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FISIOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO

A Fisiologia Integrada

Cesar Timo-Iaria
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INTRODUÇÃO

Este livro destina-se a expor a fisiologia do sistema nervoso como o conjunto de


processos que geram, controlam e regulam as funções do organismo animal. Muitas
dessas funções são geradas pelo sistema nervoso mas todas são, direta ou indiretamente,
controladas por ele. Embora o texto se relacione precipuamente com os mamíferos,
freqüentemente mencionaremos fenômenos funcionais de outras classes de animais,
inclusive de invertebrados, a fim de incrementar a lógica da exposição e,
conseqüentemente, a compreensão das funções nervosas dos mamíferos. Como se verá no
decorrer da leitura, a maneira como apresentaremos o estudo do sistema nervoso difere
sensivelmente das formas usuais de tratar desse tema. Geralmente o sistema nervoso é
estudado como um mosaico de funções, não como um sistema, embora ele seja o sistema
por excelência no organismo animal.
Para atingirmos esse objetivo, teremos de abandonar alguns conceitos
ultrapassados e errôneos. Como exemplo de tais erros vale citar que o significado do
termo Biologia é hoje profundamente deturpado. A palavra Biologia, criada pelo
anatomista germânico Burdach no ano de 1800, deriva de bios+logos, dois termos gregos
que significam, aproximadamente, vida e estudo. Segundo Burdach, Biologia é o estudo
dos seres vivos. Portanto, desde uma organela intracelular ou um canal de sódio até a
Sociologia e a Economia, que são atividades apenas dos seres vivos, tudo o que se
relaciona com os organismos vivos deve ser incluído na Biologia. Não cabe, por
conseguinte, distinguir biológico de cultural, nem psicológico de biológico ou biológico
de social, erros comuníssimos. Não se justifica tampouco o nome “ciências da vida” para
denominar, por exemplo, a agricultura, visto que Biologia significa precisamente ciência
da vida.
Um sistema é um conjunto cujas partes se interligam segundo um plano ou
esquema que permite o funcionamento do todo como conseqüência do funcionamento de
cada uma das partes. Essa definição implica, evidentemente, uma lógica específica na
articulação das partes e múltiplos processos de reaferentação entre elas, a fim de que cada
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uma execute convenientemente sua função para que um resultado final, atividade última
do sistema, seja atingido com um mínimo de desvios.
Em meados do século XIX, enquanto desenvolvia o conceito de constância do
meio interno, uma das mais importantes descobertas científicas de todos os tempos (mais
tarde denominado homeostase ou hemostasia por Cannon), o grande fisiologista francês
Claude Bernard enunciou o princípio de que o todo nem sempre é igual à soma de suas
partes, resultando no que outro importante fisiologista, Sperry, denominou função
emergente, a que também podemos dar o nome de metafunção. As funções biológicas são
geralmente emergentes ou metafunções; quando se trata das funções resultantes da
atividade do sistema nervoso, esse caráter emergente é muito evidente e torna a
compreensão das funções nervosas mais complexas uma tarefa especialmente difícil.
O organismo de um animal como um todo é um sistema; por outro lado, o sistema
cardiovascular, assim como o renal ou o endócrino, também é um sistema em si mesmo,
cuja função contribui para o funcionamento adequado do sistema nervoso. Este, por sua
vez, é que faz que todos os sistemas funcionem integradamente, para que o sistema maior
– o organismo, o corpo – possa sobreviver como um todo equilibrado.
O sistema nervoso gera ou controla ou regula, de forma direta ou indireta, todas
as funções do organismo animal, desde os invertebrados mais simples até o vertebrado
mais complexo, a espécie humana. Quando se analisa a arquitetura do sistema nervoso ao
longo da escala filogenética percebe-se que as principais funções que mantêm o
organismo vivo já se identificam nos invertebados mais simples. Evoluindo de forma
muitíssimo complicada, encontram-se essa funções em todas as espécies animais. O
sistema cardiovascular, o respiratório, o endócrino, assim como o comportamento de
apreensão e ingestão de alimentos, a eliminação dos detritos e das substâncias já inúteis
para o organismo e a reprodução, existem em celenterados como nos primatas. O sistema
nervoso já existe nos animais mais simples e gera, controla ou regula todas essas funções.
Por isso, é inteiramente possível estudar a Fisiologia das várias funções, e de modo
integrado, a partir da fisiologia do sistema nervoso.
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O fenômeno vida é algo ainda mal compreendido e só recentemente pôde ser


enquadrado no quadro geral da Física. Embora ainda não se conheça com precisão a
origem da vida, são já bem conhecidas muitas etapas da evolução de diversas moléculas
próprias dos seres vivos. Os sistemas biológicos caracterizam-se por uma organização
que deve ser finamente mantida. Os desvios do equilíbro de cada sistema só podem ser
tolerados dentro de uma faixa muito estreita de variação, visto que desvios maiores, se
não corrigidos, o conduzem inexoravelmente para a desagregação. Ao contrário, os
sistemas inanimados tendem para a entropia máxima. Entropia, importante conceito em
Física, mede a energia disponível em um sistema, o que, por sua vez, mede sua desordem.
Por conseguinte, quanto maior é a desordem, maior é a entropia, a energia livre. O
Universo, como um todo, provavelmente em futuro muito distante, que alguns físicos
calculam em 10116 anos, atingirá a entropia máxima, quando nenhuma organização será
possível. Entretanto, contrariando essa tendência do mundo inanimado, os fenômenos
biológicos caracterizam-se, entre outros atributos, por uma organização elevadíssima, que
parece até crescer filogeneticamente. A essa característica única dos seres vivos (pelo
menos em nosso planeta e por enquanto), Schrödinger, o físico austríaco que formalizou
matematicamente a mecânica quântica, deu o nome de negentropia, denominação
sincopada de entropia negativa.
Segundo Schrödinger, não há violação das leis da Física no fato de que a entropia
dos seres vivos seja negativa, uma vez que ela é assim mantida à custa da entropia
positiva resultante da morte dos seres vivos de que os seres vivos se nutrem. Quando
comemos carne ou alface a entropia negativa desses tecidos, que chamamos alimentos, é
desfeita por sua digestão e libera sua entropia positiva, que é incorporada pela nossa,
possibilitando a manuntenção da entropia negativa. É imensa, como veremos ao longo
deste livro, a contribuição do sistema nervoso para a manutenção da entropia negativa
dos seres vivos animais.
Embora já se conheçam muitas reações químicas que devem ter presidido o
aparecimento dos seres vivos em nosso planeta (como provavelmente em muitos e muitos
milhões de outros nos muitos bilhões de sistemas planetários que devem existir no
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Universo), ainda não sabe de fato como o fenômeno “vida” se iniciou. É possível que se
conseguíssemos juntar os bilhões de moléculas que constituem uma célula não
conseguiríamos criar uma entidade “viva”. Talvez o fenômeno “vida” seja transmitido
pelo DNA como fenômenos que ocorrem em uma dimensão da Física que não se cinge
apenas às três espaciais (x, y e z) e o tempo. Os físicos hoje admitem pelo menos 11
dimensões mas alguns acreditam que só com 31 dimensões será possível explicar todo o
Universo. Por conseguinte, conhecer de fato o que constitui o fenômeno “vida” talvez
tenha de aguardar que se descubram todas essas dimensões.
Neste livro trataremos de não violar a lógica, embora esta seja freqüentemente
violada quando se trata do sistema nervoso, devido a conceitos errôneos comumente
utilizados e transferidos para a linguagem com que ele é descrito. Além disso, o caráter
complexo e não raro eivado de fantasias não científicas de algumas manifestações da
atividade neural, e em especial a consciência, em muito contribui para incorreção do que
se diz correntemente sobre o sistema nervoso. Para atingir esse objetivo trataremos de
manter o máximo de lógica possível na exposição de todos os capítulos.

Os sistemas do organismo animal foram-se tornando filogeneticamente mais


complexos e eficientes ao longo da evolução, devido às múltiplas alças de reaferentação
e reeferentação (conhecidas como feedback ou feedforward, respectivamente) que iam
sendo criadas, anulando erros, reforçando, amplificando, reduzindo ou mesmo anulando o
funcionamento de cada etapa de gênese e integração funcional. Os resultados mais
elevados dessa adição de mais e mais mecanismos controladores de cada etapa da
atividade em cada sistema foi a aquisição de mais estabilidade mas também de mais
versatilidade na intervenção de cada subsistema no sistema geral.
Ao longo da filogênese o sistema nervoso sofreu modificações estruturais e
funcionais muito drásticas porém sua organização manteve-se, apesar de ter sido muito
complicada. Em um molusco, um inseto ou uma ave há sempre uma dilatação dianteira
que programa as funções neurais e as executa por intermédio de neurônios situados
caudalmente, os quais as transmitem para a periferia, de onde partem outras informações,
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que entram no sistema nervoso. Nos celenterados a porção mais rostral é um gânglio
cerebróide (cuja organização é relativamente simples), nos moluscos já há uma estrutura
bem mais complexa e nos peixes, nos répteis, nas aves e nos mamíeros aparece uma
estrutura ainda muitíssimo mais complexa, o encéfalo. Nos mamíferos desenvolve-se, na
região mais frontal uma estrutura altamente avançada, o córtex cerebral. Toda a porção
mais frontal do encéfalo denomina-se telencéfalo, ou cérebro; chamar o encéfalo de
cérebro é, portanto, incorreto.
Admite-se que um sistema pode ser considerado bem conhecido quando se
consegue expressá-lo por meio de equações matemáticas coerentes. A despeito de
múltiplas tentativas realizadas para exprimir as funções neurais por intermédio de
equações, somente algumas funções relativamente simples são atualmente expressas
matematicamente de maneira fidedigna. Exprimir o sistema nervoso inteiro por sistemas
de equações matemáticas é por ora impossível por duas razões fundamentais. Em
primeiro lugar, o que sabemos da organização dos circuitos neurais, constituídos pelas
associações entre os neurônios, é ainda muito incipiente, a despeito do muito que se
conhece. Essa insuficiência não nos permite saber precisamente como funcionam nem
mesmo circuitos neurais bem simples, como se verá ao longo deste livro. Em segundo
lugar, certamente ainda não existem métodos matemáticos com poder suficiente para
descrever formalmente esse que é o mais complexo de todos os sistemas conhecidos na
Terra. Por conseguinte, o problema cuja solução é mais premente é o conhecimento
adequado da hodologia neural. Hodologia é o nome que se dá ao estudo das vias, isto é,
dos circuitos que constituem um sistema, desde as vias por onde trafegam os automóveis
em uma cidade até as vias que interconectam os neurônios no sistema nervoso, passando
pelos circuitos eletrônicos e telefônicos. Por motivos óbvios, não é objetivo deste livro o
estudo da hodologia neural; existem vários textos excelentes destinados a esse tema, que
aconselhamos ao leitor consultar quando necessário. É de se esperar que em futuro muito
remoto os dois magnos problemas acima mencionados sejam resolvidos, resultando na
descrição integral e simples de todas as funções nervosas. Assim, tornar-se-á possível
representar partes e o todo por intermédio de equações matemáticas.
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A fim de se destacar a absoluta relevância da hodologia neural para o


entendimento do funcionamento de todo o sistema nervoso, invocaremos uma analogia
inteiramente pertinente. O esquema gráfico de um aparelho eletrônico exprime
simbolicamente todas as conexões entre os componentes do circuito. Quem consegue
“ler” um circuito eletrônico consegue deduzir suas funções. Até a invenção dos circuitos
integrados era relativamente fácil entender bem um circuito eletrônico. Os circuitos
integrados são atualmente tão intricados que seus componentes, montados em volumes
diminutos, executam funções que na antiga eletrônica, baseada em válvulas,
demandavam metros cúbicos de equipamento. Apenas os engenheiros eletrônicos têm
hoje conhecimento para deduzir as funções produzidas por um circuito integrado e saber
como funciona. No sistema nervoso existe o equivalente aos circuitos integrados: os
microcircuitos (ou circuitos locais), constituídos de neurônios (ditos interneurônios) que
se acoplam segundo associações ainda apenas parcialmente conhecidas. Em algumas
regiões do sistema nervoso os interneurônios constituem mais de 90% dos neurônios, o
que complica sobremaneira a complexidade dos microcircuitos de que participam. No
núcleo caudado, por exemplo, os interneurônios predominam sobre os neurônios de saída,
que levam as informações a outras partes do sistema nervoso central (estudaremos mais
tarde a constituição de alguns microcircuitos simples).
O principal obstáculo ao conhecimento da constituição e do funcionamento dos
microcircuitos é a inexistência de técnicas que permitam registrar concomitantemente os
potenciais elétricos de todos (ou pelo menos da maioria) os interneurônios de um
microcircuito. Conseqüentemente, pouco sabemos de fato sobre como a informação é
nele tratada e mesmo gerada. Atualmente o único método seguro que permite estudar
detalhadamente um microcircuito é a microscopia eletrônica, o que torna inviável
decifrá-los a curto prazo, visto que se não aparecerem técnicas mais poderosas serão
necessários milhares de anos para se chegar a conhecer adequadamente um número
significativo desses circuitos no sistema nervoso dos vertebrados. Tal insuficiência
metodológica é uma das razões da impossibilidade de se chegar presentemente a exprimir
as funções neurais integradas por meio de sistemas de equações.
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A Biologia, como a ciência da vida, constitui-se de apenas duas disciplinas


