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A - AS CAUSAS DA DECADÊNCIA DOS POVOS PENINSULARES

Meus senhores:
A decadência dos povos da Península nos últimos três últimos séculos é um dos factos mais incontestáveis,
mais evidentes da nossa história [...] Como peninsular, sinto profundamente ter de afirmar, numa
assembleia de peninsulares, esta desalentadora evidência. [...]. Meus senhores: a Península, durante os
séculos XVII, XVIII e XIX apresenta-nos um quadro de abatimento e insignificância, tanto mais sensível
quanto contrasta com a grandeza, a importância e a originalidade do papel que desempenhámos no
primeiro período da Renascença, durante toda a Idade Média, e ainda nos últimos séculos da Antiguidade.
[...]
Deste mundo brilhante, criado pelo génio peninsular [...], passamos quase sem transição para um mundo
escuro, inerte, pobre, desconhecido. Dir-se-á que entre um e outro se meteram dez séculos de decadência,
pois bastaram para essa total transformação 50 ou 60 anos! [...]. Em Portugal [no século XVII], é a
influência inglesa, que, por meio de cavilosos tratados, faz de nós uma espécie de colónia britânica. Ao
mesmo tempo as nossas próprias colónias escapam-nos gradualmente das mãos [...] vamos de século para
século minguando em extensão e importância, até não sermos mais do que duas sombras. [...] A realeza
deixa então de encontrar uma resistência e uma força exterior que a equilibre, e transforma-se no puro
absolutismo; esquecendo a sua origem [...]. O povo emudece; negam-lhe a palavra, fechando-lhe as
Cortes; não o consultam [...]. Com quem se conta é com a aristocracia palaciana, com uma nobreza
cortesã, que cada vez se separa mais do povo pelos seus interesses e pelos sentimentos. Essa aristocracia,
[...] impede a elevação natural [...] e contraria todos os progressos ligados a essa elevação. Por isso decai
também a vida económica: a produção decresce, a agricultura recua, estagna-se o comércio, desaparecem
uma por uma as indústrias nacionais; a riqueza, uma riqueza faustosa e estéril, concentra-se em alguns
pontos excecionais, enquanto a miséria se alastra ao resto do país. [...] Nunca povo algum absorveu tantos
tesouros, ficando ao mesmo tempo tão pobre! [...] Nos últimos dois séculos não produziu a Península um
único homem superior, que se possa pôr ao lado dos grandes criadores da ciência moderna: não saiu da
Península um só das grandes descobertas intelectuais [...]. Durante 200 anos de fecunda elaboração,
reforma a Europa culta as ciências antigas, cria seis ou sete ciências novas, a anatomia, a fisiologia, a
química, a mecânica celeste, [...]: aparecem os Newton, os Descartes, os Bacon, os Leibniz [....] – onde
está, entre os nomes destes [...] um nome espanhol ou português? A Europa culta engradeceu-se, nobilitou-
se, subiu sobretudo pela ciência: foi sobretudo pela falta de ciência que descemos, que nos degradámos,
que nos anulámos. A alma moderna morrera dentro de nós completamente.
Pelo caminho da ignorância, da opressão e da miséria chega-se fatalmente, à depravação dos costumes.
[...] e a concluir é nesses [...] fenómenos que se devem buscar e encontrar as causas da decadência da
Península. Ora esses fenómenos capitais são três, e de três espécies: um moral, outro político, outro
económico. O primeiro é a transformação do catolicismo, pelo Concílio de Trento. O segundo, o
estabelecimento do absolutismo, pela ruína das liberdades locais. O terceiro, o desenvolvimento das
conquistas longínquas.
Discurso de Antero de Quental, no Casino Lisbonense (I Sessão das Conferências Democráticas),
Lisboa, 27 de maio de 1871 [excertos].

