extensão, as organizações não governamentais e os setores
empresariais do território. Ou seja, o envolvimento articulado de toda a
cadeia produtiva, que nesse caso passa a se constituir como cadeia de valor,
(os produtores, os processadores, os distribuidores e os consumidores,
tanto locais como extralocais).
Essas referências são de extrema importância no processo de
institucionalização de uma IG num determinado território.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar, assinalamos como um dos principais desafios a serem


enfrentados, o fato de que no Território do Contestado não se tem realizado
um estudo que identifique com profundidade os ativos e recursos
territoriais que possam apoiar um planejamento territorial, integradamente
à estratégia da Indicação Geográfica da erva‐mate. Ou seja, referimo‐nos à
tarefa de inventariar e caracterizar os componentes do capital territorial do
Território do Contestado. Fazemos referência a um esforço no sentido da
identificação e caracterização de suas paisagens, o patrimônio histórico,
artístico, cultural e arquitetônico, as atividades econômicas potenciais, como
exemplo, o turismo. Paralelamente, se apresenta a necessidade de

266
pensarmos na estruturação de centros de investigação, além de atividades
de apoio que possam contribuir na articulação da cadeia produtiva da erva‐
mate, na perspectiva de sua reestruturação, com destaque na inovação e
desenvolvimento de novos produtos.
Um segundo desafio é a necessidade de organização dos produtores
rurais que tem a erva‐mate como uma atividade prioritária ou
complementar se organizarem, de preferência, em microrregiões, seja na
forma de associação ou cooperativas de produtores. Justificando a
proposição, a projeção é de que a IG da erva‐mate venha abranger uma
grande área geográfica, inclusive atingindo mais de um estado brasileiro, no
caso, Santa Catarina e Paraná.
Considerando que, nessa prospecção, teríamos um sindicato da
indústria e uma ou mais estruturas organizacionais dos produtores, seria
prudente que se imagine uma estrutura organizacional, integrando os
diferentes segmentos da cadeia produtiva da erva‐mate. Ressalta‐se esse
indicativo, considerando‐se que a reestruturação da cadeia produtiva da
erva‐mate poderá gerar outras iniciativas produtivas, a exemplo de rotas
turísticas de caráter histórico, cultural e ambiental, o que poderá
oportunizar o surgimento de outras iniciativas empresariais, tais como,
pousadas ou hotéis, restaurantes, empresas de transporte ou turismo,
museus e o comércio de produtos alimentares ou artesanato típico regional.
Ou seja, a estrutura organizacional mais recomendável seria a prevista sob a
forma de União das Associações de Empreendedores no Setor Ervateiro, ou
Consórcio do Setor Ervateiro, ou algo assemelhado. O título poderá ser
acrescido do nome geográfico a ser definido para a IG.
Em relação ao nome geográfico da IG da erva‐mate pela associação de
um produto com destaque no Território do Contestado, incluindo áreas de
Santa Catarina e Paraná, lembramos uma questão adicional: trata‐se
certamente da maior área de erva‐mate do mundo contígua ou próxima, com
predominância quase absoluta da forma de cultivo nativo ou sombreado,
incluindo formas de plantio natural, ou por processos de manejo florestal,
por adensamento em áreas de remanescentes da Mata Atlântica. Além disso,
predomina o cultivo agroecológico.
A questão ecológica é um dos aspectos de maior importância a ser
considerado para o desenvolvimento territorial. É um debate a ser assumido
com discernimento, superando interesses individualistas ou imediatistas,
seja do setor produtivo, comercial ou industrial. É importante ressaltar que
produzir agroecologicamente é conceber a produção agrícola como um
sistema vivo e complexo, integrado na natureza e mantendo a diversidade,
no qual a espécie humana se insere não como predadora, mas como um dos
elementos integrantes e promotora da preservação das demais espécies. O
principal bônus de produzir em sistemas de produção agroecológicos é que,

267
além de produzir alimentos mais saudáveis, os mesmos tendem a ser cada
vez mais valorizados pelo mercado, além de, no caso da erva‐mate, servir
como um diferencial qualificado.
Estudos preliminares apontam que a erva‐mate nativa ou sombreada e
cultivada de forma agroecológica apresenta um sabor mais suave, com
melhor aceitação no mercado brasileiro e uruguaio (LOPES, 2011;
MARQUES et al., 2012), além de que os manejos tradicionais da erva‐mate
junto a ervais florestais, pela maior valorização no mercado, compensaria
uma possível menor produtividade (MARQUES et al., 2014). Tais estudos
precisam ser aprofundados.
Já autores como Chaimsohn et al. (2014), apontam que a erva‐mate
cultivada de uma forma tradicional, ou agroecologicamente, traz vantagens
significativas.

Configura‐se como atividade fortemente ligada às tradições e à história das


famílias, além de ser um trabalho prazeroso para os agricultores. Contribui
para a conservação dos remanescentes florestais e de espécies arbóreas
ameaçadas de extensão, aumenta a conectividade entre fragmentos florestais,
gera diversos serviços ecossistêmicos e permite uma multiplicidade de usos
nos ervais florestais (CHAIMSOHN et al., 2014, p. 49).

É importante salientar que o processo de preservação e reconstrução destes


sistemas contribui para a permanência da biodiversidade da floresta de
araucária e de seus valores paisagísticos, ecológicos e ambientais (incluindo a
conservação do solo e água), além de culturais e históricos, que podem
estimular o turismo rural e ecológico, por exemplo, colaborando para o
desenvolvimento territorial.

Em síntese, os sistemas tradicionais de erva mate, se valorizados,


"reinventados" e reconstruídos, podem ter impactos importantes no
desenvolvimento territorial das regiões Centro‐Sul do Paraná e Norte
Catarinense, tanto do ponto de vista econômico, como ambiental, paisagístico,
social e cultural (CHAIMSOHN et al., 2014, p. 53).