fundamentais: a que estuda a estrutura (Morfologia) e a que trata das funções
(Fisiologia). A Fisiologia, definida muito acertadamente pelo médico e matemático
francês Jean Fernel em seu livro Universa Medicina, publicado em 1554, é o estudo do
funcionamento dos seres vivos. Albrecht von Haller publicou no fim do século18 um
famoso tratado de Fisiologia, em 8 volumes, sob o nome latino de Elementa
Physiologiae, o primeiro grande texto dessa disciplina da Biologia. Interessante, e muito
adequado, era o outro nome que von Haller dava à Fisiologia, também em latim,
Anatomia Animata, isto é, a Anatomia Animada, ligando de forma muito precisa o
funcionamento à estrutura. Von Gudden, importante neuropsiquiatra e neuranatomista
germânico do século 19, escreveu certa vez, com toda a propriedade: “Erst Anatomie;
aber wenn erst Physiologie, niemals ohne Anatomie”, isto é, “Primeiro sempre a
Anatomia mas se a Fisiologia vem primeiro, nunca sem a Anatomia”, com o que queria
dizer que a estrutura e a função devem estar sempre juntas.
Por tudo isso, neste texto qualquer função em seres vivos será considerada parte
da Fisiologia. Esta, entretanto, subdivide-se didaticamente em várias subdisciplinas, tais
como a Biofísica, a Genética, a Bioquímica, a Farmacologia e a Fisiologia de Sistemas. A
Fisiologia de Sistemas é atualmente a única estudada e definida como Fisiologia nos
livros didáticos e nos cursos, o que não é correto. A Fisiologia de Sistemas constitui-se
da fisiologia renal, da cardiovascular, da respiratória, da digestiva, da endócrina, da
locomotora, da nervosa, da imunológica e da hematológica. A Bioquímica foi definida
em 1868 por Foster, fisiologista britânico, como a Fisiologia Molecular. Se juntarmos a
Morfologia Molecular, que se destina a estudar a constituição molecular das células
vivas, à Fisiologia Molecular (que é Bioquímica) chegaremos à Biologia Molecular,
subdisciplina da Biologia que estuda a estrutura e o funcionamento das moléculas
biológicas e não só as moléculas implicadas na genética, como se vem diferenciando
inadmissivelmente em nossos tempos a Biologia Molecular. O esquema abaixo sumaria
essas divisões da Biologia.
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A Física, evidentemente, é a ciência básica por excelência e trata das


propriedades gerais e fundamentais de matéria e energia; todos os demais ramos da
ciência dela derivam. A Química, derivada direta da Física, trata das propriedades
específicas da matéria e pode ser considerada a Física da última órbita de eléctrons, visto
que é esta que promove a ligação entre átomos e assim constitui as moléculas. Algumas
formas de substâncias químicas constituem a matéria organizada e o maior grau de
organização encontra-se na Biologia. De forma sucinta, pode-se resumir a posição da
Fisiologia dos vertebrados no seguinte esquema de disciplinas científicas:

Física > Química> matéria organizada > Geologia


Cristalografia
Metalurgia
... etc.
Biologia

Anatomia
Morfologia Histologia
Citologia
Estrutura química (Morfologia Molecular)

Biologia
Genética
Biofísica
Fisiologia Bioquímica (Fisiologia Molecular)

cardiovascular
locomotor
hematológico
Fisiologia de sistemas imunológico
renal
respiratório
digestivo
endócrino
nervoso

A Medicina compreende, evidentemente, o mesmo quadro acima esquematizado


porém alterado como patologia (anatomopatologia, histopatologia, citopatologia,
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patologia molecular); o diagnóstico das alterações patológicas e a busca da correção de


tais alterações constituem a clínica e a terapêutica, respectivamente.
O esquema acima apresentado pode ser modificado para adaptar-se a todos os
animais e, com as modificações pertinentes, também aos vegetais e aos outros reinos.

FLUXOGRAMA DE INFORMAÇÃO NO SISTEMA NERVOSO


Como dissemos acima, é impossível por ora conhecer bem a constituição de todos
os circuitos de neurônios que operam no sistema nervoso central. Entre cada dois passos
funcionais no sistema nervoso devem existir incontáveis processos de troca de
informação, a fim de gerar as informações que passarão para os passos subseqüentes, o
que envolve a atividade de um número elevadíssimo de neurônios. Estamos muito longe
de quando será possível identificar integralmente não só os mecanismos implicados mas
também os neurônios que participam da organização de qualquer manifestação da
atividade nervosa. Entretanto, é possível imaginar pelo menos alguns passos necessários
e primários para que tudo isso ocorra, independentemente do número de neurônios e do
número de unidades de informação que fluem entre tais neurônios.
O sistema nervoso existe nos animais invertebrados e vertebrados. Sua
organização, em ambos os filos, baseia-se em circuitos de neurônios, que são as
estruturas que de fato geram as funções neurais. Nos vertebrados a variedade e o número
de neurônios ultrapassam em muito os correspondentes dos invertebrados. Entretanto,
parece que muitos dos circuitos fundamentais são semelhantes em invertebrados e
vertebrados porém, além de haver circuitos mais complexos em vertebrados, o número e
a variedade de associações entre os circuitos nestes últimos são imensamente maiores do
que naqueles. E é certamente nisso que reside o diferente desempenho de uns e de outros
animais.
Os circuitos neurais tornaram-se progressivamente mais numerosos e complexos
ao longo da filogênese, gerando funções cada vez mais versáteis e complexas, o que
atinge o máximo atual em nossa espécie. Entretanto, é também certo que novas e mais
complicadas espécies surgirão nos muitos milhões de anos próximos e ainda mais nas
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próximas centenas de milhões de anos. É absolutamente impossível prever por enquanto


como serão tais seres vivos, já que desconhecemos completamente as leis que regem a
evolução filogenética. Contudo, pode-se imaginar que alguns serão muito mais evoluídos
do que nossa espécie. Neles deverá haver funções que nos são inteiramente imprevisíveis.
Se a evolução houvesse cessado com os chimpanzés esses animais seriam os mais
evoluídos, os mais hábeis, os mais inteligentes da Terra mas seria impossível para eles
imaginar que alguma espécie ulterior pudesse criar o cálculo integral ou a mecânica
quântica ou, ainda, estabelecer a origem genética de tudo o que eles seriam. Os
chimpanzés, os gorilas, os bonobos, os babuínos, os orangutangos e vários outros
primatas muito evoluídos, em que pese sua inteligência e habilidade, não têm capacidade
para deduzir um teorema matemático, escrever um poema, compor uma sinfonia ou
escrever um programa de computação. Esse passo evolutivo aconteceu com nossos
antepassados mais diretos porém foram necessárias centenas de milhares de anos para
que o conhecimento se acumulasse paulatinamente, até que explodisse com o
conhecimento gerado pela civilização grega, da qual deriva tudo o que fazemos e
sabemos em nossos dias. Não se pode prever hoje como serão as espécies que
substituirão a nossa como líderes de nosso planeta, que funções novas terão e como serão
capazes de raciocinar de forma diferente de nós. Se o sistema nervoso central continuar a
crescer como veio crescendo na classe dos mamíferos, sobretudo na ordem dos primatas
(da qual fazemos parte), pode-se até imaginar que os espécimes vindouros mais próximos
de nós talvez tenham bossas cranianas enormes, para acomodar avantajados lobos
frontais e as regiões corticais implicadas na sensibilidade de todos os tipos que por ora
conhecemos; foram os lobos frontais e as áreas corticais sensoriais que mais cresceram
nas espécies de hominóides que precederam a nossa. Além disso, provavelmente o lobo
da ínsula, que cresce continuamente dos roedores para os primatas, será tão proeminente
que duas bossas laterais proeminarão nas regiões laterais da cabeça.
É um exercício interessante, porém talvez inócuo, descobrir que novas funções
neurais surgirão no futuro. Nossos primos chimpanzés não conseguiriam jamais imaginar
nossa criatividade científica ou literária, nós provavelmente tampouco conseguiremos
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prever novas funções neurais superiores às nossas, mas que certamente ocorrerão em
futuro muito distante. Podemos arriscar a previsão de duas qualidades hoje sumamente
raras mas que quiçá se tornarão comuns nas espécies que nos substituirão dentro de dois
ou três milhões de anos. Algumas raríssimas pessoas conseguem realizar mentalmente
cálculos complicados em apenas alguns segundos; outras têm a feliz capacidade de ler
um texto longo uma só vez e memorizá-lo integralmente; um desses indivíduos
conseguia, 80 anos atrás, depois de ler uma folha de jornal, reproduzi-la de trás para
diante. É provável que dentro de um milhão de anos essas funções sejam normais em
20% da população e em 3 ou 4 milhões de anos sejam comuns em 80 ou 90% da
população de espécies, obviamente, outras que não a nossa.

Quando analisamos o sistema nervoso como um sistema conclui-se que, a despeito


de sua imensa complexidade, ele gera apenas duas modalidades de funções finais
efetoras: 1) homeostase e 2) os comportamentos. Essas duas categorias têm sido intensa e
extensamente estudadas ao longo dos séculos, constituindo os resultados de tais estudos a
maior parte do que conhecemos sobre o sistema nervoso. Ambas as funções
compreendem numerosas formas de manifestação da atividade neural e ambas podem ser
seguidas, de forma muito simplificada, no esquema da figura 1. O que se pode estudar
bem por enquanto são seus resultados finais, a homeostase e os comportamentos, e uma
das formas que as iniciam (as funções sensoriais). Todos os demais passos são de uma
complexidade desafiadora e de dificílima abordagem direta, como veremos
paulatinamente no desenrolar do texto; temos acesso a esses passos geralmente de forma
muito indireta mas que geraram imenso conhecimento.
A homeostase consiste na estabilização de funções intrínsecas que estabilizam o
meio interno. Nas últimas décadas descobriram-se oscilações regulares das funções
homeostáticas (ciclos biológicos) porém isso em nada afeta o conceito de estabilidade do
meio interno, visto que elas não são aleatórias, são todas programadas pelo sistema
nervoso, como exporemos mais tarde e, por conseguinte, fazem parte da estabilidade.
Provavelmente tal estabilização iniciou-se quando moléculas biológicas se juntaram e
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foram envolvidas por membranas (membrana celular), cujas propriedades químicas eram
tais que permitiam que o meio celular interno se conservasse com composição próxima
do meio externo em que se originaram, quiçá a água dos mares primitivos. Quando as
células animais se juntaram e constituiram os animais, um meio líqüido circulante foi
criado para levar a cada célula as substâncias necessárias à constância intracelular, sendo
para isso tornados também estáveis. Nos vegetais também existe função equivalente, mas
muito distinto, que promove a migração da seiva em completo sistema vascular interno.
Muito interessante, nesse contexto, é que, quando de um meio de cultura de
amebas (protistas unicelulares) se retiram substâncias necessárias a seu metabolismo, elas
passam a emitir mediadores químicos (entre os quais AMP cíclico) que atraem
progressivamente as células, antes independentes, formando um verdadeiro organismo
pluricelular. As amebas juntam-se, então, constituindo-se camadas externas que captam
substâncias nutritivas do meio e as transferem para as camadas internas, entre as quais
aparece um espaço interno que se assemelha à cavidade celomática dos metazoários
primários e mais tarde o sistema circulatório dos animais mais evoluídos.
A homeostase tem por finalidade regular (regolare em latim significa bitolar,
cingir a uma faixa bem definida) a pressão arterial, a freqüência cardíaca, a freqüência
respiratória, a pressão parcial do oxigênio (pO2) e do dióxido de carbono (pCO2), pH,
glicemia, concentração plasmática de numerosos hormônios, temperatura corpórea etc.
Os mecanismos ativados para se conseguir essa estabilização são custosos e
complicadíssimos, como estudaremos mais tarde.
Os comportamentos são, ao contrário da homeostase, de impossível definição
porque há comportamentos simples e comportamentos muito complicados, com toda a
gama intermediária que se possa imaginar. Quando um cisco entra em um de nossos
olhos imediatamente o fechamos; considerado um simples “reflexo”, esse ato é, na
verdade, um comportamento defensivo reflexo, embora muito simples (as vias implicadas
em sua organização são há tempos bem conhecidas). Quando escrevemos ou lemos um
texto ou prestamos atenção a alguém que nos fala ou fazemos mentalmente um cálculo
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aritmético também estamos emitindo comportamentos porém a organização e a expressão


