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Malária

Malária é uma doença infecciosa transmitida por mosquitos e causada


por protozoários parasitários do género Plasmodium. Os sintomas mais comuns
são febre, fadiga, vómitos e dores de cabeça. Em casos graves pode
causar icterícia, convulsões, coma ou morte. Os sintomas começam-se a manifestar entre 10 e 15
dias após a picada. Quando não é tratada, a doença pode recorrer meses mais tarde. Uma nova
infeção geralmente causa sintomas mais ligeiros. No entanto, esta imunidade parcial pode
desaparecer no prazo de meses a anos se a pessoa não for continuamente exposta à doença.
A doença é geralmente transmitida pela picada de uma fêmea infectada do mosquito Anopheles.
A picada introduz no sistema circulatório do hospedeiro os parasitas presentes na sua saliva. Os
parasitas depositam-se no fígado, onde se desenvolvem e reproduzem. Existem cinco espécies
de Plasmodium que podem infetar os seres humanos. A maior parte das mortes são causadas
pelo P. falciparum. As espécies P. vivax, P. ovale e P. malariae geralmente causam formas
menos graves de malária que raramente são fatais. A espécie P. knowlesi raramente causa a
doença em seres humanos. O diagnóstico de malária tem por base análises microscópicas ao
sangue que confirmem a presença do parasita ou através de testes de diagnóstico rápido que
detectam a presença de antigénios no sangue. Existem também técnicas de diagnóstico que
usam a reação em cadeia da polimerase para detectar o ADN do parasita, embora o seu uso nas
regiões onde a doença é endémica seja pouco comum devido ao seu elevado custo e
complexidade.
A transmissão da doença pode ser combatida através da prevenção das picadas de mosquito. As
medidas de prevenção mais comuns são o uso de redes mosquiteiras ou repelente de insetos e
medidas de erradicação, como o uso de inseticidas ou o escoamento de águas
estagnadas. Estão disponíveis diversos medicamentos para prevenção da malária em viajantes
que se desloquem a países onde a doença seja endémica. Em regiões de elevada incidência,
está recomendada a administração de sulfadoxina/pirimetamina nas crianças mais novas e em
grávidas após o primeiro trimestre. Não existe vacina eficaz contra a malária, apesar de haver
esforços no sentido de desenvolver uma. O tratamento recomendado para a malária é
uma artemisinina associada a um segundo antimalárico. Os antimaláricos são
geralmente mefloquina, lumefantrina ou sulfadoxina/pirimetamina. Quando não está disponível
artemisinina pode ser usada quinina com doxiciclina. Em áreas onde a doença é comum,
recomenda-se que se confirme a presença da doença antes de iniciar o tratamento devido à
preocupação com a crescente resistência farmacológica. Vários parasitas desenvolveram
resistência a uma série de antimaláricos, como é o caso do P. falciparum resistente o quinino e a
resistência a artemisinina em várias partes do Sudeste Asiático.
A malária é endémica em regiões tropicais e subtropicais devido à chuva abundante, temperatura
quente e grande quantidade de água estagnada, o que proporciona habitats ideais para
as larvas do mosquito. A doença encontra-se disseminada pelas
regiões tropicais e subtropicais do planeta ao longo de uma larga faixa em redor do equador, que
inclui grande parte da África subsariana, Ásia e América Latina. Em 2016, ocorreram em todo o
mundo 216 milhões de casos de malária, que se estima terem sido a causa de 731 000
mortes. Cerca de 90% dos casos e das mortes ocorreram em África. Entre 2000 e 2015 a
incidência da doença diminuiu 37%. A malária está geralmente associada à pobreza e tem um
grande impacto negativo no desenvolvimento económico. Em África, estima-se que a doença
resulte em perdas de 12 mil milhões de dólares por ano devido aos custos com a prestação de
cuidados de saúde, baixas de trabalho e impacto no turismo.

Sinais e sintomas

Principais sintomas da malária

Os sinais e sintomas da malária manifestam-se geralmente entre 8 a 25 dias após a infecção.


[12]
 No entanto, os sintomas podem-se manifestar mais tarde em indivíduos que tenham tomado
medicação antimalárica de prevenção.[5] As manifestações iniciais da doença, iguais em todas as
espécies de malária, são semelhantes aos sintomas da gripe,[13] podendo ainda ser semelhantes
aos de outras doenças virais e condições clínicas como a sepse ou gastroenterite.[5] Entre os
sinais incluem-se dores de cabeça, febre, calafrios, dores nas articulações, vómitos, anemia
hemolítica, icterícia, hemoglobina na urina, lesões na retina e convulsões.[14]
O sintoma clássico da malária são ataques paroxísticos, a ocorrência cíclica de uma sensação
súbita de frio intenso seguida por calafrios e posteriormente por febre e sudação. Estes sintomas
ocorrem a cada dois dias em infecções por P. vivax e P. ovale e a cada três dias em infecções
por P. malariae. A infecção por P. falciparum pode provocar febre recorrente a cada 36-48 horas
ou febre menos aguda, mas contínua.[15]
Os casos mais graves de malária são geralmente provocados por P. falciparum, variante que é
muitas vezes denominada "malária falciparum". Os sintomas desta variante manifestam-se entre
9 a 30 dias após a infecção.[13] Os indivíduos com ‘’’malária cerebral’’’ apresentam muitas vezes
sintomas neurológicos, entre os quais postura anormal, nistagmo, paralisia do olhar
conjugado (incapacidade de mover em conjunto os olhos na mesma
direção), opistótono, convulsões ou coma.[13]
Complicações
Existem diversas complicações graves de malária. Entre elas está o desenvolvimento de ’’stress’’
respiratório, no qual se verifica a necessidade de um esforço cada vez maior para respirar
associado a sensação de desconforto psicológico, o qual ocorre em 25% dos adultos e 40% das
crianças com malária falciparum aguda. Entre as possíveis causas estão a compensação
respiratória da acidose metabólica, edema pulmonar não cardiogénico, pneumonia concomitante
e anemia grave. Embora a sua ocorrência seja rara em crianças, entre 5% e 25% dos adultos e
29% das grávidas com casos graves de malária desenvolvem Síndrome do desconforto
respiratório do adulto.[16] A co-infecção de malária com VIH aumenta a mortalidade.[17] Pode ainda
ocorrer febre da água negra, uma complicação na qual a hemoglobina de glóbulos
vermelhos danificados se deposita na urina[13]
A infecção com P. falciparum pode provocar malária cerebral, uma forma grave de malária que
envolve encefalopatia. Manifesta-se através do branqueamento da retina, o que pode constituir
um sinal clínico auxiliar para distinguir a malária de outras causas de febre.[18] Pode também
ocorrer esplenomegalia, dor de cabeça
intensa, hepatomegalia, hipoglicemia ou hemoglobinúria com insuficiência renal.[13] Em casos de
malária durante a gravidez, entre as complicações graves estão a morte do feto ou da criança, ou
peso à nascença inferior a 2,5 kg,[19] em particular na infecção por P. falciparum, mas também
por P. vivax.[20]

