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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE TERAPIA OCUPACIONAL

AMANDA GALVÃO (DRE: 120126843)


MARIANA LOBO (DRE: 120131157)
NAYANE AGUIAR (DRE: 120180083)
RITA PEREIRA (DRE: 120158882)

TRABALHO 3
DISCIPLINA: TERAPIA OCUPACIONAL EM ATENÇÃO BÁSICA
DOCENTE: BRUNA ROMANO

RIO DE JANEIRO
2021
Segundo a Constituição Federal Brasileira, o Art. 196 garante que: “A saúde é direito de todos
e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.” Tendo em vista isso, não deveria ser comum a
problemática brasileira de descrença sobre a disponibilização da saúde, afinal, ela é um
direito. Um indivíduo sem saúde, não vive em sua integralidade humana.
“Oh, busco a parte que falta em mim. A parte que falta em mim. Ai ai iô, assim eu vou. Em
busca da parte que falta em mim.” o autor Shel Silverstein retratou em seu livro, “A parte que
falta” a busca incessante de um círculo, por parte de um pedaço seu. Assim como na obra
fictícia, podemos fazer alusão do personagem com milhares de brasileiros que saem em busca
de sua integralidade através da saúde e ao invés de achá-la, encontram partes que não são
suas, problemas, que podemos chamá-los de descaso e abandono governamental, retratado,
por exemplo, na fome.
“Saúde e bem-estar social, é trabalhar dignamente, ter transporte público confortável e
acessível, ter segurança, ter escola boa para os filhos, ter sossego”. Não ter saúde abrange
muito mais do que meramente a esfera fisiológica, são instâncias sociais, emocionais,
estruturais, etc. E perceber a deficiência dela e não aflorar um sentimento de injustiça,
principalmente sobre as esferas mais pobres, é aceitar e ser conivente com um ato de
inconstitucionalidade, pois afinal, é um dever do estado promovê-la. A falta de direitos
básicos é característica marcante da maior classe social e a mais desfavorecida da sociedade.
Há uma evidente dicotomia quando se trata de saúde, quando observamos que as classes mais
ricas ocupam o lugar de promoção de saúde e as classes mais pobres vivem à mercê dessa
demanda. Parece um infinito ciclo vicioso. Isso fica claro com o choque de realidade que
muitos profissionais da saúde encontram quando se deparam com trabalhos conflitantes, como
os que atuam no SUS. Àqueles que muitas vezes saem da faculdade com a ideia de que vão
distribuir conhecimento, muitas vezes encontram nessas duras realidades um aprendizado
impagável e não encontrado em nenhum artigo científico.
Deve-se considerar, que não há um vilão e um mocinho no que foi dito anteriormente, lidar
com a fragilidade humana e a falta de direitos básicos é um dos maiores desafios de um
profissional da saúde. A deficiência dessa esfera está em quem é o responsável em garantir
que não haja um abismo social que difunda a igualdade entre as pessoas, o Estado.
Enquanto isso, os pacientes nas unidades de saúde seguem procurando suas partes e os
profissionais, seguem tentando promover saúde, na busca de encaixar partes em círculos
cortados, ou, em pacientes necessitados, que só estão em busca daquilo que lhes é direito.
Em seu livro lançado em 2020 a recém-formada em medicina Júlia Rocha narra de uma
maneira extremamente realista as vivências nada fáceis de uma médica do Sistema Único de
Saúde. No início da obra ela discorre da experiência em sua graduação e relata como o mundo
acadêmico os transformam em pessoas com proteções "impenetráveis", como a autora diz, o
que de uma certa forma é crucial para salvar vidas, pois o cotidiano dos profissionais da área
da saúde exigem uma técnica precisa e calma o que seria impossível se a emoção tomasse
conta, entretanto recebemos uma enxurrada de casos nos jornais locais de negligência médica
e de mortes que facilmente poderiam ser evitadas se houvesse o mínimo de atenção e
preocupação por parte do profissional. Júlia chama atenção para uma problemática urgente a
se resolver; como as graduações dos cursos da área da saúde estão lidando com essa linha
tênue de formar profissionais capacitados a realizar seu trabalho sem que percam esse lado
humano.
Ao entrar em um consultório de um sistema público para realizar sua primeira consulta
oficialmente formado esse profissional que até então treinava em cadáveres e bonecos irá
cuidar de vidas completamente destruídas pela pobreza, fome, vícios, violência e entre outros
tantos problemas que permeiam as realidades brasileiras e ele precisa estar completamente
apto para lidar com essas questões de forma ética e responsável. Para além disso, ele terá que
trabalhar com empecilhos que o próprio Estado contribui ao negligenciar os serviços de saúde
e alocar as verbas destinadas a ele em interesses próprios. Muitas das vezes os profissionais
precisam trabalhar com uma limitação e escassez de recursos como falta de materiais básicos,
máquinas de exames quebradas, corredores cheios devido à falta de quartos e falta de
funcionários suficientes o que causa uma sobrecarga e um acúmulo de estresse enorme nesses
trabalhadores da saúde que fazem o que pode com o pouco que tem. Essa realidade é retratada
na série da Rede Globo chamada “Sob Pressão” onde mostra o dia a dia de médicos de um
hospital público completamente abandonado pelo poder governamental, se pelos jornais
temos alguma noção de como é a realidade através do seriado somos arrastados a dolorosas
cenas, ainda que fictícias, de um sistema falido e de uma sensação constante de abandono.
Em um trecho narrado por Júlia o leitor sente a angústia dessa médica que está enxugando
gelo (como diria o ditado popular) a todo momento tentando usar da medicina para problemas
que vão além do clínico. “As recomendações, as diretrizes, as evidências científicas se tornam
pouco relevantes quando o esgoto passa na porta da cozinha e as crianças brincam nuas e
sujas de terra até os cabelos.” (ROCHA, 2020, p. 12), o que a autora nos diz é basicamente
que não há como tratar os sintomas sem resolver ou ao menos mitigar as causas daquela
problemática que geralmente se dá a partir de um abismo estatal existente. Segundo a
Organização Mundial de Saúde, saúde é um “estado de completo bem-estar físico, mental e
social e não somente ausência de afecções e enfermidades", ou seja, não há como pensar em
um paciente saudável sem considerar sua moradia, sua renda, sua rede de apoio, seu estado
mental, seu trabalho e suas ocupações.

Somos atravessados constantemente por realidades tão cruéis que podemos atestar a forma em
que um estado negligente consegue destruir vidas. Profissionais e auxiliares do corpo de
saúde de unidades públicas testemunham diariamente relatos e situações das mais diversas de
pessoas, muitas das vezes entregues à miséria fortalecida pelo ciclo formado por uma
sociedade capitalista.

A saúde em muitos países é vendida como um produto de prateleira, onde as pessoas mais
favorecidas economicamente estão munidas com o maior facilitador de acessos da atualidade:
o dinheiro. Quem foge dessa perspectiva, por consequência, se torna alvo das políticas
públicas que infelizmente não conseguem suprir a todos que necessitam, carência essa
ocasionada por trâmites burocráticos, inconsistência na forma de distribuição, ou falta de
investimentos governamentais na estrutura que busca resolutivas para essas demandas.

Quando o estado falha na prevenção de saúde, faltando com os compromissos de fornecer


alimentação, saneamento básico, educação, emprego e lazer, empurra seus cidadãos para um
abismo social, inúmeras vezes sem insumos básicos para uma sobrevivência digna,
tornando-os usuários dos serviços de tratamento que tentam promover saúde dentro dos
quadrantes possíveis.

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