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SAMAIN, Etienne.

As “Mnemosyne(s)” de Aby Warburg: Entre Antropologia, Imagens


e Arte. Revista Poiésis, n 17, p. 29-51, Jul. de 2011.

Etienne Samain, teólogo e antropólogo belga radicado no Brasil, é professor


titular aposentado do Programa de Pós-Graduação em Multimeios-IA-Unicamp. Sua
produção se caracteriza por explorar principalmente temas ligados à Antropologia,
Antropologia Visual, Artes Visuais e Antropologia e Exegese Bíblica, é considerado uma
importante referência nesta área.
A obra a que este ensaio se dedica apresenta como assunto central dois
aspectos da obra do historiador de arte alemão Aby Warburg: a biblioteca elíptica na
cidade de Hamburgo e o Atlas de Imagens. O autor propõe uma análise, através da
montagem desmontagem e remontagem da prancha 79 do Atlas Mnemosyne de
Warburg, com a intenção de demonstrar como as imagens podem ser produtoras de
conhecimento.
O artigo de Etienne Samain é composto de cinco sessões precedidas de um
preâmbulo onde o autor pontua sobre o direcionamento recente de seus estudos no
campo da Antropologia Visual situando a arte como questão central a ser explorada
quando sugere ser “urgente recolocar a arte no epicentro da existência humana, isto é,
no centro da cultura, de todas as culturas” (2011:31).
Na primeira sessão A Arte no Campo da Cultura Humana ele propõe ao leitor
voltar a atenção para três autores – Michel Focault, Hans Belting e Georges Didi-
Huberman – que, a partir de suas pesquisas, sugerem realizar uma arqueologia de
distintas áreas do conhecimento a fim de redescobrir os aspectos de seus começos. E
segue nessa sessão evocando relações existentes entre arte, antropologia e imagens
apontando para a obra de Warburg como precursora na exploração destas inter-
relações.
Em Mnemosyne 1: A Biblioteca de Hamburgo é apresentada a biblioteca em
forma elíptica idealizada por Warburg, judeu alemão herdeiro de uma família de
banqueiros que renuncia a sua posição de primogênito a favor de seu irmão em troca
da possibilidade de adquirir todos os livros necessários para montar a sua biblioteca,
que chegou a possuir 65 mil volumes quando da morte de Warburg. A biblioteca
contava com quatro níveis onde as obras eram organizadas de forma única seguindo
um princípio denominado por Warburg como “lei da boa vizinhança”.
A terceira sessão do artigo, Warburg. Mnemosyne 2: O Atlas de Imagens
(Bilderatlas) é dedicada a obra mais enigmática de Warburg que foi construída entre
os anos de 1924 e 1929, e nunca acabada por seu autor. Composto de painéis móveis
que podiam ser montados, desmontados e remontados inúmeras vezes, o Atlas reunia
mais de 900 imagens e ficava exposto na biblioteca de Hamburgo para que, conforme
Samain, “pudessem também ser observadas, relacionadas, confrontadas na grande
arquitetura dos tempos e das memórias humanas” (2011:36). A partir da apresentação
desta obra o autor propõe uma experiência com a prancha 79 na tentativa de decifrá-
la visualmente.
Quando o autor apresenta a sessão quatro (Prancha 79): um sistema complexo de
imagens ele propõe um exercício de imersão pontuando inicialmente duas formas
possíveis de se perceber a prancha, como uma única imagem ou como um mosaico de
imagens. As 22 imagens que compõe esse fragmento do Atlas pertencem a distintos
tempos e contextos históricos, o que para Samain é um convite a uma viagem que
propõe uma reflexão sobre um tempo – fora do tempo histórico e cronológico. Esta
sessão do artigo se desdobra no que poderia se considerar como mais cinco sub
sessões que tratam dos aspectos da experimentação de Etienne em relação a prancha
79. Iniciando com Prancha 79 do Atlas Mnemosyne o autor sugere que as imagens são
“os reflexos e os rastros de uma longa história de olhares que nos precederam”
