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Cf. CARDINALLI, 2004, pp. 105 127.
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contextos da sua vida estas se apresentam e, finalmente, 3. Como cada pessoa vive essas
limitações.
Boss (1979) apresenta um esboço, que ele mesmo considera como uma
exploração inicial, de um novo modo de se pensar as diversas patologias, tanto aquelas
denominadas como físicas, quanto as psíquicas ou mentais. Neste esboço ele organiza
as patologias em quatro grandes grupos, considerando o âmbito de realização do existir
que se mostra mais prejudicado: 1. Ser doente caracterizado por uma perturbação
prevalente na corporeidade do existir; 2. Ser doente caracterizado por uma perturbação
prevalente na espacialidade e na temporalidade de seu ser-no-mundo; 3. Ser doente por
uma perturbação prevalente na realização da disposição (tonalidade afetiva) existencial;
3. Ser doente caracterizado por uma perturbação prevalente na realização do ser-aberto
e da liberdade. Ao mesmo tempo, lembramos que, como os diferentes âmbitos de
realização do existir só se dão em totalidade, quando um âmbito é perturbado em sua
realização, os outros também são afetados de alguma maneira.
Percebemos que as proposições de Boss oferecem elementos importantes para o
esclarecimento das decorrências da violência urbana, como assalto e sequestro, quando
procuramos compreender a experiência e as repercussões da violência na vida de quem
as sofreu como uma maneira de existir que foi ou está afetada de algum modo. Tais
proposições fornecem possibilidades ao pesquisador de observar quais âmbitos da vida
destas pessoas foram mais afetados e, também, esclarecer o sentido e o significado desta
experiência para cada pessoa.
Deste modo, o sofrimento e as decorrências da violência urbana são
compreendidos no presente trabalho como uma maneira de viver que, segundo a
perspectiva daseinsanalítica, está perturbada, revelando restrições na realização de suas
atividades cotidianas, uma vez que as vítimas de violência encontram dificuldade na sua
atuação no trabalho, assim como em manter as atividades de lazer e os relacionamentos
afetivos e sociais.
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Boss apresenta, em muitas publicações (1974, 1975b, 1976, 1977, 1979), críticas
contundentes sobre as teorias da Psiquiatria Clássica36 que priorizam as dimensões
biológicas, e, assim, caracterizam cada patologia mental segundo a descrição de sua
sintomatologia e explicam o processo de adoecimento e sua etiologia apenas segundo os
substratos biológicos. É importante destacar que suas críticas estão baseadas nas
reflexões de Heidegger sobre a inadequação da transposição do método da Ciência
Natural para uma compreensão adequada das experiências humanas, sejam as sadias ou
patológicas.
Neste mesmo sentido, Boss (1974 e 1977) questiona as teorias psiquiátricas e
psicológicas, quando estas operam com a noção de determinação causal, isto é,
pressupõem algo como causa e outra coisa como a manifestação da doença. Ele discute
o princípio de causalidade e a adequação da noção de determinação causal para o
entendimento do existir humano sadio e patológico, pois os considera adequados como
referências para o estudo dos fenômenos naturais, que são pensados de acordo com a
suposição de um encadeamento de acontecimentos ou fatos. Contudo, posiciona-se
contrariamente à noção de determinação causal para a compreensão das experiências
sadias e patológicas, pois considera que esta noção implica em pensar as dimensões
humanas do mesmo modo que as coisas inanimadas, os organismos físicos e as
engrenagens das máquinas. Deste modo, acompanhando Heidegger, Boss ressalta mais
uma vez que os esclarecimentos do homem como ser-aí são mais adequados para o
entendimento dos fenômenos humanos.
Em trabalho anterior (Cardinalli, 2004) assinalamos que a psiquiatria
preponderante na atualidade percorreu um caminho diferente daquele explorado pela
psiquiatria clássica e a psicologia moderna. Ela segue a corrente americana, com a
adoção de critérios diagnósticos estabelecidos pelo CID-10 e DSM-IV. Estes manuais
classificatórios assumiram uma postura “ateórica” e optaram por estabelecer critérios
diagnósticos consensuais. Deste modo, evitaram as divergências existentes nas várias
teorias psicopatológicas consagradas sobre a natureza do sofrimento psíquico, excluindo
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Boss (1977) denomina genericamente de psiquiatria clássica aquela de autores como Kraeplin, Breuler
e outros.
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Deste modo, Pereira (2000) destaca que estes manuais operacionais, DSM e
CID, preservam os pressupostos científicos naturais por seu empirismo e pragmatismo
e, assim, a denominação “ateórica” é apenas um rótulo encobridor. O autor mostra ainda
que esta posição exclui do debate cientificamente autorizado todas as disciplinas que
tratam do sofrimento humano que não repousassem sobre “definições explícitas e
convencionais de fatos clínicos imediatamente constatáveis. Este é o caso da
fenomenologia, da psicanálise e da análise existencial” (p. 119)
Nota-se, assim, que a proposição bossiana para a compreensão dos fenômenos
sadios e patológicos caminha numa direção oposta da psiquiatria contemporânea,
quando aponta a importância do esclarecimento da natureza existencial de cada modo de
existir, inclusive os patológicos, uma vez que é este que permitirá o deslocamento do
pensamento habitual do homem baseado nos conceitos de razão, forças, impulsos ou
substrato biológico para os modos de existir humanos.
Nesta pesquisa, escolhemos enfocar a experiência decorrente da violência
urbana em suas vítimas e não restringir nosso estudo aos critérios diagnósticos de TEPT
indicados no DSM-IV ou CID-10. A denominação TEPT foi utilizada, no decorrer do
nosso trabalho, por considerar que esta é a denominação mais habitual na atualidade, e
assim, supomos que possibilitará algum diálogo e/ou discussão sobre os vários
entendimentos deste tipo de experiência.
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