desses comportamentos são muitíssimo mais complicadas do que o piscar de olhos.
O que há de comum nesses vários tipos de comportamento? Na década de 1940 o
psicólogo americano Skinner, inquieto com a impossibilidade de se definir um
comportamento, criou uma regra (regra, porque tem exceções) que nos dá uma pista
imediata para saber quando se trata de um comportamento. Segundo o conceito de
Skinner, comportamento é o que vemos que um indivíduo está fazendo. Por conseguinte,
sorrir é um comportamento, assim como caminhar, coçar a cabeça, urinar, vomitar, tossir,
urinar, falar, prestar atenção etc. Segundo esse conceito, é o padrão motor de um
comportamento que geralmente o define.
Para nós que somos animais eminentemente visuais, é vendo que em geral
sabemos se outro animal de nossa espécie ou de outra está andando, comendo, cuspindo,
rindo, coçando o nariz, vomitando, piscando, fugindo, copulando, comendo etc. Para um
animal macrosmático (cujo sistema olfativo é predominante) a informação olfativa deve
desempenhar função mais importante do que a visual mas esta é essencial para
diferenciação de certos comportamentos. Mesmo nós podemos saber se um indivíduo está
emitindo o comportamento de andar ou de cantar, ainda que estejamos com os olhos
fechados. Se bem que na maioria das vezes, examinando-se visualmente outro animal é
possível ter uma idéia de que comportamento está sendo produzido por seu sistema
nervoso, às vezes não é possível definir o comportamento em curso. Por exemplo, se
estamos falando com alguém que nos esteja olhando fixamente não sabemos com certeza
se essa pessoa está de fato atenta ou distraída. De acordo com o conceito de Skinner, se a
pessoa com quem falamos nos olha fixamente e permanece imóvel podemos identificar o
comportamento de prestar atenção. Entretanto, ela pode estar-nos olhando firmemente
porém distraída. Pela análise dos componentes motores desse comportamento o
diagnóstico poderá, por conseguinte, induzir-nos a erro. Se, entretanto, medirmos a
freqüência cardíaca da pessoa saberemos imediatamente se ela está prestando atenção ou
está distraída. Se está prestando atenção ocorre aumento da freqüência cardíaca, da
pressão arterial, da freqüência respiratória, do diâmetro pupilar. Se estiver distraída todas
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essas variáveis funcionais estarão diminuídas. Por conseguinte, temos de adicionar aos
componentes motores do comportamento essas mencionadas variáveis, que denominamos
componentes vegetativos. Aparentemente, todos os comportamentos se constituem de
manifestações (ou componentes) motores e manifestações (ou componentes) vegetativos.
Apesar de esse conceito ser correto, geralmente só se dá importância a
componentes vegetativos de comportamentos estilizados ou sistematizados como
“exercício muscular”, agressão e fuga, às vezes muito radicais e extremos. No início do
século 20 Cannon enunciou o conceito de que tais manifestações funcionais caracterizam
fuga ou luta mas é óbvio que esse conceito é incorreto: atualmente elas são claramente
detectadas em animais, humanos ou não, como parte de qualquer comportamento. Fazer
um cálculo aritmético ou imaginar mentalmente uma cena, como exporemos mais tarde,
provoca ajustes vegetativos por vezes bastante intensos. Por conseguinte, os ajustes
vegetativos fazem parte de qualquer comportamento, independentemente da quantidade
de músculos que entram em ação. Enquanto um ajuste vegetativo homeostático tende a
manter uma função dentro de limites bem determinados, os ajustes vegetativos
comportamentais a afasta de tais limites.
Por que são necessários tais ajustes qualquer que seja o comportamento e não só
quando há muita atividade muscular, como ainda se acredita? A razão é simples: os
neurônios consomem 20% de todo o oxigênio inspirado pelos pulmões, o que equivale a
10 vezes mais do que a média do organismo. A razão dessa forte avidez por oxigênio
resulta dos processos de gênese e manutenção do potencial elétrico que existe através da
membrana dos neurônios, da transmissão de potenciais de um neurônio para outro e de
outros processos comuns aos neurônios e a outras células do organismo. Além disso, a
principal fonte de energia para as células nervosas é a glicose. Por outro lado, qualquer
função neural requer sempre a mobilização de milhões ou mesmo bilhões de neurônios,
ainda que seja pensar, atentar para algo ou mesmo sonhar. Por isso, é necessário prover
de muito oxigênio e glicose o sistema nervoso o tempo todo e é o sangue que leva ambos
para o tecido nervoso. Daí a necessidade de o sistema cardiovascular aumentar o fluxo
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sangüíneo para a região ativa em dado instante e o sistema respiratório inspirar mais
oxigênio, que o sistema cardiovascular envia, junto com mais glicose, à região ativa.

Ajustes vegetativos dos comportamentos


Alguns ajustes vegetativos têm de ocorrer quando qualquer comportamento é
emitido e são necessários à manutenção da atividade metabólica dos neurônios e dos
músculos ativos, por isso que os denominamos ajustes vegetativos de suporte. Tais
ajustes são o aumento da pressão arterial, da freqüência cardíaca, do volume sistólico, da
ventilação pulmonar, da glicemia, do diâmetro pupilar, da sudorese palmar e plantar. Por
um processo interessante de aprendizado a freqüência cardíaca pode até diminuir,
aumentando muito o volume sistólico. É fácil entender porque o sistema nervoso altera
esses dois ajustes: se a freqüência cardíaca aumenta muito não há tempo para que os
ventrículos se encham adequadamente de sangue e portanto é impossível aumentar o
fluxo sangüíneo para os neurônios e músculos. Por isso a freqüência cardíaca aumenta
pouco ou até diminui e o aumento do volume sistólico passa a ser a variável principal
desse importantíssimo ajuste vegetativo.
Em certos comportamentos ocorrem, além dos ajustes vegetativos de suporte
outros que denominamos ajustes vegetativos específicos, pois não fazem parte de
qualquer comportamento, apenas de um ou dois. Exemplifiquemos:

Comportamento alimentar:
- movimentação do esôfago, do estômago, intestino, vesícula biliar, colédoco
- secreção salivar, gástrica, entérica, pancreática, biliar
- ajuste de fluxo sangüíneo para prom[over os movimentos viscerais e secreções
digestivas
- aumento do fluxo sangüíneo nas regiões em que se encontram os neurônios
que programam e executam os componentes motores e vegetativos específicos
do comportamento alimentar
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Comportamento sexual:
- dilatação dos corpos cavernosos do pênis e do clitóris
- vasodilatação das mamas
- vasodilatação das paredes vaginais
- secreções das glândulas vaginais (para lubrificar o canal vaginal)
- secreções prostáticas
- secreções da vesícula seminal
- contração da musculatura uretral (ejaculação)
- aumento do fluxo sangüíneo em todos os órgãos envolvidos (músculos e
glândulas) e nas regiões do sistema nervoso que geram e controlam as várias
funções implicadas no comportamento sexual

Comportamento de falar:
- secreção salivar (para lubrificar a mucosa oral, a fim de que esta não seja
lesada pela intensa movimentação da língua)
- aumento do fluxo sangüíneo nas regiões ativadas para gerar e controlar o
comportamento de falar

Comportamento de urinar:
- contração músculo detrusor da bexiga
- inibição do esfíncter externo da bexiga
- contração da musculatura uretral
- aumento de fluxo sangüíneo nas regiões ativadas para gerar e controlar o
comportamento de urinar
O comportamento de urinar é descrito em todos os livros como um “reflexo
parassimpático”, conceito esse inteiramente errado, pois trata-se de um
comportamento completo, com componentes motores e vegetativos de suporte
e específicos.
18

As modalidades comportamenais são muitas, tais como os alertas


(inespecíficos e atentos), a locomoção, os de defesa, os de ataque, o alimentar,
o de beber, o sexual, os excretores (micção, defecação), os de comunicação
(falar, escrever, rir, chorar etc.), o de parir, o maternal, os sociais e muitos
outros. Todos se caracterizam por componentes motores e por componentes
vegetatativos (de suporte e específicos.)

É impossível, por ora, como já foi dito acima, conhecer inteiramente o


fluxo de informação que gera, regula e controla todas as funções neurais. O
seguinte esquema (figura 1), altamente simplificado, permite-nos, contudo, ter
uma noção do conjunto e das principais etapas das várias funções neurais.

M----------- M
V----------- motores
Análise Æ síntese (configuração) Æ IdentificaçãoÆ DecisãoÆ ProgamaçãoÆExecução-> sup.
A----------- vegetativos
SS---------- esp.

As quatro letras à esquerda representam as origens da atividade neural.


SS=sistemas sensoriais. A: comportamentos automáticos. V: comportamentos
voluntários. M=comportamentos gerados por informação memorizada. Somente os
sistemas sensoriais, como origem de ajustes vegetativos homeostáticos e de
comportamentos são bem conhecidos presentemente. Dos sistemas que geram ajustes
vegetativos e comportamentos automáticos são bem conhecidos os que geram a pressão
arterial, a respiração, o sono e poucos outros são razoavelmente bem conhecidos. Os
sistemas que geram comportamentos voluntários são os menos conhecidos, embora já se
saiba muito sobre manifestações de tais comportamentos.
Todos os circuitos neurais que produzem as quatro formas de ajustes vegetativos
homeostáticos e de comportamentos geram potenciais de ação que têm de ser analisados
(etapa de análise). Uma vez analisados eles podem ser combinados, gerando
19

configurações eletrofisiológicas específicas (fase de síntese ou configuração). A


configuração pode ser comparada com outras memorizadas e então o sistema nervoso
pode identificar (fase de identificação) a informação original. Quando se trata de alguma
alteração homeostática a identificação é sempre não-consciente. Quando se trata de um
comportamento (sensorial, mnemônico, automático ou voluntário) a identificação é
consciente.
Vejamos, a seguir, um exemplo de um ajuste homeostático e de um comportamento, que
nesse exemplo também é homeostático mas nos possibilita identificar integralmente um e outro
tipo de função neural. Se ingerirmos alimento muito salgado a pressão osmótica do meio interno
eleva-se e para normalizá-la o sistema nervoso mobiliza vários mecanismos. Sensores situados no
diencéfalo, no intestino, no bulbo olfativo e talvez em algumas veias detectam o aumento da
pressão osmótica e ativam a neuro-hipófise para secretar mais hormônio antidiurético
(vasopressina), o que reduz a eliminação de água pelos rins; além disso, aumenta a eliminação de
sódio pela urina. Com esses ajustes aos poucos a pressão osmótica se normaliza. Esse
mecanismo, que é inconsciente, opera continuamente (e disso nem nos damos conta), constitui
um ajuste homeostático.
Entretanto, se o alimento ingerido contém muito sal o ajuste homeostático torna-se
insuficiente para normalizar a pressão osmótica do meio interno. É necessário reduzir a
quantidade de água presente na urina mas além disso passa a ocorrer redução da salivação e forte
reabsorção de água pela mucosa intestinal. Esses fenômenos todos, juntos, criam uma situação
caracterizada por intensa alteração funcional do organismo e são, em conjunto, identificados pelo
processo consciente, originando a sensação de sede. Como conseqüência, o sistema nervoso
desencadeia um comportamento inteiramente específico, buscar água, seguido de outro, o de
beber. Por conseguinte, se um ajuste homeostático é insuficiente para corrigir um desequilíbrio
homeostático, ocorre um comportamento que o corrige.
Fenômenos equivalentes ocorrem com relação à glicose. Existem sensores (glicoceptores)
que medem continuamente a glicemia no sangue que passa pelo hipotálamo, pelo núcleo do trato
solitário (situado na medula oblonga) e pelo fígado. À medida que a glicose é utilizada pelos
tecidos a glicemia tende a reduzir-se; entretanto, os glicoceptores detectam mínimas reduções da
glicemia e ativam o fígado para produzir glicose, que é lançada no sangue até normalizar-se sua
concentração. Desse modo a glicemia tende a manter-se constante. À medida que o tempo passa o
20

trabalho metabólico do fígado para não deixar a glicemia baixar torna-se cada vez mais intenso.
Em certo instante, sinais (constituídos de metabólitos da glicogenólise e da neoglicogênese e
impulsos nervosos oriundos do fígado) vão ao hipotálamo e informam que o metabolismo
hepático para manter a glicemia já atingiu nível crítico. Enquanto esses mecanismos todos
operam continuamente e são inconscientes, a chegada das informações hepáticas ao hipotálamo
gera sua identificação consciente, a qual se exprime como fome. Esta origina o comportamento de
busca de alimentos e depois o de ingeri-los. Não é a hipoglicemia que causa fome mas o trabalho
metabólico do fígado para não deixar a glicemia baixar.
Como últimos exemplos de fenômenos fisiológicos de alta relevância em Medicina, há
que considerar os ajustes vegetativos que ocorrem durante qualquer comportamento, cujo
desconhecimento pode gerar diagnósticos errados e, conseqüentemente, terapêutica inadequada.
Todos os comportamentos (pensar, prestar atenção, caminhar, falar, ouvir, escrever, correr, urinar,
defecar, copular, brigar, sorri e todos os demais) constituem-se de componentes motores, que são
os que vemos e nos permitem identificar o tipo de comportamento a cada instante, e de
componentes vegetativos, de alta relevância em Fisiologia e em Medicina. Todos os tecidos que
intervêm na atividade comportamental necessitam de mais oxigênio, glicose e ácidos graxos. O
sistema nervoso, que usa 20% de todo o oxigênio inspirado (dez vezes mais que a média de todo o
organismo), consome principalmente glicose. Portanto, a pressão arterial, a respiração, a glicemia
e o fluxo sangüíneo para todos os órgãos mobilizados devem aumentar durante qualquer
comportamento. Esses ajustes vegetativos, que ocorrem em qualquer comportamento,
denominam-se ajustes vegetativos de suporte. Alguns comportamentos necessitam de ajustes
vegetativos específicos além dos de suporte. Por exemplo, o comportamento alimentar precisa de
salivação, secreção gástrica, entérica, pancreática e biliar, além de movimentação do esôfago,
estômago, intestino etc. O comportamento sexual necessita de aumento do fluxo sangüíneo para
os corpos cavernosos do pênis e do clitóris, mamas e parede vaginal, secreção de gonadotrofinas,
contração dos canais deferentes, do útero e uretra.
Vale chamar a atenção para um ajuste vegetativo importantíssimo que, se desconhecido,
pode provocar erro diagnóstico. Qualquer tipo de comportamento necessita de aumento da
pressão arterial e, em geral, da freqüência cardíaca. Quando se tira a pressão de uma pessoa, a
atenção que esse procedimento desperta, além do receio de que a pressão seja elevada e até
mesmo a presença do médico, acompanha-se sempre de aumento da pressão e da freqüência
cardíaca, alterações essas fisiológicas, isto é, normais. Por isso, é necessário acalmar o paciente e
21

