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Universidade Paulista (Unip)

Instituto de Ciências Sociais e Comunicação


Curso de Comunicação, hab. em Jornalismo

Apostila
História do Jornalismo
Docente responsável: Prof. Dr. Luís Henrique Marques

São Paulo, 2o semestre de 2013.


Apostila de História do Jornalismo 2
Docente responsável: Prof. Dr. Luís Henrique Marques
2º semestre de 2013
Apresentação
O material que se segue é, na realidade, um ensaio que busca apresentar ao
aluno da disciplina Ética e Legislação em Jornalismo do curso de Comunicação Social,
habilitação em Jornalismo, da Universidade Paulista (Unip), os principais temas e/ou
tópicos relacionados a essa área. Toda a argumentação apresentada na discussão de
cada tema está referendada pelo estudo e reflexão de algumas das mais importantes
e atuais obras no que diz respeito à História do Jornalismo.
Os pequenos textos que se seguem não querem ser “a última palavra”
(portanto, não desejam ser doutrinários) nem tão pouco abordam os temas de maneira
exaustiva. A pretensão deste material é servir de subsídio a uma reflexão consistente
do aluno acerca das questões atualmente mais pertinentes no que se refere à prática
ética do jornalismo e à legislação aplicada ao exercício profissional da comunicação.

O autor
Luís Henrique Marques é jornalista com bacharelado e mestrado pela Universidade
Estadual Paulista (Unesp), campus de Bauru, e historiador, com licenciatura em
História pelo Centro Universitário Claretiano (CEUCLAR) e doutorado em História pela
mesma universidade, campus de Assis. Possui mais de 20 anos de jornalismo e 20
anos de atuação no magistério superior. Atualmente, é docente do curso de
Jornalismo da Universidade Paulista (Unip) e tutor presencial e a distância do curso de
História EaD do CEUCLAR. Acumula também experiência em assessoria de
imprensa, jornalismo comunitário, produção de programas jornalísticos e culturais em
rádio, reportagem e redação em revista e é autor da obra Teoria e pratica da redação
para jornalismo impresso (Edusc, 2003), além de diferentes artigos científicos sobre
temas a respeito de história da comunicação religiosa, sua área de pesquisa
acadêmico-científica.
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Docente responsável: Prof. Dr. Luís Henrique Marques
2º semestre de 2013
PLANO DE ENSINO

CURSO: Comunicação Social - Jornalismo


SÉRIE: 2º/1º semestres
TURNO: Diurno e Noturno
DISCIPLINA: História do Jornalismo
CARGA HORÁRIA SEMANAL: 2h/aula

I – EMENTA

A comunicação social e as origens do jornalismo. Os jornalistas e as grandes


transformações sociais. A evolução do jornalismo no mundo, da Revolução Francesa ao
caso Watergate. No Brasil, a imprensa na época colonial. O processo de independência e o
período do Império. Os jornalistas da República Velha e os interesses das elites e dos
trabalhadores. Os jornalistas e o Estado Novo: a presença da censura. Anos 50 aos 60: a
constituição de um mercado de trabalho. O movimento de 64: as opções ideológicas da
categoria. Os jornalistas de 68 aos anos 80: as censuras e as resistências ao arbítrio. O fim
da ditadura e o jornalismo. O jornalismo e o impeachment de Collor. O jornalismo na era da
globalização.

II – OBJETIVOS GERAIS

O aluno deve perceber a importância da comunicação e particularmente do jornalismo na


história. Observar a influência da imprensa no desenrolar dos acontecimentos e como o
jornalismo é uma prática social impregnada de historicidade. Proporcionar ao aluno o
conhecimento de um quadro geral para iniciar a avaliação crítica da imprensa brasileira em
seus diversos aspectos, bem como a compreensão de processos históricos.

III – OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Ao término do curso, o aluno deverá:


• Conhecer a evolução da comunicação e compreender o sistema de comunicação no
Brasil e no mundo.
• Compreender a comunicação e o jornalismo com um fato dominador da sociedade.
• Analisar de forma crítica as coberturas jornalísticas de grandes acontecimentos.
• Entender o jornalismo como uma prática social que constrói história.
• Conhecer as etapas de desenvolvimento da imprensa brasileira desde o período
colonial até os dias atuais.
• Analisar diferentes coberturas jornalísticas de fatos históricos do Brasil.
• Comparar o discurso jornalístico da "grande imprensa" com o dos veículos alternativos.

IV – CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

1. A comunicação social e as origens do jornalismo.


2. A evolução da imprensa no mundo. Do jornalismo revolucionário na França ao New
Journalism. Os quatro jornalismos (1789-1830; 1830-1900; 1900-1960; 1960-século XXI) O
Caso Watergate e o jornalismo hoje.
3. O Jornalismo e a História: semelhanças e diferenças no ato de narrar.
3.1. Fato histórico e fato jornalístico
3.2. Jornalismo como fonte histórica
4. O papel dos jornalistas nas grandes transformações sociais e conflitos mundiais
5. A imprensa colonial no Brasil
6. A imprensa na Independência: as condições políticas e a perseguição à imprensa.
7. Relações entre imprensa e literatura.
8. A imprensa brasileira na República Velha.
9. O Estado Novo e a censura à imprensa.
10. A formação das grandes cadeias jornalísticas.
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11. O golpe de 64 e a imprensa.
12. A imprensa e a redemocratização.
13. O jornalismo no impeachment de Collor.
14. O jornalismo e a globalização.
15. As grandes questões atuais e o jornalismo (meio ambiente, terrorismo, cidadania, etc).

V – ESTRATÉGIAS DE TRABALHO

• Aulas expositivas.
• Exercícios em classe, realizados individualmente e em grupo: discussão e debates;
elaboração de hipóteses; reunião de dados por meio de leituras, observação, seleção de
ilustrações e exemplos; avaliação crítica dos dados; formulação de conclusões.
• Análise e produção de textos.

VI – AVALIAÇÃO

O aluno será avaliado por meio da aplicação dos seguintes instrumentos:

• Exercícios individuais e/ou em grupo


• Freqüência e participação em sala de aula
• Provas
• Redações
• Trabalhos

VII – BIBLIOGRAFIA

Bibliografia Básica

MATOS, Carolina. Jornalismo e Política Democrática no Brasil. São Paulo: Ed.


Publifolha, 2008.
MARTINS, Ana Luiza Souza, LUCA, Tânia Regina de. História da Imprensa no Brasil.
São Paulo: Contexto, 2008.
SODRÉ, Nelson Werneck. A História da imprensa no Brasil. 4ª edição. Rio de Janeiro:
Civilização, 2007.

Bibliografia Complementar

ABRAMO, Cláudio. A regra do jogo: o Jornalismo e a ética do marceneiro. São Paulo:


Companhia das Letras, 1999.
DIMENSTEIN, Gilberto. As armadilhas do poder: bastidores da imprensa. São Paulo:
Summus Editorial, 1990.
EMERY, Edwin. História da imprensa nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Lidador,
1965.
KUCINSKI, Bernardo. A síndrome da antena parabólica. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 1998.
KUNCZIK, Michael. Conceitos de jornalismo: norte e sul. São Paulo: EdUSP, 2002.
LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Florianópolis: Ed. UFSC, 2001.
MORAES, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
MOTA, Carlos Guilherme e CAPELATO, Maria Helena. História da Folha de S. Paulo
(1921-1981). São Paulo: Impres, 1980.
ROSSI, Clóvis. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000.
SILVA, Juremir Machado. A miséria do jornalismo brasileiro: as (in)certezas da mídia.
Petrópolis: Vozes, 2001.
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Universidade Paulista (Unip)
História do Jornalismo
Curso: Comunicação Social, hab. em Jornalismo
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2º semestre de 2013

Cronograma

Semana/ Conteúdo
Data
1ª – 9/8 Apresentação geral da disciplina; A evolução da imprensa: do
jornalismo revolucionário na França ao New Journalism
2ª – 16/8 Continuação do tema anterior
3ª – 23/8 Continuação do tema anterior: o caso Watergate e o jornalismo hoje
4ª – 30/8 Continuação do tema anterior
5ª – 6/9 O Jornalismo e a História: semelhanças e diferenças no ato de narrar
Fato histórico e fato jornalístico; Jornalismo como fonte histórica
6ª – 13/9 O papel dos jornalistas nas grandes transformações sociais e conflitos
mundiais
7ª – 20/9 A imprensa colonial no Brasil
8ª – 27/9 A imprensa na Independência: as condições políticas e a perseguição
à imprensa ou Prova 1
9ª – 4/10 Prova 1 ou A imprensa na Independência: as condições políticas e a
perseguição à imprensa
10ª – 11/10 Relações entre imprensa e literatura
11ª – 18/10 A imprensa brasileira na República Velha
12ª – 25/10 O Estado Novo e a censura à imprensa; A formação das grandes
cadeias jornalísticas
13ª – 1º/11 O golpe de 1964 e a imprensa; A imprensa e a redemocratização
14ª – 8/11 As grandes questões atuais e o jornalismo (meio ambiente, terrorismo,
cidadania etc)
15ª – 15/11 Feriado nacional (Dia da Proclamação da República)
16ª – 22/11 Prova 2
17ª – 29/11 Prova Substitutiva
18ª – 6/12 Exame
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A comunicação social e as origens do jornalismo

A tipografia e o surgimento da imprensa


Do século 15 ao 17

No século 15 da Era Cristã, uma invenção não só revoluciona a circulação de


notícias, mas toda a realidade social, econômica, política e cultural da Europa: o
alemão Johan Gutenberg (um humilde ourives de Mainz) cria a imprensa de tipos
móveis (um século antes, chineses e coreanos já tinham feito experiências com tipos
móveis, porém sem a prensa). Nasce a tipografia.
Vale considerar: o contexto é de expansão das fronteiras geográficas,
filosóficas e econômicas na Europa. Em função disso, as notícias – agora publicadas e
reproduzidas em uma escala maior - passam a atingir um maior público, de forma mais
rápida e confiável. Muda também a forma de construção do pensamento.
Livretos e panfletos são criados, primeiramente, para serem lidos em voz alta.
Há também uma grande difusão de panfletos. Como não poderia deixar de ser, os
governantes são os primeiros a explorar as vantagens da imprensa. Estes controlam
todo o sistema de produção gráfica, mas são obrigados, volta e meia, a apelar às
massas através dessas publicações (garantia da legitimidade).
No século 16, em função da Reforma Protestante, a divulgação de conteúdos
religiosos conflitantes levou tipógrafos católicos e protestantes a várias formas de
condenação (inclusive, a morte).
Nesse mesmo período, as baladas (notícias cantadas) ainda permanecem em
grande circulação. Estas, agora, são impressas e, de tendência chauvinista (de
“nacionalismo exagerado”), têm como objetivo divertir o público. Também com a
difusão da imprensa, a ciência progride, substituindo a visão mística do poder dos
monarcas e da Igreja.

Transformações no conteúdo e formato das notícias

A crescente difusão de notícias gera a concorrência e se dá acerca dos mais


variados temas. E, assim, aos poucos e sempre mais, exige-se audácia das notícias
impressas (sensacionalismo). Isto é, as pessoas têm curiosidade sobre vida de
personagens importantes da sociedade (tragédia, aventura, talento, beleza, violência,
sexo).
Nesse período, fofoca e notícia se confundem, gerando desde aquele período –
e ainda antes do jornalismo tal como conhecemos, o conflito entre público e privado.
Contraditoriamente, convenções sociais exigem dos relatos conclusões e
ensinamentos moralistas (necessidade psicológica)
O inesperado também é exigido nessas notícias, bem como o sobrenatural
reflexo da mentalidade de uma época). O que, nesse período, poderia ser considerado
uma espécie de jornalismo popular (ou ainda uma literatura popular) passa a ser
identificado, pela elite, com as notícias sensacionalistas. As classes abastadas se
preocupam em saber sobre arte, política e economia.
Observa-se que as notícias impressas revelam uma concentração no
extraordinário, o que reflete o pensamento predominante, mas não o cotidiano de uma
sociedade e determina a clara diferença entre interesse humano e realidade humana.
Cresce o uso de estereótipos e clichês. O mundo passa a ser visto por muitos
através de fórmulas (é um “mundo velado”); o extraordinário é transformado em
ordinário (falta reflexão sobre causas e consequências, e existe uma descontinuidade
no lugar de conexões).
Todas essas alterações na maneira de divulgar notícias, ao mesmo tempo,
refletem e confirmam a conveniência dos divulgadores de notícias já daquele período
– que passam a ser identificados como jornalistas: o prazo de entrega do material para
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publicação passa a ser determinado. Com efeito, nessa época, a periodicidade dos
livretos começa a se firmar e a inovação dos livretos semanais passa a exigir uma
inovação jornalística, marcada por as alterações no conteúdo e formato de divulgação
das notícias, conforme dito anteriormente. É o início, o embrião, da própria indústria
jornalística.

