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220 CONGRESSO NACIONAL DE TRANSPORTE AQUAVIÁRIO,

CONSTRUÇÃO NAVAL E OFFSHORE – SOBENA 2008


A ascensão da indústria ferroviária no Brasil: importância para a logística
nacional e lições para a navipeças

Rodrigo Mota Amarante


Mestrando em Engenharia Naval e Oceânica (POLI – USP)
Centro de Estudos em Gestão Naval
rodrigo.amarante@gestaonaval.org.br

Julio Vicente Rinaldi Favarin


Mestrando em Engenharia Naval e Oceânica (POLI – USP)
Centro de Estudos em Gestão Naval
julio.favarin@gestaonaval.org.br

Prof. Dr. João Furtado


Departamento de Engenharia de Produção (POLI – USP)
joao1960@gmail.com

Resumo: fazer com que o setor se torne estratégico


para um o atendimento das necessidades de
No Brasil, as indústrias ferroviária e de um determinado país.
construção naval possuem trajetórias O momento atual é favorável a essas duas
históricas semelhantes e já passaram por fase indústrias, dados os grandes investimentos
de auge e de crise. Essas duas indústrias têm que estão sendo feitos. Uma pergunta a ser
recebido relevantes aportes de recursos nos respondida é se a existência de investimentos,
últimos anos, de maneira a estimular seu isoladamente, é suficiente para o
desenvolvimento. desenvolvimento em bases sustentáveis de
Entre 2003 e 2006, a indústria ferroviária um determinado setor industrial.
apresentou um acentuado pico de demanda. No setor naval, particularmente, várias outras
Empresas de outros setores procuraram medidas adicionais são necessárias, como a
desenvolver diversos esforços, a fim de reestruturação dos estaleiros, alocação e
aproveitarem as oportunidades que se treinamento de mão-de-obra, desenvolvimento
apresentavam e expandir seus nichos de da cadeia de suprimentos e incentivos fiscais
atuação, com base no fato de possuírem as nas fases embrionárias dessa indústria.
competências metal-mecânicas de que a Do ponto de vista da cadeia de suprimentos, a
indústria ferroviária necessitava. Além dessas, abordagem proposta para encaminhamento da
empresas desativadas, antigas fornecedoras questão é a investigação das competências
do setor, voltaram a produzir. produtivas necessárias para o setor e sua
A indústria de construção naval brasileira presença no tecido industrial brasileiro para,
passou por uma fase de poucas atividades nas então, investigar os problemas envolvidos e as
duas últimas décadas. Por outro lado, a soluções possíveis de serem encaminhadas.
demanda mundial por embarcações, a partir As semelhanças e diferenças existentes entre
do aumento ocorrido nos últimos anos no esses dois setores são exploradas nesse
comércio marítimo entre países, fez com que trabalho. As principais conclusões são:
estaleiros tivessem suas carteiras preenchidas (1) o Brasil possui as competências metal-
e o desenvolvimento da indústria naval pode mecânicas necessárias para a indústria naval,

 
mesmo que aspergidas pelos mais diversos The similarities and differences between these
setores produtivos; two sectors are explored in this work. The main
(2) as semelhanças entre as duas indústrias conclusions are:
estudadas são indicativos de que o setor (1) Brazil has the metal-mechanical skills
ferroviário tem lições a ensinar para o de necessary for the shipbuilding industry, even if
navipeças. sprayed by the most diverse productive
Por fim, são sugeridas ações capazes de sectors;
desenvolver a navipeças nacional, de maneira (2) similarities between the two industries
consistente e sustentável, buscando dar studied are indicative that the rail industry has
suporte ao ressurgimento da indústria de lessons to teach to the naval suppliers.
construção naval. Finally, it was suggested actions are able to
develop the national naval suppliers, in a
Abstract: consistent and sustainable manner, seeking to
support the resurgence of the shipbuilding
In Brazil, the railway and the shipbuilding industry.
industries have similar historical trajectories
and have already gone through phases of peak 1. Introdução
and crisis. These two industries have received
relevant input of resources in recent years so A indústria de construção naval está presente
as to stimulate its development. em grande parte dos países costeiros e exige
Between 2003 and 2006, the railway industry uma série de requisitos para seu
showed a sharp peak demand. desenvolvimento, como uma cadeia de
Companies from other sectors sought to suprimentos consolidada, a presença de
develop various efforts to seize the estaleiros eficientes, ambiente político-
opportunities that are presented and expand its econômico favorável, e disponibilidade de
niche of action, based on the fact possess the mão-de-obra especializada.
metal-mechanical skills that the rail industry O objetivo do presente trabalho é o estudo de
needed. Besides these, old suppliers um desses fatores: a indústria de navipeças.
companies, that were disabled, began to São fortes os indícios de que os países que
produce again. possuem uma indústria de construção naval
Brazilian shipbuilding industry went through a pujante e competitiva (como Japão e Coréia)
phase of low activity in the last two decades. também contam com uma navipeças de
Because of the global demand for vessels mesma magnitude.
occurred in recent years due to the increase in Nos anos 1970 e 1980, principalmente, a
the maritime trade between countries, yards indústria de construção naval brasileira chegou
had completed their portfolios. Thus, the a ter projeção internacional e, por meio de
development of shipbuilding industry may reserva de mercado e financiamento
become strategic for the care the needs of a governamental abundante, havia-se
particular country. constituído uma cadeia de fornecedores.
The current moment is favorable to these two Esse mecanismo, porém, mostrou-se ineficaz
industries, given the large investments which no estímulo à competitividade. A depressão
are being made. One question to be answered que acometeu o setor nos anos seguintes
is whether the existence of investment, alone, dizimou tanto estaleiros como navipeças.
is sufficient basis for sustainable development Nesse momento em que demanda e os
in a given industry. incentivos são favoráveis à retomada da
Particularly In the shipbuilding sector, several construção naval no país, abre-se uma janela
other additional actions are necessary, as the para a navipeças. O aproveitamento da
restructuring of the shipyards, allocation and oportunidade que se apresenta depende,
training of workforce development, supply porém, da renúncia ao “jeito mais fácil” de se
chain organization and tax incentives in the começar a produzir navios, importando a
early stages of the industry. grande maioria dos componentes não
With respect to the supply chain, the proposed fabricados aqui.
approach is investigate the productive skills Existem duas formas conhecidas de dar
needed for the industry and its presence in the origem a uma indústria local: através da
Brazilian industry to then investigates the reserva de mercado (com a imposição de
problems involved and possible solutions to be barreiras comerciais e benefícios financeiros)
adopted. ou desenvolvendo a indústria localmente
(criando incentivos para a indústria produzir
segundo padrões mundiais).
2

