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Guiados por este desejo de contribuir, foi realizado neste Projeto, num primeiro

momento, um estudo das referências históricas das Artes Marciais, buscando a sua
gênese, que sabidamente nos remete ao seu passado milenar. Procuramos nesta
origem dados e fatos que possam nos mostrar quais as influências culturais e
filosóficas que gravaram no fulcro das Artes Marciais características tão peculiares
que são reconhecidos, com ressalvas, até os dias hodiernos.

Posteriormente é feita análise de como a Arte Marcial tem sido divulgado na


A Trilha das Artes Marciais sociedade ocidental, e ainda verificar o que Yang apud Drigo (2000, p. 24) relatou
In Kyu Lee como a crescente popularidade “de diversos estilos de aprendizagem em artes
marciais em todo mundo”, que segundo o autor, “desde meados de 1950, que
continua sem apresentar declínio, estimando-se que atualmente 50 milhões de
INTRODUÇÃO pessoas praticam algum estilo de arte marcial em todo mundo”.

Com a promulgação da Lei 9696/98 que regulamenta a profissão de Educação No Brasil não se faz diferente. Mas, conforme foi desenrolada no segundo
Física se criou alguns embates sobre os limites de abrangência do Órgão capítulo da Revisão de Literatura, esta crescente popularização das Artes Marciais
representativo da categoria recentemente instituída por esta Lei. está intimamente ligado ao processo de massificação que sofrem as Artes Marciais,
principalmente decorrente da esportivização, o que faz com que as características
Entre outras controvérsias, a interpretação do Conselho Federal de Educação originais destas artes sejam “diluídas” até ao nível de perderem a sua essência,
Física (CONFEF) de que as artes marciais estariam dentro do seu campo de com tudo que isso pode representar.
atuação e conseqüentemente, de fiscalização, gerou polêmica entre os profissionais
das artes marciais, acarretando na mobilização destes que mostraram a sua Mas por outro lado, este processo de expansão faz com que mais pessoas
indignação e suas principais críticas e reivindicações no Manifesto Nacional das entrem em contato com a Arte Marcial e conseqüentemente com a cultura oriental
Confederações Brasileira de Lutas e Artes Marciais (2000), na qual o argumento que ainda nela está implícita. Em face a isso, na secção seguinte, contemplamos o
basilar era que o caráter sócio-cultural das artes marciais era preponderante aos Pensamento Oriental no que refere as Artes Marciais. Claro que nossa intenção é
aspectos esportivos das mesmas. puramente ilustrativa, pois sabemos que com nossos pequenos olhos não
conseguiremos enxergar toda imensidão do mar.
Ainda que a solução para este impasse, até o presente momento, não esteja
consolidada legalmente, esta crise, deixou nos meios acadêmicos uma discussão No capítulo posterior buscamos referências para justificar a prática das Artes
salutar em torno das artes marciais, quanto a sua natureza; a sua identidade e os Marciais. Será que são atividades verdadeiramente úteis à humanidade? Que tipo
benefícios que pode gerar para a comunidade. de repercussão ele traz para o indivíduo? Investigamos, portanto, estas e outras
dúvidas quanto aos objetivos das Artes Marciais.
Não obstante, criou um afluxo importante de profissionais das Artes Marciais e
aficionados que buscaram a Faculdade de Educação Física. O que provavelmente O objetivo do capítulo derradeiro da investigação bibliográfica é, baseando-nos
contribuirá para qualificação dos profissionais das Artes Marciais. Mas também, nas referências anteriores, encontrar no que as Artes Marciais podem contribuir
poderá trazer para o meio acadêmico um melhor e maior entendimento da para a Educação Física na sua missão maior, como bem classificou Santin (1992, p.
perspectiva oriental da relação corpo-mente-energia através das Artes Marciais, que 5) “de ser a sabedoria de viver” e “a primeira e indispensável condição da
poderá, como é nosso desejo, contribuir para a mudança paradigmática que cremos construção do ser humano”.
que se faça necessária para a nossa Educação Física.
REVISÃO DE LITERATURA
Apesar da celeuma que se criou, de ordem institucional que perpassa pelos
interesses econômicos e políticos, creio que este momento enseja mais a postura 1.1 Referencial histórico das Artes Marciais
reflexiva do que de combate. E de aproveitarmos este momento para criar
oportunidade de edificar uma Educação Física com perspectiva holística do seu Desde a origem da humanidade, o homem luta contra o homem, inventou armas
campo do saber. e planejou estratégias para combate, seja individual ou coletiva. A Bíblia nos conta
das epopéias do povo judeu e de seus conflitos, assim como na Ilíada, na Eneida e
até mesmo antes, na pré-história, onde se verifica vestígios que indicam que o No entanto, a história das Artes Marciais começa a tomar uma forma mais
homem preparava suas armas e treinava para o combate. concreta a partir do século VI. Conforme Bull (2004, p. 75) “quase mil anos depois
da morte de Buda, Bodhidharma (...) aprendeu Vajramushti e tendo se tornado o
A necessidade de defender-se para sobreviver fez com que se desenvolvessem 28º Patriarca do budismo, viajou à China a convite do Imperador Ling Wu Ti”.
diversos gêneros de luta, em diferentes épocas e regiões, como aponta Yang apud
Drigo (2002) que desde o início dos tempos o corpo tem sido usado para chutar, Também, sobre a viagem do Bodhidharma, chamado pelos chineses de Ta Mo
socar, dar cabeçada, lançar, imobilizar, estrangular e assegurar outros movimentos Lao Tsu ou Daruma pelos japoneses, escreve Funakoshi (1988, p. 21) “Diz-se que
para auto-proteção, subjugar outros e/ou desenvolver habilidades físicas, e de Ta Mo viajou da longínqua Índia para a China. Depois de sobreviver à longa e
autodisciplina para o bem estar pessoal. penosa jornada (...) chegou à corte do Imperador Kuang (520-524 d.C.) a quem
pregou a Lei Budista”.
Ainda, um dos fatores que contribuíram para a edificação das artes marciais é
segundo Vianna (1997), suprir a necessidade de sobrevivência em período de Sobre quem foi Bodhidharma, Despeux (1981) explica que os diferentes escritos
trajetória nômade levando o homem a adaptar-se a vários ambientes, às vezes históricos do budismo apresentam este como o introdutor do budismo chan (zen) na
hostis, obrigando-o a pescar e caçar e a se defender dos demais predadores China e que ele teria se hospedado no Templo Shaolin, onde ficou por nove anos
naturais de cada região. sentado, meditando diante de um muro.