Causas
Os parasitas da malária pertencem ao género Plasmodium (filo Apicomplexa). No ser humano, a
malária é provocada por P. falciparum, P. malariae, P. ovale, P. vivax e P. knowlesi.[21][22] Entre a
população infectada, a espécie com maior prevalência é a P. falciparum (~75%), seguida pela P.
vivax (~20%).[5] Embora a P. falciparum seja a responsável pela maioria das mortes,[23] existem
dados recentes que sugerem que a malária por P. vivax está associada a condições que colocam
a vida em risco em igual número com a infecção por P. falciparum.[24] A P. vivax é, em proporção,
mais comum fora de África.[25] Estão também documentadas várias infecções humanas com
diversas espécies de Plasmodium de origem símia; no entanto, com a exceção da P. knowlesi –
uma espécie zoonótica que provoca malária nos macacos[22] – a relevância para a saúde pública
destas infecções é apenas residual.[26]
Ciclo de vida do parasita

Ciclo de vida dos parasitas da malária. Ao alimentar-se de sangue, um mosquito dá origem à infecção. Numa primeira fase,
os esporozoítos entram na corrente sanguínea, depositando-se no fígado. De seguida, infectam as células hepáticas, nas
quais se multiplicam formando merozoítos, os quais rasgam as células e regressam à corrente sanguínea. Por último, os
merozoítos infectam os glóbulos vermelhos, nos quais se desenvolvem em formas anelares, trofozoítos e esquizontes, que
por sua vez irão produzir mais merozoítos. São também produzidas formas sexuais capazes de infectar outro mosquito e
dar continuidade ao ciclo de vida.

No ciclo de vida do Plasmodium, a fêmea do mosquito Anopheles (o hospedeiro definitivo)


transmite a um vertebrado (o hospedeiro secundário, como o ser humano) uma forma infecciosa
móvel (denominada esporozoíto), atuando desta forma como vetor. O esporozoíto percorre os
vasos sanguíneos até às células hepáticas, nas quais se reproduz assexualmente (através
de esquizogonia tecidual), produzindo milhares de merozoítos. Estes últimos irão infectar mais
glóbulos vermelhos e dar início a uma série de ciclos de multiplicação assexuada que produzem
entre 8 a 24 novos merozoítos infecciosos cada um, até à célula romper e dar início a um novo
ciclo de infecção.[27]
Os restantes merozoítos tornam-se gametócitos imaturos, os quais são os precursores
dos gâmetas masculinos e femininos. Quando um mosquito pica uma pessoa infectada, os
gametócitos são transportados no sangue e amadurecem no sistema digestivo do mosquito. Os
gametócitos macho e fêmea fundem-se e formam um oocineto – um zigoto fertilizado móvel. Por
sua vez, os oocinetos transformam-se em novos esporozoítos que migram para as glândulas
salivares do insecto, prontos a infectar novos vertebrados. Quando o mosquito se alimenta
através da picada, os esporozoítos são injectados para a pele através da sua saliva.[28]
Só a fêmea do mosquito é que se alimenta de sangue; os machos alimentam-se do néctar de
plantas, pelo que não transmitem a doença. As fêmeas do género Anopheles preferem alimentar-
se ao longo da noite, iniciando a procura de uma refeição com o pôr do sol.[29] Os parasitas da
malária podem também ser transmitidos através de transfusões de sangue, embora a sua
ocorrência seja rara.[30]
Malária recorrente
Os sintomas da malária podem ocorrer novamente após períodos sem qualquer sintoma.
Dependendo da causa, a recorrência pode ser classificada em recrudescência, recidiva ou
reinfecção. A recrudescência verifica-se quando se manifestam novamente sintomas após um
período sem qualquer sintoma. É provocada por parasitas no sangue que sobreviveram a um
tratamento inadequado ou ineficaz.[31] As recidivas ocorrem quando reaparecem sintomas mesmo
após os parasitas terem sido eliminados do sangue, devido à persistência de populações de
hipnozoítos adormecidos nas células do fígado. As recidivas ocorrem frequentemente entre 8 a
24 semanas e são mais frequentes nas infecções por P. vivax e P. ovale.[5] Nos casos de malária
por P. vivax em regiões de clima temperado, é comum que os hipnozoítos adormeçam durante o
inverno, iniciando-se as recidivas no ano seguinte à picada do mosquito.[32] A reinfecção verifica-se
quando o parasita que provocou a infecção anterior foi completamente eliminado do corpo, mas
foi introduzido um novo parasita. É difícil distinguir a reinfecção da recrudescência, embora a
ocorrência de uma nova infecção no prazo de duas semanas após o tratamento da infecção inicial
seja normalmente atribuída ao insucesso desse tratamento.[33]

