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Curso de Redação Criativa

Elaboração: Professor Gilson Rampazzo

Poesia
Poesia ► Sentimento que emana das coisas: “uma noite de luar tem poesia”, “uma flor tem poesia”. Não
somente nas coisas belas, mas em tudo se pode encontrar poesia;

Poesia► Conjunto de obras poéticas de um determinado poeta. Exemplo: a poesia de Mário de Andrade quan-
do se refere à obra poética de Mário de Andrade;

Poesia► Sentimento peculiar que o poema desse poeta desperta no interlocutor; conjunto de obras poéticas
de uma determinada época ou região ou de um determinado país. Exemplo: a poesia romântica (época do
romantismo), a poesia modernista paulista, etc.

Poesia► Aquele que distingue a escrita em verso, poesia e prosa.

Poema► Não há uma definição clara.

Poema► Definição do Gilson Rampazzo: “Poema é uma forma de redação que usa a palavra na sua totalidade”.
(É uma definição mentirosa, segundo o próprio autor, por ser a palavra na sua totalidade algo muito vago).

O que seria a palavra na sua totalidade?

Definição lingüística:

Significante ► peculiar de cada língua, o som.

Palavra
Significado ► a parte material da palavra, universal.

No poema, o poeta se preocupa com ambos os aspectos:

Significante: rima, métrica, aliteração, trocadilho, paranomásia (palavras parecidas), tonicidade, assonância
(repetição de um som vocálico somente na sílaba tônica).

Exemplo:

• Pedro pedreiro penseiro ► 7 sílabas tônicas, tonicidade dada pelas palavras paroxítonas;
• Esperando o trem ► 5 sílabas tônicas, analogia em penseiro, pode ser alguém que pensa ou que está penso;
• Manhã, parece, carece ► 7 sílabas tônicas, recursos onomatopéicos: que já vem, que já vem...
• De esperar também ► 5 sílabas tônicas, trocadilho em pedra.
Porque fazer rima?

A característica do poema e que faz parte de qualquer definição séria refere-se ao ritmo (marca distintiva do
poema). Todo texto tem ritmo, mas no poema é uma marca característica.

Rima é repetição; métrica é repetição; todos, com exceção do neologismo, são técnicas de repetição. Tem
que haver ritmo, ou um ritmo quebrado que talvez faça parte do ritmo e tenha uma função. Caso contrário,
não é poema.

O que é ritmo?

Há o ritmo relacionado à natureza, pois encontramos o ritmo já lá no útero materno. Talvez por isso não haja
quem não goste de música. Talvez por isso sintamos necessidade de nos harmonizar com a própria natureza.
Não há povo que não cante e não dance, somente aqueles muito primitivos.

Não é por acaso que o poema é o primeiro tipo de literatura que aparece em quase todas as literaturas. Por
isso, qualquer pessoa pode fazer poemas, pois já possui o ritmo. Agora a questão é como criar ritmo com as
palavras.

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Critérios para avaliação do poema
Os critérios nem sempre são objetivos. Optar por um critério encerra uma dose de subjetividade em qualquer
área, mesmo as mais técnicas e exatas, mas a subjetividade faz parte da avaliação que faz parte dos objetivos.

4 critérios de como não pode ser um poema


(é difícil dizer o que é um poema, é mais fácil dizer o que não é):

1 Racional, explicativo, denotativo e discursivo;

2 Excessivamente descritivo, superficial e discursivo;

3 Hermético, de difícil compreensão, desconexo;

4 Excessivamente sentimental, meloso, sentimentaloide e discursivo.

“Poema é uma forma de redação que usa a palavra na sua totalidade”

No poema, as palavras são responsáveis pelo ritmo.

significante
► Definição lingüística

“Palavras na sua totalidade” significado

► Exterior e Interior, como incorpora a realidade exterior

Com a palavra giz, podemos traçar uma leitura bastante interessante e pessoal em base a uma experiência
única.

Há palavras mais significativas: Sol, Corpo, Olho, Mão. O poeta expressa seus sentimentos, que costumam
ser profundos. O sentimento não é algo que você revela para o mundo. O poeta, sim, torna público os seus
sentimentos: “minhas mãos estão sujas, preciso cortá-las”.

Porque o poeta publica coisas que são difíceis de dizer?


A parte ser um pouco exibicionista, o poeta doa algo de si, ele se dá em seu poema: poema como um gesto de
amor. O que o poeta ama acima de tudo é a palavra. O poeta expressa a realidade interior que só ele conhece.
Significações pessoais que as palavras têm. Elas podem trazer o que é único. Algo que só eu posso conhecer.
O poeta é o sujeito que mergulha fundo nele mesmo, naquilo que o faz diferente das outras pessoas: “tenho
apenas duas mãos e os sentimentos do mundo” – Drummond.

“O poema é, antes de mais nada, um gesto de amor à palavra”. A palavra é o que permite esse mergulho so-
bre si mesmo. O início da redação deve ser pela palavra pois é impossível aprender a escrever sem o uso da
palavra. Assim como não é possível ser um grande pintor sem gostar de tinta ou cor, não é possível ser um
escritor sem gostar da palavra. Somente o poema permite a expressão da palavra na sua totalidade. “Ela sai
de seu estado-dicionário para ser algo vivo”. Ela fala de você e para você as coisas mais profundas. Às vezes é
difícil dizer aquilo que é pleno em você. Por isso, se dizia que definir poema é como definir o amor, ou seja,
a melhor definição de poema é você mesmo quem dá.

Todo começo tem seu ritmo para que as coisas se harmonizem. O mesmo se dá com a palavra. O relacionamen-
to amoroso tem sua técnica que ajuda no processo do amor. Também com a palavra se dá o mesmo.

Como entra a palavra no poema?


A Palavra penetra através dos sentidos e se elabora em nosso mundo interior. Dos inúmeros significados, a
intuição elege qual será explorado (Água – realidade exterior):

Sentidos Razão

Intuição Sentimentos

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Essas quatro forças são opostas e se cruzam no ponto de encontro.

