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FAZ SENTIDO?

A GRAMATICALIDADE DO TEXTO
Imagine a seguinte situação: Quando um bebê começa a balbuciar os seus
primeiros sons, como dadada, a mãe logo pensa “Meu filho está querendo falar”. Passam-
se alguns dias e a mãe está comendo uma fruta perto do filho e a criança balbucia: “Dá!”.
Neste exato momento a mãe faz uma grande festa e diz que o filho começou a falar. Mas
o que diferencia o antigo “dadada”, que não era fala, desse “dá” que a mãe considera a
primeira fala do filho? A diferença é o SENTIDO que o “dá” adquiriu naquele contexto em
que a mãe comia uma fruta.
Todos os falantes de uma língua adquirem natural e gradativamente o
conhecimento necessário para usar a língua na comunidade a que pertencem. O bebê do
exemplo que eu dei irá, aos poucos, começar a organizar as palavras em textos mais
complexos que farão com que ele desenvolva suas habilidades de comunicação. Ele irá
aprender algumas estruturas predeterminadas por convenções sociais, como os signos
linguísticos, formando o seu conhecimento linguístico. A soma desses conhecimentos
linguísticos é o que chamamos de GRAMÁTICA.
É justamente por conhecermos a gramática de uma língua, desde as nossas
primeiras palavras, que conseguimos organizar letras, sílabas e sons e criar um conceito,
ou seja, conseguimos produzir sentido em nossas falas. Mas essa gramática que
aprendemos não é a Gramática Normativa que estabelece regras para o uso da língua. É
uma gramática internalizada em nossa mente, conhecida por GRAMÁTICA NATURAL.
Vamos esmiuçar essas diferenças:
GRAMÁTICA NATURAL: É um conjunto de regras gerais e internas da língua que
permitem a escolha e a organização dos Signos Linguísticos, buscando a produção de
sentido. Nós aprendemos a Gramática Natural durante a nossa vivência, o que explica o
fato de que mesmo as crianças que ainda não iniciaram sua vida escolar consigam se
comunicar facilmente.
GRAMÁTICA NORMATIVA: Conjunto de regras e normas que objetivam
estabelecer um determinado uso da língua, o que nós chamamos de Norma Padrão ou
Norma Culta. Porém, esse padrão linguístico, que confere até um certo prestígio social
para quem o usa, nem sempre coincide com a gramática natural.

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Cabe aqui falar de dois conceitos que permitem reconhecer o uso da gramática na
produção de sentido: GRAMATICALIDADE E AGRAMATICALIDADE. Sigamos o exemplo
da palavra ABACATE. Se eu organizar as sílabas de modo diferente, formando a palavra
CATEABA, embora sejam as mesmas letras, não haverá produção de sentido. Dentro
desse exemplo, ABACATE é uma palavra gramatical, enquanto CATEABA é uma palavra
agramatical. Se eu misturar as letras independentemente das sílabas, como em a
ACTEBAA, palavra continuará sendo agramatical.
O mesmo acontece com a formação de frases. Mesmo que você use palavras
gramaticais, com sentido, se a organização delas não produzir sentido, irá gerar uma
frase agramatical. Veja estes exemplos:
Os meninos empinaram papagaio a tarde toda.
(GRAMATICAL)

Meninos toda empinaram os tarde papagaio a.


(AGRAMATICAL)

Em alguns casos, a organização das palavras pode apresentar variações sem


comprometer a Gramaticalidade do texto, como no exemplo a seguir:

Os meninos empinaram papagaios a tarde toda.


A tarde toda, os meninos empinaram papagaios.
Papagaios, os meninos empinaram-nos a tarde toda.

Também é importante levar em consideração a combinação das palavras, pois a


gramática natural é que nos permite fazer a concordância entre as palavras. Por exemplo,
nós falamos “O menino” ou “A menina”, concordando o artigo com o substantivo. Ninguém
fala “A menino”, porque essa combinação não faz sentido. O mesmo acontece com os
palavras variam para o plural, mas nesse caso a gramática natural discorda da Gramática
normativa. Veja só:
Os meninos andavam de patins. (GRAMÁTICA NORMATIVA)
Os menino andava de patins. (GRAMÁTICA NATURAL)
Mas atenção! Não é porque você domina intuitivamente a Gramática Natural que
você está dispensado de conhecer a Gramática Normativa. Afinal, a Gramática Normativa

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é empregada e exigida em várias situações comunicacionais, como uma entrevista de
emprego, atuação na mídia, trabalhos acadêmicos, documentos oficiais e na Redação do
Vestibular.