 
A experiência pregressa de reserva de o desenvolvimento sustentável da navipeças
mercado mostrou que uma indústria que se nacional.
apóia sobre vantagens artificiais de produção
não se sustenta frente às oscilações do 2. Histórico dos setores ferroviário e naval
mercado. O uso de índices de nacionalização
nas licitações, por exemplo, atua nesse Historicamente, parece haver uma relação
sentido: pode funcionar como uma porta de interessante entre os períodos de altas e
entrada, mas isoladamente não possui efeitos baixas das indústrias ferroviária e de
duradouros. Outra possibilidade refere-se à construção naval no Brasil, que apresentam
importação de pacotes tecnológicos. Essa forte inconstância em seus níveis produtivos.
opção garante uma entrada mais rápida e a Observa-se que esses níveis foram
custos menores, porém não cria inteligência estimulados por políticas governamentais de
na indústria e determina um padrão crescimento para o país, bem como à
tecnológico dependente do país líder. alocação dos investimentos pertinentes.
O caso mais expoente é a compra de projetos De maneira geral, esses dois setores
de embarcações de apoio que estaleiros apresentam períodos cíclicos que se iniciam
nacionais fizeram junto a países da com uma pressão sobre demanda, seguida de
comunidade européia1, atraídos pela demanda investimentos, fases de crescimento, de auge,
na área offshore a partir da década de 1990. de declínio e crise. Podem ser identificados, a
Não apenas o projeto, mas normas e partir de meados do século XIX, três ciclos
equipamentos também foram importados. Isso como o descrito. Tais períodos se iniciaram,
impõe um padrão tecnológico que dificilmente aproximadamente, nas décadas de 1840, 1930
será alcançado pela indústria nacional. e 2000. O país encontra-se hoje em uma fase
Além disso, esses países investem em sua de investimentos, em ambos os setores.
trajetória tecnológica ascendente, A primeira das fases mencionadas se iniciou
desenvolvendo novos projetos e em 1845 com a inauguração da primeira
equipamentos, suportados por normas ferrovia do Brasil e dos estaleiros da
reguladoras próprias que naturalmente Companhia Ponta da Areia, resultados dos
favorecem sua indústria. esforços pioneiros de Irineu Evangelista de
A alternativa sustentável para o país consiste Souza, o Barão de Mauá. Essas ações
em desenvolver competências produtivas culminaram com a introdução da primeira
locais. Isso implica em dotar as empresas operação intermodal do país, já que as
nacionais da capacidade de não apenas embarcações que partiam da Praça XV
replicar, mas de inovar e competir seguiam até a Baía da Guanabara, onde as
mundialmente, garantindo assim os meios cargas eram então levadas de trem até Raiz
para atravessar tempos de crise e aproveitar da Serra, próxima à Petrópolis. À época, a
as oportunidades futuras do mercado. São cafeicultura estava em alta e novas ferrovias
exemplos dessa iniciativa a realização de surgiram na região Sudeste, além de outras no
projetos nacionais e a capacitação dos Recôncavo Baiano.
fornecedores locais para atendimento das O auge desse período se deu por volta de
normas de qualidade, segurança, 1883, após a construção do primeiro cabo
funcionalidade e operação requeridas pelo submarino, ligando o Brasil à Europa, a
mercado e sociedades classificadoras. construção do primeiro navio nacional com
A indústria ferroviária brasileira, aquecida estrutura metálica e o sucesso dos estaleiros
neste momento de grandes investimentos em da Companhia Ponta da Areia, que em seus
infra-estrutura no país, pode ter lições a doze primeiros anos construiu 72 navios a
ensinar a outros setores, inclusive o naval. As vapor e a vela.
oportunidades atuais motivaram empresas de Em 1890, um evento isolado marcou a história
fora do setor ferroviário, mas detentoras de da construção naval brasileira: foi lançado o
competências-chave necessárias para o cruzador Tamandaré, cujo porte só seria
fornecimento para essa indústria, a investirem ultrapassado 72 anos depois.
na flexibilidade de suas linhas de produção a Após cerca de 50 anos sem a construção de
fim de adentrarem em um novo nicho de um único navio em território nacional2, o ano
mercado.                                                             
Esse trabalho busca traçar um paralelo entre 2
Pode-se citar como principal motivo da decadência da
as indústrias naval e ferroviária, visando construção naval brasileira nesse período longo período o
avaliar a possibilidade desse tipo de ação para fato da Marinha ser tida, à época, como monarquista. A
implantação do regime republicano fez com que a Marinha
                                                             perdesse muito de sua importância e do prestígio que
1
Pode-se citar, destacadamente, o caso da Noruega. tinha no Império, de acordo com Telles (2001).