Fisiopatologia

Micrografia de uma placenta de um nado-morto devido a um caso de malária durante a gravidez. As estruturas mais
escuras nos glóbulos vermelhos indicam a presença dos parasitas.
A infecção de malária desenvolve-se em duas fases: uma que envolve o fígado (fase
exoeritrocítica) e outra que envolve os glóbulos vermelhos, ou eritrócitos (fase eritrocítica).
Quando um mosquito infectado perfura a pele de uma pessoa para se alimentar de sangue, os
esporozoítos presentes na saliva do mosquito penetram na corrente sanguínea e depositam-se
no fígado, onde infectam os hepatócitos, reproduzindo-se assexualmente e sem haver
manifestação de sintomas ao longo de 8-30 dias.[34]
Depois de um período de dormência no fígado, estes organismos diferenciam-se para produzir
milhares de merozoítos, os quais, após romperem as células hospedeiras, se introduzem na
corrente sanguínea e infectam os glóbulos vermelhos, dando início à fase eritrocítica do ciclo de
vida.[34] O parasita é capaz de abandonar o fígado sem ser detectado, ao se envolver com
a membrana celular da célula hepática do hospedeiro.[35] No interior dos glóbulos vermelhos, os
parasitas reproduzem-se novamente, também de forma assexuada, rompendo periodicamente as
células hospedeiras para infectar novos glóbulos vermelhos.[34]
Alguns esporozoítos P. vivax não se desenvolvem imediatamente em merozoítos, produzindo em
vez disso hipnozoítos que permanecem adormecidos por intervalos de tempo que variam entre
alguns meses, geralmente 7 a 10 meses, e vários anos. Após o período de hibernação, os
hipnozoítos são reativados e produzem merozoítos. Os hipnozoítos são responsáveis pelos
longos períodos de incubação e recidivas tardias em infecções por P. vivax,[32] embora se
desconheça ainda a sua existência em casos de P. ovale.[36]
O parasita encontra-se relativamente protegido de ataques do sistema imunitário do corpo, uma
vez que durante a maior parte do seu ciclo de vida humano se encontra no interior das células do
fígado e dos glóbulos vermelhos, sendo por isso relativamente invisível à vigilância imunitária. No
entanto, os glóbulos vermelhos infectados em circulação são destruídos no baço. Para evitar a
sua destruição, o parasita P. falciparum introduz proteínas adesivas na superfície dos glóbulos
vermelhos infectados, o que faz com que os glóbulos se agarrem às paredes dos vasos
sanguíneos mais pequenos e não tenham que percorrer o sistema circulatório e passar pelo baço.
[37]
 O bloqueio dos vasos pode provocar malária placentária.[38] Os glóbulos vermelhos
sequestrados podem penetrar na barreira hematoencefálica e provocar malária cerebral.[39]
Resistência genética
De acordo com uma revisão de 2005, os elevados níveis de letalidade e morbidade provocados
pela malária, especialmente pela espécie P. falciparum, são responsáveis pela maior pressão
seletiva sobre o genoma humano da história recente. Algumas características genéticas
proporcionam alguma resistência à malária, entre os quais a anemia
falciforme, talassemia, deficiência em glucose-6-fosfato desidrogenase e a ausência do antígeno
de Duffy nos glóbulos vermelhos.[40][41]
A anemia falciforme provoca um defeito nas moléculas de hemoglobina do sangue. As moléculas
de hemoglobina S fazem com que os glóbulos vermelhos assumam uma forma curva semelhante
a uma foice (falciforme), em vez da forma bicôncava normal. Devido a esta deformação, a
molécula perde alguma da sua eficácia na absorção e libertação de oxigénio. A infeção faz com
que os glóbulos vermelhos se curvem ainda mais, sendo por isso removidos de circulação mais
cedo, o que por sua vez reduz a frequência com que os parasitas completam o seu ciclo de vida
na célula. Os indivíduos homozigóticos (com duas cópias do alelo anormal) desenvolvem anemia
falciforme, enquanto que os heterozigóticos (com um alelo anormal e outro normal) apresentam
resistência à malária.[41][42]
Insuficiência hepática
É pouco comum a ocorrência de insuficiência hepática provocada por malária, sendo geralmente
o resultado da coexistência com outras condições que afectam o fígado, como a hepatite viral ou
qualquer doença crónica do fígado. A síndrome é por vezes denominada “hepatite malárica”.
Embora a sua ocorrência seja ainda considerada rara, a hepatopatia malárica tem vindo a
aumentar, sobretudo na Índia e no Sudeste Asiático. A presença de doenças hepáticas em
pacientes de malária aumenta a probabilidade de complicações ou morte.[43]
Diagnóstico

A análise de esfregaços de sangue por microscopia é o exame padrão de diagnóstico de malária. Nesta amostra pode-se
observar formas anelares e gametócitos de Plasmodium falciparum entre os glóbulos vermelhos.

Os exames de diagnóstico rápido (RDT) determinam resultados em cerca de 20 minutos e são úteis em regiões onde não
estão disponíveis análises laboratoriais

Devido à natureza não específica dos sintomas, o diagnóstico de malária em regiões onde não
seja endémica exige confirmação redobrada e deve levar em conta factores de diagnóstico
auxiliares, como o histórico recente de viagens, aumento de volume do baço, febre, número
reduzido de plaquetas no sangue e quantidade de bilirrubina no sangue superior ao normal com
quantidade normal de glóbulos brancos.[5]
A malária é geralmente confirmada através de exame microscópico de esfregaços ou através de
testes de diagnóstico rápido (DRT) baseados na deteção de antígenos.[44][45] A microscopia é o
método mais comum na deteção do parasita.[46] No entanto, apesar do seu uso generalizado, o
diagnóstico por microscopia tem duas desvantagens: muitos locais, sobretudo em meios rurais,
não têm equipamento para a realização do exame e a precisão dos resultados depende da
destreza do examinador e da quantidade de parasitas no sangue. A sensibilidade dos esfregaços
varia entre 75–90% em condições normais, podendo diminuir até 50%. Os testes de diagnóstico
rápido disponíveis são mais precisos a determinar a presença de parasitas da malária do que a
análise microscópica, embora a sua sensibilidade e especificidade dependam do fabricante e não
sejam capazes de determinar o número de parasitas.[46]
Em regiões onde estejam disponíveis análises de laboratório, deve-se suspeitar a presença de
malária em qualquer paciente que manifeste sintomas e que tenha estado numa região onde a
malária seja endémica. Em regiões onde não há capacidade de disponibilizar facilmente análise
laboratorial, tem vindo a tornar-se rotina usar apenas o histórico de febre subjetiva como indicador
de tratamento para malária – um diagnóstico presuntivo que assume que febre corresponde a
malária, a não ser que haja prova em contrário. Uma desvantagem desta prática é
o sobrediagnóstico de malária e a gestão inadequada de casos de febre sem relação com a
malária, o que desperdiça recursos, diminui a confiança no sistema de saúde e aumenta a
resistência a fármacos.[47] Embora tenham já sido desenvolvidos testes que têm por base a reação
em cadeia da polimerase, não estão ainda difundidos pelas regiões onde a malária é endémica
devido à sua complexidade.[5]
Classificação
A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica a malária em “grave” ou “não complicada”.
[5]
 Classifica-se como grave quando está presente ‘’qualquer um’’ dos seguintes critérios; caso
contrário, é considerada não complicada.[48]

 Alteração do estado de consciência ou coma


 Fraqueza significativa, de tal forma que a pessoa não é capaz de caminhar
 Incapacidade de se alimentar
 Mais de dois episódios de convulsões em menos de 24 horas
 Choque circulatório e Pressão arterial baixa (inferior a 70 mmHg em adultos e 50 mmHg
em crianças)
 Respiração profunda (respiração acidótica)
 Icterícia
 Insuficiência renal ou hemoglobina na urina (creatinina sérica > 265 mmol/L ou > 3 mg/dL)
 Hemorragia espontânea, ou hemoglobina inferior a 50 g/L (5 g/dL)
 Edema pulmonar
 Hipoglicemia (glicose inferior a 2,2 mmol/L ou 40 mg/dL)
 Acidose metabólica (bicarbonato plasmático <15 mmol/L)
 Anemia normocítica grave (Hb < 5 g/dL, hematrócrito <15%)
 Hiperlactacidémia (lactato >5 mmol/L)
 Contagem de parasitas no sangue superior a 100 000 por microlitro (µL) em áreas de
transmissão de pouca intensidade, ou 250 000 por µL em áreas de transmissão de elevada
intensidade
Define-se por malária cerebral a malária P. falciparum grave que apresente sintomas
neurológicos, entre os quais coma (inferior a 11 na escala de coma de Glasgow ou superior a 3
na escala de Blantyre), ou coma com duração superior a 30 minutos após uma convulsão.[49]

Prevenção

Um mosquito Anopheles stephensi, pouco depois de se ter alimentado de sangue de um ser humano. Este mosquito é o
principal transmissor da malária e o seu controlo representa uma forma eficaz de reduzir a sua incidência.

