Você está na página 1de 2

O masculino diante do fogo

Ram Avraham Mandil

No presente ensaio o autor Ram Avraham Mandil trata do que considera serem
algumas respostas presentes na obra freudiana para o que se apresenta como enigmático aos
homens. Para Freud um dos sintomas do enigma para o masculino é o fenômeno da
impotência sexual psíquica, ou seja, a incapacidade da consumação do ato sexual mesmo que
as condições e desejo sejam favoráveis para tal.
A impotência é atribuída por ele a alguma característica do objeto sexual ou a uma
força inconsciente, que gerariam uma fixação incestuosa. Segundo Freud, o que caracterizaria
esse objeto sexual interditado é a sua supervalorização psíquica, a idealização da figura
feminina que faz com que o objeto sexual seja considerado como um objeto proibido, a lei do
incesto estendendo-se assim também sobre a mulher que foi buscada fora do âmbito familiar.
Coloca-se ainda a seguinte questão: Dada a universalidade das condições que conduziriam à
impotência psíquica como não pensar numa impotência generalizada?
No que diz respeito as saídas masculinas da impotência, ou seja, possibilidades de um
homem encontrar uma saída distinta daquela que se fixou no seu sintoma como gozo da
impotência, algumas vias são levantadas pelo autor. A primeira delas vem da própria clínica e
é colocada por Freud como a divisão da escolha de objeto masculina, divisão entre uma
mulher respeitada com quem o homem não sente desejo sexual, e outra mulher, aos seus olhos
moralmente depreciada, mas com quem seu desejo sexual se manifesta.
O desdobramento entre os objetos de amor e desejo é uma solução “desagradável e
paradoxal” pois implica a depreciação do objeto valorizado, a via contrária à idealização.
Como cita Mandil “caso um homem deseje ser realmente “livre e feliz no amor”, para
ficarmos com os termos de Freud, a escolha desse objeto feminino deve recair sobre uma
mulher situada fora dos seus ideais.”
Ainda nas palavras do autor do artigo ““Sobrepujar o respeito pelas mulheres”, parece
ser, portanto, uma indicação freudiana de que o homem deve não apenas caminhar no sentido
contrário à idealização do objeto feminino, mas também no sentido da subjetivação da
castração.”
Tendo isso vista podemos entender a depreciação como uma certa condição para a
sexualidade dos homens. A condição de acesso a uma mulher aparenta ter como requisito
tomar uma mulher como não-toda. Nos termos de Freud uma mulher depreciada é uma
mulher em que a falta é colocada desde o início. “Por outro lado, seguir a direção oposta ao
respeito pode ser compreendido como um consentimento à castração, pode ser tomado como
um sim à falta no Outro, que a impotência, como uma modalidade da recusa, buscaria
apagar.”,
Uma segunda condição para a superação da impotência psíquica que Freud apresenta é
a superação das diferenças entre amor e desejo e que faz com que o homem tenha que “aceitar
a ideia do incesto com sua mãe ou irmã”. “Para Freud um homem deve admitir a
representação do incesto caso queira usufruir de sua potência masculina. A segunda condição
para a sexualidade masculina evoca, portanto, uma transgressão. “Aceitar a ideia do incesto
como condição para o desejo é, portanto, reconhecer que, para desejar uma mulher, um
homem deve se confrontar à ideia de uma infração à lei, reconhecer, em última análise, que
seu desejo caminha em direção contrária, por exemplo, ao sentimento de culpa.”
Para tal é necessário admitir o objeto feminino como pertencente ao campo do Outro,
indicando que, no nível do gozo, ela é como o que escapa ao Outro, é como não-toda
submetida à ordem do significante.
A terceira saída para a questão se pauta na hipótese freudiana de que, para obter
controle sobre o fogo, o homem teve de renunciar ao gozo de buscar apagá-lo com sua urina.
Esse gozo de buscar apagar o fogo com um jato de urina pode ser lido como uma tentativa de
universalização de uma função fálica sobre as brasas da libido. Nesse sentido també é possível
segundo o autor fazer a leitura de que a renúncia ao gozo de apagar o fogo com a urina parte
de uma mudança da posição do sujeito diante do fogo. E, afinal de contas, o fogo é algo
necessário para a instauração da cultura.
Então, a ideia de sobrepujar o respeito pelas mulheres e de aceitar a transgressão
simbólica como consultiva do desejo proposta por Freud acrescenta uma outra solução
enigma do masculino diante do Outro sexo: a renúncia a esse gozo que visa universalizar o
Outro sexo através da significação fálica. Ainda, segundo Mandil, o desejo de “tomar posse”
sobre o fogo também está associado a uma transgressão, a um crime contra aqueles a quem é
garantida toda a satisfação a que os homens têm que renunciar.
“Dito de outro modo, diante do fogo, atravessar a fantasia de que o que resta é evitar
ser destruído por suas chamas; e mais, diante do fogo, reconhecer o falo como um semblante e
não como uma mangueira; e, por fim, poder reconhecer nesse fogo, instalado no oco do
significante, a causa do próprio desejo.

Você também pode gostar