medir a pressão no mínimo três vezes, até que se chegue a valor que é próximo do basal de fato, o
que raramente acontece. Há pessoas que não conseguem relaxar do alerta e do medo e sua pressão
é sempre mais alta do que a normal. Quando a pressão é medida várias vezes por dia por
intermédio de um Holter, a insuflação brusca do manguito causa aumento da pressão pelo alerta
assim provocado, o que pode ser ainda mais intenso durante a noite, quando a insuflação do
manguito freqüentemente desperta o paciente. Esse fator deve ser levado em consideração sempre.
Outro exemplo de grande relevância fisiológica e médica é a hiperventilação provocada
por dor intensa e contínua, a qual acaba por provocar alcalose sangüínea; se o médico não souber
que a alcalose é efeito secundário da hiperventilação, fenômeno inteiramente normal, provocado
pelo forte alerta resultante da dor forte e contínua (esta sim, patológica), pode ser induzido a erro
diagnóstico.
Existem numerosos mecanismos automáticos que mantêm as funções homeostáticas
dentro de uma faixa regular. Por exemplo, a pressão arterial é mantida em sua faixa de
normalidade por reflexos originados em sensores (baroceptores) situados principalmente nos seios
carotídeos e na crossa da aorta. Se a pressão tende a baixar (que é a tendência natural) os
baroceptores detectam a hipotensão e enviam as informações pertinentes a vários centros situados
no tronco encefálico, sobretudo na medula oblonga, os quais ativam vias simpáticas, que
promovem vasoconstrição em alguns territórios do organismo e aumentam a freqüência cardíaca
e a força de contração do músculo cardíaco. Se a pressão tende a subir a ativação dos baroceptores
causa fenômenos opostos, com os quais a pressão se normaliza. Se a tensão de O2 diminui ou
aumenta, a ativação ou a desativação, respectivamente, dos quimioceptores sensíveis ao oxigênio,
promovem alterações da respiração, a fim de trazer a pO2 à normalidade. Existem também
sensores sensíveis ao CO2; se este aumenta, os sensores ativam a respiração, a fim de eliminá-lo e
normalizar a pCO2. Esses são todos ajustes homeostáticos. Entretanto, qualquer comportamento
demanda maior afluxo de oxigênio ao sistema nervoso central e aos músculos implicados no
comportamento, o que, por sua vez, requer aumento da pressão arterial. A fim de que isso ocorra é
preciso inibir os reflexos homeostáticos, o que de fato acontece. A glicemia é mantida pelos
sensores à concentração de glicose no sangue. Quando há necessidade de aumentá-la, durante um
comportamento, o sistema que programa o comportamento, por intermédio do sistema simpático,
bloqueia a secreção de insulina pelas células beta do pâncreas e ao mesmo tempo ativa a
glicogenólise e a neoglicogênese hepáticas. Com esses ajustes a glicemia pode subir e prover o
sistema nervoso com a glicose de que ele necessita. A musculatura que executa os componentes
22

motores do comportamento também utiliza glicose porém principalmente ácidos graxos, o que
significa que também deva haver aumento de sua liberação a partir do tecido adiposo. O
comportamento de caminhar, por exemplo, necessita de alto fluxo de oxigênio não só aos
músculos deambulatórios mas também aos centros nervosos implicados no
comportamento. O comportamento sexual, o alimentar, o de urinar, o de defecar, o de
vomitar e todos os outros implicam semelhantes ajustes vegetativos, a fim de poderem ser
gerados e executados.
Há comportamentos com alto componente mental, como prestar atenção, fazer
cálculos, imaginar cenas e até sonhar, que também exibem componentes motores
(imobilização da cabeça e dos olhos, movimentação dos olhos etc.) e necessitam de
ajustes vegetativos, graças aos quais a intensa atividade neural é possível e a pouca
atividade muscular seja viável. Durante a fase do sono em que ocorre a maioria dos
sonhos, o sono paradoxal ou sono dessincronizado, a pressão arterial, a freqüência
cardíaca e a ventilação pulmonar se reduzem significativamente. Entretanto, quando
ocorre um sonho todas essas funções vegetativas aumentam. A pressão arterial, durante
um pesadelo, pode ultrapassar 200 mmHg e acaba por despertar a pessoa.

DIAPOSITIVOS

ORGANIZAÇÃO FUNCIONAL DO SISTEMA NERVOSO


23

Esta aula deverá ser ministrada no início do ano a todos os alunos de pós-
graduação e de iniciação científica que freqüentem o Laboratório de Neurociência.
Além disso, sugiro que eles leiam nosso livro, principalmente o capítulo de
COMPORTAMENTOS.

OFSN.1 (organização funcional do sistema nervoso)


- Reinos biológicos.
A classificação dos seres vivos foi entrevista por Aristóteles há 2.400 anos porém, a
despeito de ter iniciado o estudo sistemático dos animais e vegetais, ele ainda não dispunha de
meios para avançar. Apesar disso, ele sabia distinguir moluscos de crustáceos, mamíferos de aves
(que ele chamava de animais sangüíneos, talvez por serem homeotermos), peixes de répteis e
várias classes de vegetais.
A primeira classificação dos seres vivos foi proposta pelo naturalista sueco Linnaeus, que
os dividiu em animais e vegetais. Linnaeus inventou a nomenclatura binária para denominar os
seres vivos, que utilizamos até hoje, a qual adota o gênero seguido da espécie (exemplos:
Escherichia coli, Coffea arabica, Homo sapiens). É interessante lembrar que Lavoisier, mais ou
menos à mesma época, criou a nomenclatura binária para denominar os compostos químicos, a
qual também é utilizada atualmente (exemplos: cloreto de sódio, trifosfato de adenosina, o ATP,
que não é adenosina trifosfato, denominação errada).
Em fins do século 19 o embriologista Ernst Haeckel criou outra classificação, já mais
refinada: os procariotas (seres unicelulares sem núcleo, bactérias por exemplo) e os eucariotas
(seres uni ou pluricelulares com núcleo, amebas, algas, árvores, mamíferos, por exemplo).
Em 1959, Whitaker propôs uma classificação mais analítica, com 5 reinos:
- Moneras (equivalente aos procariotas de Haeckel, isto é, vírus e bactérias; atualmente
poderíamos incluir aqui os príons)
- Protistas (unicelulares eucariotas, como amebas, giardias, algumas bactérias)
- Fungos (os cogumelos)
- Plantas (os vegetais)
- Animais
Em 1994 Embley, Hirt e Williams propuseram uma classificação muito diferente,
acrescentando aos reinos 3 domínios:

Domínios Reinos
- Bacteria Várias bactérias
- Archea Várias bactérias primitivas, incluindo as que vivem
à beira de vulcões submarinos
- Eucariotas Plantas, fungos e animais (invertebrados e vertebrados)
A maioria dos seres vivos está incluída nos dois primeiros domínios. Os animais
constituem pequena fração dos seres vivos que existem por enquanto. Pode-se imaginar que
dentro de 100 ou 200 milhões de anos possam aparecer na Terra novos reinos e até mesmo
domínios mas é impossível imaginar como serão.

OFSN.2
24

Atualmente o estudo da Biologia é muito fragmentado em numerosíssimas disciplinas, às vezes


absurdas, o que lhes tira a precisão que tudo deve ter em ciência.
É inegável que tudo o que existe no Universo é Física e deve ser encarado como tal, inclusive os
seres vivos, opinião essa já esposada por Leonardo da Vinci há 500 anos. A Química pode ser definida
como a Física da última órbita de eléctrons, já que os átomos se ligam para formar moléculas precisamente
por intermédio da interação dos eléctrons dessa órbita.
Muitos compostos químicos apresentam-se como matéria organizada. As nuvens não são matéria
organizada mas os cristais sim. Sem dúvida, a matéria de organização mais complexa que conhecemos na
Terra são os seres vivos, cujo estudo constitui a Biologia e esta compreende apenas duas grandes
disciplinas: a Morfologia, que estuda a estrutura, e a Fisiologia, que estuda o funcionamento dessa
estrutura. Numerosíssimas divisões artificiais adotadas atualmente mascaram completamente essa
simplicidade.
Este diapositivo classifica claramente todas as divisões da Biologia. Vê-se que essa classificação
lógica inclui a Patologia e, portanto, a Medicina.

OFSN.4
O sistema nervoso, a despeito de ser a mais complexa estrutura que conhecemos, produz apenas
duas classes de funções:
- Homeostase
- Comportamentos

É fácil definir homeostase, que consiste na manutenção da estabilidade intrínseca do organismo


dentro de faixas regulares. Por exemplo, o pH e a pressão osmótica do meio interno, a pressão arterial, a
pO2, a pCO2, a glicemia, concentração plasmática de estrógeno, testosterona, hormônio de crescimento
etc.etc. têm de ser mantidos dentro de uma faixa relativamente estreita, a qual é regulada continuamente
pelo sistema nervoso. Para isso existem miríades de fenômenos que são mobilizados incessantemente.
Esses fenômenos são (felizmente) inconscientes, por isso que não sabemos qual é nossa pressão arterial, o
pH do sangue, a glicemia, a pO2, a pCO2 etc.

Definir comportamentos, entretanto, é muito difícil porque há comportamentos bem simples


(piscar quando entra um cisco num olho, por exemplo) e outros sumamente complexos (falar, correr, ler
etc.). O psicólogo americano Skinner, na década de 1940, atormentado com esse problema, aventou que:
“Comportamento é tudo o que eu vejo que alguém está fazendo”. Se vejo alguém caminhando é porque
esse alguém está emitindo o comportamento de caminhar; se o vejo coçar a cabeça é porque está emitindo
o comportamento de coçar a cabeça, se está vomitando é porque está emitindo o comportamento de
vomitar; etc.
Entretanto, há exceções; se não houvesse, a afirmação de Skinner seria uma definição ou uma lei.
Por conseguinte, ela é uma regra. Vejamos alguns exemplos. Quando ministramos uma aula nem sempre
os alunos que estão com os olhos bem abertos e com a cabeça imóvel, olhando-nos, estão alertas; eles
podem estar distraídos. Uma pessoa deitada em uma cama e com os olhos fechados parece-nos dormir
(segundo a regra de Skinner) porém ela pode estar assim imaginando uma sinfonia ou tentando provar um
teorema matemático. Como distinguir uma situação da outra? Basta registrar a freqüência cardíaca para
saber; em quem está alerta a freqüência cardíaca é elevada; em quem está distraído a freqüência cardíaca é
mais baixa. Na verdade, a pressão arterial também está elevada durante o alerta, assim como a ventilação, o
diâmetro pupilar e a sudorese palmar e plantar. Por conseguinte, um comportamento se caracteriza não só
pelos componentes motores mas também pelos vegetativos. Esse conceito altera radicalmente o conceito
de comportamento, em relação ao que se considera atualmente.

OFSN.5, OFSN.6 e OFSN.7


A Fisiologia do sistema nervoso deve ser sempre estudada tratando-o como um sistema, não como
um mosaico de funções separadas, senão desconexas. É comum considerar comportamentos reflexos como
simples reflexos de controle, o que é grave erro. Piscar quando entra um cisco num olho é um
25

comportamento, não um simples reflexo, similar ao reflexo patelar. Retrair um membro em resposta a um
estímulo doloroso é igualmente tratado como um simples reflexo (reflexo de flexão) mas trata-se,
evidentemente, de um comportamento defensivo. Por outro, lado, a reducão do diâmetro pupilar quando
aumenta a luminosidade ambiente (reflexo pupilar) é de fato um reflexo (homeostático), assim como o
reflexo patelar é um reflexo (motor).

- Neurofisiologia geral: estudo dos fenômenos comuns a todas (ou quase todas) as funções dos
neurônios: potencial de membrana, potencial de ação, transmissão sináptica (elétrica e
química), metabolismo dos neurônios, fatores indutores, constituição dos micro e
macrocircuitos, códigos de informação, plasticidade neurônica etc.
- Sistemas sensoriais: estudo de todos os tipos de sensibilidade (e não somente os clássicos
cinco sentidos), inclusive a sensibilidade da musculatura lisa, dos baroceptores, dos
quimioceptores sensíveis a O2, CO2 e hormônios, sensibilidade da uretra e dos ureteres,
sensibilidade magnética e vestibular etc.
- Sistemas motores: estudo da fisiologia muscular e da ativação dos motoneurônios pelos
vários sistemas programadores de comportamentos. Costuma-se confundir esse estudo com o
dos comportamentos, o que é incorreto, pois induz a erros graves de interpretação funcional.
Um erro comum desse tipo é estudar locomoção em sistemas motores e não em
comportamentos.
- Sistemas vegetativos: costuma-se estudar aqui apenas o simpático e o parassimpático e ainda
com o nome incorreto de sistema nervoso autônomo. Devem-se expor neste capítulo os vários
sistemas que geram as funções vegetativas. Algumas dessas funções são o que podemos
considerar primárias porque implicam mecanismos próprios: o simpático, o parassimpático, o
respiratório, o neuroendócrino (e possivelmente o neuroimunológico); outros implicam
mobilização primária do simpático, do parassimpático e do neuroendócrino, como os sistemas
que geram e regulam a pressão arterial, o sistema digestivo, o sistema renal e o sistema termo-
regulador.
- Comportamentos: os comportamentos constituem a maior parte do que o sistema nervoso
produz. São numerosíssimas as modalidades comportamentais. Esta figura lista algumas.