Razão

Sentidos Sentimentos

Intuição
O bom poema traz essas quatro forças equilibradas. Se uma delas atua sobre as outras, ocorre um desajuste:

• Razão ► Explicativo

• Sentidos ► Superficial

• Intuição ► Hermético

• Sentimentos ► Sentimental

O poema é bom quando favorece o equilíbrio dessas forças. Todos nós sempre temos uma dessas forças
atuando excessivamente. Se sabemos isso e as equilibramos, torna-se bom porque controlamos e utilizamos
essa força para nos puxar. O problema é que normalmente procuramos gerar o equilíbrio diminuindo a força
excessiva, ao invés de reforçar as fracas.

Razão em excesso ► para que haja equilíbrio, o ideal é expandir as demais. O que normalmente fazemos é
diminuir a razão e com isso geramos um novo desequilíbrio. Tornamo-nos burro. As pessoas não são burras,
mas tornam-se burras. Quantas pessoas vivem numa cidade grande e o fazem como se vivessem em qualquer
lugar, levando uma vida pequena, limitada e sem potencial?

Como seria a vida sem a palavra?


Há que ampliar a palavra para que seja a força que puxa e faz com que cresçamos.

• Pessoas desequilibradas pela razão são pessoas que gostam das coisas explicadas;

• Pessoas desequilibradas pelos sentidos falam narrando, parece uma relação de fofoca com o mundo, são
superficiais;

• Pessoas desequilibradas pela intuição são as que falam...assim...sacou? São místicas e difíceis de conversar;

• Pessoas desequilibradas pelos sentimentos são de dois tipos: melindrosas, que levam tudo para o aspecto
pessoal, e agressivas, que pensam que tudo as agride e, por defesa, elas agridem antes.

É importante conhecer qual a força que nos desequilibra para não gerar problemas, principalmente no poema.
Como equilibrar? Aplicando a técnica que dá a possibilidade de desenvolver as demais. O bom poema traz
equilíbrio, “a palavra na sua totalidade”.

Exercícios

Exercício I: Escolher um dos seguintes temas para o próximo poema: Sol (razão), Corpo (sentidos),
Água (intuição) e Ar (Sentimentos).

Exercício II: Jogar uns com os outros o jogo de dizer uma palavra com “p”, no inicio, meio ou final da
palavra, sem vacilar nem repetir palavras. A técnica favorece o equilíbrio e pode auxiliar na
aprendizagem de uma melhor produção do texto na medida em que se perceba a técnica. Toda
técnica coloca uma limitação, ao mesmo tempo em que estimula a criatividade.

Exercício III: Construir um poema com palavras com “p”, no inicio, meio ou final. Pode haver conjunções,
preposições, artigos, etc., mas não verbos sem a letra “p”. A primeira linha é dada e sua utili
zação opcional “Procuro palavras para um poema”. Poema aliterando em “p”.

A utilização do “p” como elemento irracional quebra a racionalidade excessiva do poema e também a senti-
mentalidade excessiva.

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Exercício IV: Compor um poema aliterando em “p” e “b”. Podem-se usar palavras de relação, mas não verbo.
Podem-se repetir palavras.

• Os sons não são neutros; os sons consonantais com “p” e “b” associam-se a certos conteúdos, geralmente a
problemas de ordem política, social, problemas de paixão, de expressão e de comunicação. Aparecem também
em palavras infantis (o pato pateta pulou o poleiro...), mas sempre associado a problema.

• Levar o poema para esses conteúdos ou por problemas de expressão.

• Não utilizar dicionário e sim o próprio vocabulário de memória.

Nos exercícios, a limitação do tempo é para aumentar a intuição, que é mais rápida que a razão e mais orde-
nada e direta.

No poema, a idéia não é importante. Um poema político-social não é mais nem menos interessante que um
p oema de amor. Ele importa na medida em que tenha um suporte técnico: nós gostamos de um poema pelo
conteúdo, mas dentro de uma forma técnica específica. Assim, se a idéia emperrou, basta trocar de idéia.

Todos temos coisas a dizer, coisas que, se faltarem, privará a humanidade delas. Porém, dizer as coisas “bem
ditas” é uma questão de técnica.

Técnica de significados: segundo os antropólogos, é a primeira criação pela palavra que surge. É largamente
empregada e é uma das técnicas básicas da poesia. O emprego de técnicas leva a uma ampliação da inteligên-
cia no sentido de interpretar o mundo.

Exercício V:Consiste, num primeiro momento, em trocar os substantivos abstratos que são de pobre utilização
nos poemas por imagens que trazem um sentido mais denotativo. Todorov - “Há três níveis de metáfora”:

I. Primeiro nível, do lugar comum de aproximação mais direta e simples. Ex.: tristeza, lágrima; alegria, palha-
ço; paz, pomba; esperança, criança; etc.

II. As de segundo nível são um pouca mais elaboradas.

III. As de terceiro nível, que os poetas utilizam, são surpreendentes e absolutamente originais, passam o sen-
timento que vem com “ar de novo”. Há um reconhecimento. Ex.: solidariedade - “um galo sozinho não tece a
manhã”, João Cabral de Melo Neto; amor - “um lobo correndo em círculos para alimentar a matilha”, Djavam;
saudade - “é o revés de um parto é arrumar o quarto do filho que já morreu”, Chico Buarque de Holanda.

As coisas comuns são de relação lógica e o poema deve ser analógico. Podemos utilizar qualquer imagem
derivada desde que, no contexto, faça sentido.

Exercício VI: Parte preparatória - criar imagens concretas para:

1. Vida Água
2. Solidão Uma pena
3. Alegria Sol
4. Tristeza Dia de chuva
5. Amor Mar
6. Medo Poço
7. Paixão Pimenta
8. Saudade Espelho
9. Felicidade Comida
10. Ideal Fogueira
11. Esperança Formiga
12. Ciúme Veneno
13. Ódio Espada
14. Paz Campo
15. Liberdade Céu
16. Beleza Flor

Exercício VII: Criar um poema utilizando, pelo menos, dez das 16 imagens. Não deve ser discursivo nem
desconexo.

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A aliteração, a métrica e outras técnicas quebram o discursivo.

Três técnicas para quebrar o discursivo:

1) A = Elemento de relação (verbo, substantivo, pronome, verso, etc.)

a = Imagens

a1
a2

A a3

an

Exemplos:

a) Águas de março (elemento de relação “é”, verbo).

