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Esse programa fora iniciado em 1939, com o claro objetivo de propor a purificação da sociedade
alemã, tendo como ponto principal o extermínio de indivíduos que apresentassem qualquer tipo de
deficiência física ou mental considerada irrecuperável segundo a determinação de psiquiatras e médicos
que trabalhavam para o governo nazista. Contudo, devido ao trabalho de alguns autores acerca desse
programa, é possível verificar que, em muitos dos casos, os indivíduos eram levados para câmaras de
gás mesmo sem constar em seu diagnóstico a comprovação de que a situação era irrecuperável,
denotando, portanto, o caráter extremamente ideológico do programa (AZEVEDO e KOEHLER, 2021).
Diante disso, é justamente pensando no momento final desse processo descrito
anteriormente, ou seja, a morte, que Achille Mbembe busca constituir um conceito capaz
de apreender esse fenômeno tão complexo, estabelecendo, por sua vez, a necessidade de
trazer à tona um conceito que ultrapassasse a noção de Biopoder. É através dessa
necessidade, portanto, que surge o conceito de Necropolítica.
Para além disso, outro aspecto fundamental evocado pela Necropolítica é o terror
enquanto elemento primordial desse projeto desenvolvido pela Soberania. Desse modo,
compreendemos o terror enquanto um instrumento que deixa de ser visualizado
diretamente – a morte enquanto espetáculo passa por um processo de ocultamento em
espaços como os campos de concentração e os hospitais psiquiátricos, por exemplo –,
mas deve, acima de tudo, ser sentido por aqueles que estão sujeitos ao exercício da
soberania (MBEMBE, 2016; FOUCAULT, 2010)
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Entre as diversas definições acerca desse conceito bastante complexo, decidimos optar pela evocada
por Giorgio Agamben (2004, p. 13): ´´O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a
instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física
não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer
razão, pareçam não integráveis ao sistema político.``.
irrestrito de desumanizar e exterminar da maneira mais transgressora aqueles que devem
ser excluídos do meio social.
A partir disso, apesar de não ser um objetivo deste trabalho realizar uma análise
referente aos aspectos coloniais evocados por Achille Mbembe, é fundamental
compreender as implicações que o fenômeno da colonização ocasionou em eventos mais
recentes e que, em alguns casos, a lógica de extermínio aplicada nas colônias ainda
reverbera, de certo modo, em alguns espaços da modernidade. . Nesse sentido, tendo em
mente, mesmo que de forma breve, os mecanismos propulsores do funcionamento da
Necropolítica em sua relação com a Soberania, buscaremos visualizar a aplicação desse
sistema no Hospital de Saúde Mental de Messejana num contexto em que o Brasil vivia
um período em que a ditadura militar buscava afirmar o exercício de sua Soberania
através do Estado de exceção.
A ditadura civil-militar3 e o caos dos hospitais psiquiátricos no Brasil
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A escolha dessa denominação se baseia nos pressupostos teóricos de Daniel Aarão Reis Filho (2014)
com o intuito de demonstrar que determinadas categorias civis da sociedade brasileira (principalmente
as pertencentes à Elite) fizeram parte do governo ditatorial e que foram importantes sustentáculos das
medidas tomadas pela ditadura no país.
políticos do governo que eram ´´vendidos`` para a sociedade enquanto uma ameaça
constante à nação4 (REIS FILHO et al, 2014).
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Percebemos neste ponto, utilizando-se dos pressupostos teóricos de Mbembe (2016), uma outra
característica marcante da soberania presente vivamente no funcionamento da ditadura civil-militar
brasileira.
Ademais, o próprio Franco Basaglia 5, em visita ao Brasil no ano de 1979,
estabeleceu paralelos entre os campos de concentração nazistas e os hospitais
psiquiátricos brasileiros durante o período da ditadura civil-militar, em entrevista
realizada após visitar o Hospital Colônia de Barbacena: ´´ Estive hoje num campo de
concentração nazista. Em nenhum lugar do mundo, presenciei uma tragédia como esta. ``
(ARBEX, 2013).
Portanto, através da reunião desses fatores e as discussões que nos trouxeram até
essas conclusões, manifesta-se o grande questionamento provocado pelas reflexões
propostas no ensaio de Achille Mbembe e dos autores com os quais ele dialoga: podemos
compreender o hospital psiquiátrico, neste período específico, enquanto um espaço de
produção da Necropolítica a partir do encontro entre essas duas expressões do poder
soberano (ditadura civil-militar e psiquiatria)?
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Um dos mais importantes nomes da psiquiatria mundial, Franco Basaglia foi o principal expoente da
Reforma Psiquiátrica Italiana, movimento responsável por promover quebras de paradigmas seculares
no campo da psiquiatria, promovendo mudanças tanto a níveis estruturais nos hospitais psiquiátricos,
quanto na ordem das práticas terapêuticas e, sobretudo, na forma de se conceber o fenômeno da
doença mental e os indivíduos institucionalizados (AMARANTE, 2010).
Referências Bibliográficas
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro / Daniela Arbex. – 1. Ed. – São Paulo: Geração
Editorial, 2013.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura. 11ª ed. José Teixeira Coelho Neto. São
Paulo: Perspectiva, 2017.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 38ª ed. Raquel Ramalhete.
Rio de Janeiro: Vozes, 2010.
REIS, Daniel Aarão. A ditadura faz cinquenta anos: história e cultura política nacional-
estatista. In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Pato Sá (org.).
A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Editora Zahar, Rio de
Janeiro, 2014.