 
do centenário da Independência marcou o empresas nacionais que não estavam
ressurgimento da indústria naval, com a preparadas, financeira e estruturalmente,
construção de três navios mercantes. Por quebraram. As exportações cresceram
outro lado, a malha ferroviária atingiu a marca assustadoramente e o país foi invadido por
de 29.000 km de trilhos com a utilização de produtos e equipamentos vindos de diversas
2.000 locomotivas e 30.000 vagões. Os partes do mundo.
investimentos voltaram a acontecer e no ano Na segunda metade dessa década pôde ser
de 1942 foi fundada a Companhia Vale do Rio notada uma tentativa de reestruturação da
Doce (CVRD), absorvendo a Estrada de Ferro economia brasileira como um todo e, de
(EF) Vitória-Minas, que logo se tornaria a mais maneira geral, todos os setores necessitavam
importante do Brasil. de investimos vultosos que propiciassem um
Em 1957, foi criada a Rede Ferroviária Federal crescimento sustentável.
S.A. e no ano seguinte o Fundo da Marinha A partir de 1997, a Petrobras começou a
Mercante (FMM), que propiciou a construção realizar investimentos para a construção de
de dois grandes estaleiros, com investimentos plataformas e navios de suporte, visando a
da ordem de USD 40 milhões. produção offshore. Nesse mesmo ano,
O fim da década de 1970 marca o auge começou o processo de privatização da malha
desses dois setores. No ferroviário, com a ferroviária que se estendeu até 1999, com a
inauguração de diversas estradas de ferro (EF extinção da RFFSA.
Jari e EF Trombetas, entre outras) e das Um histórico mais detalhado dessas duas
criações do Fundo Nacional de indústrias pode ser visualizado na Seção
Desenvolvimento, da Engefer e da FEPASA. Anexos (Anexo A). A Figura 1 mostra os níveis
Por outro lado, entre 1972 e 1975, foram de atividade dos dois setores3.
construídas duas fragatas, dotadas de
complexos sistemas de armas, máquinas e
sensores, além dos primeiros submarinos da
classe Tupi, fazendo que o Brasil entrasse
para o seleto grupo de países que construíam
esse tipo de embarcação.
No último ano da década, o setor naval fechou
o ano com a produção de 50 navios, sendo
que 9 foram exportados, atingindo um total de
1.394.980 toneladas construídas, e uma
indústria que empregava 40.000
trabalhadores. O Brasil era considerado, nessa 1840 1860 1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000

época, um dos maiores construtores de navios Figura 1: Evolução qualitativa das indústrias
do mundo. ferroviária e de construção naval, no Brasil.
Os anos seguintes, marcados por crises Fonte: elaboração própria.
governamentais e financeiras, mercado
especulativo, altos índices de inflação e baixos 3. Os investimentos atuais no Brasil
níveis de investimento, levaram à paralisação
e deterioração dos setores ferroviário e de O século XXI se iniciou com perspectivas de
construção naval. Logo em 1980 cerca de grandes investimentos e crescimento para
8.000 km de ferrovias foram desativados. ambos os setores. Em 2003 foi criado o
Estaleiros fecharam e os trabalhadores Programa de Revitalização das Ferrovias, com
migraram de segmento. Empresas que antes previsão de investimentos de R$ 4,5 bilhões
forneciam para os estaleiros foram obrigadas a até o fim de 2008. Segundo o Presidente da
diversificar seus mercados ou, simplesmente, República, o Plano tem por objetivos:
fecharem suas portas. recuperar as ferrovias que estavam
No meio da década, dois suspiros: a CVRD paralisadas e acelerar o crescimento do setor,
inaugurou em 1985 a EF Carajás no Pará e, reequilibrando a matriz de transporte de carga
de maneira isolada, o Ishikawajima do Brasil do país.
Estaleiros S.A. (RJ) construiu, no ano Para exemplificar o que tais investimentos
seguinte, dois super graneleiros que significam, em 1991 o país produziu apenas 6
representavam um recorde mundial: possuíam
302 metros de comprimento e cerca de
305.000 toneladas, cada um.                                                             
3
O gráfico foi gerado a partir da evolução histórico dos
Uma mudança importante no início da década
setores e não está atrelado a nenhum indicador produtivo
de 1990 foi a abertura econômica. Diversas conhecido.

 
vagões, número que passou para 7.500 perspectivas do setor naval4 culminaram, em
unidades, em 2005 (Figura 2). 2004, com o Programa de Mobilização da
Outro exemplo de resultados dessa iniciativa é Indústria Nacional de Petróleo e Gás
a Ferrovia Norte-Sul que começou a ser (Prominp), por parte do poder público.
construída em 1987. De 1987 a 2003, foram Em 2005, foi lançado o Programa de
construídos 215 km. Só em Outubro de 2006, Expansão e Modernização da Frota (Promef)5,
foram inaugurados outros 150 km dessa da Transpetro, que prevê a construção de 42
ferrovia. navios, a partir de recursos garantidos pelo
Uma das prioridades do Governo Federal, com FMM e administrados pelo BNDES.
esse programa, é a conclusão da Um dos objetivos que se deseja alcançar com
Transnordestina, cujo projeto original se iniciou o lançamento desse programa é o índice de
em 1990 e foi paralisado no final de 1992. 100% de propriedade da frota de cabotagem,
Somente para essa estrada de ferro estão assim como 50% da de longo percurso.
previstos investimentos da ordem de R$ 4,5 A estatal conta hoje com uma frota de 51
bilhões, sendo que R$ 3,95 bilhões serão navios, sendo 8 com casco duplo. A demanda
financiamentos pelo Governo. atual da Petrobras é de cerca de 120 navios.
O país conta hoje, com uma malha ferroviária Outro objetivo direto é diminuir a idade média
de cerca de 30.000 km de extensão, o que das embarcações para 10 anos, até 2015. A
revela um baixo índice de m de trilhos por km2 idade média da frota de 15 anos6.
de área territorial: 3,1 para o Brasil, contra 150 A primeira fase do Promef se iniciou com a
dos EUA e 15 da Argentina, segundo os dados licitação para a construção dos primeiros 26
da Associação Nacional de Transportadores navios (USD 2,48 bilhões) e expectativa de
Ferroviários (ANTF). criação de 22.000 postos diretos de trabalho,
Além do baixo índice de densidade ferroviária, fazendo com que o país recupere o nível
as ferrovias são mal distribuídas, sendo que histórico do fim da década de 1970, com
mais da metade delas se encontram na 40.000 trabalhadores empregados no setor.
Região Sudeste.
4. A atual indústria ferroviária no país