Águas de Março (Tom Jobim)


É pau, é pedra, é o fim do caminho,
É um resto de toco, é um pouco sozinho.
É um caco de vidro, é a vida, é o sol,
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol.
É peroba no campo, é o nó da madeira,
Caingá candeia, é o matita-pereira.
É madeira de vento, tombo da ribanceira,
É o mistério profundo, é o queira ou não queira.
É o vento ventando, é o fim da ladeira,
É a viga, é o vão, festa da cumeeira.
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira.
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira,
Passarinho na mão, pedra de atiradeira.
É uma ave no céu, é uma ave no chão,
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão.
É o fundo do poço, é o fim do caminho,
No rosto um desgosto, é um pouco sozinho.
É um estepe, é um prego, é uma conta, é um conto,
É um pingo pingando, é uma conta, é um ponto.
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando,
É a luz da manha, é o tijolo chegando.
É a lenha, é o dia, é o fim da picada,
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada.
É o projeto da casa, é o corpo na cama,
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama.
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã,
É um resto de mato, na luz da manhã.
São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração.
É uma cobra, é um pau, é João, é José,
É um espinho na mão, é um corte no pé.
São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração.
É pau, é pedra, é o fim do caminho,
É um resto de toco, é um pouco sozinho.
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã...

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b) Gita (elemento de relação “eu sou”, pronome e verbo).

Gita. (Raul Seixas).


Às vezes você me pergunta
por que é que eu sou tão calado,
não falo de amor quase nada,
nem fico sorrindo ao seu lado.
Você pensa em min toda hora,
me come, me cospe, me deixa,
talvez você não entenda
mas hoje eu vou lhe mostrar.
Que eu sou a a luz das estrelas,
eu sou a cor do luar,
eu sou as coisas da vida,
eu sou o medo de amar.
Eu sou o medo do fraco,
a força da imaginação,
o blefe do jogador,
Eu sou, eu fui, eu vou.

Gitâ, Gita Gita Gita!

Eu sou o seu sacrifício,


a placa de contra-mão,
o sangue no olhar do vampiro
e as juras de maldição.
Eu sou a vela que acende,
eu sou a luz que se apaga,
eu sou a beira do abismo,
eu sou o tudo e o nada.
Por que você me pergunta?
Perguntas não vão lhe mostrar,
que eu sou feito da terra,
do fogo, da água e do ar.

Você me tem todo o dia


mas não sabe se é bom ou ruim,
Mas saiba que eu estou em você
mas você não está em mim.

Das telhas eu sou o telhado,


a pesca do pescador,
a letra “A” tem meu nome,
dos sonhos eu sou o amor.
Eu sou a dona de casa,
nos “peg-pagues” do mundo,
Eu sou a mão do carrasco,
sou raso, largo, profundo.

Eu sou a mosca da sopa


e o dente do tubarão,
Eu sou os olhos do cego,
e a cegueira da visão.
É, mas eu sou o amargo da língua,
a mãe, o pai e o avô,
O filho que ainda não veio,
o início, o fim e o meio.

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São os elementos de relação que deixam as coisas compreensivas.
2) Elementos de oposição. Imagens positivas x negativas, diurnas x noturnas, tese x antítese, etc.

A B
a1 b1
a2 b2
a3 b3

an bn

C Elemento Síntese

O processo dialético, em um nível superior, encontra uma solução do processo de oposição.

Exemplos:
Bom Dia
(Swami Jr. e Paulo Freire)
Logo de manhã
Bom dia
Logo de manhã
Bom dia
Um dia quero mudar tudo
No outro eu morro de rir
Um dia estou cheia de vida
No outro não sei onde ir
Um dia eu escapo por pouco
No outro eu não sei se eu vou me livrar
Um dia eu esqueço de tudo
No outro eu não posso deixar de
lembrar

Um dia você me maltrata


No outro me faz muito bem
Um dia eu digo a verdade
No outro não engano ninguém
Um dia parece que tudo tem tudo
Pra ser o que eu sempre sonhei
No outro dá tudo errado
E acabo perdendo o que já ganhei

Um dia eu sou diferente


No outro estou bem comportada
Um dia eu durmo até tarde
No outro eu acordo cansada
Um dia eu beijo gostoso
No outro nem vem que eu quero respirar

Um dia eu quero mudar tudo no mundo


No outro eu vou devagar
Um dia penso no futuro
No outro eu deixo pra lá
Um dia eu acho a saída
No outro eu fico no ar
Um dia na vida da gente
Um dia sem nada demais
Só sei que eu acordo INÍCIO DA SÍNTESE
E gosto da vida
Os dias não são nunca iguais

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O quereres
(Caetano Veloso)

Onde queres revólver, sou coqueiro


E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco


E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! bruta flor do querer REFRÃO E SÍNTESE


Ah! bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito


E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te amar o amor


Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! bruta flor do querer


Ah! bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo


E onde queres romance, rock’n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim


Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim

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3) Estrutura que desemboca numa outra

A B C (...) N

Exemplo:

E o mato que é bom, o fogo queimou


Cadê o fogo, a água apagou
E cadê a água, o boi bebeu
Cadê o amor, o gato comeu
E a cinza espalhou
E a chuva carregou

É possível combinar as estruturas (1 com 3, 1 com 2, etc.)

Exercício VIII: Sair do discursivo.

1) Escolher uma palavra muito significativa que seja um substantivo concreto.

Obs. Muito significativa pode ser objetivamente significativa. Ex.: Sol ou pessoalmente significativa. Há algu-
mas palavras que, apesar de serem objetivamente significativas, não dão boa poesia: dinheiro, futebol, mãe.

Palavra escolhida: NUVEM

2) Associar dez conotações à palavra escolhida (substantivos abstratos).

1-Paz, 2-ilusão, 3-plenitude, 4-beleza, 5-leveza, 6-suavidade, 7-virtude, 8-mistério, 9-vida, 10-domínio.

3) Criar imagens concretas para as conotações (substantivos concretos).

1 – paz, pluma; 2-ilusão, espelho; 3-plenitude, Sol; 4-beleza, flor; 5-leveza, algodão; 6-suavidade, lã;
7-virtude, âncora; 8-mistério, espada; 9-vida, água; 10-domínio, céu.