O jornal

O jornal como hoje conhecemos e do qual se originaram os diários e


semanários, surgiu, na Europa, nos primeiros anos do século 17 “sem fazer barulho”.
De fato, não há data precisa para o aparecimento do 1º jornal impresso. Segundo
Lage1, “os exemplares mais antigos de jornais que se conhecem foram publicados na
Alemanha em 1609 e, embora não contenham indicações sobre a cidade ou
impressor, provavelmente saíram de uma oficina de Bremen”.
Muitas dessas primeiras publicações desapareceram com o tempo e de outras
não é possível identificar a autoria. A propósito, o anonimato dos criadores dos
primeiros jornais, no início do século 17, revela que a publicação desses periódicos
era uma prática arriscada diante do poder público da maioria dos países europeus
que, convenientemente e desde logo (conforme dissemos anteriormente), rogou para
si o direito de censura e autorização da publicação de materiais impressos.
Com efeito, Lage2 afirma:

A burguesia ascendente utilizou seu novo produto para a difusão dos


ideais de livre comércio e de livre produção que lhe convinham. Logo
também viriam as respostas do poder político autocrático a essa
pregação subversiva, sob a forma de regulamentos de censura ou da
edição de jornais oficiais e oficiosos, vinculados aos interesses da
aristocracia. A liberdade de expressão do pensamento somou-se, na
luta contra a censura, às outras liberdades pretendidas no ideário
burguês, e o jornal tornou-se instrumento de luta ideológica, como
jamais deixaria de ser.

Para definir quais publicações são, de fato, jornais, entre tantos materiais
impressos que a humanidade já produziu – desde o surgimento da imprensa de
Gutenberg -, os historiadores têm levando em conta algumas características básicas
para a classificação de um material impresso como jornal, a saber:
a) é publicado regularmente e com freqüência;
b) inclui variedade de assuntos abordados;
c) apresenta título consistente e reconhecível, além do formato próprio.

A Gazzetta veneziana

Desde o início do Renascimento, a cidade de Veneza (Itália), por ser centro de


poder e comércio, se firma como centro difusor de notícias (é provável que a “agência
de notícias” do alemão Fugger tenha se instalado ali). Em função desse contexto,
venezianos criam uma forma de publicação periódica de notícias (décadas anteriores
ao jornal impresso), apelidada de gazzetta (a palavra tem origem em antiga moeda
local).
Estima-se que esses boletins manuscritos tenham surgido depois de 1550. As
gazzete3 também ficaram conhecidas como avisi ou avvisi. Traziam, sobretudo,
notícias políticas e militares. Não se sabe, ao certo, quem produzia as gazzete (alguns

1
LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Florianópolis: Insular/Editora da UFSC, 3. ed.
2001, p. 25.
2
Idem, p. 25.
3
Gazzette, em italiano, é o plural de gazzetta.
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historiadores acreditam tratar-se do governo; outros, de escritores profissionais de
notícia, os avvisatori).
Em Strasburgo, na Alemanha, no ano de 1609, Johann Carolus passou a
imprimir um semanário, acredita-se, produzido a partir de um material manuscrito. Os
primeiros jornais europeus impressos reuniam notícias curtas e de locais diversos,
assim como eram organizadas as gazzette.

O Coranto holandês

Amsterdã (Holanda) se transformou, nesse mesmo período, uma cidade


cosmopolita e, por isso mesmo, mais tolerante em relação às questões religiosas. Ali,
a exemplo do que acontecia em outras regiões da Europa, o comércio necessitava da
circulação de notícias. Os moradores da cidade passaram, então, a organizar os
Corantos, boletins informativos periódicos “bruscos e impessoais”, considerados entre
os principais precursores do jornal tal como o conhecemos hoje4.
Os editores do coranto holandês (largamente difundido em outros países, como
na Inglaterra) tiveram que lidar com a novidade que era a expectativa dos leitores por
uma nova edição, bem como com o fato de que a edição anterior era considerada
obsoleta (firma-se o padrão de periodicidade). Também a avaliação das notícias
(quanto à sua importância) foi alterada. Outra prática foi a “antecipação dos
acontecimentos”, o que veio a aguçar ainda mais o apetite do leitor por novas notícias.
Emerge, também nos outros países onde o jornal impresso ganhava espaço, a
figura do editor, de quem era exigido a capacidade de transformar a miscelânea de
matérias em uma publicação atraente e razoavelmente coerente.

Superando limitações

Os primeiros jornais possuíam graves limitações:


a) restringiam-se quase que exclusivamente a notícias estrangeiras;
b) frequentemente, eram irresponsáveis (as informações, a exemplo do que já
acontecia com a comunicação, não eram checadas e sua origem, muitas vezes, era
fruto de boatos, distorções ou mesmo fofocas).
A partir do século 18, o jornal cresce, por conta de uma maior autonomia e
liberdade (em relação aos governantes) e em função da publicação de um leque maior
de notícias e do aumento da freqüência na distribuição. A cobertura de importantes
catástrofes, matérias de interesse humano e notícias de âmbito nacional, contribuíram
particularmente para o desenvolvimento do jornalismo nesse período. A publicação
dessas notícias periodicamente e o seu acesso mais facilitado à população em geral,
exigiu, por sua vez, maior responsabilidade pública do jornalista sobre o que ele
passou a fazer.

4
DeFLUER, Melvin & BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da comunicação de massa.
Tradução: Octavio Alves Velho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.
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A evolução da imprensa no mundo

Notícias e Revolução

Segundo Stephens (1993), os jornais tendem a ser veículos moderados,


quando não conservadores. Desde o seu surgimento até entrarem no período de
industrialização, os jornais e jornalistas foram marcados pelo publicismo (confira
quadro esquemático abaixo). Isso, contudo, não é o que se observa em períodos
revolucionários, como é o caso dos períodos imediatamente anteriores e durante as
Revoluções Americana e Francesa.
Nos Estados Unidos do século 18 (então colônia britânica), os jornais
demonstraram exercer significativa influência política, mais sobre o público do que
contra os dominadores e sua política colonialista. Os jornais coloniais americanos, ao
difundir opiniões revolucionárias, alimentaram na população um sentimento
nacionalista (união e emancipação), pois, de fato, a troca de informações solidifica
uma identidade comum. Detalhe: com o passar do tempo, a restrição prévia do
governo às publicações deixou de existir, embora os editores estivessem sujeitos às
penalidades pós-publicação.
Na França do mesmo período, os jornais tiveram um papel político ambíguo. A
ausência de uma imprensa agressiva e a própria falta de notícias – uma vez que o
governo imperial francês tinha completo controle sobre a circulação das mesmas –
contribuiu significativamente para a derrubada da monarquia naquele país. Por outro
lado, isso favoreceu certa difusão de notícias (sobretudo faladas) que, por se tratarem,
na realidade, mais de rumores, alimentaram o descontentamento das massas em
relação ao império e à burguesia, motivando-as à revolta.
Após as revoluções na França e nos EUA, observa-se, nestes dois países, uma
postura política diferenciada dos jornais. No caso da França, com a ascensão de
Napoleão ao poder, este retoma o controle sobre a imprensa. Já, nos EUA, a imprensa
– há tempos acostumada a assumir uma postura de contestação política –, apesar de
algumas tentativas de controle pelo governo norte-americano, passa a servir os
diferentes partidos que, agora, lutam pela hegemonia política na nação recém-
formada. O partidarismo dos jornais norte-americanos levou os jornalistas até mesmo
a se atacarem mutuamente. Esse quadro é compreensível, face ao fato de que o
governo republicano – de princípios democratas – possibilita a expressão de muitas
“vozes”. Os jornais, ao menos de certa forma, passam a ser, diante do governo,
representantes das muitas vozes da população.

Publicismo

• Primeiros jornais (a partir de 1609) circularam em centros de comércio = idéias


burguesas.
• Em seguida, a aristocracia também passou a publicar seus jornais.
• Jornalista se tornou um publicista: informações tinham caráter secundário
enquanto os artigos de fundo (editorial) eram os mais esperados e apreciados
pelos leitores (interpretação/orientação política).
• No início (século 17): paradigma do texto jornalístico era o discurso retórico
(exaltação do Estado ou da fé).
• A fala parlamentar, análise erudita e sermão religioso determinavam linguagem
dominante.
Apostila de História do Jornalismo 10
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Desenvolvimento dos jornais e circulação de massa

A história identifica que a economia do jornalismo faz ora a opção dos jornais
por atingir leitores mais abastados (porque atraem mais anunciantes), ora por atingir
leitores mais pobres (porque isso aumenta a circulação). Nos EUA, amenizadas as
disputas partidárias no período pós-revolução, os jornais voltam-se aos negócios e,
em função disso, aos leitores.
Benjamin Day funda, em 1833, o jornal Sun cujo lema se tornou “brilha para
todos”. De caráter bastante popular (seja pelo preço seja pelo conteúdo), em pouco
tempo, atinge um amplo público. Jornais como este formaram o que ficou conhecido
como “imprensa pobre”. Sobre esse tipo de imprensa, De Fleur (1993) afirma: “um dos
mais importantes aspectos do jornal de tostão de (Benjamin) Day, e dos que se
seguiram, foi a redefinição de ‘notícia’ para se adaptar aos gostos, interesses e
capacidades de leitura do nível menos instruído da sociedade”.
O surgimento da imprensa a vapor no lugar do velho modelo inventado por
Gutenberg acelera e amplia a produção de jornais – inclusive diários – em milhares de
exemplares. Isso contribui para que os editores, aos poucos e sempre mais, se
desvinculem da interferência financeira dos políticos. Ao mesmo tempo, esses jornais
contribuem para que as camadas mais pobres da população participem mais do
processo político do país.
Na Inglaterra, contudo, o processo é bem diferente. O governo mantém o
controle sobre a imprensa, inclusive com a manutenção do antigo imposto sobre as
publicações (o imposto do Selo). Muitos jornais existem clandestinamente para não
pagar o imposto. Essa imprensa marginal estimula a população a participar dos
assuntos do governo, até que esse imposto é abolido em 1855.
Nos EUA, a imprensa passa a ter uma circulação massiva, sendo o lucro obtido
dos anúncios e não mais da circulação. Nesse período, destaque para a ação de
Joseph Pulitzer cujo primeiro jornal – o New York World – passa de 20 mil exemplares
em 1883 para uma tiragem de 190 mil durante a semana e 250 mil aos domingos, em
1887. Ele mistura sensacionalismo, política progressiva e campanhas para chamar a
atenção sobre si, constituindo o que ficou conhecido como “novo jornalismo”. A disputa
de Pulitzer com seu ex-empregado William Randolph Hearst deu origem ao que ficou
conhecido como “jornalismo amarelo”, quando as tiragens dos seus jornais
ultrapassaram a marca de um milhão de exemplares5.
Em Londres, na Inglaterra, por iniciativa do próprio Pulitzer em parceria com
Alfred Harmsworth, é fundado o Daily Mirror cujo formato – tablóide – ganha força a
uma nova onda de jornalismo popular. Nos EUA, surge então o Daily News. (O termo
tablóide surgiu inspirada num produto farmacêutico da década de 1880 sob
forma de comprimido e de fácil digestão).
Do incentivo à revolução no século 18 com seu discurso progressista contra os
monopólios imperialistas, os jornais passaram eles mesmos a constituírem um novo
monopólio, o “do saber”, uma vez que este passou a estar sob o controle do capital
(confira quadro a seguir sobre “Sensacionalismo e educação”)

5
A concorrência entre os diários do chamado “jornalismo amarelo” norte-americano assumiu
proporções alarmantes. Tudo se justificava para vencer a concorrência. Tantos foram os
excessos, que a sociedade daquele país, representada por grupos e instituições organizadas
(igrejas, partidos políticos, empresários etc) e pelas próprias organizações de editores e
publicadores, reagiu agressivamente a essa prática jornalística e conseguiu fazer com que os
jornais passassem a observar normas que melhor regulassem o trabalho da imprensa. A
expressão “jornalismo amarelo” tem origem num primitivo personagem – o “Garoto Amarelo” –
que foi um dos recursos (no caso, o uso de desenhos coloridos) que os jornais desse período
utilizaram como artifício para vencer a concorrência, chamando a atenção do público.
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Sensacionalismo e educação

• Europa, século 19: condições sócio-econômicas mudam radicalmente o


jornalismo (Revolução Industrial amplia o público consideravelmente e cresce
urbanização e nível de escolarização)
• Produção dos jornais é ampliada com a mecanização para atender maior
número de leitores.
• Público com novo perfil (cultura popular, mais objetiva, pragmática) pede novo
jornalismo.
• Custos da produção do jornal aumentam = investimento em publicidade. Jornal
consolida-se como empresa autônoma.
• Jornais buscam a atender os vários gêneros (interesses) do público: textos
literários, charges, quadrinhos, novidades etc. Texto informativo ganha mais
espaço.
• Tendo em vista atender esse público, jornalismo desse período fica entre
sensacionalista (apelo) e educador.