Entre os métodos de prevenção da malária estão a erradicação dos mosquitos, a prevenção de


picadas e medicação. A presença de malária numa dada região pressupõe a conjugação de
vários factores: elevada densidade populacional humana, elevada densidade populacional de
mosquitos ‘’anopheles’’ e elevada taxa de transmissão entre humanos e mosquito e vice-versa.
Quando algum destes factores é reduzido de forma significativa, o parasita irá eventualmente
desaparecer dessa região, tal como aconteceu na América do Norte, Europa e partes do Médio
Oriente. No entanto, a não ser que o parasita seja erradicado à escala global, pode-se voltar a
implantar em qualquer uma dessas regiões caso ocorra uma conjugação de factores que
proporcione a sua reprodução. Além disso, o custo económico da erradicação do mosquito por
pessoa é maior em áreas com menor densidade populacional, o que faz com que seja
economicamente inviável em algumas regiões.[50]
Muitos investigadores defendem que, a longo prazo, a prevenção da malária é capaz de
representar uma maior relação custo-benefício do que o tratamento da doença. No entanto, as
regiões mais pobres e afetadas não dispõem de capital financeiro. Há diferenças significativas
entre os custos de controlo (isto é, manter a endemicidade baixa) e os programas de erradicação
entre os vários países. Por exemplo, na China, cujo governo anunciou em 2010 um programa
estratégico para a eliminação da malária nas províncias, o investimento necessário representa
apenas uma pequena parcela dos gastos em saúde. Em contrapartida, um programa semelhante
na Tanzânia custaria um quinto do total do orçamento de saúde.[51]
Controlo do mosquito

Vaporização residual de paredes com DDT. Os mosquitos permanecem na parede até caírem mortos no chão.

As Redes mosquiteiras proporcionam uma barreira de proteção contra picadas noturnas de mosquitos infetados. A sua
eficácia pode ser melhorada com a aplicação de inseticida.

Os métodos usados para reduzir a malária através da diminuição do número de transmissões são
denominados controlo de vetores. Em termos de proteção individual, os repelentes de insetos à
base de DEET ou Icaridina são os mais eficazes.[52] A vaporização residual de interiores com
inseticida e o uso de redes mosquiteiras, às quais é aplicado também inseticida, são outras
técnicas de erradicação que têm demonstrado ser altamente eficazes na prevenção de malária
em regiões endémicas.[53][54]
Vaporização residual designa uma técnica que consiste na vaporização de inseticida nas paredes
interiores de casas em regiões afetadas pela malária. Depois de se alimentarem, muitas espécies
de mosquito descansam numa superfície próxima enquanto digerem o sangue. Se as paredes da
habitação tiverem sido revestidas com inseticida, é provável que o mosquito morra antes de picar
outra pessoa e transferir o parasita da malária.[55] À data de 2006, a Organização Mundial de
Saúde recomenda o uso de doze inseticidas para ações de vaporização residual, entre os
quais DDT e os piretoides ciflutrina e deltametrina.[56] O uso de pequenas quantidades de DDT
para ações de saúde pública é autorizado pela Convenção de Estocolmo para os poluentes
orgânicos persistentes, a qual proíbe o seu uso na agricultura.[57] Um dos problemas da
vaporização residual é a resistência ao pesticida. Os mosquitos afetados pela vaporização
geralmente vivem e descansam no interior das habitações e, devido à irritação provocada pela
vaporização, os seus descendentes tendem a viver no exterior, o que significa que serão menos
afetados pela técnicas de vaporização residual.[58]
As redes mosquiteiras ajudam a manter os mosquitos afastados de pessoas e reduzem as taxas
de infeção e transmissão de malária. No entanto, as redes não constituem uma barreira perfeita e
são muitas vezes tratadas com um inseticida próprio para matar o mosquito antes que seja capaz
de encontrar uma forma de passar a rede. Estima-se que as redes tratadas com inseticida sejam
duas vezes mais eficazes que redes não tratadas e que ofereçam mais 70% de proteção quando
comparada com os dados na ausência de qualquer rede.[59] Entre 2000 e 2008, o uso de redes
tratadas com inseticida salvou a vida a mais de 250 000 crianças na África Subsariana.[60] Embora
as redes com inseticida possam prevenir a malária, só estão presentes em cerca de 13% dos
lares nos países subsarianos.[61] O método de uso recomendado é a suspensão de uma rede de
grande dimensão por cima do centro da cama, de modo a envolvê-la por completo, e amarrar as
pontas. As redes tratadas com piretroides e inseticidas de longa duração proporcionam a
proteção pessoal mais eficaz, sobretudo quando usadas desde o anoitecer ao amanhecer.
[62]
 Usando uma ferramenta de edição de gene conhecido como CRISPR/Cas9, em 2015,
pesquisadores fizeram uma "vacina genética" que continuamente injetar-se no DNA de
mosquitos. Uma vacina deste tipo, conhecida como uma unidade de gene, pode difundir para
quase todos os mosquitos numa população em algumas gerações.[63] Um método para prevenir a
transmissão da malária que consiste em limitar o acesso de mosquitos a casas, bloqueando
aberturas e instalação de tubos "eave" que contêm um tipo único de ataque com mosquiteiro com
inseticida que mata os insetos quando eles tentam entrar, recebeu $10,2 milhões de dólares da
da Fundação Bill & Melinda Gates em 2015.[64]
Existem outros métodos destinados a reduzir o número de picadas de mosquito e abrandar a
disseminação da malária. Uma vez que a larva do mosquito se desenvolve em águas estagnadas,
drenar essa água ou acrescentar-lhe substâncias que diminuem o seu desenvolvimento é uma
técnica eficaz nalgumas regiões.[65] No entanto, não há qualquer evidência que os aparelhos
eletrónicos repelentes de insetos através de ultrassons sejam minimamente eficazes.[66]
Medicação
Existem diversos fármacos disponíveis para a prevenção de malária em viajantes que se
desloquem para regiões onde a malária é endémica. Muitos destes fármacos são também usados
no tratamento da doença. Nos casos em que o parasita ainda seja sensível, pode ser
usada cloroquina.[67] No entanto, a maior parte dos Plasmodium é resistente a um ou mais
fármacos, pelo que geralmente é necessário recorrer a outros fármacos ou a combinações entre
fármacos. Entre estes estão a mefloquina, doxiciclina (disponível em genéricos) ou a combinação
de atovaquona e proguanil.[67] A combinação entre doxiciclina e a combinação atovaquona-
proguanil é a que é melhor tolerada pelo organismo. A mefloquina está associada a episódios de
suicídio, morte e sintomas psiquiátricos.[67]
O efeito protetor não começa imediatamente após a primeira toma, pelo que os viajantes devem
começar a tomar os medicamentos entre uma e duas semanas antes da chegada e continuar a
tomá-los ao longo de duas semanas após terem deixado a região (à exceção da combinação
atovaquona-proguanl, que só necessita de ser iniciada dois dias antes e prolongada por mais sete
dias após).[68] O uso de fármacos preventivos não é prático para os residentes em regiões onde
existe malária, pelo que o seu uso se restringe a viajantes e turistas de curta estadia. Isto deve-se
ao preço dos medicamentos, aos efeitos secundários provocados pelo uso prolongado e à
dificuldade em obter anti-maláricos fora dos países desenvolvidos.[69] O uso de fármacos
preventivos nas regiões onde haja mosquitos podem contribuir para o desenvolvimento de
resistência parcial.[70]
Outros métodos
Entre as comunidades dos países em vias de desenvolvimento, as campanhas de saúde que
promovem a consciencialização para o problema da malária e a importância de medidas de
controlo têm-se revelado eficazes para a redução da incidência da doença.[71] Identificar os
estágios iniciais de malária pode impedir que a doença se torne fatal. As campanhas alertam
também as pessoas no sentido de cobrirem áreas de água estagnada, como tanques ou
depósitos, os quais são o meio ideal para a reprodução do mosquito e do parasita.[72] Outra
intervenção que tem demonstrado ser eficaz no controlo da malária em grávidas e crianças é a
Terapia Preventiva Intermitente, na qual é fornecida medicação anti-malárica a estes grupos de
risco.[73][74]
Tratamento
A malária é tratada com medicação anti-malárica. A escolha do fármaco depende do tipo e
gravidade da doença. Apesar de geralmente serem também usados medicamentos para baixar a
febre, a sua influência no tratamento não é ainda conclusiva.[75]
A malária não complicada pode ser tratada com medicação oral. O tratamento mais eficaz para a
infeção por P. falciparum é o uso de artemisinina combinada com outros anti-maláricos,
denominada Terapia Combinada de Artemisinina ou ACT. A combinação de fármacos diminui as
hipóteses de se verificar resistência do parasita a qualquer um dos componentes individuais.
[76]
 Entre os outros anti-maláricos com que a artemisinina é combinada estão
a amodiaquina, lumefantrina, mefloquina ou sulfadoxina/pirimetamina.[77] Outra combinação
recomendada é a associação dihidroartemisinina-piperaquina.[78][79] A ACT é eficaz em 90% dos
casos de tratamento de malária sem a presença complicações.[60] Para o tratamento de malária na
gravidez, a OMS recomenda o uso de quinino e clindamicina no primeiro trimestre e ACT nos
restantes trimestres.[80] Na década de 2000, surgiu no Sudeste Asiático malária parcialmente
resistente a artemisinas.[81][82] A infeção por’P. vivax, P. ovale or P. malariae é geralmente tratada
sem necessidade de internamento hospitalar. O tratamento de’P. vivax requer não só o
tratamento das fases sanguíneas (com cloroquina ou ACT), como também da eliminação das
formas hepáticas com primaquina.[83]
O tratamento recomendado para a malária grave é a administração intravenosa de fármacos anti-
maláricos. Em casos graves, o artesunato é superior ao quinino, tanto em crianças como em
adultos.[84] O tratamento de malária grave envolve medidas de apoio que são melhor realizadas
numa unidade de cuidados intensivos, onde se possa gerir a febre elevada e as convulsões que
dela derivam. As unidades hospitalares também permitem monitorizar o esforço respiratório, a
descida da quantidade de açúcar no sangue e a descida da quantidade de potássio.[23]

