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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE

MINI CURSO:

INTRODUÇÃO À TERMODINÂMICA EM PROCESSOS


GEOQUÍMICOS

Professores: Sidarta A. Lima e Leonardo J. N. Guimarães

Recife-PE
16 de Março de 2010
Conteúdo
1 Introdução 2

2 Motivação 2
2.1 Fenômenos de Transporte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.2 Fenômenos Eletroosmóticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
2.3 Reações Quı́micas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

3 Termodinâmica 6
3.1 Terminologias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
3.2 Calor e Trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

4 Postulados da Termodinâmica 9
4.1 Energia Interna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
4.2 Entropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
4.3 Equações Fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
4.4 Equação de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
4.5 Equação de Gibbs–Duhen . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

5 Fenômenos de Transporte 14
5.1 Fluxo de Calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
5.2 Fluxo Mecânico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
5.3 Fluxo de Massa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
5.4 Equilı́brio Termodinâmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

6 Energia Livre de Helmholtz, Entalpia e Energia Livre de


Gibbs 17
6.1 Transformada de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
6.2 Energia Livre de Helmholtz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
6.3 Entalpia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
6.4 Energia Livre de Gibbs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

7 Aplicações 20
7.1 Potencial Quı́mico e Eletroquı́mico . . . . . . . . . . . . . . . 20
7.2 Pressão Osmótica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
7.3 Relação de Boltzmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
7.4 Constante de Equilı́brio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

1
“Thermodynamics is the only science about which I am firmly convinced
that, within the framework of the applicability of its basic principles, it will
never be overthrown”1 .

1 Introdução
Os conceitos da termodinâmica são fundamentais em diversos domı́nios das
ciências das engenharias. As aplicações são inúmeras, permitindo correla-
cionar os fundamentos do comportamento fı́sico-quı́mico e eletroquı́mico da
matéria e as propriedades macroscópica do material, bem como estudar o
acoplamento entre sistemas dinâmicos e sua vizinhança. As ferramentas da
termodinâmica permitem entender os fenômenos de transferência de calor
e transporte de massa, quantificar reações quı́micas, fenômenos osmóticos e
eletro-osmóticos são apenas algumas das inúmeras aplicações dos conceitos
da termodinâmica.
O objetivo do texto é apresentar superficialmente alguns fundamentos da
teoria da termodinâmica clássica considerando os sistemas em equilı́brio ter-
modinâmico. Desejamos que ao final do mini–curso, os participantes estejam
aptos a reproduzir as principais relações termodinâmicas, entender e apli-
car os postulados de Energia Interna U , Entropia S. Estes conceitos serão
importantes para a derivação da equação de Euler e Gibbs–Duhen, energia
livre de Helmholtz A, Entalpia H e Energia Livre de Gibbs G. Finalmente,
comentaremos algumas aplicações clássicas no domı́nio da geo–quı́mica e ele-
troquı́mica como a derivação dos potencial quı́mico e eletroquı́mico, pressão
osmótica, relação de Boltzmann e constante de equilı́brio de reações quı́micas.
Os conceitos tratados neste mini–curso serão valiosos para a compreensão e
dedução dos modelos Geoquı́micos–Hidro–Mecânicos que serão tratados nos
próximos módulos do curso.

2 Motivação
As ferramentas da termodinâmica clássica permitem explicar fenômenos de
transporte, quantificar reações quı́mica, modelar a pressão osmótica e relação
de Boltzmman. Estes parâmetros são fundamentais para entender e quantifi-
car o comportamento de soluções eletrolı́ticas em equilı́brio quı́mico com uma
solução bulk 2 . Nesta seção apresentamos brevemente algumas aplicações dos
1
Isaac Newton
2
Solução Bulk: É uma solução onde a condição de eletroneutralidade é assegurada pon-
tualmente, ou seja, a concentração dos ı́ons positivos é pontualmente igual a concentração

2
conceitos da termodinâmica.

2.1 Fenômenos de Transporte


As Leis Constitutivas que relacionam fluxos e gradientes são amplamente uti-
lizadas na modelagem matemática em reservatórios de petróleo para quan-
tificar fenômenos de transporte de calor e massa. Algumas leis clássicas são
bastante conhecidas do leitor.

(i) A lei de Fick J = −D∇µ onde D é o coeficiente de difusão molecular.


Esta equação constitutiva permite modelar o movimento Browniano de
solutos, relacionando o fluxo mássico J e gradiente de potencial quı́mico
µ.

(ii) A lei de Darcy V = −K∇P onde K é a permeabilidade do meio poroso.


