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Conheça o UHPC, o concreto que supera 150 MPa

Com resistência mecânica à compressão maior do que a de qualquer


outro concreto, essa tecnologia cumpre a vocação da
desmaterialização da construção, ao possibilitar estruturas delgadas

Redação Portal AECweb/e-Construmarket

O MuCEM, situado em Marselha, na França, tem muxarabis executados com o UHPC (Foto:
Alastair Wallace/Shutterstock)

Mais do que um produto ou commodity, o Concreto de Ultra Alto Desempenho


(UHPC) – do inglês Ultra-high Performance Concrete – é uma tecnologia. Exige de
arquitetos e projetistas de concreto um novo olhar para o seu máximo
aproveitamento em estruturas delgadas e de elevada resistência, porém com
pouca massa. Pilotis e fechamentos de estádios com a delicadeza de muxarabis,
verdadeiras rendas que nascem de fôrmas esculpidas por impressão digital, ou
painéis de fachadas que simulam peças de porcelanato com espessuras mínimas
são exemplos do universo que se abre com seu uso.
O UHPC é uma evolução dos concretos de alto desempenho.
Nos países onde há normalização, resulta de formulações em
que a resistência mecânica à compressão é superior, atingindo
entre 150 e 250 MPa
Rafael Pileggi
Ainda incipiente no Brasil, foi desenvolvido há cerca de 20 anos. “O UHPC é uma
evolução dos concretos de alto desempenho. Nos países onde há normalização,
resulta de formulações em que a resistência mecânica à compressão é superior,
atingindo entre 150 e 250 MPa. Está associado a aplicações onde o concreto é
submetido a esforços de flexão, permitindo a construção de estruturas bastante
delgadas”, define o professor Rafael Pileggi, da Escola Politécnica da Universidade
de São Paulo, acrescentando que, para tanto, esse concreto pode incorporar
grandes teores de fibras metálicas ou poliméricas.
Inicialmente, o desenvolvimento do UHPC visou soluções de design e de
desmaterialização da construção. “Com suas resistências extremamente elevadas,
é possível obter a mesma função estrutural mecânica com muito menos massa.
Num mundo ideal, se tudo fosse construído com essa tecnologia, o volume de
concreto seria até ¼ da massa que é utilizada hoje”, diz. Seu uso não tem
limitações do ponto de vista de tipo de obra, mas de concepção do componente
desenhado. A relevância do design arquitetônico é decisiva.
“Para que se tire o máximo de seu potencial estético, a concepção dos projetos
arquitetônico e estrutural é diferente daquela pensada para o concreto
convencional”, reforça Pileggi. A decisão de uso permeia, também, o aspecto de
custo de produção, que chega a ser até dez vezes mais caro por quilo,
dependendo da fonte de matérias-primas. No entanto, para a execução de um
elemento construtivo serão usados muitos menos litros de UHPC em relação ao
concreto convencional.
Confira também:
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Especificação de concreto de alta resistência deve seguir critérios rigorosos

CADEIA DE INSUMOS
A composição do Concreto de Ultra Alto Desempenho desafia o conceito de
concreto. O produto convencional é usualmente associado aos agregados graúdos
em torno de 2 cm. “O UHPC, apesar de ter o nome Concrete, não incorpora
partículas maiores do que 1 mm. Ou seja, fica na faixa granulométrica da
argamassa que, no entanto, é classificada como de uso não estrutural”, comenta o
professor Rafael Pileggi, lembrando que o setor do concreto prefere identificá-lo
como microconcreto.
O processo de produção do UHPC depende de uma cadeia de matérias-primas
organizada e de boa qualidade, abrangendo cimento, agregados (areias) e fillers.
As formulações são muito ricas em partículas finas. “São usados fillers de grãos
ainda mais finos do que o do cimento, geralmente subprodutos de processos
industriais, como o pó fino resultante da moagem da rocha, incluindo a cadeia das
pozolanas, ou seja, microssílica e sílica coloidal”, detalha o especialista.
Para atingir sua elevada resistência, a formulação leva, também, aditivos e baixo
teor de água. “Quando a água evapora, não deixa tantos poros no concreto. Mas,
para usar pouca água, é preciso acrescentar aditivos superplastificantes
(dispersantes), e outros como o retardador de pega e os que facilitam a mistura”,
diz. Já o cimento, principal elemento, deve ser o Portland de alta qualidade –
clínquer de alta resistência.
Reunidas todas essas matérias-primas é possível fazer o UHPC. “Mas, surge um
último detalhe: é mais difícil misturar muitos fillers com pouca água”, alerta. Daí
que a produção desse concreto está atrelada, geralmente, à indústria de pré-
fabricados, dotada de misturadores mais eficientes do que os convencionais e de
balanças e sistemas de dosagem de alta precisão.

CONCRETO SEM AÇO


A tecnologia UHPC usualmente não usa reforços por armaduras metálicas,
especialmente em elementos como painéis. Segundo Pileggi, dependendo da
exigência da peça, o concreto pode ser reforçado com fibras metálicas na sua
formulação, que ajudam na resistência às cargas de flexão. Ou, ainda, no caso de
grandes elementos estruturais, o reforço é feito com sistema de protensão interna,
através de dutos, ou externa, tornando-os autoportantes. “Essa última solução é
ideal para pontes, por exemplo, com 50 módulos de 1 m cada, atravessados por
cabo de aço tracionado nas extremidades”, diz.
Em situações em que há risco de incêndio, são adicionadas fibras poliméricas.
Como a espessura do UHPC é mínima e a ligação cimentícia degrada com fogo,
essas fibras protegem o concreto contra o risco de colapso.

RESTRIÇÃO INDUSTRIAL
No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos e Europa, a cadeia de suprimentos do
UHPC ainda não é suficientemente organizada, mas já existe um forte movimento
para avançar, impulsionado pelos benefícios ambientais de uso dos fillers,
principalmente quando se trata de rejeito. Por enquanto, o fornecimento é sob
pedido, com custos que se elevam.
“Quanto à indústria, as concreteiras não conseguem produzir UHPC, pois
trabalham com centrais dosadoras sem misturadores adequados, sendo que quem
mistura é o caminhão betoneira. Portanto, quem têm condições industriais são as
fábricas de pré-fabricados”, ressalta Pileggi. Em São Paulo, existem edifícios
construídos com Concreto de Alto Desempenho (HPC), na faixa dos 120 MPa,
feito por central de concreto, porém, não mais do que isso. “Não é uma coisa
trivial”, comenta.
A beleza de se construir com o UHPC tem, pelo menos, dois
benefícios: menor impacto ambiental, pois se constrói o mesmo
elemento com menos massa; e menor impacto no transporte, já
que as peças pré-fabricadas são mais leves
Rafael Pileggi
O professor defende que a construção civil brasileira deve apostar em matérias-
primas nacionais e acredita na rápida evolução da indústria de pré-fabricados para
produzir em escala. Hoje, são poucas as empresas do segmento que fabricam o
UHPC e são, basicamente, elementos decorativos, como painéis de acabamento
de fachada e mobiliário urbano.
“A beleza de se construir com o UHPC tem, pelo menos, dois benefícios: menor
impacto ambiental, pois se constrói o mesmo elemento com menos massa; e
menor impacto no transporte, já que as peças pré-fabricadas são mais leves e,
portanto, são levadas em maior quantidade da fábrica à obra”, conclui.

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