4) Redigir um poema cujo título seja a palavra escolhida (item 1), utilizando as imagens (item 3).

Obs. As palavras do item 2 não podem aparecer. Os verbos somente nas formas nominais (gerúndio, particípio)

Substantivos concretos são aqueles que têm existência em si mesmo e os abstratos, os que não têm presença
em si mesmo (presença subjetiva)

Assonância: Repetição expressiva de sons vocálicos em sílabas tônicas. Os monossílabos tônicos são, geral-
mente, em “a”, “e” e “o”. Os sons vocálicos são primordiais, os primeiros que emitimos. Logo que a criança
nasce e durante algum tempo, apenas os sons vocálicos são articulados e se vinculam às emoções primárias:
choro, riso, etc.

São sons relacionados com a pré-consciência, e embora não nos lembremos dessa fase da vida, há uma memó-
ria que evidentemente é re-elaborada mas se mantém. Mexer com a assonância é mexer com o inconsciente,
já que nos remete à esse subconsciente primitivo.

Sons vocálicos:

Vogais abertas: a, é, ó

Vogais fechadas: â, ã, ê, ē, i, ï, o, õ, u, ũ

Exemplo: a frase “a mamãe” possui três tipos diferentes de “a”: a mâmãe. São três sons vocálicos distintos
grafados com “a”.

Na língua portuguesa, há uma tendência de se associar os sentimentos positivos com os sons abertos e os
negativos com os sons fechados. Como se define isso? Pela observação de uma tendência das palavras de
caráter positivo estarem associadas às palavras abertas. Evidentemente que há exceções: azar, mau, cadáver,
música, futuro, ternura.

Mas se fizermos um levantamento, veremos que muitas palavras com “u” na sílaba tônica são negativas: de-
funto, ataúde, pus, muro, tumba, etc.

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Os sons abertos em “a” são claros e os sons fechados em “u” e “ũ” são escuros.

“Oh pátria amada idolatrada, salve, salve...”

Talvez tal relação esteja relacionada com a abertura e fechamento da glote: os sentimentos alegres abrem. Os
sentimentos depressivos fecham. Por exemplo, numa vai se faz “uuuuuuuu”.

Exercício IX: Fazer um levantamento de palavras em “a” (120-150 palavras). Somente palavras positivas ou
neutras, não utilizar verbos. Fazer um levantamento de palavras em “u” na sílaba tônica, sem
se preocupar com o tipo de palavra.

Relação das palavras em “u”:

Tu, túmulo, cruz, defunto, pus, fúnebre, noturno, luz, chuva, tumba, catacumba, macumba, ataúde, alaúde,
susto, custo, justo, cuspe, luto, luta, lustro, ilustre, prostituta, vagabunda, bunda, imundo, fundo, mundo,
sujo, surdo, mudo, ditadura, censura, licenciatura, burro, cura, estúpido, energúmeno, última, viúva, mula,
jura, perjúria, luxúria, gula, gostosura, culto, curto, gastura, costura, multa, duro, furo, jururu, embú, ocul-
to, postura, pulo, tudo, pulga, angústia, pútrido, pústula, mumunha, frescura, mesura, mistura, azul, lume,
volume, volúpia, uva, sussurra, murmúrio, músculo, muco, jacu, nunca, um, nenhum, algum, comum, matuto,
maduro, busca, gruta, orgulho, procura, rapadura, tutu, duplo, dúbio, exu, espuma, escudo, escuna, estrume,
futura, figura, fissura, lamúria, injusto, insulto, pulso, curso, junco, julho, junho, jejum, caju, lacustre, malu-
co, nuca, nu, desnuda, cornuda, noturno, Saturno, Júpiter, curtume, caramujo, chuchu, fuga, queixume, rude,
rumo, rústico, urso, russo, sutura, sagu, saúde, baú, turco, veludo, ferradura, úmido, murro, surra, soltura,
cintura, peluda, escultura, chumbo, zabumba, zebu, moldura, vulgo, vulto, dentadura, literatura, vulva, fútil,
inútil, vagalume, múmia, musgo, lusco, fusco, junta, junco, furúnculo, número, diurno, soturno, turno, cúria,
corrupto, abrupto, guru, fungo, fumo, texugo, legume, verdura, fritura, doçura, assadura, astuto, arbusto,
graúdo, confuso, difuso.

Exercício X: Fazer um poema com assonância em “u” (todas as palavras devem ter “u” na sílaba tônica).

Relação das palavras em “a”:

Cardápio, carne, dádiva, mata, alma, água, tarde, calma, safra, palavra, casa, fala, malha, palha, abraço, papa,
palhaço, carro, carta, passas, caráter, bar, amparo, paz, felicidade, amizade, serenidade, bata, vale, valsa,
saia, lábios, pasto, salário, charme, calçado, lata, baile, jornal, musical, varal, atual, asa, alado, quarto, es-
cada, degrau, portal, marca, mala, viagem, margem, mensagem, falo, fácil, compacto, pacto, casal, cascalho,
cavalo, animal, galho, árvore, máximo, bondade, solar, mágico, lado, chávena, descalço, amada, galo, bara-
lho, ábaco, bálsamo, balde, abade, arrabalde, arco, talco, palco, salto, largo, fato, pato, agasalho, assoalho,
mármore, másculo, garfo, auto, Alpes, bala, gato, patuá, arraial, batata, salada, alface, tomate, pousada,
lasca, chá, chave, abacate, lápis, malte, esmalte, marmelada, goiabada, gelada, almofada, taça, fada, dado,
dardo, flexibilidade, arca, lar, mar, terraço, maço, laço, caça, balada, cabra, caçada, astral, astro, arte, teatro,
praia, página, parágrafo, abstrato, olhar.

Exercício XI: Elaborar uma poesia com assonância em “a”.

Exercício XII:

1) Escolher um dos seguintes sons vocálicos: é, ó â, ã, ê, ē, i, ï, o, õ

2) Imaginar-se dizendo o som escolhido em algum lugar, como se fosse sua única fala naquele
momento. (A escolha do lugar é importante). Será diferente se você escolher uma praça às
09:00h da manhã ou às 21:00h.