Por fim, além da questão ecológica, acreditamos que no processo de


valorização da erva‐mate por meio da IG, se faz necessário assumir o desafio
de pensar ações de desenvolvimento territorial na perspectiva da
pluriatividade, associando inovação, viabilidade econômica, equilíbrio e
conservação socioambiental. São exigências para dimensionar
adequadamente uma estratégia de desenvolvimento territorial integrada
para o Território do Contestado.
São essas as reflexões e projeções que consideramos imprescindíveis,
tanto no sentido de contextualizar teoricamente o debate sobre IG quanto ao
se referir aos aspectos práticos relacionados às normativas para seu
registro, tomando como referência a experiência em curso de estruturação
da IG da erva‐mate no Território do Contestado. Como assumimos o desafio

268
de ser tanto críticos como propositivos, estamos abertos a admitir
posicionamentos contrários, no entanto, comprometendo‐nos com o
aprofundamento do debate sobre a temática aqui apresentada.

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Sustentável no Brasil: Subsídios para uma política de fomento. Florianópolis:
APEC/Secco, p. 289‐328, 2010.

272
CAPÍTULO 13

INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO POLÍITICAS


PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
RURAL ‐ O CASO DOS VALES DA UVA GOETHE1

Adriana Carvalho Pinto Vieira ‐ UNESC


Valdinho Pellin ‐ FURB

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, as indicações geográficas (IG’s) têm sido consideradas


possíveis estratégias de desenvolvimento e/ou fortalecimento econômico de
regiões, com sua capacidade de valorizar os recursos territoriais e estimular
o surgimento de novos nichos de mercado. Podem ser pensadas como uma
ferramenta de ocupação harmoniosa do espaço cultural produtivo, aliando a
valorização de um produto típico e seus aspectos históricos e culturais à
conservação da biodiversidade e o desenvolvimento rural.
Trata‐se de uma importante estratégia para a indução de
desenvolvimento territorial rural, bem como de estímulo aos atores sociais
para promover “processos de qualificação”. Ensejam um novo modelo de
produção e consumo alimentar, revalorização de tradições, costumes, o
saber fazer e outros bens imateriais associados a uma identidade territorial
e origem geográfica específica (NIEDERLE, 2013).
Conforme Cerdan (2013), a proteção e a promoção das IG’s são
justificadas pelos seus impactos no desenvolvimento territorial. A autora
aponta que diversos países evidenciam e qualificam os principais benefícios,
tais como observados na Europa. Estes benefícios são: a geração de
satisfação para o produtor, que vê seus produtos comercializados no
mercado, valorizando o território e o conhecimento local; facilita a presença
de produtos típicos no mercado; contribui para preservar a diversificação da
produção agrícola, as particularidades e a personalidade do produto;
aumenta o valor agregado dos produtos; estimula a qualidade, já que os
produtos são submetidos a controle de produção e elaboração; permite ao
consumidor identificar perfeitamente o produto nos métodos de produção,
fabricação e elaboração dos produtos; melhora e torna mais estável a
demanda do produto; gera ganhos de confiança junto ao consumidor quanto

1
O texto resume resultados do Projeto de Pesquisa Território, Identidade Territorial e
Desenvolvimento, financiado pela FAPESC, Chamada Pública N.04/2012/Universal.

273
à autenticidade dos produtos, pela ação dos Conselhos Reguladores; facilita
o marketing; promove os produtos típicos; facilita o combate à fraude, o
contrabando, a contrafação e as usurpações; favorece as exportações e
protege os produtos contra a concorrência desleal externa.
É nesse contexto que emergiram recentemente no Brasil discussões
voltadas às contribuições que as IG’s podem oferecer para o
desenvolvimento territorial. Em concreto, este artigo pretende analisar
como o instituto da IG pode promover o desenvolvimento territorial no
espaço rural, identificando pontos fortes e vocações econômicas que podem
tornar a região mais competitiva. A análise será efetuada à luz da
experiência da Indicação de Procedência dos Vales da Uva Goethe, na região
de Urussanga – SC.
Metodologicamente, o artigo vale‐se de uma pesquisa qualitativa e
descritiva, visto que permite ao pesquisador se aproximar da vivência social
do grupo em estudo, entendendo como a construção dessa realidade que se
processou e como naquele contexto se movimenta (SHAW, 1999). E, quanto
aos meios de investigação, classifica‐se como bibliográfica e de estudo de
caso, uma vez que foi realizada como meio de investigação as fontes
secundárias.
A estrutura do artigo é dividida em três partes. Em um primeiro
momento, privilegia‐se uma breve abordagem sobre desenvolvimento
territorial no espaço rural, avançando para uma caracterização da
propriedade intelectual e da relação entre a vitivinicultura e as IG’s. Na
sequência efetua‐se a análise da experiência da Indicação de Procedência
dos Vales da Uva Goethe na região sul de Santa Catarina e, por fim,
apresentam‐se as considerações finais.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

O marco teórico‐conceitual do presente trabalho compreende, em um


primeiro momento, a caracterização sobre o desenvolvimento territorial em
espaços rurais. Em seguida, aborda brevemente a questão da propriedade
intelectual e, na sequência, apresenta a relação entre a vitivinicultura e as
Indicações Geográficas na promoção do desenvolvimento territorial.

2.1 O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL EM ESPAÇOS RURAIS

Um dos primeiros estudiosos a apresentar uma definição para o


território foi Ratzel, que o descreve como um espaço apropriado por um
determinado grupo (CORREA, 1995; SCHNEIDER, 2004). Considerando as
formas de apropriação e transformação, o território pode ser compreendido
a partir de seus usos, como o espaço modificado pela técnica, pelo trabalho,