Esta equação constitutiva permite relacionar a velocidade do fluido V
no meio poroso e o gradiente de pressão aplicado P .

(iii) A lei de Fourrier q = −K∇T onde K é a condutividade térmica do


material. Esta equação constitutiva permite relacionar o fluxo de calor
q e o gradiente de temperatura T .

(iv) A lei de Gauss D = −ε∇φ onde ε é a permissividade elétrica do mate-


rial. Esta equação constitutiva permite relacionar o fluxo de corrente
elétrica D e o potencial elétrico aplicado φ.

Podemos perceber que as leis constitutivas acima apresentam uma carac-


terı́stica em comum:

“Os fluxos ocorrem no sentido contrário aos gradientes”

Esta afirmação comumente e intuitivamente utilizada na modelagem de


fenômenos de transporte assume que a transferência de uma determinada
grandeza ocorre de regiões de alta magnitude para regiões de baixa mag-
nitude. Como veremos no decorrer do texto o formalismo termodinâmicos
permiter demonstrar que esta afirmação é termodinamicamente coerente.
dos ı́ons negativos.

3
2.2 Fenômenos Eletroosmóticos
As leis termodinâmicas são utilizadas para quantificar o comportamento de
uma solução eletrolı́tica na presença de uma solução bulk. Por exemplo, a
relação de Boltzmann comumente utilizada na termodinâmica permite mo-
delar a concentração de ı́ons positivos ou negativos C ± em uma solução
eletrolı́tica a partir potencial elétrico gerado Ψ devido a diferença de conce-
tração (figura 1(b)) e da concentração da solução bulk Cb onde o potencial
elétrico é nulo (ver figura 1(a)). O equilı́brio termodinâmico entre a solução
bulk e solução eletrolı́tica permite deduzir a relação de Botzmann dada por

 
± zF Ψ
C = Cb exp (2.1)
RT

onde z é a valência do ı́on, F é a constante de Faraday, R a constante universal


dos gases e T a temperatura.

Figura 1: Equilı́brio entre uma Solução Bulk (a) e Solução Eletrolı́tica (b).

Considerando agora dois reservatórios (1) e (2) contendo respectivamente


soluções de concentração 0.1M e 0.5M de N aCl e separados por uma mem-
brana impermeável (não permite transferência de solutos) (ver figura 2). A
diferença de concentração salina produz uma diferença de pressão entre os
reservatórios. Consequentemente, atingido o equilı́brio quı́mico podemos ob-
servar um aumento do volume no reservatório com solução mais concentrada.
Como veremos no decorrer do texto, este gradiente de pressão comumente de-
nominado pressão osmótica ou osmose–quı́mica pode ser modelado utilizando
as leis e equações da termodinâmica.

4
Figura 2: Fenômeno de Osmose Quı́mica.

2.3 Reações Quı́micas


Os conceitos da termodinâmica podem ser aplicados em diversos problemas
da fı́sico–quı́mica. Um caso tı́pico da termoquı́mica consiste em estabelecer
um balanço entre o reagente e produto em uma reação quı́mica. Seja a reação
quı́mica reversı́vel dada por

αA + βB  γC + ωD (2.2)

Considerando uma solução diluı́da, a lei de ação das massas assegura que
a taxa de variação do reagente e produto é proporcional as suas respectivas
concentrações molares. Denotando vr e vp as taxas de variação do reagente
e produto temos que

vr = k1 [A]α [B]β
vp = k2 [C]γ [D]ω

onde k1 e k2 são as constantes de proporcionalidade. Atingido o equilı́brio


termodinâmico onde as taxa de variação do reagente e produto são iguais, a
reação quı́mica é escrita em termos da constante de equilı́brio K definida na
forma

k1 [C]γ [D]ω
K := = (2.3)
k2 [A]α [B]β
Portanto, a constante de equilı́brio nos permite estabelecer uma lei de ba-
lanço entre as concentrações do reagente e produto. Naturalmente, a questão
que surge é como encontrar o valor de K. Mostraremos em breve que os
princı́pios da termodinâmica nos permitirá obter este valor.

5
3 Termodinâmica
A termodinâmica (do grego Therme-Calor Dinamis-Força) é o ramo da fı́sica
aplicada que estuda a transferência de calor e o transporte de energia em
sistemas. De um ponto de vista termodinâmico, a transferência de energia
pode ser feito na forma de calor e trabalho. Dentro do estudo dos princı́pios
da termodinâmica se faz necessário distinguir algumas terminologias:

⇒ Termodinâmica do Equilı́brio e Não–Equilı́brio: O equilı́brio termodinâmico


é assegurado quando ocorre o equilı́brios mecânico, quı́mico e térmico.
Caso contrário, o problema é tratado sob hipótese de não–equilı́brio
termodinâmico, neste caso utilizamos as ferramentas da termodinâmica
dos processos irreversı́veis.