Atualmente, três empresas fabricam vagões


no país: a Amsted-Maxion, a Usiminas
Mecânica e a Randon, sendo que as duas
últimas são novas entrantes do setor,
estimuladas pela criação do Programa de
Revitalização das Ferrovias.
Paralelamente, outras três empresas
concessionárias representavam 90% da
movimentação de vagões, em 2006, conforme
a Figura 3. São elas a Vale, a MRS e a ALL,
binacional detentora da privatizada Malha Sul
e que conta com 15.628 km de trilhos e
  movimentação de 20,7 milhões de toneladas
Figura 2: Produção de vagões no Brasil.
de cargas.
Fonte: elaboração própria.
Bilhões TKU

Estudos da EAEGV-SP (2008) apontam para


investimentos da ordem de R$ 25 bilhões para
o setor ferroviário até 2015. Isso fará com que
a malha alcance a marca dos 36.000 km, valor
ainda inferior aos 38.000 km alcançados em
1958, e a movimentação ultrapasse 472                                                             
4
bilhões de TKU, um aumento de 86% com Tais como a exploração e produção de petróleo e gás, a
auto-suficiência alcançada e o elevado nível de comércio
relação a 2007. Dessa forma, a participação atingido, entre outros.
do setor saltaria de 26% para 32% na matriz 5
de transportes brasileira. As premissas do Promef são: construção no Brasil,
índice de nacionalização de 65% e alcance de preços e
Por outro lado, a demanda mundial por navios, prazos internacionalmente competitivos.
o envelhecimento da frota nacional e as novas 6
A idade da frota brasileira como um todo é ainda maior:
23 anos, considerando-se também os navios de
cabotagem, que são muito antigos.

 
240 com um ramal ferroviário estrategicamente
200 conectado à Estrada de Ferro Vitória-Minas,
160
pertencente à CVRD, que transporta 37% de
toda a carga ferroviária nacional.
120
A atuação da Randon no setor ferroviário se
80
iniciou em 1998 com a fabricação do sistema
40
bimodal Transtrailer, uma tecnologia que
0 permite que o semi-reboque trafegue tanto em
Carajás Vitória MRS ALL Outras Total 2006
Minas ferrovia como em rodovia. Impulsionada pela
  maior presença de ferrovias no escoamento de
Figura 3: Participação das concessionárias de
ferrovias, em 2006. Fonte: elaboração própria. safras de grãos, em 2004, a Randon lançou
uma linha de vagões tipo hopper HFE para o
A Figura 4 mostra a evolução da transporte de grãos e farelo.
movimentação de cargas por ferrovias, no Foram utilizados inicialmente investimentos da
Brasil. Note-se que o ano de 1997 foi marcado ordem de R$ 1 milhão. O valor é relativamente
pelo início das privatizações do setor. pequeno, mas serviu apenas para adaptações
pontuais em sua linha produtiva, ferramentaria,
pesquisa e desenvolvimento, a fim de entrar
nesse novo setor. Hoje a empresa conta com
165 funcionários dedicados a esse segmento.
Até o fim de 2007, cerca de R$ 30 milhões
foram utilizados para compra de equipamentos
  e adequação de suas instalações, para as
necessidades do setor ferroviário. Além
Figura 4: Evolução da movimentação de cargas por
ferrovias. Fonte: elaboração própria.
desses, outros R$ 100 milhões foram
utilizados pela empresa para a construção de
4.1 As empresas do setor ferroviário uma unidade de fundição, prevista para operar
a partir de Julho de 2008.
Em 1943, surgiu a primeira indústria do De acordo com Paiva et al. (2005), a grande
segmento ferroviário do Brasil: a Fábrica similaridade construtiva entre os implementos
Nacional de Vagões (FNV). Em 1990, a rodoviários e os vagões ferroviários, aliada às
gaúcha Iochpe-Maxion assume o controle da suas competências centrais (ferramentaria,
FNV e, em fevereiro de 2000, cria uma joint calderaria e linha de produção e montagem
venture juntamente com a Amsted Industries, flexíveis) permitem à Randon a transferência
maior fabricante de fundidos ferroviários da de grande parte de seu know-how em
América do Norte. A Maxion possui estrutura implementos rodoviários, adquiridos em mais
verticalizada, de forma que sua produção é de meio século no mercado, para a produção
própria, desde a fundição das peças à de seus vagões.
montagem de seus vagões. Somente para Mesmo que esse não seja o primeiro, nem seu
entrega em 2008, a empresa tem encomendas principal nicho de atuação, em comum essas
que totalizam 1940 vagões, gerando receita de três empresas possuem as competências
R$ 320 milhões. fundamentais necessárias para a produção de
Interessadas no reaquecimento desse vagões: flexibilidade da linha de produção e
mercado, a Usiminas Mecânica e a Randon visão de mercado, além das competências
despontaram como empresas que adaptaram metal-mecânicas intrínsecas às atividades de
suas linhas de produção para a fabricação de manufatura do aço, a fim se produzir produtos
vagões. finais acabados (fundição, corte, soldagem,
A primeira dessas empresas foi fundada em montagem, etc.).
1970, com o objetivo de fornecer aço para a De qualquer maneira, não parece possível
construção civil e mecânica. Atualmente, é afirmar que investimentos do governo
dividida em seis unidades de negócios e atua representem, por si só, garantia oo
no setor ferroviário desde 2003. A Usiminas ressurgimento e organização de um setor: é
possui capacidade instalada para fabricar 150 imperativo que as empresas, já estabelecidas
vagões por mês, adequados para transporte ou entrantes, consigam aglutinar as
de minério e grãos – todos dentro da norma competências-chave que permitam sua
internacional AAR7. A empresa conta ainda sustentabilidade no médio e longo prazos.
Além disso, pressupõe-se que investimentos
                                                             em um dado setor só são feitos, em geral,
7
 AAR: Association of American Railroads  após análise criteriosa das condições do
6