3) Perceber o sentimento que se associa ao som. A tendência de sentimentos positivos e ne


gativos em relação às vogais abertas ou fechadas às vezes não se aplica. Não se apegar a esse
conceito e sim ao sentimento.

4) Fazer uma lista de pelo menos 50 palavras que tenham o som escolhido na sílaba tônica e
que se aproxime, pelo significado, do sentimento associado. Vale verbo conjugado, vale tudo.

5) Redigir um poema com assonância no som escolhido.

Se forem escolhidas vogais fechadas, fica mais fácil, pela quantidade de palavras. Caso escolha “â” ou “am”,
cuidado para não colocar excesso de palavras em “ão”. “e” “en” fazem rima em “mente”, rima pobre que deve
ser evitada.

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Elementos da Natureza: próxima e distante.

Da natureza distante fazem parte todos aqueles elementos que estão bem distante de nós, não apenas em
termos de espaço mas também de nosso mundo cotidiano. Por exemplo:

• No céu, astros, cometas, nuvens;

• No fundo da terra, os metais, gases;

• No fundo do mar, os animais e tudo que vive submerso;

• Nos acidentes geográficos, vulcão, ilha, montanha, gruta, península;

• No mundo animal, hipopótamo e outros.

Lista de elementos da natureza distante:

Estrela Depressão Manguezal Cristal Abismo


Cometa Vulcão Petróleo Turquesa Geleira
Lua Pântano Óleo Ônix Tulipa
Satélite Desfiladeiro Gás Ametista Falcão
Astro Canguru Hélio Ouro Perdiz
Galáxia Ornitorrinco Dunas Mármore Boto
Aurora boreal Urso Recife Granito Cascavel
Aurora austral Tigre Areia movediça Carbono Ferro
Constelação Leopardo Recife Carvão
Céu Zebra Coral Trufa
Nuvem Baleia Platô Feno
Sol Pingüim Chapada Alumínio
Raio Foca Pedra sabão Manganês
Asteróide Leão marinho Placa tectônica Pedra da lua
Meteoro Morsa Lava Pérola
Meteorito Guaxinim Lençol d’água Olho de tigre
Estrela anã Elefante Pororoca Pedra de sal
Arco íris Camelo Vitória Régia Prata
Nebulosa Dromedário Iguapé Sol
Avelã Pica pau Gabiroba Urânio
Águia Raposa Cajá Montanha
Pomba Rêmora Graviola Rochedo
Peixe boi Polvo Diamante Terremoto
Jibóia Lula Esmeralda Furacão
Píton Golfinho Turmalina Ciclone
Coala Restinga Topázio Caverna
Tornado Caatinga Lápis Lázuli Gruta
Cordilheira Serrado Opala Ilha
Tufão Floresta Rubi Península

A natureza próxima, por analogia, é tudo aquilo, na natureza, que está mais próximo de nós, do nosso coti-
diano, incluindo-se aí o corpo humano

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Lista de elementos da natureza próxima:

Água Sombra Taturana Colo Baço


Árvore Galho Lagartixa Ombro Cutículas
Flor Semente Crisálida Peito Seio
Fruta Sal Casulo Caspa Narina
Areia Cana-de-açúcar Mariposa Suor Saco
Terra Ar Mel Saliva Tutano
Praia Vento Abelha Lágrima Osso
Onda Margem Pólen Barba Cérebro
Cachorro Clareira Couro Bigode Tornozelo
Gato Coqueiro Pata Queixo Miolo
Peixe Ninho Casco Umbigo Neurônio
Rio Pena Pegada Cintura Células
Folha Gema Espinho Quadril Sovaco
Raiz Casca Perfume Nádega Axila
Pássaro Clara Arrepio Bunda Cuspe
Cenoura Bagaço Sorriso Punho
Lama Campina Couro cabeludo Músculo
Barranco Lenha Cabelo Coxa Verruga
Barro pó poeira Leite Testa Perna Calo
Caule Brisa Sobrancelha Joelho Pulso
Ramo Bruma Cabeça Canela Urina
Relva Noite Cílios Pé
Grama Dia Olhos Calcanhar
Arbusto Manhã Pupila Dedos
Mato Tarde Retina Virilha
Mata Aragem Nariz Braço
Matagal Enxurrada Bochecha Cotovelo
Bosque Minhoca Boca Clavícula
Capoeira Inseto Dentes Coluna
Seiva Borboleta Língua Costas
Busto Sapo Gengiva Espinha
Pedra Brejo Lábios Coração
Pedregulho Caranguejo Pele Cera
Chuva Concha Pelo Veia
Chuvisco Molusco Pinta Sangue
Névoa Marola Pescoço Artéria
Neblina Siri Garganta Fígado
Frio Asa Nuca Pulmão
Calor Rabo Orelha Pâncreas

O que temos que fazer é projetar os sentimentos nas coisas da natureza, seja próxima ou distante. Exemplo:
“tinha uma pedra no meio do caminho” (a pedra representa o sentimento daquele momento para o poeta – um
problema familiar? Um empecilho? Uma questão existencial? Uma conta para pagar?).

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Metáfora
Deve-se primeiro pensar na imagem, depois no sentimento que esta imagem desperta.

Exercício XIII:
Grupo 1. Imaginar que as coisas da natureza distante estão dentro de nós e representam um
sentimento.

Grupo 2. Projetar os sentimentos nas coisas da natureza próxima. Ex. “Tinha uma pedra no
meio do caminho”.
Algumas observações importantes:
• O poema, segundo Gilson, é aberto e não precisa necessariamente ter começo, meio e fim. Só é
necessário ter uma finalização naquele caso onde se usam os contrastes, para que o poema tenha
sentido.
• Os poemas devem ser construídos com as palavras das listas. Não pode usar verbos nem palavras
diferentes, só podem ser usadas palavras de ligação como pronomes, artigos e afins.
• Não confundir metáfora com descrição. Para estes poemas os títulos são livres.
Exercício XIV:
Fazer um poema utilizando os elementos da natureza próxima e/ou distante com o título “eu e
minha natureza” ou “eu e a natureza”.
Não devem aparecer substantivos abstratos e sim metáforas. A ausência de verbos deixa desconexo. A utiliza-
ção de verbos deixa discursivo. Utilizar os elementos de relação.
Este exercício foi proposto para abrir mão da estrutura discursiva. O exercício está baseado numa técnica
utilizada por Carlos Drumond de Andrade em “isso é aquilo”, sobre a qual, Gilson vez algumas modificações.
ISSO É AQUILO
I
O fácil o fóssil
o míssil o físsil
a arte o infarte
o ocre o canopo
a urna o farniente
a foice o fascículo
a lex o judex
o maiô o avô
a ave o mocotó
o só o sambaqui
II
o gás o nefas
o muro a rêmora
a suicida o cibo
a litotes Aristóteles
a paz o pus
o licantropo o liceu
o flit o flato
a víbora o heléboro
o êmbolo o bolo
III
o istmo o espasmo
o ditirambo o cachimbo
a cutícula o ventríloquo
a lágrima o magma
o chumbo o nelumbo
a fórmica a fúcsia
o bilro o pintassilgo
o malte o gerifalte
o crime o aneurisma
a tâmara a Câmara
(...)
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Obra Completa. 2a Ed. Rio de Janeiro:
José Aguilar Editora, 1967. p. 357.

