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Jaime Spitzcovsky (/colunas/jaimespitzcovsky/)

Há 25 anos, gravata de Clinton marcou assinatura de


acordo israelo-palestino
Impulsionado pelo otimismo do fim da Guerra Fria, processo de Oslo acabou
entrando em colapso

10.set.2018 à 1h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2018/09/10/)

Naquele 13 de setembro de 1993, o presidente Bill Clinton escolheu uma


gravata estampada com trombetas. Vestia-se para comandar a assinatura, na
Casa Branca, do acordo de Oslo, inaudito processo de paz
(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/08/artista-israelense-faz-mosaico-da-paz-na-fronteira-com-a-faixa-de-

gaza.shtml) entre israelenses (https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/07/parlamento-adota-lei-que-define-


israel-como-estado-nacao-do-povo-judeu.shtml) e palestinos
(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/09/duvidas-sobre-a-saude-de-abbas-esquentam-disputa-sucessoria-

palestina.shtml).
A onda de otimismo impulsionada pelo fim da Guerra Fria
contaminava um dos mais renitentes conflitos do planeta.

Há exatos 25 anos, a gravata de Clinton parecia remeter ao relato bíblico no


qual o exército de Josué, ao soprar trombetas, derrubou muralhas. O
presidente americano acreditava inaugurar, com Yitzhak Rabin e Yasser
Arafat, a pacificação no Oriente Médio.
Em 2000, o processo de Oslo colapsou. Seguiu-se sangrenta intifada, rebelião
palestina alicerçada no homem-bomba. Em ataques terroristas e nas
respostas israelenses, morreram, em quatro anos, cerca de 1.000 israelenses
e 3.000 palestinos.

o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin (esq.), o presidente americano Bill Clinton


(centro) e o líder palestino Yasser Arafat durante a assinatura do acordo em Washington -
Gary Hershorn - 13.set.1993/Reuters

Como de hábito, a guerra de narrativas se instalou para explicar a debacle do


processo de Oslo. Do lado israelense, é frequente o relato de que as
concessões do premiê Ehud Barak representariam histórico ato de ousadia.
A proposta incluiria, por exemplo, dividir Jerusalém. No entanto, Arafat —
conforme a narrativa— rejeitou a oferta por não ter interesse em construir o
Estado palestino, preferindo liderar um “movimento de libertação nacional”,
típica guerrilha nascida na Guerra Fria.

No lado palestino, narrativa rotineira responsabiliza Israel pelo


desmoronamento do processo de paz. Assentamentos judaicos na
Cisjordânia e o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, em 1995, por
um israelense contrário ao processo de Oslo, teriam enterrado o diálogo
iniciado com intermediação norueguesa.

O assassinato de Rabin, sem dúvida, golpeou o processo de paz. Porém, é


necessário lembrar o motivo da vitória, na eleição seguinte, do direitista
Binyamin Netanyahu, cético em relação ao processo de Oslo. Durante a
campanha, Shimon Peres, entusiasta do diálogo, liderava pesquisas de
intenção de voto, mas atentados do grupo fundamentalista Hamas, no
coração de Tel Aviv, fortaleceram o discurso linha-dura da direita, vencedora
do pleito por estreita margem.

Assentamentos judaicos na Cisjordânia se expandiram. No entanto, Israel já


desmontou construções, como nas retiradas do Sinai, em 1982, e de Gaza,
em 2005. O obstáculo intransponível, responsável por dinamitar o acordo de
Oslo, reside em pilar presente até hoje no discurso da liderança palestina.
Trata-se do chamado “direito de retorno dos refugiados”.

Defendê-lo significa um código para negar o princípio da partilha da


Palestina, apoiada na criação de dois Estados, um judeu e um árabe. E
esconde uma questão aritmética, ainda que no plano conceitual.

Haveria cerca de 5 milhões de refugiados palestinos, vivendo sobretudo no


Oriente Médio. Caso voltem ao atual território israelense (mesmo que se
aceite o retorno de forma hipotética), juntos com os árabes já vivendo em
Israel, transformarão, rapidamente, a população judaica em minoria.

Ou seja, para a solução de dois países para dois povos, é fundamental a


liderança palestina abrir mão do chamado “direito de retorno” e aceitar a
ideia de que caberá a seu futuro Estado absorver os refugiados, vítimas do
ciclo de guerra iniciado em 1948, quando uma coalizão de cinco países
árabes rejeitou a partilha aprovada pela ONU e atacou Israel no momento de
sua independência.

O som das trombetas de Clinton não se mostrou capaz de mudar a


percepção de Arafat e seu sucessor. Tomara que futuras lideranças palestinas
reconheçam a necessidade de rever o erro histórico e, assim, contribuir para
resgatar o caminho do diálogo e da paz.

Jaime Spitzcovsky
Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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palestino.shtml

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