⇒ Ponto de Vista Macroscópico: O ponto de vista macroscópico descreve o


comportamento global do sistema considerando o material como contı́nuo.
Neste caso, as ferramentas termodinâmicas permitem relacionar as pro-
priedades da substância com as variáveis macroscópicas do modelo.

⇒ Ponto de Vista Microscópico: Neste tipo de abordagem consideramos a


estrutura fı́sica da matéria. Desta forma as ferramentas da termo-
dinâmica estatı́stica ou mecânica estatı́stica permitem relacionar as
propriedades das moléculas com as propriedades das substâncias.

3.1 Terminologias
Para apresentarmos os principais postulados e relações termodinâmicas, bem
como os conceitos de energia, calor e trabalho é necessário a apresentação de
algumas terminologias clássicas da termodinâmica.

• Sistema Termodinâmico: Parte do Universo ou Objeto de Análise.

• Vizinhança: Parte exterior ao sistema termodinâmico.

• Fronteira: Superfı́cie que delimita o sistema termodinâmico e sua vizinhan-


ça.

• Sistema Isolado: Definimos um sistema isolado o sistema termodinâmico


que não permite troca de massa ou energia com sua vizinhança.

• Sistema Fechado: Definimos um sistema fechado o sistema termodinâmico


que possibilita a troca energia com sua vizinhança, mas impossibilita
a troca de massa.

6
• Sistema Aberto: Um sistema termodinâmico é dito aberto quando permite
troca de energia e massa com sua vizinhança.

• Fronteira Permeável: O termo permeável será associado a uma fronteira


que não oferece resistência a passagem de massa.

• Fronteira Semi–Impermeável: O termo semi–impermeável será associado


a fronteira que permite a passagem de certos tipos de matéria.

• Fronteira Impermeável: O termo impermeável será associado a fronteira


que não permite a passagem de massa.

• Fronteira Móvel: A fronteira de um sistema é móvel se permite a trans-


ferência de energia na forma de trabalho mecânico.

• Fronteira Rı́gida: A fronteira de um sistema é rı́gida se impossibilita a


transferência de energia na forma de trabalho mecânico.

• Fronteira Diatermal: A fronteira de um sistema é dita diatermal se permite


a troca de energia na forma de calor.

• Fronteira Adiabática: A fronteira de um sistema é dita adiabática quando


não permite a troca de energia na forma de calor.

• Ponto de Vista Macrocópico: Descreve o comportamento global do sistema


o qual é tratado como contı́nuo.

• Ponto de Vista Microscópico: Abordagem que considera a estrutura da


matéria. Este tipo de abordagem comumente utiliza ferramentas es-
tatı́sticas.

• Propriedade Termodinâmica: Caracterı́stica macroscópica do sistema que


não depende da sua história, algumas bibliografias adotam a termino-
logia variável de estado ou função de estado. Por exemplo, as funções
energia interna, entropia, temperatura, volume são funções de estado,
enquanto que calor e trabalho são exemplos que variáveis que dependem
da trajetória.

• Estado Termodinâmico: O comportamento de um sistema termodinâmico


pode ser caracterizado por um subconjunto de propriedades termo-
dinâmicas. Postularemos que para qualquer sistema termodinâmico
existe um número de propriedades que caracterizam seu estado termo-
dinâmico.

7
• Processo Termodinâmico: A variação das propriedades termodinâmicas
provocam mudanças no estado termodinâmico e consequentemente es-
tabelecemos um processo.
• Estado Estacionário: Estado na qual nenhuma propriedade varia com o
tempo.
• Equilı́brio Termodinâmico: Um sistema é dito em equilı́brio termodinâmico
estável se seus estados podem ser descritos por propriedades que não
dependem do tempo e que não varia no interior do sistema. Veremos
que o equilı́brio termodinâmico implica equilı́brios mecânico, térmico e
quı́mico.
• Paramêtros Intensivo e Extensivo: Um parâmetro extensivo depende das
dimensões ou da quantidade de matéria do sistema. Um parâmetro
intensivo não depende da dimensão ou quantidade de matéria. Por
exemplo, a transferência de energia na forma de pressão e volume, o
volume é considerado como um parâmetro extensivo enquanto que a
pressão é um parâmetro intensivo.
• Processo Reversı́vel: Um processo é dito reversı́vel se pode ser conduzido
de maneira tal que sua reversibilidade não perturba o resto do universo.
• Sistema Compósito: Sistema constituı́do de duas ou mais fases.