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O exercício baseia-se em relacionar um par de palavras (por oposição, por intensidade, por semelhança, por
contraste etc.). Por exemplo: O sol e a Lua. A estrutura será sempre de um artigo, mais um substantivo ou
palavra substantivada, mais o elemento de ligação “e”, mais um artigo, mais um substantivo.

No verso seguinte, iniciar com um substantivo que tenha uma relação de paronomásia com o último substan-
tivo do verso anterior. Exemplo: O sol e a Lua / A rua.

O seguinte substantivo obedecerá a relação já indicada. Exemplo: A rua e a calçada.

No verso final, voltar a repetir na mesma ordem ou ordem inversa o primeiro verso.

O Sol e a Lua A cama e o cobertor

A rua e a calçada O senhor e a rainha

A estrada e o carro A minha e a sua

O barro e a cama A lua e o Sol

A cama e o lençol O Sol e a Lua

Lembrar que os substantivos concretos estimulam mais a imaginação do que os abstratos. A Idéia através de
imagens envolve mais.

Exercício XV:

Fazer uma lista de palavras obedecendo ao critério anteriormente explicado:

Exercício XVI:

Fazer uma lista de palavras com a mesma relação. A lista deverá ser menor e as palavras
escolhidas devem buscar uma relação temática.

A estrela e o homem
O lúmen e o fosco
O tosco e a lapidada
O limitado e a eterna
A materna e o filial
A espacial e o terreno
O pequeno e a imensa
O denso e a gasosa
A luminosa e o opaco
O fraco e a fortalecida
A vida e o sêmen
O homem e a estrela

Aliteração

Repetição expressiva de consoantes.

Lidar com o som consonantal (menos significativos da língua) é diferente das vogais, já que essas últimas
podem expressar-se facilmente como palavras de interjeição (ih!). No caso das consoantes, poucas tem sig-
nificado.

Evidentemente não se está falando de letras e sim de sons. A letra “t”, por exemplo, pode significar tonelada
ou tempo, mas o som da letra “t” não tem significado algum.

Quando se fala de algo que não significa nada mas que na realidade tem algum significado, esse significado
impacta diretamente no inconsciente do leitor; é, portanto, uma ferramenta muito poderosa pois não encon-
tra defesa, vai direto ao inconsciente, podendo envolver o leitor. O que torna o texto cativante é justamente
esse elemento imperceptível, esse jogo com o inconsciente do leitor.

Sons consonantais, não confundir com letras, podem ser oclusivos, carta o ar expirado; e não oclusivos, fluem
pela boca ou narinas.

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Sons Consonantais

Oclusivos Não Oclusivos

p b bilabiais m n nh nasais

t d linguodentais l lh líquidas ou bilabiais

k g guturais s z sibilantes

f v fricativas

s s s s

u o u o

r n r n

d o d o

o r o r

s o s o

s s

Os significados dos sons são de caráter intuitivo. Assim, a relação aqui estabelecida foi desenvolvida pela
observação do professor Gilson. Analisando a obra de alguns poetas, buscou identificar se, junto com um certo
som (aliteração), aparecia algum significado de conteúdo comum. Dois poemas de seu professor de literatura,
Jorge Sena, chamaram a atenção nos tempos da faculdade. A revista Invenção (concretista) os havia publi-
cado e um dos colegas de Gilson os decorou para recitar em festas e mesas de bar. Os poemas não tinham
palavras em língua conhecida, eram uma mistura de sons que pareciam latim, francês, espanhol etc., mas não
significavam nada, as palavras tinham apenas significantes, mas não significado. Sempre que o colega recita-
va, as pessoas ficavam constrangidas e até envergonhadas porque as palavras davam um sentido erótico e até
pornográfico à poesia. Como ocorria isso se as palavras não tinham significado? A partir daí, Gilson pesquisou
para saber se os sons ali evidenciados poderiam tem um comportamento comum em outros poemas, um certo
conteúdo constante em relação aos sons.

Conclusões:

• Todos os sons oclusivos estão relacionados a problemas.

“p – b” Problemas políticos, sociais, frustrações e impossibilidade em relação à paixão, problemas de expres-


são. Relacionam-se mais com problemas externos.

• Quanto mais a oclusão se dá para dentro do aparelho fonador, mais pesado fica o problema.

“t – d” Problemas mais internos – tristeza, solidão, sofrimento amoroso, tédio, problemas cotidianos, aban-
dono, sofrimento amoroso, sentimentos mais internos.

Ex.: Camões

“Males que contra mim vós conjurastes


Quanto há de durar tão duro intento?
Se dura porque dure meu tormento
Baste-vos quanto já me atormentastes”

“k – g” Barra pesada – angustia, repressão. É uma das aliterações mais incomuns por ser muito ruim. O oclu-
sivo está associado a problema, talvez esteja relacionado com a respiração. O bom é respirar livremente, o
corte da respiração é sempre ruim, é como se, por um instante, parássemos de respirar. Está, talvez por isso,
associado a sentimentos negativos. Colocar um nó na garganta é estar passando por maus sentimentos, é uma
sensação de sufocamento.

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É como se passássemos ao leitor a sensação de enforcamento, engasgo. A aliteração em “g – k” remete o
leitor à percepção desses sentimentos mesmo que o poema não fale disso. Exemplo: “Era uma casa muito
engraçada”.