Porém, apesar de podermos verificar que existiam diversos sistemas de lutas Conta Funakoshi (1988) sobre certa noite quando o Bodhidharma, vendo os
pelo curso da História em diferentes civilizações, não podemos dizer que havia monges dormindo de cansaço durante a sua instrução começou a ensinar o
Artes Marciais, na concepção que temos do termo, em todas estas épocas. Cada Vajramushti alertando que, embora os ensinamentos da Lei Budista tenham como
povo, em sua origem e em seus territórios, criou um sistema de defesa e ataque, objetivo alimentá-los espiritualmente, na realidade o espírito e a carne seriam um e
mas estes não estavam necessariamente unidos a uma filosofia de vida eles não poderiam ser separados.
ideologizada, voltada para a paz, com tudo que este exprime.
Relata Bull (2004, p. 76) que “o Vajramushti era, no templo de Shaolin, ensinado
Não existem registros escritos precisos sobre a origem das Artes Marciais. em segredo devido ao seu poder como Arte Marcial, e as técnicas somente eram
Porém, a gênese das Artes Marciais pode ter se dado na Índia. Onde há indícios de transmitidas às pessoas que tivessem o conhecimento de seu verdadeiro
que tenha surgido a primeira forma de luta organizada, chamada de Vajramushti. significado”.

Segundo Bull (2004, p. 75) “Na antiga Índia, cuja origem se perde há mais de Prossegue o autor revelando que os monges budistas, valorizando o Vajramushti
5000 anos a.C. surgiu uma luta marcial chamada Vajramushti, cuja tradução literal como auxiliar do homem em sua pesquisa interior, se desenvolveram enormemente
do sânscrito é punho real ou direto”. nesta Arte Marcial e o templo Shaolin ficou mais famoso como centro de Artes
Marciais do que de Budismo, efetivamente.
Ainda, conforme Bull (2004, p. 75) “era uma Arte Marcial que se desenvolveu
simultaneamente como prática de meditação e estudos dos antigos clássicos da Segundo Sato1:
Índia como os Vedas, o Gita e os Purana. Tinha como objetivo o desenvolvimento
espiritual, físico e de defesa pessoal”. “Os exercícios ensinados por Bodhidharma eram baseados em métodos de
respiração profunda e Yoga, e seus movimentos se assemelhavam a técnicas de
Contrariamente, Funakoshi (1988) abre uma possibilidade distinta de que a combate. A prática desses exercícios logo se tornou uma tradição no templo, vindo
história das Artes Marciais pode remontar a pelo menos seis mil anos na China, mais tarde a atingir um estado de evolução tal que pôde ser considerada como um
levantando relatos que no reinado do mitológico Imperador Amarelo (Huang-ti cerca verdadeiro e completo sistema de autodefesa: o Shaolin Kung Fu, que no Japão é
de 2700 a.C.) os soldados repeliram rebeldes bárbaros com espadas conhecido como Shorinji Kenpo”.
aguçadíssimas. Fato que corrobora com López (2002), quando este expressa que a
Arte Marcial Chinesa começou em épocas remotas, aproximadamente 2.500 a.C.,
relatando a existência da sua prática em escritos do Imperador Amarelo a respeito
da filosofia Taoísta.
1
Capturado na Internet
Ainda segundo o autor “a reputação dos monges lutadores logo se espalhou
pela China, fazendo com que o Shaolin Kung Fu se difundisse amplamente pelo (...) ação social institucionalizada, convencionalmente regrada, que se
país, principalmente durante a Dinastia Ming (1368-1644), vindo mais tarde a desenvolve com base lúdica, em forma de competição entre duas ou mais partes
conquistar outros países da Ásia”. (SATO2). Assim deu origem a outras oponentes ou contra a natureza, cujo objetivo é, através de uma comparação de
modalidades de Artes Marciais. desempenhos, designar o vencedor ou registrar o recorde; seu resultado é
determinado pela habilidade e estratégia do participante, e é para este gratificante
Segundo Cohn (2001, p. 16), cada arte marcial tem condicionantes históricos tanto intrínseca como extrinsecamente.
que levaram ao desenvolvimento para um lado ou para outro.
Apesar de existirem diversas Artes Marciais que se mantêm distante do mundo
Na China o Kung Fu do norte é mais acrobático, com saltos e chutes elevados, o desportivo e também existir uma retórica de preservação da dita “filosofia” nas
que corresponderia às possibilidades de um solo duro. Enquanto que o sul, o Kung modalidades que estão no processo de esportivização, consideramos que esta
Fu é mais curto, com aquelas seqüências impressionantes de trocas de golpes com tendência de massificação pela caracterização como desporto teve sucesso, pois
as mãos, luta propícia a uma região de charcos. O Taekwondo coreano é repleto de temos no segundo grupo as Artes Marciais mais difundidas no mundo como:
chutes poderosos. Nada mais natural para um povo acostumado a subir e descer Taekwondo, Judô, Karatê e Kung Fu, e dentre estas duas figuram como esportes
montanhas do que desenvolver uma luta que faz ampla utilização das pernas, parte olímpicos.
do corpo tornada muito forte. O Karate tem socos e chutes com um grande poder de
impacto. Esta foi a solução de Okinawa, adaptando técnicas vindas da China, para Mas se podemos considerar como aspecto positivo a abertura das portas do
enfrentar os guerreiros japoneses. Com as mãos vazias e no máximo auxiliadas por Ocidente com a possibilidade de revelar aos povos tão diferentes uma parcela da
ferramentas agrícolas, tinham de combater oponentes com armas e armaduras. cultura das Artes Marciais podemos ver como negativo a progressiva
(COHN, 2001, p. 16). descaracterização dos elementos fundantes das Artes Marciais.