274
sendo palco e ator nas relações que ali são produzidas (SANTOS E SILVEIRA,
2001).
Schneider (2004, p. 99) compreende o território enquanto “[...] um
espaço de ação em que transcorrem as relações sociais, econômicas,
políticas e institucionais. Esse espaço é construído a partir da ação entre os
indivíduos e o ambiente ou contexto objetivo em que estão inseridos”. Nesse
sentido, percebe‐o como dinâmico, em constante transformação e mudança.
Esse dinamismo é configurado tanto pelos atores internos e suas inter‐
relações como pela relação com fatores externos. Resultado de uma
construção social e coletiva, o território é considerado o espaço apropriado
por um determinado grupo que compartilha valores culturais, e se torna
foco do desenvolvimento, não sendo apenas o espaço físico, mas também
ator desse processo. Os territórios são, portanto, realidades em movimento,
nas quais imperaram as relações sociais, e a noção de território designa aqui
o resultado da confrontação dos espaços individuais dos atores nas suas
dimensões econômicas, socioculturais e ambientais (CARRIÀRE e CAZELLA
2006).
O desenvolvimento territorial designa todo processo de mobilização
dos atores que leve à elaboração de uma estratégia de adaptação aos limites
externos, na base de uma identificação coletiva com uma cultura e um
território (PECQUEUR, 2005). A noção de território, portanto, abre caminho
para um avanço notável no estudo do próprio desenvolvimento, já que
sugere uma ênfase na maneira como os diversos atores (privados, públicos e
associativos) relacionam‐se no plano local. O processo de desenvolvimento é
o resultado da forma específica como são usados os fatores materiais e
imateriais disponíveis, com base em ditas relações (ABRAMOVAY, 2006).
No Brasil, o debate em torno do desenvolvimento territorial sustentável
no meio rural intensifica‐se, não apenas como mais uma questão de corte
setorial, mas como um assunto que interessa a toda sociedade. O meio rural
passa a ser visto como um palco para a criação de dinâmicas inovadoras de
desenvolvimento. Isso ocorreu, principalmente nas últimas décadas, quando
a maioria da população brasileira observou o crescimento de uma
urbanização caótica e excessiva e que se torna cada vez mais problemática
em função do agravamento do êxodo rural, sobretudo da população jovem
proveniente do nordeste (ANDION, 2010).
Aliás, o processo de urbanização sempre estará presente nas discussões
relacionadas ao desenvolvimento no meio rural. A verdade é que, como bem
destaca Martini (1993), a redistribuição da população sobre o espaço
obedece à evolução da localização e da reestruturação da atividade
econômica. Ou seja, como a concentração espacial da grande maioria das
atividades econômicas localiza‐se nos grandes centros, é lá que se concentra
também a maior parte da população.

275
Quando se discute e se problematiza o êxodo rural e, em alguns casos,
os processos de litoralização2, é possível deparar‐se com estratégias
interessantes de fortalecimento dos espaços rurais. Na maioria dos casos,
essas estratégias têm demonstrado que os territórios rurais também podem
tornar‐se dinâmicos quando investem na sua multifuncionalidade. Pequenos
produtores rurais podem investir na produção orgânica ou de produtos
tradicionais locais agregando valor a estes produtos e tornando atividade
rentável economicamente. Outro exemplo é o desenvolvimento de
atividades não rurais em espaços rurais como é o caso do turismo.
Nesse cenário, emergem as IG’s como possíveis estratégias de
desenvolvimento ou fortalecimento de espaços rurais, sobretudo nas regiões
mais fragilizadas economicamente. Embora ainda em estágio embrionário
no Brasil, algumas experiências têm demonstrado vitalidade e resultados
positivos no aproveitamento das potencialidades locais, como, por exemplo,
o estímulo à produção e comercialização de produtos tradicionais,
promovendo uma melhoria na qualidade de vida da população autóctone.
Os produtos tradicionais podem ser considerados um importante ativo
para o desenvolvimento, em particular nas zonas rurais. Esse tema constitui
o objeto de uma literatura emergente, que se concentra especialmente na
interface entre o uso de marcas coletivas, as denominações de origem e o
desenvolvimento de atividades relacionadas ao turismo (LORENZINI,
CALZATI e GIUDICI, 2011).

2.2 PROPRIEDADE INTELECTUAL – INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS

Conforme apontam Vieira e Buainain (2011), a propriedade intelectual


tem conquistado um papel relevante em diversos setores da economia.
Atualmente, o valor e a importância dos bens imateriais são considerados
superiores ao dos bens materiais e imóveis que constituía o principal
componente do patrimônio das pessoas físicas e jurídicas até muito
recentemente.
Destacam os autores que os diversos sinais distintivos nasceram de um
objetivo comum: distinguir a origem (geográfica ou pessoal) de um produto.
Em 1883, em virtude de que alguns acordos bilaterais formulados para
proteger as indicações geográficas eram bastante frágeis, os países
produtores, especialmente de vinho, optaram por organizar um tratado
internacional para proteger os direitos de propriedade intelectual, e não
somente os de indicações geográficas. A partir desse cenário, cria‐se a
Convenção União de Paris para a proteção da propriedade industrial (CUP).
O tratado tinha como objetivo inicial coibir a falsa indicação de procedência
(VIEIRA e BUAINAIN, 2011).

2
É o caso que ocorre no Estado de Santa Catarina.

276
Novos nichos de mercados foram surgindo, adquirindo estratégias de
valorização do produto. A noção de indicações geográficas (IG) foi surgindo
de forma gradativa, quando produtores e consumidores passaram a
perceber sabores ou qualidades peculiares em alguns produtos que
provinham de determinados locais. Essas características não eram
encontradas em produtos equivalentes feitos em outro local. Assim,
começou‐se a denominar os produtos – que apresentavam um diferencial –
com o nome geográfico de sua procedência (FÁVERO et al., 2010).
No Brasil, o marco regulatório sobre propriedade intelectual foi quase
inteiramente renovado na década de noventa. E, dentre as diversas
legislações aprovadas sobre o tema, tem‐se a Lei n.º 9.279/96, denominada
de Lei de Propriedade Industrial (LPI). Quanto às indicações geográficas, a
norma não define o que é, mas estabelece suas espécies: a Indicação de
Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO), inexistindo hierarquia
legal entre elas, sendo possibilidades paralelas à escolha dos produtores ou
prestadores de serviços que planejam buscar essa modalidade de proteção,
atendidos os requisitos da lei e de sua regulamentação.
A Indicação de Procedência (IP) é caracterizada por ser o nome
geográfico conhecido pela produção, extração ou fabricação de determinado
produto, ou pela prestação de dado serviço, de forma a possibilitar a
agregação de valor quando indicada a sua origem, independente de outras
características. Ela protegerá a relação entre o produto ou serviço e sua
reputação em razão de sua origem geográfica específica, condição esta que
deverá ser, indispensavelmente, preexistente ao pedido de registro.
A Denominação de Origem (DO) cuida do nome geográfico “que designe
produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva
ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e
humanos”. Em suma, a origem geográfica deve afetar o resultado final do
produto ou a prestação do serviço, de forma identificável e mensurável, o
que será objeto de prova quando formulado um pedido de registro
enquadrado nessa espécie ante ao INPI, através de estudos técnicos e
científicos, constituindo‐se uma prova mais complexa do que a exigida para
as Indicações de Procedência.
Assim, a DO trata de um direito de propriedade intelectual, associado a
uma região, passível de utilização por aqueles que naquela área explorem
qualquer ramo de produção característico, sendo constituído pelo nome da
localidade, região ou mesmo país. Tem por função designar um produto ou
uma mercadoria originária, cuja qualidade e características são devidas
exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluindo mesmo fatores
humanos.
Barbosa (2013) aponta que a IP é a expressão ou sinal que indica a
origem geográfica específica de um produto ou serviço. Na DO, além da