A Reportagem e o método jornalístico

Os primeiros jornalistas norte-americanos (do início do século 19) eram, ao


mesmo tempo, editores, publicadores e impressores. Presos às oficinas tipográficas,
estes esperavam das agências de correios as notícias que iriam preencher as páginas
de seus jornais.
Essas notícias podiam ser provenientes de outros jornais (sobretudo,
europeus), inclusive. Na falta dessas notícias, inseriam ensaios (artigos) escritos às
pressas. Um facilitador da coleta de informações é o telégrafo, que permitiu a
divulgação de notícias diárias.
A prática da reportagem começa a surgir, aos poucos, com a ação dos
jornalistas que passam a colher algumas notícias locais. Nos EUA, eles começam a
ser identificados, mais ou menos, a partir de 1870. Seu método de coleta de
informações parece se inspirar no próprio método científico em crescimento naquele
período. Também a Guerra Civil naquele país faz gerar um amadurecimento na função
do jornal que passa a ocupar-se mais em colher, editar e relatar as notícias
(superando e muito a antiga concepção de jornal segundo a qual este deve ser um
órgão de opinião partidária).
A coleta de notícias se intensifica a partir do momento em que os editores
mandam seus “repórteres” até os paquetes, ferrovias, portos e navios em busca de
informações mais atualizadas. Essa busca pelas notícias gera a competição entre os
editores que pretendem ser “mais oportunos” que seus concorrentes.
Com o crescimento das cidades norte-americanas e européias, começa a se
evidenciar a atuação dos repórteres locais, cujo trabalho de observação se torna útil
aos jornais e sobretudo aos leitores que não têm mais tanto acesso a notícias da sua
própria cidade. No início, contudo, esses “repórteres” não eram profissionais e tinham
essa atividade como um “bico”.
Em seguida, surgem os “repórteres parlamentares” (na Inglaterra) que cobriam
as sessões do Parlamento, registrando os debates ali realizados. Inicialmente, foram
proibidos de tomarem nota (o que acabava gerando muitas distorções) e depois lhes
foi permitido anotarem (passaram a usar a estenografia e a taquigrafia). Experiência
semelhante passou a ser feita junto aos tribunais de justiça e “de polícia”. Mas foram
as coberturas de assassinatos e guerras que mais contribuíram para o aprimoramento
do método jornalístico.
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Investigação

As notas dos primeiros repórteres, em geral, não incluíam citações ou


declarações (exceto se de pronunciamentos públicos), porque raramente as pessoas
eram entrevistadas. Ao mesmo tempo, mantinham o velho problema do partidarismo, o
que favoreceu, inclusive, alterações no comportamento das fontes mais visadas pelos
jornalistas (autoridades civis, policiais, religiosas, empresários e outros) que passaram
a se organizar na forma de atender a imprensa, cuidando especialmente de sua
“aparência”.
Algumas dessas fontes passaram a adotar mediadores na sua relação com
imprensa, os relações públicas. Por outro lado, a agressividade de alguns jornalistas,
contribuiu para inibições e desconfianças por parte das fontes.

A veneração do fato

Na segunda metade do século 19, a exatidão torna-se palavra de ordem para o


jornalismo norte-americano. Os editores passaram a preocupar-se em separar a
informação do fato do ponto de vista sobre o fato. Os fatos passam a valer por si
mesmos. Surge, então, a regra da “pirâmide invertida” (organiza a matéria em função
dos fatos e não das ideias ou cronologias; os fatos mais importantes merecem
destaque). Essa regra, contudo, só foi adotada após algumas décadas desde seu
surgimento.
Os acontecimentos passam a ser vistos a partir de “instantes discerníveis e
dramáticos, desempenhados por personagens coerentes e reconhecíveis” – o que tem
grande aceitação pelos leitores. Esse posicionamento modifica os padrões éticos do
jornalismo que passam a proclamar a importância da imparcialidade.
Nesse período, surgem as grandes agências de notícias (especialistas em
divulgação dos fatos em detrimento da opinião). O primeiro “esboço” de agência de
notícias existiu durante o século 19, função desempenhada, de certo modo, pela
agência britânica dos correios (que recebia uma taxa em troca do fornecimento de
sumários em inglês de artigos publicados em jornais estrangeiros). A primeira agência
privada de notícias surgiu na França em 1832, estabelecida por Charles Havas. Este,
inicialmente, usou de pombos-correio e do telégrafo para divulgar suas notícias. Com
isso, se consolida o conceito de notícia como “mercadoria” (reveja texto de Mattelart a
partir da página 20).
Aliada a imparcialidade, a objetividade passa a ser outra bandeira levantada
pelos jornalistas norte-americanos (os europeus só irão adotar esta postura bem mais
tarde). Para tanto, passaram a seguir as seguintes regras:
a) verificar que suas preferências pessoais não transpareçam abertamente em suas
notícias (apesar disso não ser possível inteiramente e existir o conflito com a chefia e
classe patronal);
b) evitar a utilização de terminologias evidentemente carregadas de valores;
c) usar do equilíbrio na apresentação das versões.

“Primeiros gêneros da cultura de massa6

Bem cedo, as grandes agências de imprensa tornaram-se, com efeito, utilizadoras


assíduas das redes de comunicação à distância, demasiado satisfeitas por á não
dependerem dos pombos correios para o transporte de seus telegramas.
A agência francesa Havas é fundada em 1835; a alemã Wolff, em 1849, e a
britânica Reuter, em 1851. A agência americana, Associated Press (AP), inicia sua história
em 1848. No entanto, somente as três européias começam sua atividade como agências

6
Trecho extraído da obra “Comunicação Mundo: história das idéias e das estratégias”, de
Armand Mattelart, Editora Vozes, 1994, página 27.
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internacionais. Apenas na virada do século é que a americana vai empreender essa via.
Por um acordo explícito assinado em 1870, o cartel Havas, Reuter e Wolff partilha entre si
o mercado mundial. O território da agência parisiense é mais especialmente a Europa
Meridional; o da Wolff, a Europa Central e Setentrional. Quanto à britânica, vai se modelar
segundo as linhas de força do império. Desde o início, um de seus alvo privilegiados será
a informação comercial e financeira. A originalidade de Havas é o fato de combinar
informação com publicidade. Por essa acumulação, será a precursora dos grupos
multimídia do século XX. Outra originalidade é a história complexa de suas imbricações
com o Estado. Na seqüência da Primeira Guerra Mundial, Wolff deixa de ser uma agência
mundial. E, por isso mesmo, as agências Havas e Reuter acabam sendo reforçadas até os
anos 30, época em que as agências americanas AP e United Press (UP) hão de começar
a caçar notícias no mesmo terreno.
A rápida progressão das redes das grandes agências é paralela ao advento de
uma imprensa liberada dos constrangimentos a censura. De 1853 a 1861, a Grã-Bretanha
suprime os ‘impostos sobre o saber’ que entravavam o desenvolvimento de uma imprensa
de massa. Os Estados Unidos já se encontravam na dianteira pois, bem antes de 1850,
tinha surgido uma imprensa cotidiana, a preços módicos, lida pelo povo.
Na França, em 1881, a legislação marca uma etapa. A imprensa e a atividade
editorial são livres. O depósito prévio é suprimido, assim como a caução e a taxa. Os
únicos delitos da imprensa são a provocação ao crime, a incitação de militares à
desobediência, os ultrajes ao presidente da República, os gritos sediciosos, os ultrajes aos
bons costumes, as difamações e injúrias pessoais, a ofensa contra chefes de Estado e
agentes diplomáticos estrangeiros. Divulgação, venda e afixação são autorizadas. O
diretor é responsável pela publicação; seu nome deve figurar no jornal. Tal era, em
substância, o conteúdo da lei francesa de 29 de julho de 1881, saudada como a grande lei
sobre a liberdade de imprensa e considerada como a vitória da burguesia republicana.
Em 1890, ‘Le Petit Parisien’ gaba-se por ser o primeiro cotidiano popular europeu a
ultrapassar a tiragem de um milhão de exemplares. O ‘New York Journal’ do americano
William Randolph Hearst, emblema da imprensa sensacionalista, não chega a atingir essa
cifra, a despeito de seus suplementos dominicais e seus ‘comics’. De um e outro lado do
Atlântico, a concorrência estimula a procura dos primeiros gêneros da cultura de massa.
Na França, onde ‘Le Petit Journal’ e ‘Le Petit Parisien’ travam uma guerra encarniçada
entre si, o folhetim se converte em um dos trunfos do jornalismo popular. Introduzido a
partir de 1836, esse gênero atingirá seu apogeu no meio da década de 1880, quando esse
jornais vão publicar dois ou três folhetins ao mesmo tempo com a ajuda importante de
campanhas promocionais.
Nos Estados Unidos, a luta entre os suplementos dominicais do jornal de Hearst e
do ‘New York World’ de Joseph Pulitzer vê surgir, em 1894, os primeiros ‘comics’. Em
menos de quinze anos, a primeira estratégia de penetração do mercado internacional terá
atingido o ponto de bala a partir desse tipo de produto editorial. Em 1909, Hearst cria o
primeiro ‘syndicate’, International News Service: a função dessa agência é vender aos
jornais material literário, artigos de divulgação científica, palavras cruzadas e histórias em
quadrinhos. Vai suceder-lhe, em 1915, O King Feature Syndicate: entre seus produtos de
base estão os ‘comics’. Conseqüência da reestruturação desse gênero em torno do
‘syndicate’: o fim do estágio artesanal em benefício da divisão do trabalho e da produção
(a agência arroga-se o direito de ‘autor’; pode retocar, suprimir e modificar, encontrar um
sucessor por ocasião do desaparecimento do desenhador; tem, portanto, uma política
editorial); uma ‘padronização do material que proporciona uma certa homogeneidade me
face do mercado internacional e elimina os aspectos críticos ou agressivos que poderiam
afastar os clientes de países com costumes, religião ou princípios políticos diferentes’.
No entanto, é no domínio da indústria cinematográfica que se prepara o primeiro processo
importante de internacionalização da cultura de massa nascente. As primeiras projeções
cinematográficas realizaram-se em Paris e Berlim, em 1895; no ano seguinte, em Londres,
Bruxelas e Nova Iorque. Os irmãos Lumiére disputam com Edison a primazia da invenção
dessa técnica.(...)”
Apostila de História do Jornalismo 14
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O caso do Watergate7
O caso Watergate é o mais conhecido escândalo político da história americana,
e "Garganta Profunda" é a fonte anônima mais famosa do jornalismo. O que começou
com o que parecia ser um mero roubo em junho de 1972 levou à queda do presidente
Richard Nixon e também revelou uma trama política de espionagem, sabotagem e
suborno.
Algumas pessoas dizem que o caso mudou a cultura política americana para
sempre, derrubando o presidente de seu pedestal e tornando a imprensa mais
corajosa. Os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do jornal americano
Washington Post, desempenharam um papel-chave na revelação do escândalo,
auxiliados por informações cruciais de seu misterioso informante.

Pesadelo político

Watergate é um termo geral usado para designar uma rede complexa de


escândalos políticos entre 1972 e 1974. Mas também se refere especificamente ao
edifício Watergate, em Washington DC, que abriga um hotel e vários escritórios. Foi
nesse prédio que cinco homens foram presos no dia 17 de junho de 1972 ao tentar
colocar escutas nos escritórios do Comitê Nacional Democrata. O arrombamento,
durante uma campanha eleitoral, foi investigado e levou aos membros de um grupo de
apoio a Nixon - o Comitê para Reeleger o Presidente.
Os invasores e dois cúmplices foram condenados em janeiro de 1973, e
muitos, inclusive o juiz que os julgou, John Sirica, suspeitaram que havia uma
conspiração que alcançava os altos escalões do poder. O caso acabou se
transformando em um escândalo político amplo quando um dos arrombadores
condenados escreveu para Sirica alegando ter havido uma grande operação de
acobertamento do caso.

Gravações secretas

O Senado americano lançou investigações que engoliram grandes


personalidades políticas, inclusive o ex-procurador-geral John Mitchell e os assessores
da Casa Branca John Ehrlichman e HR Haldeman. Em abril de 1974, Nixon cedeu à
pressão da opinião pública e liberou transcrições editadas de gravações de conversas
que teve sobre Watergate. Mas o presidente não conseguiu conter a contínua perda
de apoio à sua administração, ou uma percepção pública de que ele estava implicado
na conspiração. Em julho daquele ano, a Suprema Corte ordenou que Nixon
entregasse as gravações relacionadas ao escândalo.
Enquanto isso, o Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes completou
sua investigação e aprovou dispositivos para o impeachment de Nixon. No dia 5 de
agosto, Nixon entregou as transcrições das gravações de três conversas. Ele admitiu
que tomou conhecimento do acobertamento pouco depois do arrombamento no
complexo de Watergate e que tinha tentado por fim à investigação do FBI (a polícia
federal dos Estados Unidos). Quatro dias depois, ele se tornou o primeiro presidente
dos Estados Unidos a renunciar ao cargo e foi substituído pelo vice-presidente, Gerald
Ford. O presidente Ford deu o perdão oficial a Nixon para evitar um julgamento. Já os
seus principais assessores, Haldeman, Ehrlichman e Mitchell, estavam entre os
condenados em 1975 por seu papel no escândalo.