Na visão de Kano apud Sugai (2000, p. 214) “as competições exigem uma
1.2 Massificação e Esportivização das Artes Marciais pessoa para atacar, e outra para tentar se defender, e isso é a antítese de uma arte
(...) o Judô é uma luta onde a competição não tem significado nenhum”.
O processo de popularização das Artes Marciais nos seus países de origem,
com intuito de preservação e auto-afirmação da cultura nacional, empreendido Também, esta mudança no perfil destas modalidades fez com que houvessem
principalmente pelos governos locais, veio acompanhada da posterior expansão redefinições no seu treinamento tradicional, e conseqüentemente, que
para o ocidente. acarretassem transformações na imagem e conceito que os praticantes e o público
em geral têm das Artes Marciais, criando novos focos de atração e interesses.
No primeiro momento de contato se salientou o perfil místico da formação
através das Artes Marciais de um homem com capacidades inimagináveis, vide o Por fim, podemos concluir que a introdução das artes marciais no contexto
seriado Kung Fu com ator David Carradine no papel de Gafanhoto, e o mito Bruce esportivo e olímpico é uma conseqüência de seu processo de “esportivização” e
Lee. que por sua vez interfere negativamente na disseminação de seus princípios
filosóficos devido à extrema importância, dada pelos mestres a face “esportivizada”
Não obstante, numa fase posterior, com a perspectiva de atingir um público das artes marciais, uma vez que seu status de esporte olímpico lhe proporciona
maior, o que significaria abrir mercados, as Artes Marciais mais praticadas no uma repercussão social de grande proporção, fazendo com que o público se
mundo começaram a rumar para uma esportivização progressiva, com impulso interesse muito mais pela prática do Esporte, distanciando-se dos valores orientais
principal dos governos dos países do extremo oriente, com intuito de divulgação a que permeiam seus princípios filosóficos.
modalidade “esportiva” que se formara na sua cultura.
López (2002, p. 2) traz como exemplos Artes Marciais que conseguiram o
Para continuarmos apreciando dados referentes a esportivização das Artes objetivo olímpico ou que estão a largos passos nesta direção:
Marciais recorremos a Betti (1991, p. 24) que o entende o esporte como:
Judô Foi a pioneira, tanto no desenvolvimento desportivo apesar dos
desejos do seu criador, como na inclusão no Programa Olímpico. Os
2
campeonatos do mundo começaram em 1956 e se converteu em
Idem olímpico em 1964.
Taekwondo Pela mais popular vertente do Taekwondo, a WTF, teve a sua
apresentação Olímpica em 1988 e já faz parte do seu programa. Ciente destas limitações, de acordo com Stevenson (2000, p. 24) “com toda a
Esta é outra Arte Marcial que desde a sua criação transitou no sua diversidade, o pensamento oriental compõe-se de quatro tradições principais:
caminho olímpico e tem a particularidade de quem o criou em 1955, Hinduísta, Budista, Taoísta, Confucionista. Essas quatro tradições devem suas
o General Choi Hong Hi, vive no Canadá e lidera o ITF (Federação origens e grande parte de seu desenvolvimento a duas grandes civilizações do
Internacional de Taekwondo) que se desenvolve paralelamente ao Oriente: Hinduísmo e Budismo vêm da índia, e Taoísmo e Confucionismo vêm da
WTF, que é apoiado pelo governo sul-coreano. O ITF tem os seus China”.
próprios campeonatos e presença importante em muitos países.
Karate Recentemente, acaba-se de confirmar a sua apresentação nas Ainda conforme o autor:
olimpíadas havendo superado o maior problema que era a divisão
mundial em duas federações. Começou o seu caminho desportivo (...) as quatro grandes filosofias orientais não são, estritamente falando, as
na década de 50 pelas mãos do mestre Funakoshi, o primeiro únicas filosofias do Oriente, assim como Índia e China não são as únicas
campeonato do mundo foi realizado em 1970. civilizações Orientais. Mas essas quatro grandes filosofias mostraram-se as mais
Wu Shu É a que está se formatando desportivamente agora, por exemplo, a influentes nas vidas, mentes e história de povos por todo o Oriente. Japão, Coréia,
modalidade de combate chamado Sandá o Sanshou se Birmânia e Nepal têm suas próprias tradições de vida e pensamento. Ao mesmo
desenvolveu nos anos 80 e teve o seu primeiro mundial com tempo, também têm muito em comum. Os aspectos comuns dessas diferentes
regulamento definido no ano de 91. Sua parte mais espetacular são tradições refletem influências compartilhadas das quatro grandes filosofias, que