3.2 Calor e Trabalho


A Energia, Calor e Trabalho são tópicos centrais da termodinâmica. Calor e
trabalho são processos de transferência de energia entre sistemas. A energia
na forma de trabalho é transferida por meio de uma conexão fı́sico–quı́mica ou
mecânica entre o sistema e sua vizinhança. Aprendemos da fı́sica elementar
que o trabalho mecânico é a energia transferida devido a ação de forças
resultando em um deslocamento

W = F∆x

onde W é o trabalho, F a força atuante e ∆x um deslocamento infinitesimal.


Dividindo a expressão acima por uma área infinitesimal ∆A obtemos

W = P ∆V (3.1)

onde P é a pressão devido a força atuando na área infinitesimal e V o volume.

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Assumimos que durante a geração de um trabalho mecânico não ocorre
mudança na composição da matéria, enquanto que o trabalho quı́mico ocorre
devido a variação da composição quı́mica. Calor é a energia transferida entre
os sistemas devido a uma diferença de temperatura. Ambas as variáveis são
dependentes da trajetória e portanto não são propriedades termodinâmicas.

4 Postulados da Termodinâmica
Para a caracterização dos processos e leis termodinâmicas é necessário o con-
ceito de energia interna U , entropia S. Estes parâmetros de acordo com a
termodinâmica de Gibbs são incorporados a teoria através de alguns postu-
lados.

Postulado 4.1 (Caracterização dos Sistemas Termodinâmicos) Os es-


tados de equilı́brio de um sistema termodinâmico de um material compósito
são completamente caracterizados pelos parâmetros extensivos energia in-
terna U , volume V e números de moles das substâncias envolvidas N1 , N2 ,
..., Nk .

4.1 Energia Interna


Um dos conceitos centrais da termodinâmica é a Energia Interna que permite
enunciar a primeira lei da termodinâmica e a lei da conservação da energia.
A Energia Interna é um parâmetro termodinâmico extensivo que não pode
ser medida diretamente.

Postulado 4.2 (Existência da Energia Interna) Para qualquer sistema


termodinâmico existe uma função suficientemente regular3 denominada ener-
gia interna U definida para todos os estados de equilı́brio do sistema.

A função energia interna é considerada uma função de estado do sistema,


ou seja, independente da trajetória.

Z Uf
∆U = dU = Uf − Ui
Ui
3
Entenda-se por suficientemente regular uma função que possui a regularidade ne-
cessária para as operações que efetuaremos. Por exemplo, integrável, diferenciável, ho-
mogênea, aditiva,...

9
Postulado 4.3 (Primeira Lei da Termodinâmica) A variação da ener-
gia interna do sistema termodinâmico é igual a energia transferida para o
sistema.

Em termos matemáticos temos que

dU = dW + dQ (4.1)

onde dW é o trabalho realizado pelo sistema na fronteira e dQ é o calor


absorvido pelo sistema.

Casos Particulares:

(i) Para um sistema fechado e rı́gido temos que dW = 0 logo ∆U = Q.

(ii) Para o caso de uma fronteira adiabática temos que dQ = 0 logo ∆U =


W.

Lei de Conservação 4.1 (Conservação da Energia) Em um sistema iso-


lado a variação da energia interna total é nula.

Em termos matemáticos temos que

∆U = 0 (4.2)

De acordo com este postulado a energia é conservada, ou seja, em um


sistema isolado a energia não pode ser criada nem destruı́da.

4.2 Entropia
A entropia é um parâmetro termodinâmico extensivo que permite caracteri-
zar o sistema termodinâmico.

Postulado 4.4 (Entropia) Para qualquer sistema termodinâmico existe uma


função suficientemente regular denominada entropia S = S(U, V, N1 , N2 , ..., Nk )
definida para todos os estados de equilı́brio do sistema.

A função entropia é considerada uma função de estado do sistema, ou


seja, independente da trajetória.

10
Z Sf
∆S = dS = Sf − Si
Si

Ao contrário da energia interna que é conservativa para sistemas fechados,


a entropia não é conservada.

Postulado 4.5 (Não Conservação da Entropia) Em um sistema fechado


adiabaticamente isolado a entropia é monótona não-decrescente.