Há que avaliar qual o caráter do poema que queremos construir para escolher a aliteração adequada.

Exercício XVII:

Fazer um poema aliterando num dos sons vocálicos oclusivos. O título do poema será
“Poema aliterando em...”.

O melhor posicionamento do som aliterado é no inicio da palavra ou na sílaba tônica da


palavra. Na sílaba átona pode-se evidenciar ou não, depende da palavra e de seu posiciona
mento. Exemplo: vento “O vento vagava leve”, evidencia o “v”, “O vento torto da tarde me
tortura”, evidencia o “t” ao invés do “v” da palavra vento.

Esse é um exercício para se fazer com o ouvido. É possível fazer poemas positivos com
esses sons, mas eles ficarão sempre negativados.

Sons não oclusivos incluem todas as demais consoantes. É bom deixar de forma o /x/ e o /g/ já que a ali-
teração nesses sons não fica boa, embora existam alguns bons exemplos: “A chuva ajuda a gente a se ver”
Caetano Veloso.

Também a aliteração em /r/ e /rr/ está associada a problemas de violência, embora seja uma das primeiras
aliterações que aprendemos “O rato roeu a roupa do rei de Roma”.

Com os sons não oclusivos não se pode falar de forma tão categórica como no caso das oclusivas, embora
sejam os sons mais aliterados. Cada um desses sons aparece associado a um mesmo sentimento e são de ca-
ráter mais positivo. Servem, portanto, para falar de coisas positivas ou atenuar coisas negativas, enquanto
as oclusivas agravam problemas.

Os sons não oclusivos dão a idéia de sons mais leves, soltos, são mais lentos e por isso mais envolventes.

Ao aliterarmos esses sons, levamos o leitor a uma leitura mais leve, lenta, envolvente, mais solta e, por isso,
são sons sensuais, dão sensualidade ao tema. As palavras que nomeiam as partes sensuais do corpo têm esses
sons: cotovelo, calcanhar.

Alitero esses sons quando desejo, com meu poema, envolver o leitor com o sentimento que estou passando.
Porém, não é possível caracterizar que tipo de sentimento eles trazem. A sensualidade que esses sons trazem
é diferenciada, causa sensação diferente. As nasais se relacionam com as características do som que lhes é
própria: são mais pesadas que as líquidas, sibilantes e fricativas, e menos pesadas que as oclusivas. A sensu-
alidade desse som pode ser representada por um líquido grosso escorrendo, como creme na pele.

Os sons líquidos lembram a sensualidade da água, são mais leves que as nasais: corpo molhado, roupa gruda-
da, a sensualidade do corpo nu.

As sibilantes são as mais leves de todas, é uma sensualidade aérea: brisa no rosto ou no cabelo, coisas que
passem a sensação de leveza, pessoa voando, nuvem, borboleta etc.

Os sons fricativos são leves mas não tanto quanto as sibilantes, e se assemelham à sensualidade do vento
nas folhas, folhas sendo levadas pelo vento, o farfalhar das folhas. A opção desses sons deve ser menos pelo
conteúdo e mais pela sensação que queremos passar, o envolvimento que queremos do leitor.

Podemos falar de amor, de amizade, de sensualidade. Se quisermos falar de sons eróticos, utilizamos esses
sons (aparecem muito em poemas de amor e eróticos).

Às vezes, vemos palavras semelhantes com conotações diferentes. Neste caso, as oclusivas passarão um sen-
timento mais repulsivo: barriga, ventre; teta, peito; coco, fezes.

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Exercício XVIII:

Fazer um poema com uma das aliterações não oclusivas. Prestar atenção ao seguinte:

• Nasais ==== Não confundir nasalização de vogal com consoante (quando, antes – não há
som do /n/, apenas vogal nasalizada). O uso de nasais com vogai nasalizadas acentua a
nasalização (manhã, mamãe). Tomar cuidado para não confundir o visual pelo auditivo.

• Líquidas==== /l/ /lh/, talvez seja o som com menos palavras. Vale o L final como em jor
nal, varal, final etc.

• Sibilantes==== Maior quantidade de palavras. Melhor utilizar as palavras no plural para


aumentar o efeito do /s/ (a sala, as salas). O fato da palavra estar no plural, por si só,
não caracteriza a aliteração. O som do /s/ medial também é insuficiente (escola, exame).
Devem ser tônicas ou no começo da palavra. O som sibilante aparece melhor em sacola do
que em escola. O som sibilante pode ser escrito com outras letras que não o “s”.

• Fricativos===== Talvez sejam os sons mais aliterados e uma tradição na poesia brasileira
(Manuel Bandeira “O vento levava as folhas”). Também há a influência de Cruz e Souza. A
aliteração é uma característica do movimento simbolista, principalmente Cruz e Souza.

Exercício XIX:

Fazer um poema aliterando em (escolher uma das seguintes opções): vento, mar, azul, sol,
lua, vermelho, corpo e terra.

Dicas: O vento pode ter o som de /v/, relação onomatopéica. Também mar pode ter
essa relação, o /m/ pode representar uma tensão do mar quebrando na rocha, mar brando
– areia/re/, mar calmo /nasal/. O sol deve ter um barulho forte, mas nós não ouvimos
nada dele. Devemos emprestar o significado que percebemos. O azul pode ser claro ou
escuro, o azul claro se relaciona com o céu, pode ter aliteração em /c/ ou assonância em
/a/; se fora azul escuro poderá ter assonância em /u/. O vermelho pode estar relacionado
à violência /lh/ /rr/ pode-se utilizar as oclusivas ou as nasais.

O excesso de racionalismo bloqueia a intuição. Há que não temer a irracionalidade, devemos


nos utilizar de tudo mas nada pode pesar demais.

Exercício XX:

Aplicar técnicas de significantes tiradas de um livro do Ítalo Calvino “Seis propostas para
o novo milênio”. Calvino nasceu em Cuba e cresceu na Itália, tornando-se um importante
escritor e romancista e excelente contista.

Certa vez foi convidado para fazer palestras a respeito de sua opinião acerca de que ele-
mentos da literatura foram importantes no século XX e continuariam sendo importantes no
século XXI. Preparou o tema em seis palestras, das quais somente apresentou 5, pois morreu
antes de concluir seu trabalho.