as formas que da forma tradicional foram se agregando piruetas e deixaram sua marca por todo o Oriente e além. (STEVENSON, 2000, p. 24)
elementos similares a Ginástica Artística com regulamento ao estilo
da mesma. Yang apud Drigo (2002) nos diz que as artes marciais orientais são originárias
Quadro 1: Esportivização das Artes Marciais. Fonte: López (2002, p. 2) da Ásia, e cada qual com sua técnica e valores adicionais. Assim, baseados nas
influências filosóficas e socioculturais, destaca o Confucionismo, o qual coloca que
1.3 Pensamento Oriental e as Artes Marciais as pessoas deveriam lutar para alcançar a sabedoria, através do auto
aprimoramento e iluminação interna; e o Taoísmo: no caminho do Tao (o caminho a
No transcorrer do século anterior, o ocidente foi, progressivamente, entrando em ser seguido e um código de conduta), enfatiza uma vivência solidária entre as
contato a filosofia oriental, e esse passou a se tornar mais familiar e importante, pessoas, o que unifica a natureza e o homem.
inclusive como complemento e alternativa às formas ocidentais de pensar.
As artes marciais são refletidas como um microcosmo do macrocosmo, no quais
No entanto, na opinião de Stevenson (2000, p. 21) “na verdade, os hemisférios valores religiosos filosóficos orientais e singularidade da cultura indígena são
oriental e ocidental do planeta diferem tanto um do outro em seu pensamento como congruentemente integradas.
os hemisférios direito e esquerdo do cérebro. Compreender um da perspectiva do Através do curso do ensino em artes marciais "alguém" depara com a essência
outro pode se constituir um real desafio”. da grande sabedoria, ao descobrir a essência de alguém no modo de tornar um ser
humano de mente e corpo harmonioso. A arte marcial pode ser o recurso que
Sobre esta questão comenta J. C. Ismael no prefácio da edição brasileira do livro aumenta o bem estar físico, emocional, social e mental para todas as pessoas, mas
“A arte cavalheiresca do arqueiro zen” de Herrigel (2004, p. 5) que: não o bem estar espiritual, por que as artes marciais não são religiões. Tornar-se
um verdadeiro praticante ou campeão nas artes marciais não é subjugar outros ou
(...) tal encontro exigirá, por parte do leitor, algumas abdicações. A lógica do vencê-los em competição. Estes propósitos, entretanto, são somente os auto
pensamento ocidental deve ser posta de lado. A estrutura do cartesianismo, graduados e auto atualizados através da pratica virtual. (YANG APUD DRIGO,
reduzida a cinzas. A relação causa-efeito, desprezada. A separação sujeito-objeto, 2002).
ignorada. O tédio, ridicularizado. Mas a paixão pela vida enaltecida.”
Por outro lado, Stevenson (2000, p. 43) ressalta que o crescimento da
Além do embate inicial na compreensão das idéias do oriente, uma outra popularidade das Artes Marciais é decorrente da sua fundamentação na filosofia
dificuldade se releva quando se procura o entendimento da filosofia das artes oriental, em especial, o Zen Budismo e o Taoísmo.
marciais, pois estas, conforme Hyams (1990) não é projetada para ser pensada ou
intelectualizada, é feita para ser experimentada, pois do contrário, as palavras, Quanto ao Budismo sabemos que floreceu na Índia, depois migrou com o
inevitavelmente, transmitiriam apenas parte do significado. Bodhidharma, que o introduziu na China; a idéia se enraizou ali e cresceu até que
agora designamos especificamente como a escola Zen do Budismo. Portanto, a ódio e o amor, o passivo e o ativo, etc; e o movimento contínuo destas duas forças
historia do Zen, falando propriamente ou em seu sentido mais estrito, pode se determina o que se chama de luta de opostos. Através desta luta, o homem chega a
considerar que iniciou na China. (BULL, 2000) ter plena consciência do justo meio, do equilíbrio, da harmonia interior, que se
manifestará como tranqüilidade e bem estar na vida diária”.
Referindo-se sobre o Zen esclarece Sugai (2000, p. 51) que esse “é o resultado Sobre o dito acima, pensamos que talvez a denominação de duas forças
do desenvolvimento do budismo, com sua estrutura altamente metafísica. É a em luta não seja a imagem mais correta do que extremidades de um todo buscando
expressão de toda a filosofia, religião e visão do mundo do extremo Oriente, a harmonização contínua.
principalmente o japonês. É um desafio à lógica, que é a base do pensamento
ocidental.” Para Bull (2000, p. 51)