MECANISMOS DE SELEÇÃO E COMBINAÇÃO


Uma língua, como o Português, pode ser considerada o lado social da linguagem
humana, pois ela pertence a uma comunidade ou grupo social, como é o caso dos países
de Língua Portuguesa. Somente a comunidade como um todo pode consolidar e modificar
uma língua. Mas todo indivíduo pode fazer um uso particular da língua e esse uso
particular é o que chamamos de FALA. Mas aqui, o conceito de fala não está restrito
somente à oralidade; se você faz um uso particular da língua em um texto escrito, como
numa carta, isso também é considerado fala.
Quando um falante realiza um ato de comunicação verbal, ele seleciona, combina e
organiza diversos signos linguísticos, dentro das possibilidades oferecidas pela Língua, e
cria uma mensagem com sentido para o seu interlocutor. Esse trabalho de seleção e
combinação de palavras não é aleatório e nem por acaso, mas é o fruto da
intencionalidade do falante. Tanto a SELEÇÃO quanto a COMBINAÇÃO giram em torno
de aspectos gramaticais e de aspectos ideológicos.
Antes de falarmos desses aspectos na Seleção e na Combinação, é preciso
conhecermos a definição de sintagma. Sintagmas são conjuntos de palavras que
funcionam como partes de uma frase. Por exemplo, na frase “A moça bonita ganhou
flores silvestres.” O sujeito da frase - “A moça bonita” - é um sintagma que gira em torno
do núcleo “moça”. Já o predicado - “ganhou flores silvestres”, é outro sintagma centrado
no núcleo ganhou. Quando esses dois sintagmas são combinados, temos a frase com
sentido completo.
Na SELEÇÃO, o aspecto gramatical vai levar em conta quais são os melhores
sintagmas para a estrutura textual. Por exemplo, no verso “Minha terra tem palmeiras”, o
autor poderia ter selecionado outros sintagmas para usar no lugar de “minha terra”.
Assim, poderíamos ter “Minha Pátria tem palmeiras”, “Meu país tem palmeiras”, “Meu
torrão natal tem palmeiras”, e muitas outras possibilidades. O poeta também poderia ter
feito outras escolhas para o predicado, alterando o verbo e o complemento como: “Minha
terra tem magia”, ou “Minha terra refresca a alma”, “Minha terra ilumina o mundo. É por

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meio da Seleção Gramatical que não cometemos absurdos como “Minha perna tem
palmeiras” ou “Meu carro tem palmeiras”
Já no ASPECTO IDEOLÓGICO, a Seleção leva em consideração o peso simbólico
que uma palavra tem dentro de uma sociedade. Por exemplo “O menino pegou o doce”
soa diferente de “O moleque pegou o doce”. Se eu disser “O pivete pegou o doce”, daí
então eu o peso da palavra pivete dentro da sociedade muda totalmente o sentido da fala.
É nisso que se resume o aspecto ideológico da Seleção. Observe outros exemplos:

Sua mãe é uma idosa. Sua mãe é uma velha.


Ele mora na comunidade de Ele mora na favela de Heliópolis.
Heliópolis.
Eu tenho um amigo gay. Eu tenho um amigo baitola.

Já na COMBINAÇÃO o aspecto gramatical se restringe às possibilidades


existentes na gramática natural e na normativa. Por exemplo, nós podemos combinar
substantivos com artigos, adjetivos e numerais. Porém, não podemos combinar
substantivos com advérbios. Advérbio só combina com verbo e com adjetivos. O verbo,
por sua vez, combina com seus complementos, com o advérbio, com o substantivo, mas
não combina de jeito nenhum com os adjetivos. Assim, a COMBINAÇÃO tem que seguir
os aspectos gramaticais para produzir sentido.
O aspecto ideológico na COMBINAÇÃO também segue as gramáticas, mas dentro
das possibilidades de combinação oferecidas pela Língua, o falante pode escolher
algumas que valorizam determinado indivíduo. O melhor exemplo é a substituição da voz
ativa pela voz passiva. Em “O guarda ajudou a mulher”, o destaque está na figura do
guarda; já em “A mulher foi ajudada pelo guarda”, quem está em destaque é a mulher.
Outro exemplo é quando ocorrem inversões na chamada ordem direta da frase; se em
vez de dizer “Os policiais reprimiram violentamente os manifestantes” eu optar por falar
“Violentamente, os policiais reprimiram os manifestantes”, a violência da repressão parece
muito mais acentuada.