7
Fonte: http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2008/12/19/entenda-escandalo-de-watergate-
587370049.asp
Apostila de História do Jornalismo 15
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'Siga o rastro do dinheiro'

Woodward e Bernstein conseguiram vários furos de reportagem com a


ampliação do escândalo. Seu livro sobre o tema, Todos os Homens do Presidente, foi
transformado em um filme, estrelado por Dustin Hoffman e Robert Redford. Entre as
cenas memoráveis está o primeiro encontro de Garganta Profunda, que ascende um
cigarro na escuridão de uma garagem, com o jornalista Woodward. A recomendação
do informante é "siga o rastro do dinheiro". Com o desenrolar de Watergate, Garganta
Profunda ficou temeroso de que seu papel na investigação do Washington Post fosse
descoberto, disse Woodward.
Acredita-se que o informante tenha exigido não conversar mais por telefone,
temendo que o aparelho estivesse grampeado, e ambos começaram a se encontrar
tarde da noite em uma garagem em Washington. Se Woodward quisesse encontrar
Garganta Profunda, o repórter teria que alterar o arranjo de um vaso de plantas na
janela de seu apartamento. Se Garganta Profunda quisesse ver Woodward, teria que
garantir, de alguma forma, que a página 20 da cópia do jornal New York Times que
Woodward recebia tivesse uma marca.
Durante décadas especulou-se quem seria Garganta Profunda. A especulação
acabou em 2005, com um artigo na revista Vanity Fair em que a identidade do
informante foi revelada. Tratava-se do segundo em comando do FBI, Mark Felt.
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O Jornalismo e a História: semelhanças e diferenças no ato de
narrar/ Fato histórico e fato jornalístico: Jornalismo como fonte
histórica

Textos de referência:
ESPERANÇA, Clarice Gontarski. Testemunhas ou fontes: relações e
desencontros entre jornalistas e historiadores. Em Questão, Porto Alegre, v. 12,
n. 2, p. 235-251, jun./dez.2006.
MOURA, Samira da Silva. Jornalismo e História: caminhos que se cruzam.

Sobre as relações entre Jornalismo e História

Jornalismo História
No início: foco no registro do instante, do No início: foco na recuperação e
novo, do imediato. reinterpretação do passado.
Hoje: freqüente referência a fatos Hoje: mídia é tida como fonte de
passados. Divulgação dos fatos exige pesquisa por ser documento capaz de
contextualização histórica. recuperar, ao menos em parte, o
cotidiano.
Uso da entrevista. Uso da entrevista (História Oral).
Emprego de sua visão de mundo quando Emprego de sua visão de mundo quando
realiza seu relato. realiza seu relato.
Poder de transmissão de informação. Poder de transmissão de informação e
produção do conhecimento.
Ao basear-se em relato de fontes Ao basear-se em relato de fontes
(testemunhas), visa reconstruir o real. (testemunhas), visa reconstruir o real.
Testemunha (fonte) produz afirmação de Testemunha (fonte) produz afirmação de
algo que, de fato, existiu, aconteceu. algo que, de fato, existiu, aconteceu.
Mediante entrevista, ela é vista como Busca-se analisar o significado dos
acesso à informação por excelência. Em testemunhos para além do aparente, mas
razão da autoridade moral de quem que identifiquem permanências,
testemunha, o fato passado é contingências (incertezas) e
considerado verdade objetiva. subjetividade.
Relato jornalístico é feito mediante o uso Relato historiográfico é feito mediante o
da investigação apressada e linguagem uso da investigação cautelosa, teórica e
fluente e atrativa. metodologicamente embasada. Uso da
linguagem erudita e complexa.
O jornalista torna-se “fiador” do relato da Verdade não é apontada, mas sim as
testemunha a quem atribui a “verdade verdades possíveis.
dos fatos”.
Apostila de História do Jornalismo 17
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A imprensa colonial no Brasil e A imprensa na Independência:
as condições políticas e a perseguição à imprensa

“Primeiras batalhas8

A imprensa surge tardiamente no Brasil. Há razões internas e externas a


explicar a sua ausência na Colônia. A Coroa Portuguesa sempre criou obstáculos ao
seu desenvolvimento para impedir que as críticas à dominação metropolitana se
propagassem através das folhas impressas. Além disso, os núcleos urbanos eram
pouco significativos na sociedade colonial havendo predominância de uma população
do campo, analfabeta, constituída na sua maioria por escravos, dispersa em áreas
distantes. Estes fatores representaram empecilhos para a consolidação da imprensa.
Apesar das dificuldades, diários e panfletos circularam nos pequenos e
grandes centros urbanos. A barreira do analfabetismo era contornada pela
comunicação oral: a leitura da voz alta, nas esquinas, nas farmácias ou nos serões
familiares possibilitava a divulgação das mensagens, muitas vezes de conteúdo
público – antilusitano e anticolonialista. Esses pequenos jornais tinham duração
efêmera.
A vinda da Família Real para o Brasil, em 1808, agitou a sociedade e dentre as
várias modificações ocorridas nessa época, apontamos a criação da Imprensa Régia,
fato que favoreceu o surgimento de inúmeros jornais na Capital do Reino e também
nas províncias: Bahia, Pernambuco, Maranhão, São Paulo.
A imprensa de oposição política ganhou destaque nas lutas pela
independência. As críticas à Coroa desencadeavam a censura e esta chegava a
impedir a circulação de jornais. O Correio Braziliense tornou-se famoso não só pelas
críticas ao governo mas principalmente porque foi publicado em Londres devido ao
seu impedimento no Brasil. Alguns autores exaltam a combatividade de José Hypolito
da Costa, o proprietário. Outros reduzem a importância desse periódico,
argumentando que esteve ligado aos interesses ingleses e só atuou na Europa sem
repercussão no Brasil. Apesar disso causou preocupações à Coroa que fez circular,
também em Londres, O Investigador Português para fazer frente ao órgão opositor.
A luta pela independência colocou em campos opostos a imprensa oficial ou
oficiosa e a de oposição. Esta última caracterizou-se pela linguagem enérgica e
violenta.
Em 1821 surgiu o Revérbero Constitucional Fluminense, escrito por ‘dois
brasileiros amigos da nação e da Pátria’ – Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da
Cunha Barbosa. Esse órgão doutrinário batalhou pela independência, opôs-se à volta
de D. Pedro a Portugal e aos projetos de recolonização da Metrópole. Os proprietários
deixaram de publicar o jornal em 1822 por considerarem seus objetivos atingidos. Isso
não os livrou das perseguições que resultaram em deportação e exílio.
O Malagueta, também surgiu em 1821, atingindo grande popularidade até
1822. O proprietário Luis Augusto May, defensor das causas brasileiras, foi vítima de
perseguições e espancamentos.
O português João Soares Lisboa destacou-se como defensor da liberdade de
imprensa no Brasil, através de seu órgão – O Correio do Rio de Janeiro – lutou pela
independência e propôs a convocação da Constituinte com eleições diretas.
A Constituinte foi convocada e depois dissolvida. Seguiu-se, então, um período
de ausência de liberdade para a imprensa. João Soares Lisboa foi preso, condenado e
anistiado sob a condição de deixar o país. Desobedeceu às ordens do exílio; ficou
para participar da Confederação do Equador e foi morto durante combate.

8
Texto extraído do livro “Imprensa e História do Brasil”, de Maria Helena R. Capelatto,
Contexto/EDUSP, 2a ed., 1994, página 38.
Apostila de História do Jornalismo 18
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A atuação da imprensa nesse movimento teve muita importância. O Typhis
Pernambuco, fundado e dirigido por frei Caneca, instigou a população contra o
governo que, entre outras arbitrariedades, dissolvera a Constituinte. O periódico O
Desengano dos Brasileiros também teve papel significativo na Confederação.
Nessa época, tornou-se famoso Cipriano Barata. Através de suas Sentinelas
da Liberdade, escritas muitas vezes no cárcere, travou polêmica acirrada com o
político conservador Visconde de Cairu (José da Silva Lisboa). Cipriano afirmou:

‘Toda e qualquer sociedade onde houver imprensa livre está em


liberdade; esse povo vive feliz e deve ter alegria, segurança, fartura. Se
pelo contrário, aquela sociedade ou povo, tiver imprensa cortada pela
censura prévia presa e sem liberdade, seja debaixo de que pretexto for, é
povo escravo, que pouco a pouco há de ser desgraçado até se reduzir ao
mais brutal cativeiro’.

Essa afirmativa data de 1823, ano em que teve início um período de intensa
repressão política. Jornalistas foram perseguidos, espancados, processados e
deportados.
Na fase de Abdicação, Regência e Maioridade alguns jornais se destacaram.
Dentre ele a Aurora Fluminense de Evaristo da Veiga, que fez campanha pela
abdicação de D. Pedro I.
Durante a Regência proliferaram os pasquins, jornais de formato reduzido e
poucas páginas, de linguagem violenta e função agitadora. Tinham curta duração e
entraram em declínio após a Maioridade. Outros jornais dessa mesma época
sobreviveram por mais tempo.
Em 1827 surgiu o famoso Jornal do Commercio do Rio de Janeiro; em 1829 o
Observador Constitucional (São Paulo) de Líbero Badaró que promoveu intensa luta
pela liberdade de imprensa. Badaró acabou sendo assassinado.
Na segunda metade do século XIX começaram a aparecer os jornais
republicanos. O primeiro foi o O Apóstolo (1849) de Minas Gerais. O Jornal do
Commercio, O Correio Paulistano, Diário de Pernambuco e muitos outros
transformaram-se em arautos de uma nova era”.
Apostila de História do Jornalismo 19
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Relações entre imprensa e literatura

Textos de referência:
MARTINS, Ana Luiza; DE LUCA, Tânia Regina (organizadoras). História da imprensa
no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, p. 107-111.
PENA, Felipe. Jornalismo literário. São Paulo: Contexto, 2006, p. 11-36.

• Jornalismo literário:
 potencializa os recursos do jornalismo;
 ultrapassa os limites dos acontecimentos cotidianos;
 proporciona visões amplas da realidade;
 exerce plenamente a cidadania (contribui para a formação do cidadão e da
solidariedade);
 rompe as correntes burocráticas do lead;
 evita os definidores primários (“as fontes de sempre”, as “oficiais”; na verdade,
vai além desse tipo de fonte, indo ao encontro do cidadão comum, anônimo);
 garante perenidade e profundidade aos relatos.

• Classificação do Jornalismo Literário (no Brasil):


 Período inicial: escritores assumiram as funções de editores, articulistas,
cronistas e autores de folhetins (espécies de novelas, publicadas em
capítulos). É o período do jornalismo publicista (politicamente engajado) e da
popularização da literatura. Destaques no Brasil: Manuel Antônio de Almeida
(Memórias de um sargento de milícias, 1º folhetim, publicado pelo Correio
Mercantil); Joaquim Manoel de Macedo; Raul Pompéia; Aloísio de Azevedo;
Euclides da Cunha, entre outros.

 Revistas literárias: tiveram relativa difusão no início do século 20 e abordavam


não só literatura, mas outros temas afins como poesia, artes, teatro, e eram
especial espaço para a chamada “crônica cotidiana” (artigos sobre temas
relacionados aos costumes brasileiros da época cuja sociedade começava a se
urbanizar, a se industrializar e tinham as grandes cidades européias –
sobretudo, Paris – como modelo de modernização). Essas revistas eram
produzidas por “homens de letras”, boa parte dos quais bacharéis de Direito,
que combinavam a atividade literária com emprego em jornais e revistas.
Exemplos de jornalistas-escritores de S. Paulo da época: Monteiro Lobato,
Amadeu Amaral e Minotti del Picchia.
Após a Primeira Guerra Mundial, as revistas literárias começaram a abordar
temas mais ligados a questões econômicas e sociais e, em especial, à
construção de uma identidade nacional. Nesse momento, essas revistas tinham
como características fundamentais: artigos de natureza variada dentro das
temáticas artes e ciências (sociais, sobretudo); espaço aberto à exposição de
idéias e debate político; reuniam grupos diversos de intelectuais e padeciam de
uma sólida estrutura comercial (por isso, costumam ter duração efêmera).
Exemplo de revista de destaque do gênero nesse período: Revista do Brasil, de
S. Paulo, cujo diretor era Júlio de Mesquita (editor do jornal O Estado de S.
Paulo). Em 1918, passou para a propriedade de Monteiro Lobato que inovou
nos métodos de venda, ampliando a rede de representantes da revista no País.
Outro exemplo importante: Almanaque Brasileiro Garnier, do Rio de Janeiro.
Dirigido para um público amplo, era uma publicação preocupada com a difusão
de padrões culturais, valores e códigos sociais. Era também um instrumento de
consulta com informações práticas.
Na década de 1920, tiveram destaque as revistas modernistas, inspirados no
Movimento Modernista e que contaram com a participação de destacados
Apostila de História do Jornalismo 20
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intelectuais e escritores da época: Mário de Andrade, Menotti del Pecchia,
Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Hollanda, entre outros. Foram
exemplos de revistas modernistas: Klaxon, Estética, A Revista, Verde, Revista
de Antropofagia.