OFSN.8
Esta figura representa o fluxograma de informação no sistema nervoso; trata-se de uma
representação claramente simplificada e esquemática. Cada uma das etapas nela representada implica,
evidentemente, milhões ou mesmo bilhões de microetapas geradas por microcircuitos (que parecem
implicar mais de 80% de todos os neurônios). Além disso, há muitos microcircuitos que conectam essas
etapas nos dois sentidos, realizando retroaferentação (feedback) e anteroaferentação (feedforward).
O esquema contém 4 origens: SS, sistemas sensoriais; A, sistemas de gênese automática; V,
sistemas de origem voluntária; M, sistemas de origem mnemônica.
Uma vez geradas informações nesses canais de influxo, elas devem ser analisadas (An), visto que
é preciso descodificar os impulsos nelas originados. A freqüência média dos impulsos e a freqüência
instantânea entre cada dois pulsos é que contêm as informações que exprimem o que vai gerar um ajuste
homeostático ou um comportamento. A partir da descodificação das informações originadas nos quatro
canais de influxo, elas devem ser sintetizadas em uma configuração neural (Synth), que exprime
integralmente a informação original. Quando se trata de um ajuste homeostático provavelmente isso é
suficiente para identificar (I) essa informação. Quando se trata de uma informação que deve originar um
comportamento certamente a configuração neural deve ser comparada com informações similares ou
correlatas, armazenadas na memória, para que o comportamento final seja compatível com a experiência
pregressa, o que é necessário para que o padrão comportamental seja coerente com os padrões aprendidos.
Uma vez identificada a informação inicial, geradora do comportamento, é preciso tomar uma
decisão (D). A comparação dos padrões iniciais com os memorizados é fundamental para essa etapa: “em
situação análoga qual foi a melhor solução?”. É isso que preside a programação de um comportamento em
26

função do aprendizado. Tomada a decisão, o sistema nervoso pode programar o comportamento (P) e
gerar os componentes motores (que em geral o definem) e os vegetativos (E).

Imaginemos como um ajuste homeostático e um comportamento se incluem no fluxograma. A


osmolaridade plasmática é mantida dentro de limites muito estreitos (cerca de 300 mOsm) por um
mecanismo homeostático bem eficiente: qualquer elevação ou redução da osmolaridade é detectada por
osmoceptores situados no hipotálamo, na área preóptica, em vasos intestinais, no bulbo olfativo e talvez em
outros territórios do organismo (SS no fluxograma). Os impulsos assim gerados são analisados,
configurados e então podem ser identificados (I) por um processo não consciente, o que significa que não
sabemos conscientemente que a pressão osmótica se alterou. Esse mecanismo atua continuamente.
Digamos, entretanto, que tenhamos ingerido um alimento muito salgado; a elevação da pressão osmótica é
detectada e identificada e o sistema nervoso decide, programa e efetua vários ajustes homostáticos que
tendem a trazer a osmolaridade aos valores normais: sobretudo aumenta a eliminação de sódio e aumenta a
secreção de hormônio antidiurético, a fim de reduzir a reabsorção tubular de água nos rins (e, portanto,
menor eliminação de urina). Com isso a pressão osmótica plasmática tende a voltar ao normal, o que é
detectado pelos osmoceptores e disso resulta a conseqüente redução desses ajustes. Esses mecanismos são
ajustes homeostáticos inconscientes. Imaginemos, porém, que o alimento ingerido era muito salgado. Esses
ajustes serão insuficientes para que a osmolaridade retorne ao normal. Por isso, a intensa ativação dos
osmoceptores causa aumento da reabsorção de água pelos rins mas também pelo intestino, associada a
forte redução da salivação. Esses fenômenos são detectados por receptores específicos e criam uma
situação bem definida, a qual é identificada pelo sistema nervoso pelo processo consciente (I) como sede.
Esta provoca a seguir a emissão de comportamentos destinados a buscar água e a ingeri-la, com todos os
outros comportamentos destinados a, por exemplo, procurar um copo, procurar água etc. Comparar o
resultado da identificação consciente com padrões memorizados é essencial para a programação dos
comportamentos adequados. Se sentimos sede e estamos em casa a memória nos dirá qual é a melhor
solução nessa situação: buscar um copo, ir à geladeira, procurar o vaso com água, despejar no copo e
beber. Se, porém estivermos na rua, nossa memória nos dirá que em situações similares anteriores
buscamos um bar para ingerir água ou um refrigerante. Por conseguinte, o ajuste homeostático insuficiente
acabou por gerar um comportamento bem definido para resolver o problema da hiperosmolaridade.
Um comportamento pode ser desencadeado automaticamente (A), como é o caso do sono: mais
ou menos à mesma hora sentimos sono e mais ou menos à mesma hora despertamos. É óbvio que podemos
aprender a adormecer e a despertar em horas distintas, condicionadas pelo trabalho, pela escola etc.
Respirar, que é uma função vegetativa mas pode ser um comportamento (fazer hiperpnéia ou apnéia
voluntárias, por exemplo) é, como função vegetativa, desencadeada automaticamente.
Os comportamentos podem iniciar-se em informações memorizadas (Mn); talvez, mesmo, a
maioria dos comportamentos tenha origem mnemônica, tal é o peso do que aprendemos desde que
nascemos em pautar nossos comportamentos.
Por fim, muitos comportamentos são gerados voluntariamente (V) mas, sem dúvida, muito
comportamento do que se costuma considerar voluntário é gerado por informações sensoriais (SS) ou
mnemônicas (Mn).

OFSN8A
Este diapositivo mostra, à esquerda, o mesmo módulo da figura 8, e à direita a representação das
funções homeostáticas. Nesse esquema representamos apenas os sistemas vegetativos com mecanismos
fundamentais próprios. É preciso, entretanto, acrescentar aqui aos sistemas vegetativos mediados sobretudo
pelo simpático, pelo parassimpático e pelo sistema neuroendócrino também os sistemas que regulam a
pressão arterial, as funções renais, o sistema digestivo e o sistema termo-regulador.
27

OFSN.9
Esta figura mostra à esquerda o fluxograma fundamental do sistema nervoso e à direita o efluxo
implicado nos comportamentos: como já destacamos, todo comportamento se exprime como componentes
motores e como componentes vegetativos.

OFSN.14
Alguns comportamentos caracterizam-se por um componente emocional. Por exemplo, o medo, o
amor, a saudade,o ódio, a alegria, a tristeza, os quais, todos, dirigem os comportamentos. Imaginemos que
estamos em uma sala de aulas e de repente abre-se a porta e um indivíduo mascarado e com uma
metralhadora na mão nos ameaça. Nós identificamos tudo visualmente mas além disso identificamos uma
situação que, graças ao cinema e à televisão, sabemos ser perigosa. Além de identificarmos visualmente
toda a cena, sentimos medo. A memória contribui para a identificação da cena pelo que conhecemos do
cinema e da televisão e isso gera a emoção medo. Digamos que então o “bandido“ nos diga que não se
trata de um assalto mas de uma cena que está sendo filmada para um anúncio na televisão. Continuamos a
ver toda a cena e a identificá-la como antes porém agora sem medo. A situação é radicalmente diferente: a
primeira causou medo, a segunda não. Como resultado, nosso comportamento será bem diferente no
primeiro e no segundo caso. No primeiro, provavelmente ficaríamos imóveis, com medo de que o bandido
nos matasse. No segundo ou riremos ou ofenderemos o “assaltante” pelo susto que nos deu.
Imaginemos outra situação. Duas pessoas se amam muito e quando se encontram se identificam
via informações visuais mas além disso sentem algo muito específico: amor, carinho. Por isso se abraçam e
se beijam. Se dois anos mais tarde o romance houver terminado, quando eles se encontram identificam-se
visualmente, como antes, porém agora sem a emoção anterior. Por conseguinte, uma emoção é uma forma
de identificação (pelo processo consciente) de uma situação bem específica. E como tal gera um
comportamento também específico. É possível, portanto, interpretar uma emoção como um fenômeno
fisiológico inteiramente singular, que sempre causa um comportamento, também singular.

OFSN.29
Todos os comportamentos se exprimem como componentes motores e componentes vegetativos.
Já mencionamos que os ajustes homeostáticos mantêm o meio interno intrinsecamente estável graças a
mecanismos reflexos muito eficientes. A pressão arterial é basicamente estável sobretudo por causa dos
reflexos dos baroceptores, gerados pelos sensores que medem a pressão (baroceptores carotídeos, aórticos e
esplâncnicos) a cada instante. Quando a pressão tende a baixar, os baroceptores o acusam e enviam as
informações a centros específicos (situados em vários locais do rombencefalo, principalmente sob a
superfície ventral da medula oblonga, isto é, nos núcleos reticulares lateral e ventral, mecanismo esse
descoberto pelo fisiologista brasileiro Pedro G. Guertzenstein), e promovem aumento da freqüência
cardíaca e da força de contração do coração, além de vasoconstrição em algumas regiões do organismo
(por exemplo, a pele). Se a pressão se eleva ocorre o contrário, o que, em conjunto, mantém a pressão
estável.
Entretanto, como também já mencionamos, em todos os comportamentos a pressão eleva-se, a fim
de possibilitar aumento do fluxo sangüíneo no sistema nervoso. Há forte vasodilatação nas regiões
nervosas implicadas na gênese e na programação do comportamento e no resto do organismo envolvida na
sua expressão motora e vegetativa. Se a pressão não subisse o aumento da área com vasodilatação
provocaria baixa da resistência periférica, tornando impossível manter o alto fluxo. Se pensamos ou
prestamos atenção a algo, a pressão sobe em pelo menos 20 mmHg. Se o comportamento é muito intenso
(correr, levantar peso, prestar muita atenção, copular, vomitar ou ter um pesadelo), a pressão eleva-se
muito mais. Como é possível que isso ocorra, a despeito da pronta ação dos reflexos dos baroceptores? A
explicação é que o sistema que programa um comportamento inibe, paralelamente, os ajustes
homeostáticos e por isso a pressão pode elevar-se. A ventilação também aumenta muito e a glicemia e a
freqüência cardíaca se elevam em qualquer comportamento pela mesma razão. Do mesmo modo, o
diâmetro pupilar aumenta (a fim de permitir a visão distante), ainda que haja muita luz no ambiente.
28

Esta figura nos mostra um interessante ajuste puramente homeostático. O traçado superior
corresponde à pressão arterial (medida em mmHg) e o de baixo à respiração de um gato no qual injetamos
endovenosamente 20 µg de adrenalina, a qual provoca vasoconstrição e hipertensão. Note-se o forte
aumento da pressão arerial, como seria de esperar. Entretanto, a respiração se reduziu sensivelmente. O
aumento da pressão provocou aumento da quantidade de sangue que transitava pela aorta e pelas carótidas
e, então, os quimioceptores dos glomos carotídeos e aórticos (que medem a pO2) informam o sistema
nervoso que aumentou a quantidade de oxigênio em circulação. Essa informação (incorreta) causa
reflexamente inibição do centro inspiratório e, por conseguinte, a ventilação diminui. Trata-se, portanto, de
um ajuste puramente homeostático.

OFSN.30
Nesta figura vê-se que, quando se aplica um estímulo doloroso à pele de um dos espaços
interdigitais da pata de um gato (entre as setas inferiores), também ocorre aumento da pressão arterial
porém com aumento da ventilação, não redução. Note-se aumento também da freqüência cardíaca (HR, em
batimentos por minuto). O último traço inferior representa a pressão arterial média, ao passo que o de cima
mostra a pressão pulsátil.
O aumento da pressão arterial, da freqüência cardíaca e da ventilação nesse experimento faz parte
do comportamento de alerta (provocado pela estimulação dolorosa) e do comportamento defensivo de
retração do membro, que sempre ocorre nessa situação.

OFSN.31
Como já dissemos, a pressão arterial só pode subir durante os comportamentos porque há
inibição dos reflexos dos baroceptores. Neste diapositivo mostramos um experimento que demonstra
claramente esse fato. Nesse experimento estiramos em cerca de 0,5 mm a região do seio carotídeo em que
se situam os baroceptores, o que realizamos por intermédio de duas micropinças e um micromanipulador, o
que permite estiramentos de fração de milímetro. No gráfico, a última linha mostra, entre as setas brancas,
o período de estiramento do seio carotídeo (e, por conseguinte, ativação dos baroceptores). Na linha acima
aparece a pressão arterial média, a qual se reduz durante o estiramento. A linha seguinte, acima,
corresponde à pressão pulsátil e a última mostra (acima) às variações da freqüência cardíaca. As pulsações
regulares, nessa linha, são devidas às variações da freqüência cardíaca em função da respiração. Na última
linha vêem-se duas setas negras no meio, que mostram o período em que foi aplicado um estímulo doloroso
em um espaço interdigital de um dos membros posteriores. Note-se que a pressão e a freqüência cardíaca
“escapam” à inibição pelos baroceptores e aumentam, o que significa que houve bloqueio do reflexo dos
baroceptores durante o alerta e a retração do membro causados pelo estímulo doloroso, permitindo que a
pressão e a freqüência cardíaca aumentassem.