1.Distinga fatores de ordem política, económica, social e cultural que, segundo o autor, contribuíram
para a decadência dos povos peninsulares.
B - UM OLHAR SOBRE PORTUGAL
Decerto: numa terra onde homens de génio como Antero de Quental, Camilo e Soares dos Reis, têm de
recorrer ao suicídio como solução final duma existência de luta inglória e sangrenta; numa sociedade,
onde o pensamento representa um capital negativo, um fardo embaraçoso para jornadear [caminhar] pelo
caminho da vida; num povo, onde essa minoria intelectual, que constitui, o orgulho de cada nação, se vê
condenada a cruzar os braços com inércia desdenhosa, ou deixá-los cair desoladamente, sob pena de ser
esterilmente derrotada; num país, onde a inteligência é um capital inútil e onde o único capital
deveras produtivo é a falta de vergonha e a falta de escrúpulos – o diagnóstico impõe-se por si. O desalento
e a descrença alastram. [...] Somos um povo civilizado... na aparência, porque a negra realidade é que
quatro quintos da população portuguesa nem sequer sabe ler nem escrever. Vestimos à moderna,
pretendemos viver à moderna, e pensamos à antiga. Somos um povo pertencendo pelo aspeto aos tempos
dos Direitos do Homem e pertencendo na verdade, pelo espírito aos tempos da pedra lascada.
Mas, objetar-me-ão: - em Portugal existe uma minoria reduzida, uma parcela, embora mínima, que
acompanha a civilização moderna e vai nas correntes de pensamento.
Precisamente por isso. Precisamente porque uma fração do cérebro português acompanhou o espírito
contemporâneo na sua gigantesca evolução; e precisamente porque essa minoria civilizada não soube ou
não pôde impor-se à maioria da nação e arrastá-la consigo nesse avanço progressivo; precisamente desse
desnivelamento – é que deriva essa crise sobreaguda de pessimismo em que se está debatendo o povo
português. [...]
O mal da sociedade portuguesa é apenas este – a desagregação da personalidade coletiva, o
sentimento de interesse nacional abafado na confusão caótica dos sentimentos de interesse individual. [...]
A nossa vida política, económica e moral, não tem sido senão uma série lastimosa de atos de egoísmo
individual impondo-se despoticamente ao egoísmo coletivo, ao interesse da nação, e subjugando-o.
[...] Quatro quintas partes do povo português não sabem ler nem escrever, quer dizer: sabem falar
incompletissimamente. A palavra escrita é imprescindível para a vida moderna. [...] Na complexidade da
vida de hoje, o homem que não sabe ler e escrever é um homem incompleto, desarmado para a luta do pão
quotidiano. É nestas lastimosas condições de inferioridade social que se encontra a maioria da população
portuguesa. [...]
Finalmente uma outra parte da sociedade portuguesa [instruída] instalava-se parasitariamente no corpo da
nação, aproveitando-se da obediência cega, animal, da maioria ignorante, domada e escrava, e ao mesmo
tempo da passividade e desleixo nessa minoria inativa e desdenhosa. [...] de entre cinco milhões de
criaturas, que se sentem esmagadas por um mal-estar insuportável, não existem cinco que se entendam
para o remediar.
Manuel Laranjeira, O Pessimismo Nacional ou de como os portugueses procuram
soluções de esperança em tempos de crise social, 1907-1908.

1.Identifique cinco argumentos usados por Manuel Laranjeira que justificam o pessimismo nacional.

Os cinco argumentos são: a desagregação da personalidade coletiva, Somos um povo que por regra somos
pessimistas em que prevalece o desanimo, a sensação de falsa felecidade, o tédio ou a angustia temporal e
a inquietação que nos chega do mundo de engano.
C- O REALISMO NA PINTURA DE COURBET
Courbet anunciara o seu programa desde 1847: realismo integral, abordagem direta da realidade,
independente de qualquer poética previamente constituída. Era a superação simultânea do “clássico” e do
“romântico” enquanto poéticas destinadas a mediar, condicionar e orientar a relação do artista com a
realidade. Com isso, Courbet não nega a importância da história, dos grandes mestres do passado, mas
afirma que deles não se herda uma conceção do mundo, um sistema de valores ou um ideal de arte, e sim
apenas a experiência de enfrentar a realidade e os seus problemas com os meios exclusivos da pintura.
Para além da rutura com as poéticas opostas e complementares do “clássico” e do “romântico”, o
problema que se colocava era o de enfrentar a realidade sem o suporte de ambos, libertar a sensação
visual de qualquer experiência ou noção adquirida e de qualquer postura previamente ordenada que
pudesse prejudicar a sua imediaticidade, e a operação pictórica de qualquer regra ou costume técnico que
pudesse comprometer a sua representação através das cores. [...]
Giulio Carlo Argan, Arte Moderna – do Iluminismo aos Movimentos Contemporâneos,
Companhia das letras, São Paulo, 1996