 
mesmo. Assim, cabe destacar que, no Brasil,
existe isenção de impostos de importação, A estatal de transportes da Petrobras aponta
tanto para trilhos como para locomotivas. os dois primeiros como os principais gargalos
Já com relação a vagões e peças para vagões a serem enfrentados pelo país.
e locomotivas, existe taxação de 14% para Além disso, a empresa também fez um
importação, contra isenção de IPI, levantamento dos componentes de uso naval,
PIS/CONFINS de 9,25% e ICMS que, hoje, segundo a viabilidade de produção local,
varia de 9% a 19%, dependendo da tributação dividindo-os em três grupos: os que já são
de cada Estado, para os produtos fabricados produzidos localmente, exigindo apenas
no país. pequenas ou nenhuma modificação8; aqueles
que podem ser fabricados localmente, a partir
5. A atual indústria naval no país de certa demanda inicial9; e os que são
praticamente inviáveis de serem produzidos no
Em 2008, o Ministério dos Transportes país10.
comemorou os 50 anos do Fundo da Marinha A despeito destas considerações, a
Mercante. Criado em 1958, pelo então Associação Brasileira da Indústria de
Presidente Juscelino Kubitscheck, o FMM Máquinas e Equipamentos (Abimaq) publicou
configura-se hoje como principal instrumento recentemente alguns resultados que apontam
de financiamentos do setor. Até 2010, o fundo para um otimismo dessa indústria com relação
deve garantir a aplicação de R$ 10,6 bilhões ao cenário atual do setor de petróleo e gás
em investimentos. natural.
Apesar do nível de investimentos estar em um Pode-se citar, por exemplo, o faturamento total
patamar alto, o setor deve enfrentar diversos das empresas associadas que saltou de R$
gargalos, associados ao fornecimento de 54,7 bilhões em 2006 para R$ 61,6 bilhões em
navipeças, para o alcance dos índices de 2007, um aumento de 12,6%. Somente nos
nacionalização desejáveis, que devem dois primeiros meses de 2008, essas
contribuir para a reestruturação do setor. empresas faturaram R$ 108 bilhões, um
Nesse sentido, segundo a Transpetro, os aumento de 39% frente aos mesmos meses
principais problemas a serem enfrentados são: do ano passado.
O desafio é o desenvolvimento de tecnologias
• Escala: a baixa escala de produção dificulta adequadas para o setor naval, a partir de
a diluição dos custos fixos e a baixa escala de associações e parcerias com empresas
compras inviabiliza descontos por volume. estrangeiras e universidades, por exemplo.
Exemplos: a baixa escala de produção de Com vista nessas parcerias, a Abimaq
trocadores de calor (inviabilizando a produção viabilizou um fundo que conta hoje com cerca
em série) e a baixa escala de compra de de R$ 200 milhões para financiar os
motores principais importados; associados em contrato, com adiantamento de
• Logística: o custo de transporte impacta o até 70%. A previsão é de que o fundo atinja
valor do material importado, além da R$ 1 bilhão.
necessidade de fretes internos. Exemplo: frete, Tais investimentos parecem ser justificáveis:
seguros e custos portuários para importação de acordo com o Workshop CEGN (2008), a
de motores principais, provenientes de países demanada brasileira deve chegar a 400 navios
asiáticos; para os próximos 10 anos, o que geraria
• Tecnologia: os processos obsoletos de oportunidades potenciais para a cadeia
produção impactam na qualidade do produto e nacional de navipeças de cerca de USD 780
no custo de aquisição de tecnologia. Exemplo: milhões por ano.
a inexistência de fornecedores locais com
projetos de molinetes para petroleiros leva à 6. As semelhanças entre os setores
necessidade de licenciamento; ferroviário e naval
• Insumos: necessidade de importação de
insumos ou disponibilidade local de menor                                                             
8
É o caso de chapas grossas de aço, bombas comuns e
qualidade. Exemplo: necessidade de fios e quadros elétricos.
importação de barras de aço usadas nas 9
amarras; Como hélices, guindastes, âncoras e trocadores de
calor.
• Impostos de importação: a carga tributária 10
sobre componentes importados impacta nos O motor principal, sistemas de automação e controle e
sistemas de navegação e posicionamento são os
custos de produção. Exemplo: a carga principais componentes considerados inviáveis de serem
tributária sobre os queimadores das caldeiras construídos hoje no país, dados seus portes, nível de
a óleo onera os custos de produção. confiabilidade exigida e tecnologia agregada.

 
consistente as competências-chave
Como visto anteriormente, existem algumas necessárias ao seu desenvolvimento
semelhanças históricas entre os níveis de sustentável, quando comparadas à indústria
produção e atividade da construção naval de construção naval do país, que ainda sofre
brasileira e da indústria ferroviária. Ambas com a herança das quase duas décadas de
passaram por momentos de auge e declínio e inatividade.
encontram-se novamente em franca evolução, Os estaleiros estão (re) aprendendo seus
a partir de investimentos dos setores público e ofícios, a mão-de-obra especializada é
privado. escassa, e os produtores de navipeças, em
Mais que isso, a similaridade da vertente geral, não conseguem ainda apresentar
tecnológica, processo industrial, insumos garantias quanto à segurança e qualidade de
aplicados e perfil de mão-de-obra existente suas máquinas e equipamentos, frente às
entre empresas dos setores ferroviário e naval, exigências que o setor naval demanda.
parecem indicativos de que o primeiro pode ter
lições a ensinar ao segundo. 7. Desenvolvimento da navipeças a partir
De maneira geral, podem ser citadas cinco de competências produtivas da indústria
semelhanças claras entre esses dois setores: brasileira