Dessas palestras, Gilson retirou 5 elementos significantes para a criação literária:

• Leveza – Sons sibilantes, fricativos, metáforas aéreas;

• Rapidez – Alternância entre tônicas e átonas “água mole em pedra dura...”

• Exatidão – Sons em /t/ e /d/, o som oclusivo é mais exato;

• Visibilidade – Assonância em /a/ (mais aberto), líquidas (olhos, olhar);

• Multiplicidade – Utilizar palavras derivadas dando a idéia de multiplicação, palavras seme-


lhantes, múltiplo, multiplicando, multiplicador...

Dar ao poema uma dessas características, por exemplo leveza, deverá ter leveza no som e no
conteúdo. Os sons não oclusivos são mais lentos; por exemplo, para rapidez, utilizar sons
oclusivos.

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Funções do verso

Esse tema inaugura a fase do texto escrito no curso, já que até então era somente lido.

Por que escrevemos em verso? Porque poema é em verso. Essa resposta representa um condicionamento. Tal-
vez por ser um recurso de valorização do texto.

Durante milênios, a poesia foi escrita de forma metrificada e quase sempre rimada. Era inadmissível o poema
sem métrica, ainda que pudesse não ter rima. Os poetas estudavam metrificação, existia tratados de metri-
ficações, também dicionários de rima, como existem até hoje. Os poemas sem rima eram raros antigamente.
Essa característica perdurou na poesia brasileira até o Modernismo.

A Semana de Arte Moderna, em 1922, foi o marco do início do verso livre no Brasil. Novidade estética dos
modernistas, entre muitas outras que, de fato, eram mais importantes, mas que não causaram tanto espanto
quanto o verso livre. Por isso se tornou uma espécie de bandeira de luta.

Para os modernistas, a metrificação é apenas uma técnica a mais, não algo obrigatório. Eles acabaram por
impor o verso livre como técnica. O verso livre trouxe duas coisas, uma boa e outra má: a boa foi tomar a
métrica como uma técnica a mais com a conseqüente valorização das demais técnicas sonoras – assonância,
aliteração. Também tirou a camisa de força da métrica. A questão má refere-se à idéia de que, por ser livre,
pode ser de qualquer forma. Mesmo entre os poetas da última hora: Raul Bopp, Mário de Andrade nas primeiras
épocas, também Drummond nas primeiras épocas, há uma má utilização do verso.

Ilustração das funções do Verso:

Hoje está uma manhã de Sol, eu me lembro de você, e me sinto só.


O verso pode ser escrito dessa maneira, mas passa uma sensação de prosa.
Hoje está uma manhã de Sol
Eu me lembro de você, e me sinto só.

O que primeiro mudou foi a diagramação; em segundo lugar, mudou o ritmo. Vamos imaginar a leitura em
câmara lenta. Lemos o “H” depois o “o”, depois o “j” e finalmente o “e”. Formou-se a primeira sílaba “Hoje”.
Depois há um vazio que tem um significado, diferencia uma palavra de outra, a vírgula significa desaceleração,
o ponto final significa fim. Após a leitura da primeira linha meu olho desce de “Sol” retorna pela linha de baixo
até a próxima palavra no início da segunda linha. Há, por tanto, uma nítida mudança de ritmo.

Com isso, vemos que o verso pode reforçar ou destacar uma idéia. Nossa leitura é em câmera lenta, mas o
cérebro age de forma ágil. Ao sair de um verso para outro, do fim de um para o começo de outro, a mente está
pensando sobre o que haverá depois. Assim, o verso cria uma expectativa na leitura.
Hoje está uma manhã de Sol
Eu me lembro de você
E me sinto só
Vê-se que há uma ruptura no terceiro verso. Há também uma paronomásia de Sol e só.

Há uma desconstrução do aspecto positivo do poema para o negativo através de uma graduação dos três
versos componentes, realçando a mensagem do poema.
Hoje está uma manhã de Sol
Eu me lembro de você
E me sinto

A palavra solidão vem de Sol. Não há utilização de muitas oclusivas no poema para não passar uma imagem
sensual. Sol porta o /l/, é quente, só é frio, falta calor embora haja luz. Percebe-se que o poema foi escrito
por um homem pela relação sol/só de caráter masculino. Poema escrito no presente, mas que remete a uma
sensação de passado. O passado da manhã de Sol é a noite escura (por oposição) que representa o incons-
ciente, ou seja, que por oposição, a mulher estaria na noite escura, no inconsciente. Também se percebe que
a mulher é jovem por ser “manhã de Sol” e não “tarde de Sol”

Hoje
Está uma manhã de Sol
Eu
Me lembro de você
E me sinto

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Podemos relacionar essa diagramação a uma tentativa de expressar o horário em que ocorre a manhã de Sol
(meio dia pelo eixo central ou coluna principal do poema), recurso muito utilizado pelos concretistas e que
permite leituras diferenciadas. A melhor opção de diagramação é aquela em que o poeta considerou a melhor
maneira de expressar seu poema. É uma idéia interessante, mas que sacrifica muito o ritmo do poema. Há que
pesar os prós e os contras de tal escolha.

O ritmo é o elemento essencial do poema. Quando o ritmo é quebrado, deve ter uma função, caso contrário, o
poema não presta. No último exemplo há um quebre que é funcional, tem um motivo de existir.

Funções do verso:

• Diagramação;

• Ritmo (a principal);

• Destacar ou reforçar uma idéia;

• Cria expectativas na leitura;

• Ruptura da expectativa do leitor;

• Estabelecer relações sonoras entre palavras ou rimas;

• Reforçar, pela diagramação, a mensagem do poema;

• Reforçar e/ou destacar uma palavra;

• Revelar novos significados das palavras;

• Criar novas leituras do poema etc;

Exercício XXI:

Fazer um poema com o título “Manhã de Sol” em três diagramações diferentes, utilizando as
funções do verso. Escolher a diagramação que seria a melhor.

Exercício XXII:

Fazer dois poemas com base nas aulas dadas (deve ter 4 páginas).

a) Os meus sentimentos hoje

b) Poema utilizando as técnicas do Curso

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