 Crítica de obras literárias, veiculada em jornais. Papel do crítico literário:


determinar o que será classificado como cânone, ou seja, uma obra que
permanecerá na história cultural. Práticas atuais da crítica literária: produção
acadêmica (mestrado e doutorado em Letras) e artigos em jornais, revistas e
outras publicações, assinados por jornalistas ou especialistas (acadêmicos,
artistas, entre outros). Há ainda os suplementos ou cadernos literários (Mais!,
da Folha de S. Paulo e Prosa e Verso, de O Globo). São componentes da
crítica: análise, interpretação e julgamento.

 Movimento conhecido como New Journalism (iniciado nas redações dos EUA
na década de 1960): para alguns historiadores, seu iniciador foi o jornalista
Daniel Defoe (Diário do ano da peste, 1665; Robinson Crusoé, 1719; Moll
Flanders, 1722). Outros nomes: John Hersey (Hiroshima, 1946) e Truman
Capote (A sangue frio, 1965). Motivação do movimento: insatisfação de
jornalistas com as regras de objetividade do texto jornalístico (lead, por
exemplo) e opção pelo valor estético do texto (uso de técnicas literárias).
Recursos básicos: reconstruir a história cena a cena; registrar diálogos
completos; apresentar as cenas pelos pontos de vista de diferentes
personagens; registrar hábitos, roupas, gestos e outras características
simbólicas do personagem. Suas novas vertentes:
- Jornalismo Gonzo: versão mais radical do New Journalism. Criador: Hunter S.
Thompson (repórter da Rolling Stone). Fundamentos: entrevistado deve ser
provocado para que a reportagem renda; é preciso viver as reportagens para
poder relatá-las. Características: não se preocupa com personagem da história;
o autor é o próprio personagem; tudo que for narrado é a partir da visão do
jornalista que o faz com irreverência, sarcasmo, exageros e opinião. No Brasil,
conferir: www.jornalistademerda.org.
- Novo Jornalismo Novo: é uma atualização – embora, não organizada – do
“velho” Novo Jornalismo. Principais características: explorar situações do
cotidiano, do mundo ordinário, das subculturas, sem usar da abordagem do
exotismo ou do extraordinário; envolvimento com matéria e entrevistados; tom
informal (sem preocupações estilísticas). Objetivos: assumir perfil ativista,
questionar valores, propor soluções.

 Biografias: o relato biográfico, na maioria das vezes, tenta ordenar os


acontecimentos de uma vida de forma cronológica, na ilusão de que eles
formem uma narrativa autônoma e estável, ou seja, uma história com começo,
meio e fim, formando um conjunto coerente. Na mídia, a memória de um
personagem, é espetacularizada, em função de ser carregada de imagens pré-
concebidas, facilitando ainda mais a sedução. As celebridades biografadas
catalisam a atenção e preenchem o imaginário coletivo. Porém, diferentemente
do que acontece com os heróis (no sentido ocidental do termo), o público vê a
si mesmo nessas celebridades instantâneas.

 Romances-reportagens: nesse tipo de narrativa, o autor não inventa nada. Ele


se concentra nos fatos e na maneira literária de apresentá-los ao leitor. Trata-
se do cruzamento da narrativa romanesca com a narrativa jornalística. Os fatos
não se baseiam na veracidade, mas sim na verossimilhança, ou seja, na
mimetização da realidade. O autor busca a representação direta do real por
meio da contextualização e interpretação de determinados acontecimentos;
Apostila de História do Jornalismo 21
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nesse caso, não há preocupação apenas em informar, mas também em
explicar, orientar e opinar, sempre com base na realidade. A esse conceito está
relacionado o de livro-reportagem: este engloba o real factual, seja na
veracidade ou na verossimilhança, já que seus procedimentos operacionais
são jornalísticos.

 Ficção-jornalística: nessa narrativa, o autor inventa deliberadamente, embora


utilize instrumentos do jornalismo (levantamento e apresentação concisa e
objetiva de fatos). Em outras palavras: a realidade é reconstruída a partir do
jornalista, mas ele não se prende aos limites do compromisso com a verdade.
A essa linha está relacionado o movimento literário latino-americano chamado
Realismo Fantástico cujo maior representante é o jornalista e escritor
colombiano Gabriel García Marquez, Prêmio Nobel de Literatura (seus livros
são mágicos, deixam clara a opção pelo ficcional, mas estão construídos sobre
a realidade política do continente).
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A imprensa brasileira na República Velha

Textos de referência:
MARQUES, Luís Henrique. História da comunicação. Bauru: Universidade do
Sagrado Coração, 2008, p. 23-26 (apostila).
MARTINS, Ana Luiza; DE LUCA, Tânia Regina (organizadoras). História da imprensa
no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, p. 83-102.

O jornalismo da Primeira República

Com o advento e o transcorrer da chamada Primeira República ou República


Velha (1889-1930), o Brasil vive sua Belle Époque, cujo modelo de civilização
moderna é inspirado na Europa. Paris, nesse sentido, é o modelo por excelência de
desenvolvimento urbano.
O crescimento da imprensa brasileira, na realidade, é apontado a partir de
meados da década de 1870, quando a circulação de periódicos tem um significativo
incremento. Esse desenvolvimento, no entanto, se dá mediante limites típicos da
sociedade brasileira do período: com o desenvolvimento ainda bastante tímido dos
transportes, a distribuição de jornais estava limitada ao eixo Rio-São Paulo. No que diz
respeito aos leitores, vale lembrar que, em 1890, estimava-se em apenas 15% o
montante da população brasileira alfabetizada.
Nesse período de transformações, a imprensa conheceu múltiplos processos
de inovação tecnológica que permitiram o uso da ilustração diversificada – charge,
caricatura, fotografia -, assim como aumento das tiragens, melhor qualidade de
impressão, menor custo do impresso, propiciando o ensaio da comunicação de massa.
Em contraposição à liberdade de expressão que distinguiu boa parte do Império, a
República, desde o seu início, foi marcada pela censura e repressão. Mas a imprensa
foi também muito cortejada pelo governo que, afinado com seus interesses de classe –
isto é, aqueles da elite agrária de São Paulo e Minas Gerais – aliciou-a e mobilizou-a
para sua propaganda e serviço.
Nesse período, outro destaque é a cobertura feita na Campanha contra
Canudos (1893-1897) cuja principal atuação foi de Euclides da Cunha que, com suas
reportagens, deu origem à publicação do clássico Os Sertões.

A Revolução de 1930 e a modernização do jornalismo

“A revolução (de 1930) não assegura, desde logo, como era do seu objetivo, a
democracia formal de inspiração liberal, basicamente porque não se liberta totalmente
dos grupos oligárquicos e das contradições ideológicas, mas muda o país e moderna
as instituições”. A afirmação é do jornalista e escritor Juarez Bahia (1990). Para ele,
essa modernização chega também aos jornais e, em seguida, ao rádio, revistas, livros
e propaganda – que vão constituir o aparato a nascente indústria cultural brasileira –
os quais são atingidos por significativas transformações.
Essa modernização começa pelo posicionamento de parte da imprensa em
relação aos fatos que abalam as antigas estruturas do País nos anos 30 (como é o
caso da Revolução Constitucionalista de 32): esta se alinha com as reivindicações que
pedem a modernização do Estado brasileiro, tais como o voto livre, secreto e
universal, o acesso de todas as camadas sociais aos benefícios do desenvolvimento,
o fim do colonialismo etc. Cada vez mais independente do poder político, a imprensa
brasileira se coloca na condição de “voz do povo” e pressiona o governo a mudanças,
como foi a promulgação da Constituição de 1934 por Getúlio Vargas.
A modernização da imprensa brasileira é verificável também na inovação dos
conteúdos e aprimoramento dos seus recursos técnicos (exemplo: a introdução do
sistema ofsete); pela utilização de uma ortografia simplificada; pelo uso do material
enviado por agências (Associated Press e Reuters) na cobertura internacional. Esse
Apostila de História do Jornalismo 23
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desenvolvimento da imprensa – e especificamente dos jornais – contribui para o
desenvolvimento dos outros veículos de comunicação que, por sua vez, pressionam
os jornais a constantes inovações.
O exemplo do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro: o que havia de mais
moderno chegava à sua redação com a novidade das máquinas de escrever para
cada um dos jornalistas; foi um dos primeiros a estampar tiras de histórias em
quadrinhos e dedicar uma página para esportes. Além disso, a partir de 1924,
introduziu uma seção sobre rádio e, a partir de 1929, outra sobre cinema. Ainda a
partir de 1922, passou a publicar seções de informações recebidas da agência
internacional de notícias United Press, além das já publicadas notícias das agências
Havas e Reuters. Além disso, detinha o monopólio de classificados.

Textos complementares
Reportagem gráfica (caricatura, charges etc)

“A Campainha e o Cujo” foi a primeira caricatura publicada no Brasil. Esse material –


uma crítica a um anúncio do jornal Correio Oficial para a contratação de um redator
por três contos e 600 réis – foi publicado no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro,
no dia 14 de dezembro de 1837, de autoria de Manuel de Araújo Porto Alegre.
Historiadores registram, entretanto, experiências anteriores, ainda que
incipientes. Porém, segundo Bahia (ibid), Rafael Bordalo Pinheiro, natural de Portugal,
é considerado o primeiro caricaturista do Brasil, com trabalhos regulares nos jornais do
Rio de Janeiro.
Ainda no período imperial, vários artistas passam a ilustrar os jornais da época
e se destacam ao promover um significativo desenvolvimento nesse tipo de arte
gráfica. É o caso de Ângelo Agostini que, de 1876 a 1898, edita sua Revista Ilustrada.
Nesse período, “na ausência da fotografia”, escreve Juarez Bahia (1990), “a ilustração
registra o mais fielmente possível as mudanças que ocorrem na sociedade imperial e
republicana”. E completa: “Mas também acrescenta a essa visão a sátira, a ironia, a
informalidade e o deboche”, que mais tarde, irá definir o papel da caricatura, da charge
e de outros recursos gráficos utilizados, no jornalismo, por ilustradores.
A partir do início do século 20, a caricatura passa a se consolidar, uma vez que
a ilustração populariza a informação e recebe o nome de reportagem gráfica. Essa
mudança tem relação com os avanços da impressão. “Em 1985, o clichê” – escreve
Bahia (ibid), “que resulta do processo de zincografia, permite a reprodução de
desenhos documentais, como se fora fotografia”.
Com o surgimento dos primeiros fotógrafos profissionais e sua contratação em
jornais cariocas e paulistas, entre 1898 e 1900, tem início o desenvolvimento da
reportagem fotográfica, o que obriga a informação gráfica à especialização na charge,
cartum, história em quadrinhos e caricatura. A expansão da reportagem gráfica ganha
força nesse período, também em função da ampla ilustração de novos produtos
editoriais que acompanham o jornal (sobretudo aos domingos), entre os quais estão os
suplementos.
O avanço dos meios eletrônicos impõe ao jornalismo impresso alternativas
limitadas. Nesse contexto, a ilustração se consolida, de uma vez, como parte da
opinião, de evidente posicionamento político e ideológico. Nesse sentido, entre as
revistas brasileiras que se especializaram na ilustração humorística e de crítica, vale
destacar O Malho, Fon-Fon, A Manha e O Tico-Tico. Essas revistas não assumem,
contudo, o sucesso nas proporções das similares norte-americana, inglesa e francesa.
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Paulo Barreto: retratos da transição social9