OFSN.32
Esta figura mostra a inibição do reflexo de Hering-Breuer (que normalmente limita a inspiração e
desencadeia a expiração) durante alerta provocado por estimulação dolorosa de um espaço interdigital de
uma pata (gato). A: experimentamente pode-se desencadeá-lo inflando os pulmões com ar externo (volume
em ml), o que provoca imediato reflexo de Hering-Breuer, cessando a respiração. Na segunda linha vê-se
o traçado da respiração (inspiração para cima, expiração para baixo), a qual cessa durante a inflação
pulmonar, devido a esse reflexo. Na terceira linha (D) vêem-se potenciais do músculo diafragma, que
cessam durante a inflação dos pulmões (por isso a respiração é interrompida). B: experimento similar mas
entre as setas negras foi aplicado estímulo doloroso em um espaço interdigital de uma pata. Note-se que
esse estímulo inibe o reflexo de Heing-Breuer e a respiração retorna bem elevada. O traçado inferior
mostra alterações da pressão arterial, que não são relevantes para o que queremos demonstrar com este
experimento.
Para que haja aumento da glicemia é necessário também inibir a liberação de insulina, o que de
fato ocorre, sem o que a glicemia não poderia elevar-se.

OFSN.40
29

Durante os comportamentos há dois tipos de ajustes vegetativos: os de suporte, que ocorrem em


todos os comportamentos, e os específicos, que ocorrem em apenas alguns. Neste diapositivo vêem-se os
ajustes vegetativos de suporte. Os hemodinâmicos são: aumento de pressão, de freqúência cardíaca e de
contratilidade cardíaca. Os ventilatórios são o aumento da freqüência e do ar corrente (cujo produto
representa a ventilação, em litros/minuto). Os metabólicos são aumento da liberação glicose e de ácidos
graxos

OFSN.41.
Este diapositivo ilustra alguns ajustes vegetativos específicos do comportamento alimentar.

OFSN.42
Aqui vemos os principais ajustes vegetativos do comportamento sexual. Tais ajustes desse
comportamento são os mais numerosos dentre todos os comportamentos, como se vê. Os ajustes de suporte
(elevação da pressão arterial, da freqüência cardíaca e da ventilação) também são muito intensos nesse
comportamento.

OFSN.43
Este diapositivo ilustra alguns ajustes vegetativos específicos que ocorrem nos comportamentos
de falar e de urinar. Interessante é que urinar é considerado “um reflexo parassimpático” em todos os livros
mas esse é um erro grosseiro, visto que se trata de um comportamento bem característico, que pode ser até
voluntário e ser inibido. Nem toda vez que sentimos premência de urinar nós urinamos, pois aguardamos
condições mais adequadas; ninguém urina na sala de aula, no escritório ou no restaurante... Além disso,
para urinar é preciso assumir uma postura específica, que é diferente no homem e na mulher, devido ao
diferente comprimento da uretra.

OFSN.48b
Trataremos a seguir de dois dos temas mais complexos, misteriosos, discutidos e alvos de
explicações fantasiosas: comportamentos voluntários e consciência. Antes disso vamos rever brevemente o
fluxograma de informação no sistema nervoso.

OFSN.48a
Este diapositivo trata dos comportamentos voluntários. Todas as doutrinas filosóficas e teológicas
consideram a vontade o próprio livre arbítrio e que é a consciência que dita um comportamento voluntário.
Ao que parece, não é assim. O diapositivo mostra, de acordo com nosso fluxograma, que algum sistema
(que nos é inteiramente desconhecido por ora) gera impulsos que vão originar um comportamento
voluntário. Entretanto, de acordo com o fluxograma esses impulsos têm que ser analisados, depois
sintetizados em uma configuração que representa o que foi voluntariamente iniciado e só então, na fase de
identificação consciente, é que sabemos o que queremos fazer. A consciência não vem antes mas depois de
se iniciar o programa. E só após a identificação consciente é que sabemos o que queremos fazer e então se
inicia o processo de geração do comportamento.

OFSN.47
O tema “consciência” é muito antigo, ocupando grande parte da filosofia chinesa, hindu, grega e
moderna, assim como das doutrinas religiosas. Entretanto, essas abordagens são todas muito falhas, porque
confundem consciência com o conceito de alma. Quem acredita na existência da alma não tem dificuldade
em entender consciência com muita convicção. A realidade, porém, é muito distinta do que esse conceito
implica.
Para começar, a definição da consciência é praticamente impossível, porque sempre tautológica,
isto é, o termo definido está incluído na definição. Tentem defini-la e verão que é impossível evitar a
tautologia. É possível, entretanto, estudá-la e deduzir muitas de suas características. Esse problema aflige
também todos quantos pretendem estudar e entender o tempo. Santo Agostinho, o primeiro filósofo do
30

cristianismo, diz em seu livro Confessioni: “Eu sei muito bem o que é o tempo mas quando alguém me
pergunta o que é não sei responder e vejo que não sei”.

Em geral se confunde o processo consciente com ética, grave erro, pois ética é uma convenção
criada e aprendida e que vale aqui e agora; ao longo do tempo, em função de religiões e de costumes
primitivos, a ética tem variado muito. Apesar de seus defeitos talvez a ética nunca tenha sido tão bem
caracterizada como em nossos tempos, a despeito das mútiplas transgressões de ordem política, religiosa,
doutrinária.

A consciência é geralmente confundida com a decisão de fazer algo. Quanto a isso, atente-se para
o que foi dito com relação à figura anterior, quando discutimos brevemente os comportamentos
voluntários.

Um tabu grave é o que afirma que os outros animais não têm consciência. Esse erro primário
origina-se, também, na crença de que a consciência se relaciona com a alma ou é a própria alma. Existem
muitas demonstrações de que outros animais são capazes de identificar informações pelo processo
consciente. Acreditamos que a consciência, como os fenômenos biológicos em geral, ocorram em alguma
dimensão da Física diversa de x, y, z e tempo (lembremos que os físicos admitem a existência de 10 ou 11
dimensões mas alguns acreditam que é impossível descrever completamente o Universo com menos de 32
dimensões).

Quase todos quantos se dedicam a estudar a consciência pretendem solucionar dois problemas que
são por enquanto insolúveis: sua essência e como ele é gerado. Essa tendência tem prejudicado
notavelmente o estudo e a compreensão da consciência porque se tornaram objetivo principal dos que
estudam esse assunto. É claro que temos que continuar investigando esses temas porém temos que nos
concentrar na única característica da consciência que pode ser deduzida com segurança: sua função.
Como já expusemos reiteradamente ao tratar de esquemas anteriores, a função do processo
consciente (como dos não conscientes com a mesma função) é identificar certas informações e com isso
possibilitar que o sistema nervoso emita comportamentos adequados a informações geradoras de
comportamentos das 4 formas que aparecem no nosso fluxograma: sensorial, automática, mnemônica e
voluntária.
É importantíssimo reiterar aqui que a maioria das informações neurais é identificada por
processos não conscientes, apenas pequena fração é identificada pelo processo consciente.

OFSN.48
Das várias modalidades de infomações identificadas pelo processo consciente há que destacar as
seguintes:

1. as proprioceptivas (vestibulares, musculares, articulares, visuais) que nos permitem


saber conscientemente em que posições estão em cada instante todas as partes de
nosso corpo (a cabeça, os braços, as pernas, os dedos etc.)
31

2. as que nos revelam que há necessidade de eliminar dejectos corporais, como fezes
(premência de defecar), urina (premência de urinar), matéria indigesta no estômago
(vômito) etc.
3. premência de comermos (fome)
4. premência de bebermos água (sede)
5. premencia de copular (libido)
6. adjetivação de certas sensações para caracterizá-las (adjetivá-las) de forma mais
completa (as emoções)
7. prospectiva (imaginar o futuro)
8. retrospectiva (imaginar o passado)
9. identificar o pensamento, o raciocínio, as intenções
10. alucinações normais (sonhar desperto com situações agradáveis ou não, sonhar
dormindo etc.)
11. integrar o “eu” (autoconsciência)

OFSN.49
Esta figura reveste-se de relevância extraordinária para tratarmos da consicência e
comportamentos voluntários, além do que se encaixa perfeitamente no fluxograma de informação do
sistema nervoso aqui adotado. Em 1965 dois fisiologistas alemães demonstraram um fato até então
insuspeitado. Eles registravam continuamente o eletrencefalograma de voluntários, os quais eram instruídos
a apertarem um botão apenas se tivessem de vontade de o fazer, não sendo obrigados a fazê-lo. O
eletrencefalograma era promediado eletronicamente para que os potenciais de fundo fossem de bem baixa
voltagem e potenciais regulares, de baixíssima voltagem, aparecessem no registro.
O momento em que os indivíduos apertavam o botão aparece no gráfico como instante 0 (zero).
Note-se que precedendo o momento de apertar o botão em quase 1 segundo ocorre um potencial em áreas
parietais. Imediatamente após apertar-se o botão ocorre um pequeno potencial que é a informação sensorial
da periferia, a qual acusa a estimulação de receptores cutâneos. O potencial que precede o ato de apertar o
botão os autores do experimento chamaram de potencial de prontidão.
Na década de 1980 o fisiologista americano Libet replicou esses experimentos e introduziu uma
alteração, que consistia em colocar diante dos indivíduos uma tela de radar, na qual a varredura é circular.
Ele graduou a borda da tela, de modo que as pessoas pudessem detectar o instante exato em que sentiam
vontade de apertar o botão. É óbvio que poucas pessoas são capazes de realizar esses experimentos de
forma válida. Feitos os experimentos, Libet verificou que os indivíduos identificavam a vontade de apertar
botão cerca de 500 milissegundos antes do momento zero (em que o apertavam). Com isso ainda restava
um potencial durante 350 milissegundos antes da consciência. Isso significa que ocorre muito
processamento neural antes de se ter consciência do que se quer fazer. Analisando-se o fluxograma de
informação no sistema nervoso verifica-se que esse tempo é provavelmente despendido para que as
informações sejam geradas na origem voluntária (V), analisadas (análise), configuradas (síntese),
comparadas com os arquivos de memória e só então identificadas, originando a consciência do que se
quer fazer.

OFSN.49b
Um sonho, uma alucinação patológica ou mesmo um devaneio originam-se na memória e são
identificados pelo processo consciente. Todos sempre originam comportamentos. Quando sonhamos
executamos movimentos imperfeitos (em relação ao conteúdo) mas estreitamente correlacionados com as
cenas sonhadas. As alucinações patológicas (em esquizofrênicos, alcoólatras, pessoas muito idosas)
também originam comportamentos correlatos.
32

OFSN.50a
De toda a atividade neural só nos são diretamente acessíveis a entrada de sinais sensoriais e a
saída homeostática e comportamental. Todas as etapas intermediárias, certamente as mais complexas, são
de quase impossível (por enquanto) acesso direto mas dispomos de muitos métodos que nos possibilitam
abordá-las indiretamente. Por exemplo, quando alguém nos conta preocupações podemos acessar pelo
comportamento de falar algumas características do processamento intermediário de informações; essa é
uma das principais técnicas utilizadas pelos psiquiatras e psicólogos para acessar problemas de
programação ou de processamento de algumas etapas intermediárias.
Uma técnica sumamente poderosa e importante que utilizamos para acessar etapas intermediárias
do processamento de informações é o registro de oscilações de potenciais elétricos do sistema nervoso,
denominados eletroscilogramas, dentre os quais o mais conhecido utilizado é o eletrencefalograma
(potenciais corticais captados por elétrodos situados no couro cabeludo)..
Esta figura nos mostra, em A, o registro de potenciais corticais humanos enquanto o indivíduo se
encontrava desperto porém relaxado, com os olhos fechados. Pf1-F3 corresponde a potenciais entre áreas
corticais frontais do lado esquerdo (prefrontal-frontal), F3-C3 (frontal-precentral), C3-P3, entre precentral
e parietal anterior do esquerdo. P3-O1, entre parietal anterior e occipital. Os potenciais são característicos
desse estado mental e constituem o ritmo alfa, cuja freqüência de oscilaçõoes é de 8 a 12 Hz, com voltagem
de cerca de 50 µV. Quando o indivíduo abre os olhos estes produzem um potencial elétrico (primeira linha)
e o ritmo é substituído por potenciais de alta freqüência (20 e 30 Hz) e baixa voltagem. Esse padrão
denomina-se dessincronização e nos revela e alerta atento, já que nesse experimento ao abrir os olhos a
pessoa presta atenção ao que está vendo. AO: abertura dos olhos. FC: fechamento dos olhos.
Em B vêem-se os eletroscilogramas de uma área frontal esquerda (FE), outra simétrica direita
(FD), giro suprassilviano esquerdo (SSE) e giro suprassilviano direito (SD) de um gato sonolento. Quando
se provoca um estímulo auditivo (a e b) o eletroscilograma torna-se dessinronizado e os olhos se abrem.
Trata-se, portanto, de dois episódios de alerta intenso. Notem-se os movimentos dos olhos quando o animal
foi despertado pelos sons.
Em C: dessincronização frontal do eletroscilograma de um gato durante um estímulo auditivo. No
núcleo amigdalóide o alerta manifesta-se como ondas teta.