Em termos matemáticos temos que

∆S ≥ 0 (4.3)

A variação da entropia é identicamente nula apenas em processos re-


versı́veis. Como a entropia é suficientemente regular podemos reescrever a
energia interna em função da entropia, volume e moles da substâncias

S = S(U, V, N1 , N2 , ..., Nk ) ⇔ U = U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) (4.4)

4.3 Equações Fundamentais


Diferenciando a energia interna U na equação (4.4) obtemos

    k  
∂U ∂U X ∂U
dU = dS + dV + dNi (4.5)
∂S V,Ni ∂V S,Ni i=1
∂Ni S,V,Nj

Definindo as funções termodinâmicas

 
∂U
:= T ⇐ TEMPERATURA (4.6)
∂S V,Ni
 
∂U
:= −P ⇐ PRESSÃO (4.7)
∂V S,Ni
 
∂U
:= µi ⇐ POTENCIAL QUÍMICO (4.8)
∂Ni S,V,Nj

Portanto a expressão (4.5) pode ser reescrita em termo das funções ter-
modinâmicas

11
k
X
dU = T dS − P dV + µi dNi (4.9)
i=1

Isolando o termo da diferencial da entropia obtemos

k
1 P X µi
dS = dU + dV − dNi (4.10)
T T i=1
T

Observações:

(i) A definição da pressão em (4.7) é coerente com a expressão para o tra-


balho mecânico definida em (3.1).

(ii) Podemos observar nas equações (4.9) e (4.10) o surgimento de uma pro-
priedade termodinâmica adicional µi denominada potencial quı́mico.

(iii) O conceito de potencial quı́mico foi introduzido por Gibbs em 1948 com
o objetivo de quantificar o fluxo difusivo devido a variação da com-
posição quı́mica dos consitituintes, este termo desempenha um papel
de trabalho quı́mico.

(iv) A expressão para o potencial quı́mico é fundamental para descrever a


termoquı́mica em modelos Geoquı́micos–Hidro–Mecânicos.

4.4 Equação de Euler


Para a dedução da equação de Euler utilizamos a homogeneidade da energia
interna

U (λS, λV, λN1 , λN2 , ..., λNk ) = λU (S, V, N1 , N2 , ..., Nk )

Diferenciando em relação a lambda obtemos

    k  
∂U ∂U X ∂U
S+ V + Ni = U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk )
∂λS V,Ni ∂λV S,Ni i=1
∂λN i S,V,N j

12
Finalmente tomando λ = 1 e utilizando as expressões (4.6)–(4.8) deduzi-
mos a equação de Euler

k
X
U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) = T S − P V + µi Ni (4.11)
i=1

4.5 Equação de Gibbs–Duhen


Para a dedução da equação de Gibbs–Duhen, inicialmente diferenciamos a
equação Euler (4.11)

k
X
dU = T dS + SdT − P dV − V dP + (µi dNi + Ni dµi )
i=1

Recapitulando a expressão para energia interna (4.9) obtemos a equação


de Gibbs–Duhen

k
X
SdT − V dP + Ni dµi = 0 (4.12)
i=1

Casos Particulares:

(i) Sistema Termodinâmico Simples (k=1)

SdT − V dP + N dµ = 0 ⇔ N dµ = V dP − SdT (4.13)

(ii) Caso Isotérmico (dT = 0)

N dµ = V dP (4.14)

Observação:

• Veremos no decorrer do texto que um simples integração da equação


acima permitirá a dedução da expressão para o potencial quı́mico e
eletroquı́micos.

13
5 Fenômenos de Transporte
Consideremos um sistema isolado composto de dois compartimento com dife-
rentes configurações (ver figura 3). Sem perda de generalidade consideramos
cada compartimento contendo uma única espécie.

Figura 3: Reservatório Isolado Composto por 2 Compartimentos.

A aditividade da entropia permite escrever a entropia total do sistema ST


na forma

ST = SA + SB

Utilizando a expressão (4.10) a variação da entropia no compartimento


A é dado na forma

dUA PA µA
dSA = + dVA − dNA
TA TA TA
Analogamente para o compartimento B temos que

dUB PB µB
dSB = + dVB − dNB
TB TB TB
Portanto a variação da entropia total é dada por

dUA dUB PA PB µA µB
dST = + + dVA + dVB − dNA − dNB (5.1)
TA TB TA TB TA TB

14
5.1 Fluxo de Calor
Considerando os compartimentos rı́gidos tal que dVA = dVB = 0 e fronteira
entre os compartimentos impermeável. A hipótese de reservatório isolado
permite utilizar a conservação da energia dUA = −dUB , logo a expressão
(5.1) é reescrita na forma

   
1 1 1 1
dST = − dUA = − dQA (5.2)
TA TB TA TB

Considerando TA = TB + ∆T a restrição da entropia (4.3) assegura que


dQA < 0, ou seja, uma função decrescente. Portanto a energia térmica no
compartimento A decresce quando a temperatura aumenta. Esta conclusão
permite enunciar a seguinte lei

Lei de Conservação 5.1 (Fluxo de Calor) “O fluxo de Calor ocorre de


regiões de alta temperatura para regiões de baixa tempertura.”