A cadeira número 26 da Academia Brasileira de Letras foi ocupada, durante


quase doze anos, por João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto (1881-
1921). Jornalista, cronista, contista e teatrólogo ficou conhecido, no Rio de Janeiro,
pela versão simplificada de seu extenso nome, Paulo Barreto. Eleito em 7 de maio de
1910, na sucessão de Guimarães Passos, realmente tomou posse do assento em 12
de agosto desse ano. Filho de educador, fez os estudos elementares e de
humanidades com o pai. Aos 16 anos, ingressou na imprensa. Em 1918, estava no
jornal Cidade do Rio, ao lado de José do Patrocínio e o seu grupo de colaboradores.
Surgiu, então, o pseudônimo de João do Rio, com o qual se consagraria
literariamente. O muito moreno e beiçudo, Paulo Barreto alcançou a fama e encontrou
o esquecimento em um curto período de tempo, menos de vinte anos de atividade,
aproximadamente. Talvez, a própria força das mudanças, incentivadas por ele, tenha
lhe soterrado e legado ao esquecimento. Paulo Barreto, segundo Cremilda Medina
(1998), reflete as indefinições históricas que envolvem a sociedade e,
consequentemente, o jornalismo da época.
A capital do país, Rio de Janeiro, estava em processo de transformação. O
impacto da Primeira Guerra Mundial, as inovações tecnológicas, a chegada do
automóvel ao Brasil, o cinema e a decadência da boemia literária (MEDINA, 1998, p.
56) são alguns dos fatores que desencadeiam alterações na sociedade, as quais se
refletem nos meios de imprensa. As mudanças nos hábitos do público carioca que
passa a apreciar a sétima arte, por exemplo, criam a necessidade de se alterar o
modo de apresentação e a pauta dos jornais. As opiniões, em que estava baseado o
jornalismo, vão cedendo espaço à informação. Nessa onda de mudanças, os jornais
acentuam a consagração do modelo empresa, “relegando ao esquecimento a fase
artesanal: um periódico, daí por diante, empresa nitidamente estruturada em moldes
capitalistas” (SODRÉ, 1983, p. 355).
Paulo Barreto “está diretamente vinculado ao contexto em que vive” (MEDINA,
1988, p. 57). Segundo Medina, João do Rio levanta uma questão, até hoje motivo de
discordâncias: a identificação do limite entre o jornalismo e a literatura, no sentido de
determinar onde terminaria um e começaria a outra. Em resposta aos autores que
criticam o trabalho de João do Rio, considerado a obra como literatura apressada,
Medina ressalta que as observações, quanto à análise literária, devem ser deixadas de
lado, para valorização das produções jornalísticas. “Para valorizar estes ângulos da
produção de João do Rio, é preciso abandonar os instrumentos críticos da análise
literária, e descobrir a contribuição jornalística” (MEDINA, 1988, p. 54).
As contribuições, provenientes do trabalho de Paulo Barreto, quanto à inovação
metodológica, são conflitantes entre os autores da história da reportagem impressa,
mas apresentam um relevante ponto em comum, a contribuição do repórter
concentrasse nas técnicas de captação das informações, e não no que se refere à
linguagem ou qualidades estilísticas. Para Werneck Sodré (1983, p. 352), “portanto, a
contribuição não foi o terreno da linguagem, mas no uso de métodos que, não sendo
novos, foram apurados por ele, aproveitados, praticados com inteligência: a entrevista,
o inquérito e a reportagem, em particular. O título de inovador, que alguns lhe
atribuem, parece imerecido, e o é, quanto à reportagem.” Já Cremilda Medina aponta
o nível de conteúdo informativo e os métodos de captação de dados, como
características inovadoras nas reportagens de Paulo Barreto.
Como inovador, ou profissional que aprofundou as técnicas, tanto faz. Interessa
é a contribuição efetiva, trazida para o jornalismo. Paulo Barreto merece destaque, por

9
Texto extraído da obra Reportagem, imprensa, estilo e manuais de redação: a construção
da autoria nos textos do jornalismo diário, de Jacira Werle Rodrigues (FACOS/UFSM, Santa
Maria-RS), 2003, p. 22-24..
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ter sido o repórter que documentou as modificações, na sociedade de sua época, pois,
independente do pioneirismo, soube usar a metodologia. A observação da realidade,
vinculada à busca por informações na rua, e a utilização de fontes e entrevistas,
aliadas à tentativa de aprofundar, contextualizar, reconstruir os fatos e humanizar os
relatos, são os pontos-chave levantados por Medina (1988), na carreira de Paulo
Barreto, quanto ao universo das informações jornalísticas.
Quanto ao estilo de texto, a própria Medina afirma que João do Rio não é um
estilista modelo. Ele lembra, também, que as críticas são fruto dos crivos das análises
feitas por conhecedores de trabalhos de reportagem amadurecida. O posicionamento
do narrados é um deles. Na realidade, a postura é de autor, e não de um intermediário
impessoal, entre fato e leitor. Essa situação mostra-se clara, expõe Medina, no
momento em que a transcrição dos diálogos, apesar de trazer dinâmica à narrativa,
possui tom centrado, excessivamente, no interlocutor. Apesar disso, alternativas para
as narrações surgem nos textos. “O ritmo de cenas, situações descritas, é dinâmico,
fixa o leitor na ação – as frases entram no ritmo, se precipitam; conforme o tema
palpitante, as falas dão cor local à informação. Os deslizes retóricos ficam em segundo
plano” (MEDINA, 1988, p. 63).
Assim como o sumiço de João do Rio, mesmo tendo uma obra que levanta
contradições nas análises dos pesquisadores, a reportagem parece desaparecer da
imprensa por um período, além de serem escassos os estudos sobre o seu
desenvolvimento. “Depois de João do Rio, parece existir um hiato na evolução da
reportagem brasileira, que só vai ser retomada significativamente após a Segunda
Guerra, chegando ao ápice da renovação no período 1966-1968”. (PEREIRA LIMA,
1995, p. 166)
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O Estado Novo e a censura. A formação das grandes cadeias
jornalísticas. O golpe de 1964 e a imprensa.
Textos de referência:
MARQUES, Luís Henrique. História da comunicação. Bauru: Universidade do
Sagrado Coração, 2008, p. 26-31 e p. 59-61 (apostila).
MARTINS, Ana Luiza; DE LUCA, Tania Regina (organizadoras). História da imprensa
no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, p. 167-174.

O Estado Novo e a censura10


(...) A chegada de Getúlio Vargas ao poder implicou deslocamentos
importantes no cenário da grande imprensa: alguns órgãos perderam parte de seu
antigo brilho, caso do Correio Paulistano; outros não resistiram aos novos ventos e
acabaram desaparecendo, como O País, enquanto houve aqueles que, a exemplo do
Jornal do Brasil mudaram de proprietários e/ou alteraram sua linha editorial.
Entretanto, o relacionamento amistoso entre a grande imprensa e governo
provisório não durou muito. A instabilidade dos momentos iniciais foi um dos
argumentos mobilizados para justificar o cerceamento da liberdade de expressão tanto
nos jornais e revistas, que se constituíam nos veículos privilegiados para formação de
opinião, quanto em outros meios de difusão da informação disponíveis da época –
cinema e especialmente o rádio, que se expandiu exatamente nas décadas de 1930 e
1940 e cuja importância num país de dimensões continentais e com altas taxas de
analfabetismo não passou despercebida ao regime.
(...) Já o movimento de julho de 1932 em São Paulo originou fissuras muito
mais profundas e foi apoiado não apenas pelos diários paulistas como também por
vários jornais do Rio de Janeiro, inclusive os Diários Associados, o que levou
Chateaubriand e seu irmão Oswaldo à prisão e quase resultou na falência do grupo,
que enfrentou forte cerco do governo11.
A tensão que marcou os anos iniciais do governo provisório tendeu a diminuir
com a convocação e instalação da assembléia constituinte, que abriu um período de
relativa estabilidade e liberdade expressão. (...)

Imprensa no Estado Novo

(...) O famoso artigo 122 da Constituição de 1937, que tratava dos direitos e
garantias individuais, considerava a imprensa um serviço de utilidade pública, o que
alterava a natureza de sua relação com o Estado e impunha aos periódicos a
obrigação de inserir comunicados do governo. (...)
O direito individual de livre manifestação, por sua vez, subordinava-se a
condições e limites prescritos em lei. Em nome de garantir a paz, a ordem e a
segurança pública, justificava-se a censura prévia à imprensa, teatro, cinema e
radiodifusão, além de se facultar às autoridades competência para proibir a circulação,
a difusão ou a representação do quer que fosse considerado impróprio.

10
Trechos extraídos da obra História da imprensa no Brasil, de Ana Luiza Martins e Tania
Regina de Luca (orgs.), Editora Contexto, 2008, p. 167-174.
11
A chamada Revolução de 1930, protagonizada por Vargas, “não se limitou a repisar práticas
conhecidas, como o suborno ou a violência, antes inovou ao criar órgãos específicos
destinados à propaganda e ao controle da informação, caso do sempre citado Departamento
de Imprensa e Propaganda (DIP), genericamente referido como responsável pela censura na
Era Vargas”. (MARTINS; DE LUCA, 2008, p. 170).
Apostila de História do Jornalismo 27
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(...) a Agência Nacional, que coordenava as atividades relativas à imprensa,
“atuava como um jornal, durante os três expedientes, dispondo de equipes completas
de redatores, repórteres, tradutores, taquígrafos etc, inclusive editores em áreas
específicas e editor-chefe. Porcentagem muito significativa do que se publicava nos
matutinos, semanários e mensários provinha desse braço do DIP.
A isenção de taxas alfandegárias na importação do papel utilizado pela
imprensa constituiu-se noutro poderoso instrumento de coerção.
(...) O quadro alterou-se significativamente a partir de 1942, quando a batalha
no interior do círculo governista foi ganha pelos defensores dos Aliados [da Segunda
Guerra Mundial], o que implicou mudanças significativas, como exemplifica a saída de
Lourival Fontes do DIP. A contradição entre a luta a favor da democracia nos campos
de batalha e as restrições à liberdade no âmbito interno não poderia persistir
indefinidamente. E a imprensa tomou parte ativa no desgaste que acabou levando à
deposição de Getúlio Vargas em 1945.

A formação das grandes cadeias jornalísticas (e a


internacionalização da mídia brasileira)

“Segundo a professora Anamaria Fadul (1998), mudanças na economia e na


política brasileira, que possibilitou sua abertura ao mercado mundial, viabilizaram a
internacionalização dos grupos de mídia brasileiros. Isso teve início com a
modernização da imprensa no Brasil a partir da década de 1930. Até aquele momento,
esses grupos estavam concentrados no eixo Rio-São Paulo e suas atividades estavam
concentradas apenas na área do jornalismo impresso.
Ana Maria Fadul destaca a existência de quatro grupos naquele momento: o
Grupo Diários Associados, as Organizações Roberto Marinho, o Grupo Abril e a Rede
Brasil Sul (RBS). Os três primeiros pertenciam ao eixo Rio-São Paulo e o último
estava localizado em Porto Alegre (RS), embora todos tivessem expressão nacional.
As atividades desses grupos, inicialmente, eram empreendimentos locais e/ou
regionais. Em geral, eram grupos familiares e, segundo a tradição brasileira, a maioria
desses grupos surgiu da mídia impressa e se desenvolveu para o rádio e a televisão.
Exceção ao caso da RBS, que partiu do rádio para os jornais e TV.

Diários e Emissoras Associadas


Surgido em 1924 e fundado por Assis Chateabriand, os Diários Associados foi
o primeiro grupo brasileiro a optar pela concentração de jornais na década de 1920 e
na diversificação de mídia na década de 1930. Tendo exercido grande influência
política, conheceu seu apogeu nas décadas de 1950 e 1960. Apesar da perda de
prestígio e poder desde a morte de Chateabriand e de não ser mais um grande grupo,
ainda mantém expressão nacional.

Organizações Roberto Marinho


Nasceu em 1923 com a fundação do jornal O Globo por Irineu Marinho.
Roberto Marinho assumiu a direção da empresa com a morte do pai. A partir daí, o
grupo obteve concessões de rádio até assumir uma emissora de televisão VHF em
1965. A relação de proximidade com o governo militar viabilizou a aliança com o grupo
norte-americano Times-Life. Nas décadas de 1980 e 1990, o processo de
concentração e diversificação de veículos aumenta.

Grupo Abril
Esse grupo foi criado em 1950 pelo ítalo-americano Victor Civita. Iniciou suas
atividades com revistas infantis da Disney. Hoje, possui o maior parque gráfico da
América Latina. Entre suas publicações, está a revista Veja, considerada uma das
quatro maiores do mundo. Sua entrada na área da televisão foi impedida pela ditadura
militar. Apenas no final da década de 1980, o grupo obtém o direito a um canal aberto
Apostila de História do Jornalismo 28
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em UHF. A partir da década de 1990, a organização chega aos canais MMDS (início
da TV por assinatura no Brasil).

Rede Brasil Sul (RBS)


O grupo surgiu na década de 1950 com a compra de uma emissora de rádio
em Porto Alegre (RS) pela família Sirotsky. Depois, são anexados ao grupo jornais e
emissoras de televisão. É, hoje, o maior grupo de mídia fora do eixo Rio-S. Paulo,
sendo forte na área de TV por assinatura.

Experiências internacionais

• Diários Associados: a revista Cruzeiro ganhou versão em espanhol que durou


8 anos e foi distribuída em vários países da América Latina. Na década de
1960, a venda de telenovelas do grupo para a América Latina fracassa.
• Organizações Globo: conhece o auge da internacionalização, inicialmente,
com a venda de telenovelas para a América Latina e Europa (década de 1970)
e, depois, para o resto do mundo. Experimenta, contudo, o fracasso com a
compra da TV Montecarlo (canal aberto), da Itália. Parceria com a
Radiotelevisão Portuguesa (RTP), viabilizou o sucesso em Portugal. Hoje,
obtém um grande sucesso com a TV por assinatura.
• RBS: obtém projeção regional a partir da local através do Mercosul (integração
com Uruguai e Argentina, além do Chile), o que deu origiem à Rede Conesul.