277
origem geográfica o produto ou serviço possui características particulares
devido ao meio geográfico em que se encontra, como o tipo de solo que
confere sabores diferenciados, por exemplo a uma uva produtora de vinho. E
no presente estudo, cita‐se como exemplo o Vale dos Vinhedos. Nessa
proteção, podem ser incluídos fatores humanos singulares como as
condições específicas de produção. Por exemplo, a forma ímpar de manusear
o leite para transformá‐lo em queijo.
Nas palavras de Barbosa (2013), se percebe que a disposição feita no
Acordo TRIPs, descreve as IG’s como indicações que identificam um bem
como originário do território, ou de uma região ou de uma localidade, e não
um nome geográfico como na LPI. Dessa forma, o Brasil é mais restritivo ao
condicionar seus registros a nomes geográficos.
Portanto, diferenciando‐se a IP da DO, a primeira poderá ser aposta a
qualquer produto proveniente de uma determinada área, enquanto que DO
assinala um produto que provém de uma determinada região e que, além
disso, é produzido ali segundo métodos particulares associados devido ao
meio geográfico e que adquire especificidades da região.

2.3 A VITIVINICULTURA E AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO ESTRATÉGIA


PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL RURAL

No Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro do Vinho3


(IBRAVIN), a vitivinicultura4 ocupava em 2009 uma área de
aproximadamente 100 mil hectares, com uma produção anual de 1,2
milhões de toneladas, concentrada principalmente nos estados do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e
Pernambuco. Para Mello (2013), trata‐se de uma atividade importante para
a sustentação de pequenas propriedades no Brasil e, nos últimos anos, tem
se tornado importante, também, na geração de empregos em grandes
empreendimentos que produzem uvas de mesa e uvas para processamento.
A vitivinicultura brasileira hoje pertence ao que se pode chamar de
novo mundo vitivinícola5, ao lado de países como Chile, Argentina, EUA,
África do Sul, Austrália, entre outros, cuja produção está baseada
principalmente em variedades importadas dos tradicionais países

3
Dados disponíveis em http://www.ibravin.org.br/regioesprodutoras.php
4
De acordo com o dicionário online de português, vitivinicultura é o processo ou
desenvolvimento que envolve o cultivo e/ou a fabricação de vinho. Pode ser entendido ainda
como a atividade que consiste na exploração econômica desse processo.
5
O aumento no consumo dos chamados “vinhos do novo mundo” já preocupa os produtores de
regiões vinícolas tradicionais. De acordo com Novakoski e Freitas (2003) enquanto as
exportações de vinhos europeus cresceram em torno de 20% nos últimos 20 anos, países não
tradicionais nesse setor como Nova Zelândia, EUA, Chile, Austrália, Argentina e África do Sul
experimentaram um crescimento de mais de 50% no mesmo período.

278
produtores de vinho da região mediterrânea. Nas últimas décadas esse setor
tem apresentado um significativo crescimento, principalmente em
decorrência da expansão de áreas cultivadas e da melhoria nas tecnologias
de produção de uvas e vinhos em diversas regiões brasileiras (VIEIRA,
WATANABE e BRUCH, 2012). No contexto da vitivinicultura brasileira,
destaca‐se a Serra Gaúcha como a principal região vitivinícola do Brasil.
Nessa região 12 mil pequenas propriedades rurais cultivam
aproximadamente 31 mil hectares de vinhedos. A região conta com cerca de
600 produtores de vinho, entre grandes empresas, cooperativas e cantinas
familiares (NIEDERLE, 2009).
É justamente a forte ligação com o território que favorece o
reconhecimento6 e o desenvolvimento de IG’s na vitivinicultura. Como
destacam Flores, Falcade e Medeiros (2010) na vitivinicultura o terroir7
pode caracterizar e diferenciar cada produto lhe conferindo uma identidade
própria. Essa identidade pode ser materializada através das IG’s que podem
fomentar e fortificar regiões. Nessa esteira de discussão Sato (2013) lembra
que atualmente no Brasil a IG para vinhos tem sido gradativamente adotada
por associações produtoras de vinhos, principalmente na região sul8, onde a
produção de vinhos finos e espumantes é mais significativa.
As IG’s, comuns na Europa9 e ainda pouco reconhecidas na América do
Sul e no Brasil, podem ser entendidas, do ponto de vista econômico, como
uma estratégia para agregar valor a produtos ou serviços que têm
características próprias, relacionadas ao território ao qual estão inseridas.
Essa agregação de valor pode representar um incremento na renda dos
produtores envolvidos, seja através do aumento no preço dos produtos
oferecidos, no aumento do volume de vendas ou na conquista de novos
mercados. Podem valorizar, também, as tradições locais, fortalecendo a
identidade cultural da região.
As IG’s têm sido amplamente utilizadas nos mercados agroalimentares
para proteger e valorizar produtos de diferentes tipos. Nesse sentido, têm
sido fomentadas iniciativas para que os produtos considerados locais criem

6
É importante destacar que uma IG não se cria, mas, sim, se reconhece.
7
De acordo com a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), o terroir vitivinícola
compreende características específicas de solo, topografia, clima, paisagem e biodiversidade.
Além disso, seu conceito refere-se ao espaço onde se desenvolve um saber coletivo de
interações entre o meio físico, biológico e práticas vitivinícolas aplicadas (OIV, 2008).
8
A região sul apresenta, até o momento, o reconhecimento de quatro IGs de vinhos: Vale dos
Vinhedos (RS), Vales da Uva Goethe (SC), Vinhos Pinto Bandeira (RS) e Vinhos Altos Montes
(RS). Além destas está em andamento mais um projeto de reconhecimento de IG. Trata-se dos
Vinhos da Campanha, na região de Santana do Livramento- RS (Sato, 2013).
9
Na Europa, esse tipo de dispositivo de diferenciação é conhecido como Denominação de
Origem Protegida (DOP) ou Indicação Geográfica Protegida (IGP) e contempla principalmente
produtos agroalimentares, que podem ser oriundos de transformação agroindustrial ou
produtos in natura (SILVA, et al. 2012).