1.Com base no documento, selecione as opções corretas que apresentam as características do


realismo/naturalismo:
a) Rompe com os movimentos anteriores; retrata a realidade; concebe a realidade sem depender do passado;
faz da história um meio para enfrentar a realidade.
b) Continua a tradição romântica; idealiza a realidade; tem no passado o motor para conceber a realidade;
liberta a sensação visual do peso da experiência.
c) Rompe com o academismo; não compromete as cores; retrata o pitoresco; representa os heróis.
d) Rompe com o academismo; retrata as agruras da vida; representa as gentes comuns; valoriza o trabalho.
D - NATURALISMOS
Nos últimos vinte anos do século XIX, a arte portuguesa adquiriu finalmente ritmo significativo, alimentado
com estadas de formação em Paris de sucessivas gerações de pintores e escultores. António Silva Porto
(1805-1893) e João Marques de Oliveira (1853-1893) foram os primeiros pintores a beneficiar da situação
de bolseiros do Estado em Paris. Aí, frequentaram obrigatoriamente a Academia de Belas-Artes, mas
interessaram-se sobretudo pela prática paisagista e ruralista da Escola de Barbizon.
Nesses anos de 1870, quando a «questão impressionista» dominava a atualidade parisiense, esta opção dos
naturalistas portugueses era resultado da ausência da tradição pictórica anterior. Por outro lado, a poética
lumíca dos impressionistas não convinha a artistas oriundos das abertas atmosferas do sul onde as formas
resistem, sem se dissolverem, à ação da luz. Finalmente, o teor cosmopolita das temáticas impressionistas
inscrevia-se mal num contexto português dominado pela ruralidade [...]. A. Silva Porto apreciava
sobretudo a obra de Daubigny e, por sua influência, desenvolveu nas suas melhores obras (A Charneca de
Belas; A Ceifa – Lumiar), um paisagismo de subtis gradações tonais. As exigências de um público
pouco esclarecido e uma relativa involução pessoal conduziram-no a uma pintura mais próxima da geração
tardo-romântica, sentimental e descritiva, propondo-se como imagem idílica da sociedade rural
portuguesa.
Também Marques de Oliveira foi um pintor desigual, dividido entre a exigência do ensino de pintura de
história e um gosto delicado pelo registo paisagístico [...].
Do grupo lisboeta, reunido no Café Leão d’Ouro, à volta de Silva Porto, as figuras mais célebres que, por
volta de 1880, iniciaram promissoras carreiras, foram os irmãos Columbano e Rafael Bordalo Pinheiro e
José Malhoa.
Columbano (1857-1929) foi sobretudo retratista, embora, durante a juventude, tenha realizado pequenos
quadros de género (Convite à Valsa) com uma liberdade pictórica reveladora da mestria oficinal deste
pintor que, na transição dos séculos, não quis ser moderno.
Retratista oficial de intelectuais, artistas e figuras públicas, da sua obra vastíssima vale a pena destacar
[...], o retrato de Antero de Quental (1889), figura do poeta enquanto esfinge simbólica de um drama
pessoal que José-Augusto França considerou o próprio rosto do fracasso da Geração de 70, estrangeirada
e cosmopolita, pretendendo, em vão, civilizar o país, segundo modelos afrancesados.
José Malhoa (1855-1933) foi, no Portugal fino-monárquico e depois republicano, tão disputado como
Columbano [...]. Pintor popular, ele assumiu, com verve e excessos pícaros de cor e primitivismo de traço,
a vivência telúrica do campesinato português. Feiras e romarias, trajes e carateres, tradições e modos
quotidianos forneceram ao pintor motivos inesgotáveis que, redundantemente, apontam o atraso
económico, social e cultural do país, transformando-o em valor positivo. Se Portugal não tinha cidades nem
cidadãos civilizados, se não havia estradas, se o povo continuava analfabeto e supersticiosamente católico,
não havia que lutar ou desesperar, como fizeram os intelectuais da Geração de 70, mas descobrir a mansa
felicidade desse específico viver. Esta situação, Malhoa recria-a com espetacularidade e, através dele, a
pintura foi, mais uma vez, imagem definitiva, dando a ver, com aparente imediatez, os mecanismos de uma
existência histórica periférica.
Indispensável para o entendimento da cultura artística portuguesa neste período é também a figura de
Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), caricaturista impiedoso de mais de vinte anos de sociedade e política
nacional [...] foi, particularmente o criador da figura do Zé Povinho (1875), retrato coletivo em pose
individual das contradições, resistências e vãs utopias do desenvolvimento português.
AAVV, História das Artes Plásticas, INCM, Lisboa, 1991

1.Identifique, com base no texto, as tendências da pintura portuguesa no final do século XIX.

É, portanto, uma tendência estética, que muitas vezes está unida ao realismo, ou seja, pode ser
considerada uma ramificação deste.

Sendo assim, o naturalismo é um estilo artístico posterior ao realismo e anterior ao


parnasianismo. Da mesma maneira que o realismo, ele se posiciona contra os ideais da escola
romântica.

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