Observação:

• A lei universal enunciada acima é traduzida em termos matemático


pela lei de Fourrier.

5.2 Fluxo Mecânico


Considerando agora o processo termodinâmico isotérmico e fronteira entre os
compartimentos impermeável, a conservação da energia possibilita reescrever
a expressão (5.1) na forma

dVA
dST = (PA − PB ) (5.3)
T
Considerando PB = PA + ∆P a restrição da entropia (4.3) assegura que
dVA < 0, ou seja, uma função decrescente. Portanto o volume no compar-
timento A decresce quando a pressão no compartimento B aumenta. Esta
conclusão permite enunciar a seguinte lei

Lei de Conservação 5.2 (Fluxo Mecânico) “O decréscimo da pressão no


recipiente B provoca um aumento no volume no recipiente A.”

15
Observação:

• No contexto do escoamento em meios porosos, a lei universal enunciada


acima é traduzida em termos matemático pela lei de Darcy.

5.3 Fluxo de Massa


Considerando os compartimentos rı́gidos tal que dVA = dVB = 0 e isotérmico
dTA = dTB = 0. A hipótese de reservatório isolado permite utilizar a con-
servação da massa de maneira que dNA = −dNB , logo a expressão (5.1)
assume a forma

dNA
dST = (µB − µA ) (5.4)
T
Considerando µA = µB + ∆µ a restrição da entropia (4.3) assegura que
dNA < 0, ou seja, uma função decrescente. Portanto a quantidade de massa
no compartimento A decresce quando potencial quı́mico aumenta. Esta con-
clusão permite enunciar a seguinte lei

Lei de Conservação 5.3 (Fluxo de Massa) “O fluxo de Massa ocorre de


regiões de alto potencial quı́mico para regiões de baixo potencial quı́mico.”

Observação:

• No contexto de fenômenos de transporte de solutos, a lei universal


enunciada acima é traduzida em termos matemático pela lei de Fick.

5.4 Equilı́brio Termodinâmico


Naturalmente podemos questionar situações onde a entropia é nula. Neste
caso, o estado de equilı́brio termodinâmico é estabelecido e portanto o princı́pio
dos extremos é válido.

Lei de Conservação 5.4 (Princı́pio da Entropia Máxima) “No estado


de equilı́brio termodinâmico a entropia é máxima.”

Em termos matemáticos temos que

dST = 0 (5.5)

16
Lei de Conservação 5.5 (Princı́pio da Energia Mı́nima) “No estado de
equilı́brio termodinâmico a energia é mı́nima.”

Em termos matemáticos temos que

dUT = 0

Recapitulando as expressões (5.2)-(5.4) a hipótese de equilı́brio termo-


dinâmico assegura que a variação da entropia é nula (5.5). Consequentemente
obtemos a igualdade entre as propriedades termodinâmicas

T1 = T2 ⇐ Equilı́brio Térmico
V1 = V2 ⇐ Equilı́brio Mecânico
µ1 = µ2 ⇐ Equilı́brio Quı́mico

6 Energia Livre de Helmholtz, Entalpia e Ener-


gia Livre de Gibbs
A derivação das expressões para a entalpia, energia livre de Gibbs e energia
livre de Helmholtz são obtidas imediatamente aplicando a transformada de
Legendre na função energia interna (4.4).

6.1 Transformada de Legendre


A transformada de Legendre consiste de um procedimento matemático que
possibilita realizar uma transformação biunı́voca entre funções escalares U :
Rn → R. Considerando um caso uni–dimensional um procedimento simples
consiste em estabelecer um mapeamento entre a função U = U (S) : R → R
e a ordenada da reta tangente a curva em cada ponto A (ver ilustração (4)).
A transformação é efetuada tomando a tangente do ângulo α

U (S0 ) − A
X := tan(α) = ⇔ A = U (S0 ) − tan(α)S0
S0 − 0
Identificamos a tangente como a derivada da função, obtemos

∂U (S0 )
A := U (S0 ) − S0 (6.1)
∂S
17
Figura 4: Descrição Geométrica da Transformada de Legendre.