Herrigel (2004, p. 16) ao relatar a seu aprendizagem do zen no Kyu Do (arte do “a concepção do Tao está, precisamente, no coração da especulação filosófica
tiro com arco) escreve que “não é considerado pelos japoneses como simples chinesa. Gerações de estudantes levaram vidas inteiras tentado defini-los. Em seu
esporte que se aperfeiçoa com um treinamento progressivo, mas como um poder sentido mais estreito, o Tao significa, literalmente, “um caminho”, uma estrada, um
espiritual oriundo de exercícios nos quais o espiritual se harmoniza com o alvo”. E canal e, assim, por extensão, poderá levar ao verdadeiro caminho a seguir, o
assim objetiva o arqueiro mirar a si mesmo e ao mesmo tempo, se atingir. caminho da natureza, a lei da vida, lei universal.”

Sob a influência do Zen, a habilidade se espiritualizou e o praticante dessas Também exemplifica Bull (2000) que o Aikido (caminho da harmonização da
artes se transformou, vencendo-se a si mesmo e de si mesmo se libertando por energia vital), como arte marcial tradicionalmente japonesa, ensina que encarar a
etapas. Desembainha a espada apenas nos momentos inevitáveis, porque ela se vida segundo os princípios do “Dô” não somente traz uma melhor maneira de
converteu na sua alma (...) (HENRRIGEL, 2004, p. 87) resolver nossas dificuldades, mas também é uma forma de transformar qualquer
ação em um elevado treinamento espiritual para atingir o último degrau, a
Fazendo referencia a um ensinamento comum a diversas modalidades de Artes iluminação.
Marciais, escreve Stevenson (2000) que as mesmas costumam estar de acordo
com o princípio Zen e taoísta de wu wei, ou ausência de esforço. De um ponto de Ao aproximarmos as artes marciais das filosofias orientais que a influenciaram,
vista prático, isso implica usar o corpo da forma mais eficiente possível, como a pensa Stevenson (2000) que é possível entender a classificação das mesmas em
capacidade de usar o menor número de movimentos para atingir os melhores dois estilos: os externos e os internos.
resultados; a capacidade de utilizar os movimentos ou força do adversário em seu
próprio benefício; e a capacidade de alcançar a harmonia entre mente e corpo de Os estilos externos são aqueles em que a sabedoria filosófica serve de
modo a aguçar o processo de tomada de decisões. ferramenta para melhorar a perícia na luta. Seus praticantes encaram o
desenvolvimento de habilidades marciais como um objetivo válido por si e vêem o
A mente deve ser clara para que o corpo seja capaz de ações espontâneas e conhecimento filosófico como meio de atingir esse objetivo. Os estilos internos, por
propositadas. A ligação mente-corpo funciona nos dois sentidos. Praticar sua vez, encaram a destreza física como uma ferramenta para desenvolver o
movimentos físicos é uma boa forma de clarear a mente, e clarear a mente é um conhecimento filosófico. Consideram a iluminação, a espiritualidade e a harmonia
bom meio de avivar os movimentos físicos. (STEVENSON, 2000, p. 353) mente-corpo objetivos supremos e vêem a prática física como um meio de atingi-
los. (STEVENSON, 2000, p. 353)
Além do Budismo e da sua derivação mais significativa para as Artes Marciais, o
Zen, comenta Severino (1988), que o Taoísmo é a chave secreta da filosofia de No entanto, Despeux (1981) tem o entendimento que mesmo nos estilos
todas as Artes Marciais da China. E o seu símbolo, o Tao, verdade primeira e última externos o trabalho interior não é de todo negligenciado, caracterizando uma
nas disciplinas, é o ponto onde o indivíduo entra em comunhão com o cosmos. Tao diferença de graus de prioridade e não oposição das mesmas.
é a fusão da natureza, é a mãe magna, dona do seio de onde tudo que existe foi
criado. Lee (2004, p. 21) ao explanar sobre o seu método de “luta” Jet Kune Do nos
colabora no entedimento do Tao:
Continua Severino (1988, p. 46) Obter um esclarecimento das artes marciais significa a extinção de tudo o que
obscurece o “conhecimento verdadeiro”, a vida real. Ao mesmo tempo, isso implica
“esta filosofia marcial se fundamenta com a existência de duas forças em uma expansão sem fronteiras e, na verdade, não se deve enfatizar o cultivo da
contínua luta. Os chineses as denominam Yin e Yang, o feminino e o masculino, o
parte específica que se une à totalidade, e sim a totalidade que entra naquela parte Segundo Bull (2004, p. 42) “Na Ásia, desde tempos ancestrais a alabarda tem
específica e se une a ela. sido o símbolo do guerreiro. Bu é escrito desenhando-se uma alabarda sendo
contida (...) no sentido original da palavra Bu significa parar a violência, dispensa
explicações, deixando claro qual foi e deve ser o verdadeiro sentido das Artes
1.4 Objetivo das Artes Marciais Filosóficas Marciais (...)”. (grifo nosso),