• Elo com o setor siderúrgico: tanto no setor Um dos objetivos deste trabalho é sugerir
de construção naval como no ferroviário o aço práticas de como viabilizar a (re) inserção de
é de extrema importância, representando mais empresas no setor naval, apontando os
de 40% do custo, tanto nos trens como nos componentes passíveis de serem produzidos
navios; localmente, bem como indicar ações que
• Transporte de commodities: alterações nos essas empresas, ou o governo, possam tomar
preços das commodities ocasionam mudanças a fim de obterem êxito nessa empreitada.
nos ativos de transporte. Essas variações A metodologia empregada, a partir do que já
podem ser semelhantes tanto no setor naval foi exposto, foi a análise das competências
como no ferroviário; metal-mecânica existentes no Brasil e aquelas
• Incentivo governamental: em 2003 entrou que são necessárias para produção dos
em vigor o Programa de Revitalização das principais componentes (definidos a partir de
Ferrovias, que consiste em reativar o setor uma quebra funcional de embarcações).
ferroviário. Em 2005 foi lançado o Programa Em adição, foi feito um levantamento das
de Modernização e Expansão da Frota. Em lições que podem ser tiradas da evolução da
ambos os casos, há facilitações para novos indústria ferroviária nacional, tendo como base
entrantes junto ao BNDES; o exemplo de empresas que entraram
• Histórico de expressividade industrial: na recentemente no setor, estimuladas pelos
década de 70 o Brasil era um grande novos investimentos e pelo fato de possuírem
fabricante de navios de grande porte e de as competências centrais necessárias.
vagões. Os dois setores não cresceram Por fim, desejava-se investigar a possibilidade
sustentavelmente e praticamente foram de ocorrência desse mesmo fenômeno na
desativados devido às crises ao longo da navipeças.
década de 80;
• Demanda mundial aquecida: com um 7.1 Identificação das competências navais
notável crescimento, empresas como a Vale e
a Petrobras precisam aumentar suas frotas. A quebra funcional de navios é importante
Nelas, é possível verificar a existência de para a definição dos principais equipamentos
demanda reprimida, tanto para navios como embarcados, a partir de seus custos relativos,
para trens. Internacionalmente, o crescimento frente ao custo total de construção.
de países como China e Índia aumentam a A quebra em níveis utilizada pode ser
demanda por transporte. visualizada na Figura 5.

A comparação desses dois setores aponta


para diversas semelhanças existentes entre
eles, de maneira que as lições e evoluções de
uma das indústrias podem sugerir exemplos a
serem seguidos pela outra.
Atualmente, as empresas que constituem a
indústria ferroviária nacional se encontram
melhor estruturadas, aglutinando de maneira
8

 
relação indireta da sua relevância em termos
de custo.
Para cada linha, calculou-se a soma de todos
os valores atribuídos, que acaba por
representar a importância dessa competência
para o navio como um todo.
Os valores foram, então, padronizados para
uma escala de importância que varia de
BAIXA, demonstrando pouca relevância, a
MUITO ALTA, que denota importância
fundamental da competência para o conjunto
de componentes escolhidos anteriormente.
  O resultado desses cálculos e análises
Figura 5: Quebra funcional de navios. encontra-se na Tabela 1.

A quebra do navio foi feita com base em dados Tabela 1: Importância relativa de cada competência,
constantes em COPPE – UFRJ (2006) e os dentro do setor naval 
resultados encontram-se na seção Anexos
(Anexo B). Foram analisados dados de Importância
rebocadores, PSVs, gaseiros, porta- Fundição Muito Alta
conteineiros e petroleiros. Usinagem Muito Alta
A partir da citada quebra de custos, foi feita a Precisão Média
seleção racional dos principais equipamentos Montagem Média
embarcados em um navio. São eles: motores, Conformação Média
hélices, grupos geradores, caldeira a óleo,
Soldagem Alta
purificador de óleo, bombas, compressores,
Pintura Média
tubulações, sistemas de inertização, madre do
leme, guindaste de carga, âncoras, painéis Corte Média
elétricos, transformadores, sistemas de Comando Média
automação e sistema fixo de combate a Confecção de Média
incêncio. Montagens elétricas Média
Os equipamentos escolhidos foram utilizados
para posterior estudo das competências Uma competência específica, a bobinagem, foi
necessárias para produzi-los. suprimida dos resultados aqui apresentados,
Para confecção da matriz de competências, dado que foi citada apenas pelos fabricantes
foram feitas, inicialmente, entrevistas com de transformadores e de motores elétricos.
professores da Escola Politécnica da Embora extremamente importante para a
Universidade de São Paulo (POLI-USP) produção desses componentes, tal
A seguir, foram realizadas entrevistas com competência não apresentou importância
diretores industriais de empresas de diversos relativa para o setor.
setores, desde aqueles que fornecem Dois itens merecem atenção especial. O
equipamentos para o setor naval, até aqueles primeiro é o relativo à pintura, visto que,
que possuem produtos similares, em porte ou embora seu custo e importância sejam
utilidade. relevantes para o casco e alguns
Cada entrevista foi precedida por estudos equipamentos que exigem tratamento
aprofundados da empresa específica, bem especial, essa competência não é relevante
como dos seus setores de atuação. para os equipamentos principais embarcados.
A matriz de competências – seção Anexos Por fim, pode-se citar o caso da soldagem que
(Anexo C) – foi gerada a partir da indexação se estabeleceu, desde a Segunda Guerra
da importância relativa de cada competência Mundial, como uma das competências mais
para a produção de determinado equipamento importantes para o setor naval, tanto para a
naval, com base nas entrevistas citadas união de chapas durante sua construção,
anteriormente. como para o fabrico de seus principais
Os valores atribuídos a cada célula da matriz equipamentos. Entretanto, é usual que as
de competências foram ponderados pelo custo empresas possuam, dentro de suas próprias
de cada equipamento, relativamente ao custo linhas de produção, máquinas e pessoal
de construção da embarcação, de maneira especializado para atender às suas próprias
que tais valores contivessem, além da demandas com relação a esse processo.
importância técnica da competência, uma
9