O golpe de 1964 e a imprensa


Ninguém resiste ao golpe militar de 1964. Nem mesmo o Supremo Tribunal
Federal, que dirá a imprensa! Esta, na realidade, é um dos grandes alvos do governo
militar que se instaurou no Brasil a partir de 64 e permaneceu no poder até 1985,
quando suas forças se esgotaram, cedendo lugar ao regime democrático. De fato,
uma imprensa livre e contestadora, tal qual surgiu no Brasil a partir dos anos 30, não é
interessante ao regime ditatorial que não quer nem permite ser contestado em
qualquer uma de suas atitudes. É evidente12.
Uma dos sinais visíveis da intervenção governamental no trabalho da imprensa
é a presença, nas redações, do chamado “livro negro da censura”. Explica Bahia (ibid):
“Nas redações, o livro negro é um pequeno caderno de capa preta em que se acham
classificados, quase sempre breves, sumários, comunicados, na sua maioria sem
assinatura, procedentes dos censores... ditando o que pode e o que não pode ser
publicado”. Ainda segundo Bahia (ibid), “o controle da opinião se faz por meio de
avisos escritos, levados aos editores até pelo telefone, decretos, portarias, resoluções,
éditos.”
O regime militar segue governando o País com o mesmo apoio que tivera da
classe média, do empresariado, da oligarquia agrária e da ala conservadora da Igreja,
alimentando suas reformas de base com discursos ufanistas e apregoando o chamado
“milagre econômico” (até se transforma em “desastre econômico” em meados dos
anos 70). Os militaristas, com o passar do tempo, pregam uma democracia relativa,
mas por conta do chamado “perigo comunista”, na prática, obstruem qualquer tentativa
de abertura política.

12
É no mínimo curioso constatar, no entanto, que a própria grande imprensa – inclusive
grandes veículos liberais como o Correio da Manhã – criticou o governo de João Goulart pelo
estado de corrupção que existia no País no período imediatamente anterior ao golpe de 64,
chegando a pedir o seu afastamento da presidência da República.
Apostila de História do Jornalismo 29
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Escreve Bahia (ibid): “A convivência das ideologias dominantes no golpe de 64
é interrompida pelo impasse ético que se cria entre os líderes militares e os diretores
dos grandes jornais que toleram tudo, menos a censura ‘vexatória’, executada por
delegados do arbítrio”. E completa: “A imprensa conservadora teme o prolongamento
das medidas ditatoriais e embora exalte acertos econômicos se mostra pessimista
quanto à evolução política e cética quanto à liberdade de opinião”.
O fortalecimento do poder militar cresce na mesma medida em que suas
relações com a imprensa se agravam. Veículos e profissionais, especialmente do
jornalismo impresso, são perseguidos com atitudes que vão desde a cassação de
credenciais (para repórteres que trabalhavam em repartições públicas), o
cancelamento da publicidade governamental, a instalação das leis de imprensa e de
segurança nacional (entre as quais, a mais temida foi o Ato Institucional nº 5, o AI-5)
até à prisão e tortura.
A censura militar parece chegar ao auge quando, em 1970, são criadas as
Normas Doutrinárias da Censura Federal:

No manual elaborado por técnicos do Serviço de Censura e entregue


não só aos censores, mas também aos diretores de emissoras de
rádio e TV, produtores de programas, cineastas, teatrólogos e artistas
que se queiram autocensurar, a legislação censória aparece
consolidada.
As Normas dizem o que pode e o que não pode ser levado ao
público, o que é e o que não é próprio. Desaconselham a dissolução
do vínculo matrimonial (o casamento deve ter tratamento digno, sério
e respeitoso, sob pena de multa de 2 a 50 salários mínimos,
duplicada na reincidência; de qualquer maneira, programas com
cenas de casamento devem ser submetidos ao Serviço de Censura
de Diversões Públicas, em Brasília, pelo menos 72 horas antes da
primeira transmissão ao público), o comportamento que comunique
intenções lascivas ou obscenas, que provoque em menores de
quatorze anos, por exemplo, curiosidade por vícios e prazeres como
beijos lúbricos e atitudes sugestivas de desejos sexuais.
Os censores são instruídos a proibir para menores de dezesseis anos
exibições de ato sexual. Aos menores de dezoito anos devem ser
proibidas as exibições de pormenores do ato sexual, de detalhes de
atos terroristas que possam induzir à sua prática. Segundo as
Normas, só devem ser liberadas inteiramente obras que despertem
na audiência ‘as responsabilidades cívicas, incentivando-as a
participar da vida comunitária’.
As emissoras de rádio e televisão são proibidas de apresentarem
programas de apelo à caridade ou ao sentimento público; a exibição
de pessoas aleijadas ou com doenças incuráveis. As Normas
estabelecem que cada programa será examinado na Censura Federal
por três censores. Em 48 horas eles deverão ter pronto um parecer
sobre o programa. (In: Bahia, 1990)

É nesse contexto que a imprensa se supera para realizar o seu trabalho, criando
artifícios que lhe permitam, de alguma forma, burlar a censura militar. É o caso, por
exemplo, do uso frequente da notícia em off the record (sem identificação da fonte).
“Sem demora, esse tipo de informação se transforma em regra do noticiário,
construindo um jornalismo de versões dirigidas pelo interesse exclusivo de quem as
revela, sempre protegido pelo anonimato”. (Bahia, ibid). Por outro lado, “essa prática
sobrecarrega o veículo obrigado a acolher o que lhe traz o informante não identificado,
causando danos à sua reputação e enfraquecendo a sua credibilidade”. Vale salientar
que a censura, por sua vez, tinha o hábito de também usar o off para proibir e, depois,
negar a proibição em público.
Apostila de História do Jornalismo 30
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Mas a imprensa segue sua luta criativamente. De fato, nunca o jornalismo
brasileiro foi tão criativo quanto em relação ao regime militar de 1964 a 1985. Além
disso, a própria censura apresenta falhas. Ela não é uniforme nem consegue seguir a
risca suas próprias normas. Ao contrário, mostra-se subjetiva e aleatória, permitindo a
uns o que é negado a outros. A censura mostra-se também hilária, conforme relata
Juarez Bahia (ibid) ao registrar o seguinte fato:

9-9-75. O Jornal de Brasília publica notícia sobre o desfile militar dos


153 anos de independência na Capital Federal. A matéria é
considerada ofensiva, talvez por registrar as dificuldades de um oficial
da Marinha para se manter equilibrado em cima de um cavalo; e por
estranhar que alguns agrupamentos marchavam a passo de ganso,
comprometendo a unidade da marcha.

A população em geral permanece, contudo, alheia aos fatos que envolvem o


conflito entre a imprensa e o regime militar. “A sociedade já não sabe distinguir entre
desinformação e censura, como pouco ou nada percebe sobre a autocensura num
clima de censura plena”. Mesmo com a iniciativa do então presidente João Figueiredo
de devolver ao País a liberdade política, a censura e o terror que ela produz na
perseguição a todos os contrários ao governo (e em especial à imprensa)
permanecem e só vão desaparecer de forma gradativa, juntamente com a própria
ditadura.

Textos complementares
Breve passeio pelos anos 5013
Até os anos 50, eram o rádio e a imprensa escrita que detinham o monopólio
da informação. A televisão, hoje onipresente, apenas engatinhava – basta dizer que a
primeira emissora do país e da América Latina, a TV Tupi de São Paulo, de
propriedade de Assis Chateaubriand, foi inaugurada em setembro de 1950. O
noticiário radiofônico mais famoso, o Repórter Esso, só estreou na televisão em 1953.
Os jornais de grande circulação eram vespertinos e poucos, concentrados no Rio de
Janeiro e São Paulo, o que por si só era um claro indicador da importância política e
econômica dos dois centros. Os incipientes sistemas de telecomunicações, as
deficiências dos correios e as precárias condições das redes e meios de transportes
eram fatores que impediam a expansão rápida da comunicação por todo o território
nacional – um território, ainda por cima, de dimensões continentais.
A imprensa, antes dos anos 50, dependia dos favores do Estado, dos
pequenos anúncios populares ou domésticos – os classificados – e da publicidade das
lojas comerciais. Foi exatamente a partir daí, no segundo governo Vargas (1950-
1954), que o processo de industrialização do país se tornou mais visível e, no governo
de Juscelino Kubitschek (1956-1960), mais acelerado e irreversível. Com a maior
diversificação da atividade produtiva trazida pela indústria, começaram os
investimentos de peso em propaganda e surgiram as primeiras grandes agências de
publicidade. Era preciso, agora, anunciar produtos como automóveis e
eletrodomésticos, além de produtos alimentícios e agrícolas. Em pouco tempo, os
jornais passaram a obter 80% de sua receita dos anúncios. A ocupação do espaço
com publicidade passou a ser administrada por uma tabela de preços calculada em
centímetros de coluna ou em frações de tempo no rádio e na televisão. A publicidade
também obrigou os jornais a se preocupar em aumentar sua circulação, já que as
agências preferiam entregar seus anúncios aos veículos de maior tiragem, que
cobrissem as maiores áreas do território nacional.

13
Texto extraído da obra A modernização da imprensa (1970-2000), de Alzira Alves de
Abreu, Coleção Descobrindo o Brasil, da Jorge Zahar Editor, 2002, p. 8-12.
Apostila de História do Jornalismo 31
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2º semestre de 2013
À medida que avançava o desenvolvimento industrial e aumentava o peso da
publicidade, a imprensa foi se tornando menos dependente do poder público. Mas,
afinal, quais eram os favores do Estado de que ela dependia naquela época? Eram,
como hoje, os financiamentos dos bancos oficiais, as isenções fiscais, a publicidade
governamental. No caso do rádio e da televisão, era principalmente a concessão de
canais. Mas no caso dos jornais havia um problema adicional: era o governo que
controlava a distribuição das quotas de papel, matéria-prima em grande parte
importada sem a qual o veículo simplesmente não existia.
A década de 1950 assistiu também ao lançamento de jornais que foram
precursores da modernização do jornalismo brasileiro, e as reformas de outros que
atuavam desde o início da República e então ganharam novo fôlego. A Última Hora,
criada em 1951, com financiamento do governo, foi um dos jornais mais inovadores do
período, ao adotar técnicas de comunicação de massa até então desconhecidas no
Brasil, uma diagramação revolucionária e grande racionalidade na gestão empresarial.
O Diário Carioca, jornal mais antigo, que mantinha um grupo de jornalistas altamente
qualificado, foi igualmente inovador ao introduzir, também em 1951, o uso do lead – o
parágrafo inicial da notícia, onde devem estar respondidas as questões quem? o quê?
onde? quando? como? por quê?. Foi ainda o Diário Carioca o primeiro a empregar
uma equipe de copidesque em sua redação, desempenhando um papel de formador
de novos quadros para a imprensa.
Em 1956, o Jornal do Brasil, que durante muitos anos foi tido como um “boletim
de anúncios”, deu início à sua reforma com a criação do Suplemento Dominical, o
SDJB, que tinha à frente Reynaldo Jardim. O SDJB recebeu a colaboração de poetas,
escritores, artistas plásticos, todos jovens de vanguarda ligados ao movimento
concretista, e seu sucesso foi tal que a direção do jornal decidiu aprofundar a reforma,
trazendo, para coordená-la, Odylo Costa Filho. Odylo, por sua vez, trouxe outros
jornalistas que vinham de experiências inovadoras no Diário Carioca e na Tribuna da
Imprensa. O jornal ampliou o noticiário, adotou a fotografia na primeira página e, a
partir de 1959, sob a orientação de Amílcar de Castro, sofreu modificações gráficas.
Surgiram o Caderno B, dedicado às artes, teatro e cinema. A redação foi
reestruturada, e a partir de 1962, já sob a direção de Alberto Dines, instituíram-se as
editorias, que se especializaram na cobertura de temas como política, economia,
esportes, cidade, internacional etc. A reforma do JB teria grande impacto e serviria de
exemplo para as transformações subsequentes da imprensa brasileira.
Uma das marcas do jornalismo dos anos 50 foi a paixão política. O debate
político conduzido pelos partidos de maior penetração nacional – de um lado o Partido
Social Democrático (PDS) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de outro a União
Democrática Nacional (UDN) – dominou o espaço de todos os jornais de grande
circulação do período, o que o levou muitos vezes a ter papel ativo nas crises que
sacudiram o país. Quando, por exemplo, Getúlio Vargas se suicidou, em 24 de agosto
de 1954, a Última Hora, que o apoiava, foi o único jornal que circulou no Rio de
Janeiro. Os demais foram impedidos pelo povo, que chegou a atacar as sedes da
Tribuna da Imprensa e de O Globo, opositores do presidente morto.
O jornalismo de combate, de crítica, de doutrina e de opinião convivia com o
jornal popular, que tinha como característica o grande espaço para o fait divers – a
notícia menor, relativa aos fatos do quotidiano, a crimes, acidentes etc -, para a
crônica e para o folhetim. A política não estava ausente, mas era apresentada com
uma linguagem pouco objetiva.
Esse jornalismo de influência francesa acabaria por ser substituído pelo modelo
norte-americano: um jornalismo que privilegia a informação e a notícia, e que separa o
comentário pessoal da transmissão objetiva e impessoal da informação. Mas esse
seria um processo lento e gradativo.
Apostila de História do Jornalismo 32
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A revista Cruzeiro
A evolução do jornalismo impresso brasileiro no final da década de 1920 possui
um marco: a revista O Cruzeiro (que, nos dois primeiros anos, foi conhecida
simplesmente como Cruzeiro, nome inspirado na constelação do Cruzeiro do Sul). Sua
proposta editorial é revolucionária, tanto em termos de conteúdo quanto de impressão
e veiculação da notícia, desbancando consideravelmente as concorrentes mais diretas
da época, Revista da Semana e Mundo Ilustrado. Seu fundador e proprietário: Assis
Chateabriand.
Segundo Juarez Bahia (1990), “as matérias do primeiro número de O Cruzeiro
refletem o que o país aspira”. De fato, a revista abandona as características de um
jornalismo colonial para estampar a imagem de um país voltado para o futuro, em
pleno progresso. Com o passar do tempo e sua consolidação como um dos principais
veículos de comunicação impressa do Brasil no período de 1920 a 1970,
aproximadamente, O Cruzeiro “alia à sua agilidade, dinâmica e objetividade, uma
visão realista do país”. (Bahia, ibid) O sucesso é tanto que a revista chega a publicar,
de abril de 1957 a setembro de 1965, sua edição em espanhol, para a América Latina.
Como dito acima, o produto de Chateaubriand – editada no Rio de Janeiro e acessível
a leitores dos principais Estados brasileiros numa tiragem de 50 mil exemplares,
inédita em sua categoria – muda a concepção de revista semanal ilustrada do país em
sua época, seja pelo talento e criatividade de sua redação, seja pelo seu modo de
produção industrial, o qual concilia organização e meios técnicos com sensibilidade e
improvisação. Entre as “estrelas” de O Cruzeiro estão os artistas Portinari, Di
Cavalcanti, Guignard; os caricaturistas e humoristas Péricles (autor de “Amigo da
Onça”), Ziraldo, Carlos Estevão e Vão Gogo (Millôr Fernandes), entre outros.
Enquanto marco no trabalho de reportagem, O Cruzeiro revolucionou o
jornalismo impresso brasileiro:
a) ao valorizar a fotografia, que assume função prioritária e se especializa,
diferenciando-se do simples “retrato”. Há inovação com o uso da fotografia em
primeiro plano (utilizado para fixar o rosto da pessoa fotografada);
b) com o acabamento das reportagens produzido pelos ilustradores;
c) ao publicar em espaços nobres matérias sobre temas até então pouco
explorados como a mulher, a moda, a música, o teatro, a vida social;
d) ao se autopromover, por exemplo, com o patrocínio de concursos de
arquitetura e fotografia;
e) ao inaugurar a grande reportagem;
f) ao criar a primeira dupla de reportagem (formada pelo repórter e
fotojornalista), responsável pela cobertura de grandes eventos.