279
estratégias de diferenciação no mercado a partir das denominações de
origem, a exemplo da qualidade do produto, agregação de valor ao produto,
etc. (VIEIRA e BUAINAIN, 2011).
Estima‐se que o valor gerado pela venda de produtos com IG10 na União
Europeia em 2010 equivale a aproximadamente 54,3 bilhões de euros. Desse
total, os produtos com maior destaque são os vinhos, que representam em
torno de 56%, os produtos agrícolas e gêneros alimentícios em torno de
29% e as bebidas espirituosas11 com aproximadamente 15% do valor total
gerados pelos produtos. Ainda em relação às vendas, o estudo aponta que
60% destes produtos são comercializados no próprio país de produção, 20%
em outros países da união europeia e 20% são comercializados em país fora
da União Europeia. Outro dado importante apontado pelo estudo refere‐se à
agregação de valor aos produtos com IG. De acordo com o relatório do fundo
europeu, estima‐se que esses produtos são comercializados, em média, por
um valor 2,3312 vezes maior que produtos similares sem IG (CHEVER et al.,
2012) 13.
Ao contrário das marcas e das patentes, as IG’s são passíveis de uma
grande variedade de proteções. Podem ser protegidas por legislação sui
generis ou decretos ‐ esse é o sistema adotado pela França e por Portugal,
por exemplo. Outra possibilidade é o registro das indicações geográficas,
adotado pelo Brasil. É possível, também, apoiar‐se na lei contra a
concorrência desleal, ou na noção do ilícito do “passing off,” (fazer produtos
“passarem por” outros), que basicamente preveem práticas comerciais
desleais que não devem ser usadas. O uso de Indicação Geográfica para um
produto que não é proveniente da região indicada seria um ótimo exemplo
da prática da concorrência desleal. Se a proteção for buscar no Direito a
proteção contra ato ilícito, não existem formalidades a cumprir, como o

10
Nessa análise são considerados os produtos reconhecidos com Indicação Geográfica
Protegida e Denominação de Origem Protegida.
11
De acordo com o regulamento europeu, bebidas espirituosas são bebidas que possuem
características organolépticas específicas e um título alcoométrico mínimo de 15 % vol., sendo
produzidas diretamente por destilação, maceração ou adição de aromas ou pela mistura de uma
bebida espirituosa com outra bebida, de álcool etílico de origem agrícola ou de certos
destilados. São exemplos de bebidas espirituosas: o rum, aguardente, vodka.
12
Em relação a esta questão, é importante lembrar que isso não significa que a margem de
lucro desses produtores seja 2,23 vezes maior. É preciso considerar que, muitas vezes, os
produtos com IG e DO têm custos adicionais de produção em relação a seus similares por
necessitarem cumprir normas estabelecidas em seus cadernos de especificações da IG ou da
DO.
13
Os atores desenvolveram um estudo que procurou quantificar o valor econômico da
produção de produtos agrícolas e de gêneros alimentícios, de vinhos, de vinhos aromatizados e
de bebidas espirituosas cujo nome está protegido como Indicação Geográfica ou Denominação
de Origem na União Europeia. Os dados se referem ao período compreendido entre 2005 e
2010. O relatório completo está disponível em: http://ec.europa.eu/agriculture/external-
studies/value-gi_en.htm.

280
registro ou decisão administrativa; ou seja, a parte lesada vai direto aos
tribunais (VIEIRA e BUAINAIN, 2011; VIEIRA, WATANABE e BRUCH, 2012).
As IG’s podem ainda ser protegidas pelo registro de marcas coletivas ou
marcas de certificação. As marcas coletivas, ao contrário das marcas,
pertencem a um grupo de comerciantes ou produtores. A marca de
certificação, por outro lado, não pertence a ninguém: é registrada na
suposição que qualquer pessoa que preencha as condições prescritas pode
utilizá‐la. Por exemplo, o uso da marca de certificação para o queijo Stilton é
reservado a certos produtores que satisfazem as condições exigidas pelo
regulamento de utilização dessa marca (VIEIRA e BUAINAIN, 2011).
Representam, portanto, um instrumento de valorização de tradições,
costumes, saberes, práticas e outros bens imateriais associados à identidade
territorial. Utilizada pelos produtores como um instrumento de agregação
de valor e acesso a mercados e reputadas pelos consumidores como um
mecanismo de garantia de qualidade, as indicações geográficas também são
consideradas como potenciais instrumentos de desenvolvimento territorial,
posto que possibilitam a exploração de ativos intangíveis de difícil
transposição para outros territórios, constituindo uma vantagem
competitiva em mercados cada vez mais marcados pela diferenciação de
produtos (NIEDERLE, 2009; DULLIUS, 2009).
Todavia, existem outros benefícios que também precisam ser
considerados. De acordo com o Cerdan et al. (2010), as IG’s podem gerar
benefícios sociais e culturais, representados pela inserção de produtores ou
regiões desfavorecidas no mercado, e benefícios ambientais, relacionados à
preservação da biodiversidade e dos recursos genéticos locais.
Além disso, é importante destacar as atividades complementares que
podem surgir após a certificação de produtos tradicionais. Na grande
maioria dos casos, as indicações geográficas e as denominações de origem
protegida podem estabelecer relações com outros segmentos que não
tenham ligação direta com o produto certificado. Tal consequência pode
fortalecer atividades importantes, gerando emprego e renda local. É o que
Pecquer (2001) denomina de “cesta de bens e serviços do território”. Um
exemplo são as atividades voltadas ao turismo14.
Locatelli (2007) corrobora com as afirmações de Pecquer ao defender
que é possível observar o desenvolvimento e fortalecimento de atividades
voltadas ao turismo e a gastronomia em muitas regiões que obtiveram o
reconhecimento de IG’s para seus produtos. Para a autora, as IG’s, ao
estimularem a tradição e a cultura de uma região, atraem turistas e
possibilitam a exploração de atividades lucrativas indiretas.