Suzuki, T. no prefácio do livro original de Herrigel (2004, p. 9) fala sobre os Taboada (1995, p. 16) salienta que “o homem é produto da sua agressividade;
objetivos das Artes Marciais: necessita dela para sobreviver (...) necessitamos de pequenas doses de
agressividade para caminhar, mastigar a comida (...)”.
Objetivo da arte marcial é que não tem como objetivo nem resultado práticos,
nem o aprimoramento do prazer estético, mas exercitar a consciência, com Ainda conforme o autor “as Artes Marciais são um eficaz auxiliar para evitar que
finalidade de fazê-la atingir a realidade última. A meta do arqueiro não é apenas esta agressividade não se transforme em patologia, e desta forma poder orientá-la
atingir o alvo; a espada não é empunhada para derrotar o adversário; o dançarino para o criativo, permitindo, assim, que o homem realize movimentos tão belos como
não dança unicamente com a finalidade de executar movimentos harmoniosos. O harmônicos”. (Taboada, 1995, p 17)
que eles pretendem, antes de tudo, é harmonizar o consciente com o inconsciente.
Do ou Tao (Caminho)
Ainda no prosseguimento, este filósofo alemão explica que para ele a realidade
última seria o nirvana, um estado de iluminação suprema, para além da concepção
do intelecto.

É curioso e preocupante ainda encontrar pessoas que desconhecem que as


Artes Marciais são essencialmente caminhos para o auto conhecimento, e
acreditam que são perigosas e violentas. Acreditamos que seja provável que esta
desinformação deva ser conseqüência de uma formação pouco madura dos
mestres e professores das Artes Marciais.

No entanto esta impressão poderia ser demovida se entendêssemos o real


significa dos ideogramas que compõem o Budô que é a representação da Arte
Marcial no oriente (caminho marcial em japonês correspondente ao Mudô em
Por sua vez, o sufixo Do de Budô é o mesmo ideograma que compõe as
coreano e Wu Shu em Chinês).
nominações da maioria das Artes Marciais como: Karate-Do, Judô, Tang Su Do,
Taekwondo, Viet Vo Dao, entre outras centenas. E ela simboliza uma pessoa
Bu ou Mu (marcial)
navegando num barco com cabeça de dragão (o dragão no oriente representa a
essência espiritual).

Para Severino (1988, p. 124) o Do é a filosofia e o misticismo que impregnou e


deu o refinamento a todos estes sistemas e disciplinas, e é o aporte que o zen
budismo oferece a todos os praticantes de Ken-Dô (Caminho da Espada), Kyu-Dô,
Karate-Dô, Yu-Dô, Aiki-Dô, T’cha-Dô (Arte ceremonial do chá), etc, junto com o
Zazen (meditação Zen Budista); enfim trata-se do caminho que leva o homem a
reencontrar sua própria essência, percorrendo o caminho que leva o homem que é
conhecido com o nome de Budô, ou seja, o caminho da Iluminação.