 
7.2 Identificação das competências equipamentos navais, além de sua presença
nacionais na matriz brasileira de competências.
As competências selecionadas são muito
A fim de identificar as competências presentes antigas e passaram por um acentuado
na matriz industrial brasileira, foram realizadas desenvolvimento histórico, com melhoria de
entrevistas com os diretores industriais de equipamentos e processos, tornando-as
empresas pertencentes a setores específicas para a transformação que se
considerados como os mais competitivos deseja promover no material utilizado, além da
dentro do país11. própria composição deste último.
Essas entrevistas geraram outra matriz de
competências, cuja análise foi diferente da 7.3 Considerações sobre as competências
anteriormente citada. O objetivo, nessa brasileiras necessárias ao setor naval
investigação, era a identificação de quais das
competências estudadas as indústrias O passo seguinte à escolha das principais
nacionais dominam, de alguma forma. competências de equipamentos navais
A Tabela 2 mostra os resultados obtidos, cuja fortemente arraigadas na indústria brasileira foi
avaliação foi feita a partir de um índice que a investigação das necessidades e problemas
variava de POUCO (presente), passando por de cada setor.
TERCEIRIZA (quando o processo é Com relação à fundição, por exemplo, pode-se
importante, mas normalmente feito por outras considerar que, em termos gerais, o custo de
empresas, de maneira terceirizada), até concepção de uma planta é relativamente alto,
MUITO (quando o processo é dominado por dado o valor inicial despendido em
pelo menos uma empresa, dentre as mais equipamentos como fornos, sopradores,
competitivas). moldadoras, resfriadeiras, gasadoras e
transportadoras. Para uma indústria de
Tabela 2: Domínio das competências pelas empresas fundição em funcionamento, algo entre 40% e
mais competitivas, no Brasil
50% de seus gastos são em matéria-prima,
O Brasil possui restando outros 50% ou 60% dos custos com
essa competência? possibilidade redução, através de tecnologia
agregada aos processos, por exemplo.
Fundição Muito Para os equipamentos navais, nos quais o uso
Usinagem Muito dessa competência é relevante12, é utilizado,
Precisão Muito em geral, fundição em areia verde (molde
Montagem Muito  descartável). Neste caso, existe a
Conformação Muito  necessidade, posteriormente à desmoldagem,
Soldagem Muito  de limpeza, desrebarbeamento e outros
Pintura Muito  processos de acabamento da peça gerada. Os
Muito  processos críticos da fundição são a
Corte
preparação do molde bipartido quando o
Comando Muito 
processo não é automatizado, o resfriamento e
Confecção de circuitos Terceiriza solidificação, e a desmoldagem.
Montagens elétricas Muito O treinamento técnico de pessoal da fundição
também é muito importante, embora a custos
A partir dos resultados gerados na “Tabela 1: relativos menores que os de usinagem, por
Importância relativa de cada competência, não ser, em geral, um processo tão
dentro do setor naval” e na “Tabela 2: Domínio sofisticado. Cabe lembrar que, nos casos em
das competências pelas empresas mais que a planta é extremamente automatizada,
competitivas, no Brasil”, foram escolhidas duas esse custo eleva-se consideravelmente.
competências (fundição e usinagem) para um Em 2006, o Brasil possuía 1254 fundições, das
estudo mais aprofundado de como quais 95% são consideradas pequenas e
desenvolvê-las, frente aos problemas típicos médias empresas. O setor faturou, naquele
inerentes a cada uma delas. A seleção foi feita ano, algo em torno de USD 6 bilhões, dos
levando-se em consideração o uso da quais USD 1,4 bilhão voltados para a
competência para produção dos principais exportação (principalmente Estados Unidos,
França, Alemanha, Inglaterra, Japão e China).
                                                            
11
Para isso foi utilizado um estudo que identificou os 10
                                                            
12
setores nacionais mais competitivos, a partir da análise Motores, âncoras, hélices, bombas, madre do leme e
dos 108 setores mais competitivos da Indústria Brasileira. compressores, entre outros.
CEGN (2008).
10

 
A usinagem é o processo de transformação construção naval brasileira, com cumprimento
mecânica mais amplamente difundido no país, das exigências de qualidade e segurança
principalmente devido à sua utilidade para os inerentes ao setor, junto às autoridades
mais diversos setores industriais. Em termos marítimas e sociedades classificadoras,
técnicos, a usinagem é definida como o consumiria, segundo as estimativas feitas, um
conjunto de operações que conferem a uma investimento total da ordem de R$ 805
peça a forma, as dimensões ou acabamento, milhões, em uma unidade capaz de produzir
ou uma combinação destas características, fundidos já usinados. A receita bruta média
com geração de cavaco. Pode ser considerada esperada para uma fábrica desse porte é de
uma competência nobre e cara, já que utiliza aproximadamente R$ 760 milhões anuais,
mão-de-obra altamente especializada, valores calculados pela equipe, a partir dos
requisitos fortes de segurança e treinamento, dados da ABIFA e de empresas que estão
maquinário e ferramental caros, além das investindo atualmente em novas unidades de
perdas com cavaco, em torno de 10% da fundição.
matéria-prima total.
Um dos setores que mais compram produtos 8. Conclusão e recomendações
dessas duas indústrias é o automobilístico.
Desde o fim dos anos 1990, esse setor vem Diante do que foi exposto neste trabalho, ficam
exigindo níveis cada vez maiores de peças evidentes algumas semelhanças importantes
acabadas, ou seja, ao invés de comprarem os entre as indústrias naval e ferroviária no Brasil.
fundidos e promover a posterior usinagem (in O atual estado da segunda pode auxiliar a
loco ou terceirizada), as montadoras vêm segundo a se desenvolver.
fechando contratos de aquisição de fundidos já Assim, um primeiro ponto a se destacar é que,
usinados. das empresas que atuam na produção de
Dessa forma, vários investimentos foram (e vagões, uma possui um histórico relevante de
estão sendo) realizados de maneira a atuação no setor, com atividades iniciadas na
desenvolver uma cadeia de fornecimento década de 40, enquanto as outras duas,
desse tipo de produto. Um exemplo disso é embora sejam novas entrantes, estão
uma empresa nacional de fundição que vai estruturadas há algum tempo, atendendo a
investir, até 2011, R$ 130 milhões para outros setores da economia. De certa maneira,
duplicar sua capacidade de fundição, que hoje as três empresas são verticalizadas, isto é,
é de 40 mil toneladas ao ano, além de passar realizam internamente – ou estão se
das atuais 25 mil toneladas de usinados para preparando para fazê-lo – os processos que
40 mil toneladas. Cabe ressaltar que até consideram estratégicos para seu
alguns anos atrás essa empresa só desenvolvimento. Como será visto mais
comercializava fundidos brutos. Hoje 54% de adiante, é possível que o setor naval siga por
suas peças são fundidos usinados. um caminho parecido com esse.
O Anexo D (seção Anexos) mostra alguns A seção 7.1 apontou para o fato de que,
dados retirados do relatório anual da dentre as competências selecionadas, a
Associação Brasileira de Fundição (ABIFA), a usinagem já é realizada internamente pelas
partir da qual foi feita uma estimativa da empresas estudadas. Entretanto, os altos
demanda nacional por fundidos, pela indústria investimentos que se fazem necessários,
de construção naval, levando em consideração fazem com que o mesmo não se aplique à
as encomendas/licitações de navios para os fundição.
próximos dez anos (o que levaria a uma média A viabilização quer pelo governo, quer pela
de 39,4 navios/ano), bem como a quebra iniciativa privada, de uma unidade integrada
funcional de embarcações realizada para esse de fundição para o setor parece ser uma
trabalho. solução possível, visto que não ocuparia lugar
Segundo CEGN (2008), a construção naval nas linhas de produção já existentes e que
necessitaria anualmente, para os principais estão trabalhando, atualmente, próximo de
equipamentos embarcados, mais de 130.000 seus limites, além de permitir uma evolução do
toneladas de fundidos (média de 3.300 processo, com relação à curva de
toneladas por navio), o que corresponde a aprendizado.
cerca de 4,5% de toda a produção nacional As vantagens para a navipeças são muitas e
ou, ainda, tudo o que é gerado por uma claras: a produção não seria onerada por um
indústria de porte médio do setor. investimento de grande vulto, a qualidade das
A viabilização de uma fundição que pudesse peças fundidas seria garantida pela unidade
agregar a fabricação de todos os fundidos produtora e a geração de demanda estaria
demandados anualmente pela indústria de garantida (lembrando-se que os cálculos foram
11