14
Após o reconhecimento da indicação geográfica, o Vale dos Vinhedos estruturou propostas
de roteiros pelas vinícolas (roteiro enológico, gastronômico e cultural), aumentando
significativamente o fluxo de turistas na região e complementando a renda dos produtores,
principalmente das pequenas vinícolas.

281
3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA DOS VALES DA UVA GOETHE

Santa Catarina tem reconhecimento nacional e internacional pela


qualidade dos vinhos que produz. Segundo a Empresa de Pesquisa
Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – EPAGRI, o impulso dado
pelas pesquisas e por investimentos pioneiros no setor vitivinícola construiu
um segmento econômico promissor para o Estado.
Com o objetivo de dar maior visibilidade a seu produto, a Progoethe,
juntamente com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas ‐ SEBRAE e a Universidade de Santa Catarina – UFSC, fizeram o
pedido de reconhecimento da Indicação de Procedência (IP) dos vinhos dos
“Vales da Uva Goethe” (vide Figura 2), no Instituto Nacional de Propriedade
Intelectual (INPI). Este foi depositado em 18 de agosto de 2010 sob n°.
IG201009, na espécie Indicação de Procedência.

Figura 2: Logomarca da Indicação de Procedência dos Vales da Uva Goethe (IPVUG)

Fonte: Conselho Regulador (IPVUG)

Teve como requerente a ProGoethe, compreendendo a seguinte área


delimitada: VALES DA UVA GOETHE, localizada entre as encostas da Serra
Geral e o litoral sul catarinense nas Bacias do Rio Urussanga e Rio Tubarão,
cujos vinhedos deverão estar instalados nesta área delimitada numa região
de 458,9 Km2, conforme apresentado no Mapa 1. A região é localizada entre
os municípios de Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da
Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara no Estado de Santa
Catarina (INPI, 2012), conforme pode ser visualizado no Mapa 2, e
estabelecido no Estatuto da ProGoethe, para área de abrangência e inclusão
de seus associados.

282
Mapa 1: Localização da delimitação área IPVUG

Fonte: Vieira, Garcia e Bruch (2013)

Mapa 2 – Localização dos munícipios e vinícolas IPVUG

Fonte: Vieira, Garcia e Bruch (2013)

283
A região está intimamente ligada à cultura e tradição na produção da
uva e vinho Goethe (savoir faire ou fator humano), apresentando solos e
condições climáticas distintas (fatores naturais). São autorizados para os
vinhos Goethe da IPVUG exclusivamente a variedade de coloração branca,
rosada leve ou vermelho pálido: Goethe (Roger 1), dos clones Goethe
clássica e Goethe primo, em sistema de condução latada (sistema tradicional
utilizado no território delimitado pela IPVUG), em estrutura de pedras de
granito.
O reconhecimento da “Indicação de Procedência” (IP) ocorreu em 2012,
com a concessão do registro publicado na Revista de Propriedade Industrial
do INPI, sob n. 2.145, em 14 de fevereiro. Ainda, diante deste cenário, o
governo de Santa Catarina reconheceu a importância dos “Vales da uva
Goethe”, na região de Urussanga, como território único no Estado,
reforçando o pedido da Indicação de Procedência iniciado junto ao INPI.
E, conforme demonstrado por Vieira, Watanabe e Bruch (2012), com a
concessão do registro pelo INPI da indicação de procedência, criou um
“clima” favorável ao enoturismo15 em Urussanga. Ainda, os vinhos Goethe da
referida região são reconhecidos como verdadeiros terroirs devido a sua
íntima relação com as condições específicas de clima/solos. E, em
decorrência do seu caráter pioneiro em Santa Catarina, serve de exemplo
para o aprimoramento da produção e elaboração dos vinhos, bem como para
um conjunto de práticas agrícolas, que apresente potencial para se
integrarem ao processo de registro das indicações geográficas.
As vinícolas integrantes da IPVUG que elaboram vinhos à base de uva
Goethe e pertencentes à ProGoethe são: Vinícola Mazon ‐ Fundada na década
de 1970 pelos irmãos Genésio e Jayme Mazon, a Vinícola tem por objetivo
seguir a tradição da linha materna da família ‐, os Debiasi, preenchendo uma
lacuna no tradicional ramo da vitivinicultura de Urussanga; Vitivinícola
Urussanga – Proveniente de Longarone, Região do Vêneto, Itália, os Damian
estabeleceram‐se em Urussanga em fins do século XIX‐; Vinícola Quarezemin
‐ Atua desde 2002 na região; Vinícola Felippe – a família é proveniente da
região da Toscana na Itália, vindo para a região no final do século XIX. Além
destas, também cultivam a uva e elaboram vinhos artesanais os associados
Rodolfo Della Bruna, Denner Quarezemin, Deivson Baldin, Raul Savio, Rafael
Sorato, Márcio Scremin e Antonio de Lorenzi Cancelier (Progoethe, 2014).
Após o reconhecimento da IPVUG, foi possível observar algumas
vantagens econômicas importantes. Após dois anos de concessão do
registro, as vinícolas já começam a perceber um aumento nas vendas do
vinho Goethe, em média 20% e, dos espumantes, por volta de 30%, segundo

15
O enoturismo ocorre em função de deslocamentos motivados para o conhecimento do
processo da produção de vinhos, realizando visitas a vinhedos e vinícolas, fazendo parte da
experiência a degustação de vinhos e de seus derivados. Além disso, pode-se caracterizar como
uma atividade do segmento a visitação a festivais de vinhos e/ou mostras de vinhos onde a
motivação principal da viagem seja a degustação de vinhos.