Portanto se pudéssemos dar uma noção preambular das Artes Marciais


poderíamos dizer que seriam métodos de exercícios de simulação de solução de
conflitos que promovem a integração do corpo à mente e ao espírito através da
harmonização da energia vital (ch’i ou ki).
1.5 Busca de Corporeidade na Educação Física através das Artes Marciais
Ainda Despeux (1981, p. 75) torna mais clara esta noção de representação:
“Cumpre, aliás, precisar que a noção de combate na China não se reduz à idéia de Tenho que definir a finalidade da Educação Física. Penso que as quatro
luta contra um adversário real, mas engloba igualmente os combates contra os definições seguintes constituem a sua meta. Saúde, Força, utilidade e Treinamento
demônios (tais como os que participam de rituais e exorcismos), contra as Espiritual. Incluindo as fases Moral e Estética. Quero apontar para o fato de que
tendências profundas, contra todo obstáculo encontrado na existência”. ninguém, nem sequer os especialistas em Educação Física, parece haver estudado
a importância de cada um desses quatro títulos (...) Naturalmente as pessoas
Segundo Bull (2004, p. 44) “Quase todas as lutas marciais têm em seus cometem tais erros porque a finalidade da Educação Física não está claramente
princípios a paz e não a luta, tendo como objetivo primordial a formação de uma posta em destaque. A inter-relação desses quatro itens ainda não está sendo
personalidade sadia, do indivíduo útil à sociedade e a si mesmo”. estudada com seriedade. (KANO APUD SUGAI, 2000, p. 89) (GRIFO DA
AUTORA).
Idéia que também está contida no pensamento de Hyams (1990, p.11).
Conforme Sugai (2000) o conhecimento humano se tornou excessivamente
(...) as artes marciais, em sua modalidade mais delicada, são muito mais do que fragmentado, diminuindo de maneira considerável as possibilidades de, através
uma disputa física entre dois oponentes, um meio de impor a própria vontade ou de dele, alcançarmos o sentido da vida, que em hipótese nenhuma pode ser
infligir dano ao outro. Mais que isso, para os verdadeiros mestres, o Karate, o kung compreendida por processos que a fragmentaram, e encontrar saídas para
fu, o aikidô, o wing-chun e todas as demais artes marciais são basicamente condições melhores de seu existir.
caminhos amplos através dos quais eles podem alcançar a serenidade espiritual, a
tranqüilidade mental e a mais profunda autoconfiança. Para conduzir um indivíduo a um patamar que o distancie do egoísmo, o que
fortalece a busca insana do poder sobre os seus semelhantes, precisamos
É verdade que normalmente o indivíduo praticante de artes marciais é uma desenvolver sentimentos de amor e fraternidade. Mas para isso temos que ir em
pessoa bastante forte, de personalidade, com energia e técnicas de defesa pessoal busca da integridade corporal, da harmonia da corporeidade, ou do contrário
bastante aprimorada. Porém estas qualidades são apenas efeitos acessórios dos abriremos as portas para uma degredação séria da personalidade, via direta para a
treinamentos marciais, elas são atribuições vindas por acréscimo dentro de uma desordenada falta de princípios. (SUGAI, 2000, P.184)
meta muito mais profunda, importante e superior. (Bull, 2004, p. 42)
Na mesma linha e salientando o pensamento cartesiano e mecanicista da nossa
Leonard (1974, p. 57) quando descrever as suas dificuldades iniciais de se sociedade, Brito (1996) vê que a cultural ocidental tem preconizado para que toda
praticar o Aikidô depois de vários anos como desportista de alto rendimento relação do homem com o mundo se sustente pela dicotomia: corpo-mente, sujeito-
descreve que “(...) tinha aprendido a cultivar imenso prazer pela competição e pela objeto, matéria-espírito. Ainda, considera que esta secção corpo-mente e os
ação física agressiva. Foi necessário algum tempo para que eu pudesse a problemas que enseja não encontram guarida nas áreas de conhecimento
incorporar os ensinamentos (...) ao meu corpo e ao meu ser”. segmentados da cultura ocidental, e isso, se tornaria extremamente crítica na
Educação Física, uma vez que sua origem sustenta-se no discurso fragmentado do
Mas o mesmo autor descreve a satisfação da descoberta: corpo e do movimento humano, tomados emprestados de várias outras áreas do
conhecimento.
(...) o aikidô demonstrou ser capaz de me oferecer toda ação física que eu
pudesse desejar; e, obviamente, é uma forma efetiva de defesa pessoal. Mas Sob mesmo prisma salienta Santin (1987) que essa compreensão dualística do
descobri – e isso é o mais importante – que suas técnicas básicas destroem as homem apresentada pelas diferentes correntes filosóficas torna a Educação Física
barreiras que a mente ocidental erigiu entre o físico e o mental, entre a ação e a alheia ao campo da própria educação, tornando o um instrumento para se chegar a
contemplação. (LEONARD, 1974, p. 57) objetivos que se situam fora dela mesma.