OFSN.51
Duas primeiras linhas: dessincronização de alerta e movimento de abertura (EO) e fechamento
(EC) dos olhos de uma pessoa quando se lhe pediu que abrisse e depois fechasse os olhos.
Nas quatro últimas linhas vê-se a dessincronização de alerta de um indivíduo enquanto executava
uma multiplicação. Note-se que quando terminou o cálculo o ritmo alfa retornou.

OFSN.52
Breve dessincronização de alerta provocada por um lampejo luminoso muito breve
(1 milissegundo). Os potenciais superiores são provocados em áreas não visuais, o segundo no córtex
visual. O que importa, nesta figura é a breve dessincronização cortical de alerta, a qual se iniciou após
pouco mais de 150 milissegundos depois do estímulo luminoso e durou cerca de apenas 600 milissegundos.
A latência corresponde ao processamento das informações visuais até sua identificação consciente, a qual
provocou o alerta (veja fluxograma de informação).

OFSN.53
As informações sensoriais que entram no sistema nervoso produzem vários efeitos (homeostáticos
ou comportamentais) mas existem vários mecanismos que controlam o influxo, em parte como
componentes dos mecanismos de atenção. É bem conhecido hoje o fato de que a retina recebe impulsos
oriundos de várias regiões do sistema nervoso central, os quais são fundamentais para a atenção.
É bem conhecido o fato de que quando sentimos prurido em uma área da pele o que fazemos
imediatamente é coçar nessa mesma região. Coçar significa aplicar à área com prurido estímulos muito
33

intensos. Outro fato bem conhecido é que quando uma parte do corpo dói localmente uma forma de
minorar a dor é apertar a região dolorida. A mesma manobra é muito utilizada durante uma cólica.
Esta figura nos mostra um esquema funcional (comporta espinal) proposto pelos ingleses Patrick e
Wall para explicar esses fenômenos. A: conexões semiesquemáticas. B: representação inteiramente
esquemática. Uma fibra fina (F) leva para a medula espinal impulsos que resultam em sensação dolorosa;
de fato, as fibras que levam impulsos de dor e temperatura para o sistema nervoso central são do tipo A-
delta (mielínicas) e do tipo C (amielínicas). Os impulsos na fibra fina tendem a inibir os intereurônios
(células SG) da substância gelatinosa, que inibe a fibra grossa e a fibra fina. Quando, em uma fibra grossa
(A-beta) ocorrem impulsos (esfregar a pele para inibir o prurido ou apertá-la para diminuir a dor) de alta
freqüência que a ativam a célula da substância gelatinosa, esta inibe os impulsos na fibra fina. Esse
mecanismo de comporta explica a inibição do prurido e da dor por estimulação cutânea intensa.
Já se detectou no tálamo uma comporta como essa para regular informações dolorosas e visuais.

OFSN.54
O alerta pode ser quantificado de diversas maneiras. Eletrofisiologicamente quantifica-se sua
intensidade medindo-se a freqüência dos potenciais, sua voltagem ou ambas. Esta figura nos mostra que
quando um estímulo sensorial é mais complexo do que outro ocorre alerta mais intenso. Olhando-se as
duas aves da extrema esquerda o alerta é imediatamente intenso, como está representado com o histograma
de baixo. Quando, porém, as aves são estranhas, à direita, o alerta é muitíssimo mais poderoso, pois as
figuras são estranhas e requerem muita atenção para saber do que se trata. Todas as outras figuras
subseqüentes mostram a mesma coisa: as mais simples provocam alerta menos intenso do que as mais
complexas.

OFSN.64
Esta figura ilustra um tipo de aprendizado muito interessante e importantíssimo: a habituação, que
é a redução de uma informação sensorial quando o estímulo se repete monotonamente, devido a um tipo
bem elementar de aprendizado, que se demonstra até em animais inferiores da escala filogenética. Aqui
vemos um potencial (magnético) que ocorre em uma área relacionada com a audição quando se aplica um
estímulo auditivo. Após repetição do som, sempre igual, por várias vezes o potencial se reduz (em azul)
devido à monotonia (habituação) mas alterando-se o tipo (freqüência) do sinal auditivo o potencial volta a
ser elevado (vermelho) porque mudou a informação e esta, novidade, tem que ser bem analisada.

OFSN.65
Esta figura também mostra um fenômeno sumamente interessante e relevante. Aplicando-se um
breve estímulo visual (ou auditivo ou de outra modalidade) registra-se um potencial evocado de alto
potencial no córtex visual mas ocorre também outro, de muito baixa voltagem (apenas alguns microvolts)
em regiões do córtex cerebral fora da área visual (frontal, parietal), como aparece na figura de baixo. Se
entretanto, se avisar o indivíduo que após o lampejo luminoso ele ouvirá um estalido sonoro (linha de
cima), verifica-se que entre os dois potenciais evocados ocorre um potencial (negativo) muito evidente, o
qual se denomina potencial de expectativa (ou variação contingente negativa), o qual de fato exprime a
expectativa do segundo estímulo.

OFSN.66
Nesta figura vemos potenciais de expectativa de três pacientes com intensa ansiedade. Vê-se que
depois do primeiro estímulo sensorial ocorre alto e duradouro potencial de expectativa, o qual exprime bem
o fato de que o ansioso é uma pessoa que está sempre esperando... Esta figura é bem uma amostra de que a
eletrofisiologia nos permite, ainda que indiretamente, acessar e estudar passos intermediários do
fluxograma de informação no sistema nervoso.
34

OFSN.68
Aqui vemos outro exemplo de como o sistema nervoso central atua sobre informações sensoriais.
Na figura superior vê-se um gato, sonolento, à esquerda, e à direita os potenciais provocados por um
estímulo elétrico aplicado ao antebraço ipsolateral nas fibras ascendentes que nascem nos neurônios do
corno posterior, primeira estação sináptica nas vias somestésicas espinais. Na figura do meio vê-se que o
gato está atento a um camundongo colocado em um frasco à sua frente. Ao mesmo tempo, há inibição total
dos potenciais aferentes. Na terceira figura, inferior, vê-se o retorno dos potenciais quando se retirou o
camundongo da frente do gato. Esse experimento ilustra o fato de que se prestamos atenção com um canal
sensorial, neste acaso o visual e o olfativo, os outros podem ser fortemente inibidos, para que se possa
prestar atenção bem restrita ao novo estímulo. De fato, se estamos fazendo algo com muita atenção visual
nem prestamos atenção a algum ferimento que o que estamos fazendo possa ter provocado.

OFSN.69
Esta figura nos mostra outro fenômeno importantíssimo. Algumas pessoas queixam-se de
anestesia de regiões amplas, frequentemente de um braço, sem relação com distribuição de nervos ou
raizes. É relativamente comum cegueira histérica devido a alguma emoção muito intensa. Os exames
pertinentes mostram que não há nenhuma lesão ocular mas o estudo eletrofisiológico pode mostar
interrupção do fluxo de informação entre os olhos e o córtex visual. Nesses casos impõe-se tratamento
psiquiátrico.
Nesta figura mostramos, à esquerda, o eletroscilograma da região cortical de um lado do cérebro,
da região do córtex somestésico. Abaixo, verifica-se que a aplicação um estímulo ao antebraço
contralateral provoca um potencial evocado cortical. Na segunda coluna de figuras vê-se, em cima, o
eletroscilograma normal, de repouso, do outro lado do córtex. Em baixo, ausência de potencial evocado
quando se aplicou um estímulo elétrico ao antebraço histericamente anestesiado. É claro que as
informações da pele não estão chegando ao córtex somestésico contralateral. À direita vê-se que o
potencial evocado aparece quando se injeta o anestésico Kemital no paciente. Isso ocorre porque o
anestésica bloqueou o processo anômalo que estava impedindo que os impulsos somestésicos chegassem
ao córtex.

OFSN.70
Outra maneira de liberar o fluxo de informações de impulsos no paciente com anestesia histérica é
aplicar na pele uma substância muito dolorosa, como histamina ou álcool. Isso confirma o diagnóstico
correto da anestesia histérica.

OFSN.76
Esta figura é extraordinariamente importante. Em 1972 Bertrand e colaboradores mostraram que a
estimulação elétrica de pontos do estrato cinzento periaquedutal, no mesencéfalo, e de outras regiões mais
caudais relacionadas hodologicamente com essa parte do mesencéfalo, produzia bloqueio da retração de
um membro submetido a estimulação dolorosa. Os pontos cuja ativação provoca esse efeito aparecem
demarcados nesta figura.
Não se sabia nada sobre a função dessa intensa inibição. Hoje porém, sabe-se que esses pontos se
relacionam com uma via nervosa ativada por acupuntura, conhecendo-se bem outras vias que fazem parte,
com essas da figura, de um complexo sistema neural implicado nessa técnica terapêutica.
Graças ao trabalho pioneiro de uma fisiologista argentina que era professora de
Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, dra. Maria C. Lico, descobriu-se que a acupuntura
vincula-se à liberação de endorfinas e serotonina em algumas vias centrais. Por isso a acupuntura é muito
eficiente para tratar algumas dores e processos inflamatórios.
É interessante ventilar aqui o significado funcional dessas vias envolvidas nos efeitos da
acupuntura. É evidente que a Natureza não as inventou só para se fazer acupuntura. Podemos raciociniar
da seguinte maneira. Quando ficamos em pé um peso enorme, de dezenas de quilos, exerce sua força nas
superfícies ósseas dos pés. Quando levantamos uma mala de 30 quilos com uma das mãos a tensão
35

exercida sobre as superfícies articulares e ligamentos dos dedos é tremenda. Por que não sentimos
tremenda dor nessas articulações? Provavelmente porque quando um sistema central progama um
comportamento já programa ativação de vias endorfinérgicas que bloqueiam a dor nas partes do corpo
mobilizadas.
Dois fatos parecem confirmar essa hipótese. O primeiro é que os individuos que fazem
musculação liberam grandes quantidades de endorfinas, a ponto de se tornarem dependentes da
musculação. O segundo é que a administração de antagonistas de endorfinas torna muito doloroso
caminhar e ainda mais correr, mesmo tratando-se de atletas experientes.

OFSN.81
Agora apresentaremos exemplos muito claros de ajustes vegetativos que fazem parte dos
comportamentos, sejam de suporte, sejam específicos.
Esta figura é clássica e foi publicada por cardiologistas ingleses na década de 1960. Ela mostra
pela primeira vez a pressão arterial, medida cada 5 minutos, ao longo de 24 horas. Hoje é possível realizar
tal registro ao longo de 24 horas ou de vários dias, se necessário, por intermédio de um sistema (Holter)
que automaticamente insufla ar no manguito e registra em fita ou em microcircuito eletrônico os valores da
pessão.
Notem-se as variações reiteradas da pressão arterial, que só é constante durante uma das fases do
sono ou durante anestesia geral. Note-se pequena hipotensão após o horário de almoço, quando ocorre
sonolência. Às 16:oo horas foi feito um estímulo doloroso no voluntário, o qual provocou um pico de
hipertensão, tal como se obtém com estimulação dolorosa de cães, gatos e outras espécies. Às 24:oo horas
o voluntário copulou, o que se evidencia por forte aumento da pressão. Em seguida ele adormeceu e a
pressão reduziu-se fortemente, o que acontece em outras espécies também.
Muito relevante é que logo após o despertar a pressão elevou-se muito, certamente por causa do
súbito contacto com a realidade do estado de alerta. Medir a pressão nesse período sem saber disso pode
levar ao diagnóstico errado de hipertensão.

OFSN.82
Neste diapositivo vê-se o que acontece com a pressão arterial de 10 indivíduos submetidos a um
teste em que tinham de resolver um problema. A pressão subiu mais de 20 mmHg assim que se apresentou
o problema (graças ao alerta com atenção, evidentemente). À medida que o problema ia sendo resolvido a
pressão baixava rapidamente quando o problema era de fácil solução (circulos claros). Quando a solução
era difícil (triângulos) os indivíduos continuavem tentando soluções e a pressão baixava pouco. Se o teste
não tinha solução a pressão baixava mas não muito, talvez porque os indivíduos tentassem a solução,
depois desisitiam, depois retornavam.

OFSN.82a
Esta figura complementa a anterior, pois mostra o que aconteceu com a freqüência cardíaca (em
batimentos por minuto) enquanto os indivíduos resolviam o teste. A evolução da freqüência cardíaca foi
muito semelhante à da pressão arterial.

OFSN.82b
Aqui vemos a evolução da pressão arterial, do fluxo sangüíneo em uma das mãos, da freqüência
cardíaca e do fluxo sangüíneo no antebraço durante a execução (mentalmente) de uma operação aritmética.
Todas essas alterações funcionais são manifestações de alerta. A pressão e a freqüência cardíaca elevaram-
se. Para a pressão subir é necessário que haja vasoconstrição na pele mas há vasodilatação muscular. Uma
vez que na mão há mais pele do que músculos, nela ocorre vasoconstrição e diminuição do fluxo. No
antebraço há mais músculo do que pele e por isso há vasodilatação.

OFSN.83
36

Vemos neste diapositivo o imenso efeito do alerta produzido em uma pessoa à qual se sugeriu que
estavam tirando muito sangue de uma sua veia (que estava canulada). A pressão e a freqüência cardíaca
elevaram-se e o fluxo no antebraço aumentou intensamante, por causa do forte alerta.