Prognóstico

Esperança de vida corrigida pela incapacidade para a malária por cada 100 000 pessoas em 2004

   sem dados   2000–2500


   <10   2500–2750
   0–100   2750–3000
   100–500   3000–3250
   500–1000   3250–3500
  1000–1500   ≥3500
  1500–2000

Quando tratada de forma adequada, uma pessoa com malária pode contar com recuperação
total.[85] No entanto, a malária grave pode progredir muito rapidamente e provocar a morte num
prazo de horas ou dias.[86] Nos casos mais graves da doença, a taxa de letalidade pode atingir os
20%, mesmo com cuidados intensivos.[5] Têm sido documentados casos de atraso no
desenvolvimento a longo prazo de crianças que vivenciaram episódios de malária grave.[87]
Durante a infância, a malária pode provocar anemia ou, no caso de malária cerebral, lesões
cerebrais.[87] Alguns dos sobreviventes de malária cerebral apresentam um risco acrescido de
défice neurológico e cognitivo e manifestam transtornos emocionais e epilepsia.[88] Quando
comparada com grupos placebo em ensaios clínicos, a profilaxia de malária demonstrou melhorar
a função cognitiva e o desempenho escolar.[87]
Epidemiologia
A Organização Mundial de Saúde estima que em 2010 tenham ocorrido 219 milhões de casos de
malária que provocaram a morte a 600 000 pessoas.[89][5] Outras fontes estimaram o número de
casos entre 350 e 550 milhões para a malária falciparum[90] e 1,24 milhões de mortes em 2010,
[91]
 uma subida em relação ao milhão de mortes estimado em 1990.[92] A maioria dos casos (65%)
ocorre em crianças com idade inferior a 15 anos.[91] Cerca de 125 milhões de grávidas estão em
risco de ser infetadas a cada ano. Na África subsariana, estima-se que a malária materna esteja
associada à morte de 200 000 crianças anualmente.[19] Tanto a incidência global como a
mortalidade que daí resulta têm vindo a diminuir nos últimos anos. De acordo com a OMS, as
mortes atribuídas à malária em 2010 correspondem a uma diminuição de cerca de um terço,
quando comparadas com a estimativa de 985 000 para o ano 2000, devido em grande parte à
disseminação do uso de redes mosquiteiras tratadas com inseticida e da terapia combinada de
artemisinina.[60]

Distribuição da malária no mundo:[93] ♦ Ocorrência elevada de malária resistente à cloroquina ou multi-resistente