ESCRITA E ORALIDADE
A produção de sentido em um processo comunicativo se dá de modos diferente na
ESCRITA e na ORALIDADE. Isso nos faz observar algumas marcas que são

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características de cada uma. Vamos conhecer então as marcas de escrita e as marcas de
oralidade.
MODALIDADE FALADA MODALIDADE ESCRITA
Forte dependência contextual Pouca dependência contextual
Pouco planejamento, frases curtas, Planejamento cuidadoso, fluxo
fragmentação textual contínuo
Redundante Condensada
Coesão por recursos paralinguísticos Coesão por conectivos e estruturas
sintáticas
Frases curtas, ordem direta, períodos Períodos longos, orações
simples subordinadas, estrutura complexa
Presença de elementos fáticos Influência das convenções
(entendeu, né, tá claro) gramaticais.

.
INTENCIONALIDADE
Algumas palavrinhas são venenosas e podem mudar totalmente o significado de
uma frase. Compare estes exemplos:

“O show foi um sucesso. A plateia aplaudiu em pé.”


“O show foi um sucesso. A plateia até aplaudiu em pé.”

Vocês perceberam que o até deixou o segundo exemplo mais dramático? Isso
acontece porque algumas expressões, como até, bem, aliás, ainda, também, só, nem
mesmo, no mínimo, entre muitas outras, funcionam como INTENSIFICADORES ou
MODALIZADORES da intencionalidade, agindo como elemento de persuasão, ou de
convencimento. Vamos a mais alguns exemplos:

Meu filho não está na faculdade. Ele não terminou o Ensino Médio.
Meu filho não está na faculdade. Aliás, ele não terminou o Ensino Médio.

Vou tomar uma cerveja.


Vou tomar só uma cerveja.

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Maria estava acordada.
Maria ainda estava acordada.

REFERENCIAÇÃO
Algumas palavras são capazes de preencherem um significado, fazendo
referências extratextuais. Assim, quando elas aparecem em um texto, estão referenciando
algum elemento que pode estar no texto ou não. Vamos ver algumas classes gramaticais
que funcionam para fazer a referenciação:
- Pronomes Pessoais;
- Pronomes Demonstrativos;
- Circunstanciais de tempo;
- Circunstanciais de lugar;
- Tempos Verbais.

Quando a Referenciação remete a um termo que não está presente em um texto,


ela é chamada de EXOFÓRICA, considerando que o prefixo exo significa fora. Quando
termo referenciado está dentro do próprio texto, é chamada de ENDOFÓRICA
(endo=dentro). E as Referenciações Endofóricas podem ser classificadas como
CATAFÓRICAS ou ANAFÓRICAS. Os nomes parecem complicados, mas não é nada
difícil de entender. Veja só:
ANAFÓRICA (O Referente vem antes)
“Brasil e Chile falam línguas diferentes. Aqui se fala Português, lá se fala Espanhol.

CATAFÓRICA (O Referente vem depois)


“Aqui no Brasil se fala Português, lá no Chile se fala Espanhol.”

DICA DE ESTUDO:
O tema desta aula tem muita relação com o estudo da Sintaxe. Então, procure
sempre associar os conhecimentos adquiridos aqui com os conhecimentos de Sintaxe
que você possui.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FERRAREZI Jr, Celso. Semântica para a Educação Básica. São Paulo: Parábola,
2008.
FERRAREZI Jr, Celso; TELES, Iara M. Gramática do Brasileiro - uma nova forma de
entender a nossa língua. São Paulo: Globo, 2008.
NICOLA, José de. Gramática, Palavra, Frase, Texto. São Paulo: Scipione, 2009.

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