Após décadas de incontestável sucesso e registro de alguns dos fatos mais


importantes daquele período (como a chegada apoteótica de Santos Dumont ao Rio
de Janeiro e, mais tarde, o desembarque do homem na lua) e, precisamente, a partir
da morte de Assis Chateaubriand (em 1973), O Cruzeiro mergulha em uma grave crise
financeira, que atinge, inclusive, toda a cadeia de Diários e Emissoras Associados, o
maior império jornalístico do continente.
Em 1979, a revista é assumida pelo jornalista Alexandre von Baumgarten,
informante do então Serviço Nacional de Informações (SNI) sob “as bênçãos” do
governo militar de João Figueiredo. Apesar da evidente decadência do veículo (agora,
mensal e com um número bastante inferior de páginas), Baumgarten é beneficiado
ilegalmente por subsídios do governo. Ele não permanece vivo (é assassinado em
outubro de 1982, com suspeita de envolvimento do próprio governo federal), no
entanto, até a publicação da última edição de O Cruzeiro (que levou o selo de “edição
histórica”) cuja data foi o dia 15 de novembro de 1982.
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A imprensa e a redemocratização/ O jornalismo no
impreachment de Collor
Texto de referência:
MARTINS, Ana Luiza; DE LUCA, Tania Regina (organizadoras). História da imprensa
no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, p. 249-267.

Questões preliminares
Informatização da imprensa
• A modernização da imprensa brasileira deu seus primeiros passos na década
de 1930, avançou na década de 1950 e consolidou o jornalismo como empresa
na década de 1960. No início dos anos 80, essa modernização avançou ainda
mais com a substituição das máquinas de escrever pelos computadores. Esse
processo não se deu, contudo, sem resistência por parte de muitos
profissionais que sentiam dificuldade em adaptar-se à nova tecnologia. Havia
também aqueles que receavam que o jornal impresso deixaria de existir para
dar lugar ao computador.
• É preciso afirmar que, com o computador, a mudança na rotina de uma
redação foi radical: o barulho das máquinas de escrever sumiu; o arquivamento
de informações e o trabalho de edição tornaram-se mais seguro e eficiente; a
partir do momento em que editores e revisores se familiarizaram com o uso do
editor de texto, aos poucos, a figura do revisor praticamente deixou de existir. A
conexão em rede também agilizou o processo de produção/edição das
matérias.
• O passo seguinte nessa modernização foi aprofundar o processo de
informatização do trabalho do jornal (já bastante “industrializado”), de modo a
atender as exigências de um mercado cada vez mais competitivo.
• A Folha de S. Paulo foi o primeiro, entre os grandes jornais brasileiros, a
implantar esse processo de informatização a qual veio agregada a um projeto
mais amplo, aplicado no início dos anos de 1980, o chamado Projeto Folha. “O
jornal, que angariara um tremendo prestígio ao envolver até a sua última
rotativa na campanha das Diretas Já!, decidiu incorporar métodos de
organização do trabalho similares aos das grandes indústrias e restringir a
opinião aos editoriais e colunas assinadas”, escreve a jornalista Luiza Villaméa.
O Manual de Redação da Folha tornou-se o referencial teórico do projeto cujas
diretrizes acabaram sendo incorporadas pela maioria dos veículos de imprensa
do País. Entre os princípios fundamentais do Projeto Folha “está a necessidade
de o jornalista apresentar ao leitor os diversos lados da história”.

A imprensa e a redemocratização
• No início dos anos 80, o governo da Ditadura Militar instalado no Brasil a partir
do golpe de 1964, demonstrava estar em crise, inclusive porque havia um
racha entre os seus líderes (havia aqueles que acenavam para uma abertura
política e relaxamento na censura e aqueles que ainda apostavam no uso da
força como forma de manter-se no poder). Algumas ações – de caráter
terrorista – ajudaram a minar o poder dos militares, uma vez que tiveram uma
repercussão muito negativa junto à sociedade civil. Um desses casos – entre
os últimos e bastante famoso – foi o chamado caso Riocentro:

As ações terroristas também atingiram igrejas e entidades civis. No final de agosto de


1980, a explosão de uma carta-bomba enviada à sede da Ordem dos Advogados do
Apostila de História do Jornalismo 34
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Brasil (OAB) provocou a morte da secretária Lyda Monteiro da Silva. O crime
continuava impune no final de abril de 1981, quando uma bomba explodiu dentro de
um Puma, no estacionamento do Riocentro, onde um show em comemoração ao Dia
do Trabalho reunia cerca de vinte mil pessoas. Ao volante do carro estava um oficial
do Exército, o capitão Wilson Machado. No lugar do carona, o sargento Guilherme
Pereira do Rosário, que morreu pouco depois da explosão e foi enterrado com honras
militares. Ambos estavam no Riocentro “em missão”.
Desde o primeiro momento, a versão oficial anunciava que os militares haviam sido
vítimas de um atentado promovido por “terroristas” de esquerda. A farsa montada para
sustentar essa versão desmoronou diante de uma cobertura jornalística que marcou o
período militar. Entre dezenas de repórteres que ajudariam a descobrir o que
realmente se passara no estacionamento do Riocentro, esteve Fritz Utzeri, do Jornal
do Brasil. Com base em informações do próprio Exército, Utzeri montou uma réplica
da bomba e demonstrou, na prática, que a explosão fora um “acidente de trabalho”. Os
militares, vinculados aos serviços de informações não tinham nada de vítimas.
(MARTINS, 2008, p. 257)

• O caso Riocentro tornou-se parâmetro para a cobertura de uma série de


acontecimentos turbulentos, que abalaram o poder dos militares.
• A tentativa de reforma partidária, promovida pelo presidente da República,
general João Figueiredo, que acabou com a existência de apenas os dois
partidos oficialmente permitidos na época (o PDS, do governo e a Arena, da
posição), não aliviou a situação do governo militar.
• Em 1982, tem início o Movimento pelas Diretas Já! que apoiava a emenda do
deputado Dante de Oliveira que estabelecia a realização de eleições diretas
para presidente da República e para outros cargos dos poderes Executivo e
Legislativo. Enquanto o jornal Folha de S. Paulo encabeçou o apoio da
imprensa ao movimento, a Rede Globo permaneceu “em silêncio” até quando
pôde, o que mudou quando as manifestações populares pelas Diretas passou
a contar com milhares de pessoas.
• Embora não aprovada a emenda, o Congresso promoveu a eleição indireta
para a presidência da República cuja vitória, em 1985, foi conquistada pelo
candidato da oposição ao governo militar, Tancredo Neves (ele derrotara o
candidato governista Paulo Maluf). Tancredo surgiu na mídia como um
“salvador da pátria”. O fato é que Tancredo escondeu da imprensa que estava
com uma doença grave cujo desfecho, depois de um período de quase 40 dias
de agonia, foi sua morte antes de assumir a Presidência da República. No seu
lugar, assumiu seu vice José Sarney. Ao contrário dos demais veículos de
imprensa, a Folha de S. Paulo manteve um tom mais realista sobre a situação
de saúde de Tancredo, o que lhe valeu uma avalanche de reclamações por
parte dos leitores. No final das contas, a Folha revelou estar mais próxima da
verdade do que a concorrência.
• Após eleito o novo presidente (já não mais um militar), o passo seguinte foi a
convocação da Assembléia Constituinte para a elaboração de uma nova
Constituição, o que foi concluída em 1988, o que foi acompanhado de perto
pela imprensa do País.

O jornalismo no impreachment de Collor


• O então jovem governador do Estado de Alagoas, Fernando Collor de Mello,
emergiu no cenário político nacional com a imagem de quem iria moralizar a
administração pública. Isso lhe rendeu o apelido de “Caçador dos Marajás”,
conforme título de capa da revista Veja.
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• Na primeira eleição direta para presidente, o nome de Collor aparece como
candidato à Presidência da República pelo obscuro Partido da Renovação
Nacional (PRN) e surpreende a todos, chegando ao segundo turno das
eleições em disputa com Luiz Inácio Lula da Silva. Collor conta com amplo
apoio da maioria dos empresários de comunicação do País. Apelando para
acusações morais e de caráter pessoal e mediante uma edição discutível do
último debate promovido pela Globo, Collor é eleito presidente.
• Além de parcial – porque política e ideologicamente comprometida – a
cobertura da grande imprensa ignorou fatos graves envolvendo o responsável
pelas finanças da campanha de Collor, Paulo César Farias. Não bastasse isso,
PC Farias passou a interferir nos bastidores do governo Collor, o que chamou
a atenção dos jornalistas. A partir de reportagens de Istoé e Veja, PC Farias sai
“das sombras” e vem à tona uma série de atos de corrupção (desvio de verbas)
do recém-empossado governo.
• As investigações chegaram ao irmão de Fernando Collor, Pedro que, a partir
de uma reportagem da Veja, que acabou denunciando o presidente e PC
Farias por conta de seu esquema de corrupção. Na briga com a concorrente,
Istoé encontrou no motorista Francisco Eriberto Freire França a fonte que
faltava para confirmar o esquema de corrupção: era ele quem transportava,
semanalmente, o dinheiro público que cobria despesas particulares do
presidente e de sua família. Diante das denúncias comprovadas e o movimento
pelo impeachment, Collor pediu a renúncia. Mas já era tarde: seu mandato já
havia sido caçado pelo Congresso Nacional.
• Sobre a cobertura jornalística do caso Collor, vale destacar: pelo amplo
trabalho de investigação e os “furos de reportagem” obtidos, as revistas
semanais de informação tornaram-se referência para outros veículos,
especialmente os jornais. Essa iniciativa da investigação colocou em evidência
o trabalho de denúncia por parte da imprensa, especialmente depois que
emergiu – a partir da Constituição de 1988 – o Ministério Público como
organismo autônomo e independente, tanto nos níveis estadual como federal.
O projeto apelidado de “Lei da Mordaça”, de 2000, foi uma tentativa frustrada
de restringir a atuação dos procuradores da República e promotores.
• A postura investigativa das revistas, contudo, começou a desaparecer a partir
do momento que as empresas enxugaram suas redações e obrigaram os
jornalistas a uma carga excessiva de trabalho. Isso gerou a produção de
notícias tão curtas quanto à dos jornais, feitas em grande parte das vezes pela
mediação eletrônica, isto é, com o uso do telefone e Internet. Essa situação,
por sua vez, afastou os jornalistas de suas fontes, exatamente o contrário do
que pede um trabalho de investigação jornalística.

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