Observação:

• A transformada de lagrange permite reescrever uma dada função em


termos de sua derivada.
• Para uma função escalar a transformada de lagrange é linear.
• Este procedimento permitirá deduzir as expressões para energia livre
de Helmholtz, Entalpia e Energia Livre de Gibbs.

6.2 Energia Livre de Helmholtz


Para deduzir a energia livre de Helmholtz A aplicamos a transformada de
Legendre da energia interna U = U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) em relação a função
entropia. Utilizando as expressão (4.4) e (6.1) obtemos

 
∂U (S)
A(S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) := U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) − S
∂S V,Ni

Recapitulando a definição (4.6), a energia livre de Helmholtz é reescrita


na forma

A(S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) = U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) − T S(U, V, N1 , N2 , ..., Nk )

6.3 Entalpia
Para deduzir a entalpia H aplicamos a transformada de Legendre da ener-
gia interna U = U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) em relação ao volume. Utilizando a
expressão (4.4) e (6.1) obtemos

18
 
∂U (V )
H(S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) := U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) − V
∂V S,Ni

Recapitulando a definição (4.7), a expressão da entalpia é reescrita na


forma

H(S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) = U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) + P V

Observe que

 
∂H ∂U ∂P V
= + =V
∂P S,V,Ni ∂P ∂P
 
∂H ∂U ∂P V
= + =T
∂S V,Ni ∂S ∂S
 
∂H ∂U ∂P V
= + = µi
∂Ni V,S,Nj ∂Ni ∂Ni

6.4 Energia Livre de Gibbs


Analogamente aos casos anteriores, a energia livre de Gibbs G é obtida aplica-
mos a transformada de Legendre da energia interna U = U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk )
em relação ao volume e entropia. Utilizando a linearidade da expressão (6.1)
obtemos

   
∂U (S) ∂U (V )
G(S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) := U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) − S− V
∂S V,Ni ∂V S,Ni

Recapitulando as definições (4.6)–(4.7), a equação da energia livre de


Gibbs é reescrita na forma

G(S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) = U (S, V, N1 , N2 , ..., Nk ) − T S + P V (6.2)

Observe que

19
 
∂G ∂U ∂T S ∂P V
= − + = −S
∂T S,V,Ni ∂T ∂T ∂T
 
∂G ∂U ∂T S ∂P V
= − + =V (6.3)
∂P S,V,Ni ∂P ∂P ∂P
 
∂G ∂U ∂T S ∂P V
= − + = µi
∂Ni S,V,Nj ∂Ni ∂Ni ∂Ni

7 Aplicações
Os conceitos expostos nas seções anteriores são úteis em diversas aplicações.
Com o objetivo de demonstrar as potencialidades dos conceitos da termo-
dinâmica, nesta seção ilustraremos algumas aplicações clássicas que serão
importantes na dedução de modelos geoquı́micos.

7.1 Potencial Quı́mico e Eletroquı́mico


Recapitulando a forma simplicada da equação de Gibbs–Duhen (4.14) temos
que

V
N dµ = V dP ⇔ dµ = dP
N
Considerando a hipótese de gás ideal (P V = N RT ) a expressão acima
pode ser reescrita na forma

RT
dµ = dP
P
Integrando obtemos

 
0 P (T, n)
µ(T, P, n) = µ (T, P ) + ln
P 0 (T )

onde µ0 (T, P ) é o potencial quı́mico padrão de um gás ideal puro com P 0 = 1


bar e temperatura ambiente. Considerando uma hipótese de fluido ideal a
igualdade P (T, n) = nP 0 (T ) é válida. Portanto, a expressão acima é dada
em termos da fração molar n

20
µ(T, P, n) = µ0 (T, P ) + RT ln n (7.1)

Para o caso de uma solução eletrolı́tica um termo adicional é incorporado


ao potencial quı́mico (7.1) objetivando computar o potencial elétrico ψ gerado
pela diferença de concentrações

zF ψ
µ(T, P, n, ψ) = µ0 (T, P ) + RT ln n + (7.2)
RT
onde z é a valência do ı́on.

Observação:

• Para o cômputo do potencial elétrico ψ utilizamos a equação de Poisson–


Boltzmann.

• O potencial quı́mico para uma solução eletrolı́tica é comumente deno-


minado potencial eletroquı́mico.