 
efetuados a partir das encomendas/licitações desenvolvimento, Volume 4: Indústria
já existentes para os próximos 10 anos). fornecedora da construção naval” .
Por fim, uma melhor adequação dos impostos
e taxas sobre matéria-prima e componentes Site do DNIT – Departamento Nacional de
para o setor naval, tanto dos nacionais como Infra-estrutura de Transportes:
dos importados, como visto na indústria www.dnit.gov.br/
ferroviária, poderia ajudar o setor a alavancar
um crescimento contínuo e sustentável. De Site da ANTF – Associação Nacional dos
maneira a exemplificar essa questão, pode-se Transportadores Ferroviários:
citar a diferença entre os impostos de www.antf.org.br/
importação de ambos os setores: 14% para os
insumos ferroviários, contra 0% de taxação
daqueles que serão destinados a Site da ABIFA – Associação Brasileira de
embarcações. Aliado a isso, cabe lembrar que Fundição:
existe isenção de IPI para produtos destinados www.abifa.org.br
ao setor ferroviário, o que mostra que a
produção interna para esse último é mais
estimulada, em detrimento da importação.
Esses fatos podem sugerir que existe uma
proteção maior para o setor ferroviário, que
não existe com relação à navipeças. A
reformulação dessas barreiras tarifárias e
alfandegárias pode auxiliar a reestruturação da
indústria de construção naval do Brasil,
criando as condições necessárias para o
desenvolvimento, e posterior consolidação, da
cadeia de suprimentos de navipeças nacional.

9. Bibliografia

Telles, Pedro C. S. (2001), História da


construção naval no Brasil, capítulo 4, pp. 93 –
96.

EAEGV-SP (2008), Centro de Excelência em


Logística e Cadeias de Abastecimento da
Fundação Getúlio Vargas (Gvcelog e FGV
Projetos), “Desafios e Perspectivas do Setor
de Transporte Ferroviário de Cargas no Brasil
- 2008 a 2015”.

Paiva, E. L.; Antunes, J.A.V.; Klippel, M.


(2005), “Estratégia de produção em empresas
com linhas de produtos diferenciados: um
estudo de caso de uma empresa rodo-
ferroviária”, Programa de Pós-Graduação em
Administração, UNISINOS.

Workshop CEGN (2008), Centro de Estudos


em gestão naval, “Brazilian Opportunities in
maritime industry”, II Worshop do CEGN,
Alesund, Noruega.

CEGN (2008), Centro de Estudos em Gestão


Naval, “A indústria de navipeças no Brasil”
(ainda não divulgado).

COPPE – UFRJ (2006), “Indústria naval


brasileira: situação atual e perspectivas de
12

 
10. Anexos

13

 
Anexo A: Histórico das indústrias ferroviária e de construção naval, no
Brasil.

Anexo B: Quebra de custos de diversos navios para escolha dos equipamentos principais.

14

 
 
Aço

Sistemas auxiliares

Propulsão

Governo

Equip. Eletrônicos

Geração

Equip. Eletrotécnicos

Equip. de Segurança

Fundeio e Reboque
Equipamentos avaliados pelo estudo

Movimentação de carga

Redes e Tubulações

Habitação

82%
77%
70%
81%

77%.

Materiais Elétricos

Fonte: elaboração própria.


Pintura e Tratamento

Marinharia

Salvatagem

Divisórias e pisos

Divisórias e pisos

Acessórios
PSV

Gaseiro

Anexo C: Matriz de competências associada aos equipamentos principais de um navio.


Petroleiro

Sistemas especiais
Rebocador

Porta-contêiner
% Acum.

Outros Custos

15
Confecção de
Fundição Usinagem Precisão Montagem Conformação Soldagem Pintura Corte Comando Montagens elétricas
circuitos elétricos
Motores
Hélices
Grupos geradores
Caldeira a óleo
Bombas
Compressores
Tubulações
Distemas de
inertização
Madre do leme
Guindaste de carga
Âncoras
Painéis elétricos
Transformadores
Sistemas de
automação
Sistema fixo de
combate a incêndio

ANEXO D: Produção brasileira de fundidos e estimativa da demanda de fundição pela navipeças


brasileira para os próximos 10 anos.

Fundição
Receita anual (RA) USD 5,60 bilhões
Produção anual (PA) 2,97E+06 toneladas
RA / PA R$ 3400 / tonelada
Demanda anual por fundidos 130.000 toneladas 3.390 toneladas por navio

Fonte: elaboração própria.

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