♦ Ocorrência de malária resistente à cloroquina
♦ Sem ocorrência de ‘’Plasmodium falciparum  ou resistência à cloroquina
♦  Sem malária
A malária é atualmente endémica nas regiões equatoriais, em regiões da América, algumas
partes da Ásia e grande parte de África. Entre 85 e 90% das mortes por malária ocorrem na África
subsariana.[94] Em 2009, uma estimativa indicou que os países com a maior taxa de mortalidade
por cada 100 000 habitantes foram a Costa do Marfim (86,15), Angola (56,93) e o Burkina
Faso (50,66).[95] Em 2010, uma outra estimativa indicou que os países com maior taxa de
mortalidade foram o Burkina Faso, Moçambique e o Mali.[91] Ainda em 2010, cerca de 100 países
possuíam malária endémica.[89][96] Estes países são visitados anualmente por mais de 125 milhões
de viajantes internacionais, dos quais mais de 30 000 contraem a doença.[52]
Na Europa e na América do Norte, a doença está praticamente erradicada. Entre 1993 e 2003, a
malária provocou a morte a 900 pessoas na Europa.[52] Em 2011 houve apenas 102 casos
adquiridos in loco, restritos a cinco países.[97] Em Portugal, os últimos casos de Malária adquirida
no país foram diagnosticados em 1959, e desde então a totalidade das ocorrências são casos
importados por pessoas que visitaram países tropicais. Em 2011 foram notificados 58 casos
importados de Malária.[98]
No Brasil, 97% dos casos ocorrem na região amazónica e pouco menos de 2,9% nas regiões
próximas, sendo mais de 80% nas regiões rurais.[99] Em Moçambique, a malária é a principal
causa de morte infantil. No entanto, entre 2006 e 2012 o número de casos de malária tem vindo a
diminuir significativamente. Em 2006 registaram-se 6,5 milhões de casos, os quais provocaram 5
053 mortes,[100] enquanto que em 2012 se registaram apenas 3,1 milhões de casos e 1 653 mortes.
[101]
 Em Angola, o número de casos também tem vindo a diminuir. Entre 2006 e 2010, registaram-
se em média quatro milhões de casos por ano, enquanto que em 2011 se registou pela primeira
vez um número inferior a três milhões.[102]
A distribuição geográfica da malária nas regiões de grande dimensão é complexa. Há muitos
casos de regiões endémicas e regiões livres de malária que estão muito próximas entre si.[103] A
malária é prevalente em regiões tropicais e subtropicais devido à chuva intensa, temperatura
elevada constante e humidade elevada, factores que proporcionam água estagnada em
abundância propícia à reprodução contínua de larvas de mosquito.[104] Em regiões mais secas, é
possível prever com alguma precisão os surtos de malária através da previsão meteorológica da
ocorrência de chuva.[105] A malária é mais frequente nas áreas rurais do que em área urbanas. Por
exemplo, há várias cidades na bacia do rio Mekong que são livres de malária mas a doença é
prevalente em muitas das regiões rurais.[106] Por outro lado, em África a malária está presente tanto
em áreas rurais como urbanas, embora o risco seja menor nas maiores cidades.[107] É provável que
as alterações climáticas venham a criar novos habitats para o mosquito vetor de malária em
regiões mais frias e de maior altitude, provocando alterações na sua distribuição geográfica e o
aumento de surtos epidémicos.[108]

História
Recolha de larvas e pulverização de inseticida no controlo de malária na Indonésia durante o início do século XX.

Embora o parasita responsável pela malária falciparum exista há 50 000-100 000 anos, só há


cerca de 10 000 anos é que a sua população aumentou, impulsionada pelo desenvolvimento da
agricultura e o surgimento das primeiras cidades.[109] A presença de parentes dos parasitas da
malária humana em chimpanzés continua a ser comum. Algumas evidências sugerem que a
malária falciparum possa ter origem em gorilas.[110]
Desde 2700 a.C., na antiguidade chinesa, que são encontradas ao longo de toda a História
escrita referências à febre periódica característica da malária.[111] A malária pode ter contribuído
para o declínio do Império Romano,[112] onde era uma doença tão comum que chegou a ser
conhecida como "febre romana".[113] Várias regiões do império eram consideradas de risco devido
à presença de condições favoráveis aos vetores de malária, como o sul de Itália, a ilha
de Sardenha, as lagoas Pontinas, as regiões baixas da costa da Etrúria e a cidade de Roma ao
longo do rio Tibre. A presença de água estagnada nas terras alagadas e derivada da agricultura
proporcionava aos mosquitos condições ideais de reprodução.[114]
O termo malária tem origem no italiano medieval mala aria, ou "maus ares"; a doença era
anteriormente denominada "ague" ou "febre dos pântanos" devido à sua associação com os
terrenos alagados.[115] A malária era comum em grande parte da Europa e da América do Norte,
[116]
 onde já não é endémica,[117] embora continuem a ser registados casos importados.[118]
O primeiro progresso significativo na investigação científica da malária deu-se em 1880, data em
que Charles Louis Alphonse Laveran, um médico francês que trabalhava no hospital militar
de Constantina na Argélia, observou pela primeira vez os parasitas no interior dos glóbulos
vermelhos de pessoas infectadas. Laveran propôs que este organismo seria a causa da malária,
sendo também a primeira vez que um protista foi identificado como causa de uma doença.[119] Por
esta e por descobertas posteriores, em 1907 foi agraciado com o Nobel de Medicina. Um ano
mais tarde, Carlos Finlay, um médico cubano que tratava pacientes de febre amarela em Havana,
apresentou evidências sólidas que os mosquitos eram os transmissores da doença.[120] Esta
descoberta confirmou sugestões anteriores de Josiah C. Nott,[121] e Patrick Manson, considerado o
pai da medicina tropical, sobre a transmissão da filaríase.[122]

Drenagem de água estagnada através da abertura de valas no sul dos Estados Unidos durante a década de 1920. O
controlo de vetores permitiu na primeira metade do século XX erradicar a doença da Europa e da América do Norte
Em abril de 1894, Patrick Manson e o médico escocês Ronald Ross iniciam uma colaboração ao
longo de quatro anos, a qual culminaria em 1898 no momento em que Ross, que trabalhava no
hospital geral de Calcutá, demonstra o ciclo de vida completo do parasita da malária nos
mosquitos, provando que o mosquito é o vector da malária em humanos ao mostrar que
determinadas espécies de mosquitos transmitem malária às aves. Ross isolou parasitas de
malária a partir das glândulas salivares dos mosquitos que se tinham alimentado de aves
infectadas.[123] Em 1902, Ross foi agraciado com o Nobel de Medicina. Depois de se demitir do
Serviço de Medicina indiano, Ross foi admitido na nova Escola de Medicina Tropical
em Liverpool, onde administrou campanhas de controlo da malária
no Egito, Panamá, Grécia e Maurícia.[124] As descobertas de Finlay e Ross foram confirmadas em
1900 por uma comissão médica presidida por Walter Reed, cujas recomendações foram
implementadas durante a construção do canal do Panamá. Esta estratégia pioneira salvou a vida
a milhares de trabalhadores e ajudou a definir os métodos usados em futuras campanhas de
saúde pública contra a doença.[125]
O primeiro tratamento eficaz para a malária surge a partir da casca do arbusto cinchona, a qual
contém quinino. Este arbusto cresce nas encostas dos Andes, sobretudo no Peru. Os índios
peruanos faziam uma tintura de cinchona para o tratamento da febre. Descobriu-se que era eficaz
contra a malária e, por volta de 1640, foi introduzida pelos Jesuítas na Europa. Em 1677 estava já
inscrita na farmacopeia de Londres enquanto tratamento antimalárico.[126] No entanto, foi apenas
em 1820 que o princípio ativo, o quinino, foi extraído da casca, isolado e batizado pelos químicos
franceses Pierre Joseph Pelletier e Joseph Bienaimé Caventou.[127][128]
O quinino tornou-se o principal medicamento antimalárico até à década de 1920, quando se
começaram a desenvolver novos fármacos. Na década de 1940, o quinio é substituído
pela cloroquina enquanto tratamento de eleição caso não se verifique resistência, tanto para a
malária não complicada como para a malária grave. A cloroquina começou a ser usada no
Sudeste Asiático e na América do Sul na década de 1950, e em todo o mundo na década de
1980.[129] A artemisinina, descoberta a partir da planta Artemisia annua pela equipa da cientista
chinesa Tu Youyou na década de 1970, tornou-se o tratamento recomendado para a malária
falciparum, administrado em associação com outros fármacos.[130]
O Plasmodium vivax foi usado entre 1917 e a década de 40 na malarioterapia – a injeção
propositada de parasitas da malária de modo a induzir febre para combater determinadas
doenças como a sífilis. Em 1917, o inventor desta técnica, Julius Wagner von Jauregg, recebeu o
Nobel de Medicina. No entanto, a técnica era perigosa, matando cerca de 15% dos pacientes,
pelo que deixou de ser usada.[131]
O primeiro pesticida usado para a vaporização residual interior foi o DDT.[132] Embora inicialmente
fosse usado em exclusivo para combater a malária, rapidamente começou a ser usado também
na agricultura. Com o decorrer do tempo, o produto passou a ser usado principalmente para o
controlo de pragas em larga escala, o que provocou a resistência dos mosquitos ao pesticida em
inúmeras regiões. Durante a década de 1960, aumentou a consciencialização pública do impacto
negativo do seu uso indiscriminado, o que levaria na década seguinte à interdição do DDT na
agricultura em vários países.[57] Antes do DDT, nas áreas tropicais como o Brasil ou o Egito, a
malária era eliminada ou controlada através da remoção ou envenenamento dos habitats de
reprodução do mosquito ou dos habitats aquíferos das larvas ao aplicar, por exemplo, o composto
altamente tóxico Verde de Paris em águas estagnadas.[133]
A investigação procura ainda uma vacina contra a malária. Os primeiros estudos promissores que
demonstraram o potencial para a possibilidade de uma vacina foram realizados em 1967, através
da inoculação de ratos com esporozoítos vivos atenuados por radiação, os quais ofereceram
proteção significativa perante injeções posteriores com esporozoítos normais. Desde a década de
1970 que tem havido esforços consideráveis no sentido de desenvolver uma estratégia de
vacinação semelhante em seres humanos.[134]