7.2 Pressão Osmótica


O cálculo da pressão osmótica pode ser modelada integrando a expressão
(4.14) entre os reservatórios 1 e 2 (ver figura(2))

Z 2 Z 2
V V2 2 V1 1
dµ = dP ⇒ µ2 − µ1 = P − P
1 1 N N2 N1

Assumimos µ1 = µ0 o potencial quı́mico padrão. Além disso, para flui-


dos ideais podemos aproximar V1 /N1 ≈ V2 /N2 . Dessa forma utilizando a
expressão para o potencial quı́mico (7.1) obtemos

V1
µ0 + ln n − µ0 = P2 − P1

N1

Definido π := P 2 − P 1 a pressão osmótica, temos que

N1
π= ln n (7.3)
V1

21
7.3 Relação de Boltzmann
A relação de boltzmann (2.1) que modela a concentração dos ı́ons em uma
solução eletrolı́tica em função da concentração de uma solução bulk é de-
duzida considerando o equilı́brio eletroquı́mico entre os reservatórios (figura
(1)). Portanto temos que

µa = µb

Diferentemente do reservatório (a) onde o potencial quı́mico é dado por


(7.1), na solução eletrolı́tica (b) o potencial eletroquı́mico assume a forma
(7.2). Denotando nb a fração molar da solução bulk e n a fração molar da
solução eletrolı́tica, a igualdade acima é reescrita como

zF ψ
µ0 (T, P ) + RT ln nb = µ0 (T, P ) + RT ln n +
RT
Reordenando os termos obtemos a relação de Boltzmann

   
zF ψ zF ψ
n = nb exp − ⇔ C = Cb exp − (7.4)
RT RT

onde C e Cb são as concentrações molares. Para o caso de uma solução salina


(N aCl) obtemos

 

CN a+ = Cb exp −
RT
 

CCl− = Cb exp
RT

Na solução bulk a eletroneutralidade garante que

CN ab+ = CClb− = Cb

7.4 Constante de Equilı́brio


Uma aplicação importante para a sequência do curso de modelagem Ge-
oquı́mica é a dedução da constante de equilı́brio (2.3) da reação quı́mica
(2.2) em função da energia livre de Gibbs (6.2). Partindo da equação (6.2) e
utilizando a equação de Euler (4.11) obtemos

22
k
X
G= µi Ni (7.5)
i=1

Considerando que a reação quı́mica (2.2) avança ξ moles, onde ξ é o


avanço da reação4 , temos

NA = NA0 − αξ
NB = NB0 − βξ
NC = NC0 + γξ
ND = ND0 + ωξ
onde os valores Ni0 representam as concentrações iniciais de cada espécie
envolvida na reação quı́mica. Atingido o equilı́brio termodinâmico temos que
a variação da energia de Gibbs é nula. Portanto, substituindo as igualdades
acima em (7.5) o equilı́brio é obtido na energia mı́nima

∂G
= ωµD + γµC − βµB − αµA = 0
∂ξ
Substituindo a expressão para o potencial quı́mico (7.1), a equação acima
assume a forma

 
ωµ0D + γµ0C − βµ0B − αµ0A = RT ln nαA + ln nβB − ln nγC − ln nωD

Sendo

∆G0 = µ0D + γµ0C − βµ0B − αµ0A


Obtemos

!
nωD nγC nωD nγC ∆G0
 
0
∆G = −RT ln ⇔ = exp −
nβB nαA nβB nαA RT
4
O parâmetro de avanço ξ foi introduzido por DeDonder que denominou “grau de
avanço” da reação. Este parâmetro baseia-se no fato que os moles das várias espécies
envolvidas na reação não variam independentemente e as variações estão relacionadas com
os coeficientes estequiométricos da reação quı́mica. Podemos fazer uma analogia entre o
avanço da reação e o “coupling parameter” estabelecido na teoria de Onsager.

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Portante a constante de equı́librio de uma reação quı́mica é dado em
função da energia livre de Gibbs na forma

∆G0
 
K = exp − (7.6)
RT

Bibliografia
Castellan, G., Fundamentos de Fı́sico–Quı́mica, LTC Editora (1986).
Callen, H. B., Thermodynamics and an Introduction to Thermostatistics,
John Wiley & Sons (1985).
Potter, C. M., Somerton, C. W., Thermodynamics for Engineerings, McGraw-
Hill, (1995).
Mahan, B. M, Quı́mica - Um Curso Universitário, Edgar Blucher 4a Ed
(2002).
Firrozabadi, A., Thermodynamics of Hydrocarbon Reservoir, McGraw-Hill,
(1999).

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