284
apontado pelo presidente da ProGoethe. Esses produtos colocados no
mercado são a primeira safra controlados pelo Conselho Regulador (CR) a
partir das normas implementadas pelo Manual de Controle Interno (MCI),
com os selos nas garrafas.
Ainda, é reconhecido pela ProGoethe que há maior curiosidade por
parte dos consumidores (turistas), decorrente da divulgação dos produtos
advindos da uva Goethe, uma vez que eles vão visitar as vinícolas e já
solicitam o “vinho Goethe”, conforme apontado pelo presidente da
ProGoethe.
Portanto, verifica‐se que o próprio aumento no consumo do vinho
produzido logo deverá ser observado entre consumidores locais e regionais,
que o adquirem nos restaurantes e nas próprias vinícolas da IPVUG e em
algumas cidades do entorno da região do Sul de Santa Catarina.
Outro reflexo importante refere‐se ao acesso a novos mercados. O
reconhecimento da IG do vinho Goethe possibilitou que as vinícolas
comercializem seus produtos nas gôndolas de importantes redes de
supermercados na região, bem como fora do Estado (São Paulo, Rio de
Janeiro e Distrito Federal). Além disso, outras importantes vantagens estão
sendo potencializadas e estudadas, como a inserção do produto
internacionalmente. Para o Conselho Regulador, as vantagens para
pertencer a IPVUG são: reconhecimento da identidade cultural do território
como diferencial competitivo; valorização do produto e da sua terra;
divulgação de seus produtos; melhoria qualitativa dos produtos, bem como
o padrão tecnológico; preservação das características e da tipicidade dos
produtos, que constituem um patrimônio de cada região, entre outros.
Além disso, a aprovação da IPVUG levou os produtores e vinícolas da
região a investirem no desenvolvimento do enoturismo local, voltado ao
vinho, à cultura e à tradição, com o desenvolvimento de outras atividades
relacionadas a estas, tais como hotelaria (hotéis, pousadas), gastronomia
(restaurantes, fabricação artesanal de produtos típicos), enologia e a
valorização da história da imigração italiana. Nesse sentido, a região
prepara‐se para elaborar um plano de desenvolvimento da atividade
turística no espaço rural de maneira integrada com outros municípios da
região, contribuindo para o desenvolvimento territorial desses municípios.
Inclusive, na cidade de Urussanga, já foi realizado um levantamento da
potencialidade do enoturismo, pela Universidade do Extremo Sul
Catarinense – Unesc.
Portanto, o reconhecimento da IP tem como objetivo garantir uma
constância na demanda pelo produto e, se possível, agregar valor, buscar
uma melhoria na geração de renda de seus associados e fomentar o
desenvolvimento local (VIEIRA,WATANABE e BRUCH, 2012).
Finalmente, e não menos importante, os produtos que carregam a
certificação da indicação geográfica trazem consigo uma carga cultural,

285
enraizada nas tradições da região, preservando, dessa maneira, a identidade
do local e valorizando o território.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do advento da Lei de Propriedade Industrial (LPI), o instituto


da indicação geográfica visou uma alternativa para a valorização dos
territórios e respectivo aumento da competitividade dos produtos de
qualidade em regiões demarcadas, através das normas estabelecidas pelo
Conselho Regulador (CR). Foi a partir do marco regulatório aprovado que o
Brasil contemplou a possibilidade de ter o reconhecimento da identidade
cultural do território como diferencial competitivo, valorização do produto e
da sua terra (seu ambiente de origem), aumento da participação dos
agricultores (e no caso específico da IPVUG – da agricultura familiar) no
ciclo de comercialização dos produtos e estímulo de melhoria e qualidade
em seus produtos, uma vez que são submetidos ao controle do CR na
produção e elaboração dos vinhos e espumantes.
O que se percebe é que a vitivinicultura tem cada dia um papel mais
importante no setor agroalimentar, em especial no território demarcado
pela IPVUG. E, nesse sentido, as IG’s têm como fim agregar valor e gerar
riqueza, constituindo‐se uma opção concreta para uma nova etapa de
desenvolvimento do agronegócio brasileiro, com a geração de produtos
típicos e tradicionais, com qualidade diferenciada.
Assim, para os vitivinicultores associados da ProGoethe, a obtenção da
IG pôde ampliar mercados, agregar valor aos produtos, ser um gerador de
mais empregos, movimentar a economia local, bem como preservar o saber
fazer, permitir que os produtores permaneçam no campo, com a expectativa
de que seus filhos e netos permaneçam no negócio para sobreviver. Diante
desse cenário, consequentemente, possibilita‐se a promoção de um
desenvolvimento sustentado na região delimitada pela Indicação de
Procedência dos Vales da Uva Goethe.
A partir dessa perspectiva, os associados já estão começando a perceber
a diferença, pós‐concessão do registro da IP, uma vez que as vinícolas já
presenciam o aumento da procura dos vinhos e espumantes produzidos a
partir da uva Goethe, tanto pelos residentes como por novos turistas na
região. Já há a percepção por parte dos vitivinicultores; quando os turistas
visitam as vinícolas, já têm solicitado diretamente os vinhos de uva Goethe,
advindos da curiosidade em conhecer um produto diferenciado e com
agregação de valor pela qualidade. Inclusive os associados já percebem que
a receptividade dos compradores para o vinho Goethe mudou, com um
crescimento médio em torno de 20% na comercialização para os vinhos e de
30% para os espumantes, segundo apresentado pelo presidente da
ProGoethe.
Portanto, infere‐se a partir do presente estudo e concordando com os

286
autores apresentados que as IG’s possibilitam o desenvolvimento territorial,
aproveitando o conjunto natural da sua região, o patrimônio histórico, o
saber fazer, criando um “processo de qualificação” que permite uma
adequada colocação de seus produtos em mercados dinâmicos, as
habilidades artísticas, culinárias e a tradição folclórica de uma determinada
população, em busca da melhoria da qualidade de vida.

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288
DADOS DOS AUTORES

Adriana Carvalho Pinto Vieira


Graduada e Mestre em Direito, com Doutorado em Desenvolvimento Econômico.
Professora do Programa de Pós‐graduação em Desenvolvimento
Socioeconômico da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC).
Endereço para contato: dricpvieira@unesc.net.

Adriana Marques Rossetto


Arquiteta e Urbanista, doutora em Engenharia de Produção na área de
Concentração em Gestão Ambiental, professora do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo/UFSC. Endereço para contato:
amarquesrossetto@gmail.com.