Sociedade e cultura
Impacto económico

Clínica para o tratamento de malária na Tanzânia

A malária não é apenas uma doença associada à pobreza; algumas conclusões sugerem que a
própria doença seja uma das causas de pobreza e um entrave significativo ao desenvolvimento
económico.[9][10] Embora as regiões mais afetadas sejam as tropicais, a malária atinge também
regiões temperadas com alterações sazonais profundas. A doença tem vindo a ser associada a
efeitos nefastos muito significativos na economia das regiões onde está disseminada.[135] Em 1995,
a comparação do PIB per capita, corrigido pela paridade do poder de compra, entre países com
malária e países sem malária indicou uma diferença na proporção de um para cinco (1 526 $ e
8 268 $, respetivamente). No período entre 1965 e 1990, nos países onde a malária era endémica
o crescimento económico do PIB ‘’per capita’’ foi, em média, de apenas 0,4% ao ano, em
contraste com os 2,4% dos restantes países.[136]
A pobreza pode aumentar o risco de malária, uma vez que aqueles que vivem na pobreza não
têm recursos financeiros para prevenir ou tratar a doença. Estima-se que o custo global do
impacto da malária em África seja anualmente de 12 mil milhões de dólares. O impacto
económico engloba as despesas com cuidados de saúde, dias de trabalho perdidos, dias
perdidos na educação, diminuição da produtividade devido às lesões cerebrais e perda de
receitas de investimento e de turismo.[11] A doença representa um fardo pesado para alguns
países, nos quais é responsável por 30-50% dos internamentos hospitalares, até 50% dos
doentes de ambulatório, e até 40% da despesa pública de saúde.[137]
A malária cerebral é uma das principais causas de deficiências neurológicas em crianças
africanas.[88] Os estudos comparativos de funções cognitivas antes e após o tratamento para a
malária grave continuam a demonstrar a diminuição do desempenho escolar e das capacidades
cognitivas, mesmo após o recobro.[87] Assim, a malária grave e cerebral representam
consequências sócio-económicas que se prolongam muito para além das consequências
imediatas da doença.[138]
Contrafação e falsificação de medicamentos
Têm sido encontrados diversas contrafações sofisticadas de medicamentos provenientes de
vários países asiáticos como o Camboja,[139] China,[140] Indonésia, Laos, Tailândia e Vietname. Estas
falsificações são responsáveis por mortes de outra forma evitáveis nesses países.[141] A OMS
refere que há estudos que estimam que até 40% dos medicamentos de malária à base de
artesunato sejam contrafeitos, sobretudo na região do Grande Mekong, tendo implantado um
sistema de alerta rápido que permite que a informação sobre medicamentos contrafeitos seja
rapidamente reportada às autoridades dos países aderentes.[142] Não existe um método eficaz que
permita aos médicos ou à população em geral detectar medicamentos de contrafação sem a
ajuda de um laboratório. As farmacêuticas combatem o aumento de fármacos falsificados com o
recurso a novas tecnologias que ofereçam maior segurança desde a fonte à distribuição.[143]
Outro problema de saúde clínica e pública é a proliferação de medicamentos anti-maláricos de
qualidade inferior, os quais resultam da concentração inapropriada de ingredientes, contaminação
com outros fármacos ou impurezas tóxicas, ingredientes de fraca qualidade, pouca estabilidade e
embalamento inadequado.[144] Um estudo de 2012 demonstrou que cerca de um terço dos
medicamentos anti-maláricos no Sudeste Asiático e na África subsariana ou eram falsificados ou
não passavam nos exames químicos e padrões de embalagem.[145]
Estratégias de erradicação

Tratamento de malária numa clínica do Huambo em Angola.

Têm sido realizadas diversas tentativas notáveis com o intuito de eliminar o parasita de várias
partes do mundo, ou de o erradicar por completo. Em 2006, a organização Malaria No
More anunciou o objetivo de erradicar a malária de África em 2015.[146] Existem várias vacinas em
fase de ensaio clínico, destinadas a proporcionar proteção para as crianças de regiões endémicas
e reduzir a velocidade de transmissão da doença. Em 2012, o Fundo Global de luta contra a
SIDA, Tuberculose e Malária distribuiu 230 milhões de redes tratadas com inseticida destinadas a
impedir a transmissão através da picada do mosquito.[147] A norte-americana Fundação Clinton tem
trabalhado para gerir a procura e estabilizar preços no mercado da artemisinina.[148] Outros
projetos, como o Projeto do Atlas da Malária, estão focados na análise de dados climáticos e
meteorológicos que permitam prever a propagação de malária com base na disponibilidade de
habitats para os vectores de parasitas.[149]
A malária já foi erradicada ou bastante reduzida em determinadas regiões. A doença já foi comum
nos Estados Unidos e na Europa do sul, mas as iniciativas de controlo de vectores em conjunto
com a monitorização e tratamento de indivíduos infetados, proporcionaram a sua erradicação.
Para tal contribuíram vários factores: a drenagem de terrenos alagados para agricultura, diversas
alterações nas práticas de gestão de recursos hídricos, generalização do saneamento e uso de
janelas de vidro e redes mosquiteiras nas habitações.[150] Os mesmos métodos permitiram
erradicar a malária da maior parte dos Estados Unidos no início do século XX, restando apenas
nalguns focos no Sul, tendo sido erradicada por completo na década de 1950 com recurso a DDT.
[151]
 No Suriname, a doença foi erradicada da capital e regiões costeiras em 1955 através de um
programa que consistia em três medidas: controlo de vectores através do uso de DDT e
vaporização residual; recolha regular de amostras de sangue da população para identificar casos
da doença; e tratamento com quimioterapia para todos os infetados.[152] O Butão tem
implementada uma estratégia agressiva de erradicação, tendo conseguido entre 1994 e 2010
uma redução de 98,7% dos casos confirmados através de microscopia. Estas metas foram
conseguidas com recurso a técnicas de controlo de vectores, como a vaporização residual em
áreas de risco e através da distribuição de redes tratadas com pesticidas, auxiliadas pelo
desenvolvimento económico e melhoria no acesso a serviços de saúde.[153]