(2011:40) e avança na experiência proposta na sub sessão (Prancha 79): Montagem de
“formas que pensam” entre elas onde traz alguns questionamentos sobre a montagem
de Warburg. Seguindo, quando se apresenta a Desmontagem da Prancha, Samain
comenta sobre as três operações feitas pelos editores de Mnemosyne1, as quais ele
toma como ponto de partida na sua proposta de experimentação de desmontagem e
posterior remontagem verbal da Prancha 79. As sub sessões seguintes se compõe de
Prancha 79: Tradução dos comentários dos editores do Atlas e Remontagem da
Prancha onde nesta última ele apresenta uma análise verbal dos roteiros visuais
propostos por ele como uma dimensão adicional ao material elaborado pelos editores.
Na sessão final do artigo Um pouco de silêncio ainda o autor conclui sua
interpretação sobre a prancha 79 pontuando que “é impossível procurar desvendar a
prancha final do Atlas, sem se sentir longamente interpelado pela densidade reflexiva
contida nas imagens” (2011:48). E nos aponta a partir de sua reflexão final que “a
imaginação é a potência do pensamento”.
A leitura proporcionada pelo autor acerca do fragmento da obra de Aby
Warburg aprofunda as possibilidades que as imagens oferecem para pensar,
principalmente quando ele afirma ser essa experimentação uma entre muitas outras
que podem ser realizadas a partir desta prancha. O artigo apesar de se referir a uma
obra complexa – o atlas de imagens – é muito didático e traz uma linguagem que
facilita o entendimento pelo leitor instigando o mesmo a buscar mais informações e
leituras sobre o tema.
O ponto mais relevante, que transcende várias outras leituras sobre o
historiador de arte alemão e sua obra inacabada, é justamente a proposição dos
diagramas e roteiros visuais que Etienne apresenta como alternativa de leitura e
interpretação da prancha 79. A riqueza e minúcia de sua remontagem verbal se
apoiam no intenso conhecimento sobre os temas bíblicos presentes nas imagens que
compõe a prancha já que o mesmo é também teólogo de formação.
Um aspecto impreciso a ser apontado se relaciona com o fato do autor
informar que toma como ponto de partida para sua experimentação o trabalho dos
editores de Mnemosyne. Nesta passagem ficaria mais claro se ele apontasse
especificamente a obra a qual ele se refere, o que evitaria qualquer equívoco sobre
quem seriam estes editores. Mas de toda forma ao finalizar a leitura é possível
entender a qual referencia se trata esta passagem.
Samain consegue nos fazer refletir intensamente em torno da potência da
produção de conhecimento e do pensamento por imagens e tem contribuído para
inúmeras reflexões e desdobramentos dedicadas ao trabalho com imagens e
montagens. A obra é certamente uma importante colaboração para o campo das
relações entre antropologia, imagens e arte.

1
WARBURG, Aby. Gesammelte Schriften II-I. Der Bilderatlas Mnemosyne (editado por Martin Warnke e Claudia Brink). Berlim,
Akademie Verlag, 2000, 2ª ed. 2002 (que retomaro). Versão castelhana (de Fernando Checa) Atlas Mnemosyne (Trad. Joaquim
Chamorro Melke). Madrid: Ediciones Akal, 2010.
Outras obras do autor são consideradas importantes referências nesta área,
que apontam sobre o lugar de destaque que as imagens podem ocupar no fazer
antropológico, como por exemplo, o livro Como pensam as imagens, organizado por
Etienne Samain e publicado pela Editora Unicamp em 2012, inspirado pelos conceitos
de Aby Warburg, Gregory Bateson e Didi-Huberman, uma importante contribuição
para os estudos sobre o campo das imagens em Antropologia Visual.

Valentina Machado
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPel
Pesquisadora do Laboratório de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPel

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