OFSN.84
Quando há alerta a pressão arterial e a freqüência cardíaca elevam-se, a respiração também, as
pupilas dilatam-se e a sudorese palmar e plantar aumentam. O objetivo dessa hipersudorese é incrementar a
capacidade de atrito das mãos e dos pés, para segurar melhor e, se o indivíduo estiver descalço, para os pés
se agarrarem melhor ao solo. Como o suor contém muitos eletrólitos, a condutância elétrica da pele
aumenta muito no alerta. Esse fenômeno é a base do detector de mentiras mas, uma vez que qualquer
alerta dá prova positiva os resultados desse aparelho não são aceitos em juizo em nenhum lugar do mundo.
Ao contrário, se o alerta se reduz muito, como durante o sono, a condutância baixa muito, o que quer dizer
que a resistência elétrica da pele palmar e plantar sobe. Esta figura ilustra o imenso incremento da
resistência cutânea palmar de uma pessoa que está em meditação para se alienar, confirmando a forte
redução do alerta.

OFSN.86
Esta figura nos mostra a variação da freqüência cardíaca quando 10 homens jovens saudáveis
levantavam um peso de 15 kg (quadrados) ou quando imaginavam que estavam elevando os 15 kg. Na
figura inferior vê-se o mesmo tipo de experimento mas com um peso de 19 kg ou quando os indivíduos
imaginavam que os estavam levantando. Note-se que as curvas são muito semelhantes. A atividade mental,
portanto, produz um alerta tão intenso quanto levantar os pesos.

OFSN.87
Este gráfico nos mostra aumento da freqüência respiratória nas mesmas condições da figura
anterior: tanto levantando 15 ou 19 kg como imaginando que eles estão sendo levantados produzem efeitos
muito semelhantes.

OFSN.88
Aqui vemos, em baixo, movimentos respiratórios oscilantes (traçado inferior) e integrados
(traçado acima desse). Quando o indivíduo respirava em repouso a freqüência cardíaca era baixa mas
quando se lhe pedia que imaginasse algo, a freqüência respiratória aumentava claramente.
Todos acreditam que a respiração e a pressão só aumentam quando há muita mobilização
muscular, o que é um terrível engano. Qualquer ativação de circuitos neurônicos requer muita energia, o
que precisa de muito oxigênio. O sistema nervoso consome 20% do oxigênio inspirado, isto é, 10 vezes
mais do que a média do organismo. Por isso é que qualquer atividade nervosa (inclusive mental) requer
aumento do fluxo sangüíneo no sistema nervoso, aumento da pressão arterial para manter esse maior fluxo
e aumento da ventilação pulmonar.

OFSN.89
Esta figura nos mostra como varia a freqüência cardíaca (histograma da direita) de artistas
profissionais instruído para representarem várias situações emocionais A freqüência cardíaca eleva-se em
todas as situações, porém quando eles representavam nojo a freqüência cardíaca baixava. Interessante é que
mostrando-se a uma pessoa figuras de cenas repugnantes o diâmetro pupilar também se reduz (talvez para
evitar o estímulo repugnante), ao passo que aumenta com qualquer outro tipo de figura

OFSN.96
Esta figura é muito interessante. As pessoas podem ser divididas em dois grupos quanto à
reatividade da freqüência cardíaca em função de situações emocionais: em um grupo a freqüência cardíaca
eleva-se muito, ao passo que em outro a taquicardia é menor. Aparentemente, os indivíduos do primeiro
grupo são mais suscetíveis a ter infartos do miocárdio do que os do segundo. Esta figura nos mostra que
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macacos de uma tribo também se dividiram em dois grupos: um, com muitos atritos com seus colegas do
que o outro. O que chama a atenção nesta figura é que a freqüência cardíaca aumenta mais nos que têm
mais atritos do que no grupo que tem menos atritos.

OFSN.102
Este diapositivo nos mostra os ajustes vegetativos de suporte do alerta e do comportamento
defensivo de retração de um membro (gato) submetido a estimulação dolorosa de um espaço interdigital. A
pupila se dilata, a membrana nictitante se retrai (sem o que de nada adiantaria dilatar a pupila), a respiração
se intensifica fortemente e a pressão arterial sobe. Vê-se entre as setas o período de estimulação. Figura de
baixo: desssincronização do eletrocorticograma fontal do gato durante a estimulação dolorosa.

OFSN.103
Na parte superior o que se vê é similar ao que consta do diapositivo anterior. Em baixo: gato
submetido a transecção espinal em T1. Durante a estimulação dolorosa de um espaço interdigital (veja
figura acima) ocorre retração do membro correspondente e aumento da pressão arterial. A retração é bem
vigorosa, como se vê na escala de força no eixo das ordenadas. Por conseguinte, a medula espinal isolada
do encéfalo não só produz a retração do membro (componente motor) como aumento da pressão arterial
(componente vegetativo), isto é, um comportamento defensivo completo.

OFSN.104
Gráfico superior: aumento da pressão arterial durante a estimulação dolorosa de um espaço
interdigital de um gato submetido a curarização. Note-se que não há contração muscular (linha inferior)
quando se paralisa a transmissão neuromuscular mas a pressão se eleva, o que evidencia que não é, como
muitos ainda pensam, a contração muscular que eleva a pressão. Respiração artificial. Gráfico inferior:
aumento da pressão arterial e retração do membro (última linha) como resposta comportamental, à
estimulação dolorosa de um espaço interdigital.

OFSN.105
Em cima: igual aos anteriores. Em baixo: estimulação dolorosa de um espaço interdigital, aumento
da pressão arterial e da freqüência cardiaca. Última linha: aumento do fluxo sangüíneo no córtex frontal
concomitante.

OFSN.106
Estimulação dolorosa de um espaço interdigital, gato. Aumento do fluxo sangüíneo em 10
diferentes áreas corticais, identificadas na figura de baixo. Note-se que o fluxo aumenta bem mais nas áreas
frontais do que nas demais, como ocorre em humanos.

OFSN.107
Estimulação dolorosa de um espaço interdigital (gato). Aumento da pressão arterial e incremento
do fluxo sangüíneo nas áreas corticais somestésica, auditiva e visual. Note-se que o aumento de fluxo é
mais elevado no córtex frontal, como ocorre com humanos. Esse aumento do fluxo sangüíneo cortical faz
parte do alerta provocado pela estimulação dolorosa.

OFSN.108
Estimulação elétrica do núcleo cuneiforme da formação reticular do mesencéfalo, implicado nos
mecanismos de alerta.
A estimulação desse núcleo (demarcada na última linha) causa aumento da pressão arterial, da
freqüência cardíaca e do fluxo sangüíneo no córtex frontal. Se houvéssemos registrado o eletroscilograma
cortical apareceria dessincronização. Muito interessante é o fato de que no momento em que cessa a
estimulação a freqüência cardíaca reduz-se abruptamente. Isso ocorre porque durante a estimulação elétrica
do núcleo cuneiforme ocorreu inibição do reflexo dos baroceptores, graças ao que a pressão e a freqüência
cardíaca aumentaram. Cessando abruptamente a estimulação a pressão ainda um pouco elevada (porque
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tarda mais a retornar ao normal por causa da imensa área vascular periférica a ser desmobilizada),
desencadeou o reflexo dos baroceptores e a freqüência cardíaca reduziu-se bruscamente a um valor muito
abaixo do de repouso.

OFSN.110
Efeito da estimulação elétrica do núcleo parafascicular do tálamo (que participa dos mecanismos
de atenção) na pressão arterial e no fluxo sangüíneo cortical. Admite-se que um estímulo alertante
provoque antes um alerta inespecífico e em seguida (alugmas centenas de milissegundos depois) um alerta
específico (atenção).

OFSN.111
Aumento localizado do fluxo sangüíneo cortical em áreas sensoriais por estimulação elétrica de
núcleos específicos. Note-se que nem a pressão arterial nem a freqüência cardíaca se modificaram em
conseqüência da estimulação. Isso significa que não houve alerta. Entretanto, houve aumento localizado,
em zona muito restrita, do fluxo cortical, provocada evidentemente pela ativação dos neurônios corticais da
via sensorial específica. Para haver alerta as informações deveriam ativar as vias sensoriais que entram na
formação reticular mesencefálica ou nos núcleos intralaminares do tálamo, o que a essa altura já não mais
pode ocorrer .

OFSN.113
Esta figura mostra gráficos complexos mas nos ateremos apenas aos da coluna central. Um gato,
em uma gaiola, foi submetido a estimulação de uma região do mesencéfalo que provoca alerta intenso e o
animal tentou, por isso, atacar outro gato, ao seu lado (em outra gaiola). Neste último haviam sido
implantados vários transdutores, que permitiram seguir os ajustes vegetativos hemodinâmicos quando esse
gato é atemorizado pelo outro. Por conseguinte, esse animal está ameaçado e amedrontado. Além de
intensa dilatação pupilar e contração da membrana nictitante (não mostradas neste gráfico), a freqüência
cardíaca aumentou fortemente (gráfico superior) e o débito cardíaco idem. A pressão arterial alterou-se
pouco devido à intensa vasodilatação em territórios do sistema nervoso central e muscular. Entretanto, ela
só não aumenta por causa da intensa vasodilatação.

OFSN.114
Mesmo experimento da figura anterior. Vê-se que a condutância vascular periférica aumentou
muito, devido à intensa vasodilatação em numerosos territórios. A condutância ilíaca aumentou bastante
(para fornecer mais sangue aos membros posteriores, fundamentais para o animal saltar sobre o outro se ele
efetuasse o ataque). Por outro lado, a condutância na área esplâncnica é drasticamente reduzida, devido a
intensa vasoconstrição, que retira sangue dessa região para mandá-lo ao sistema nervoso e aos membros.

OFNS.115
Esta figura nos mostra movimentação da cabeça (H), rostro e vibrissas (R) e dos olhos (E) de um
rato desperto. O membro anterior (MA) não se move porém o posterior sim, o que indica que o animal está
explorando a gaiola virando-se de um lado para outro. Nas linhas abaixo vê-se o eletroscilograma do córtex
prefrontal e de duas regiões do hipocampo e nas duas últimas linhas a freqüência cardíaca e a freqüência
das ondas teta hipocampais. Note-se a estreita correlação entre ambas. A freqüência das ondas teta
aumentou precisamente quando o rato passou a mover-se mais intensamente (como mostram os graficos
dos movimentos da cabeça, rostro e vibrissas e olhos); a freqüência cardíaca idem.

OFSN.123
Estimulação elétrica da região do hipotálamo lateral do gato em que se situa o centro da
alimentação (ou da fome), do que resultam aumento da pressão arterial (ajuste vegetativo de suporte, linha
inferior) e contração da musculatura do estômago, avaliada pela pressão intragástrica (ajuste vegetativo
específico, linha superior).
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OFSN.126
Ajuste específico do comportamento de espirrar em resposta à estimulação da mucosa nasal:
contração da musculatura lisa dos bronquíolos, a fim de ajudar a lançar o ar para o exterior (a velocidades
inicialmente supersônicas). No gráfico inferior, redução da intensidade do comportamento de espirrar por
meio de uma droga.

OFSN.127
Comportamento de urinar: componente motor. Figura superior esquerda: postura assumida por um
cão macho adulto normal. O animal levanta uma das pernas para poder atingir ampla área com a urina, a
fim de demarcar território. Figura superior direita: fêmea adulta normal. Como na espécie humana, muitos
animais assumem posturas distintas para urinar porque a uretra feminina é curta e a urina certamente
escorreria pelas coxas e, como ela contém uréia e esta fermenta, origina-se amoníaco; este facilita
infecções, como se observa em crianças com pouca higiene e também em pessoas com paralisia dos
membros inferiores ocorre o mesmo problema. Figura inferior esquerda: postura para micção de um cão
muito jovem e normal. Note-se que a postura se assemelha muito mais à da fêmea adulta. À esquerda, cão
macho adulto que foi castrado após o nascimento. A testosterona atua no sistema nervoso central e é
essencial para que os mecanismos que programam o comportamento de urinar se diferenciem no macho.
Essas figuras foram geradas por dois grandes endocrinologistas brasileiros: Thales Martins e José Ribeiro
do Valle, que no Instituto Butantã foram pioneiros na criação da Neurendocrinologia.

OFSN.107
Esta figura mostra componentes vegetativos em homens e mulheres que assistiram a filmes de
conteúdo erótico. No gráfico superior vê-se a concentração de hormônio luteotrófico (LH) no sangue de 10
homens. De início os indivíduos eram instruídos a ficar quietos na sala de projeção; nesse período a
concentração do hormônio diminuiu. Em seguida, o filme erótico foi projetado e então ela aumentou
intensamente (linha superior). Quando cessou a projeção o hormônio reduziu-se um pouco mas logo após
os indivíduos relembravam as cenas e fantasiavam mentalmente; por isso, a concentração do hormônio
aumentou de novo. A linha descendente corresponde à concentração do hormônio luteotrófico quando foi
apresentado um filme que mostrava uma floresta do norte do Canadá.
No gráfico superior o experimento foi ainda mais elaborado. Dez mulheres também assistiram a
um filme erótico e mediram-se a pressão arterial, a freqüência cardíaca, a condutância palmar (os três
ajustes vegetativos de suporte) e o fluxo sangüíneo vaginal (ajuste vegetativo específico). Note-se que
antes do filme, todas em repouso, todos os ajustes se reduziram. Durante a exposição ao filme erótico
todos se elevaram.
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