Yang apud Drigo (2002) observa que os artistas marciais são devotados à Compreende Sugai (2000, p. 173):
disciplina rígida, em uma sustentação vitoriosa em competição consigo mesmo. As
artes marciais são indefinivelmente uma forma superior da educação conectada A nossa mente mecanicista, que transforma tudo em fenômeno intelectual (...)
com o movimento humano. criou um fosso profundo entre as Ciências Humanas e as Biociências (...) se
continuarmos a ignorar os fenômenos do corpo humano sob o ponto de vista do
entrelaçamento da sua dimensão física com outra mais sutil, ou da relação desse
corpo com o seu pensar, o seu sentir, os seus desejos e intenções, com tudo o que formam o engate da tríade corpo, mente e espírito, apontando para a necessidade
origina da ação humana, por muito tempo anida não vamos conseguir ligar o mundo de uma educação que abarque todas estas dimensões.
reflexivo dos homens com a sua base biológica.
Ao ensejar que os movimentos na Educação Física devam ser gestos artísticos,
Ainda faz uma alerta Sugai (2000) que esse é um ponto importante para ser isto é, criativos. Santin (1987) coloca como parâmetro positivo as culturas orientais,
observado pelos professores de Educação Física, para poder fazer frente a uma em especial o Yoga, o Caratê, o Judô, etc. ao reconhecer nelas a simbiose mente-
educação verdadeiramente revolucionária: a educação que promove o corpo, ou melhor, sentir a presença do homem total.
desenvolvimento da sensibilidade humana.
Para Sugai (2000) a ciência e humanidade, matéria e espírito, mente e corpo,
E incluo de forma especial nesse modelo de amorosos educadores, os pensar e fazer, todos precisam unir-se em um só processo compreensivo, para uma
professores de Educação Física, pela importância do seu papel na educação de um tarefa única e urgente: salvar e proteger todas as formas de vida. Em remotos
novo homem, na preparação mais cuidadosa de seu corpo, o veículo para a grande tempos diz autora, era tarefa maior de um verdadeiro e justo Samurai e é a
viagem da vida. Um corpo que permita ao homem ser mais humano, íntegro em proposta do verdadeiro Budô que é a essência dos Caminhos Marciais.
suas emoções, justo em suas atitudes, amoroso e compassivo nas suas relações
com seus semelhantes. Um professor de Educação Física, pela natureza e Educar seres humanos, que pelo próprio aperfeiçoamento se tornarão úteis à
característica da sua cátedra, poderá acompanhar o desenvolvimento do aluno por humanidade; e este é o objetivo capital do Judô. (Kano apud Sugai 2000, p.192).
um extenso período, sentindo de perto todas as nuances do seu desenvolvimento.
(SUGAI, 2000, P.185) CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebe Santin (1987, p. 26) “que o homem é corporeidade e, como tal, é São tantas, no mundo contemporâneo, as modalidades designadas como Artes
movimento, é gesto e expressividade, é presença”. Marciais que não nos atrevemos a enumerá-las nesta presente pesquisa, ainda
mais se considerarmos a existência de diversas vertentes em algumas delas.
De mesma forma compreende Ponty apud Santin (1987) ao descrever esta
presença do homem como corporeidade, não enquanto o homem se reduz ao Da mesma maneira, são tantas e tão amplas as formas como elas têm se
conceito de corpo material, mas enquanto fenômeno corporal, isto é, enquanto manifestado na nossa sociedade. Algumas chamam a atenção do público pela
expressividade, palavra e linguagem. prioridade que dão para os métodos de defesa pessoal como o Hap Ki Do (arte
marcial coreana muito aplicada nos treinamento para policiais), outras, em
Ainda, a corporeidade segundo o pensamento de Maurice Merleau Ponty, deve contraste, se evidenciam como uma disciplina psicossomática, a exemplo do Tai-
estar incluída na compreensão da consciência e do eu. O eu ou a consciência são Chi Chuan (arte da meditação em movimento), que mal parecem Artes Marciais à
corporeidade. Não são realidades transcendentais residindo no corpo. (Santin, primeira vista.
1987, p.50)
Em vista disso, pensamos que buscar a unidade conceitual das Artes Marciais
Segundo Leonard (1974, p. 30): só faria sentido se compreendermos a essência filosófica das quais se originaram.
Como vimos o caminho marcial, representado pelo Budô, não se caracteriza
A unidade ideal entre o físico e o espiritual já foi considerada “irremediavelmente somente pela manifestação técnica e nem pelo pensamento reflexivo, mas
perdida entre nós”. Os Atletas e os intelectuais, em geral, vivem em mundos justamente pela conjugação destas.
diferentes – o que acaba prejudicando a todos. Os atletas tendem a mostra-se
insensíveis e autoritários. Os intelectuais, a transformar-se em cérebros Em consonância, cremos que no curso deste trabalho, verificamos que os
desprovidos de corpos, inconscientes das conseqüências acarretadas por seu docentes de Faculdades de Educação Física percebem corretamente que há
pensar (...) descobriremos que a separação entre corpo e espírito constitui um dos transformações do sentido original das Artes Marciais e repercutem essa
maiores equívocos do pensamento ocidental, que jamais deverá ser repetido. multiplicidade de formas tal qual se constata na realidade, na prática.

Ao pensar nas possibilidades das Artes Marciais em termos de educação, Sugai É esclarecedor, e penso eu alentador, que tenham indicado reiteradamente a
(2000) se alia ao entusiasmo que motivou Jigoro Kano a criar o seu Judô de visão de uma Arte Marcial original com a existência de uma filosofia na sua prática.
Kodokan. Pois segundo autora em alguns dos seus discursos, o criador do Judô Interpretamos também, que sob suas óticas esse era uma característica peculiar
deixa clara a necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre os vínculos que
que ensejaria uma positiva contribuição na formação do praticante ou até do próprio HYAMS, J. O Zen nas Artes Marciais. Rio de Janeiro: Mundo Novo, 1990.
educador.
KIM, Yeo Jin. Taekwondo: Arte Marcial Coreana. São Paulo: Roadie Crew, 2000.
Anotamos também, as suas preocupações quanto à formação dos profissionais
“práticos” nas suas fundamentações pedagógicas e científicas. Observações que LEE, Bruce, O Tao do Jeet Kune Do. São Paulo: Conrad, 2004.
são naturais e valiosas posto que são olhares aguçado de educador que formam
educadores. LEE, Woo Jae. Aprenda Taekwondo. Rio de Janeiro, 1977.

No findar da jornada, percebemos que a nossa investigação sobre as Artes LEONARD, George. O atleta dos atletas: Uma nova dimensão para a atividade
Marciais criou sólidas pontes com outras inquietações no campo da educação, física. São Paulo: Summus, 1999.
despertando assim o pesquisador, como o efeito de uma bola de neve em ladeira.
LÓPEZ, Héctor P. Fariña. Historia y reflexiones sobre el arte marcial. Buenos Aires:
Mas por hora, salientamos que sentimos enaltecidas as possibilidades de Revista Digital, 2002. Disponível em: (http://www.efdesportes.com). Acesso em 13
contribuição das Artes Marciais para com a Educação Física, na formação de de mai. 2005
indivíduos na acepção plena da palavra, no reconhecimento da sua indivisibilidade
mente-corpo-espírito. Manifesto Nacional Das Confederações Brasileiras De Lutas E Artes Marciais Ao
Conselho Federal De Educação Física – Confef, 2000. Xerocopiado.
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