Investigação

Histopatologia de formas exoeritróciticas da malária no fígado.

A imunidade (ou, mais precisamente, a tolerância imunológica) à malária P. falciparum pode


ocorrer naturalmente, mas apenas enquanto resposta a anos de infeções repetidas.[154] Um
indivíduo pode ser protegido contra uma infeção P. falciparum se receber cerca de mil picadas de
mosquitos contaminados com uma versão não infetiva do parasita, inoculada por raio X.[155] Não
está ainda disponível qualquer vacina para a malária, embora estejam a ser desenvolvidas.[156] A
natureza extremamente polimórfica de muitas das proteínas P. falciparum representa um desafio
significativo para a criação de uma eventual vacina. Os candidatos a vacina que têm por alvo os
antígenos nos gâmetas, zigotos ou oocinetos no sistema digestivo do mosquito pretendem
bloquear a transmissão de malária. Estas vacinas induzem anticorpos no sangue humano;
quando o mosquito se alimenta do sangue de um indivíduo inoculado, os anticorpos impedem o
parasita de concluir o seu desenvolvimento no mosquito.[157] Outros candidatos, que têm como alvo
a fase sanguínea do ciclo de vida do parasita, têm-se mostrado inadequadas.[158] Por exemplo, a
SPf66 foi amplamente testada em áreas endémicas na década de 1990, mas os ensaios clínicos
demonstraram não ser suficientemente eficaz.[159] Estão em desenvolvimento potenciais vacinas
que têm por alvo a fase pré-eritrócita do ciclo de vida do parasita, sendo a RTS,S a principal
candidata;[155] estando previsto o seu licenciamento em 2015.[160] Está também a ser desenvolvida
uma vacina atenuada pré-eritrocíta denominada PfSPZ que usa esporozoítos completos para
induzir uma resposta imune.[161] Em 2006, a OMS delineou uma orientação ("Malaria Vaccine
Technology Roadmap") em que um dos principais objetivos para 2015 é o "desenvolvimento e
licenciamento de uma vacina de primeira geração contra a malária que tenha uma eficácia de
proteção superior a 50% contra a forma grave da doença e a morte, e cuja duração seja superior
a um ano."[162]
Os parasitas de malária contêm apicoplastos, organelas geralmente presentes nas plantas,
completos com o seu próprio genoma. Pensa-se que estes apicoplastos se tenham formado a
partir da endossimbiose de algas e desempenham um papel crucial em vários aspetos do
metabolismo do parasita, como por exemplo na biossíntese de ácidos gordos. Foram identificadas
mais de 400 proteínas produzidas pelos apicoplastos, e que estão agora a ser investigadas
enquanto possíveis alvos de novos fármacos antimaláricos.[163] O plasmodium também
fabrica moléculas de odor atrativo, chamados terpenos. Ele faz isso usando
uma organela semelhante ao cloroplasto, como aquele que as plantas usam para captar a luz
solar. A versão do parasita da malária não pode capturar luz, mas ele ainda pode fabricar
perfume.[164] Os parasitas, no laboratório, produzem esses perfumes e os mosquitos são atraídos
por eles. Os cientistas estão tentando descobrir se essas substâncias químicas também
aparecem na respiração dos seres humanos infectados. Se o fizerem, o objetivo dos cientistas é
criar um bafômetro para a malária, em vez de o exame de sangue usado hoje.[165]
Com o aparecimento de cada vez mais parasitas Plasmodium resistentes, estão a ser
desenvolvidas novas estratégias para combater a disseminação da malária. Uma destas
estratégias consiste na introdução de adutos sintéticos de aminoácidos piridoxais, que são
recolhidos pelo parasita e interferem com a sua capacidade de criar vitaminas B essenciais.[166]
[167]
 Estão também a despertar interesse os fármacos antimaláricos à base de complexos sintéticos
de base metálica.[168][169]
Outra estratégia de controlo de vetores não química envolve a manipulação genética de
mosquitos de malária. O progresso na tecnologia de engenharia genética tornou possível
introduzir ADN externo no genoma do mosquito, diminuindo a sua esperança de vida ou
tornando-o mais resistente ao parasita da malária.[59] A técnica do inseto estéril é um método de
controlo genético pelo qual são criadas grandes quantidades de mosquitos machos estéreis, que
depois são libertados. O acasalamento com fêmeas reduz a população em estado selvagem na
geração seguinte, e a libertação sucessiva eventualmente erradica a população-alvo.[59]
Em 2017, dois pesquisadores da Stanford criaram a centrífuga de papel que pode revolucionar
como infecções como malária e HIV são detectadas nos países em desenvolvimento.[170]

Em animais
Estão identificadas cerca de 200 espécies parasíticas de Plasmodium capazes de infetar aves,
répteis e outros mamíferos,[171] e cerca de 30 espécies que infetam naturalmente outros primatas
para além do ser humano.[172] Alguns dos parasitas de malária que afetam outros primatas
funcionam como organismos modelo para os parasitas humanos; por exemplo o P. coatneyi é um
modelo para o P. falciparum e o P. cynomolgi para o P. vivax. As técnicas de diagnóstico usadas
para detectar parasitas em primatas são semelhantes às usadas para detectar em humanos.
[173]
 Os parasitas de malária que afetam roedores são amplamente usados como modelos na
investigação, como por exemplo o P. berghei.[174]A malária aviária afeta principalmente as espécies
da ordem dos Passeriformes, e constitui uma ameaça significativa para as aves
de arquipélagos como as Galápagos ou o Havai. Sabe-se, por exemplo, que o parasita P.
relictum desempenha um papel na limitação da distribuição e abundância das aves endémicas do
Havai. Prevê-se que o aquecimento global aumente a prevalência e distribuição mundial da
malária aviária, à medida que a subida da temperatura proporciona condições ótimas para a
reprodução do parasita.[175]

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