Ana Lúcia Listone


Graduada em Administração ‐ Comércio Exterior (Unoesc). Bolsista Iniciação
Científica (Unoesc). Endereço para contato: analucia.listone@gmail.com.

Andréia de Fátima de Meira Batista Ferreira Schlickmann


Extensionista Social, Pedagoga e Pesquisadora da Epagri/Estação Experimental
de Lages. Endereço para contato: andreiameira@epagri.sc.gov.br.

Cassiano Eduardo Pinto


Doutor em Zootecnia. Atua como pesquisador da Empresa de Pesquisa
Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri‐Lages). Endereço para
contato: cassiano@epagri.sc.gov.br.

Cristiane de Morais Ramos


Gestora Ambiental, mestranda do Programa de Mestrado Urbanismo, História e
Arquitetura da Cidade/UFSC. Endereço para contato: chryk.ramos@gmail.com

Eliane Salete Filippim


Pós‐Doutora em Administração Pública e Governo, Doutora em Engenharia da
produção e Sistemas. Editora‐Chefe da RACE, com atuação no Mestrado
Profissional em Administração da Universidade do Oeste Catarinense. Endereço
para contato: eliane.filippim@unoesc.edu.br.

Fernanda Teixeira dos Santos


Graduação em Letras, cursando disciplinas no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional da UnC. Endereço para contato:
fernandateixeira2fts@gmail.com.

289
Giovane José Maiorki
Graduação em Contabilidade e Mestrado em Desenvolvimento Regional. Atua
professor na Universidade do Contestado Campus Mafra, além de ocupar cargo
administrativo. Endereço para contato: giovane@unc.br.

Jairo Marchesan
Doutor em Geografia. Professor do Programa de Mestrado em Desenvolvimento
Regional da Universidade do Contestado (UnC), Santa Catarina ‐ Brasil. Contato:
jairo.marchesan@gmail.com.

Lauro William Petrentchuk


Engenheiro Florestal, Especialista em Licenciamento Ambiental, Docente do
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC).
Endereço para contato: laurowilliam@yahoo.com.br.

Liliana Locatelli
Bolsista PNPD/Capes, Pós‐Doutoranda em Direito, Grupo de Pesquisa
Propriedade Intelectual, Transferência de Tecnologia e Inovação, na
Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço para contato:
lilianalocatelli00@yahoo.com.br.

Luiz Otávio Pimentel


Doutor em Direito e coordenador do Grupo de Pesquisa Propriedade Intelectual,
Transferência de Tecnologia e Inovação, Universidade Federal de Santa
Catarina. Endereço para contato: pimentel@matrix.com.br.

Márcia Fernandes Rosa Neu


Geógrafa, Doutora em Geografia Humana pela USP. Atuou até 2013 na UNISUL e
atualmente é pós‐doutoranda pela UFPR.

Mayara Rohrbacher Sakr


Aluna do curso de Administração na Universidade do Contestado, campus
Canoinhas/SC. Bolsista de Iniciação Científica CNPq. Endereço para contato:
mayarasakr@hotmail.com

Murilo Zelinski Barbosa


Graduação em Turismo, mestrando no Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional da UnC. Endereço para contato:
murilo.extensao@inc.br.

Natany Zeithammer
Acadêmica de Medicina Veterinária da Universidade do Contestado – UnC,
Presidente do Diretório Central Estudantil da Universidade do Contestado de

290
Canoinhas (Santa Catarina‐Brasil). Bolsista de Iniciação Científica. Endereço
para contato: ny.zeitham@hotmail.com.

Patricia de Oliveira Areas


Doutora em Direito pela UFSC e professora da Universidade da Região de
Joinville – Univille, no Curso de Direito e no Mestrado em Patrimônio Cultural e
Sociedade. Endereço para contato: patricia.areas@univille.br.

Paulo Moreira
Geógrafo, mestrando no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional
da UnC. Endereço para contato: paulo.apirca@gmail.com.

Rosana Maria Badalotti


Cientista Social, Doutora em Ciências Humanas. Atua no Mestrado em Políticas
Sociais e Dinâmicas Regionais da Unochapecó. Endereço para contato:
rosana@unochapeco.edu.br.

Sabrina Dhieniffer Sander


Bióloga, Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade do Contestado
(Santa Catarina ‐ Brasil). Endereço para contato: sander.sabrina@gmail.com.

Stavros Wrobel Abib


Arquiteto, Doutor em Engenharia Civil em Cadastro Técnico Multifinalitário e
Gestão Territorial. Professor com atuação na Universidade do Vale do Itajaí.
Endereço para contato: stavrosabib@yahoo.com.

Suelen Carls
Bolsista CNPq, Doutoranda em Direito, participante do Grupo de Pesquisa
Propriedade Intelectual, Transferência de Tecnologia e Inovação da
Universidade Federal de Santa Catarina. Endereço para contato:
su.carls@gmail.com.

Tiago Luiz Scolaro


Acadêmico do Curso de Engenharia Florestal da UnC, bolsista de Iniciação
Científica (PIBIC/CNPq). Endereço para contato: tiagoscolaro@hotmail.com.

Ulisses de Arruda Córdova


Engenheiro Agrônomo, mestre em Agroecossistemas, pesquisador da Epagri ‐
Estação Experimental de Lages. Endereço para contato:
ulisses@epagri.sc.gov.br.

291
Valdinho Pellin
Graduado em Economia. Mestre e Doutorando em Desenvolvimento Regional na
Universidade Regional de Blumenau. Pesquisador do Núcleo de Políticas
Públicas/FURB. Bolsista Capes Programa Doutorado Sanduíche. Endereço para
contato: prof.pellin@tpa.com.br.

Valdir Roque Dallabrida


Geógrafo, Doutor em Desenvolvimento Regional. Atua no Mestrado em
Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado (Santa Catarina‐
Brasil). Endereço para contato: valdirroqued897@gmail.com.

292
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papel Lux Cream 70g., com capa em papel Cartão Supremo 250g.
A Editora LiberArs utiliza papel oriundo de fontes de manipulação
e produção ambientalmente responsável.

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